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Chaline de Souza

DEIXA A
POMBAGIRA Nas
encruzilhadas,

TRABALHAR!
caminhos e
descaminhos
de gênero

Florianópolis, 2019
© by Chaline de Souza

Como se referir a essa obra:


SOUZA, Chaline. Deixa a pombagira trabalhar! Nas encruzilhadas, caminhos e descaminhos
de gênero. Florianópolis: Fogo: Tribo da Ilha, 2019.
Coordenação da Fogo Editorial e da Coleção Pombagira:
Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fº

Associação Internacional de Estudos de Afetos e Religiões


Presidência: Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fº, Brasil
Vice-Presidência: Patricia Fogelman, Argentina

Projeto gráfico, diagramação e capa:


Rita Motta

Revisão:
Patrícia Leonor Martins

Este livro foi produzido na Casa do Amor (sede da AMAR e da Fogo Editorial), situada na Praia
do Amor / Conde, Paraíba, Brasil; e na Ilha da Magia (Florianópolis, Santa Catarina, Brasil)

S729d Souza, Chaline


Deixa a pombagira trabalhar! [recurso eletrônico on-line]: nas
encruzilhadas, caminhos e descaminhos de gênero / Chaline Souza.
– Florianópolis: Fogo: Tribo da Ilha, 2019.
122 p. , figs. , fots. – (Pombagira)

Formato: PDF
Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: <http://www.fogoeditorial.com.br>
Inclui referências e anexos
ISBN: 978-65-80478-24-8 (e-book)

1. Cultos afrobrasileiros. 2. Pombagira. 3. Quimbanda.


4. Religiões e religiosidades. 5. Gênero. 6. Oralidade. I. Título.
II. Série.
CDU: 299.6

Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071

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Ari Pedro Oro, UFRGS Melvina Afra Mendes de Araujo, UNIFESP

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Cecilia Loreto Mariz, UERJ Paula Montero, USP

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Leila Marrach Basto de Albuquerque, UNESP Zwinglio Mota Dias, UFJF

Magali do Nascimento Cunha, MIRE/INTERCOM


Chaline de Souza

Mestre em História pelo Programa de Sul, começou uma análise com os


Pós-Graduação da Universidade de pontos-cantados na Fraternidade
Passo Fundo. Graduada em História Estrela da Manhã. O interesse nas
pela Universidade de Passo Fundo. pombagiras presentes no rito teve
início quando houve a percepção de
Membro do projeto de pesquisa
que essas mulheres poderiam ser quem
Religiões e Religiosidades:
quisessem e desse modo causavam
Possibilidades de Pesquisa, vinculado
esse efeito no cotidiano de seus
ao Laboratório do Estudo das Crenças
cavalos-de-santo.
(LEC).
Com o passar dos anos e das pesquisas
Suas pesquisas e publicações envolvem
o interesse acadêmico e científico virou
temas como: Espiritismo; Religiões
um amor pela religião e pela ritualística
afro-brasileiras e Gênero.
das matrizes afrorreigiosas.
Chaline iniciou suas pesquisas acerca
E-mail: chalinesouza3@gmail.com
do tema de afrorreligiosidades no ano
de 2016, quando por interesse pessoal Currículo Lattes:
e visando a necessidade de pesquisas http://lattes.cnpq.
acerca do tema no Rio Grande do br/0819623686231805
O sonho gera uma meta;
a meta um objetivo
e objetivo uma conquista.
Seja perseverante!
Maioral de Quimbanda
Agradecer nem sempre é uma tarefa fácil, ainda mais quando

AGRADECIMENTO
por tudo devemos ser gratos e temos que optar pelo que agradecer.
Agradeço à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-
soal de Nível Superior) pela concessão da bolsa durante todo o pe-
ríodo de realização dessa pesquisa que foi em decorrência do mes-
trado em História feito na Universidade de Passo Fundo (UPF). Grata
sou à UPF, que me acolheu e me possibilitou bolsas de estudo desde
minha graduação, até o mestrado. Não só a ela, mas aos que lutaram
antes de mim para que houvessem políticas públicas de inserção de
classes menos favorecidas no campo universitário.
Já me sinto privilegiada por chegar onde nenhum familiar
chegou, me sinto honrada por trilhar um caminho que mostrará aos
meus que poderão segui-lo e que acreditar é preciso e nada é impos-
sível quando se tem fé e axé. Grata por saber que jamais andei só.
Transformar minha dissertação em livro já era um sonho, po-
rém que foi concretizado pela Fogo Editorial, que sem medir esfor-
ços me ajudou a legitimar essas análises em um livro, numa época
em que a luta pela educação, pela informação e pelo respeito não
deve cessar. E todo cuidado é pouco para que possamos nos manter.
Gratidão a minha família que sempre incentivou, do seu modo,
para que eu crescesse enquanto pessoa. Esse trabalho é um pouco
de vocês.
Agradeço a ajuda das professoras doutoras Marlise Mayer, Jac-
queline Ahlert, Gizele Zanotto e Vanda F. Serafim, por cada sugestão
e contribuição a esse trabalho.
E minha gratidão eterna ao povo-de-santo da Fraternidade Es-
trela da Manhã, ao Pai Bira do Maioral, por permitir minha pesquisas
em suas casas, por apoiar minha inserção no campo religioso de seu
rito e possibilitar que a tudo anotasse e descrevesse. Estendo a gra-
tidão à Mãe Tânia de Iansã (in memoriam) pela luta de construir junto
ao Pai Bira do Maioral esse grande espaço sagrado, sua participação
está presente na memória afetiva de todos os membros que a co-
nheceram. Gratidão à Ialorixá Michele Alam, que assumiu as funções
de mãe de santo do Templo de Xangô e Iansã. Todos os entrevista-
dos, minha admiração, pela luta, pela fé e dedicação a essa crença
afrorreligiosa, que como sabemos carrega, de quem não a conhece,
muito preconceito e resistência.
Gratidão às senhoras dessa pesquisa, que são fundamentais na
vida de seus cavalos e que me inspiraram com suas performances e
representações de ser mulher. Estudar essas mulheres, me fez ser
grata por adentrar num espaço de liberdade feminina e de inúmeras
possibilidades que perneiam uma fé que liberta preconceitos acerca
do feminino.
O estudo das religiões está crescendo muito nos últimos

resumo
anos, também como resposta ao aumento de vínculo afrorreligio-
so que se observa no cenário nacional e regional. Nesse sentido, o
estudo das religiões e religiosidades não pode ser negligenciado
pela História e pelas demais ciências sociais, tendo em vista que o
campo religioso é de fato muito relevante na vida cotidiana. Essa
pesquisa tem como problemática o estudo dos discursos sobre as
pombagiras, especialmente nos pontos-cantados, durante os ritos
religiosos da Quimbanda, delimitando aos entoados pela Fraterni-
dade Estrela da Manhã, que engloba o terreiro Reino de Xangô e
Iansã, casa do Maioral localizada na cidade de Pedro Osório­/RS; o
Centro Fraternal Nossa Senhora Santana, na cidade de Nova Prata/
RS e o templo Guardiões do Mistério da Estrela, na cidade de Gua-
bijú/RS. Além do conteúdo específico dos pontos cantados, a aná-
lise atenta para a expressão oral dos pontos, ou seja, as formas do
dizer. Recorre-se, também, as fontes orais, buscando compreender
o modo que os adeptos do culto se referem às entidades femininas
cultuadas. No culto religioso afro-brasileiro presencia-se a exis-
tência de duas modalidades inequívocas de feminino, altamente
diferenciadas: uma Orixá; outra, Pombagira, ambas detentoras de
poder, força e número expressivo de adeptos que a elas recor-
rem. O estudo acerca dessa matriz afro-religiosa, que classifica-se
como tendo elementos do Candomblé, da Umbanda e da Quim-
banda; bem como das representações femininas desenvolvidas a
partir dos pontos cantados, torna-se relevante e justifica-se devi-
do a considerável contribuição desse grupo religioso, não só como
crença, mas também como doutrina e assistência aos que buscam
nesses terreiros ajuda, tanto para saúde, quanto para problemas
materiais e emocionais, e o que para nós pesquisadores configu-
ra um leque de possibilidades para entendermos esses espaços
enquanto produtores culturais e sociais. Desse modo, a pesquisa
versa acerca de compreender se a imagem das pombagiras reme-
teriam a padrões éticos, morais e conceituais em termo de nega-
ção e recusa de alguns atributos femininos nelas representados;
também se seriam essas entidades modelos a serem seguidos por
seus cavalos-de santo. Nessa exposição apresentaremos os resul-
tados relativos à análise das pombagiras como representação de
gênero no culto da Quimbanda.

Palavras-chave: Pombagira, Quimbanda, Gênero.


The study of religions is growing greatly in recent years, also in

ABSTRACT
response to the increase in religious ties we see on the national
and regional scene. In this sense, the field of religions and
religiosities can not be neglected by history and other social
sciences, considering that the religious field is indeed very relevant
in everyday life. This research has as problematic the study of the
speeches about the pombagiras, especially in the sung points,
during the religious rites of the Quimbanda, delimiting to those
intoned by the Fraternidade Estrela da Manhã, that includes the
terreiro Reino de Xango e Iansã – Casa do Maioral, located in the city
of Pedro Osório/ RS; the Centro Fraternal Nossa Senhora Santana in
the city of Nova Prata / RS and the Templo Guardiões do Mistério
da Estrela in the city of Guabijú / RS. Besides the specific content of
the sung points, the careful analysis for the oral expression of the
points, that is, the forms of saying. It is also used the oral sources,
trying to understand how the worshipers refer to the female
entities worshiped. In the afro-brazilian religious cult the presence
of two unequivocal modalities of feminine, highly differentiated:
an Orixá; another, Exu, both possessing power, strength and
expressive number of adepts who resort to them. The study about
this afro-religious matrix, which is classified as having elements
of Candomblé, Umbanda and Quimbanda; as well as the feminine
representations developed from the sung points, becomes relevant
and justified due to the considerable contribution of this religious
matrix, not only as a belief, but also as a doctrine and assistance
to those who seek in these terreiros helps both for health, and
for material and emotional problems. In this way, the research is
about understanding if the image of the pombagiras would refer
to ethical, moral and conceptual standards in terms of denial and
refusal of some feminine attributes represented in them; also if
these models are entities to be followed by their horses of saint.
In this exhibition we will present the results related to the analysis
of the pombagiras as representation of gender in the cult of
Quimbanda.

Keywords: Pombagiras, Quimbanda, Gender.


FAUERS Federação Afro-Umbandista Espiritualista
LISTA DE ABREVIATURAS
FEM
do Rio Grande do Sul
Fraternidade Estrela da Manhã
LEC Laboratório de Estudo de Crenças
Calunga: cemitério, local sagrado.

GLOSSÁRIO Calunga grande: mar e oceano


Cavalos-de-santo: médiuns; pessoa que incorpora os espíritos cha-
mados no rito.
Babalorixá: pai-de-santo
Encruza: encruzilhada, cruzamento de ruas que formam uma cruz.
Espaço sagrado para o grupo.
Egun: espírito de mortos, que em alguns casos são de espíritos não
evoluídos que buscam ajuda no terreiro.
Gira: sessão mediúnica, festas para as entidades cultuadas.
Ialorixá: mãe-de-santo.
Passe: Ato de passar as mãos repetidas vezes por diante ou por
cima de pessoa que se pretende curar pela força mediúnica e con-
versas com os consulentes.
Pontos-cantados: Músicas para as entidades cultuadas no rito
Terreiro: Espaço onde acontece o rito religioso
Ogã: músico que toca os instrumentos de percussão que chamam
as entidades ao terreiro.
PREFÁCIO 13

Sumário INTRODUÇÃO 17

1. DA PRESENÇA AFRICANA NO RIO GRANDE DO SUL AO


CULTO DE CANDOMBLÉ, UMBANDA E QUIMBANDA NA
FRATERNIDADE ESTRELA DA MANHÃ 27
1.1 Entrelaçamentos religiosos: Candomblé, Umbanda e
Quimbanda 31
1.2 Umbanquimdomblé: A Fraternidade Estrela da Manhã
e seu culto cruzado 38
1.3 As festas nos templos e o transe em um tempo cíclico 42
1.4 “O atabaque é a força da Quimbanda”: o ponto cantado
e a identidade religiosa 47

2. “ABRE A RODA, DEIXA A POMBAGIRA TRABALHAR” 51


2.1 “Mas cuidado amigo, ela é bonita, ela é mulher” 57
2.2 “Sou essa que estou aqui para resolver” 62
2.3 “O seu feitiço não é de brincadeira” 66
2.4 “Maria Padilha, mulher da máfia e também do
Maioral”: diferenças e similaridades entre
Pombagiras e Marias Padilhas 70

3. Mulheres, gênero e religiosidade afro-brasileira 80

Considerações finais 107

Referências 111

Anexos 118
PREFÁCIO
LAROIÊ, POMBAGIRAS, SENHORAS QUE ABREM
TRABALHOS E CAMINHOS!

DEIXA A POMBAGIRA TRABALHAR! Nas encruzilhadas, cami-


nhos e descaminhos de gênero, é a primeira obra autoral publicada
pela Fogo Editorial.1
De algum modo, e utilizando um jargão das religiões afro-in-
dígenas brasileiras, o livro de Chaline de Souza “abre os trabalhos”
(e também os caminhos) da Fogo – assim como a Fogo se pretende
incandescente na abertura de alguns caminhos de Chaline.
Esta obra também abre a Coleção Pombagiras, dedicada às re-
ligiões afro-indígenas brasileiras, e se situa em um contexto de es-
tímulo a uma educa-ação respeitosa não só à diversidade religiosa
como a todas as diversidades – afinal, falar de pombagiras é remeter
a diversos outros marcadores identitários, como raça, etnia, gênero,
sexualidade, migração, classe – e Chaline demonstra com maestria
(afinal, ela é mestra em História!) como dois destes marcadores (gê-
nero e sexualidade) estabelecem com as pombagiras uma vulcânica
dança marcada por re(l)ações muitas vezes intempestivas.
DEIXA A POMBAGIRA TRABALHAR! Nas encruzilhadas, cami-
nhos e descaminhos de gênero, é abrasado produto da Dissertação
de Mestrado intitulada “Da alcova ao palácio seu sussurro era lei:
representação feminina das pombagiras na Fraternidade Estrela da
Manhã”, defendida por Chaline em 2019 no renomado Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo
(PPGH/UPF), com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoa-
mento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e atenta orientação da
Professora Doutora Jacqueline Ahlert, referência nos estudos rela-
cionados à cultura material e imaginária.
A obra foi avaliada e selecionada pelas Comissões Editorial e
Científica da Fogo, que tem procurado seguir à risca as recomen-
dações e conselhos de Giorgio Agamben em O Fogo e o Relato:
Ensaios sobre Criação, Escrita, Arte e Livros (2018):

1
 Até então, só havíamos publicado coletâneas de eventos (disponíveis gratuita-
mente em nosso sítio).

14 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
“gostaria de dar um conselho aos editores e àqueles que traba-
lham com livros: parem de atentar para as infames – sim, infa-
mes – listas de livros mais vendidos e (presume-se) mais lidos e,
ao contrário, tentem construir mentalmente uma lista dos livros
que exigem ser lidos. Só um mercado editorial baseado nesta
lista mental poderia fazer o livro sair da crise que – pelo que
ouço dizer e repetir – ele está atravessando”.

É possível que alguns pontos do livro sejam ainda trabalhados


por Chaline à posteriori – e isso faz parte tanto de um bom trabalho
acadêmico como de trabalhos espirituais lúcidos, como os realiza-
dos com as pombagiras retratadas pela autora: as estradas de qual-
quer obra reluzente devem se manter abertas a novas e cuidadosas
incursões, sensações e interpretações.
Mas DEIXA A POMBAGIRA TRABALHAR! Nas encruzilhadas, ca-
minhos e descaminhos de gênero já é obra acadêmica de refina-
do valor, obra de fina carpintaria. Ou melhor, ao invés de labor de
consciente carpinteira, é mais acertado notar que Chaline atuou
como verdadeira mestra das forjas, nos brindando com a refinada
metalurgia deste livro – empreendido através de chamas instigan-
temente amorosas, vindas do mesmo fogo que constitui as moças
com que a autora trabalha no seu livro, aliás.
Este fogo das pombagiras, “que arde sem se ver” (algumas pes-
soas dirão que vêem este fogo, e como ele brilha, além de arder!),
abre trilhas e conduz viajantes curiosxs através de encruzilhadas,
caminhos e descaminhos não só de gênero como da alma. Aliás, ou-
tra coisa pode ser dita do trabalho de Chaline: ele tem alma.
É possível perceber em suas páginas uma miríade de sensíveis
emoções e a(fé)tos que (des) envolvem médiuns e entidades e lhes
percorrem os espíritos. A(fé)to, inclusive, é um termo que pode sig-
nificar “o ato de crer ser possível amar e mudar as coisas”, e Amar
e Mudar as Coisas é o título do primeiro Simpósio Internacional da
Fogo Editorial, em que a obra de Chaline está sendo lançada, combi-
nando perfeitamente com o que se costuma esperar do trabalho das
pombagiras: que elas atuem no amor e na mudança de percursos.
Está aqui mais uma razão da relevância do trabalho de Chali-
ne: ele traz cálidos ventos de mudança. Afinal, falar de pombagiras

15 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
na academia ainda sofre certa resistência – de algum modo, parece
que parte da academia (inclusive uma parcela da comunidade de
historiadorxs) entende que tanto gênero como religião seriam “as-
suntos menores”, menos merecedores de serem analisados. Mas
são temas que merecem sim ser cada vez mais desbravados.
O trabalho de Chaline, além de trabalhar com afetos, sensibi-
lidades e emoções, e com as conexões entre religiões e diversida-
des, atua ainda em outro front de batalha, o da resistência (ou será
que no caso de religiões que creem na reencarnação, como a que
Chaline descreve, seria melhor chamar de re-existências?) contra o
sexismo, a intolerância e o racismo religioso.
Se avaliarmos que a obra foi produzida e lançada em 2019,
durante a vigência de um governo federal autocrático e teocrático,
cujo presidente vilipendia a laicidade do Estado e se demonstra
intolerante religioso, racista, elitista, misógino e xenófobo, a obra
de Chaline é ardente fôlego novo – e só podemos agradecê-la por
isso, bem como parabenizá-la.
“Fechando os trabalhos” deste prefácio, cabe encerrar com
a saudação: Laroiê, pombagira!, convidando: DEIXA A POMBAGIRA
TRABALHAR!

Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho


Prefácio escrito na Praia do Amor, Conde,
Paraíba, 13 de novembro de 2019.

Esta obra foi lançada durante o primeiro Simpósio Internacional


Amar e Mudar as Coisas: A(fé)tos, Direitos Humanos e Sensibili-
dades; Religiões, Resistências e Diversidades, mais especifica-
mente, em uma sexta-feira 13 de dezembro, noite de Lua Cheia.

VOLTA AO SUMÁRIO

16 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
INTRODUÇÃO
Se eu dei carinho, pra quem não deu valor.
Se eu fiz feitiço, foi tudo por amor.
Eu vou fazer feitiço para aliviar minha dor1.

A figura mítica, mágica e amedrontadora que permeia a santi-


dade e a profanidade das pombagiras2, está presente no imaginá-
rio de muitos brasileiros. Mesmo com o “embranquecimento” das
religiões de matriz africana, da intelectualização e elitismo ao que
se refere as religiões mediúnicas, as pombagiras continuam atuan-
do desde o Candomblé na Bahia, as Macumbas no Rio de janeiro, o
Batuque no Rio Grande do Sul, na Umbanda brasileira do século XX
e na recente Quimbanda. Mesmo que essas entidades estivessem
atuando por de trás de cortinas, em salas ao fundo, em ritos fecha-
dos ao público depois da meia noite, na calunga ou na encruza,
elas estão presentes não só na crença afrorreligiosa brasileira, mas
sendo amadas, temidas, odiadas em diversos núcleos religiosos e
sendo hoje retratadas em músicas, novelas, filmes brasileiros.
O estudo das religiões está crescendo nos últimos anos, tam-
bém como resposta ao aumento de vínculo religioso que se vê em
âmbito nacional e regional. Nesse sentido, o campo das religiões
e religiosidades não pode ser negligenciado pela História e pelas
demais ciências sociais, tendo em vista que o campo religioso é de
fato relevante na experiência social e humana. Percebe-se também
a existência de certa carência no que tange a produções acadêmi-
cas referentes às religiões afro-brasileiras e questões de gênero.
Desse modo, são evidentes as possibilidades de estudos quanto a
essas abordagens, sendo possível a proposição de muitos estudos
voltados as mais diversas crenças.
Eis também que a nossa proposta mobiliza como fonte os
pontos-cantados, sendo esses, cânticos, que acompanhados de
atabaque, outros instrumentos de percussão e palmas, fazem o

1
  Ponto-cantado pela Fraternidade Estrela da Manhã, para chamada das pombagiras
nos ritos.
2
  Quando nos referindo à Pombagira no singular e com a inicial maiúscula estare-
mos nos remetendo à entidade, de modo que pombagiras no plural referem-se a
todas manifestações. Assim também ocorre com Exú e exus.

18 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
chamado das entidades para “descerem” ao terreiro. Bem como,
esse trabalho mobiliza as memórias orais de adeptos ao culto.
Essa pesquisa é resultado da dissertação de mestrado em His-
tória, defendida em abril de 2019, na Universidade de Passo Fun-
do, sob orientação da prof.ª doutora Jacqueline Ahlert e com apoio
e primeiros incentivos do LEC (Laboratório do Estudo das Crenças),
da UPF, com coordenação da Prof.ª doutora Gizele Zanotto. Esse
trabalho tem como objetivo analisar o conteúdo acerca das pom-
bagiras nos pontos-cantados durantes os ritos religiosos de Quim-
banda, delimitando aos entoados pela Fraternidade Estrela da
Manhã, que engloba o terreiro Reino de Xangô e Iansã – Casa do
Maioral, localizada na cidade de Pedro Osório – RS, o Centro Fra-
ternal Nossa Senhora Santana, localizado na cidade de Nova Prata
– RS e o Templo Guardiões do Mistério da Estrela, este na cidade de
Guabijú – RS. Nosso olhar não estará voltado somente aos pontos-
-cantados e as entidades cultuadas por esses grupos, mas também
ao modo como é dito, os termos utilizados e a maneira que seus
adeptos se referem às pombagiras cultuadas em suas práticas e
representações.
Desde a segunda metade do século XX, os cultos com entrela-
çamentos sócio históricos entre Candomblé, Umbanda e Quimban-
da, são mobilizadores de adeptos e um importante vetor doutriná-
rio, assistencial e cultural no Brasil e, também, no Rio Grande do
Sul, espaço de nossa pesquisa, mesmo que haja as territorialidades
visíveis e invisíveis desse grupo religioso. Esses estudos vêm fo-
calizando padrões espaciais que refletem expressões materiais e
simbólicas da fé num espaço que ultrapassa os terreiros da FEM.
Considerando não só as pesquisas acadêmicas que tratam
dessas matrizes religiosas, como também a ausência na histo-
riografia sul-rio-grandense de análises acerca da Umbanda e da
Quimbanda, em comparação às áreas da Antropologia e da Socio-
logia. Busca-se assim, por meio desse trabalho, contribuir na cons-
trução de uma narrativa que vise à influência dessa matriz religiosa
e seus desdobramentos na região.
A Fraternidade Estrela da Manhã é uma organização afror-
religiosa brasileira, associada à Federação Afro Umbandista e

19 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Espiritualista do Rio Grande do Sul3. A FEM, enquanto uma institui-
ção filantrópica, está organizada desde o ano de 2005 em uma as-
sociação regulamentada por um estatuto e um regimento interno.

Art 3º A FEM. é uma instituição filantrópica, sem fins lucrati-


vos, com personalidade jurídica própria, tendo como finalidade
apoiar e desenvolver ações para defesa, elevação e manutenção
da qualidade de vida do ser humano e dos Templos de Umbanda
e Afro Brasileiro associados a Fraternidade, através das ativida-
des de educação cultural, social, profissional e religiosa (Estatu-
to da Fraternidade Estrela da Manhã, 2005).

Tendo em vista que em razão de ser uma fraternidade que


se mantém ativa na atualidade, estamos fazendo um trabalho que
visa o tempo presente, porém percebendo que ele é afetado por
diversos processos que se desenvolveram com o passar do tempo.
Para realizarmos essa pesquisa foi preciso situar em qual campo de
estudo ela se insere, o que só foi possível por meio da mobilização
de conceitos e categorias de análise anteriormente propostas por
pesquisadores que nos servem de referência.
Nessa pesquisa, entendendo o culto de Quimbanda desen-
volvido pela FEM e sua múltipla religiosidade como sendo uma
manifestação cultural, inserimo-nos numa abordagem historiográ-
fica que busca entender o simbólico e suas interpretações. Para
Peter Burke (2008, p. 10) a História Cultural compreende a análise
dos comportamentos, memórias, discursos, não apenas o estudo
do homem no tempo, mas o homem sendo sujeito sociável que se
constitui por meio de relações sociais e que possui identidades
mútuas. Roger Chartier, por sua vez, na obra História Cultural entre
práticas e representações, considera a História Cultural como tendo
por principal objetivo identificar o modo como em diferentes lu-
gares e momentos uma determinada realidade social é construída,
pensada, dada a ler (CHARTIER, 1990, p. 16).

3
  A Federação Afro-Umbandista Espiritualista do Rio Grande do Sul (FAUERS), com
sede na cidade de Canoas/RS. É uma instituição sem fins lucrativos, possui mais
de 3000 Terreiros filiados. Além de orientar seus associados sobre procedimentos
religiosos e auxiliá-los na regularização de suas atividades. Ver mais em: https://
fauers.com.br.

20 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Se fizéssemos nesse trabalho uma macroabordagem, como
por exemplo, da Umbanda, do Candomblé ou da Quimbanda no
Brasil, teríamos certamente informações insuficientes se relacio-
nados com estudos mais específicos. Desse modo, a utilização de
uma especificação para essa pesquisa, tem como objetivo não ape-
nas buscar uma abordagem mais particularizada em suas singula-
ridades, mas obter e avaliar as relações que àquela se integram,
tendo em vista sua conexão com sistemas globais e nacionais, dos
quais foi recortada para o presente estudo.
Busca-se, por meio dessa narrativa, incutir não apenas as con-
cepções de Umbanda, Candomblé e Quimbanda, mas nos aportar-
mos em referenciais teóricos e em suas contribuições ao que se
referem a essas práticas religiosas. Desse modo, não nos atenta-
remos nessa pesquisa aos marcos fundantes da Umbanda ou do
Candomblé no Brasil. Seguindo a ideia de Barbosa (1998, p. 01), ao
se referir que a reconstrução afrorreligiosa no Brasil compreende
elementos muito importantes para serem decifrados.
Como cada terreiro é singular, e cada Pai ou Mãe de santo
possui características próprias de culto, a FEM possui singulari-
dades, tendo em vista o sincretismo entre Candomblé, Umbanda
e Quimbanda em seus ritos. Enquanto elementos do Candom-
blé, apresenta traços culturais mais próximos ao do imaginário
africano, os traços da Umbanda vêm imbuídos de características
mais “abrasileiradas”, e a Quimbanda, para Gomes (2016, p. 21),
fomenta o surgimento de um culto específico à “linha de Exus e
Pombagiras”. Segundo Leistner (2009), há uma contextualização
do afro-umbandismo praticado no Rio Grande do Sul, sendo que,
na maioria dos terreiros, ocorre o culto simultâneo de três formas
ritualísticas, realizadas em eventos específicos: o Batuque (cul-
to aos orixás), a Umbanda (culto aos caboclos e preto velhos) e a
Quimbanda (culto aos exus e pombagiras). Segundo Corrêa (2006),
a prática que comporta as três linhagens é designada como “Linha
Cruzada”, tendo aparecido no estado por volta da década de 1960.
No grupo religioso que objetivamos realizar a pesquisa, de acor-
do com seus postuladores, haveria em seu culto uma similaridade
de ritos em relação não propriamente ao Batuque, mas aos ritos

21 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
candomblecistas, umbandistas e com maior eventualidade ao cul-
to de Quimbanda.
A Umbanda seria, na concepção de Magnani (1991, p. 21-22),
o resultado de um duplo movimento: de um lado a apropriação de
elementos já existentes no seio de cultos, ritos e valores religio-
sos populares que constituíam a Macumba4 e o baixo-espiritismo5,
bem como o Candomblé; de outro lado a Umbanda submete a
esses elementos um processo de depuração, reinterpretando-os
dentro da lógica do Espiritismo. Seria, para esse autor, uma ação
“civilizatória” sobre rituais “bárbaros” e “atrasados”; representaria
uma tentativa de estruturação de práticas mágico-religiosas he-
terogêneas em que seus líderes reivindicam, para ela, um espaço
social legítimo e próprio, para incluir-se ao lado de outras religiões
institucionalizadas (MAGNANI, 1991, p. 29). Segundo Cristiane
Amaral de Barros (2006, p. 02) a umbanda “é uma religião moder-
na, múltipla, dinâmica em termos ritualística e conteúdos doutri-
nários, teria uma enorme facilidade de assimilação, adaptação e
reinterpretação”.
Acerca do Candomblé se têm inúmeros trabalhos referentes
à matriz religiosa, porém também são diversas as suas diferencia-
ções teóricas. Conforme descreve Bastide (1983), o Candomblé
seria uma “pequena África”, porém, para Ortiz (1990), o Candom-
blé passou por um processo de “embranquecimento” nas últimas
décadas. Para Prandi (2004, p. 52), numa pesquisa mais recente,
tratar-se-ia de uma religião dos Orixás africanos, tendo hoje em dia
se transformado e se tornado cada vez mais brasileira.
Segundo Reginaldo Prandi, foi do entrelaçamento dessas
práticas afro-brasileiras, nesse caso, Candomblé e Umbanda, que

4
 Adotaremos o termo “macumba”, segundo com concepção de José Guilherme
Cantor Magnani, que para esse autor trata-se de um agregado fluido de elementos
do candomblé, cabula, tradições indígenas, catolicismo popular, espiritismo, práti-
cas mágicas, sem o suporte de uma mitologia ou doutrina. Ver mais em: MAGNANI,
José Guilherme Cantor. Umbanda. São Paulo. Editora Ática. 1986, p. 21-22.
5
 O termo “baixo-espiritismo” era uma nomenclatura dada pelo espiritismo karde-
cista, ao se referir aos cultos bantos dos antepassados e às entidades cultuadas na
macumba. Ver mais em: MAGNANI (1986, p. 24).

22 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
houve a condução para à linha da Quimbanda, ramificação do cul-
to umbandista, trazendo, em sua ritualística, elementos de ambas
as religiões, porém com evidência da Umbanda, pelo culto a exu e
pombagiras. Para o mesmo autor, por quase duas décadas as ses-
sões de Quimbanda eram praticamente secretas realizadas à por-
ta fechada e nas avançadas horas da noite (PRANDI, 2004, p. 86).
A Quimbanda seria como um departamento subterrâneo da Um-
banda, devido ao culto por espíritos julgados como mediadores do
mal ou da magia negra (PRANDI, 2004, p. 87).
Prandi e Souza (2005, p. 305) dissertam acerca da existência
de uma identificação generalizada, composta por personagens da
vida cotidiana brasileira, sendo nesse caso a Quimbanda, propria-
mente rotulada, representada como um “palco da realidade do
povo brasileiro”. Lisias Negrão (1996a, p. 22), anteriormente a Re-
ginaldo Prandi, considera a Quimbanda uma das predecessoras da
Umbanda, tendo práticas consideradas de “esquerda” sendo con-
tra “desafetos”, “caminhos fechados” na vida pessoal e profissio-
nal, “doenças”, prejuízos materiais, amarrações e de tudo que está
prejudicando as pessoas que buscam ajuda no terreiro.
Percebemos a necessidade do estudo da memória, levando
em consideração o fato de que muitos desses pontos não são es-
critos, mas incorporados de diversos outros terreiros e religiões
de matrizes africanas – incorporação realizada pelos terreiros que
delimitamos à pesquisa – apropriaram-se de muitos pontos que
permanecem em memórias e oralidades. Recorremos ao recurso
de entrevistas com os membros, objetivando compreender melhor
as relações, representações e compreensões dos membros com
as entidades femininas que cultuam e mantém vínculo, não só de
crença, mas de apropriação de suas características no dia a dia.
Conforme Tedesco, atualmente, a memória está no centro de um
grande debate teórico,

O campo de análise é amplo. Daria pra quase dizer que em to-


dos os campos do conhecimento e da realidade social e cultural
a memória é desenvolvida, em alguns desses mais, em outros
menos; é um fato social um tanto totalizante do mundo contem-
porâneo, que, como alguns dizem, está para além das sínteses
totalizantes da história (TEDESCO, 2014, p. 23).

23 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Visou-se utilizar apenas o conceito de gênero, para que con-
seguíssemos ao longo dessa pesquisa externar as concepções de
“ser mulher” inseridas nos pontos-cantados. Porém, percebeu-se
que, embora fosse necessário leituras e utilização de teorias sobre
o conceito, seria mais pertinente utilizar também a ideia de repre-
sentações acerca das pombagiras, partindo do entendimento das
representações como exercício de poder a partir das análises de
Chartier (1990). O conceito de gênero, se tornou uma maneira de
indicar as construções sociais, uma criação inteiramente social das
ideias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres.
Após o processo de levantamento prévio do material selecio-
nado, partimos para a uma mobilização de categorias de análise
do conteúdo, usando como referencial teórico Maria Laura Franco
(2007), para a qual toda comunicação é composta por cinco ele-
mentos básicos: uma fonte ou emissão; um processo codificador
que resulta em uma mensagem e se utiliza de um canal de trans-
missão; um receptor, ou detector da mensagem, e seu respectivo
processo decodificador. Também se utilizou das teorias acerca da
Análise do Conteúdo de Bardin (1977), quando tratamos das entre-
vistas e da separação quantitativa dos temas.
Os pontos-cantados que analisamos, estão disponíveis em
uma apostila organizada pela Fraternidade Estrela da Manhã, sen-
do essa entregue em versão digital aos novos membros. Contudo,
cabe salientar que é recorrente a inserção de novos pontos, alte-
rando o número de acordo com o pedido dos adeptos e das pró-
prias entidades chamadas pelos pontos cantados.
Como já citado anteriormente, recorremos nessa pesquisa à
utilização da memória no campo da reflexão histórica e da mobili-
zação de uma metodologia de uma memória oral. Tendo em vista
que as religiões afro-brasileiras são de tradição oral e a análise da
oralidade nessa pesquisa trabalhada academicamente não entra
em concorrência com a tradição escrita. Além disso, é por meio
dela que o povo-de-santo passa seus fundamentos.
Nossa pesquisa será atrelada metodologicamente à análise
do conteúdo, no qual encontramos o Personage6, sendo nesse caso

6
  Referindo-nos a pessoas particulares passíveis de serem classificadas de acordo
com diferentes indicadores: nível socioeconômico; sexo; etnia; educação; escolari-
dade; nacionalidade; religião, entre outros (FRANCO, 2007, p.44).

24 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
pessoas que vivenciam o cotidiano desses espaços religiosos. Dian-
te disso, privilegiaremos pessoas que tenham uma trajetória den-
tro da religião, pessoas que ocupam lugares de destaque no seio de
uma religião profundamente hierarquizada. Desse modo, utilizare-
mos do uso de fontes orais7, contudo, delimitamos algumas pessoas
que, nos terreiros da FEM, possuem graus na hierarquia8.
Utilizou-se fontes como fotos, atas, jornais para compor a
pesquisa. Porém, as imagens utilizadas ao longo do texto e ane-
xadas ao final, serão para ilustração, não havendo a análise nessa
primeira pesquisa.
O processo de compreensão e elaboração no tempo/espaço
de pesquisa foi construído dialeticamente, entre as relações de
poder, e a forma cultural e social de entender as pombagiras. Ba-
seamo-nos na análise comparativa das informações, na pesquisa
bibliográfica, documental, e dos dados colhidos em campo. Desse
modo, três capítulos foram organizados a fim de proporcionar ao/à
leitor/a uma visão panorâmica do tema escolhido.
O primeiro capítulo, intitulado O culto afrorreligioso no Brasil
e no estado do Rio Grande do Sul, terá um panorama do desenvolvi-
mento das religiões afro-brasileiras, sua organização e culto, bem
como os desdobramentos sócio-históricos que as levaram ao en-
trelaçamento entre Umbanda, Candomblé e Quimbanda na forma-
ção afro-sul-rio-grandense, fatores esses que contribuíram para a
constituição da Fraternidade Estrela da Manhã. Reconhecendo que
muito ainda há de ser pesquisado e problematizado.
No decorrer da pesquisa acresceu-se que a noção de repre-
sentação enquanto discursos tendem a impor autoridade e que
legitimam para indivíduos suas escolhas e condutas, tendo como
base a teoria de Chartier (1990). Aliado ao conceito de represen-
tação, optou-se por abordar os estudos contemporâneos da teoria
queer, conforme Butler (1999) e Louro (2001). Houve um receio ini-
cial de circunscrever o objeto de estudo nos limites dos conceitos
de gênero.

7
 As entrevistas feitas e utilizadas para essa pesquisa tiveram aprovação do Comitê
de Ética e Pesquisa, bem como autorização dos entrevistados.
8
 A FEM possui em seu estatuto a hierarquia, dividindo em graus de iniciação, tendo
10 graus hierárquicos.

25 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
O segundo capítulo, intitulado Mulheres, gênero e religiosida-
de afro-brasileira, apresentará interfaces teóricas de estudos acer-
ca do estudo de representação feminina, gênero, corpo e religiosi-
dade. Buscamos nesse capítulo o diálogo com pesquisas anteriores
a essa, sobre construções de gênero e como se pode analisar as
pombagiras a partir de teorias de gênero. Bem como mostrará es-
tudos que visaram a análise do corpo como um espaço de análise
da mulher nas religiões afro-brasileiras e na FEM. Nesse capítulo,
seguiremos a uma sequência explicativa do que acontece ao longo
do rito observado, externando a incorporação feminina dos exus
masculinos, sendo que tal assunto se torna pertinente para a aná-
lise ao longo do contato com o grupo. Dialogar sobre os exus antes
das figuras centrais dessa pesquisa, é seguir a sequência ritualista
adotada pelos terreiros estudados.
O terceiro capítulo, “Abre a roda deixa a pombagira trabalhar”
trataremos acerca do culto às pombagiras e seus desdobramentos
na organização da Quimbanda no Brasil, sobretudo no processo
sincrético desenvolvido ao logo do século XX. Além disso, nesse
capítulo abordaremos o estudo do culto como sendo uma prática
atrelada a uma concepção de templo cíclico e de como os sons e
pontos-cantados são fundamentais ao rito. Serão relatados também
os paradoxos que versam sobre a imagem das pombagiras, marca-
das por narrativas que as referenciam quanto as suas respectivas
sexualidades, marginalidades e a suas posições sociais no culto
afro-religioso e fora dele. Optamos por elucidar acerca das pomba-
giras nesse capítulo, deixando-as “para o final”, tal como ocorre na
ordem de “chamada” do terreiro, justo em razão delas serem evo-
cadas ao final, não por serem menos importantes, mas para “abri-
lhantarem” as giras e trabalharem. Também nesse capítulo faremos
a análise das representações que envolvem essas figuras míticas
das pombagiras, observando as relações entre os pontos-cantando
e fazendo a correlação entre as entrevistas dos adeptos e nossos
referenciais teóricos. Na FEM existe uma hierarquia entre as pom-
bagiras, nesse tópico se buscará explicar tais relações e as atrelar ao
culto ao Maioral, normalmente a última entidade que vem na gira e
não obrigatoriamente, para esse povo-de-santo é o senhor dos exus
e das pombagiras, o que todos nesse grupo religioso mostram servir
e tê-lo como maior entidade seguida e cultuada.

VOLTA AO SUMÁRIO

26 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
1. DA PRESENÇA AFRICANA
NO RIO GRANDE DO SUL
AO CULTO DE CANDOMBLÉ,
UMBANDA E QUIMBANDA
NA FRATERNIDADE
ESTRELA DA MANHÃ
Não podemos desvincular nosso objeto de pesquisa e a fra-
ternidade religiosa de suas memórias e permanências, sendo con-
sequências de circunstâncias históricas pretéritas. Assim, é neces-
sário que se apresente um panorama geral do processo histórico
para que possamos levantar questões e esclarecer outras, todas
referentes ao nosso objeto de trabalho específico – as pombagiras
– para que haja um aporte teórico por meio do qual analisaremos
a natureza de alguns elementos do culto afrorreligioso, bem como
de suas origens possíveis e características mais amplas.
No Brasil há uma complexidade no que tange a herança cul-
tural africana, explicada pelo fato de que escravizados negros,
trazidos pelos colonizadores portugueses, pertenciam a distintos
grupos étnicos da África Ocidental, Oriental e Equatorial, durante
três séculos. Sabe-se que ao longo dos dois primeiros séculos da
história do Rio Grande do Sul os negros africanos e seus descen-
dentes participaram diretamente do desenvolvimento econômico
do estado. Para Beatriz Loner (1999, p.9), “praticamente não houve
profissão manual que não tivesse representantes dessa etnia em
seu desempenho, tanto no período imperial, quanto na República”.
O mesmo aconteceu, segundo Reginaldo Prandi (2001, p. 52), nas
demais capitanias e províncias do Brasil, onde as escravizadas e
os escravizados africanos foram sendo introduzidos num fluxo que
corresponde à própria história econômica brasileira.
Artur Ramos (1943, p. 436), disserta acerca da ideia de que
foram enviados para o Rio Grande do Sul, na condição de escravi-
zados, os bantos ocidentais, isto é, populações que habitavam uma
extensa região hoje compreendida pelo Congo, Angola, República
do Congo e Moçambique. Para Norton Corrêa (2006, p. 39), a ideia
vigente nesse período era a de que esses grupos étnicos eram con-
siderados mais fortes e resistentes, porém os classificavam pouco
capazes de executarem tarefas mais sofisticadas, destinando-lhes
as lides agrícolas.

São de origem banto grupos como os mujolo (monjolo), ango-


la, benguela, ganguela, cassange, rebolo, Moçambique. Cabinda
e cabundá (o que pode ser variante deste último termo) para

28 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
mencionar apenas os que mais comumente aparecem entrem os
escravos rio-grandenses (CORRÊA, 2006, p. 39).

Para Ari Oro (2002a) a historiografia sul-rio-grandense ainda


discute acerca da questão de saber a procedência do negro escra-
vizado enviado para o Rio Grande do Sul. No entanto, para Oro há
algum consenso de que essa população se dividia entre as negras
e negros “crioulos”, indivíduos nascidos no Brasil e para aqui trans-
feridos, “latinos”, escravizadas e escravizados que já haviam traba-
lhado em outras regiões do país, e africanos, chegados à província
de São Pedro após terem passado por outras províncias brasileiras,
como Bahia, Pernambuco, São Paulo, Santa Catarina, ou mesmo
provenientes da Argentina ou do Uruguai.
Os sudaneses também foram apreendidos e trazidos ao Rio
Grande do Sul, tais grupos ocupavam a região do antigo Sudão,
nas atuais Nigéria, a República de Benin, além de Togo, Camarões e
Gana. No Brasil os grupos mais representativos dessa região eram
os jêje e os nagôs (ou iorubás). Os hauçá, outro grupo dos sudane-
ses, também foram encontrados no Rio Grande do Sul, sendo esses
islamizados, pois habitavam a borda do Saara. Os sudaneses, jêje e
nagôs desenvolviam a metalurgia, prática já feita em solos africa-
nos, e lhes foi, durante o período da escravidão no Brasil, destinada
atividades artesanais e urbanísticas (CORRÊA, 2006, p. 39).
Na região onde hoje é a cidade de Rio Grande, identificamos a
história dos primeiros cultos do que hoje vem a compor parte dos
ritos da FEM. Segundo a historiografia, foi nessa região que hou-
ve o ingresso das negras e negros escravizados pelo Sul do país,
que se deu ainda no período de fundação da vila, essa situada na
embocadura da Laguna dos Patos com o Oceano Atlântico, na pri-
meira metade do século XVIII. Corrêa (2006, p. 40), acrescenta que
“a cidade logo cresceria em função de ser o único porto marítimo
de maior porte na costa do Rio Grande do Sul”. Na região próxima,
onde hoje é o município de Pelotas, desenvolveu-se a produção
das charqueadas,

[...] executadas pelo trabalho braçal escravo em condições bas-


tante desfavoráveis em razão das condições climáticas, preca-
riedade de infra-estrutura e exigências severas ditadas pelo

29 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
próprio regime escravocrata — foi de tal monta que em 1861 o
charque contribuía com 37,7% do total do que o RS exportava e
os couros com 37,2% do total, juntos somando 74,9% do total
da produção gaúcha para fora da Província (apud. Assumpção,
1990). A relação entre o trabalho forçado dos negros e o de-
senvolvimento das charqueadas era tal que na medida em que
se aproximava a Abolição também diminuiu o número de char-
queadas. Assim, referindo-se a Pelotas, Loner lembra que “de
um total de 34 charqueadas existentes em 1878 na cidade, elas
reduziram-se a apenas 21 às vésperas da Abolição e a 18, dois
anos depois”, ocasionando a diminuição do charque que servia
de alimento dos escravos do sudeste e desta forma acarretan-
do problemas no mercado de consumo deste produto (CORRÊA,
2006, p. 40).

Conforme Ari Oro (2002a), o Rio Grande do Sul, ao contrário


dos demais estados do país, teve um aumento no número de indiví-
duos que afirmam serem afro-religiosos. Entretanto, tais informa-
ções do início no século XXI resultam em surpresa, especialmente
pelo fato do Rio Grande do Sul produzir sobre si uma autoimagem,
com repercussões para fora dele, de ser uma unidade federativa
de população majoritariamente branca, cristã, resultante de um
processo de colonização por imigrantes europeus, produzindo um
processo de “esquecimento” quanto a participação de populações
indígenas e africanas na formação sócio-cultural sul-rio-granden-
se, a narrativa é reiterada constantemente e reproduzida na cultura
considerada “tradicional”.
Laroque (2011), disserta que a historiografia tradicional cos-
tuma priorizar a versão dos conquistadores e governantes repre-
sentados por militares, viajantes, religiosos, dentre outros, que são
encontrados nos documentos presentes na literatura afro-religio-
sa. Os protagonismos indígenas, na maior parte das vezes são si-
lenciadas e/ou concebidos em tom de passividade nas narrativas
históricas, merecendo um exercício hermenêutico e uma aborda-
gem interdisciplinar entre a Arqueologia, História e Antropologia,
para que haja uma captação e interpretação dessas historicida-
des. No caso do negro no Rio Grande do Sul, Assumpção (2011, p.
139) se refere a uma participação efetiva dos africanos e dos seus

30 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
descentes na história sul-rio-grandense como fecunda, mas ao
mesmo tempo ocultada por boa parte de uma historiografia que
aderiu à ideologia da democracia étnica de maneira geral, que rei-
tera o ideário de uma baixa participação de descentes de africanos
e da inexistência de conflitos étnicos.
Para Assumpção (2011, p. 139), a participação dos africanos
e de seus descentes é comprovada antes mesmo da fundação do
Rio Grande Lusitano, em 1737. Contrariamente ao processo da
construção da invisibilização étnica, a historiografia tem revisto
a inestimável contribuição, tanto indígena, quanto negra, para a
construção econômica do Rio Grande do Sul. Sendo que os afro-
descendentes, hoje, constituem parcela significativa dos seus ha-
bitantes (12,6%), dando importante contribuição sociocultural
(ORO, 2002, p. 10).

1.1 Entrelaçamentos religiosos: Candomblé,


Umbanda e Quimbanda

Embora a Fraternidade Estrela da Manhã se caracterize em ter


o culto aos orixás mais familiarizado ao Candomblé Angola9, não
podemos esquecer-nos do Batuque, religião afro-brasileira que
surge no Sul do estado do Rio Grande do Sul e que se torna uma
religião com inúmeras correlações ao Candomblé baiano e suas va-
riantes. Para Corrêa (2006) a estruturação do Batuque no Rio Gran-
de do Sul constitui outro tema que aguarda um aprofundamento
investigativo. Tudo indica que os primeiros terreiros foram funda-
dos justamente na região de Rio Grande e Pelotas, pois após ampla
pesquisa nos jornais de Pelotas e Rio Grande do século XIX, consta-
ta-se a presença do Batuque nesta região desde o início do século
XIX. Corrêa (2006, p. 06) situa o período inicial do batuque nesta

9
  Candomblé que possui elementos ritualísticos da nação Angola, vinda para o Bra-
sil, no período da escravidão. O babalorixá Bira do Maioral, caracteriza em uma das
entrevistas a familiaridade dos rituais aos Orixás, com o Candomblé Angola. Desse
modo, a pesquisa versará sua narrativa acerca dessa matriz religiosa afro-brasileira.

31 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
região entre os anos de 1833 e 1859. Se assim o for, permanece a
dúvida acerca da estruturação do Batuque ter de processado pos-
teriormente ou paralelamente à estruturação do candomblé, uma
vez que o primeiro terreiro de candomblé teria surgido na Bahia
por volta de 1830 (JENSEN, 2001, p. 02).
Segundo a historiografia acerca do Candomblé, tal religião
afro-brasileira, tratar-se-ia de um núcleo religioso formado na Ba-
hia, no século XIX, a partir de tradições de povos africanos, em es-
pecífico os iorubás, ou nagôs com influências de costumes trazidos
por grupos aqui denominados jêjes, e residualmente por menores
grupos africanos. O Candomblé iorubá, ou jeje-nagô, como costu-
ma ser denominado, desde seu início agregou em seu culto aspec-
tos culturais originários de diferentes povos africanos, criando-se
no Brasil diferentes ritos, ou nações de Candomblé, predominando
em cada nação tradições de cidades ou regiões africanas, que aca-
baram lhe emprestando o nome, como: queto, ijexá, efã (PRANDI,
2004). Esse Candomblé emergente na Bahia, que proliferou por
todo o Brasil e, tem uma correlação em Pernambuco, onde é de-
nominado Xangô, sendo a nação egba sua principal manifestação,
e no Rio Grande do Sul, onde é chamado Batuque, com sua nação
oió-ijexá (PRANDI, 2004).
Além dos candomblés iorubás, existem também os de ori-
gem banto, especialmente os denominados Candomblés Angola
e Congo. O Candomblé Angola, no qual a Fraternidade Estrela da
Manhã baseia suas práticas e crenças, adota em sua formação o
culto aos orixás, que são divindades nagôs, tendo absorvido muito
das concepções e ritos de origem iorubá. Esse Candomblé Angola
também desempenhou um papel fundamental na constituição da
Umbanda, no início do século XX, não só no Rio de Janeiro (local do
primeiro centro), mas em todo país.
Atualmente, todas essas religiões e nações congregam adep-
tos que seguem ritos singulares, mas que se identificam entre si
e se correlacionam como pertencentes de uma mesma população
religiosa, compartilhando crenças, práticas rituais, pontos canta-
dos, e visões de mundo, incluindo concepções da vida e da morte
(PRANDI, 2004). Os meios de comunicação são significativos no

32 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
que tange a transmissão de saberes, além da oralidade que per-
meou a construção não só de memórias desses grupos afrorreligio-
so, como também na transmissão de saberes.
A FEM se forma a partir da crença nos orixás presentes no
Candomblé Angola, tendo como ponto central a congregação de
saberes oriundos da África em seus cultos aos orixás, em específi-
co dos orixás Oxalá, Oxóssi, Ogum, Xangô, Xapanã, Omulu, Yeman-
já, Oxum, Iansã, Nana Burukê,Cosme/Damião/Doun e Bará. Envol-
vendo incorporações e o sacrifícios de animais. O fenômeno da
incorporação10, neste caso, seria provocado pela própria divindade
servindo-se do cavalo-de-santo como instrumento para a ajuda aos
consulentes. De acordo com as crenças, a natureza representa uma
manifestação viva das suas divindades (LEO NETO; ALVES, 2010).
O Candomblé, a partir de Leo Neto e Alves (2010), constitui-se
em uma religião iniciática, de tradição oral, em que o conhecimen-
to, segundo Augrás (2009) é antes vivenciado do que verbaliza-
do. Os orixás são associados a elementos da natureza, fenôme-
nos meteorológicos como a chuva e o arco-íris, certas plantas e
animais, atividades econômicas a que se entregavam as negras
e os negros e determinadas cores, como o branco de Oxalá e o
vermelho de Xangô, porém na Fraternidade Estrela da Manhã há a
crença de que, para além do culto aos elementos da natureza, tais
Orixás teriam sido homens e mulheres que viveram em território
africano, pois para eles somente assim eles entenderiam os pro-
blemas dos seres humanos.
Reginaldo Prandi (2005) considera que o Candomblé serviu
como uma espécie de organização social, familiar e religiosa, pe-
rante as consequências geradas durante o período da escravidão
e mesmo no pós-abolição. Para Prandi, hoje em dia, o Candomblé
tem se tornado cada vez mais brasileiro, transformando-se em uma
religião para todos, adaptando-se aos demais credos religiosos.
Assim, a complexidade presente nos inúmeros candomblés, reme-
te-nos ao fato de que

10
  Será utilizado o termo incorporação ao se tratar do também conhecido por “tran-
se mediúnico” “montaria”, “possessão” etc.

33 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
os candomblés, por exemplo, possuem uma organização tão
complexa, quanto às religiões institucionalizadas. O problema é
que alguns pesquisadores se utilizam de uma teoria ou metodo-
logia, sem levar em consideração o ambiente social e científico
no qual elas foram fabricadas. As perspectivas utilizadas para
pensar as instituições religiosas francesas em relação às feiti-
çarias, não podem servir como parâmetro fiel para se pensar as
religiões africanas na sociedade brasileira (SERAFIM; ANDRADE.
2009, p. 7).

Segundo Prandi, a cada dia há uma característica umbandis-


ta que converge ao Candomblé, resultando na expressão híbri-
da utilizada pelo estudioso de: “Umbandomblé” (PRANDI, 2005,
p. 52-53). É nesse sentido que a Fraternidade Estrela da Manhã bus-
ca sua ancestralidade ao culto do Candomblé Angola, todavia não
se abstém do culto às ditas entidades brasileiras, como caboclos,
pretos-velhos, erês e ao povo cigano. Desse modo, configura-se
como sendo também Umbanda e, nesse sentido, ao que se refere
à historiografia acerca da Umbanda no Brasil, reportamo-nos aos
estudos de Ari Oro (2002), que expõe as informações de que:

A primeira casa de umbanda no Rio Grande do Sul foi também


fundada na cidade de Rio Grande, em 1926. Chamava-se “Reino
de São Jorge” e foi estabelecida pelo ferroviário Otacílio Charão.
De Rio Grande a Umbanda foi trazida para Porto Alegre em 1932
pelo capitão da marinha Laudelino de Souza Gomes, que fundou
nesta capital a Congregação Espírita dos Franciscanos de Um-
banda, existente até os dias atuais (ORO, 2002b, p. 356).

Na Umbanda, as entidades cultuadas estão entre a concep-


ção dos deuses africanos do Candomblé e os espíritos dos mortos
Kardecistas. Barros (2005), considera que o transe na Umbanda
se dá de forma coletiva, e não se baseia na representação mítica
como no Candomblé, porém existiria a fragmentação de uma his-
tória mais recente, com personagens como foram conservados na
memória popular brasileira. Tendo na Umbanda a língua ritual o
português. Maggie (2001, p. 118) expõe que esses modelos sociais
expressos nos exus, pretos-velhos, pombagiras e caboclos, figuras

34 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
desprestigiadas na sociedade mais ampla, transformam-se, no ri-
tual, não só figuras de prestígio, mas em deuses.
A fundação da Umbanda gera discussões entre pesquisadores
e intelectuais umbandistas, pelo fato da figura de Zélio Fernandino
de Moraes ser atrelada ao pioneirismo da Umbanda no Brasil na
cidade de Rio de Janeiro entre 1920 e 1930, contudo, para Gium-
belli (2006, p. 111), trata-se de uma construção tardia, pelo fato
desse discurso surgir a partir de 1960, mas com ênfase em 1975,
ano da morte de Zélio. É nesse sentido que Rohde (2009, p. 77-78)
se refere à importância de análises acerca da Umbanda, levando
em conta que há conclusões tiradas sobre um grupo relativamente
delimitável (o dito como Umbanda branca ou pura), tendo em vista,
que é um movimento amplo e que ainda necessita de abordagens
historiográficas, que não versem sobre essa lógica interpretativa
de tendência generalizada. O termo mito ou fundação, utilizado
primeiramente por Brown, em 1985, na obra a História da Umban-
da no Rio, e segue sendo utilizada por outros pesquisadores.
Desde o início de sua formação, a Umbanda possui um viés
doutrinário e de organização social, resultado da organização no
ano de 1941 do I Congresso Brasileiro de Espiritismo Umbandis-
ta, ocorrido no Rio de Janeiro. A partir da normatização, passa-se
a utilizar o termo “espírita”, designando-se como um “espiritismo
de umbanda”. Esse congresso marcou inicialmente a normatização
das práticas umbandistas, constando em sua documentação as ori-
gens ocidentais, os princípios kardecistas e a ascendência cristã
em detrimento das origens africanas (GIUMBELLI, 2006, p. 111-
112). Segundo o mesmo autor, a cultura africana era recusada e se
percebe o embranquecimento dos médiuns e auxiliares, passando
a ser um referencial das práticas umbandistas no congresso. Entre-
tanto, cabe salientar que o negro africano não é totalmente excluí-
do nessa Umbanda sistematizada do século XX, há ao menos uma
ligação, segundo as observações de Giumbelli (2006, p. 113), que
seria a caracterização dos pretos velhos, como sendo negros afri-
canos escravizados no Brasil que retornam às sessões de Umbanda
trazendo auxílio aos consulentes.
Para Gomes (2006), o movimento federativo a partir de 1960
e 1970 se encarregou de embranquecer, cristianizar e racionalizar

35 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
os cultos afro-brasileiros para a legitimação das práticas, objeti-
vando a proteção e reconhecimento do Estado, tanto quanto o res-
peito das demais religiões. Nesse mesmo contexto surge a Linha
Cruzada ou a Quimbanda.
A Quimbanda trata-se de uma expressão religiosa relativa-
mente nova, iniciada, a princípio, na década de 1960. Para Oro
(2002b), seria a expressão religiosa que mais tem crescido no Rio
Grande do Sul, sendo cultuada hoje, como supracitado, em cerca de
80% dos terreiros. Para Corrêa (2006, p. 61), as principais razões
para o crescimento da Linha Cruzada seriam os seguintes: os cus-
tos dos rituais são mais baratos do que os do Batuque ou do Can-
domblé; o aprendizado geral é mais simples e seus membros po-
dem reunir e somar a força mística do Batuque com a da Umbanda.

A proliferação de terreiros cruzados tem provocado um conflito


intergeracional na comunidade afro-religiosa sul-riograndense
posto que os “mais velhos” na “religião” tendem a considerar
essa inovação como uma “deturpação” por parte dos mais jo-
vens, ao mesmo tempo em que expressa em parte também um
conflito entre os “conservadores” e os “modernos”. As entida-
des cultuadas na Linha Cruzada são os Exus e suas mulheres mí-
ticas, as Pombagiras (CORRÊA, 2006, p. 25).

Nessa pesquisa o que configuramos como Quimbanda seria o


que Leistner (2009) chama de Umbanda Cruzada, na qual há o sa-
crifício de animais para essas entidades ditas de “esquerda” (exus
e pombagiras), e que, nesse caso, são praticados simultaneamente
aos ritos de Candomblé e de Umbanda. Para Reginaldo Prandi (2001,
p. 54), não há limites para os guias de Quimbanda, tudo lhes é possí-
vel, mesmo aquilo que os outros chamam de mal, pode ser usado para
o bem do devoto e do cliente; por décadas as sessões de Quimbanda
com seu universo dos exus e pombagiras, eram praticamente secre-
tas, realizadas a portas fechadas e nas avançadas horas da noite.
Lisias Negrão (1996b), por sua vez, considera as práticas de
Quimbanda, predecessoras da Umbanda, egressa da Macumba11 ca-

11
 O termo Macumba, segundo Magnani (1986 p. 21-22), refere-se a um agrega-
do, fluido de elementos do Candomblé, Cabula, tradições indígenas, catolicismo

36 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
rioca. Negrão (1996b, p. 221) escreve que as práticas consideradas
de “esquerda” são contra problemas de relacionamentos, “cami-
nhos fechados”, doenças, e demais prejuízos tanto na vida pessoal
quanto na profissional. Prandi e Souza (2004, p. 305) afirmam que
existe na Quimbanda uma identificação generalizada e constituída
por personagens do cotidiano das brasileiras e brasileiros. Segun-
do Gomes (2016), embora exista a linha tênue entre o bem e o mal
na passagem da África para o Candomblé no Brasil, essa tenuidade
refere-se apenas a dimensões ritualísticas e a práticas religiosas e
não ao panteão propriamente dito.
Nesse sentido, percebemos o quão rico de análises é a reli-
giosidade afro-brasileira e como a FEM está imersa num contexto
sincrético ritualístico amplo. Gomes (2016, p. 33) se refere à am-
plitude afrorreligiosa como “aquilo que está misturado, traçado,
imbuído um no outro e se complementando gradativamente, for-
mando o universo dessas práticas multifacetadas desde suas ori-
gens e desenvolvimentos em território brasileiro”. Nesse sentido,
desenvolvemos a tabela a seguir (ver Tabela 01), para analisarmos
os ramos afrorreligiosos citados, para que possamos estabelecer
as inter-relações, e melhor explicarmos as relações ao longo de
nossa análise.

Quadro 1. Diferenças e similaridades afrorreligiosas


Origem Manifestações Obrigações
Tem origem Traços culturais
na Bahia, com mais próximo dos
variações de africanos, utilização
acordo com as de línguas africanas Sacrifícios de
Candomblé nações africanas nos cânticos animais aos orixás
que descendiam (principalmente cultuados.
seus sacerdotes iorubá).
(Jêje, Nagô, A incorporação é
Angola...). de apenas orixás.

popular, espiritismos e práticas mágicas, porém sem o suporte de uma mitologia


ou doutrina.

37 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Origem Manifestações Obrigações

Cantos em jêje e
Tem origem no
nagô. Incorporação
Rio Grande do
apenas dos orixás Sacrifícios de
Sul, na cidade de
donos de suas animais aos orixás
Batuque Rio Grande. Tem
cabeças, o cultuados.
predominância
cavalo-de-santo não
cultural dos povos
podendo saber que
jêjê e nagô
houve o transe.

Crença nos
Sem utilização do
Orixás, mas a há
sacrifício animal.
Tem origem no a incorporação
Umbanda Usa-se plantas,
Rio de Janeiro. de pretos-velhos,
alimentos,
caboclos, ciganos,
bebidas, tabacos.
exus e pombagiras.

Incorporação de exus
Sem uma região Sacrifício de
e pombagiras. Possui
Quimbanda específica de animais aos exus
traços culturais e
início. e pombagiras.
africanos e europeus.

Fonte: elaboração da autora, baseada em CORRÊA (2006); GOMES (2016); PRANDI


(2004); BASTIDE (1983).

O que Birman (1985, p. 90) chamou de “Umbandas Mistu-


radas”, Magnani (1991, p.41-49) de “Umbandas”, Negrão (1996,
p. 316) e Prandi (2005, p.92) de ‘Umbandomblé”, seguimos nes-
sa pesquisa a utilização do termo utilizado por Gomes (2016,
p. 34) de “Umbanquindomblé”, após a percepção evidente dos for-
tes traços das três crenças, práticas e ritualísticas, ao passo de não
anular nenhum dos elementos presente nos cultos da Fraternidade
Estrela da Manhã.

1.2 Umbanquimdomblé: A Fraternidade Estrela


da Manhã e seu culto cruzado

A FEM tem como sede o Templo Iansã e Xangô, casa do Maioral


na cidade de Pedro Osório – RS, atualmente coordenados pelo

38 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Babalorixá Ubirajara Cleber Garcia Vergara e pela Ialorixá Michele
da Silva Alan, que assumiu a função de mãe-de-santo da casa após
o falecimento de sua mãe, a Ialorixá Tânia de Iansã12, no ano de
2014, e, como presidente atual, a Ialorixá Alda Maria Farias. A his-
toriadora Tatiana Pastorini (2014), em suas análises aborda que Pe-
dro Osório é uma cidade pequena, com cerca de 7.811 habitantes e
está situada à margem direita do Rio Piratini, na parte sul do Estado
do Rio Grande do Sul; sua origem está ligada à distribuição de ses-
marias e à expansão ferroviária do Brasil, na segunda metade do
século XIX.
O Reino de Iansã e Xangô – Casa do Maioral movimenta o pe-
queno município com seus eventos. Pastorini (2014, p. 74) disserta
acerca da Festa do Maioral, que é tradicionalmente realizada no
município, mas pouco citada entre os habitantes. Segundo Pastori-
ni (2014) o culto à

Quimbanda em Pedro Osório foi fundada por sete pessoas no


dia 21 de março de 1991; iniciou-se em uma sala 2 X 3 e, atual-
mente, dispõe-se de um grande Templo, com cerca de 700 m²,
situado na RS 706, próximo ao acesso de entrada da cidade.
A Quimbanda em Pedro Osório foi fundada por sete pessoas
no dia 21 de março de 1991; iniciou-se em uma sala 2 X 3 e,
atualmente, dispõe-se de um grande Templo, com cerca de
700 m², situado na RS 706, próximo ao acesso de entrada da
cidade. De acordo com o Sr. Ubirajara Vergara (jun. 2014), o Pai
Bira do Maioral, a entidade deixou de ser apenas um lugar de
culto e se tornou uma fraternidade fundamentada legalmente
em Estatuto, Regimento e Razão Social [...] (PASTORINI, 2014,
p. 74-75).

12
 Ialorixá fundadora do Reino de Xangô e Iansã- Casa do Maioral, juntamente com
seu esposo Pai Bira do Maioral (Ubirajara Vergara). Teve papel fundamental na cons-
trução e organização da ritualista adotada. Faleceu em 2014, porém sua memória
está presente desde fotografias na entrada dos templos, como em um memorial
feito em sua homenagem no Reino de Xangô e Iansã- Casa do Maioral. Mãe Tânia
de Iansã está presente não só na memória afetiva dos membros, mas na sociedade
pedrosoriense, por ter defendido suas crenças afrorreligiosas e lutado juntamente
com seu esposo para que suas práticas fossem respeitadas. Sua importância é evi-
dente e merece destaque enquanto Mãe-de-santo, cavalo-de-santo e defensora da
religiosidade e ritualísticas de matriz africana.

39 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Com a criação de um templo na cidade de Guabiju no ano
de 2001, em que filhos de santo de Ubirajara Cleber Garcia
Vergara13 (Bira do Maioral), e Taniamar da Silva Alam (Tânia de Ian-
sã), decidem pela construção de uma ramificação da matriz religio-
sa, criando o Templo Guardiões do Mistério da Estrela. Tendo como
babalorixá (pai-de-santo) Anadir Rufatto e demais já frequentado-
res do culto, que residiam não somente na cidade de Guabiju, mas
em cidades sul-rio-grandenses próximas como: Nova Prata, Passo
Fundo, Marau, Veranópolis e Porto Alegre.
O município de Guabiju pertence ao Planalto Norte sul-rio-
-grandense. Segundo Dentogni (2010), o município de Guabijú
nasceu e se desenvolveu por meio da contribuição dos luso-bra-
sileiros, afrodescendentes, indígenas, caboclos e descendentes da
imigração europeia. O pequeno município está localizado na en-
costa superior nordeste no Alto Taquari, estando inserido na mi-
crorregião da bacia Antas Taquari. Para Detogni, a colonização des-
sas terras está fundamentada em duas características, “a presença
de luso-brasileiros que tomam posse efetiva das terras herdadas
de fazendeiros da Grande Lagoa Vermelha e os descendentes de
imigrantes italianos, que buscavam novas terras” (DETOGNI, 2010,
p. 07). Nesse sentido, por mais que haja etnicamente e cultural-
mente a presença de negros e indígenas na história do município
o que prevalece é a religião e a religiosidade católica, sendo nos
primeiros anos da formação no Templo Guardiões do Mistério da
Estrela, necessário para a utilização de inibidores de som para os
ritos religiosos serem realizados.
Com a ramificação da religiosidade desenvolvida na cidade
de Pedro Osório, para a cidade do Guabijú, decidiu-se, por meio
de uma conferência, a organização de um estatuto, que formava
a Fraternidade Estrela da Manhã, que englobaria esses dois tem-
plos. O estatuto visa um regimento interno que os legitima en-
quanto uma associação civil sem fins lucrativos, onde se busca a

13
  Babalorixá, iniciado na cidade de Rio Grande, em 1991, é hoje o coordenador
espiritual da FEM.

40 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
“unificação dos templos religiosos associados e uma única lingua-
gem” (ESTATUDO, FEM, Art. 4º).
No ano de 2013, a Ialorixá Lídia Rufatto, anos após a formali-
zação da fraternidade, teve a autorização de fundar mais um tem-
plo, esse denominado, Centro Fraternal Nossa Senhora Santana, na
cidade de Nova Prata – RS. O território de Nova Prata inicialmente
integrava o município de Alfredo Chaves, hoje o município de Ve-
ranópolis. Na época em que Nova Prata ainda era distrito, possuía
um próspero comércio, com forte atividade agrícola, ao mesmo
tempo em que apresentava dinamicidade e desenvolvimento eco-
nômico. Os fatores econômicos, culturais e étnicos, que balizam
a criação do município estão presentes até os dias atuais, com a
presença marcante de descendentes europeus, como alemães, ita-
lianos e poloneses, que chegaram à região na segunda metade do
século XIX, além de lusos e afrodescendentes que se fixam nesse
território e formam o tecido étnico social desta cidade. Assim, ten-
do como base o trabalho, a religião, a família e a educação, além do
dinamismo econômico, contribuíram para a criação do município
no início da década de 1920 (XERRI, 2004).
O mapa a seguir localiza no estado do Rio Grande do Sul os
três municípios que possuem templos que englobam a Fraternida-
de Estrela da Manhã.
Cada casa de santo pertencente à FEM, seja em Pedro Osório,
Guabijú ou Nova Prata, possui certa autonomia, porém deve-se
ao sacerdote Ubirajara Cleber Garcia Vergara (Pai Bira do Maio-
ral) obediência e dependência ao que tange os rituais. Conforme
Gomes (2006, p. 73) ao se referir ao Batuque, disserta acerca da
falsa independência defendida por pesquisadores das religiões
afro-brasileiras, porém não diferente do Batuque, a Fraternidade
Estrela da Manhã com sua Umbanquimdomblé segue uma hierar-
quia centrada no líder geral, sendo legitimados pela comunidade
religiosa.

41 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Figura 1. Mapa do Rio Grande do Sul marcando os três
municípios que englobam a Fraternidade Estrela da Manhã.
Fonte: Vanin (2018).

1.3 As festas nos templos e o transe em um tempo


cíclico

Diversas são as formas de entendermos os cultos afrorreli-


giosos como representação de cultura, levando em consideração
o transe mediúnico. Busca-se, por meio da revisão de referenciais
teóricos e do cotejo dessas, com vivências de campo, decorrentes
do contato com a Fraternidade Estrela da Manhã. Nessa análise en-
tendemos os cultos assistidos como uma manifestação do sagrado
e profano, sendo delimitado ao processo ritualístico que envolve
os pontos cantados, o transe inicial dos cavalos-de-santo conse-
quentemente às noções de Tempo.

42 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Devemos nesse trabalho compreender o conceito de lugar
simbólico, para entendermos a Fraternidade Estrela da Manhã
como nosso espaço de análise, porém que perpassa os templos.
Desse modo, não haveria apenas a divulgação da fé, mas a constru-
ção e manutenção do sagrado. Tendo em vista, que cada comuni-
dade religiosa se estabelece no mundo sagrado onde participa da
memória histórica no tempo e no espaço. Para Rosendahl (2014,
p. 205) a comunidade teria uma concepção de sagrado que reside
no mundo imaginalis, sendo que ele não está territorialmente li-
mitado por cercas, nem depende de localização geográfica. Assim,
o lugar sagrado pode ser erigido em qualquer ponto do espaço e
se observa que em qualquer lugar que um fiel destinar sua fé será
criado um círculo sagrado, em dois níveis, no físico e no imaginário.
Precisa-se compreender que o culto afrorreligioso se dá a par-
tir da junção de elementos entendidos como sagrados para seus
adeptos, tendo como principal instrumento a utilização de tambo-
res e cânticos, conhecidos como pontos-cantados, além de danças,
sendo com passos sincronizados, ou singulares de cada entidade
chamada ao terreiro. As representações dessas entidades por meio
de estatuetas, mesa com alimentos, bem como o uso das luzes e
velas, também compõem esse espaço religioso.
O tempo nessas festas organizadas pelos membros da Fra-
ternidade também é um elemento de análise, no entanto diversas
são as formas de entender as representações e o tempo em ritos
afrorreligiosos. No decorrer da história, várias são as elaborações
de concepções de tempo e muitas são as dificuldades de entender
a estrutura do tempo mágico-religioso.
Para Eliade (2008, p. 482) o tempo hierofônico abrange reali-
dades variadas, podendo designar o tempo no qual se coloca a ce-
lebração de um ritual e que é, por esse fato, um tempo sagrado, um
tempo essencialmente diferente da duração profana que o antece-
de. Pode também designar o tempo mítico, ora reavido por meio
de um ritual, ora realizado pela repetição simples de uma ação
promovida de um arquétipo mítico. Para Marcel Mauss, “as causas
religiosas que se passam no tempo são legítimas e logicamente
consideradas como se passassem na eternidade” (apud. ELIADE,

43 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
2008, p. 492). Na religião como na magia, para Eliade (2008,
p. 486) a periodicidade significa, sobretudo, a utilização indefinida
de um tempo mítico tornado presente.
Nos cultos de Quimbanda toda gira14 de Exu e Pombagira o rito
torna-se uma festa, para Eliade (2008) as festas passam-se num
tempo sagrado, uma prática na eternidade. O espaço sagrado para
o religioso tem um valor existencial, porque nada pode começar,
nada se pode fazer, sem uma orientação prévia e toda orientação
implica a aquisição de um ponto físico. O limiar é ao mesmo tempo
o limite, a baliza, e a fronteira que distinguem e opõem dois mun-
dos e, o lugar paradoxal onde esses dois mundos se comunicam,
onde se pode efetuar a passagem do mundo profano para o mundo
sagrado (ELIADE, 2008, p.485).
Ao compreendermos a incorporação das entidades, os movi-
mentos que decorrem após a incorporação, em conjunto ao som
dos tambores e pontos-cantados, a assim análise de Miriam Ra-
bello (2005) nos é válida, que, ao tratar do espaço por meio de
uma discussão do corpo e da percepção e do movimento, que não
é situar a análise em um terreno desprovido de cultura. Segundo
Rabello (2005), os lugares que habitamos estão carregados de sen-
tido e estruturas sociais e culturais estão sedimentados no nível
mais profundo da percepção. Encontramos a ideia de que a estabi-
lidade da vida social, assim como nosso senso de pertença e rela-
tivo ajustamento a ela, repousam sobre uma sintonia fina entre o
habitus e mundo, corpo e lugar (RABELLO, 2005).

A configuração dos lugares que habitamos demanda certos


modos de ajustamento corporal, reforçando e naturalizando
padrões de ação e interação (com base em diferenças de clas-
se, gênero, geração, etc); assim como as disposições e técnicas
corporais socialmente constituídas revelam os lugares como
contextos adaptados a essas mesmas habilidades corporais e
às classificações ou ideias estereotipadas que elas corporifi-
cam. Da mesma forma, argumenta Jackson (1989), mudanças na

14
  Prática ritualista de incorporação das entidades, também se pode chamar de ses-
são mediúnica ou de xirês.

44 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
estrutura dos lugares – portanto nos modos pelos quais estamos
ordinariamente engajados nestes – podem fomentar novas sen-
sibilidades e abrir caminho para novas formas de entendimento
(RABELLO, 2005, p. 13).

O transe é, portanto, uma prática ritual complexa. Atrai na vi-


são dos partícipes seres sobrenaturais, mas é fundamental que te-
nha a pessoa que tenha as qualidades suficientes para possibilitar
o estado alterado de consciência (NETO, 1994, p. 109). Conforme
Vanda Serafim (2018, p. 12).

Apesar do transe estar presente nas diferentes culturas e reli-


giões, a sua prática está associada a cultura e crenças específicas
que mascaram a amplitude do fenômeno. Interessante destacar
que no processo de criação da república brasileira e da definição
do que seria religião, o transe foi um dos elementos utilizados
para classificar as ditas práticas mágicas e estigmatizá-las como
não religiões.

O transe religioso que ocorre nos terreiros da FEM pode ser


facilitado pelos sacerdotes, nesse caso por babalorixás e ialorixás,
por seus cânticos, encantamentos ou mesmo por bebidas rituais,
como é o caso da cachaça, do vinho, da cerveja e tabacos. Nos ri-
tuais observados para essa pesquisa, as bebidas, assim como os ci-
garros e charutos, foram elementos utilizados para manter o tran-
se, ainda que durante o culto às entidades sejam utilizados para
diversos outros fins, como passes nos consulentes com a fumaça
dos charutos ou banhos de cachaça. Os transes assistidos foram
mediúnicos, o que, segundo os membros, é concebido por meio de
uma incorporação consciente ou semiconsciente, na qual a enti-
dade atuaria em três partes da constituição do médium: a função
psíquica, sensorial e motora. Mauss (2003) sugere a existência
de técnicas físicas que influenciam os aspectos místicos. O autor
afirma que “o indivíduo assimila a série dos movimentos de que
é composto o ato executado diante dele ou com ele pelos outros”
(MAUSS 2003, p. 422).
Desse modo, após o transe e a incorporação, os tambores, os
pontos-cantados, grande parte das luzes apagadas, as velas acessas,

45 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
as imagens, em meio a cigarros, charutos e bebidas, o espaço reli-
gioso, sagrado e ritualístico se entrelaça, tendo uma concepção de
tempo que vai além do tempo cronológico ou do desgaste físico de
seus cavalos de santo e consulentes. O tempo é determinado pelo
ritual, e “o homem religioso se esforça por manter-se o máximo de
tempo possível nesse universo sagrado” (ELIADE, 1973, p. 37), pois
o tempo, como o espaço, também não é, para o homem religioso,
nem homogêneo, nem contínuo. Conforme Eliade:

Surpreende nos em primeiro lugar uma diferença essencial en-


tre essas duas qualidades de Tempo: o tempo sagrado é por sua
própria natureza reversível, no sentido em que é, propriamente
falando, um Tempo mítico primordial tornado presente. Toda
festa religiosa, todo Tempo litúrgico, representa a reatualiza-
ção de um evento sagrado que teve lugar num passado mítico,
“nos primórdios”. Participar religiosamente de urna festa impli-
ca a saída da duração temporal “ordinária” e a reintegração no
Tempo mítico reatualizado pela própria festa. Por conseqüência,
o Tempo sagrado é indefinidamente recuperável, indefinida-
mente repetível. De certo ponto de vista, poder-se-ia dizer que
o Tempo sagrado não “flui”, que não constitui uma “duração”
irreversível. É um tempo ontológico por excelência, “parmeni-
diano”: mantém se sempre igual a si mesmo, não muda nem se
esgota (ELIADE, 1973, p .39).

No entanto, seja qual for a complexidade de uma festa


afro-religiosa, trata-se sempre de um acontecimento sagrado. Não
só os cavalos-de-santo, bem como os consulentes da gira de Quim-
banda tornam-se os contemporâneos de um acontecimento mítico.
Para Eliade, os participantes

[...] saem de seu tempo histórico – quer dizer, do Tempo consti-


tuído pela soma dos eventos profanos, pessoais e intrapessoais
– e reúnem se ao Tempo primordial, que é sempre o mesmo, que
pertence à Eternidade. O homem religioso desemboca periodi-
camente no Tempo mítico e sagrado e reencontra o Tempo de
origem, aquele que “não decorre” – pois não participa da dura-
ção temporal profana e é constituído por um eterno presente
indefinidamente recuperável (ELIADE, 2008, p.47).

46 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Tais são as danças mágicas, a música contínua, os atabaques, a
fumaça, as bebidas, as luzes, as imagens. Todas essas práticas colo-
cam os cavalos-de-santo e seus consulentes num estado especial,
não apenas moral e psicologicamente, mas às vezes fisiologica-
mente distinto de seu estado normal, estado que é perfeitamente
realizado nos transes. Desse modo, de imediato reportamos nossa
análise de que destaca que o número e a dimensão desses fatos
provam que o rito mágico ocorre num meio e Tempo mágico dife-
renciado, meio que o conjunto das preparações da cerimônia tem
por objeto limitar e distinguir dos outros meios (LAROQUE, 2011).

1.4 “O atabaque é a força da Quimbanda”: o


ponto cantado e a identidade religiosa

Os tambores são um dos principais fatores do rito para a co-


munidade religiosa pesquisada. Os sons dos atabaques são o cha-
mado para as entidades que virão ao terreiro. São eles que rece-
bem, segundo a crença, a primeira energia da entidade, por isso a
importância de se ter bons tamboreiros e investimento em aulas e
ensaios deles.
Gilbert Rouget (1980), em estudo clássico, chama atenção
para as diferenças entre transe e êxtase, segundo Rouget (1980,
apud. FERRETTI. 2000, p. 111) “o transe é sempre ligado a uma
superestimulação sensorial mais ou menos marcada – barulhos,
música, odores, agitação –, o êxtase é ao contrário ligado mais fre-
quentemente à uma privação sensorial – silêncio, jejum, obscuri-
dade”. Tendo em vista que as manifestações do transe podem ser
espetaculares ou discretas, que em muitos casos pode ocorrer in-
dependente da música, que os tipos de música variam com os tipos
de transe, que a música pode ser instrumental ou vocal e os instru-
mentos podem ser de tipos diversificados (FERRETTI. 2000, p. 111).
É nesse sentido, que mesmo em variados momentos, não ha-
vendo obrigatoriamente o uso de tambores para as incorporações
dos cavalos de santo da FEM, o tambor para eles é a peça principal

47 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
de uma festa de Quimbanda. O ponto a seguir sempre é cantado
durante as festas, ao passo que a Ialorixá ou o Babalorixá percebe
que os tamboreiros precisam de energia para continuar tocando:

Bate tambor, bate pra mim, toca atabaque, que eu canto pra ti
O atabaque vem, o atabaque vai me levar. O atabaque é a força
da Quimbanda.

Um dos ogãs se refere à importância dos tambores na sessão.


Para ele “o toque do tambor é o que traz o santo, o que segura
o santo na terra e o que leva embora. Sem o tambor, não aconte-
ce nada disso (Ogã Marcelo de Agodô15). O ogã Marcelo de Agodô,
também acrescenta que

Tanto o tambor, quanto os pontos que a gente puxa, tudo tem


que ser encaixado da maneira certa para funcionar. Porque se
não, não vibra e sem vibração a entidade não vem. Assim como o
tambor chama todos os santos, um tambor derruba uma sessão
inteira, se não for bem tocado, se não tiver bem organizado (DE-
CRESCENZO, Marcelo, 2018).

Da mesma forma que o som do tambor é importante, junto


a esse se soma o ponto cantado, significando para os membros a
identidade da entidade chamada ao terreiro. E por mais que o tran-
se das entidades de Quimbanda seja um fenômeno sociocultural,
aprendido e controlado no interior do grupo, percebe-se que é ao
mesmo tempo uma experiência pessoal e individual, variando a
experiência de médium para médium. Esta variação só processa na
forma da manifestação da entidade de acordo com o toque do tam-
bor, a letra do ponto cantado e da experiência do cavalo-de-santo.
O ogã Marcelo de Agodô, refere-se a identidades, e a pombagiras:

Os pontos, principalmente os das pombagiras, tem muitos


que tu sente que é a pombagira, é a identidade dela, tá mos-
trando o que ela passou, o que ela viveu, porque geralmente as

 A pedidos do entrevistado será citado no texto o nome que ele utiliza no culto.
15

48 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
pombagiras, os pontos de pombagira retratam coisas ligadas
a amor, ou muito amor, ou muita falta de amor, muita tristeza
por causa disso. Geralmente eles retratam mais isso aí, mas tem
muitos pontos que no meu ver é fantasioso, é coisa forçada, por
exemplo pontos que cita que a pombagira era uma prostituta,
essas coisas, eu acho forçado demais. Tem gente que acredita
que foi assim. (DECRESCENZO, Marcelo, 2018)).

A gira é formada por meio de um círculo organizado pelos


médiuns, chamado essa organização de corrente, significando à
comunidade religiosa como um elo energético, sendo que ao iní-
cio da sessão, após badaladas de uma sineta, normalmente tocada
pela ialorixá ou pelo babalorixá da casa, todos da corrente acom-
panham os tambores com passos sincronizados, indo para frente
e para trás. Os pontos cantados variam de acordo com as entida-
des que virão a ser chamadas ao terreiro, no caso das festas de
Quimbanda observadas, é saudado16 o orixá Ogum, podendo ter ou
não incorporação desse orixá. Após, são chamados os exus e cada
ponto cantado chama um em específico e os cavalos-de-santo des-
se exu vão indo ao centro do terreiro e incorporando. O transe de
incorporação vai acontecendo, até que todas as filhas e os filhos
que são cavalos de exu estejam incorporados. As palmas, passos
sincronizados e cantos estridentes, dos demais membros da cor-
rente permanecem vibrantes ao mesmo ritmo dos tambores e de-
mais instrumentos.
Nas giras observadas a incorporação com exu dura em mé-
dia duas horas, e depois são chamadas as pombagiras que vem
segundo os membros para transformar a energia que antes foi de
limpeza com os exus, para uma verdadeira festa. A grande maioria
das médiuns e dos médiuns permanece com seus exus e é dada a
autorização para as filhas e os filhos que quiserem incorporar suas
pombagiras de subir17o exu. Nesse sentido, as giras de Quimbanda
duram de quatro a cinco horas em média.

16
  Termo utilizado para cumprimentar ou chamar a entidade, porém sem a intenção
de permanecer por muito tempo.
17
  Termo utilizado para a desincorporação.

49 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Nesse sentido, podemos perceber que nossa análise não se
limita apenas ao ritual e em como essas pombagiras são entendi-
das, mas percebemos a importância de compreender enquanto o
corpo se torna um espaço de análise de gênero e de construções
históricas possíveis de pesquisa.

VOLTA AO SUMÁRIO

50 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
2. “ABRE A RODA,
DEIXA A POMBAGIRA
TRABALHAR”
A língua desse povo não tem osso
Deixa esse povo falar.
(Ponto cantado – Maria Padilha da Rua)

Ao analisarmos o culto às pombagiras, e seus desdobramen-


tos na organização da Quimbanda, é também nos reportarmos ao
processo sincrético do século XX, desencadeado no Brasil. Per-
cebeu-se assim, os paradoxos que versam sobre a imagem das
pombagiras, suas representações, interlocuções e narrativas, não
somente as que versem à sexualidade, marginalidade, mas, sim, à
sua referência de ser (ou não) mulher no espaço religioso da FEM.
Para pensar as pombagiras, enquanto representação, precisa-
mos entender sua gênese conforme Chartier (1990), para quem o
conceito de representação incide em:

[...] classificações, divisões e delimitações que organizariam a


apreensão do mundo social como categorias fundamentais de
percepção e de apreciação do real. As representações do mun-
do social assim construídas, embora aspirem á universalidade
de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas
pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o
necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posi-
ção de quem os utilizou (CHARTIER, 1990. p. 17).

Chartier (1990. p. 17), em seu entendimento de representa-


ções como exercício de poder, refere que as percepções do social
não são discursos neutros; produzem estratégias práticas que ten-
dem a impor a autoridade, legitimando um projeto reformador e
justificando aos indivíduos suas escolhas e condutas. Desse modo,
cabe a investigação sobre as representações se supondo como es-
tando colocadas num campo de concorrências e de competições,
em que os desafios se enunciam em termos de poder e dominação.
Todavia, podemos abordar diversas questões acerca das represen-
tações e sobre como e por que alguns significados são escolhidos,
em detrimento de outros.
A ritualização que envolve as pombagiras, são de antemão
práticas que envolvem relações de poder, incluindo o poder para

52 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
definir quem é incluindo e quem é excluído em cada processo.
A cultura em meio ao rito de Quimbanda acaba moldando identi-
dades, dando sentido à experiência e, conforme Woodward (2012,
p. 19), o processo de construção de identidade torna possível op-
tar, entre as várias identidades possíveis.
Por conseguinte, nota-se que a crença é outro conceito que
permeia a representação das pombagiras, pois não entendemos
a crença simplesmente como objeto do crer (um dogma, um pro-
grama), mas como o investimento dado pelas pessoas em uma
proposição, considerando-a verdadeira, correta; assim, tratar-se-á
da crença como uma modalidade de afirmação da identidade, e
não seu conteúdo – sendo esse foco da Teologia, não da História
(CERTEAU, 1998, p. 241).
Seja nos templos da FEM ou em outros terreiros afrorreligio-
sos que cultuam pombagiras, inúmeras são as histórias sobre essas
entidades, sendo que, para o grupo, são esses espíritos que atraem
números significativos de consulentes e cavalos-de-santo, para
as giras da Quimbanda. São entidades que na concepção dos fiéis
transcendem o sagrado e o profano, que bebem champanhe, fumam
cigarros ou charutos, dançam e riem, enquanto “trabalham abrindo
caminhos”, curando doenças, trazendo amores perdidos ou aconse-
lham seus consulentes a desistirem de amores não correspondidos.
São espíritos que, nas concepções de membros da FEM, são
evoluídos, nobres e hierarquizados. Tendo funções específicas ao
rito, estando presente nas giras, no entanto, para o povo-de-santo
essas perpassam ao espaço físico do terreiro e interferem no coti-
diano de quem as crê. As pombagiras, por meio dessas percepções,
estão simultaneamente sendo objetos de medo, respeito, fascínio,
sedução e repulsa. O que explicaria tais concepções, é que as nar-
rativas sobre elas incluem não apenas suas aparições, seus este-
reótipos, mas suas interferências e desejos, que segundo os relatos
independem dos desejos de seus cavalos, muitas vezes. Podemos
observar essa relação na fala da Ialorixá Magda Pereira para quem:

A Padilha pra mim foi a mulher que me abriu tudo na minha vida,
porque eu não aceitava a religião e ela me mostrou por “a” mais
“b”, infelizmente por eu ser teimosa, foi pela dor, que realmente
era o meu lugar e hoje em dia eu sou muito feliz (PEREIRA. 2017).

53 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Vânia Cardoso (2012, p. 181), refere-se às biografias míticas,
enquanto consequência de inúmeros caminhos do imaginário, des-
de uma nobre da corte espanhola, que se torna “mulher da vida”,
até mulheres que compartilham as ruas com outros malandros.
Sendo assim, para Cardoso, as poderosas pombagiras têm em co-
mum que todas ocupam posições limiares.
O poder sobrenatural atribuído a pombagiras está, para Cardo-
so (2012, p. 182), vinculado à inversão enunciada por sua margina-
lidade, sendo elas pensadas como o “outro” do feminino. Conforme
os argumentos de Scott (1992) (apud. CARDOSO, 2012, p. 182), mu-
lher, feminino e gênero são conceitos cuja significação é articulada
por meio de processos históricos, culturas de diferenciação, que por
sua vez criam e naturalizam diferenças. No entanto, essas figuras
possuem singularidades e vários são os processos que articulam es-
sas relações, identificações e poderes atribuídos a elas.
Durante as pesquisas na FEM, pode-se organizar uma tabela
com as pombagiras presentes no culto de Quimbanda.

Quadro 2. Pombagiras
Pombagiras Morada
Cigana do pandeiro Encruzilhada
Cigana da calunga Cemitério
Rainha das 7 encruzilhadas Encruzilhada
Rosa Caveira Cemitério
Sete Caveiras Cemitério
Das Sete encruzilhadas Encruzilhada
Menina Encruzilhada
Maria Mulambo Cemitério/ Lixo
Cigana da Praia Praia
Sete Rosas Encruzilhada
Sete Saias Encruzilhada
Do Cruzeiro Calunga
Da Praia Praia
Maria Quitéria Cemitério
Dama da Noite Encruzilhada
Padilhinha Encruzilhada
Menina do Sobrado Encruzilhada
Mundano Encruzilhada
Alteza Encruzilhada perto de flores
Fonte: Elaborada pela autora a partir da análise de campo.

54 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Quadro 3. Maria Padilha
Marias Padilhas Morada
Maria Padilha das Almas Cemitério
Maria Padilha da Rua Encruzilhada
Maria Padilha da Figueira Mata/ Figueira
Maria Padilha da Calunga Cemitério
Maria Padilha Rainha dos Sete Cruzeiros Encruzilhada
Maria Padilha das Sete Encruzilhadas Encruzilhada
Maria Padilha da Calunga Grande Praia
Maria Padilha do Cemitério Cemitério
Maria Padilha dos Sete Véus Cemitério
Maria Padilha do Osso Cemitério
Maria Padilha das Rosas Encruzilhada
Fonte: Elaborada pela autora a partir da análise de campo.

Nas religiões afro-brasileiras toda cerimônia, não só a de Quim-


banda, acontece em meio a cânticos (pontos-cantados) e ao som de
atabaques e outros instrumentos de percussão. Em quase todos mo-
mentos há danças e interações entre exus e pombagiras. Como re-
ferido anteriormente, os exus vêm primeiro e depois são chamadas
as entidades mulheres de Quimbanda, enquanto os cavalos de exus
permanecem incorporados. Para o Babalorixá Vitor Ronaldo Montei-
ro, a vinda dessas mulheres é um complemento ao rito, pois

Tudo tem seu par, a noite tem o dia, o fogo tem a água, a terra
tem o ar. E as Pombagiras, as Padilhas, elas são esse complemen-
to. Os exus eles são muito sérios, elas também são, mas os exus
são soldados, eles não são muito de brinquedo, eu digo, gosto
de pensar e digo sempre, que na língua deles não tem talvez, é
um sim e um não, os exus são muito ríspidos. E elas vem trazer
aquele encanto que precisa, tudo tem sempre aquele outro par.
Elas vêm trazer esse encantamento, essa alegria, essa suavidade,
a beleza do universo feminino, que nos ajuda bastante. Eu pen-
so, eu tô pensando aqui, numa situação que eu tenha entrado
em atrito com alguma delas nessa caminhada, nenhum, nenhum,
sempre pronto a servi-las e elas também (MONTEIRO, 2018).

55 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Nessa ritualística, podemos perceber as sucessões de perfor-
mances presentes nas festas de Quimbanda. “A vida em sociedade
é uma constância de performances”, (CONTINS; et.al. 2015, p. 09);
estas seriam, para os mesmos autores, comportamentos restau-
rados, festividades, danças, sonoridades, que compõem ambien-
tes distintos de reafirmação identitária e de sociabilidade (Idem.
p. 11). Desse modo,

A performance abrange diversos sentidos corpóreos – a audi-


ção, o tato, o paladar, o olfato, a visão – e segundo os devotos,
todos os seus sentidos estão em conexão com uma dimensão
supra-humana. Há uma profusão de elementos que significam
experiências vivenciadas oriundas da ancestralidade do grupo.
A aparente repetição insere o passado no presente e lança para
o futuro o aprofundamento dessa rede de atores e simbologias
(CONTINS, et al. 2015, p. 21).

Nota-se que os líderes dos templos da FEM estão em sinto-


nia com grande parte da ritualística, tendo em vista o dedicado e
intenso convívio com o culto. Assim, repetições e treinos, demons-
tram seus conhecimentos. Esse estado de segurança nas práti-
cas ritualísticas gera o reconhecimento da comunidade religiosa
(ROCHA, 2015, p. 21). Conforme Rocha (2015, p. 22) o domínio dos
atos litúrgicos de orações, pontos cantados, gestos e procedimen-
tos, e ainda decoração do terreiro, dentre muitos elementos, deno-
tam profunda familiaridade com o universo que estão inseridos.
Ao passo que percebemos que as giras de Quimbanda nos ter-
reiros da FEM duram acerca de 5 e 6 horas, podemos concluir que
os elementos de significação, as linguagens sejam elas as falas, os
gestos, as danças, os cenários e outras formas de expressão são
necessárias para a análise do caráter performático arraigado nas
práticas religiosas desse grupo. Assim, ao analisar a diversidade
dos seus processos ritualísticos, prestando atenção ao seu modo
performático, verificou-se que a sua linguagem se dirige à totali-
dade do ser humano, atingindo-o pré-representacionalmente e o
significando a partir do seu próprio corpo e em todos os sentidos
(BAIRRÃO, 1999).

56 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
2.1 “Mas cuidado amigo, ela é bonita, ela é
mulher”

No contexto do imaginário social, podemos considerar que os


exus e as pombagiras são personagens que perturbam os princí-
pios morais conservadores vigentes na sociedade brasileira (CON-
TINS, 2009). No caso da FEM, o sagrado corporifica-se, não só em
histórias de tipos sociais, mas em narrativas que têm valor exem-
plar e construção identitária. Acontece o que Bairrão (2002, p. 56)
configura como “o subjugado dá a volta por cima. O ‘baixo’ é o alto.
Honra-se o popular”. Há uma harmonia complexa entre os sentidos
de todas as linhas (tipificações de formas de transe decalcadas de
“modelos” sociais) e um valor de inclusão de todo o marginalizado.
Conforme os pontos cantados presentes durante o rito de
Quimbanda, diversos são os estereótipos, identidades e narrativas
recorrentes nas letras. Desde serem mulheres de cabaré, até serem
compreendidas como mães, guardiãs, zelosas. Para o Pai Bira do
Maioral (2017),

Em relação a Quimbanda, em relação às pombagiras, são mulhe-


res que tem a sabedoria, que sabe o amor, o encanto e o desen-
canto. Que passaram aqui na Terra também como mulheres e se
tornaram espíritos capazes de trazer toda sabedoria e ensina-
mentos. E essa energia para que facilite as coisas para nós aqui
na Terra (VERGARA, 2017).

O Babalorixá Anadir Luchetti Rufatto narra que:

Todas as entidades (exus) têm sua função específica, uns atuam


como guardiões, outros como curadores, etc.... As pombagiras,
além da função que cada uma tem, elas vêm para o templo tra-
zendo alegria, uma energia contagiante, se tornando as donas
das festas (RUFATTO, 2018a).

Portanto, mesmo que alguns pontos cantados as refiram en-


quanto mulheres libertinas, suas imagens continuam se mantendo
aos fiéis da FEM, como mulheres imponderadas e destemidas.

57 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Dizem que a mulher de cabaré
A mulher de cabaré
Não é fiel a ninguém
Mas digam quem é que quer
Trocar carinhos com a mulher de Lúcifer
(Ponto Cantado – Maria Padilha da Rua)

No percurso realizado por Barros (2013, p. 509-510), os ter-


mos “pombagira” e “mulher” surgiram como correspondentes, as-
sociação esta que nos convida a refletir sobre o que essas entida-
des espirituais femininas promovem como sentidos de “mulher”
em suas performances rituais. Adotando um estudo etnográfico, a
autora relata que:

[...] as pombagiras geralmente incorporam em mulheres e dizem


vir ao mundo para ajudá-las, apresentando-se às suas médiuns
como singulares imagens de femininos que atribuem sentidos
às suas vivências pessoais. Essa entidade carrega consigo mar-
cas de sensualidade, erotização e luxúria, sendo comumente
compreendida como uma “prostituta sagrada”. No entanto, di-
ferente do que a “moral” mais tradicional poderia pressupor, a
pombagira é reverenciada e cultuada com destaque por seus
fiéis que, em geral, as consideram como uma “confidente” ou,
como preferem alguns, uma “psicóloga”. Nesse sentido, para
além da “profissional do sexo”, a pombagira é compreendida,
sobretudo, por meio da imagem de uma “mulher da vida”, ou
seja, uma mulher destemida, sedutora, sábia e surpreendente-
mente acolhedora” (BARROS, 2013, p. 509-510).

Barros (2013), em sua pesquisa acaba nos sinalizando, a partir


das narrativas sobre as pombagiras do terreiro que analisou, que o
fundamental não é a sua “profissão”, mas a evocação de um femi-
nino transgressor. E essa concepção, também nos é válida, quando
visamos os pontos cantados para as pombagiras chamadas nos ter-
reiros da FEM e mesmo eles representando suas identidades e es-
paços por elas habitados em vida e pós-morte, a crença das fiéis e
cavalos, continuam independente das “profissões” marginalizadas
ou feitos durante a vida.

58 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Quando era pequenina
Foi barrada na entrada
Na porta de um cabaré
Menina volta pra casa
Aqui não entra criança
Aqui só entra mulher
Diz aleluia
Diz aleluia
Ela deixou de ser criança
Agora é mulher da rua
(Ponto-cantado para pombagiras da rua em geral)

Assim, pode-se perceber que o espaço limiar, nesse caso da


rua, está presente nos pontos cantados, e várias das pombagiras
são atribuídas às encruzilhadas. Cardoso (2015, p. 192), remete
ao fato de haver singularidades nas crenças afrorreligiosas, quan-
do esses espíritos se tornam a própria encruzilhada, identificada
como sua morada.

Uma champanhe estourou na encruzilhada


É um sinal que a pombagira chegou
Levando dores e pontadas
E toda amarração lá para as sete encruzilhadas
(Ponto Cantado – Pombagira das Sete Encruzilhadas)

Às pombagiras da encruzilhada são atribuídas atividades e


trabalhos para o lado do amor, em resolver demandas nessas esfe-
ras que buscam seus consulentes. Também a parte sexual deles é a
elas pedido ajuda. Conforme relata a Ialorixá Alda Farias:

[...] até porque especialmente a minha pombagira é de conci-


liação, toco na parte de relação é com ela mesmo, pra conciliar,
pra ajeita, pra ajudar. E o sexo é uma coisa necessária mesmo,
é necessário pra uma boa relação, é preciso que a parte sexual
esteja bem (FARIAS, 2017).

Podemos entrar no viés da sexualidade, enquanto uma das


maiores demandas a serem resolvidas pelo mundo da magia das
pombagiras. E de como ser ativo sexualmente. Dimen (1988), há

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uma alienação às experiências de dominação, a perda do senso de
desejo de autonomia, como culminância de processos que jogam
com as dúvidas sobre a realidade do seu ser, percepções e valores.
Desse modo, a sexualidade nas esferas do imaginário, da crença e
no rito analisado, são manifestações do desejo influenciadas pelas
representações de gênero envoltas nesses espíritos femininos. Elas
podem para os partícipes do culto e além dele, redefinir relações so-
ciais e integrações psicológicas desses consulentes e cavalos, trans-
cendendo noções de gênero, possibilitando experiências pessoais e
a normalização do prazer, não sendo esse perverso ou profano.
Nota-se assim, que ao nos remetermos a sexualidade, no es-
paço da FEM, não se reinstaura a fronteira entre o bem e o mal,
sendo isso uma restauração inequívoca de regras sociais. Em que
não cabe a “domesticação” do feminino e da sexualidade, quando
falamos de pombagiras. Mesmo que suas imagens se correlacio-
nem com prostitutas, por ocuparem o espaço da rua, essas concep-
ções, são em parte advindas, do que Cardoso (2012, p. 196) aborda,
ao relacionar à História do Brasil e o crescente números de pros-
titutas nas ruas na virada do século XIX e XX, principalmente nos
centros urbanos. Tais preocupações contemporâneas, que versam
sobre preconceitos, estão aglutinadas com a busca de moralizar,
feminilidades, valores de família, saúde pública e controles legais
sobre o corpo da mulher (CARDOSO, 2012, p. 196). Cardoso em seu
texto busca desestabilizar uma suposta univocidade do feminino,
mesmo dentro da esfera da prostituição.
Percebemos ao longo do contato com os membros da FEM, o
fato de que tais concepções de vulgaridades e promiscuidades não
são aceitas. Segundo a Ialorixá Alda Maria Farias:

Se alguém disser pra mim, eu vou falar da minha né, que a Ra-
inha é vulgar, vai me perder pro resto da vida. Ela não é vulgar,
elas têm essa coisa de sedução porque elas são sedutoras, elas
conquistam através da sedução, por que é fácil de entender isso,
quando se vê uma pessoa que tem um corpo né, que tem no teu
corpo uma pombagira, tu vai ter outra agilidade, tu vai ter outros
movimentos, tu vai ter outro estilo, do que eu entendesse? Pela
minha própria idade, pelo meu corpo que eu sou obesa. E ela
chega e eu não sou obesa, está me entendendo? (FARIAS, 2017).

60 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Desse modo, para essa análise, cabe entendermos, que tais
preconceitos envoltos as figuras das pombagiras, está relacionado
com o que Foucault (1997) considera como discursos que classifi-
cam práticas da sexualidade, para o autor a sexualidade se torna
um dispositivo de poder, que normaliza, cria regras sociais e deter-
mina o que é proibido ou não.
Observa-se que Pai Bira do Maioral, refere-se como sendo er-
rônea a visão de promiscuidade e prostituição que envolvem as
entidades pombagiras, e muitas vezes consequência de discursos
dos próprios afrorreligiosos.

Eu tenho tentado desmistificar isso na minha verdade a grande


culpa disto são os próprios religiosos, pessoas desinformadas,
que não sabem, que só sabem incorporar mas não sabem de
onde vem, como nasce uma entidade, quem são elas , de que
tipo de manifestação, de que tipo de aptidão que elas vem, que
não é diferente dos homens e mulheres que viveram por muitos
tempos, então eles não passaram essa informação, então quem
perguntavam, quem é uma pombagira? “A pombagira é uma
prostituta, pomba-gira, não sei o quê”. Então essa imagem foi
colada na religião pelos próprios religiosos, os desinformados.
Então é uma forma diferente, eu tenho uma sede muito grande
de começar a mostrar isso, porque para as pessoas saber o que
é um exu, uma pombagira. São espíritos extremamente nobres,
que não são esses espíritos arcaicos, que vem torto, que vem
de uma forma terrível, assustadora e que houve até um tempo
que as crianças não podiam nem participar dos ritos, porque
achavam que era um absurdo, como tem até hoje gente que não
aceita exu nas suas casas. E na verdade não tem um pingo de
fundamento isto, porque se soubesse da nobredade que tem um
exu e uma pombagira, queriam ter muitos em sua casa e zelosos
por eles (VERGARA, 2017).

Pombagira é singular, mas também é plural. Elas são muitas,


cada qual com nome, aparência, preferências, símbolos e cantigas.
Mesmo que haja numa visão preconceituosa acerca dessas entida-
des da Quimbanda, atrelamento dessas ao “mau” e à “bruxaria”, no
culto observado, presenciou-se que tais termos não causam repul-
sa, muito menos desvalorizam a fé nas pombagiras. A análise de

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pontos-cantados, entrevistas e das performances, possibilitou-nos
compreender que muito se é feito para agradar essas entidades,
tanto para pedir quanto para agradecer. Nesse sentido, no próximo
tópico, buscar-se-á entender seus trabalhos e desdobramentos.

2.2 “Sou essa que estou aqui para resolver”

Conforme Prandi (1996, p. 02), as pombagiras são chamadas


para a solução de problemas relacionados a fracassos e desejos
da vida amorosa e da sexualidade, além de inúmeros outros que
envolvem situações de aflição na vida dos seus consulentes. Para o
mesmo autor, os cultos de pombagiras nos permite entender algo
das aspirações e frustrações de largas parcelas da população, que
estão muito distantes de um código de ética e moralidade emba-
sado em valores da tradição ocidental cristã. Para a ampla gama
das pombagiras presentes no terreiro, qualquer desejo pode ser
atendido, podendo haver preferências de cada uma de acordo com
as funções a elas determinadas.
As pombagiras chamadas no terreiro vêm sempre para traba-
lhar, algumas têm a finalidade de “desfazer feitiços” e, em alguns
casos, devolver aos que quiseram o “mau” de seus devotos. Seus
feitos na vida dos consulentes é o que lhes dá prestígio. Alguns
pontos expressam o caráter das oferendas, para agradecer aos fei-
tos e para pedir resultados por meio da fé imputadas a essas enti-
dades. Como no ponto-cantado a seguir:

Sete rosas e champanhe


Eu dei pra ela
Aos pés de uma tumba(bis)
Eu pedi, você me ouviu
Eu agradeço a Cigana da Calunga
(Ponto-Cantado Cigana da Calunga)

Maria Mulambo ela mereceu ganhar


Ganhar o que ganhou (bis)
Foram sete rosas na calunga

62 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Sete marafos e uma saia de cetim
E como tudo isso não bastasse
Ela ganhou uma coroa de Atotô
Atotô meu pai, Atotô meu senhor
Maria Malumbo mereceu o que ganhou
(Ponto-cantado Maria Mulambo)

O que acontece nessa prática é a materialização do pedido


do consulente à entidade. Podemos entender a necessidade de
haver na ritualística afrorreligiosa a ligação do espiritual com o
uso de materiais concretos. Seja flores, velas, comidas, bebidas,
joias e perfumes. Observou-se relatos de agradecimentos feitos a
resultados proporcionados por pombagiras, segundo a crença do
consulente. Como relata a Ialorixá Alda Maria Vitória, “então, ela
ganha muito dinheiro, ela é uma pombagira muito fina e muito rica,
e eu Alda, jamais vou fazer alguma coisa pra cobrar de alguém, as
pessoas se sentem no dever e obrigação de dar pra ela, eu jamais
cobraria” (FARIAS, 2017).
A esfera de pedidos a elas é ampla, porém, diversas pesquisas
acerca da figura mítica e popular da pomba-gira as vincula em fun-
ções ligadas à sexualidade e amor. Reginaldo Prandi (1996), refere-se
como sendo a pombagira como a entidade que resolveria os casos
de amor, protege as mulheres que a procuram, e sendo capaz de
propiciar qualquer tipo de união amorosa e sexual. Mesmo que en-
contremos aspectos diferentes na FEM, por meio dos relatos, essas
funções também são narradas.

[...] até porque especialmente a minha pombagira é de conci-


liação, toco na parte de relação é com ela mesmo, pra conciliar,
pra ajeita, pra ajudar. E o sexo é uma coisa necessária mesmo,
é necessário pra uma boa relação, é preciso que a parte sexual
esteja bem (FARIAS, 2017).

Contudo, perceber a função delas na Quimbanda, e nos terrei-


ros da FEM, nos faz observar o porquê de lhes ser associado o “pe-
cado”, seja por parte do senso comum, seja por parte de outros re-
ligiosos. Pois, ao nos referirmos à sexualidade ativa das mulheres,

63 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
temos que nos reportar à construção social envolta na sexualidade
feminina. Quando enfatizamos o desenvolvimento de multiplici-
dades de possibilidades de vivência de sexualidade localizadas
fora de padrões heteronormativos. As pombagiras estão em meio
a essa diversidade e perpassam moldes de feminilidade impostos
patriarcalmente.
A cultura ocidental continua sendo muito ambígua em relação
à sexualidade, na qual mulheres que expressam seus desejos são
consideradas profanas e não dignas de respeito. O que acontece
nesse culto às pombagiras, ver nela uma interface a essas culturas,
sendo que se observa que o contrário acontece na FEM, onde essas
mulheres revelam em seus médiuns uma experiência de domina-
ção, o desejo de autonomia.
Os trabalhos para amor e sexo, bem como para demais maze-
las da sociedade em geral que faz com que consulentes procurem
os serviços das pombagiras, podem ser classificamos muitas vezes
pelo local e onde elas vêm, por suas moradas espirituais, seja ruas,
encruzilhadas, cemitérios, praias, lixões. Conforme a Ialorixá Adria-
na Santarosa, e suas narrativas sobre as pombagiras, ela revela o
fato de que todas podem trabalhar para tudo: “Se tu quer que ela
trabalhe para o amor, ela vai trabalhar, se tu quer que ela trabalhe
para o dinheiro, qualquer uma delas, qualquer uma tem essa ca-
pacidade, apenas assim, tem alguns pontos que a entidade, você
utiliza ela mais para essa questão” (SANTAROSA, 2018).
A Ialorixá Adriana, narra sobre a pombagira Cigana da Calunga
e suas principais atribuições, ao que pese trabalhos e pedidos: “Ela
é muito para o dinheiro, o cigano gosta muito do amor, mas eu sinto
que ela é para resolver mais situações financeiras, ela gosta muito
da moeda” (SANTAROSA, 2018).
Assim, podemos observar que os trabalhos, desenvolvidos
pelas pombagiras, são evidentemente decorrentes do poder vin-
culado a elas. Porém, não são apenas trabalhos feitos, para o amor
ou dinheiro, como relata a Ialorixá Janeth Vergara, referindo-se a
sua pombagira Isaura:

Ela trabalha, para a saúde, gosta mais de trabalhar para a saú-


de, acredito também pelo fato de eu trabalhar com transporte,

64 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
também ajudo muitas pessoas. Mas no restante, como relacio-
namento, não gosto de fazer casamento e namoro, amor não
(VERGARA, 2018).

O fato de cantar esses pontos-cantados específicos para sua


Pombagira, estar-se-ia designando comportamentos e identidades
específicas, porém, mesmo com pontos cantados, discursos orais, e
outros meios de construção de saber e identidades, não podemos
aqui, ligar a imagem dessas singulares e plurais pombagiras, so-
mente às funções ligadas ao amor ou sexualidade e dinheiro, sen-
do a maioria das menções dos pontos-cantados; algumas têm uma
imagem ligada à proteção de seus consulentes.
Outras narrativas reforçam a pluralidade das pombagiras, en-
quanto umas exercem funções ligadas ao amor e à sexualidade,
outras a questões de saúde, também há nos terreiros da FEM as
que possuem características maternais. Pai Bira do Maioral, ao se
referir a sua pomba-gira Maria Mulambo, afirma que:

É uma entidade extremamente rica de sabedoria, de conheci-


mento de informações. Ela já foi assim uma mãe, muito zelosa
pelos seus filhos e até hoje quando recebe as suas oferendas a
gente homenageia seus filhos também, é aquela mãe que pode
(nos) socorrer nas horas difíceis e nos dar as respostas imedia-
tas. Eu imagino ela como talvez ela tenha na última encarnação
como mulher. Uma senhora de já seus 60 anos de idade. Mãe
zelosa, mãe que saia a busca de trazer o alimento para seus fi-
lhos, mãe que coloca seus filhos debaixo das asas, que defendia,
sabe, instintiva, amorosa, sentimental. Eu consigo exatamente
nesse momento que vou te falando visualizar ela, esta senhora,
eximia mãe, eximia defensora do seu lar, muito simples inclusive
(VERGARA, 2017).

Assim, pode-se perceber as inúmeras narrativas que versam


sobre essas figuras femininas da Quimbanda. Não podemos apenas
ligá-las aos estereótipos preestabelecidos de que seus trabalhos
apenas envolvem as demandas amorosas e sexuais. Outros feitos
observados são os poderes com a magia e o feitiço, que não des-
qualificam sua importância no terreiro.

65 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
2.3 “O seu feitiço não é de brincadeira”

O caráter de serem entidades “perigosas” e “feiticeiras”, com


as quais se deve tomar “cuidado”, é marcado em alguns pontos
cantados.

Maria Quitéria é como ponta de agulha


Quem mexer com ela cava a sepultura [...]
(Trecho do ponto-cantado de Maria Quitéria)

Prandi (1996, p. 10) disserta que não há mãe ou pai de santo


que admita o trabalho para o “mau”. O “mau”, quando acontece,
é sempre uma consequência do “bem”, porque as situações que
envolvem exus, serão contraditórias. As demandas que envolvem
questões amorosas são um campo específico de atuação da pom-
bagira. Questões do “bem” e do “mau” são irrelevantes, no que
tange a fé dos membros e consulentes.

Ô ciganinha, ciganinha
Da sandália de pau, ela trabalha para o bem
Faz o bem e faz o mal (Ponto-cantado Pombagira Cigana)

Essa ambiguidade é apresentada em diversos pontos, pois


falar em mau, em inferno, diabo ou feitiço, não soa estranho aos
fiéis. Não há a crença de se estar fazendo algo errado ao cantar em
voz alta essas palavras. Quando essas entidades são chamadas por
meio desses pontos-cantados, ou esses pontos são entoados para
animar as festas, dificilmente os cavalos ou cônsules pensam estar
fazendo algo “pecaminoso” ou “diabólico” que resultem em qual-
quer ligação com o inferno e as forças do mal.
Os feitiços são vistos enquanto necessários para obter as rea-
lizações dos pedidos e na solução dos problemas, tanto dos cava-
los, quanto dos consulentes. Então a utilização de frutas, comidas,
bebidas, joias e outros símbolos, são importantes. Os pontos-can-
tados revelam a utilização desses

66 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Eu vou comprar uma maçã
Para a cigana trabalhar
Um feitiço eu vou fazer
Para um amor ela me dar
(Ponto-cantado para Pombagira Cigana)

Desse modo, deve-se citar o fato de que as religiões afro-bra-


sileiras são religiões que aceitam o mundo exatamente como ele é.
Este mundo é considerado o lugar onde todas as realizações pes-
soais são moralmente desejáveis e possíveis. Assim, para Prandi,

[...] o bom seguidor das religiões dos orixás deve fazer todo o
possível para que seus desejos se realizem, pois, é através da
realização humana que os deuses ficam mais fortes, e podem as-
sim mais nos ajudar. Esse empenho em ser feliz não pode se en-
fraquecer diante de nenhuma barreira, mesmo que a felicidade
implique o infortúnio do outro. De outro lado, o código de mora-
lidade dessas religiões, se é que é possível usar aqui a idéia de
moralidade, estabelece uma relação de lealdade e de reciproci-
dade entre o fiel e suas entidades divinas ou espirituais, nunca
entre os homens como comunidade solidária. (2004, p. 16).

A pombagira Maria Padilha das Almas, para seu cavalo An-


dreelen Quiroga Gil18 é vista:

[...] em muitos terreiros, em tudo que é lugar, geralmente quando


falam em Maria Padilha das Almas ela é uma entidade vista pro
mal, e comigo foi diferente, e na própria casa que eu frequento,
ela tinha outro cavalo e ela sempre foi vista, Maria Padilha faz
o mal, Maria Padilha estraga as pessoas, “liquida” as pessoas, e
eu tinha aquilo comigo. Só que eu fiz ela nascer uma pombagi-
ra mulher em mim, é uma pombagira que ela gosta de ganhar
uma rosa. “Ah, eu vou dar um presente para a Maria Padilha das

18
  A filha-de-santo Andreelen Quiroga Gil, do Pai Bira do Maioral e da atual Mãe de
Santo Michele Alan, mesmo que não seja pronta, tem um papel de destaque hierár-
quico devido ser cavalo da Maria Padilha das Almas no Reino de Xangô e Iansã- Casa
do Maioral. A escolha por sua entrevista foi devido a importância da sua pombagira
nos terreiros que englobam a F.E.M, sendo que nos três os cavalos dessa entidade,
cuidam de uma casa (sala fora dos templos) para essa entidade.

67 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Almas, vou dar uma caveira”, não, em mim ela nasceu diferente,
ela gosta de ganhar uma rosa, ela gosta de ganhar um perfume,
ela gosta de ganhar um charuto (GIL, 2018).

Esses antagonismos nas narrativas e vivências do povo-de-


-santo com suas pombagiras é recorrente, a cavalo Andreelen ain-
da acrescenta que

[...] o que mais me marcou nessa minha missão com ela foi uma
mulher que e atendi, estava grávida e quando a filha nasceu, foi
dois dias antes de eu fazer minha obrigação pra ela, a filha nas-
ceu lá em Santa Catarina, de Araranguá o casal, eles compraram
uma pulseira, colocaram no pulso da menina, deixaram 24 horas
e me mandaram pelo sedex, que a partir daquele momento esta-
vam entregando a filha deles pra ela, porque ela que tinha dado
a fertilidade pra essa mulher engravidar, então a filha deles tava
entregue. Pra mim foi o momento mais emocionante de toda mi-
nha missão pra ela, uma entidade que geralmente é vista para o
mal, hoje ela embala uma criança (GIL, 2018).

A entidade está em diálogo constante com o cavalo e, mesmo


que haja pré-conceitos já presentes no imaginário das funções das
pombagiras, cada cavalo constrói a pombagira de acordo com suas
próprias concepções e desejos. Entendemos assim, da mesma for-
ma abordada por Butler (2010), quando se refere ao fato de que
não se pode mais conceber as mulheres enquanto sujeitos estáveis
ou permanentes, nem as pombagiras entendidas pelos fiéis são
concepções de gênero naturais ou definitivas. As pombagiras não
são, elas serão o que seus cavalos quiserem fazer delas e represen-
tarem para seu grupo religioso. Para o Babalorixá Eduardo Moraes

[...] a pombagira vem para trazer alegria, trazer união, trazer o


conforto para as pessoas é um Exu mulher que são trabalham
tanto com o bem tanto com o mal depende de cada pessoa, isso
ai é como as pessoas tem pessoas da mesma família que são
boas e tem pessoas que são más, depende em cada lugar como
é cuidado no nosso rito coisa, nosso rito no caso a pombagira
vem trazer alegria abrir caminhos trazer fartura trazer amor esse
é o nosso ritual (MORAES, 2018).

68 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Podemos entender que houve com essa análise, a partir das
relações entre cavalos e pombagiras, uma desconstrução do femi-
nino, considerando as mulheres enquanto o “outro”, mas que no
rito são aceitas, com todas suas características. Louro relata que

Ao se eleger a desconstrução como procedimento metodológi-


co, está se indicando um modo de questionar ou de analisar e
está se apostando que esse modo de análise pode ser útil para
desestabilizar binarismos lingüísticos e conceituais (ainda que
se trate de binarismos tão seguros como homem/ mulher, mas-
culinidade/feminilidade). A desconstrução das oposições biná-
rias tornaria manifesta a interdependência e a fragmentação
de cada um dos polos. Trabalhando para mostrar que cada polo
contém o outro, de forma desviada ou negada, a desconstru-
ção indica que cada polo carrega vestígios do outro e depende
desse outro para adquirir sentido. A operação sugere também o
quanto cada polo é, em si mesmo, fragmentado e plural. Para os
teóricos/as queer, a oposição heterossexualidade/ homossexua-
lidade – onipresente na cultura ocidental moderna – poderia ser
efetivamente criticada e abalada por meio de procedimentos
desconstrutivos (LOURO, 2001, p. 548).

Em que pese a teoria queer sinalizar para o estranho, para a


contestação, para o que está fora-do-centro. Butler (1999, apud
LOURO, 2001, p. 548) afirma que as sociedades constroem nor-
mas que regulam e materializam o sexo dos sujeitos e que essas
“normas regulatórias” precisam ser constantemente repetidas e
reiteradas para que tal materialização se concretize. Butler (1999,
apud LOURO, 2001, p. 548) acentua que “os corpos não se confor-
mam, nunca, completamente, às normas pelas quais sua materia-
lização é imposta”, sendo assim, essas normas precisam ser cons-
tantemente citadas, reconhecidas em sua autoridade, para que
possam exercer seus efeitos.
As normas que regulam sexo têm, portanto, um caráter per-
formativo, isto é, têm um poder continuado e repetido de produ-
zir aquilo que nomeiam e, sendo assim, elas repetem e reiteram,
constantemente, as normas dos gêneros numa visão heterossexual
(LOURO, 2001, p. 548). Por outro lado, no culto às pombagiras da

69 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
FEM, observa-se sujeitos cavalos – aqueles que escapam da norma
ao incorporarem entidades consideradas por eles, enquanto repre-
sentações e definidoras de identidades.
As pombagiras e seus poderes sobrenaturais são, dessa forma,
uma inversão enunciada por sua marginalidade, porém, que resulta
em sendo o “outro” do feminino, conforme Cardoso (2012, p. 192).
Esse “outro” do feminino é aceito pelos cavalos e consulentes da
FEM, e é ligado diretamente na construção de identidades femini-
nas, tornam-se o que Capone (2004, p. 110) classifica, isto é, que
as pombagiras são a dramatização do poder sexual feminino junta-
mente com o poder feiticeiro escondido em cada mulher.

2.4 “Maria Padilha, mulher da máfia e também


do Maioral”: diferenças e similaridades entre
Pombagiras e Marias Padilhas

Maria Padilha, talvez seja a mais popular pombagira, e é con-


siderada um espírito de uma mulher muito bonita, branca, seduto-
ra, e que em vida teria sido prostituta, grã-fina ou influente cortesã
(PRANDI, 1996, p. 16). Marlise Meyer (1993) faz uma construção
literária baseada em fatos documentais a imagem histórica e ibé-
rica e acerca das concepções míticas sobre a Maria Padilha afro-
-brasileira. No entanto, na FEM, Maria Padilha é várias, tendo essas
pombagiras seus dois primeiros nomes e depois o espaço por elas
habitados, suas moradas. Um elemento observado no rito desen-
volvido pela FEM, é a diferenciação hierárquica das pombagiras
chamadas ao terreiro. Os poderes que lhes são atribuídos estão
nesse culto vinculado às obrigações19 legadas por seus cavalos,
bem como o tempo de cada um no rito. Essa diferenciação é expli-
cada pelo Pai Bira do Maioral:

19
 Oferendas utilizando animais, como dois pés (galinhas) ou quatro pés (cabritas),
juntamente com bandejas de alimentos e objetos próprios de cada pombagira.

70 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Bem, existe a linha incorporativa e a linha da materialização, nos
geralmente quando trabalhamos com exu e pombagiras, normal,
nós trabalhamos em determinadas linhas, nós trabalhamos em
focos de 7 linhas, Maria Padilha também trabalha junto com as
outras pombagiras nessa linha. Quando vai adentrar outra linha
é quando tu faz um cruzamento na linha dele (Maioral), tu fez
o cruzamento que é uma preparação toda que tu tem, intelec-
tual, física e com as tuas obrigações, quando tu passa a fazer tu
adentra as outras linhas dele (Maioral), então quando pula pra li-
nha dele só essas Marias Padilhas fazem, como se diz, fazem um
firmamento, um firmamento diferente, não é que elas tenham
mais conhecimento que as outras nessa linha, mas elas acessam
outras linhas de energia, a outra magia, que elas conseguem fa-
zer um sustentáculo, pra que esse reinado (VERGARA, 2017).

Observa-se que durante as giras, algumas médiuns sem o cru-


zamento20, incorporam Marias Padilha21 juntamente com as pomba-
giras que sucedem os exus. Porém as Marias Padilhas, com cruza-
mento, vêm ao fim da festa, muitas vezes antes da vinda do Maioral.
Para entendermos o culto de Quimbanda, desenvolvido nos
terreiros da FEM, deve-se explicar quem seria o Maioral, figura essa
que é atribuída a maior posição hierárquica dos terreiros analisa-
dos. Pouco se encontra em pesquisas anteriores, a menção a esse
chefe dos exus, ou também chamado pelos pontos-cantados na
FEM, como o rei da Quimbanda.22

Espia, espia, quem vem aí


Rei da Quimbanda é o Maioral
Espia, espia, quem vem aí
Rei da Quimbanda é o Maioral
O rei da Quimbanda mandou chamar
É o maioral que vem trabalhar
(Ponto-cantado ao Maioral)

20
 Obrigação feita com cabrito para o Maioral, posteriormente uma outra feita com
uma cabrita para o cavalo de Maria Padilha.
21
 No plural pelo fato de existir várias.
22
  Escolhermos essa ordem do texto para falar dessa figura que é considerada o
chefe espiritual dos terreiros da FEM, não implica ao fato de não se achar importan-
te, mas a ordem segue a ritualística envolta no culto da FEM, em que ele é chamado
por último nas festas.

71 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Prandi (1996, p. 06) sobre a literatura existente sobre os exus
e pombagiras, afirma que “a entidade suprema da “esquerda”
é o Diabo Maioral, ou Exu Sombra, que só incorpora raramente”.
Porém, na concepção do Pai Bira do Maioral, essa entidade seria

[...] na formatura da nossa casa nós temos aqui, com o espírito


que coordena essa casa, que chama-se, apelidado por Maioral
de Quimbanda, que se tu olhar na internet, vão atribuir a Lúcifer,
a Belzebu, e não tem nada a ver. De maneira nenhuma não tem
nada a ver, é um espírito nobre, milhares anos antes de Cristo,
de várias encarnações, veio evoluindo, e esse espírito é um es-
pírito que consegue acessar todas as linhas. Se conhecessem ele
de verdade saberiam que ele é extremamente livre e liberto de
qualquer preconceito, tanto que ele acessa linhas hoje de san-
tos católicos, te todas as reverencias, enfim, ibejis, enfim; ele
consegue trabalhar, fazer referência em 21 determinadas linhas
distintas, ele faz, tanto que na obrigação de nós temos dele, na
obrigação das ervas, que a gente chama de segurança, de saúde,
contra as pragas, nessa linha nós temos assim manifestações, de
povo hindu, nós temos manifestações xamãs, nós temos mani-
festações de seres mais diversos, esse Orixá, essa entidade, esse
espírito nobre ele trabalha em 21 linhas (VERGARA, 2017).

Na crença dos cavalos ou consulentes da FEM, Maioral, tam-


bém seria um Orixá, sendo o Orixá da Terra, muito parecido com
o Bará, porém com singularidades somente dele, seria o chefe da
Quimbanda, e todo Exu e Pombagira que vem ao templo, se cur-
vam23 ao esse seu chefe maior, pedindo sua licença para trabalha-
rem no terreiro. Após o cumprimento ao assentamento24 ou aos pés
do cavalo do Maioral (Pai Bira do Maioral), os cavalos incorporados
por suas entidades vão aos atabaques agradecendo por terem si-
dos chamados.
O nome Maioral, segundo Pai Bira do Maioral, trata-se de um
apelido, e seu nome teria sido revelado apenas para alguns membros,

23
  Pode ser feito tanto encostando a cabeça ao chão, ou ajoelhando-se.
24
 Local do terreiro que foi preparado com obrigações (oferendas com animais e
bandejas com alimentos e objetos) para a entidade, seria para os fiéis um local que
tem a energia dessa entidade.

72 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
e esses não o revelam. Maioral de Quimbanda é tido como o dono
do Reino de Xangô e Iansã – Casa do Maioral, de Pedro Osório-RS,
mesmo que os Orixás correspondentes ao Pai Bira do Maioral (filho
de Xangô) e a Mãe Tânia de Iansã (fundadores) sejam fundamen-
tais, o templo é tido para os membros como do Maioral. Outro pon-
to a ser tratado, é que o Exu Tranca-Rua das Almas é o Exu guardião
do terreiro, a confiança do Maioral, e é o exu que prepara as obriga-
ções feitas no terreiro, ao longo dos 27 anos de fundação.
Cabe salientar, que análises sobre o Maioral são incipientes,
mas que tal figura espiritual é de suma importância para entender-
mos os ritos de Quimbanda da FEM. As pombagiras Marias Padilha,
nesse espaço de análise estão diretamente ligadas a ele, tanto em
obrigações feitas por mulheres (constam somente mulheres até
então) quanto em suas funções espirituais, ou atribuições dessas
mulheres enquanto cavalos dessas pombagiras cruzadas25, em to-
das esferas da crença. Perpassando suas funções ao espaço do rito,
mas levando no dia-a-dia as características de suas guardiãs. É co-
mum que cavalos de Maria Padilha, tenham outra pombagira para
trabalhar na linha26 de pombagira, e depois desincorporam-nas e
incorporam sua Maria Padilha.
Algumas das médiuns possuem só Maria Padilha, como é o
caso da Ialorixá Magda da Silva Pereira, filha-de-santo do Pai Bira
do Maioral e da Mãe Tania de Iansã, está há mais de vinte anos no
rito, em sua narrativa a gratidão a Maria Padilha do Cemitério é evi-
dente. A Ialorixá se refere a sua pombagira como uma mãe,

Pra mim me valoriza muito, tu sabe quando tu está assim pra


baixo, ou tu sabe, eu não sou muito vaidosa de estar pintada
aquela coisa toda, aí às vezes eu me olho no espelho eu penso
“ai meu deus”, chamo por ela e eu sinto ela, me valorizo como
mulher. Por eu ser uma pessoa que não vivo maquiada, às vezes
eu me olho e “eu não posso ser, eu sou cavalo de Maria Padilha,
como que eu vou estar assim”. Ela me ajuda muito em relação a

25
  Como normalmente são chamadas pelos membros, como sendo Padilhas Cruza-
das, as mulheres com essas obrigações de cabrito e cabrita.
26
  Como são chamadas as divisões do rito, e as entidades chamadas. Por exemplo:
linha de Exus, vem somente exus masculinos (normalmente).

73 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
ser uma mulher vaidosa, porque a gente tem que atrair coisas
boas. É como diz o Maioral e o Pai Bira, tu tem que sempre estar
mostrando para as pessoas que está bem, mesmo que no teu in-
timo você não esteja, ninguém precisa saber. Ela pra mim nesse
sentido, me ajuda muito (PEREIRA, 2018).

Figura 2. Maria Padilha das Almas e Maioral de


Quimbanda na Festa em Homenagem à Maria Padilha das Almas
no Reino de Xango e Iansã- Casa do Maioral em Pedro Osório/RS
Fonte: arquivo pessoal da autora.

A Ialorixá Adriana Santarosa é um dos exemplos de mulheres


que possuem duas pombagiras. Na sua narrativa há diferenças

A Cigana ela é muito festeira, a Cigana na verdade a gira dela, ela


encanta, ela na verdade o trabalho inicial dela, o princípio dela
é o encantamento, ela primeiro faz o encantamento e quando
ela chega na pessoa para ela consultar, no caso até já existia um
encantamento dela, e ela é muito amorosa, ela na verdade gosta
de ver as pessoas bem, ela gosta de ver as pessoas alegres, não
que a Padilha não goste, mas a Padilha ela já é uma coisa mais,
uma energia mais de trabalho que é essa questão da defesa. En-
tão ela também muitas vezes vem com o seu sorriso de encanto,

74 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
mas as vezes ela vem muito para trabalhar e segurar a sessão
que está sendo naquele dia, segurar pra que haja uma energia
boa, pra poder acontecer a festa pra questão das pessoas que
são de fora que vem fazer a visita, né (SANTAROSA, 2018).

A Ialorixá também se refere ao fato de haver mais seriedade


da sua Maria Padilha da Calunga, em relação a sua Pombagira Ciga-
na da Calunga. A entrevistada narra suas mudanças enquanto sua
conduta.

Trabalhei com a Cigana durante um tempo, até eu começar a tra-


balha com a outra pomba gira que é a Maria Padilha da Calunga,
a questão da Maria Padilha da Calunga na minha vida, ela colo-
cou mais regras na questão assim de comportamento, na ques-
tão de desenvolver mais a minha espiritualidade em relação ao
material, ao mundo que eu vivo, em relação as pessoas né? Já é
diferente da Cigana, a Cigana ela é mais tranquila em relação a
isso, ela exige uma conduta, mas a Padilha pelo fato da missão
dela na casa, a minha conduta ela acaba sendo mais enérgica
digamos assim, do que a Cigana (SANTAROSA, 2018).

Outra característica analisada nas entrevistas, é o processo de


descoberta dessas Marias Padilhas. Como se refere a Ialorixá Lidia
Rufatto ao narrar seus primeiros contatos com a Maria Padilha das
Almas, ocorrido após uma festa em que incorporava a Rainha das
Sete Encruzilhadas:

A Rainha já veio muito diferente, veio dando umas gargalhadas


muito diferentes, e a Mãe Tania olhou pra mim e disse tu tens
uma Padilha. Seis meses depois numa festa de Exu, eu estava
concentrada para a Rainha e a Padilha veio, simplesmente veio,
veio já dando gargalhada e eu não entendia porque estava vindo
outra entidade. Inclusive, estava muito triste, porque eu adorava
a Rainha das Sete Encruzilhadas, na minha cabeça eu ia perder
a Rainha. Eu tinha paixão pela Rainha. Porque a rainha é muito
meiga, muito dançante, muito alegre, muito formosa. E essa enti-
dade Padilha, já era mais embrutecida, mais forte, mais guerrei-
ra, mais presente (RUFATTO, 2018b).

75 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Assim, observa-se o fato de que para essas Ialorixás, as suas
Marias Padilha, possuem uma performance mais séria, em deter-
minados momentos do rito, porém não significa que não apareçam
dançantes ou sorridentes.

Figura 3. Maria Padilha das Sete Encruzilhadas e exus na Festa de


Aprontamento de Miram Lackman no Reino de Xangô e Iansã –
Casa do Maioral em Pedro Osório /RS. Acervo de Miriam Lackman
Fonte: arquivo pessoal da autora.

A Ialorixá Miriam Lackman, que também tem nas linhas de


pombagiras a mesma Maria Padilha das Sete Encruzilhadas, acres-
centa ao relatar a diferença, pois

Depois de tempo trabalhando com ela, a primeira alinha, é mui-


to leve, tu gira tu sente, parece que tu está fora do chão do jei-
to que ela gira, e a energia é uma energia diferente depois que
cruza. Depois que cruza ela vem mais pesada, claro que com o
tempo com doutrina e coisa gente aprendeu que pode também
sorrir com elas na outra linha, mas é mais pesado, claro dia de
festa acaba que ficando um pouco na primeira linha um pouco
na segunda. Ela gosta de fazer festa, a Padilha adora uma festa

76 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
[...] eu acho que ela é linda, porque a minha fisionomia muda, eu
sinto, podem pessoas não enxergar, mas eu sinto. Sinto a fisio-
nomia de uma mulher linda, é assim fisionomia leve e um olhar
profundo. Mas assim, é uma felicidade, ela tem uma energia fora
do sério. Mas é muito diferente da primeira linha, pra segunda.
A primeira é uma energia levezinha, na segunda tu já sente mais
carne (LACKMAN, 2018).

Assim, podemos observar a importância dessas mulheres a


esses religiosos, cavalos e para os consulentes que buscam em
seus conselhos e trabalhos, a ajuda para resolver seus problemas.
A gratidão, desses cavalos de Marias Padilha, é externada na tama-
nha entrega delas a suas pombagiras.

Não existe palavras que eu consiga demonstrar o amor que car-


rego por ela [Maria Padilha]. Ela está comigo 24 horas por dia.
Nada na minha vida é feito sem autorização dela e do Maioral.
Não existe sensação melhor de quando chego em frente aos ata-
baques da nossa casa e chamo ela para uma incorporação. Pra
mim é um momento único, parece que a terra treme. Ela é tudo
na minha vida. Agradeço todos os dias ao Maioral e Pai Bira por
me permitir incorporar uma entidade tão nobre como essa no
terreiro. Minha maior defesa. Minha eterna guardiã (GIL, 2018).

Assim, pode-se observar as singularidades presentes nos


terreiros analisados em relação, não somente às pombagiras, mas
às Marias Padilha enquanto mulheres que auxiliam o Maioral de
Quimbanda na ritualística dessa fraternidade. Essas pombagiras
Marias Padilha são várias, mas são singulares aos fiéis e cavalos,
possuem para eles não só poder, mas poderes, para resolverem
tudo que se busca nas festas de Quimbanda.

77 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Figura 4. Marias Padilha na Festa do Maioral
na Centro Fraternal Nossa Senhora Santana
Fonte: arquivo pessoal da autora.

Imagem 5. Marias Padilhas na festa do Maioral


no Centro Fraternal Nossa Senhora Santana
Fonte: arquivo pessoal da autora.

78 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
As questões de representações, sobre como e porque alguns
significados são eleitos em detrimentos de outros, nos faz per-
ceber que há nesse culto às pombagiras, práticas que produzem
sentidos que envolvem relações de poder, incluindo o poder para
definir qual entidade mais se identifica, nesse caso pombagira, e
como ela, suas narrativas orais e vivências do cavalo, irão moldar
identidades ao dar sentido às experiências no terreiro e fora dele,
que tornam possível optar, entre várias identidades que as pomba-
giras possibilitam. Crer é fazer, para Certeau (1998, p. 241). Assim,
a Ialorixá Michele Alam, refere-se à incorporação dessas entidades
como sendo “uma honra e uma responsabilidade muito grande de
receber essas entidades, esses espíritos de luz, que nos ajudam
aqui na terra, nos orientam, onde a gente se apega, nas horas difí-
ceis, nas horas boas, são entidades que estão sempre a nossa fren-
te” (ALAM, 2018).
Essas mulheres com suas capas brilhantes, com seus charutos,
vestidos estonteantes, com suas taças cheias e sua seriedade ou
sorrisos, terminam as festas de Quimbanda, nos terreiros das FEM,
são as últimas a desincorporar e levam, segundo a crença, para
suas moradas todos sofrimentos de seus cavalos e consulentes.
Não desaparecem depois da desincorporação, pois continuam na
fé e na gratidão de quem as conhece no terreiro, de quem passa
na encruzilhada, na praia, no cemitério ou na mata. Continuaram
vivas, mesmo que em espírito, para quem se inspira diariamente
nessas mulheres transgressoras de um passado que se mantém
vivo no presente.

VOLTA AO SUMÁRIO

79 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
3. Mulheres, gênero
e religiosidade
afro-brasileira
Da mesma forma que estamos tratando de tradições afrorre-
ligiosas que se recriaram e reelaboraram seus sentidos e signifi-
cados a partir da escravização, de repreensões e do interior das
senzalas, também estamos nos propondo a falar de mulheres, his-
toricamente silenciadas, coadjuvantes e invisibilizadas. Religiões
afro-brasileiras e mulheres que configuram os “outros” de uma his-
tória branca, cristã e patriarcal.
Como nessa pesquisa estamos nos referindo às pombagiras
como representação de gênero, precisamos analisar como as mu-
lheres ao longo da história foram representadas e dadas a se iden-
tificarem. Desse modo, ao referir-se às mulheres e suas relações
com o poder Michelle Perrot (1988, p. 167), traz a ideia de que as
relações das mulheres com o poder se inscreve primeiramente no
jogo de palavras, em que “Poder”, como muitos outros, é um termo
polissêmico, que no singular tem uma conotação política e desig-
na basicamente a figura central, cardeal do Estado, que comumen-
te se supõe masculina. No plural, ele se estilhaça em fragmentos
múltiplos, equivalente a “influências” difusas e periféricas, em que
as mulheres têm sua grande parcela. Desse modo, se as mulheres
não têm poder, elas teriam ao longo da história poderes, fato esse
que nos remete ao Ocidente contemporâneo, quando as mulheres
investem esforços no privado, no familiar e mesmo no social, na
sociedade civil (PERROT, 1988, p. 168).
Como Katrib e Elísio (2018) colocam a mulher, de um modo
geral numa historiografia tradicional, como coadjuvante na investi-
gação, sob vários aspectos. Conforme os autores, a partir de Perrot
(2005), as mulheres estão inseridas num espaço privado, num con-
finamento privilegiado à causa pública, como na política, guerra,
etc., silenciando e dando invisibilidade ao papel e atuação delas
nos diversos cenários da vida social. Da mesma forma que a pre-
sença das mulheres enquanto protagonistas é recente, e elas nos
estudos das religiões afro-brasileiras é ainda mais (KATRIB; MA-
CHADO, PUGA 2018, p. 121).
Busca-se construir uma narrativa acerca da mulher enquanto
detentora de poder e de poderes, na esfera religiosa, porém que
ultrapassam espaços físicos de culto e permanecem no imaginário

81 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
do povo de santo. Nesse sentido, também nos é válido contrapor
discursos, para que entendamos não só as representações das
pombagiras no panteão afrorreligioso, mas os fatores culturais, a
partir de uma visão judaico-cristã que constroem a imagem das
pombagiras enquanto diabólicas e propagadoras do mal.

3.1 “Quem é do axé diz que é?”: das repreensões aos censos
É importante sinalizar que as reconexões e desconexões de
gênero e religião são desfeitas e refeitas a partir de determinados
discursos, sendo eles religiosos, sexuais, generificados, e, também,
a partir das próprias subjetividades e desejos das pessoas. Nesse
sentido, existe, para Maranhão (2015, p. 171), uma rede de tensões
e negociações que apresentam interpelações, regimes de valida-
ção do crer, falhas, sucessos enunciativos e a mistura entre agência
da pessoa e agência da agência religiosa, remetendo à identidade
sob sutura de Hall (2000).
Entendemos como Certeau (1988) que a crença, não como o
objeto do crer (um dogma, um programa), porém como investimen-
to das pessoas em uma proposição, o ato de enunciá-la conside-
rando-a verdadeira, correta, legítima, isto é, trataremos da crença
como uma modalidade de afirmação de identidade e não seu con-
teúdo. Pretende-se, no entanto, romper fronteiras relacionadas
aos dogmas cristãos. Tendo em vista as imagens analisadas nessa
pesquisa enquanto representações do que, para muitos, beira a
profanidade.
A magia fascina os brancos, pois esteve associada a feitiços, a
curas das doenças do corpo e da alma e tem o culto relacionado ao
exótico e ao erótico (MACHADO, 2014, p. 110). Mesmo fascinando
a muitos, isso não foi motivo para que parassem as perseguições
da Igreja Católica ou da polícia. Machado (2014, p. 111) conclui
que nas últimas décadas do século XIX e no pós-abolição, quando
as religiões de matriz africana se organizavam no espaço urbano,
o enfrentamento foi até maior, inclusive pela eugenia, teoria em
voga no Brasil durante as primeiras décadas do século XX.

82 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Desde a colonização, a Igreja Católica foi a detentora do maior
capital religioso e legitimava seu status reproduzindo facilmente
a ideologia dominante e ditando regras do jogo de poder (ORTIZ,
1999). A partir disso, deve-se mencionar a histórica realidade de
repreensões sobre as práticas afro-religiosas, não só no Rio Grande
do Sul, mas em todo Brasil.
Norton Corrêa (2006) esclarece que a realidade coerciti-
va às religiões de matriz africana partiu de diferentes instâncias,
principalmente, proeminentes de figuras ligadas ao catolicismo
hegemônico. Desde a inquisição instalada no Brasil Colônia, con-
forme Brown (1985), é possível perceber processos sistemáticos
repressivos às práticas religiosas de matriz africana. O mesmo
acontece após a instituição do regime republicano, quando a Igre-
ja Católica, mesmo separada do Estado, manteve-se em condições
hegemônicas. Tais coerções se mantiveram com base na influência
clerical sobre o poder público e no domínio da população em geral
(LEISTNER, 2017, p. 324).
Na década de 1920, com o apogeu umbandista no Brasil,
iniciou-se uma verdadeira campanha contra as religiosidades ne-
gras, essa promovida por setores do catolicismo (LEINSTER, 2014,
p. 324). Houve, em 1952, a chamada Campanha Nacional contra a
Heresia Espírita, lançada pela Conferência Nacional de Bispos do
Brasil (CNBB), em combate à expansão das práticas afrorreligiosas
no Brasil. Leistner (2014, p. 324), desde Corrêa (1998), nos mostra
a partir do discurso da CNBB que

[...] essas ações repressivas foram articuladas especialmente


em torno de publicações voltadas ao ‘esclarecimento e “orien-
tação” do clero católico direcionadas à população, as quais pro-
punham um “modo” como “encarar” ou se “posicionar” diante
de práticas que nada mais significavam do que “superstição”,
a “heresia pagã fetichista” e a “magia fraudulenta” (LEISTNER,
2014, p. 324).

Um dos principiais líderes da campanha da CNBB e editor da


“Seção Anti-Espírita do Secretariado da Fé e da Moral”, Boaventu-
ra Kloppenburg (1961 apud LEISTNER, 2014, p. 325) enfatizou os

83 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
aspectos demoníacos de algumas entidades do panteão afrorreli-
gioso. Kloppenburg cita em seus textos interpretações a partir de
referenciais umbandistas, que solidificaram historicamente o cará-
ter demoníacos dos exus e das pombagiras.
Este tipo de discurso permaneceu no imaginário popular bra-
sileiro, e atualmente é reforçado por alguns segmentos neopente-
costais. Conforme Nogueira (2012) um dos mais significativos des-
tes é o da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que combate
não só as religiões afro-brasileiras, como todo um conjunto de reli-
giões e seitas mediúnicas, orientais, mágicas e esotéricas. Nogueira
(2012), analisando a obra de Edir Macedo (2004), intitulada Orixás,
Caboclos e Guias – deuses ou demônios, o bispo fundador da IURD,
“revelaria” a “verdade” por detrás de “seitas como vodu, macumba,
quimbanda, candomblé e umbanda, [nas quais] os demônios são
adorados”, e que também no “espiritismo mais sofisticado (karde-
cista), eles se manifestam mentindo, afirmando serem espíritos de
pessoas que já morreram” (MACEDO, 2004, p. 14, apud. NOGUEIRA,
2012, p. 5). Exu no discurso propagado pela IURD aparece como
um demônio divinizado e adorado por seus fiéis nos rituais da
Quimbanda, outra forma de culto dentro da Umbanda. Para Mace-
do (2004, p. 15) na Quimbanda, os deuses (demônios) são os exus,
adorados e servidos no intuito de alcançar alguma vantagem sobre
um inimigo ou alguma coisa imoral, como conquistar a mulher ou
marido de alguém, obter favores por meios ilícitos etc.
Conforme Nogueira (2012, p. 08), o discurso de Edir Macedo
dá continuidade a séculos e séculos de perseguição e demoniza-
ção por parte dos segmentos religiosos cristãos às diversas formas
de religiosidades afro-brasileiras, especialmente à Umbanda, e
perpetua a imagem demoníaca dos orixás e guias afro-brasileiros,
especialmente da figura do exu e da pombagira.
A partir desse pressuposto, podemos perceber que as enti-
dades analisadas nessa pesquisa como representações de mulhe-
res, estiveram e se mantém enquanto figuras caracterizadas como
profanas e pecaminosas, num imaginário brasileiro que permane-
ce envolto aos dogmas cristãos. Tendo em vista que segundo os

84 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
dados de 2010 o Brasil continua sendo a nação mais católica do
mundo; mesmo que tenha havido uma redução de 1,7 milhões de
fiéis e havendo o encolhimento de 12,2% nos últimos anos.
Em escala nacional, o Brasil no censo de 2010, apresenta o
número de 588.797 indivíduos que se autodeclararam candom-
blecistas ou de outras religiões afro-brasileiras. Sendo que no Rio
Grande do Sul, concentram-se 29,70% de todos os sujeitos auto-
declarados afrorreligiosos.

Quadro 4. Religiões no Brasil (Censo de 2010)


Religião Porcentagem de adeptos
Catolicismo Romano 64,6%
Protestantismo 22,2%
Espiritismo Kardecista 2%
Afrorreligiões 0,3%
Outras religiões 2,9%
Sem religião 8%
Fonte: IBGE. Censo 2010. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em 20 fev. 2019.

Os 0,3% apontados na pesquisa de 2010, configuram o nú-


mero de 588.797 mil autodeclarados seguidores do animismo
afro-brasileiro como o Candomblé, o Tambor-de-mina, além da
Umbanda e demais religiões de matriz africana. Vale destacar que
Tadvald (2016, p. 146), tal como Oro (2008) chamou atenção da
necessidade de relativizar os números apontados pelas pesquisas
do IBGE, tendo em vista que muitos afrorreligiosos, historicamente
e por vários motivos, autodeclaravam-se católicos, e isso pode ain-
da acontecer. O que podemos observar nos quadros a seguir:

85 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Quadro 5. A religiosidade em Guabiju, Nova Prata e Pedro Osório
segundo o Censo do IBGE (2010)
Autodeclaração religiosa de
Pedro Osório Nova Prata Guabiju
acordo com o IBGE
Católica 3.593 19.535 1.559
Evangélicos 1.556 2.488 39
Espírita 560 294 0
Total 5.709 22.317 1.598
Fonte: IBGE. Censo 2010. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em 20 fev. 2019.

Quadro 6. Religiosidade e totais populacionais em Guabiju, Nova


Prata e Pedro Osório segundo o Censo do IBGE (2010)
População quanto à
Pedro Osório Nova Prata Guabiju
autodeclaração religiosa
População que se enquadra nas
classificações de autodeclaração 5.709 22.317 1.598
religiosa do IBGE
Total de habitantes do município 7.811 22.830 1.598
População que não se
enquadra nas classificações de 2.102 513 0
autodeclaração religiosa do IBGE
Fonte: IBGE. Censo 2010. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em 20 fev. 2019.

Nos Quadros 05 e 06 temos os dados divulgados pelo site do


IBGE do ano de 2010 (sendo o mais recente, ao tempo de nossa pes-
quisa), nos três municípios em que se encontram os terreiros que
analisamos, podemos perceber não só o catolicismo como sendo a
principal religião autodeclarada, como também crenças evangéli-
cas sendo as segundas em questão de maioria e o espiritismo em
terceiro. Porém a crença afro-brasileira não se encontra nos dados,
para que possamos ter uma média nessa pesquisa dos números.
Também, podemos perceber que todas as demais crenças que fo-
ram autodeclaradas estão subentendidas como outros acerca do

86 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
número total de membros, não estando presentes na soma total de
declarados enquanto católicos, evangélicos ou espíritas.
Por mais que as tabelas encontradas no site do IBGE, não mos-
trarem a religiosidade afro-brasileira nas três cidades que a Frater-
nidade Estrela da Manhã está englobada, precisamos salientar que
no Rio Grande do Sul estão os maiores percentuais de municípios
com seguidores das religiões africanas, sendo que todos estão lo-
calizados na metade sul e no litoral, regiões de charqueadas onde
houve maior exploração da escravidão e onde estão diversos qui-
lombos em processo de reconhecimento.
Todavia, mesmo que esteja envolta culturalmente a ideia
de um Rio Grande do Sul branco, o estado se caracteriza como o
restante do país, como uma sociedade multiétnica e pluricultural,
construída a partir de encontro de civilizações, como diria Basti-
de (1959). Um estado que se constituiu a partir dos nativos indí-
genas, num território que veio a ser ocupado por portugueses e
espanhóis, logo aos africanos escravizados e posteriormente aos
imigrantes europeus, em maior número aos alemães e italianos.
Conforme nos acrescenta Ari Oro (2008, p. 17):

Neste território multiétnico, malgrado a posição superior que


os brancos ocuparam em relação aos negros e aos índios, ocor-
reram, de alguma forma, trocas culturais em diferentes dire-
ções, sendo uma delas a aproximação dos não-brancos, de
diferentes etnias e de diferentes camadas sociais, às religiões
afro-brasileiras.

Nos deparamos com um meio em que temos os afrodescen-


dentes, os afrorreligiosos declarados, os frequentadores dos cul-
tos e os números dos últimos censos, para que observemos que,
por mais que o número de adeptos aumente, segundo a oralidade
dos terreiros, os censos não mostram um aumento expressivo de
autodeclarados. Cabe salientar que, por mais que tais ritualísti-
cas em suma descendam de práticas de origem africana, na FEM,
observa-se a presença maior de brancos e pardos fazendo parte
do rito.

87 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
3.2 Mulheres e Religião como tema de pesquisa
Embora as pesquisas acerca das mulheres e de religiões e re-
ligiosidades estejam crescendo no âmbito historiográfico, pesqui-
sas que constroem contrapontos entre religião e análise de gênero
ainda são insipientes, levando em conta como as crenças moldam
identidades, culturas e representações de gênero em todo o mundo.
Sabe-se que as condições femininas sempre estiveram li-
gadas diretamente ao estrato social e sua posição na sociedade,
assim as mulheres, do período colonial no Brasil, poderiam exer-
cer os papeis de mulher casada, amancebada, viúva, solteira, frei-
ra, recolhida ou prostituta (BANDINI, 2005, p. 83). Nesse sentido,
para Bandini (2005), as diferenças sexuais enquanto construções
sociais, culturais e históricas, incluem relações de poder, que não
estão presentes somente no masculino, mas numa teia de proces-
sos históricos.
Se para os gregos antigos a Ilíada e Odisseia foram mais do
que um compêndio de narrativas mitológicas, livros de fundamen-
tação ético-moral, o equivalente poderíamos dizer da Bíblia cris-
tã para o Ocidente. Seus preceitos morais pairam no imaginário
social do Ocidente, mesmo entre grupos ou indivíduos que não
compartilham de religiões cristãs. Danièle Hervieu- Léger (2005,
p. 93), considerando o catolicismo e sua configuração de memória,
aponta à possibilidade de que o capital de memória que constitui
o catolicismo, sendo uma das “grandes religiões”, pode continuar
a construir tradição na sociedade moderna. Desse modo, percebe-
mos que tal instituição religiosa fundou historicamente sua legiti-
midade, por meio da uniformização atomização que ainda caracte-
rizam a sociedade moderna e é basilar para a formação identitária
das mulheres no ocidente
Referir-se às mulheres no Ocidente é nos remetermos às repre-
sentações delas a partir do Gênesis, que apresenta a potência sedu-
tora da conhecida e sempre lembrada Eva. Perrot (2005, p. 168), ao
tratar de mulheres e poder, se reporta à imagem recorrente da “mu-
lher como origem do mal e da infelicidade, potência noturna, força
das sombras, rainha da noite, posta ao homem diurno da ordem e

88 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
da razão lúcida”. A busca de uma salvação e triunfo para os homens
consistia em exorcizar a ameaça que a mulher representava. Na so-
ciedade francesa do século XIX, predominava a imagem de um po-
der conjuntivo, porém oculto perante as ações masculinas. Imagens
que permaneceram no século XX. Para Perrot “as mulheres, além
disso, não são exclusivamente forças do mal, são também potência
civilizadora, outro tema muito antigo” (1988, p. 168).
Simone Beauvoir (1967), em suas análises, considera a mu-
lher como o outro definido a partir da alteridade masculina. Beau-
voir contribui expressivamente no que se refere às diferenças e
hierarquias entre os sexos, apropriando-se do debate da biologia
e o transportando para o campo histórico. Para Méndez (2008,
p. 34), “através do estudo da sociedade, que a filósofa vai desvendar
o modo como as mulheres foram historicamente sendo conec-
tadas a uma imagem de fragilidade e subserviência.”. Beauvoir
(1967), portanto, desnaturaliza em suas obras as relações ho-
mem-mulher, demonstrando que mesmo havendo diferenças bio-
lógicas, a valorização desigual dessas diferenças são resultado de
criações humanas.
Em estudo de vertente sociológica, Bandini (2005) concebe
a religião como espaço portador de uma convenção social especí-
fica, cujo controle sobre o cotidiano de seus fiéis ocorre também
por meio da regulação dos corpos. Na observação, Bandini buscou
identificar as diferentes desigualdades, identidades, poderes e
experiências na interrelação com o gênero masculino, a partir de
instâncias religiosas, em específico a Igreja Católica. A autora des-
taca que no caso do Brasil Colônia, os comportamentos femininos
caracterizavam-se como “virtuosos” e resultantes de um padrão
moral imposto pela ação conjunta entre a Igreja Católica, o Esta-
do e o patriarcado. Para a autora, tanto o Estado, quanto a Igreja
se apresentavam como instâncias regulamentadoras, arbitrárias e
delimitadoras de poderes.
Complementarmente, citar a mulher, segundo as visões de
Kardec e da decodificação do hoje Espiritismo Kardecista, nos é vá-
lido pelo fato de ser uma das religiões que mais crescem no Brasil
de acordo com os censos. Desse modo, temos outros locutores de

89 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
discursos que permeiam a construção de valores éticos e morais
de muitos brasileiros. No Espiritismo Kardecista já consolidado,
podemos observar o apego às concepções conservadoras, não di-
ferentemente de um catolicismo que pregava a submissão da es-
posa ao marido, contrário ao trabalho feminino fora do lar e que
proibia a dissolução do casamento, criticando duramente muitas
das modificações que estavam ocorrendo na sociedade.
Fazem-se aparentes, por meio de análises da imprensa espí-
rita, explicitadas a partir de palavras que revelam a dimensão do
sacrifício e comprometimento do papel de mulher, ou seja, da mu-
lher em relação ao marido enquanto esposa, dedicada e do lar e,
em relação aos filhos e enquanto mãe, protetora e educadora. As
intenções implícitas nesse discurso religioso espírita revelam-se e
não se desprendem do imaginário social, na qual o gênero femini-
no, indiferente do ambiente e do papel social que fosse detentor,
deveria se prostrar ao masculino. Assim, há a noção de que o femi-
nino deveria carregar o fardo da abnegação e do desprendimento
de sua própria individualidade (SOUZA, 2016, p. 60).
Enquanto nas religiões de matriz africana, percebe-se a dife-
rença quando nos deparamos com uma cultura em que a mulher
ocupa um espaço, até então observado nas outras religiosidades,
tomado pelo masculino. Teresinha Bernardo (2005) ao pesquisar
sobre o Candomblé e o poder feminino, destaca que alguns fatores
são incisivos para que a mulher viesse a ocupar a ápice da hierar-
quia religiosa, fatores esses, que são elencados desde o trajeto da
África para o Brasil. Bernardo (2005, p. 16) relata que:

As mulheres africanas pertencentes a etnias fons e iorubás exer-


ceram em seus respectivos reinos um poder político importante.
É claro que no presente da escravidão esse poder teve que ser
ressignificado. Na realidade é totalmente contraditório com a si-
tuação de escravo o exercício de qualquer poder no plano real.
Assim, pode ter ocorrido uma transformação: se não existiam
condições do poder real, exercia-se no plano imaginário, através
da religião.

Na maioria das sociedades conhecidas é o homem o detentor


do poder religioso, que media os “outros” e os deuses. Desse modo

90 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
quando nos defrontamos com religiões em que o feminino ocu-
pa lugares de ápice hierárquico, surpreendemo-nos (BERNARDO,
2005). Por termos no Brasil a ação conjunta do Estado, da Igreja e
do patriarcado desde a concepção da colônia, a questão do femi-
nino no poder causa estranhamento, até mesmo nos dias atuais.
Porém, esse estranhamento se intensifica quando imaginamos
que fora em meio aos séculos XVIII e XIX, que mulheres negras se
tornaram sacerdotisas centrais em templos na Bahia, denominada
essa expressão religiosa de Candomblé (BERNARDO, 2005, p. 1).
No que tange a religiosidade afro-brasileiras temos a pesqui-
sa de Landres (1940), apontando as relações de gênero transgres-
soras nos cultos afro-religiosos da Bahia.
Peter Fry, nos anos finais de 1970, é um dos primeiros a tra-
tar de sexo e homossexualidade nos cultos afro-brasileiros, relacio-
nando esses aspectos com o fenômeno da liminaridade. Em seus
estudos, o antropólogo analisa os terreiros de Belém, destacando,
principalmente, a presença marcante de determinadas figuras limi-
nares nas casas de santo, as chamadas “bichas”, e enfatizando a sua
importância como líderes desses locais (apud. LAGE, 2007, p. 65).
Assim, sabe-se que a presença das mulheres como líderes sa-
cerdotais nas religiões afro-brasileiras é algo que instiga pesquisa-
dores. Desse modo,

Quando valorizamos essas vozes, muitas vezes silenciadas na


academia, permitimos que elas ecoem de forma a contribuir
para a valorização das suas pertenças identitárias e do reconhe-
cimento desses saberes e dessa relação com o sagrado na cons-
trução da nossa identidade como patrimônio cultural. (KATRIB;
MACHADO; PUGA, 2018, p. 12)

Podemos nesse sentido, perceber a importância de pesqui-


sas que versem acerca de religiosidades e mulheres, para que
possamos estabelecer conexões sócio-históricas que refletem na
inserção de sujeitos nos diversos sentidos e significados que são,
muitas vezes, herdados por meio de comunicações estabelecidas
no meio religioso. Desse modo, podemos entender que além de

91 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
sujeitos que desenvolvem seus conhecimentos, há nessas relações
a perpetuação de atividades que modulam os corpos. No enquan-
to, visa-se no próximo tópico abordado, um diálogo entre o teórico
e o campo de estudo, buscando analisar como as práticas religiosas
foram e são ressignificadas a partir das concepções de gênero.

3.3 Corpo e Gênero


As pesquisas sobre gênero são-nos úteis pelo fato de que, a
partir da segunda metade do século XX, introduziram problemáti-
cas conceituais e permitiram diálogos e análises acerca dos signi-
ficados simbólicos que carregam as classificações de “mulher” e
“homem” ou “feminino” e “masculino”. Nesse sentido, percebe-se
a importância do entendimento do gênero como uma construção
social, para que os papéis e condutas tradicionalmente incumbidas
a homens e mulheres possam ser questionados e, no caso dessa
pesquisa, ser analisados historicamente.
As relações entre religiosidade e gênero em seus espaços re-
ligiosos são necessárias em nossa pesquisa, tendo em vista que es-
ses locais podem funcionar como catalisadores da conscientização
pelas mulheres de sua exclusão social e religiosa, assim:

A religião na qualidade de construção sócio-histórica e cultural,


é para as mulheres um espaço ambivalente. Trata-se de espaços
complexos, lugares de contradições, de reprodução mas que po-
dem, em certas circunstâncias, propiciar alguma transformação
das relações sociais (NUNES, 2005, apud. LAGOS, 2007. p. 63)

Para Judith Butler (2015), há maneiras de minimizar a impor-


tância do gênero na vida, ou de confundir categorias de gênero para
que elas não mais tenham poder descritivo. Complementarmente,
para a autora, o gênero pode ser muito importante para os indiví-
duos, e algumas pessoas realmente amam o gênero que reivindica-
ram para si mesmas. Desse modo, sendo a noção de gênero erradi-
cada, seria um importante domínio de prazer para muitas pessoas.
Enquanto outras têm uma concepção forte de si amarrada aos seus
gêneros, logo, acabar com o gênero seria destruidor para sua noção

92 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
de si. Butler (2015) acredita que há a necessidade de aceitação de
uma larga variedade de posições sobre gênero, sendo que para a
autora alguns querem ser livres de gênero, mas outros querem ser
livres para viver o gênero que é crucial para quem elas são.
Por mais que a construção do gênero vá muito além da de-
signação de papéis e da construção de características, esses atos
também são capazes de construir corpos. O que Michel Foucault
(1996) exemplifica como “corpos dóceis” – entendimento desen-
volvido a partir de análises em/de instituições sociais em o autor
buscou entender como o poder se manifestava em esferas subje-
tivas, chamando-as de “sociedade disciplinada”. Embora Foucault
não tenha atentado especificamente para corpos femininos e mas-
culinos, é interessante pensarmos como tais teorias da disciplina
dos corpos se aplicam a inscrição do gênero no corpo e na nossa
pesquisa sobre as pombagiras.
Analisarmos as pombagiras, entidades do panteão afrorreli-
gioso brasileiro como uma performance de atos representativos de
gênero, nos permite romper com outras categorias, como a de cor-
po, sexo e sexualidade, o que nos ocasiona a ressignificação dessas
compreensões, a partir da ideia de que a pombagira rompe com
estruturas já preestabelecidas. O fato de haver a crença na incor-
poração dessas mulheres direciona a pesquisa para a compreensão
do corpo enquanto performance de gênero. Nesse sentido, Butler
(2015, p. 27) nos referência acerca da compreensão de corpo, sen-
do que para a autora,

O “corpo” aparece como um meio passivo sobre o qual se inscre-


vem significados culturais, ou então como o instrumento pelo
qual uma vontade de apropriação ou interpretação determina
o significado cultural por si mesma. Em ambos os casos, o corpo
é representado como um mero instrumento ou meio com o qual
um conjunto de significados culturais é apenas externamen-
te relacionado. Mas o “corpo” é em si mesmo uma construção,
assim como o é a miríade de “corpos” que constitui o domínio
dos sujeitos com marcas de gênero. Não se pode dizer que os
corpos tenham uma existência significável anterior à marca do

93 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
seu gênero; e emerge então a questão: em que medida pode o
corpo vir a existir na(s) marca(s) do gênero e por meio delas?
Como conceber novamente o corpo, não mais como um meio ou
instrumento passivo à espera da capacidade vivificadora de uma
vontade caracteristicamente imaterial?

À pombagira, com suas características ambíguas e transgres-


soras ocupa no cenário religioso o que podemos interpor a análise
de Beauvoir (1967), em que a autora propõe como sendo o corpo
feminino a situação e o instrumento da liberdade da mulher, e não
uma essência definidora e limitadora. As entidades femininas da
Quimbanda evocam em suas essências múltiplas imagens de femi-
nino. Assim, os pontos cantados veiculam tradições orais do povo-
-de-santo e mostram a associação dessas entidades em vários ti-
pos de mulheres, em geral bonitas e sedutoras (CRUZ, 2007, p. 18).
Monique Augras, referindo-se às entidades de Quimbanda,
completa dizendo que

Son figuras transgresoras que se corresponden totalmente con


la inversion de lós valores estimados por la sociedad. y todo ló
relacionado com la sexualidad feminina dio origen a una nueva
categoria de entidades designada con el vocáblo genérico de
Pomba Gira (AUGRAS, 2004, p. 295).

Assim, as pombagiras são ligadas, seja no discurso afrorre-


ligioso, ou narrativas empíricas, à função de suprir demandas de
consulentes e médiuns no âmbito sexual. Dessa forma, elas rom-
pem com a organização fálica acerca da sexualidade. Por mais que
a sexualidade feminina se articule num discurso da biologia pura-
mente de forma estratégica.

As mulheres que não reconhecem essa sexualidade como sua,


ou não compreendem sua sexualidade como parcialmente cons-
truída nos termos da economia fálica são potencialmente des-
cartadas por teoria, acusadas de “identificação com o masculi-
no” ou de “obscurantismo” (BUTLER, 2015 p. 55).

94 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
A gira de pombagira está ligada aos sons dos tambores, às gar-
galhadas estridentes, às taças cheias, à fumaça de seus cigarros ou
charutos e aos vestidos exuberantes27. Tentar entendê-las, enquan-
to representações das questões de gênero, implica em questionar
a categorização de entidades que parecem ser transcendentes a
divisões impostas e construídas socialmente.
Pretende-se, de início, buscar na ritualística observada, nas
narrativas transcritas e nos referenciais teóricos, como poderia se
dar a construção de imagens e de sentimentos, que possibilitam no
culto à abertura de um corpo criativo que se articula com a memó-
ria e a expressividade.

Figura 7. Pai Bira do Maioral e duas cavalos-de-santo de Maria Padilha da


Calunga no Centro Fraternal Nossa Senhora Santana em Nova Prata/RS
Fonte: arquivo pessoal da autora

27
  Considerando que algumas médiuns relatam o uso de roupas mais simples, afir-
mando que suas entidades não requerem vestidos estonteantes.

95 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Partindo assim, do pressuposto de que os espaços religiosos
pesquisados que englobam a FEM podem ser considerados como
locais de transgressão e podem nos oferecer importantes informa-
ções, que permitem a leitura sobre a mulher e suas resistências no
espaço afro-religioso. Todavia, a incorporação da pombagira, en-
quanto um contramodelo de mulher construído, mostra-nos que
os papéis impostos socialmente se emoldam e abrem brechas que
possibilitam transformações.
A incorporação e as relações de gênero são citadas, mesmo
que brevemente por Landres (1940) ao elaborar especificidades
do que considerava uma prática transgressora a partir de suas
observações em terreiros da Bahia (1940 apud. LAGE, 2007). Já
Birman (2005), nesse mesmo sentido, fez a seguinte colocação “o
seu relato etnográfico entrelaça relações de gênero, digamos pou-
co usuais, com práticas de possessão e de poder que não se guia-
vam pela ortodoxia religiosa reconhecida pelos estudiosos desses
cultos” (2005 apud. LAGE, 2007, p. 64).
Fry, em finais de 1970, foi pioneiro ao tratar de sexo e homos-
sexualidade nos cultos afro-brasileiros, relacionando esses aspec-
tos com a liminaridade como fenômeno. Esse antropólogo analisou
os terreiros de Belém, em destaque a presença dos homossexuais
como líderes desses locais de culto. Fry (1970) conclui nessa pes-
quisa que o lugar proeminente ocupado por esses homossexuais
nos terreiros analisados estaria ligado a dois motivos em evidência:
sendo o primeiro o fato da homossexualidade masculina e dos cul-
tos de possessão serem definidos como comportamentos desviantes
em contraponto aos valores dominantes da sociedade conservadora
(FRY, 1977). O segundo se refere diretamente as ideias de Douglas
(1976) e Turner (1974), autores que frisam o fato de que os seres
definidos pela sociedade como sujos e perigosos levam frequente-
mente vantagem positiva no que tange sua “poluição” ser vinculada
à poderes mágicos (1976 apud, LAGE, 2007, p. 64).
Assim, uma das teorias de gênero nos deu aporte para enten-
dermos as representações das pombagiras, a teoria queer28. Gua-

28
  Safatle (2015, p.178) explica que a palavra queer, cujo sentido original era bi-
zarro, excêntrico, estranho, passou a designar depreciativamente os homossexuais

96 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
cira Lopes Louro disserta que o queer é o sujeito da sexualidade
desviante que não deseja ser integrado, nem tolerado;

[...] é um jeito de pensar e de ser que não aspira o centro nem o


quer como referência; um jeito de pensar e de ser que desafia as
normas regulatórias da sociedade, que assume o desconforto da
ambiguidade, do ‘entre-lugares’, do indecidível” (LOURO, 2004,
p. 07-08).

Louro afirma que o termo queer teve seu significado ampliado


nos anos 1990 e passou a ser usado “no âmbito teórico e político
para indicar uma posição ou disposição de contestação e de não
conformidade em relação às normas, processos de normalização
ou cânones de qualquer ordem” (LOURO, 2004, p. 37). Desse modo,
pode-se concluir que a teoria queer pode ser nessa pesquisa ab-
sorvida, ao passo que entendemos as pombagiras enquanto um
culto, uma significação, e prática existencial que se reflete no com-
portamento transgressivo, por serem mulheres que não seguem
a heteronormatividade. Podemos, por assim dizer, que o culto às
pombagiras tornar-se-ia queer, pelo fato de ser uma ideia que bus-
ca estabelecer princípios e criar dispositivos que levem a uma rup-
tura de valores patriarcalmente impostos.

3.4 Poder, sexualidade e magia


Pombagiras normalmente estão associadas à libido feminina,
desse modo ponderações teóricas sobre sexualidade e gênero são
necessárias, para que possamos atentar ao que versam essas enti-
dades nos cultos de Quimbanda.
Oli Santos da Costa (2015, p. 78) caracteriza em sua pesqui-
sa as mulheres detentoras dos estigmas do pecado, da provoca-
ção e da indução ao coito carnal. Por essas razões, Santo Agostinho
condenava o corpo feminino, por ser um veículo de insinuações e

a partir do século XIX. Nos anos 1980, porém, a palavra foi reivindicada pelos gru-
pos LGBT num processo de ressignificação em que se tornou valorativa. Com essa
transformação de sentido, o termo começou a ser usado no sintagma “teoria queer”,
inicialmente pela feminista italiana Teresa de Lauretis. Ver mais em SAFATLE, 2015.

97 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
provocações à luxúria que levavam o homem a transgredir, devido
às características primordiais contidas no feminino, como exem-
plos, a arte da sedução e do desejo pecaminoso (COSTA, 2015,
p. 78). Dessa forma

[...] a Pombagira, assim como a Lilith, representa o rompimen-


to, a subversão da ordem e a liberdade sexual, impulsionando a
mulher a quebrar as regras estabelecidas, a fazer algo fora das
normas e conceitos, rompendo com o continuísmo histórico da
submissão e da posse que advêm de tempos imemoriais (COSTA,
2015, p. 106).

Nesse contexto, percebe-se que as mulheres estão associa-


das aos estigmas e estereótipos herdados dos mitos primordiais
de Lilith e de Eva. São os estereótipos da subversão, do perigo,
da sedução e, concomitantemente, os do pecado original, da re-
beldia (COSTA, 2015, p. 76). Costa atenta ao fato de que a Pom-
bagira, traz intrínseco o arquétipo da deusa Lilith, a grande fêmea
selvagem que quebra paradigmas, rompendo com os padrões so-
cial e culturalmente estabelecidos, sendo, por isso, demonizada
pelos preceitos judaico-cristãos. A Pombagira suscita nas mulhe-
res tudo aquilo que está soterrado pelo domínio masculino com o
aval da sociedade e da religião cristã que se pauta nos preceitos
bíblicos (COSTA, 2015, p. 111).

Sua sexualidade é perigosa e contagiosa, acarretando o mal e os


problemas. Portanto, a imagem cultivada, na cultura ocidental, é
a da mulher casta e assexuada, expressa no mito judaico-cristão
(PIRES, 2008, p. 67).

Augras (2004), utilizando-se de folhetos e discursos orais de


umbandistas, disserta que a Pombagira é um exu do sexo feminino.
As pombagiras sintetizariam para a autora os aspectos mais cho-
cantes que a sexualidade feminina pode assumir, frente a moral
e os bons costumes (AUGRAS, 2004, p. 297). Nesse sentido, são
atribuídos a essas entidades da Quimbanda a imagem de muitas
mulheres cuja vida foi envolvida em luxurias e sexo. Seriam para

98 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Cruz (2007, p. 297), mulheres de sexualidade desenfreada, cujo li-
bido continua até o pós-morte. Desse modo, percebe-se o quão a
sexualidade feminina é transgressa nesse culto.
Mesmo com o avanço de conquistas referentes à sexualidade
da mulher, ainda hoje há uma insistência em considerar suja, mal-
dosa, obscena, indecente e irresponsável as mulheres que possuem
atividades ligadas à sexualidade ou negam as coibições ocidentais
judaico-cristãs de conduta sexual. Para as meninas, a construção
da feminilidade está, em grande medida, diretamente vinculada à
negação de seu corpo e de sua sexualidade. Percebemos que tais
construções se dão de forma diferente em meio ao culto e à dou-
trina da Fraternidade Estrela da Manhã.
A Pombagira, enquanto mulher, transgressora, é tão impor-
tante quanto à figura do Exu no meio religioso analisado. Num
ocidente envolto por normas patriarcais e por delimitações de
moralidade, possivelmente, teria sua imagem ligada a algo diabó-
lico e às esferas da promiscuidade, porém no culto da FEM, essas
mulheres ultrapassam o bem e o mal, a moral e o imoral, e são tão
importantes quanto as demais entidades cultuadas. Sendo para
Sousa, o Exu um

[...] ancestral iorubá que preside a comunicação e toda transmis-


são, liga-se diretamente ao corpo. Daí estarem associados, a ele, a
alegria o gozo, o prazer e até mesmo a proximidade com os seres
humanos. Sobre Exu, muito já foi dito, mas acredita-se que ainda
falte muita coisa a ser falada sobre esse princípio ancestral que,
em alguns momentos se confunde com o próprio homem. Se o
homem é corpo e Exu é a forma, pode-se perfeitamente enten-
der o dizer corrente “ai se não fosse do homem sem o seu Exu”,
das várias passagens de diversos mitos, ele é apresentado como
alguém que está sempre fazendo algo para a humanidade, des-
de o fogo, os signos da comunicação, ao próprio sexo. Conta-se
que foi o próprio exu quem colocou após várias tentativas os
órgãos genitais onde esses se encontram hoje, garantindo assim
sua proteção (SOUSA, 2002, p. 128).

E por mais que haja interesse em torno da divindade, por par-


te de um público mais amplo, não deve ser confundido com gran-
de aceitação social de Exu, ou com uma prática geral de tolerância

99 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
acerca das crenças afro-brasileiras (SERAFIM; GONZAGA, 2014,
p. 10). Para Serafim e Gonzaga:

As primeiras descrições acadêmicas acerca de Exu não vieram


das ciências humanas, mas da ciência médica, em diálogo com
a Antropologia. Iniciador dos estudos das religiões dos escra-
vos africanos e seus descendentes, no que concerne a Exu, há
de se ressaltar o pioneirismo de Nina Rodrigues (1862 – 1906)
em destacá-lo como normalmente confundido com o diabo
cristão, ainda no final do século XIX e início do século XX, em
uma obra denominada O animismo fetichista dos negros bahia-
nos, de 1900. Ou seja, era confundido e não a mesma coisa.
Isto demonstra o esforço investigativo de Nina Rodrigues em
buscar perceber como os adeptos dos candomblés pensavam
Exu e não como a Igreja Católica o pensava. Os motivos para
esta associação, explica Rodrigues, devia-se ao fato de que
Exu poderia tentar ou perseguir alguém (SERAFIM; GONZAGA,
2014, p.13).

Esse cenário é revelador ao que tange prescrições culturais


hegemônicas acerca de gênero. Prescrições essas que modelam
a feminilidade em torno da castidade e da maternidade, como se
fosse função da mulher apenas satisfazer as necessidades e os de-
sejos do outro, principalmente dos filhos que viesse a ter, deixando
de lado seus desejos, sua sexualidade e seus projetos profissio-
nais, enquanto a masculinidade é modelada sob o signo do desbra-
vamento de seus desejos e sexualidade (HEILBORN et al., 2016).
É nesse sentido que as pombagiras rompem com estereótipos de
alienação e às experiências de dominação. Elas afloram o senso e
o desejo de autonomia.
Nesse sentido, as pombagiras são vistas até hoje fora do pan-
teão afrorreligioso como subversoras de ordens estabelecidas e
aquelas que quebram os paradigmas de uma sociedade conserva-
dora e cristã. Ao exteriorizar a sua sexualidade em toda sua ple-
nitude, ela se tornou, um modelo de mulher devassa e perversa,
associada às bruxas e feiticeiras (COSTA, 2015, p. 28).
Para Foucault (1988; apud COSTA, 2015, p. 28), tal comporta-
mento caracteriza o prazer perverso, um instinto puramente bio-
lógico e carnal, e considerado uma anomalia. Do ponto de vista da

100 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Igreja, esse proceder era/é visto como prática demoníaca e ligado
ao pecado original. Para Del Priore (2007), todo comportamento
extravagante e sensualizado, orgásticos por partes das mulheres,
era entendido pelo clero como influência demoníaca, e condena-
dos pela Igreja e pelo Santo Ofício.

3.5 Incorporando o feminino e o masculino


Percebe-se durante as análises etnográficas essa pesquisa,
que na FEM os cavalos-de-santo possuem incorporações múltiplas,
que independem de sexo, orientação sexual e gênero. Assim, bus-
cou-se analisar o que Magnani (1991) pode nos acrescentar acerca
do método. Para o autor

[…] o que se propõe é um olhar de perto e de dentro, mas a partir


dos arranjos dos próprios atores sociais, ou seja, das formas por
meio das quais eles se avêm para transitar pela cidade, usufruir
seus serviços, utilizar seus equipamentos, estabelecer encon-
tros e trocas nas mais diferentes esferas religiosidade, trabalho,
lazer, cultura, participação política ou associativa etc. Esta estra-
tégia supõe um investimento em ambos os polos da relação: de
um lado, sobre os atores sociais, o grupo e a prática que estão
sendo estudados e, de outro, a paisagem em que essa prática se
desenvolve, entendida não como mero cenário, mas parte cons-
titutiva do recorte de análise. É o que caracteriza o enfoque da
antropologia urbana, diferenciando-o da abordagem de outras
disciplinas e até mesmo de outras opções no interior da antro-
pologia. (Magnani, 1991, p. 18).

Observou-se a incorporação de orixás femininos e masculi-


nos sem distinção dos corpos; de erês meninos e meninas inde-
pendentes dos sexos dos médiuns. Da mesma forma, presencia-se
a incorporação de exus e pombagiras tanto em homens, quanto em
mulheres.

101 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Figura 8. Ialorixá Tânia de Iansã Figura 9. Ialorixá Tânia de Iansã
(in memória) incorporada Ogum. (in memória) incorporada Ogum.
Fonte: Acervo pessoal de Fonte: Acervo pessoal de
Miriam Lackman. Miriam Lackman.

Nas Figuras 08 e 09 podemos observar a Ialorixá Tânia de Ian-


sã, incorporando dois orixás masculinos. Por mais que a Ialorixá
estivesse vestindo suas roupas de festas de orixás, elementos po-
dem ser percebidos que caracterizam as entidades, como a espada
de Ogum e a capa preta e branca de Omulu, outro elemento que
devemos observar são os semblantes e as performances corporais
apresentados em cada incorporação.
Nota-se que na Fraternidade Estrela da Manhã, como nos de-
mais templos afrorreligiosos, a experiência religiosa não se limita
apenas na crença ou em discursos, mas ela é vivida, sentida e com-
preendida corporalmente. Nas incorporações observadas nas giras
de Quimbanda, primeiramente são chamados os exus e todos os ca-
valos-de-santo com os respectivos pontos de seus exus vão ao meio
do terreiro incorporar. O Babalorixá Ubirajara Cleber Garcia Vergara
questionado sobre a incorporação de Exu e Pombagira diz que:

102 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
[...] a mulher primeiro, mesmo que ela tenha de frente sua Pom-
bagira, primeiro ela tem que se desenvolver bem com o seu Exu,
que é seu guardião, para depois ter a formatura completa da sua
Pombagira. Assim como o homem que tem seu exu de frente, ele
se tiver esse espírito mulher, e eu tenho aqui, inclusive tenho um
senhor que já é avô , um exemplo o Thomas, 60 anos de idade
ele trabalha nesses 27 anos na casa aqui quase comigo, trabalha
com a Maria Quitéria, não deixa de ser homem, ele é um homem
hétero, pai de família , avô e trabalha também muito bem com
o seu Exu. Quer dizer, não existe diferença, como tem mulheres
que trabalham muito bem, inclusive tem exus de frente e são
heteros também. São mulheres extremamente femininas que
eu conheço, que convivem comigo todos esses anos, então não
existe. Na verdade, o espírito é nobre e nós somos um templo
carnal, nós somos o templo que da voz e estado físico pra ele e
da essa energia, nós somos o condutor de energia, seriamos a li-
gação dele entre o astral, o espírito, o espiritual e o ser humano.
Então nós somos esse veículo, por isso nos chamamos cavalos,
que é o que, que nós carregamos esses espíritos. Então não exis-
te nenhum preconceito (VERGARA, 02 out. 2017).

Ao ser perguntado sobre o uso de vestimentas e adereços du-


rante a incorporação masculina de pombagiras, Pai Bira do Maioral
respondeu:

Eu acho que ele não precisa fazer o ser aspecto, ele pode ter sua
forma física feminina quando da pombagira, mas ele não preci-
sa graduar, se enfeitar pra isto. Assim como a mulher também
não precisa, ela tem seu aspecto físico de exu homem, mas ela
não precisa colocar um bigode, não precisa, né? Colocar um cha-
péu, no meu pensamento. Respeito quem o faça, mas eu acho
que tem que ser normal, não tenho problema nenhum, tenho
isto aqui na casa. Não deixam de ser homem por trabalhar com
pombagira, nem deixam de ser mulher por trabalhar com o exu
(VERGARA, 02 out. 2017).

As performances enunciam elementos do Exu da Pombagira,


na gira de Quimbanda. Enquanto Exu, mulheres e homens usam
capas que variam a coloração de acordo com as cores do exu res-
pectivo de cada cavalo, presenciam-se capas em suma nas cores
preta, vermelha, preta com vermelha, preta com branco e algumas

103 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
bordôs. As feições das mulheres, muitas vezes, já maquiadas para
as pombagiras que virão no decorrer da festa mudam com ar de
rispidez e seriedade, muitas prendem os cabelos.

Figura 10. Ialorixá Tânia de Iansã (in memória) incorporando


Exu Sete Encruzilhadas.
Fonte: acervo pessoal de Miriam Lackman.

Figura 11. Ialorixá Tânia de Iansã Figura 12. Incorporação Exu da


(in memória) incorporando Exu Meia-Noite.
Sete Encruzilhadas. Fonte: acervo pessoal da autora.
Fonte: Acervo pessoal de
Miriam Lackman.

104 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Nas festas de exu que acontecem nos três terreiros da FEM,
normalmente as mulheres usam ternos pretos com camisa branca
para receber seu Exu. Após a desincorporação dos exus as mulheres
têm a permissão para se trocarem de roupa assim que chamadas as
pombagiras. Após a troca de entidade e roupa encontram-se mu-
lheres de um outro tempo, com vestidos estonteantes, cabelos sol-
tos e joias brilhantes, mas é possível nos depararmos com aquelas
que se vestem com capas pretas e emitem grunhidos. Os homens
quando incorporam pombagiras permanecem com suas vestimen-
tas, porém entregam seus corpos aos trejeitos de sua Exu mulher.

Figura 12. Incorporação Figura 13. Incorporação


Exu Sete Lira Exus Caveira
Fonte: arquivo pessoal da autora. Fonte: arquivo pessoal da autora.

O Babalorioxá Anadir Rufatto (2018a) narra como o rito se dá


no terreiro Guardiões do Mistério da Estrela, onde fala sobre incor-
poração de exus e pombagiras:

Na linha de Exu, sempre trabalhei com o Exu Rei da Sete Encruzi-


lhadas, nunca trabalhei com Exu Pombagira, mas conheci diver-
sos médiuns homens que trabalhavam e ainda trabalham com

105 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
este Exu feminino. É um exu de forte atuação dentro da minha
casa. O nosso seguimento tem por costume iniciar a gira na linha
de Exu sempre pelo Exu masculino, inclusive as médiuns do sexo
feminino para dar a firmeza aos trabalhos, e na segunda parte da
gira, quem é médium de Pombagira, faz a troca para o seu Exu
mulher, e tanto Exu homem como mulher trabalham junto na
mesma egrêgora energética. A linha de Exu é a mais executada
dentro da minha casa (RUFATTO, 2018a).

Assim, podemos perceber que as incorporações dessas enti-


dades analisadas ultrapassam delimitações corporais ou sexuais,
por mais que a utilização de vestimentas e adereços não configu-
rem os templos analisados, sabe-se que em muitos outros templos
essa prática é corriqueira e legitimada pelo discurso religioso. Des-
se modo, percebe-se que ao tratarmos das crenças afrorreligiosas
estamos nos referindo a práticas que configuram certa diferencia-
ção no que tange corpos sexuados, levando em consideração que
entidades, sejam elas masculinas, ou femininas, utilizam-se de
seus cavalos independendo de gênero, orientação sexual ou sexo.

VOLTA AO SUMÁRIO

106 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Considerações
finais
Como vimos no desenvolvimento desse trabalho, a presen-
ça das pombagiras é evidente e merece destaque no que tange
às pesquisas acerca das religiões de matriz africana e suas repre-
sentações e (des)construções sociais. Da mesma forma que esses
exus femininos da Quimbanda estão presentes no senso comum,
envolvendo discursos de repulsa e medo, por outro lado, na fé de
seus cavalos, do povo-de-santo e de seus consulentes, elas repre-
sentam fascínios, poderes e o sagrado feminino.
Inúmeros são os discursos sobre as pombagiras, enquan-
to imagens do feminino, que advém de contextos mundiais e si-
tuações contemporâneas. A questão, não ficou em perguntarmos
quais imagens seriam mais verdadeiras ou mais próximas da reali-
dade, e quais distorcem, mas sim compreender que discursos, se-
jam nas narrativas orais, nos pontos-cantados ou escritos, foram e
são igualmente representações; que não apenas representam mu-
lheres e homens, mas os moldam para além do espaço ritualístico.
Os discursos, performances e concepções de gênero, teriam nesse
culto a intenção de engendrar comportamentos do feminino, aos
cavalos caberia dar significado e sentido ao que é atribuído a elas
e suas pombagiras.
Mesmo que muitas das narrativas míticas das histórias que
versam sobre a vida desses espíritos femininos incluam suas
funções, trabalhos, e silêncios29, podemos observar nessa pesquisa
que as pombagiras são de extrema importância para a construção
de identidade do culto de Quimbanda dos terreiros da FEM. São
elas para o povo-de-santo, mulheres transgressoras, que moldam
e (re)constroem relações sociais e “femininos”. São entidades que
participam efetivamente na ótica de seus fiéis na naturalização da
sexualidade, dos desejos e do poder.
As pombagiras construiriam para o rito uma ambivalência de
identidades e representações, que refletem memórias coletivas e

29
 Enquanto os não ditos sobre funções no terreiro ou suas histórias, que nas en-
trevistas não foram externados, mas que está na oralidade do terreiro, porém não
foram ditos para a pesquisa.

108 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
individuais, a partir da oralidade do grupo após experiências dos
cavalos.
Observou-se que, para a crença e na oralidade dos membros
da FEM, cada pombagira “nasce” para seu cavalo, diferentemente do
que para outro cavalo da mesma pombagira, pois cada cavalo tem
autonomia de direcionar os poderes e feitos de suas pombagiras.
Nos espaços limiares que ocupam as pombagiras, as noções
de gênero são dadas a partir do rito e para além dele, os cavalos
entrevistados expressam que as pombagiras fazem delas diferen-
tes mulheres e elas também moldam suas guardiãs de acordo com
suas concepções ritualísticas e identitárias. A crença nesses exus
mulheres constrói representações de ser mulher, sejam elas liga-
das à beleza, à maternidade, à sexualidade ou ao medo aliado aos
receios e prazeres dos poderes, feitiços e magias.
As pombagiras são queer, porque fazem com que haja uma
nova concepção e (re)construções do ser mulher, de ser o que qui-
ser, e não precisar explicar à sociedade patriarcal, do porquê de
seus desejos, mas que instiga na crença de quem as acompanha, a
inspiração de desconstruções, de discursos heteronormativos, de
corpo, raça, classe, religiosidade e gênero.
O corpo tornar-se-ia, nesse espaço de análise, um instrumen-
to, não só da crença na incorporação de espíritos, mas num “objeto”
de performances e da liberdade de ser o que quiser, independente
de sexo ou orientação sexual. Assim, mesmo sendo um exu mu-
lher se fará presente em corpos do sexo masculino, esses homens
estarão bebendo champanhe, fumando cigarros e dançando. Elas
ultrapassam divisões impostas biologicamente ou culturalmente,
quando fazem parte da crença do povo-de-santo e consulentes.
Essas entidades femininas da Quimbanda escapam de en-
quadramentos. Contrapõe-se à normatividade e são a partir dos
experimentos de sujeitos ‘diferentes’, e não propõem a unificação
de suas funções. Cada cavalo preza por seu fortalecimento, sua li-
berdade de culto e, se necessário for, prescreve ações corretivas
para aqueles que os hostilizam. Na Quimbanda, elas são rainhas,
são mães, guardiãs, são detentoras das magias e o que quiserem
ser e o que o cavalo quiser fazer dela.

109 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Elas, como no ponto-cantado, estariam “Entre sedas e corti-
nas, entre perfumes e flores, a rosa vermelha abria para se tornar
um dia a senhora dos amores”. Ou seja, num espaço de muito luxo,
oferendas, pedidos, fé, mas também no dia a dia de seus cavalos,
quando esses fazem dessas entidades suas prioridades e buscam
nelas a ajuda para serem felizes independente de preconceitos, in-
tolerância ou rótulos.
A escolha de numerosas imagens desses exus mulheres deno-
ta a preocupação muito evidente com a definição dos papeis femi-
ninos. É difícil sabermos como cada cavalo interpreta, vivencia ou
experimenta no seu cotidiano, essas imagens que denotam esses
espíritos de mulheres cultuadas na FEM. Ademais, não podemos
saber se todas são exemplos de ser mulher para o povo-de-santo.
Entretanto, esses discursos de plurais papéis femininos esbarram
com vivências culturais que trazem desde muito tempo outros mo-
delos sexuais, que resultam na intolerância e preconceitos que en-
volvem a Quimbanda, o Exú e a Pombagira, por meio de discursos
conservadores ainda difíceis de transformar.
Assim, percebem-se as inúmeras possibilidades de pesquisa
que versem sobre essa temática, bem como o aprofundamento das
questões elencadas nesse trabalho para futuras pesquisas e ques-
tionamentos que surgiram durante a metodologia aplicada e análi-
ses de campo. O povo-de-santo e suas ritualísticas são um leque de
indagações, de fascínio e desejo de querer entender como práticas
religiosas, ainda condenadas por uma grande parcela da popula-
ção, conseguem se manter, ampliar seus ritos e estar tão vivas no
imaginário e na memória afetiva e coletiva dos brasileiros.

VOLTA AO SUMÁRIO

110 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Referências
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VOLTA AO SUMÁRIO

117 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Anexos
PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
DADOS DO PROJETO DE PESQUISA

Título da Pesquisa: Da alcova ao palácio seu sussurro era lei: represen-


tação feminina das pombagiras na Fraternidade Estrela da Manhã Pes-
quisador: CHALINE DE SOUZA Área Temática:
Versão: 2

CAAE: 70399617.5.0000.5342

Instituição Proponente: Universidade de Passo Fundo/Vice-Reitoria de


Pesquisa e Pós-Graduação Patrocinador Principal: Financiamento Pró-
prio

DADOS DO PARECER
Número do Parecer: 2.301.057

Apresentação do Projeto:
A pesquisa, “Da alcova ao palácio seu sussurro era lei”: representação
feminina das pombagiras nos pontos cantados na Fraternidade Estrela
da Manhã, tem por objetivo analisar os conteúdos acerca da mulher nos
pontos cantados durantes os ritos religiosos da umbanda. Será uma pes-
quisa que, fazendo o uso de um robusto referencial teórico, visa colher
relatos orais dos participantes, tendo como foco a entidade pombagi-
ras, considerada o Exu feminino. Objetiva-se, também, contribuir com
o melhor entendimento dessa matriz religiosa no mundo acadêmico e
cultural. O tamanho da amostra será de 50 participantes.

Objetivo da Pesquisa:
Analisar os conteúdos que constituem as representações do papel e iden-
tidade das pombagiras nos pontos cantados de umbanda.

Avaliação dos Riscos e Benefícios:


Riscos: Se for identificado algum sinal de desconforto psicológico na
participação dos membros entrevistados na pesquisa, a pesquisadora
compromete-se em orientá-lo e encaminhá-lo para os profissionais da
área, tais como psicólogos de sua confiança Benefícios: Por se tratar de
um estudo acerca de uma religião afro-brasileira que tem como sua base
de transmissão de saber a oralidade, penso que é de suma importância
para essa pesquisa o uso de memórias orais para acrescentar na análise
das músicas, tendo em vista os poucos trabalhos feitos acerca do tema e
de não haver material escrito advindo da matriz religiosa a ser estudada.

119 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:
Trata-se de uma pesquisa que buscará gravar entrevistas com integran-
tes da Fraternidade buscando entender como os adeptos compreen-
dem as entidades femininas cultuadas, as pombagiras. A pesquisadora
promoverá 1 (um) encontro com os entrevistados (um total de 50 par-
ticipantes) visando compreender melhor os ritos promovidos por esta
matriz religiosa.

Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:


Os direitos fundamentais dos participantes foram garantidos no projeto
e no TCLE. O protocolo foi instruído e apresentado de maneira completa
e adequada. Os compromissos do pesquisador e das instituições esta-
vam presentes. O projeto foi considerado claro em seus aspectos cientí-
ficos, metodológicos e éticos.

Recomendações:
Após o término da pesquisa, o CEP UPF solicita: a) A devolução dos resul-
tados do estudo aos sujeitos da pesquisa ou a instituição que forneceu
os dados; b) Enviar o relatório final da pesquisa, pela plataforma, utili-
zando a opção, no final da página, “Enviar Notificação” + relatório final.

Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:


Diante do exposto, este Comitê, de acordo com as atribuições definidas
na Resolução n. 466/12, do Conselho Nacional da Saúde, Ministério da
Saúde, Brasil, manifesta-se pela aprovação do projeto de pesquisa na
forma como foi proposto.

120 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !
Considerações Finais a critério do CEP:

Este parecer foi elaborado baseado nos documentos abaixo rela-


cionados:

Tipo Documento Arquivo Postagem Autor Situação


PB_INFORMAÇÕES_
Informações
BÁSICAS_DO_ 14/09/2017
Básicas do Aceito
PROJETO_ 00:00:04
Projeto
932217.pdf
Declaração de
21/08/2017 CHALINE
Instituição e fraternidade.jpg Aceito
15:06:53 DE SOUZA
Infraestrutura
Folhaderosto 21/08/2017 CHALINE
Folha de Rosto Aceito
Chaline.pdf 15:04:24 DE SOUZA
Declaração de declaracao 21/08/2017 CHALINE
Aceito
Pesquisadores Chaline.pdf 15:04:18 DE SOUZA
Projeto projeto CHALINE
27/07/2017 Aceito
Detalhado Chaline.docx DE SOUZA
/ Brochura projeto CHALINE DE
17:58:17 Aceito
Investigador Chaline.docx SOUZA
TCLE / Termos de
Assentimento / TCLECHALINE. 27/07/2017 CHALINE DE
Aceito
Justificativa de docx 17:57:48 SOUZA
Ausência

Situação do Parecer: Aprovado

Necessita Apreciação da CONEP: Não

PASSO FUNDO, 27 de Setembro de 2017

______________________________
Assinado por:
Felipe Cittolin Abal
(Coordenador)

Imagem 13. Parecer do Comitê de


Ética aprovando a realização da pesquisa

VOLTA AO SUMÁRIO

121 DE I X A A P O M B AG I R A T R AB AL H AR !

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