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Editorial

A Escola de Veterinária e o Conselho Regional de


Medicina Veterinária de Minas Gerais têm a satisfação
de encaminhar à comunidade veterinária e zootécnica
mineira um volume dos Cadernos Técnicos inteiramen-
te destinado à inspeção e tecnologia de pescado. Neste
segundo volume de 2018, apresentam-se temas inéditos
à atualização profissional, com vistas a auxiliar na atua-
ção para a qualidade dos produtos de pescado. Cresce a
preocupação ambiental e da sustentabilidade, além das
exigências de qualidade, para a conformidade com as
normas sanitárias definidas pela Organização Mundial
de Saúde Animal (OIE) e Organização Mundial de
Comércio (OMC). O médico veterinário tem a atri-
buição legal de assegurar a saúde animal, e, consequen-
temente, a saúde humana, envolvendo-se profissional-
mente de forma definitiva no conceito de saúde única da
Organização Mundial da Saúde (OMS). As principais
antropozoonoses parasitárias e bacterianas de impor-
tância à segurança alimentar em indústrias de pescados
são apresentadas e as exigências legais. Descrevem-se as
técnicas moleculares de identificação de espécies para
limitar a ocorrência de fraudes e a legislação e inovação
em produtos industrializados de pescado. Ressalta-se
a preocupação com o uso correto de antimicrobianos
Universidade Federal na aquicultura e a eventual presença de resíduos no
de Minas Gerais
produto de consumo. O Grupo de Estudo, Pesquisa e
Escola de Veterinária
Fundação de Estudo e Pesquisa em Extensão em Pescado (GEPpesc), do Departamento de
Medicina Veterinária e Zootecnia
- FEPMVZ Editora
Tecnologia e Inspeção de Produtos de Origem Animal,
da Escola de Veterinária da UFMG, aborda nesta edição
Conselho Regional de
Medicina Veterinária do o pescado como alimento, a sua inspeção, as zoonoses,
Estado de Minas Gerais legislação, tecnologia e processamento.
- CRMV-MG
Méd. Vet. Bruno Divino Rocha
www.vet.ufmg.br/editora
Presidente do CRMV-MG - CRMV-MG 7002
Correspondência: Profa. Zélia Inês Portela Lobato
FEPMVZ Editora Diretor da Escola de Veterinária da UFMG - CRMV-MG 3259
Caixa Postal 567 Prof. Antonio de Pinho Marques Junior
30161-970 - Belo Horizonte - MG
Telefone: (31) 3409-2042 Editor-Chefe do Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia (ABMVZ) -
CRMV-MG 0918
E-mail:
editora.vet.ufmg@gmail.com Prof. Nelson Rodrigo da Silva Martins
Editor dos Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia - CRMV-MG 4809

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Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Minas Gerais - CRMV-MG
Presidente:
Méd. Vet. Bruno Divino Rocha - CRMV-MG nº 7002
E-mail: crmvmg@crmvmg.org.br
CADERNOS TÉCNICOS DE
VETERINÁRIA E ZOOTECNIA
Edição da FEPMVZ Editora em convênio com o CRMV-MG
Fundação de Estudo e Pesquisa em Medicina Veterinária e
Zootecnia - FEPMVZ
Editor da FEPMVZ Editora:
Prof. Antônio de Pinho Marques Junior
Editor do Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia:
Prof. Nelson Rodrigo da Silva Martins
Editoras convidadas para esta edição:
Lílian Viana Teixeira - Professora associada do DTIPOA, Escola de Veterinária, UFMG, CRMV-MG 7357.
Débora Cristina Sampaio de Assis - Professora adjunta do DTIPOA, Escola de Veterinária, UFMG,
CRMV-MG14718
Revisora autônoma:
Giovanna Spotorno
Tiragem desta edição:
1.000 exemplares
Layout e editoração:
Soluções Criativas em Comunicação Ldta.
Impressão:
Imprensa Universitária da UFMG

Permite-se a reprodução total ou parcial,


sem consulta prévia, desde que seja citada a fonte.

Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia. (Cadernos Técnicos da Escola de Veterinária da


UFMG)
N.1- 1986 - Belo Horizonte, Centro de Extensão da Escola deVeterinária da UFMG, 1986-1998.
N.24-28 1998-1999 - Belo Horizonte, Fundação de Ensino e Pesquisa em Medicina Veterinária e
Zootecnia, FEP MVZ Editora, 1998-1999
v. ilustr. 23cm
N.29- 1999- Belo Horizonte, Fundação de Ensino e Pesquisa em Medicina Veterinária e
Zootecnia, FEP MVZ Editora, 1999¬Periodicidade irregular.
1. Medicina Veterinária - Periódicos. 2. Produção Animal - Periódicos. 3. Produtos de Origem
Animal, Tecnologia e Inspeção - Periódicos. 4. Extensão Rural - Periódicos.
I. FEP MVZ Editora, ed.

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Prefácio
Lílian Viana Teixeira
Professora associada do DTIPOA, Escola de Veterinária, UFMG, CRMV-MG
7357
Débora Cristina Sampaio de Assis
Professora adjunta do DTIPOA, Escola de Veterinária, UFMG - CRMV-MG 14718

A produção aquícola brasileira vem crescendo


de forma significativa e o potencial de expan-
são desta atividade no país para os próximos
anos é ainda maior. Associado a isso, cresce
também a preocupação com o meio ambiente
e a sustentabilidade da produção, bem como as
exigências do mercado, que determina a con-
formidade da produção animal com as normas
sanitárias internacionais, estabelecidas pela
Organização Mundial de Saúde Animal (OIE)
e Organização Mundial de Comércio (OMC).
Nesse contexto, o Médico Veterinário tem a
atribuição legal de garantir a saúde animal, e,
consequentemente, a saúde humana, atestando
a qualidade higiênico-sanitária e tecnológi-
ca dos produtos de origem animal, o que vai
de acordo com o conceito de Saúde Única da
Organização Mundial da Saúde (OMS), que
envolve a unificação da saúde animal e huma-
na. Esta visão unificada de Saúde Única exi-
ge uma ampla fundamentação teórico-prática,
baseada em estudos de patologia veterinária,
epidemiologia, doenças bacterianas, virais e
parasitárias, e de clínica veterinária. Diante
do exposto, o Grupo de Estudo, Pesquisa e
Extensão em Pescado (GEPpesc), vinculado
ao Departamento de Tecnologia e Inspeção
de Produtos de Origem Animal, da Escola de
Veterinária da UFMG, apresenta esta edição
de Cadernos Técnicos, que aborda o pescado
como alimento e alguns temas que compõem
esta área, como inspeção, zoonoses e tecnolo-
gia e processamento de pescado.

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Sumário
1. Zoonoses emergentes associadas ao consumo e à
manipulação de pescado.............................................................................7
Guilherme Campos Tavares, Márcia Pimenta Leibowitz, Carlos Augusto Gomes Leal, Henrique César
Pereira Figueiredo

2. Resíduos de antimicrobianos em pescado................................................39


Débora Cristina Sampaio de Assis; Silvana de Vasconcelos Cançado; Lílian Viana Teixeira; Guilherme
Resende da Silva; Fernanda Luiza Perdigão Rodrigues.

3. A utilização de técnicas moleculares para a identificação


de espécies em pescado.............................................................................49
Dr. Lissandra Sousa Dalsecco, Dr. Lílian Viana Teixeira

4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação..............................................62


Afonso de Liguori Oliveira

5. Off-flavor em pescado: o “sabor de barro”................................................94


Anna Carolina Massara Brasileiro, Lílian Viana Teixeira

6. Discussões atuais sobre abate de peixes..................................................103


Sarah Antonieta de Oliveira Veríssimo, Daniele Salgueiro de Melo, Ana Carolina Garcez Bueno Carnei-
ro, Lilian Viana Teixeira

7. Alguns mitos e verdades sobre pescado..................................................113


Sarah Antonieta de Oliveira Veríssimo, Daniele Salgueiro de Melo, Ana Carolina Garcez Bueno Carnei-
ro, Lílian Viana Teixeira

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1. Zoonoses
emergentes associadas
ao consumo e à
manipulação de
pescado

pixabay.com

Guilherme Campos Tavares CRMV-MG 11340,


1-

Márcia Pimenta Leibowitz2,


Carlos Augusto Gomes Leal3 - CRMV-MG 9014,
Henrique César Pereira Figueiredo4* - CRMV-MG 5839,
1
Médico veterinário, doutor, DMVP, Escola de Veterinária, UFMG
2
Residente pós-doutoral, zootecnista, doutora, DMVP, Escola de Veterinária, UFMG
3
Professor adjunto, médico veterinário, doutor, DMVP, Escola de Veterinária, UFMG
4
Professor adjunto, médico veterinário, doutor, DMVP, Escola de Veterinária, UFMG
*Autor para correspondência: figueiredoh@yahoo.com

1. Introdução Pescado é um termo genérico


os, moluscos, anfíbios,
utilizado para se referir aos répteis e alguns ma-
Pescado é um
termo genérico organismos aquáticos tanto de míferos, quanto os de
utilizado para se origem animal, como peixes, origem vegetal, como
referir aos orga- crustáceos, moluscos, anfíbios, as algas, destinados à
nismos aquáticos répteis e alguns mamíferos, alimentação humana
tanto de origem quanto os de origem vegetal, (GONÇALVES, 2011).
animal, como como as algas, destinados à A produção de pesca-
peixes, crustáce- alimentação humana. do no Brasil, no ano
1. Zoonoses emergentes associadas ao consumo e à manipulação de pescado 7

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de 2015, ultrapassou 1 mento significativo do
O termo zoonose tem
milhão de toneladas, so- número de estabeleci-
sido definido como
mando a pesca extrativa mentos que comercia-
doenças e infecções
(~500 mil toneladas) e a
que são naturalmente lizam comidas típicas
aquicultura (592,23 mil transmitidas entre da culinária oriental e
toneladas) (KUBITZA, animais vertebrados e hispano-americana no
2015; IBGE, 2016). os seres humanos. país (OKUMURA et al.,
Segundo a Organização 1999), devido à gran-
das Nações Unidas para de aceitação da popula-
a Agricultura e Alimentação (FAO), o ção brasileira pelos pratos à base de
Brasil é o 14º maior produtor mundial pescado cru, como “sushi”, “sashimi”
de pescado (FAO, 2016) e possui capa- e “ceviche” (BARROS et al., 2006).
cidade de ampliação da produção em Infelizmente, associada a essa altera-
decorrência do vasto território maríti- ção do hábito alimentar com relação
mo e da grande quantidade de espécies ao processamento do pescado consu-
nativas de peixes. mido, existe a possibilidade da veicu-
A carne de pescado tem sido con- lação de agentes infecciosos, inclusive
siderada um importante alimento da os de caráter zoonótico (PAVANELLI
dieta da população mundial, possuin- et al., 2015).
do qualidades nutricionais benéficas, O termo zoonose tem sido defini-
como alto teor proteico, alta digestibi- do como doenças e infecções que são
lidade, presença de íons cálcio e fós- naturalmente transmitidas entre ani-
foro, vitaminas A e D e ácidos graxos mais vertebrados e os seres humanos
insaturados (ômegas 3 e 6), sendo es- (HUBÁLEK, 2003). Quando a trans-
tes encontrados em algumas espécies missão da doença ocorre dos animais
de peixes e relacionado com a redução para o ser humano, a doença é for-
da incidência de doenças cardiovascu- malmente denominada como antro-
lares (SILVA et al., 2013). Tais carac- pozoonose, enquanto a transmissão
terísticas têm impulsionado o consu- advinda do ser humano para os ani-
mo de pescado no Brasil, entretanto mais é designada como zooantropo-
o consumo per capita médio (entre nose (HUBÁLEK, 2003). As doenças
5 a 10kg/hab./ano) ainda é inferior zoonóticas podem ser causadas por
ao recomendado pela Organização diferentes agentes etiológicos, como
Mundial de Saúde (OMS), de 12 kg/ vírus, bactérias, fungos ou parasitos,
hab./ano (FAO, 2016). Outro fator e transmitidas por meio do contato
que tem contribuído para o aumen- direto com o agente infeccioso, ou
to do consumo de pescado é o au- indiretamente, mediante a ingestão
8 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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de alimentos contaminados, ou ainda da Saúde, as DTAs podem ser con-
veiculadas por vetores (PAVANELLI sideradas como doenças causadas
et al., 2015). Segundo a OMS, mais pela ingestão de alimentos e/ou água
de 200 zoonoses têm sido descritas, contaminados, geralmente causados
principalmente em países com baixo por bactérias e suas toxinas, vírus,
desenvolvimento socioeconômico parasitas, envenenamento por toxi-
(WHO, 2017). No Brasil, as princi- nas naturais (biotoxinas marinhas de
pais zoonoses listadas pela OMS são: moluscos bivalves, por exemplo) ou
influenza aviária, raiva, malária, febre por produtos químicos que conta-
amarela, dengue, toxoplasmose, anci- minam o alimento (BRASIL, 2010).
lostomíase (larva migrans cutânea), Entre os dados oficiais divulgados
tripanossomíase, esquistossomose, pelo Sistema de Vigilância em Saúde,
leishmaniose, leptospirose, brucelo- de 2007 a 2016, relacionados com
se e tuberculose (PAVANELLI et al., surtos de DTA, o pescado tem sido
2015). Cabe ressaltar que, nessa lista, implicado na ocorrência de 0,8% dos
não há menção de um agente zoonóti- surtos identificados (BRASIL, 2016).
co transmitido por pescado, já que tais A grande maioria desses surtos tem
zoonoses não são as mais frequentes e sido associada a quadros de intoxica-
apenas uma pequena parcela desses ção alimentar provocada por bactérias
patógenos é capaz de causar enfer- oriundas de contaminação do pescado
midades em seres humanos no Brasil processado. Entretanto, pouca infor-
ou no mundo. Além disso, em muitos mação se tem a respeito de patógenos
casos associados à transmissão de do- bacterianos de organismos aquáticos
enças por pescados, faltam dados epi- identificados em seres humanos atu-
demiológicos que comprovem os elos ando como agentes zoonóticos.
de causa/consequência, fundamen- Neste capítulo do Caderno
tais para que se possa considerar uma Técnico, iremos abordar as principais
determinada doença como zoonose. antropozoonoses, tanto de origem
Nesse sentido, o termo mais apropria- parasitária como bacteriana, que es-
do seria “zoonose potencial”. tão associadas ao consumo e à mani-
Ultimamente, não está consoli- pulação do pescado, tendo em vista a
dado na literatura o papel de alguns importância da segurança alimentar
patógenos bacterianos como agentes em indústrias de pescados, para que
etiológicos de doenças transmissí- os produtos atendam as exigências le-
veis por alimentos (DTA) ou como gislativas como também para oferecer
agentes zoonóticos (GIBELLO et al., aos consumidores produtos de maior
2016). De acordo com o Ministério qualidade.
1. Zoonoses emergentes associadas ao consumo e à manipulação de pescado 9

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2. Ocorrência ...a ingestão de peixe cru ou
China e Japão, onde o
de zoonoses malcozido tem sido consi- consumo de peixe cru
associadas ao derada o principal fator de é elevado.
consumo e à risco para o aparecimento No Brasil, por
manipulação de zoonoses parasitárias..., outro lado, os ca-
do pescado no sos de zoonoses por
Brasil enquanto alguns patóge-
pescado são esporá-
nos bacterianos têm sido ...
A interação de dicos, com poucos
contato direto com o pescado
um agente infeccio- relatos descritos. Em
contaminado...
so entre uma espécie 1945, um relato de
O maior número de relatos
infecção por uma zo-
aquática e o homem tem sido observado em países
onose parasitária foi
é complexa tendo da Ásia, principalmente
descrito em uma pa-
em vista as diferen- Sudeste Asiático, China e
ciente na cidade de
tes rotas de transmis- Japão, onde o consumo de
São Luís, Maranhão,
são e ao fato de que peixe cru é elevado.
que supostamente
alguns desses agen-
ingeriu peixe infec-
tes não causam doenças no hospedei-
tado com o nematoide Dioctophyme
ro aquático. Entretanto, esse animal se
renale (LISBOA, 1945). Em 1987, um
torna um portador do agente infeccio-
caso de parasitismo humano pelo tre-
so com potencial risco de transmissão
matoide digenético Phagicola sp. foi
do agente para o ser humano (LOWRY
identificado no estado de São Paulo e
e SMITH, 2007). Dessa forma, a inges-
associado ao consumo da carne crua
tão de peixe cru ou malcozido tem sido
de tainha (Mugil sp.) (CHIEFFI et
considerada o principal fator de risco
al., 1990). Posteriormente, em 1998,
para o aparecimento de zoonoses para-
uma paciente que havia ingerido “pa-
sitárias (EIRAS et al., 2016), enquanto
ella” de frutos do mar em uma viagem
alguns patógenos bacterianos têm sido
internacional apresentou quadro de
implicados como agentes zoonóticos
dispneia progressiva e foi assistida
adquiridos por meio do contato direto
em um hospital no estado da Bahia.
com o pescado contaminado (LOWRY Após exame radiográfico, tomografia
e SMITH, 2007).Zoonoses associadas e biópsia bronquial, o trematoide di-
tanto ao consumo quanto à manipu- genético Paragonimus sp. foi determi-
lação do pescado têm sido relatadas nado como agente etiológico da doen-
mundialmente, como pode ser visuali- ça (LEMOS et al., 2007). Entre 2003
zado na Tab. 1. O maior número de re- e 2005, o cestoide Diphyllobothrium
latos tem sido observado em países da latum foi identificado em pacientes
Ásia, principalmente Sudeste Asiático,
10 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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Tabela 1. Principais zoonoses ou patógenos com potencial zoonótico associados
ao consumo e à manipulação de pescado
Agente Países onde a ocorrência da zoo-
Doença Referência
etiológico nose foi relatada
Zoonoses causadas por cestódeos
Diphyllobothrium Brasil, Peru, Chile, Argentina, Suíça,
[32, 47,
Difilobotríase latum França, Itália, EUA, Japão, Rússia e
106,107]
D. nihonkaiense Coreia do Sul
Zoonoses causadas por trematódeos
Ascocotyle
Fagicolose Brasil [21]
(Phagicola) longa
China, Rússia, Japão, Coreia do Sul,
Clonorquíase Clonorchis sinensis [53, 55, 75]
Vietnã e Taiwan
França, Alemanha, Grécia, Itália,
Opisthorchis feli-
Opistorquíase Rússia, Ucrânia, Espanha, Polônia, [86, 95, 121]
neus O. viverrini
Laos, Malásia e Tailândia
Brasil, China, Japão, Filipinas, Coreia
Paragonimíase Paragonimus sp. [57, 70]
do Sul, Equador e EUA
Zoonoses causadas por nematódeos
Anisakis simplex Brasil, Holanda, América do Norte,
Anisaquíase [5, 15, 101]
Anisakis sp. Espanha, China e Japão
Pseudoterranova
decipiens Japão, Coreia do Sul, Chile, Itália e
Pseudoterranovíase [17, 83]
Pseudoterranova França
sp.
Contracaecum sp.
Austrália, Alemanha, Coreia do Sul e
Contracequíase Contracaecum [13, 110]
Japão
osculatum
Hysterothylacium
Histerotilacíase Japão [1]
sp.
Brasil, Sudeste Asiático, Coreia do Sul,
Gnathostoma graci- China, Japão, Índia, Sri Lanka, Zâmbia,
Gnastostomíase [19, 23, 24, 26]
le G. spinigerum Botsuana, Austrália, Peru, Guatemala,
Equador, Colômbia e México
Filipinas, Tailândia, Coreia do
Capillaria
Capilaríase Sul, Japão, Taiwan, Índia, Irã, Emirados [3, 74, 104]
philippinensis
Árabes, Egito, Itália e Reino Unido
Eustrongylides
Eustrongilídiase EUA [8]
ignotus E.tubifex
Brasil, Índia, Grécia, Rússia,
Dioctofimose Dioctophyme renale Austrália, Coreia do Sul, Irã, China e [71, 125]
EUA
(Continua)

1. Zoonoses emergentes associadas ao consumo e à manipulação de pescado 11

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(continuação)
Agente Países onde a ocorrência da zoo-
Doença Referência
etiológico nose foi relatada
Doenças parasitárias com potencial zoonótico
Botriocefalíase Bothriocephalus
Guiana Francesa [130]
(cestódeo) acheilognathi
Clinostomum
Clinostomíase
complanatum Japão [50]
(trematódeo)
C. marginatum
Centrocestose Centrocestus
Taiwan, Filipinas e Laos [18, 26, 55]
(trematódeo) formosanus
Zoonoses causadas por bactérias
Infecção por Streptococcus agalactiae, [59, 97, 117,
Singapura
sorotipo III, ST-283 118]
EUA, Canadá, Singapura, Taiwan e [28, 67, 116,
Infecção por Streptococcus iniae
Hong Kong 127]
Mycobacterium
Micobacteriose Brasil, EUA, Espanha, França e Israel [4, 109, 122]
marinum
Doenças bacterianas com potencial zoonótico
Brasil, China, Taiwan, França, Coreia do
Infecção por Lactococcus garvieae [42, 52]
Sul e Israel
Erisipeloide Erysipelothrix spp. Japão e Canadá [51, 100]
Vibriose Vibrio vulnificus Brasil, EUA, Europa, Israel e Taiwan [2, 39, 58]
Photobacterium
Fotobacteriose Coreia do Sul [60]
damselae
Brucelose Brucella sp. Nova Zelândia e Peru [80, 114]

hospitalizados que relataram terem forma larval e dos ovos do parasito, o


ingerido peixe cru (salmão impor- nematoide Gnathostoma spinigerum foi
tado do Chile) nos estados de São detectado por meio de um método de
Paulo e Bahia (SAMPAIO et al., 2005; imunodiagnóstico, que usou o sangue
SANTOS e FARO, 2005). Ainda em coletado deste paciente (VARGAS
2005, um homem pescou e consumiu, et al., 2012). Por fim, em 2010, um
na forma in natura (sashimi), um tucu- caso clínico de anisaquíase foi obser-
naré (Cichla sp.), apresentando sensi- vado no estado do Mato Grosso, em
bilidade abdominal e dores no ombro um paciente que havia relatado a in-
dias após a ingestão do peixe. Lesões gestão de frutos do mar crus, sendo
avermelhadas foram verificadas no o nematoide Anisakis sp. visualizado
ombro deste paciente, sugerindo a no estômago e no intestino do pa-
possibilidade de migração de larvas ciente mediante exame endoscópico
na pele. Apesar da não visualização da (ROSA DA CRUZ et al., 2010). Com
12 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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relação às zoonoses caracterização morfo-
...relatos de doenças em seres
bacterianas, relatos lógica, o ciclo de vida
humanos provocadas pelo
de doenças em seres
consumo da carne de pescado dos parasitos, o diag-
humanos provoca-
contaminado com Vibrio vul- nóstico e o tratamen-
das pelo consumo
nificus e Lactococcus garviae to de seres humanos
da carne de pescado
foram descritos nos estados de não serão abordados
contaminado com neste capítulo.
São Paulo e Paraná...
Vibrio vulnificus e
...enquanto Mycobacterium 3.1.
Lactococcus garviae
marinum foi identificado em Difilobotríase
foram descritos nos
paciente com doença cutânea
estados de São Paulo Difilobotríase
associada à limpeza de aquá-
e Paraná (ARAÚJO é uma doença zoo-
rio domiciliar...
et al., 2007; nótica causada por
HIRAKAWA et al., cestódeos do gênero
2011; FRANÇA et al., 2013), enquan- Diphyllobothrium. O ser humano é um
to Mycobacterium marinum foi identi- dos hospedeiros definitivos da doença,
ficado em paciente com doença cutâ- sendo infectado por meio da ingestão de
nea associada à limpeza de aquário larvas plerocercoides presentes em carne
domiciliar, que provavelmente con- de peixe (hospedeiro intermediário) sem
tinha um peixe ornamental infectado um tratamento térmico adequado. Tais
pela bactéria (SETTE et al., 2015). larvas se alojam no intestino do hospe-
deiro definitivo e atingem a forma adul-
3. Zoonoses parasitárias ta (PAVANELLI et al., 2015). O curso
As zoonoses parasitárias são as clínico da doença no ser humano pode
principais doenças transmissíveis por variar de assintomático a quadros de des-
pescado. Várias revisões de literatura conforto abdominal, náuseas, vômitos,
já foram publicadas sobre esse assunto diarreia e epilepsia. Complicações como
(OKUMURA et al., 1999; CÁRDIA e anemia microcítica e megaloblástica, re-
BRESCIANI, 2012; MAGALHÃES et sultantes da má absorção e deficiência de
al., 2012), inclusive já se tem disponível vitamina B12 em infestações prolonga-
um livro que aborda a grande maioria das, podem ser observadas (EMMEL et
das zoonoses parasitárias al., 2006). Surtos de difilo-
transmissíveis por peixes As zoonoses botríase geralmente estão
no Brasil (PAVANELLI parasitárias são as associados ao consumo de
et al., 2015). Dessa for- principais doenças carne crua de salmonídeos
ma, optamos por fazer transmissíveis por (KUCHTA et al., 2017).
uma revisão descritiva. A pescado. No Brasil, estudo recente
1. Zoonoses emergentes associadas ao consumo e à manipulação de pescado 13

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identificou a presença de do em carpas (Cyprinus
larvas de cestoides em
No Brasil, estudo carpio) cultivadas em
recente identificou
sushis e sashimis comer- uma fazenda produtora
a presença de
cializados na cidade de no Nordeste brasileiro
larvas de cestoides
Fortaleza (MELO et al., (EIRAS et al., 2010). A
[Diphyllobothrium]
2014). Não há registros infecção em seres huma-
em sushis e sashimis
de transmissão da do- nos pode ocorrer de for-
comercializados na
ença por peixes de água cidade de Fortaleza. ma acidental, por meio
doce (PAVANELLI et al., do consumo de carne
2015), entretanto larvas crua de peixe parasitado.
plerocercoides já foram Entretanto, apenas um
identificadas em dife- B. acheilognathi já foi relato da doença foi des-
rentes espécies de peixes reportado em carpas crito até a presente data,
residentes em lagos italia- (Cyprinus carpio) em um paciente oriundo
nos, representando uma cultivadas em uma da Guiana Francesa. A
possível fonte de infecção fazenda produtora no doença está relacionada
para a população local Nordeste brasileiro ... com a passagem do para-
(GUSTINELLI et al., A infecção em seres sito através do intestino
2016). humanos pode ocorrer humano, causando dor
de forma acidental, abdominal crônica e eo-
3.2. sinofilia, sendo os ovos
Botriocefalíase por meio do consumo
de carne crua de peixe desse verme identifica-
O cestódeo parasitado. dos em amostras de fezes
Bothriocephalus achei- de um paciente acometi-
lognathi tem emergido do pela doença (YERA et
como um agente infeccioso de poten- al., 2013).
cial zoonótico. Esse parasito e outros
do gênero Bothriocephalus têm sido 3.3. Fagicolose
identificados em diferentes espécies A fagicolose é uma zoonose causada
de peixes marinhos e de água doce pelo trematódeo digenético Ascocotyle
(KUCHTA e SCHOLZ, 2007). Esse (Phagicola) longa. Metacercárias desse
cestódeo é considerado um importan- parasito têm sido comumente encontra-
te patógeno para peixes cultivados ou das em vísceras e musculatura de tainhas
de vida livre (especialmente carpas) (Mugil sp.) e atuam como forma infec-
ou para peixes ornamentais (HAN tante para o ser humano (MORAES,
et al., 2010; KOSUTHOVA et al., 2005). O consumo de carne crua de tai-
2015). B. acheilognathi já foi reporta- nha é considerado fator predisponente
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para o surgimento dessa Após chegar ao duodeno,
doença. Estudo prévio A infecção intestinal a larva infectante é capaz
detectou uma prevalên- por [Ascocotyle de migrar para os ductos
cia de 18,5% e 14,8% de (Phagicola) longa] biliares, considerado local
metacercárias em sushis e embora geralmente de predileção desse para-
sashimis, respectivamen-
não causa sintomas sita, e passa para a forma
te, produzidos com tai-
clínicos, dores
adulta. O ducto biliar in-
nha e comercializados na
estomacais, enterite,
fectado sofre diversas al-
região metropolitana de
diarreia, má absorção
terações patológicas, que
São Paulo (OKUMURA
de alimentos e
emagrecimento podem culminam na manifesta-
et al., 2013). Após serem ção de sinais clínicos de
ser observados...
ingeridas pelo homem, as anorexia, indigestão, do-
metacercárias se alojam res abdominais, diarreia,
no intestino delgado desse hospedeiro, edema e hepatomegalia. Complicações
em especial o jejuno, e passam por pro- cardíacas, emagrecimento, cirrose e to-
cesso de maturação. A infecção decor- xemia decorrente da falência do fígado
rente do alojamento desse parasito no já foram relatados (HONG e FANG,
tecido intestinal geralmente não causa 2012; HUNG et al., 2013). Não há re-
sintomas clínicos, entretanto dores es- latos de identificação de metacercárias
tomacais, enterite, diarreia, má absorção de C. sinensis em peixes no Brasil, entre-
de alimentos e emagrecimento podem tanto o molusco que participa do ciclo
ser observados em infecções massivas de vida do parasita como hospedeiro
(PAVANELLI et al., 2015). intermediário (família Thiaridae) já foi
3.4. Clonorquíase encontrado nos rios bra-
A clonorquíase é uma Não há relatos de sileiros (PAVANELLI et
doença zoonótica oca- identificação de al., 2015) com a presença
sionada pelo trematódeo metacercárias de C. da forma larval, do tipo
digenético Clonorchis si- sinensis em peixes pleurolofocerca, detec-
nensis. O homem adqui- no Brasil, entretanto tada (PINTO e MELO,
re a infecção mediante a o molusco que 2013). Não há relato de
ingestão da carne crua, participa do ciclo caso autóctone de clonor-
malcozida, ou inadequa- de vida do parasita quíase no Brasil, todavia
damente curada, desidra- como hospedeiro ovos de C. sinensis foram
tada ou salgada, de peixes intermediário detectados em imigran-
ou camarões infectados (família Thiaridae) já tes asiáticos residentes
pela metacercária do pa- foi encontrado nos rios em São Paulo, em 1984,
rasito (LUN et al., 2005). brasileiros. submetidos a exames la-
1. Zoonoses emergentes associadas ao consumo e à manipulação de pescado 15

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boratoriais para a regula- de água doce na forma
A clinostomíase é uma
rização da permanência in natura (cru), salgado,
zoonose provocada
deles no país (LEITE et curtido, defumado ou
pelos trematódeos
al., 1989). digenéticos do gênero desidratado contendo as
Clinostomum ... metacercárias do para-
3.5. Clinostomíase sito (OKUMURA et al.,
encontrado em
A clinostomíase é 1999). Esses parasitos
tilápia (Oreochromis
uma zoonose provoca- niloticus), dourado afetam ductos biliares e
da pelos trematódeos (Salminus pancreáticos, provocan-
digenéticos do gênero brasiliensis) e jundiá do obstruções, proces-
Clinostomum, incluindo (Rhandia quelen). sos inflamatórios e fibro-
C. complanatum e C. mar- se em casos não tratados
ginatum. Metacercárias (TSELEPATIOTIS et
desse parasita têm sido encontradas em al., 2003). Febre, dor abdominal, cefa-
diferentes espécies de peixes no Brasil, leia, artralgia, diarreia e náusea são os
incluindo tilápia (Oreochromis niloti- sinais clínicos relatados em infecções
cus), dourado (Salminus brasiliensis) e em seres humanos. Com a cronicidade
jundiá (Rhandia quelen) (SILVA et al., da doença, quadro de colangite, abs-
2008), encistando-se em várias regiões cessos hepáticos, pancreatite aguda e
do corpo dos peixes, inclusive nos mús- peritonite biliar têm sido observados
culos, entretanto surtos da doença ainda (POZIO et al., 2013). Acredita-se que
não foram registrados no país. A infec- a infecção causada por O. viverrini pos-
ção em ser humano pode ocorrer pela sa induzir a formação de um tumor ma-
ingestão de carne de peixe crua conten- ligno do epitélio do ducto biliar conhe-
do a metacercária, que possui a capaci- cido como colangiocarcinoma (NAIR
dade de migrar pelo esôfago e atingir a et al., 2011). Assim como Clonorchis
cavidade oral, causando faringite e/ou sinensis, as metacercárias de O. viverri-
laringite (HARA et al., 2014). ni e O. felineus não foram identificadas
em peixes no Brasil, en-
3.6. Opistorquíase Acredita-se que a tretanto doenças provo-
A opistorquíase é infecção causada por cadas por esses parasitos
uma zoonose causada O. viverrini possa ocorrem com alta frequ-
pelos trematódeos di- induzir a formação ência nos países asiáti-
genéticos Opisthorchis de um tumor maligno cos (NAIR et al., 2011).
viverrini e O. felineus. O do epitélio do ducto
ser humano é infectado biliar conhecido como 3.7. Paragonimíase
pela ingestão de peixe colangiocarcinoma. Paragonimíase é
16 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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uma doença zoonótica ocasionada (SIQUEIRA-BATISTA et al., 2006).
por trematódeos digenéticos do gê-
nero Paragonimus. A infecção em se-
3.8. Centrocestose
res humanos ocorre pela ingestão de Poucos casos de infecção em seres
crustáceos de água doce crus ou mal- humanos pelo trematódeo digenético
cozidos contaminados com as meta- Centrocestus formosanus têm sido repor-
cercárias do parasito (LEMOS et al., tados. Entre os casos descritos, o consu-
2007). Após atingir o mo de peixe cru tem sido
intestino delgado desse [Paragonimus] associado com a elimi-
hospedeiro, o parasito Durante o processo nação do parasito adulto
começa a migrar para os de migração, quadros (DE e LE, 2011; CHAI et
pulmões, que é conside- de pneumotórax e al., 2013). No entanto, a
rado o seu principal lo- pneumonia ... podem patogenicidade da infec-
cal de infecção. Durante ser confundidos com ção em seres humanos é,
esse processo de migra- tuberculose. até então, desconhecida.
ção, quadros de pneu- Não há relatos da in-
motórax e pneumonia fecção em seres huma-
hemorrágica podem ser observados nos no Brasil, porém cercárias do tipo
no ser humano infectado. Já no pul- pleurolofocerca e metacercárias desse
mão, os parasitos adultos se encis- parasito foram encontradas no mo-
tam, cavitando o parênquima pulmo- lusco Thiara (Melanoides) tuberculata
nar. Os sintomas clínicos da doença (XIMENES et al., 2016) e em tecido
são inespecíficos, e os resultados de branquial de peixes (PINTO e MELO,
exames radiográficos podem ser con- 2012), inclusive de tilápias (PINTO et
fundidos com tuberculose ( JHAYYA al., 2014).
et al., 2000). O hospedeiro primário
desse parasita, o molus-
3.9. Anisaquíase
co Thiara (Melanoides) Não há relatos da A anisaquíase é uma
tuberculata, foi intro- infecção [Anisakis] parasitose gastrointesti-
duzido no Brasil em em seres humanos no nal resultante da ingestão
1967, entretanto o se- Brasil, porém cercárias acidental de larvas de ter-
gundo hospedeiro in- do tipo pleurolofocerca ceiro estágio (L3) viáveis
termediário ainda não e metacercárias ... de nematódeos do gênero
é conhecido, o que pa- foram encontradas Anisakis, principalmente
rece dificultar a ocor- no molusco Thiara A. simplex, que podem
rência de casos autóc- (Melanoides) ser adquiridas por meio
tones no nosso país tuberculata do consumo de salmão,
1. Zoonoses emergentes associadas ao consumo e à manipulação de pescado 17

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bacalhau, anchovas, linguado, merluza, mi) e linguado (Paralichthys isosceles)
lula, entre outros, que não receberam (EIRAS et al., 2016).
tratamento térmico adequado (PRADO
3.10. Pseudoterranovíase
e CAPUANO, 2006). A severidade da
anisaquíase varia de leve a grave e pode Nematódeos do gênero
se apresentar como doença gastrointes- Pseudoterranova têm sido considerados
tinal, ectópica ou alérgica (BAO et al., um risco para a saúde humana em de-
2017). Na doença gastrointestinal, são corrência de patologias causadas após
observados sinais clínicos, como dores a ingestão de peixes crus ou malcozidos
abdominais, diarreia, náusea e vômito. (TIMI et al., 2014). Sintomas inespe-
A doença ectópica ou extragastrointes- cíficos, como febre, urticária, erupções
tinal tem sido reportada pela migração cutâneas e dores abdominais no lado
da larva e identificação do parasita em direito são descritos (CAVALLERO et
diferentes órgãos do hospedeiro. Por al., 2016). Entretanto, larvas (L3) desse
fim, a exposição aos antígenos do para- parasito têm sido identificadas na região
do pescoço, da boca, da faringe, da la-
sito após a ingestão do peixe infectado
ringe, do esôfago e do cólon ascendente
pode causar uma reação de hipersensi-
de seres humanos infectados, provocan-
bilidade, formando pápulas prurigino-
do irritação local e quadros alérgicos
sas e edemas de tecido subcutâneo ou
(MERCADO et al., 2001). Larvas desse
dérmico. Em casos de infecção severa, a
parasito têm sido identificadas em dife-
reação alérgica pode culminar na morte
rentes espécies de peixes no Brasil, como
do ser humano infectado, por choque
cavala (Caranx hippos),
anafilático (CASTI et al.,
pirapema (Priacanthus
2017). Essa zoonose já foi Nematódeos do gênero
Pseudoterranova arenatus), pargo (Pagrus
descrita no Brasil (ROSA pagrus) e em amostras
DA CRUZ et al., 2010) [larvas]
..identificadas. de bacalhau (Gadus sp.),
e as larvas desse parasi- importadas e comerciali-
to têm sido identificadas em... peixes como
cavala (Caranx zadas no estado de Minas
em diferentes espécies de Gerais (MAFRA et al.,
peixes no país, como pes- hippos), pirapema
(Priacanthus 2015). Porém, nenhuma
cada-olhuda (Cynoscion infecção humana foi re-
guatucupa), anchoita arenatus), pargo
(Pagrus pagrus) ... portada no país.
(Engraulis anchoita),
congro-rosa (Genypterus
bacalhau (Gadus sp.), 3.11.
blacodes), peixe-sapo
... porém nenhuma Contracequíase
(Lophius gastrophysus),
infecção humana foi
A contracequíase é
reportada no país.
carapau (Trachurus latha- um problema zoonóti-
18 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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co relacionado com a é uma zoonose relacionada
Larvas [de
ingestão de peixes e à ingestão acidental de lar-
Contracaecum
derivados contamina-
foram]... identificadas vas (L3) de nematódeos do
dos com a larva (L3) em ... peixes ... em ... gênero Hysterothylacium,
de nematódeos do território brasileiro, presentes em peixes crus,
gênero Contracaecum, como piraputanga malcozidos, defumados
especialmente C. oscu- (Brycon hilarii), ou salgados (ANDRADE-
latum, sem um prévio traíra (Hoplias PORTO et al., 2015). Tanto
tratamento térmico malabaricus), pintado a forma larval como o es-
adequado (ZUO et al., (Pseudoplatystoma tágio adulto desse parasito
2017). Seres huma- corruscans), jundiá são encontrados na cavidade
nos infectados podem e dourado. … visceral, no mesentério e no
apresentar episódios Entretanto, casos intestino de peixes de água
de dores gastrointesti- humanos não [foram] doce e marinhos no Brasil,
nais, vômito, diarreia reportados no país. como garoupa (Epinephelus
e náuseas (SHAMSI guttatus), tira-vira (Percophis
e BUTCHER, 2011; brasiliensis), abrótea (Urophycis brasi-
BUCHMANN e MEHRDANA, 2016). liensis), pargo e dourado (EIRAS et al.,
Larvas desse parasito têm sido identifi- 2016). No entanto, nenhum caso des-
cadas em diferentes espécies de peixes, sa doença tem sido descrito no país.
tanto de água doce como marinhos, Larvas desse parasito também têm sido
em todo o território identificadas em lulas desti-
brasileiro, como pira- Tanto a forma larval nadas ao consumo humano
putanga (Brycon hi- como o estágio adulto na Itália (SERRACCA et al.,
larii), traíra (Hoplias [Hysterothylacium] 2013). No ser humano infec-
malabaricus), pintado … são encontrados tado, as larvas invadem a pa-
(Pseudoplatystoma cor- no Brasil [em]
rede intestinal, produzindo
ruscans), jundiá e dou- garoupa (Epinephelus um granuloma eosinfílico e
rado. Entretanto, casos guttatus), tiravira
uma reação alérgica acentu-
clínicos da infecção em (Percophis
brasiliensis), ada. Com isso, episódios de
seres humanos não têm dores abdominais e diarreia
sido reportados no país abrótea (Urophycis
brasiliensis), pargo e persistente podem ser obser-
(EIRAS et al., 2016).
dourado... No entanto, vados (ANDRADE-PORTO
3.12. nenhum … [caso et al., 2015; PAVANELLI et
Histerotilacíase humano foi] descrito al., 2015).
A histerotilacíase no país. 3.13. Gnatostomíase
1. Zoonoses emergentes associadas ao consumo e à manipulação de pescado 19

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Gnatostomíase é nicas, a doença cutânea
Larvas de
uma zoonose helmínti- é a mais comum, sendo
[Gnathostoma]
ca secundária à ingestão
..[foram] encontradas observadas lesões pruri-
de peixe ou frutos do ginosas eritematoedema-
em pirarucu
mar in natura contami- (Arapaima gigas) e tosas (DANI et al., 2009).
nados com larvas (L3) tucunaré, … [cuja] Larvas desse parasito têm
encistadas de nemató- carne [é] consumida sido encontradas em pi-
deos pertencentes ao na forma de sashimi, rarucu (Arapaima gigas)
gênero Gnathostoma ... com relatos dessa e tucunaré, peixes com
(VANEGAS et al., 2014). zoonose... no Brasil. bastante aceitação pela
A ingestão de água con- população brasileira, sen-
tendo copépodes infecta- do, inclusive, a carne con-
dos com a larva de primeiro estágio (L1) sumida na forma de sashimi,(EIRAS et
e a penetração direta de larvas (L3) na al., 2016). Relatos dessa zoonose têm
pele de manipuladores de pescado têm sido descritos no Brasil (VARGAS et al.,
sido consideradas vias alternativas de 2012; CHAVES et al., 2016).
transmissão da doença (DIAZ, 2015).
O consumo de “ceviche” em países his-
3.14. Capilaríase
pano-americanos tem sido considerado A capilaríase é uma zoonose cau-
fator predisponente da ocorrência de sada pelo nematódeo Capillaria philip-
surtos dessa parasitose (CORNAGLIA pinensis, e infecções em seres humanos
et al., 2016). Dores gástricas, náuseas e são raramente observadas (ATTIA et al.,
episódios de vômitos são sinais clínicos 2012). O consumo de carne de peixe
observados posteriormente à ingestão cru ou malcozida tem sido considerado
do parasito. Entretanto, quatro manifes- fator crucial para a infecção intestinal
tações clínicas típicas podem ser obser- por esse parasito. Entretanto, a infecção
vadas, como: doença cutânea com mi- também tem sido observada em pessoas
gração intermitente, que pode culminar sem histórico da ingestão de peixes (LU
no encapsulamento das larvas no tecido et al., 2006). C. philippinensis parasita
subcutâneo; doença visceral ou gas- o intestino delgado, causando diarreia
trointestinal; neurognatos- contínua ou intermiten-
tomíase; e gnatostomíase Há registros te, dores abdominais,
ocular (DANI et al., 2009; [de Capillaria borborigmos, perda
DIAZ, 2015; CHAVES et philippinensis] no muscular, emagrecimen-
al., 2016; CORNAGLIA Brasil, principalmente to, fraqueza e edema.
et al., 2016). Dentre todas em peixes Caso a parasitose não
essas manifestações clí- ornamentais. seja tratada, uma exa-
20 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 20 09/08/2018 14:38:03


cerbada perda muscular a carne de traíra, pintado,
...larvas [de
é observada, seguida por pirarucu, pacu (Piaractus
Eustrongylides]
caquexia, desequilíbrio mesopotamicus) e doura-
podem ser encistadas
eletrolítico, complicações do (MENEGUETTI et
ou livres na cavidade
cardíacas, septicemia, al., 2013; EIRAS et al.,
celomática ou
culminando, inclusive, na musculatura 2016). Entretanto, essa
no óbito do paciente esquelética ... de peixes zoonose não tem sido re-
(SAICHUA et al., 2008). no Brasil, conferindo portada em seres huma-
Há registros da presença aspecto repugnante nos no Brasil.
desse parasito no Brasil, para a carne de traíra, 3.16. Dioctofimose
principalmente em peixes pintado, pirarucu,
ornamentais (LUQUE et pacu (Piaractus A dioctofimose é
al., 2011). mesopotamicus) e uma doença zoonótica
dourado. causada pelo nematódeo
3.15. Dioctophyme renale. Esse
Eustrongilidíase parasito tem tropismo
A eustrongilidíase é uma doença pelo tecido renal, causando obstrução,
zoonótica causada por nematódeos do nefrite, hipertrofia renal, hidronefrose,
gênero Eustrongylides. E. ignotus e E. tu- cólica e destruição do parênquima re-
bifex são as espécies que possuem maior nal, sendo necessária a remoção cirúrgi-
incidência em infecções em seres hu- ca do rim afetado (VENKATRAJAIAH
manos (OKUMURA et al., 1999). A in- et al., 2014). D. renale já foi identificado
gestão de larvas de quinto estágio (L5), em peixes de vida livre no Brasil, como
presentes em carne de peixes de água peixe-cachorro (Acestrorhynchus lacus-
doce crua ou malcozida, tem proporcio- tres) e tamoatá (Hoplosternum littora-
nado quadro de gastrite, le) (EIRAS et al., 2016).
dor abdominal e perfu- D. renale já foi Contudo, apenas um caso
ração intestinal em seres identificado em peixes clínico de infecção em
humanos (BRANCIARI de vida livre no Brasil, seres humanos foi assis-
et al., 2016). Tais larvas como peixe-cachorro tido no país (LISBOA,
podem ser encontradas (Acestrorhynchus 1945). A infecção por
encistadas ou livres na ca- lacustres) e tamoatá esse parasito tem sido
vidade celomática ou na (Hoplosternum associada à ingestão de
musculatura esquelética littorale) ... Contudo, larvas encistadas em rãs
de muitas espécies de pei- apenas um caso ... ou peixe crus ou à inges-
xes no Brasil, conferindo de infecção em seres tão acidental de anelíde-
aspecto repugnante para humanos... os aquáticos infectados
1. Zoonoses emergentes associadas ao consumo e à manipulação de pescado 21

ctimpresso 89.indb 21 09/08/2018 14:38:03


(VENKATRAJAIAH et al., 2014). pais bactérias patogênicas de organis-
mos aquáticos, especialmente peixes,
4. Zoonoses bacterianas consideradas zoonoses ou de potencial
No ambiente aquático, uma grande zoonótico, por importância epidemio-
variedade de espécies bacterianas coabi- lógica, focando nas formas de contágio
ta com os organismos aquáticos, poden- e principais sinais clínicos observados
do algumas delas causar doenças nesses no ser humano infectado.
animais (LOWRY e SMITH, 2007). 4.1. Vibriose
Apesar da identificação de patógenos
bacterianos em pescados e a detecção de Vibrio vulnificus é um bastonete
alguns desses agentes infecciosos tam- Gram-negativo frequentemente en-
bém em seres humanos, pouco se sabe contrado na água do mar, em sedimen-
sobre a conexão epidemiológica das tos, plânctons e frutos do mar (ostras,
bactérias nesses diferentes hospedeiros, mexilhões e caranguejo) (HAENEN
ou se existe uma relação de caráter zoo- et al., 2013). Essa bactéria também
nótico entre elas (GAUTHIER, 2015). tem causado doenças em diferentes es-
Entretanto, algumas infecções bacteria- pécies de peixes, incluindo as enguias
nas têm sido descritas como zoonose ou (GAUTHIER, 2015). No ser humano,
de potencial zoonótico, e a sua transmis- a doença pode se manifestar de duas
são está associada tanto à ingestão do formas: uma em razão da ingestão de
pescado, quanto ao contato direto, por frutos do mar, principalmente ostras
abrasão, cortes, ou penetração bacteria- cruas, contendo a bactéria ( JONES
na por meio de feridas na pele, quando e OLIVER, 2009), que geralmente
o ser humano manipula peixes ou fômi- está mais associada com DTA do que
tes (água) infectados (BOYLAN, 2011; com uma zoonose propriamente dita;
GAUTHIER, 2015). Assim, manipu- outra em razão do contato de lesões
ladores de pescado possuem o maior da pele com a água do mar, peixe ou
risco de desenvolvimento de algumas moluscos infectados (HAENEN et al.,
zoonoses bacterianas, devido ao conta- 2013). O consumo do pescado conta-
to direto com o animal infectado, o que minado pode resultar em uma severa
sugere, portanto, uma doença de caráter e fulminante infecção sistêmica, com
ocupacional. A doença ocupacional é sinais clínicos que podem variar de
considerada epidemiologicamente mais febre, calafrios, náuseas, formação de
grave do que o consumo de pescado lesões secundárias nas extremidades,
in natura, devido ao contato constante choque séptico hipotensivo e morte
com o animal/produto. ( JONES e OLIVER, 2009). A doença
A seguir, descreveremos as princi- cutânea, por outro lado, pode evoluir
22 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 22 09/08/2018 14:38:03


para fasciíte necrosante, em comum entre isola-
V. vulnificus .. foi
septicemia generaliza- dos obtidos de peixes e
isolado de camarões
da e morte do pacien- seres humanos (KUSAR
... em uma feira de
te afetado (HAENEN pescado em Fortaleza et al., 2016). A infec-
et al., 2013). V. vulni- ção em seres humanos
... e dois relatos de
ficus já foi isolado em morte associados com ocorre mediante o con-
camarões comerciali- o consumo de pescado tato com peixes ou água
zados em uma feira de contaminado ... foram contaminados (AUBRY
pescado em Fortaleza relatados no Brasil. et al., 2002). A bactéria
(NASCIMENTO et al., atinge a pele e os tecidos
2001) e dois relatos de adjacentes por abrasão,
morte associados com o consumo causando uma lesão inflamatória gra-
de pescado contaminado com essa nulomatosa crônica, nodular e ulcera-
bactéria já foram relatados no Brasil da, geralmente observada nas mãos e
(ARAÚJO et al., 2007; FRANÇA et nos antebraços (UCKO e COLORNI,
al., 2013). 2005), especialmente em regiões mais
frias, como costas das mãos e dedos
4.2. Micobacteriose (KUSAR et al., 2016). Porém, a bacté-
Mycobacterium marinum é um ba- ria consegue atingir outros órgãos por
cilo Gram-positivo, ácido-álcool resis- meio de disseminação linfática, resul-
tente, que causa doença tando em tenossinovite,
sistêmica e granuloma- A infecção [por bursite, artrite e osteo-
tosa em várias espécies Mycobacterium mielite (GAUTHIER,
de peixes, tanto de água marinum] em seres 2015). M. marinum
doce como marinhos, humanos ocorre tem sido isolado em
no mundo, especial- mediante o contato linguado, “barbergo-
mente em peixes orna- com peixes ou água by” (Elacatinus fígaro)
mentais, contaminando contaminados ... (ROMANO et al., 2012)
aquários, rios e mares atinge a pele e os e rãs (FERREIRA et al.,
(NGUYEN et al., 2015). tecidos adjacentes 2006) no Brasil, tendo
Há evidências molecu- ... [com] lesão um caso da infecção hu-
lares da transmissão zo- inflamatória mana descrito no país
onótica dessa bactéria, granulomatosa (SETTE et al., 2015).
realizada por meio de crônica, nodular e
ulcerada, geralmente
4.3. Infecção por
metodologias de geno- Streptococcus
tipagem que demonstra- ... nas mãos e nos agalactiae
ram um padrão restrito antebraços. (sorotipo III, ST-
1. Zoonoses emergentes associadas ao consumo e à manipulação de pescado 23

ctimpresso 89.indb 23 09/08/2018 14:38:04


283) S. agalactiae tem
pessoas com doenças
cardiovasculares foram
Em 2015, surtos sido isolado em
considerados como
de bacteremia e menin- tilápias, pintado-da-
grupo de risco para o
gite em seres humanos, amazônia, curimba
aparecimento da doen-
associados ao consumo (Prochilodus lineatus)
ça (TAN et al., 2016).
de carne crua de peixe, e cará (Geophagus
S. agalactiae tem sido
foram investigados em brasiliensis) no
isolado em tilápias,
Singapura, e Streptococcus Brasil...
pintado-da-amazônia,
agalactiae (sorotipo III,
curimba (Prochilodus
ST-283) foi diagnosti-
lineatus) e cará (Geophagus bra-
cado nesses surtos (TAN et al., 2017).
siliensis) no Brasil, desde 2001
S. agalactiae acomete principalmente
(SALVADOR et al., 2005; LEIRA
seres humanos, bovinos e peixes, des-
et al., 2016; TAVARES et al., 2016).
tacando-se como patógeno emergente
para a piscicultura mundial (MIAN et Entretanto, o padrão genômico da
al., 2009). Entretanto, apesar de uma maioria dos isolados brasileiros
alta similaridade genômica entre isola- pertence a um grupo genético rela-
dos de peixes obtidos na Ásia com cionado apenas com o hospedeiro
um isolado humano (LIU et al., peixe (GODOY et al., 2013), o que
2013), não havia indícios concre- justificaria a não ocorrência de sur-
tos da possibilidade de transmissão tos de infecção por essa bactéria em
natural dessa bactéria entre diferen- seres humanos, quando relacionado
tes hospedeiros nos últimos anos. ao consumo especialmente de tilá-
Estudos subsequentes realizados pias no país. Contudo, no final de
em Singapura demonstraram que o 2016, emergiu um novo sorotipo
aumento de casos provocados por dessa bactéria no país, isolada em ti-
S. agalactiae estava associado com lápias cultivadas na região Nordeste,
o consumo de “yusheng”, um prato sendo determinado como sorotipo
preparado com carne crua de peixe III (CHIDEROLI et al., 2017), po-
de água doce (RAJENDRAM et al., rém os autores não avaliaram se es-
2016; TAN et al., 2016). Pacientes ses isolados pertenciam ao genótipo
acometidos pela infecção apresenta- ST-283. Portanto, não se pode afir-
ram quadros de meningoencefalite, mar que esse novo sorotipo introdu-
artrite séptica, infecção da medu- zido no país possa representar risco
la espinhal, e alguns foram a óbito para a saúde do consumidor.
(KALIMUDDIN et al., 2017; TAN 4.4. Infecção por
et al., 2017). Idosos, diabéticos e Streptococcus iniae
24 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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As infecções em juízos econômicos sig-
[Streptococcus
peixes causadas por nificativos ao produtor
iniae foi isolado de]
Streptococcus iniae estão
tilápias e pintado-da- (FUKUSHIMA et al.,
associadas a quadros de 2017). Relatos de infec-
amazônia (Leiarius
septicemia e meningo- ção por essa bactéria em
marmoratus x
encefalite, altos índices ser humano geralmente
Pseudoplatystoma
de mortalidade e perdas têm sido associados ao
corruscans).
econômicas significati- consumo de peixe conta-
vas, sendo a bactéria iso- minado (RASMUSSEN
lada em tilápias (FIGUEIREDO et al., et al., 2014), entretanto são escassos os
2012) e pintado-da-amazônia (Leiarius dados disponíveis de análises micro-
marmoratus x Pseudoplatystoma corrus- biológicas e moleculares que suportam
cans) (TAVARES et al., 2016) cultivados a hipótese de que esse patógeno seja
no Brasil. A infecção em seres humanos um agente zoonótico, sendo conside-
ocorre raramente e é oriunda da manipu- rado apenas como uma bactéria de po-
lação de peixes de cultivo e ornamentais tencial zoonótico decorrente dos casos
infectados pela bactéria, caracterizan- descritos na literatura (GIBELLO et al.,
do uma doença de cunho ocupacional 2016). Seres humanos infectados apre-
(DODSON et al., 1999). Celulite bac- sentam complicações cardíacas, como
teriana nas mãos é o principal sinal clí-
endocardite, com colonização bacteria-
nico da infecção invasiva de S. iniae em
na nas valvas mitral ou tricúspide, bem
seres humanos, entretanto bacteremia,
como abscesso hepático, hemorragia
artrite, meningite, endocardite e os-
cerebral, úlcera gástrica, osteomieli-
teomielite também já foram descritos
te, peritonite, bacteremia, septicemia,
(WEINSTEIN et al., 1997; LAU et al.,
e, em alguns casos, o paciente vai a
2003; SUN et al., 2007). Não há regis-
óbito (WANG et al., 2007; RUSSO et
tros dessa zoonose em seres humanos
al., 2012; RASMUSSEN et al., 2014).
no Brasil.
L. garviae tem sido isolado de tilápia
4.5. Infecção (Oreochromis niloticus)
por Lactococcus Lactococcus garviae (EVANS et al., 2009) e su-
garviae [foi] isolado de rubim (Pseudoplatystoma
Lactococcus garviae tilápia (Oreochromis sp.) (FUKUSHIMA et
é um dos principais pa- niloticus) ... e surubim al., 2017) doentes no
tógenos bacterianos que (Pseudoplatystoma Brasil, e um surto em ser
acometem a produção sp.) ... doentes no humano (paciente com
de peixes no Brasil e no Brasil, e um surto em endocardite), associa-
mundo, provocando pre- ser humano. do ao consumo da carne
1. Zoonoses emergentes associadas ao consumo e à manipulação de pescado 25

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de peixe, foi relatado no lução clínica reportados
[Photobacterium
país (HIRAKAWA et al., (KIM et al., 2009). Não
damselae foi
2011). há indícios dessa infec-
isolado] de bijupirá
(Rachycentron ção em seres humanos no
4.6. Brasil.
Fotobacteriose canadum) cultivado
com ulcerações e lesões
4.7. Brucelose
Photobacterium da-
granulomatosas de
mselae é um bastonete Brucelose é uma do-
tegumento...
Gram-negativo que tem ença causada por uma
causado fotobateriose em bactéria intracelular,
espécies marinhas de peixes no mundo. Gram-negativa, pertencente ao gêne-
No Brasil, tem sido isolado de bijupi- ro Brucella. A doença é endêmica em
rá (Rachycentron canadum) cultivado vários países do mundo, e o seu apa-
com ulcerações e lesões granulomatosas recimento está associado ao contato
de tegumento (FIGUEIREDO et al., com animais contaminados, ou com a
2011). Essa bactéria tem sido considera- ingestão de carne ou produtos lácteos
da um patógeno zoonótico e pode cau- não pasteurizados oriundos desses ani-
sar uma infecção oportunista por meio mais (GODFROID et al., 2005). Sabe-
da exposição de feridas com a água salo- se que algumas espécies de peixes po-
bra ou do mar contaminadas, entretanto dem ser naturalmente infectadas por
lacerações ou perfurações durante a ma- Brucella sp., atuando como possíveis
nipulação de peixes infectados têm sido reservatórios da bactéria (EL-TRAS
consideradas a principal forma de infec- et al., 2010). Entretanto, são escassas
ção em seres humanos (GONÇALVES as informações quanto à transmissão
et al., 2016). As lesões na pele podem desse patógeno entre peixes e seres
evoluir para uma fasciíte necrosante e humanos. Apenas dois relatos na lite-
culminar na morte da pessoa afetada ratura científica demonstraram a pos-
(GAUTHIER, 2015). A ingestão de sibilidade da infecção por Brucella sp.
pescado contaminado na em seres humanos pela
forma in natura também Dois relatos na ingestão de pescado cru.
tem sido associada a sur- literatura científica Os pacientes acometidos
tos de fotobacteriose em demonstraram a apresentaram neurobru-
seres humanos. Nesses possibilidade da celose, granuloma intra-
casos, febre, dores abdo- infecção por Brucella cerebral e osteomielite
minais, dispneia, ascite, sp. em seres humanos espinhal (SOHN et al.,
septicemia e morte foram pela ingestão de 2003; MCDONALD et
os sinais clínicos e a evo- pescado cru. al., 2006).
26 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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4.8. Erisipeloide Há apenas um relato
relato de que essa bac-
téria cause septicemia
Erysipelothrix rhu- de ... septicemia
hemorrágica em peixes
siopathiae é um bacilo hemorrágica em
peixes no mundo ... no mundo (CHONG et
Gram-positivo, reconhe-
Porém, esse patógeno al., 2015). Porém, esse
cido como patógeno em
já foi isolado da patógeno já foi isolado
animais, especialmente
em suínos. Entretanto, superfície corporal de da superfície corporal
essa bactéria é ubíqua peixes marinhos no de peixes marinhos no
na natureza e tem sido Brasil. Brasil (CASTRO et al.,
reportada como coloni- 1967). Por ser ubíqua
zadora de peixes, frutos do mar, aves também em ambien-
e insetos (ROMNEY et al., 2001). A tes aquáticos e pela possibilidade de
doença em seres humanos geralmente os peixes atuarem como vetores me-
está associada à exposição ocupacional cânicos da transmissão da bactéria
a carnes ou peixes contaminados, sen- (GAUTHIER, 2015), a erisipeloide
do açougueiros, magarefe, fazendeiros tem uma importância significativa
e manipuladores de pescado o grupo para a saúde pública humana no Brasil.
de risco para a aquisição da infecção 5. Prevenção das doenças
(ROMNEY et al., 2001). A infecção zoonóticas
ocorre via contaminação de feridas
cutâneas e resulta em uma localizada, Medidas preventivas visando evi-
dolorosa e autolimitante celulite, ca- tar doenças zoonóticas transmissíveis
racterizada por uma área edematosa de por pescado podem ser realizadas tanto
coloração roxa (GAUTHIER, 2015), durante o cultivo da espécie aquática
tipicamente observada quanto durante a recep-
nos dedos e nas mãos Em uma propriedade ção da matéria-prima em
(HARADA et al., 2011). produtora de estabelecimentos de pes-
Doenças sistêmicas são organismos aquáticos, cados e derivados.
incomuns, entretanto en- a identificação Em uma propriedade
docardite e osteomielite dos principais produtora de organismos
também já foram descri- problemas vigentes aquáticos, a identificação
tas em seres humanos, deve ser observada e dos principais problemas
associadas com exposi- monitorada, de forma vigentes deve ser obser-
ção ao pescado contami- a minimizar condições vada e monitorada, de
nado (ROMNEY et al., que propiciem o forma a minimizar con-
2001; HARADA et al., aparecimento de dições que propiciem o
2011). Há apenas um doença nos animais. aparecimento de doença
1. Zoonoses emergentes associadas ao consumo e à manipulação de pescado 27

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nos animais. O produtor devem ser adotadas me-
Para assegurar
e os demais responsáveis didas preventivas em toda
que o pescado
pelo criatório devem re-
comercializado possua a cadeia produtiva após
alizar um levantamento a recepção da matéria-
condições sanitárias
sobre os índices produ- propícias para o -prima no estabelecimen-
tivos, o manejo, a taxa consumo humano, to de pescado, que pode
de mortalidade, e, além devem ser adotadas ser tanto barco-fábrica,
disso, coletar periodica- medidas preventivas abatedouro frigorífico
mente material biológi- em toda a cadeia ou unidade de benefi-
co e/ou água de cultivo produtiva... ciamento de pescado e
para a realização de exa- de produtos de pescado.
mes laboratoriais para a Nesses estabelecimentos,
detecção de patógenos. Dessa forma, é é obrigatória a lavagem prévia do pes-
possível investigar a presença de agen- cado destinado ao consumo humano,
tes causadores de doenças infecciosas visando à remoção de sujidades e da
no plantel e, consequentemente, propor microbiota superficial. Também é obri-
a ação corretiva mais apropriada para gatória a verificação visual de lesões atri-
aquele local. Caso os agentes bacteria- buídas a doenças ou infecções ou à pre-
nos ou parasitários, causadores ou não sença de parasitas. Dessa forma, peixes
de zoonoses, estejam ausentes em uma com lesões de origem infecciosa ou que
determinada propriedade, a implemen- apresente infestação maciça por parasi-
tação de práticas de biosseguridade tas devem ser considerados impróprios
deve ser realizada (FIGUEIREDO e para o consumo humano (Figura 1). Por
LEAL, 2008). Tal medida visa impedir outro lado, pescado injuriado, mutilado,
a recorrência de doenças e evitar a en- deformado, com alteração de cor ou
trada de novos patógenos na proprieda- com a presença de parasitos localizados,
de. Uma medida de biossegurança seria, pode ser submetido ao aproveitamento
por exemplo, o controle de caramujos condicional por meio do congelamento,
(hospedeiros intermediários) em cria- da salga ou da cocção (BRASIL, 2017).
tórios comerciais, o que impossibilitaria A presença de vermes na muscu-
o desenvolvimento do ciclo de vida dos latura dos peixes pode ser observada
trematódeos, com consequente não in- como consequência da migração post-
fecção dos peixes destinados à alimen- -mortem ou durante o procedimento de
tação humana. congelamento da carne (CLEMENTE,
Para assegurar que o pescado co- 2011). A evisceração de peixes imedia-
mercializado possua condições sanitá- tamente após a captura previne a possi-
rias propícias para o consumo humano, bilidade de migração de larvas de alguns
28 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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parasitos das vísceras (Figura 2) para asséptica e enviadas para laboratórios
a musculatura dos peixes (KNOFF et especializados em diagnóstico de do-
al., 2007). Durante a avaliação de filés enças alimentares (LOWRY e SMITH,
na mesa de inspeção, conhecida como 2007).
“candlingtable”, é possível visualizar Outro fator importante de preven-
larvas na musculatura do peixe, entre- ção de doenças zoonóticas transmissí-
tanto esse procedimento é dependente veis por pescado seria pelo controle da
de algumas variáveis para aumentar a temperatura. Entre os tratamentos tér-
sua eficiência, como: a espessura do filé, micos, a conservação do pescado por
a presença de pele na amostra, a pig- congelamento tem sido considerada
mentação da musculatura (carnes mais metodologia que garante maior prote-
escuras dificultam a identificação de ção para a população quanto à qualida-
larvas de helmintos) e o nível de experi- de da carne de peixe cru. Dessa forma,
ência do avaliador (EIRAS et al., 2016). o produto destinado ao consumo in na-
Amostras de pescado também podem tura deve ser submetido ao processo de
ser coletadas e submetidas à digestão congelamento a -20ºC, por 24 horas, ou
enzimática com pepsina acidificada para a -35ºC, durante 15 horas, como estipu-
a extração de larvas e cistos de parasitos, lado pela legislação brasileira (BRASIL,
com posterior visualização em estero- 2017). Cabe ressaltar que esse proce-
microscópio e identificação do parasito dimento é capaz de mitigar a ocorrên-
(OKUMURA et al., 2013). cia de zoonoses de origem parasitária
Quanto à detecção de patógenos (EIRAS et al., 2016) e atua como mé-
bacterianos, durante a inspeção do todo bacteriostático para os principais
pescado, deve-se avaliar a presença de microrganismos patogênicos de ori-
lesões ou granulomas na superfície cor- gem bacteriana (SOUZA et al., 2013).
poral e na musculatura do peixe (Figura A cocção, quando empregada, também
3). Análises laboratoriais podem ser re- reduz o risco de transmissão das zoono-
alizadas para garantir a inocuidade do ses, por meio da destruição do agente
pescado e de pratos elaborados com pes- infeccioso. Esse procedimento pode ser
cados crus, atendendo ao Regulamento realizado tanto pela indústria como pelo
Técnico sobre Padrões Microbiológicos consumidor final, sendo recomendado
para Alimentos (RDC nº 12, de 02 de ja- o aquecimento da carne a, pelo menos,
neiro de 2001), elaborado pela Agência 70ºC (ROSSI et al., 2014).
Nacional de Vigilância Sanitária A salga e a conservação em vina-
(ANVISA) (BRASIL, 2001). Amostras gre reduzem os riscos da infecção por
de vísceras e musculatura podem ser zoonoses parasitárias mediante o con-
obtidas de pescados, coletadas de forma sumo de pescado, entretanto não eli-
1. Zoonoses emergentes associadas ao consumo e à manipulação de pescado 29

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minam a possibilidade de transmissão, uma medida preventiva da ocorrência
visto que alguns helmintos, principal- de zoonoses cutâneas associadas à ma-
mente os nematódeos, são capazes de nipulação de pescado (HAENEN et al.,
sobreviver em salmouras (MASSON 2013).
e PINTO, 1998). A defumação da car- Três ações do governo podem ser
ne de pescado a 121ºC por três horas realizadas para reduzir a incidência de
tem possibilitado a inativação de me- zoonoses em pescado: melhorias no
tacercárias de Ascocotyle longa em tai- saneamento básico, controle de impor-
nhas (OKUMURA et al., 1999), sendo, tação de pescado e educação continu-
portanto, uma medida alternativa de ada. O investimento em saneamento
prevenção. básico poderia evitar a contaminação
Para reduzir os riscos da aquisição de rios e mares com excrementos de se-
de infecções bacterianas de caráter zo- res humanos que possam favorecer a per-
onótico por meio da manipulação do petuação e sobrevivência de parasitos no
pescado, deve-se evitar o ambiente. Deve-se evitar
contato direto com o ani- Para reduzir os a importação de pescado
mal e a água com suspeita riscos da aquisição oriundo de regiões endê-
de contaminação, caso de infecções micas das zoonoses, tanto
haja ferimentos, cortes bacterianas de caráter de origem parasitária quan-
ou lacerações na pele. Ao zoonótico por meio to bacteriana. E, por fim,
manipular ou processar da manipulação deve-se promover a cons-
o pescado, limpar aquá- do pescado, deve-se cientização da população,
rios ou tanques, a pessoa evitar o contato direto por meio de programas
responsável deve utilizar com o animal e a de educação continuada,
luvas, especialmente a água com suspeita de quanto aos riscos associa-
prova d’água, e, ao termi- contaminação ... dos à ingestão da carne de
nar a atividade, deve hi- pescado cru ou malcozido,
gienizar adequadamente caso esses alimentos este-
as mãos com água, sabão e sanitizante. É jam contaminados, visto que peixe cru,
recomendado que grupo de risco, como na forma de sushi, sashimi ou derivados,
idosos, diabéticos e pacientes imu- tem grande aceitação por parte da po-
nossuprimidos, evitem a manipulação pulação, sendo o consumo desse tipo
de pescado ou realizem a limpeza dos de carne considerado, em algumas re-
tanques/aquários onde esses animais giões, um hábito cultural (OKUMURA
habitam. A comercialização de peixes et al., 1999; BARROS et al., 2006;
abatidos, eviscerados, sem a presença MAGALHÃES et al., 2012; HAENEN
de escamas e nadadeiras, é considerada et al., 2013).
30 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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6. Considerações finais lização sanitária frequente, o que reduz
as chances da ocorrência de doenças
Apesar da baixa incidência de zo- zoonóticas. Infelizmente, o consumo
onoses relatadas no país associada à da carne de pescado in natura só se tor-
ingestão ou à manipulação de pescado, na risco para a população quando esse
não se pode descartar a possibilidade produto não é inspecionado. Isso pode
da transmissão delas entre organismos ocorrer em decorrência do repasse do
aquáticos e o homem, visto que o peixe pescado diretamente do produtor para
atua como hospedeiro intermediário de
um comerciante ambulante, não regis-
algumas zoonoses parasitárias. Ainda há
trado em órgãos federais, ou diretamen-
uma dificuldade no diagnóstico dessas
te para o consumidor final.
doenças, sendo elas mui-
tas vezes negligenciadas, … a maior parte 7. Referências
uma vez que falta conhe- da população Bibliográficas
cimento prévio por parte adquire o peixe na
dos profissionais de saú- forma congelada, 1. ANDRADE-PORTO, S. M.;
de em relação à comple- em estabelecimentos CÁRDENAS, M. Q.; MARTINS,
xidade da biologia desses comerciais que M. L.et al. First record of larvae
of Hysterothylacium (Nematoda:
patógenos zoonóticos. possuem fiscalização Anisakidae) with zoonotic poten-
Considerar que o sanitária frequente, o tial in the pirarucu Arapaima gi-
consumo de peixe cru que reduz as chances gas (Osteichthyes: Arapaimidae)
from South America. Brazilian
seja risco no Brasil nos da ocorrência de Journal of Biology, v. 75, p. 790-
795, 2015.
leva a acreditar que há doenças zoonóticas.
falhas na inspeção des- 2. ARAÚJO, M. R. E. D.;
AQUINO, C.; SCARAMAL,
se produto, porém essa E. et al.Vibrio vulnificus infection in São Paulo,
sentença não é verdadeira. No Brasil, a Brazil: case report and literature review. Brazilian
Journal of Infectious Diseases, v. 11, p. 302-305,
grande maioria dos estabelecimentos 2007.
que manipulam pescado é fiscalizada
3. ATTIA, R. A. H.; TOLBA, M. E. M.; YONES, D.
por algum órgão governamental, seja A. et al.Capillaria philippinensis in upper Egypt:
por inspeção federal (SIF), estadual, has it become endemic? The American Journal
of Tropical Medicine and Hygiene, v. 86, n. 1, p.
municipal ou pela Anvisa, e, do mesmo 126-133, 2012.
modo, tais estabelecimentos necessitam
4. AUBRY, A.; CHOSIDOW, O.; CAUMES, E. et
ter responsáveis técnicos (médicos ve- al. Sixty-three cases of Mycobacterium marinum
terinários) para assegurar a qualidade infection: clinical features, treatment, and antibio-
tic susceptibility of causative isolates. Archives of
do produto comercializado. Além disso, Internal Medicine, v. 162, n. 15, p. 1746-1752,
a maior parte da população adquire o 2002.
peixe na forma congelada, em estabele- 5. BAO, M.; PIERCE, G. J.; PASCUAL, S.et al.
cimentos comerciais que possuem fisca- Assessing the risk of an emerging zoonosis

1. Zoonoses emergentes associadas ao consumo e à manipulação de pescado 31

ctimpresso 89.indb 31 09/08/2018 14:38:05


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1. Zoonoses emergentes associadas ao consumo e à manipulação de pescado 37

ctimpresso 89.indb 37 09/08/2018 14:38:07


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38 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 38 09/08/2018 14:38:07


2. Resíduos de
antimicrobianos em
pescado

pixabay.com

Débora Cristina Sampaio de Assis1 - CRMV-MG 14718;


Silvana de Vasconcelos Cançado1 - CRMV-MG 4294;
Lílian Viana Teixeira1 - CRMV-MG 7357;
Guilherme Resende da Silva2 - CRMV-MG 14227;
Fernanda Luiza Perdigão Rodrigues3 - CRMV-MG 18807
1
Escola de Veterinária, DTIPOA, UFMG
2
Doutorando, DTIPOA, UFMG
3
Graduando em Medicina Veterinária, UFMG

1. Introdução la vem aumentando constantemente,


passando de 36,8 milhões de toneladas
A produção mundial de pescado produzidas em 2002 para 73,8 milhões
foi de 167,2 milhões de toneladas em de toneladas em 2014, demonstrando
2014 e, deste total, 146 milhões de to- a importância econômica e social dessa
neladas foram destinadas à alimentação atividade como fonte de proteínas de
humana, com um consumo per capita boa qualidade para a população (FAO,
global de aproximada- 2016).
mente 20kg por habi- ...Apesar de levar Esse crescimento se
tante em 2014. Do total a um aumento da deve tanto à expansão das
de pescado produzido, produtividade, a áreas produtivas quanto
93,4 milhões de tonela- intensificação dos à utilização de sistemas
das tiveram origem na sistemas de produção intensivos de produção.
pesca e 73,8 milhões de torna os peixes mais No entanto, apesar de
toneladas, na aquicultu- vulneráveis a doenças levar a um aumento da
ra. A produção aquíco- infecciosas... produtividade, a intensi-
2. Resíduos de antimicrobianos em pescado 39

ctimpresso 89.indb 39 09/08/2018 14:38:07


ficação dos sistemas de danos teciduais, pertur-
O uso adequado dos
produção torna os peixes bações gastrintestinais
antimicrobianos,
mais vulneráveis a doen- e doenças neurológi-
segundo critérios
ças infecciosas, devido cas (MENTEN, 2002;
técnicos, que respeite
às elevadas densidades WASSENAAR, 2005;
principalmente a
de criação e às condições BONDI et al., 2009).
dosagem, a via de
de estresse a que são Dessa maneira, a obten-
administração e os
submetidos, resultando ção de produtos aquíco-
períodos de carência
na maior necessidade las seguros para o con-
de cada droga para
de utilização de antimi- sumidor depende do
as diferentes espécies,
crobianos (Romero et conhecimento técnico
leva a um menor risco
al., 2012). Os agentes e da utilização dos anti-
de sua utilização para
antimicrobianos são microbianos de forma
o ambiente e para os
substâncias químicas ca- adequada, respeitando,
consumidores.
pazes de inibir o cresci- principalmente, as dosa-
mento de micro-organ- gens recomendadas e o
ismos ou eliminá-los. Na aquicultura, período para carência de cada droga, de
esses fármacos são frequentemente uti- acordo com as espécies.
lizados como agentes terapêuticos para
o tratamento de infecções bacterianas, 2. Revisão bibliográfica
e a principal forma de administração No Brasil, de acordo com o
é por via oral. Entretanto, a utilização Sindicato Nacional da Indústria de
dessas substâncias como promotores Produtos para Saúde Animal (Sindan),
de crescimento e agentes profiláticos apenas os antimicrobianos florfenicol e
tem aumentado e superado seu uso para oxitetraciclina são utilizados como base
fins terapêuticos (BUSH et al., 2011; para produtos comerciais aprovados
CABELLO et al., 2013). para uso na produção de pescado. Esse
Apesar da importância desses medi- fato pode aumentar ainda mais o risco
camentos para o controle das enfermi- da presença de resíduos nos produtos
dades nos sistemas produtivos, sua uti- finais, devido ao uso indiscriminado de
lização pode colocar em risco a saúde medicamentos aprovados para uso em
dos consumidores, pois a presença de outras espécies animais no tratamento
resíduos de antimicrobianos nos produ- de enfermidades do pescado.
tos de origem animal e no meio ambi- O uso adequado dos antimicrobia-
ente pode levar à seleção de bactérias nos, segundo critérios técnicos, que
resistentes e ocasionar outros efeitos respeite principalmente a dosagem, a
adversos, tais como hipersensibilidade, via de administração e os períodos de

40 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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carência de cada droga para as diferen- da droga, ou de seus metabólitos, caia
tes espécies, leva a um menor risco de a níveis iguais ou inferiores ao nível de
sua utilização para o ambiente e para os tolerância nos tecidos de 99% dos ani-
consumidores. As características farma- mais do lote (PATURKAR et al., 2005;
cocinéticas, tais como a absorção, a dis- DOYLE, 2006). Esse nível de tolerância
tribuição e a eliminação, determinam as é compreendido como Limite Máximo
diferenças entre o tempo de depleção de de Resíduos (LMR).
cada droga e, consequentemente, os pe- Os LMR são determinados por
ríodos de carência indicados para cada órgãos regulatórios, como o Codex
formulação e cada espécie (CORNEJO Alimentarius e o Comitê de Produtos
et al., 2010). Entretanto, o conheci- Alimentares da Agência Europeia
mento atual sobre o comportamento de Medicina (Emea). No Brasil, o
farmacocinético e o tempo de depleção Ministério da Agricultura, Pecuária
dos antibióticos em peixes é escasso, e Abastecimento (Mapa) instituiu
considerando-se a grande variedade de o Plano Nacional de Controle de
espécies, os sistemas de criação e os me- Resíduos e Contaminantes em Produtos
dicamentos existentes no mercado. A de Origem Animal (PNCRC), que re-
ausência de informações dificulta a cria- gulamenta o controle da presença de re-
ção de diretrizes específicas para o uso síduos de substâncias químicas nos pro-
racional de antimicrobianos e a regula- dutos de origem animal, que podem ser
mentação ou não de agentes terapêuti- nocivas ao consumidor (BRASIL, 1986;
cos. Dessa maneira, para a melhoria no BRASIL, 1995).
uso de antimicrobianos na aquicultura, Valores de LMR cada vez menores
é necessário avançar nos estudos farma- têm sido estabelecidos à medida que
cocinéticos dessas substâncias para o metodologias de análise mais sensíveis
estabelecimento do período de carência são desenvolvidas. A cromatografia lí-
desses medicamentos nas diversas espé- quida acoplada à espectrometria de
cies cultivadas e nos diferentes ambien- massas sequencial (LC/MS-MS) é uma
tes em que estão inseridas. poderosa técnica analítica para análi-
O cálculo do período de carência é ses de alimentos, devido à sua alta se-
feito por um método estatístico propos- letividade e sensibilidade. Essa técnica
to em 1995 pelo Commitee for Veterinary combina separação física, realizada pela
Medicinal Products (CVMP), que atua cromatografia líquida, com a análise de
e regulamenta os assuntos relativos a massas possibilitada pela espectrome-
medicamentos veterinários e refere-se tria e se tornou promissora por permitir
ao tempo necessário para que a concen- a identificação de resíduos de antibió-
tração de resíduos de uma determina- ticos em concentrações muito baixas,

2. Resíduos de antimicrobianos em pescado 41

ctimpresso 89.indb 41 09/08/2018 14:38:08


mesmo em matrizes complexas, tais especialmente em regiões em desen-
como os produtos de origem animal. volvimento, quando, em muitos casos,
órgãos reguladores ainda estão sendo
2.1. Regulamentações sobre criados e desenvolvidos. Além disso,
a presença de resíduos de
LMRs não são estabelecidos para todos
antimicrobianos em produtos
de origem animal os antibióticos encontrados em pro-
dutos de origem animal (SPINOSA e
As regulamentações sobre a presen- TÁRRAGA, 2011).
ça de resíduos nos produtos de origem Com a finalidade de proteger a
animal foram desenvolvidas nos âm- saúde da população, assegurando prá-
bitos nacional e internacional e visam ticas equitativas no comércio regional
harmonizar os valores de LMR para e internacional de alimentos, foi cria-
diferentes combinações de fármacos e do, em 1963, o Codex Alimentarius, um
matrizes. O estudo dos potenciais efei- Programa Conjunto da Organização
tos da ingestão de alimentos contendo das Nações Unidas para a Agricultura e
essas substâncias em concentrações su- Alimentação (FAO) e da Organização
periores aos limites estabelecidos é de Mundial da Saúde (OMS), que trata da
grande relevância para a saúde pública, normalização sobre alimentos. O Codex
bem como para o comércio internacio- é responsável pela análise crítica da li-
nal (HOFF, 2008). teratura existente sobre a toxicidade de
Existem diversas organizações en- cada antimicrobiano usado como medi-
volvidas no desenvolvimento de meca- camento veterinário e tem como função,
nismos de controle da utilização de me- entre outras, fixar as ingestões diárias
dicamentos veterinários na produção aceitáveis (IDA) e os respectivos LMR
animal. Esses mecanismos incluem o (PASCHOAL et al., 2008; CUNHA,
controle da distribuição 2009; PALERMO-
e o uso em animais, a
determinação de níveis O Codex é responsável NETO et al., 2011; Codex
Alimentarius, 2015).
seguros de resíduos nos pela análise crítica da
Na década de 70, o
alimentos de origem ani- literatura existente sobre Brasil tornou-se mem-
mal e as metodologias a toxicidade de cada
bro desse Programa
empregadas para detec- antimicrobiano usado
e, em 1980, foi cria-
ção e quantificação de como medicamento
resíduos (MITCHELL veterinário e tem como do o Comitê do Codex
Alimentarius do Brasil
et al., 1998). Entretanto, função, entre outras,
(CCAB), por meio
as legislações podem di- fixar as ingestões diárias das Resoluções 01/80
ferir consideravelmente aceitáveis (IDA) e os
e 07/88 do Conselho
entre diferentes países, respectivos LMR.
42 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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Nacional de Metrologia, Normalização FDA (CUNHA, 2009).
e Qualidade Industrial (Conmetro). O O escopo analítico do PNCRC do
CCAB tem como principais finalida- ano de 2017 determinou a pesquisa de
des a participação, em representação resíduos dos seguintes antimicrobia-
do país, nos Comitês Internacionais do nos em pescado: ácido nalidíxico, ácido
Codex Alimentarius e a defesa dos inte- oxolínico, ciprofloxacina, cloranfenicol,
resses nacionais, bem como a utilização clortetraciclina, difloxacino, doxiciclina,
das normas Codex como referência para enrofloxacina, florfenicol, flumequina,
a elaboração e atualização da legislação e furaltadona, furazolidona, nitrofuran-
regulamentação nacional de alimentos. toina, nitrofurazona, oxitetraciclina,
O Plano Nacional de Controle de sarafloxacina, sulfaclorpiridazina, sulfa-
Resíduos e Contaminantes em Produtos diazina, sulfadimetoxina, sulfadoxina,
de Origem Animal (PNCRC) foi insti- sulfamerazina, sulfametazina, sulfame-
tuído no Brasil com o objetivo de ins- toxazol, sulfaquinoxalina, sulfatiazol, te-
pecionar e monitorar, baseando-se em traciclina e tianfenicol (BRASIL, 2017).
análise de risco, a presença de resíduos A ampliação e a adequação do escopo
de substâncias químicas que podem ser analítico do PNCRC devem ser cons-
nocivas ao consumidor. Anualmente é tantes, pois a ausência de boas práticas
divulgado o escopo analítico do plano, de cultivo, associada ao pequeno núme-
visando ao controle de resíduos de anti- ro de medicamentos autorizados para
microbianos, de anabolizantes, de mico- uso como agentes terapêuticos para pei-
toxinas, de sulfonamidas, de metabólitos xes, tem levado à utilização indevida de
de nitrofuranos e de avermectinas, entre medicamentos registrados para outras
outros, nos produtos de origem ani- espécies de animais nas pisciculturas,
mal (BRASIL, 1986; BRASIL, 1995). sem o conhecimento prévio de carac-
Segundo a Instrução Normativa nº 42, terísticas dos fármacos, tais como ab-
de 1999, a competência para estabelecer sorção, dosagem, via de administração
os LMR em alimentos, seja de medica- e períodos de carência adequados para
mentos veterinários, agrotóxicos, conta- cada espécie, o que pode colocar em ris-
minantes e aditivos, é do Ministério da co a saúde pública e o meio ambiente.
Saúde, por meio da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa). No caso
2.2. Métodos analíticos para
a pesquisa de resíduos de
de não estarem estabelecidos, utilizam-
antimicrobianos
-se os internalizados no Mercosul, os
recomendados pelo Codex Alimentarius, Para garantir a segurança no con-
os constantes nas Diretivas da União sumo de alimentos pela população,
Europeia, ou, ainda, os adotados pelo agências regulatórias de todo o mundo
instituíram normas para o controle da
2. Resíduos de antimicrobianos em pescado 43

ctimpresso 89.indb 43 09/08/2018 14:38:08


presença de resíduos e firmatórios devidamente
Os métodos
contaminantes nos ali- validados para serem
confirmatórios
mentos e estabeleceram aplicados a quaisquer
possibilitam a
o LMR de diferentes amostras identificadas
identificação inequívoca
substâncias nas mais di- como potencialmente
das substâncias
versas matrizes, para que não conformes em rela-
analisadas e podem
não provoquem danos à ção a um LMR estabele-
também confirmar a
saúde dos consumidores. cido (CODEX, 2009).
concentração presente.
Os métodos analíti- Os métodos quanti-
cos para a pesquisa de re- tativos fornecem infor-
síduos de antimicrobianos em produtos mação quantitativa que pode ser usada
de origem animal devem ser capazes de para determinar se os resíduos presentes
detectar, com segurança, a presença de em uma determinada amostra excedem
uma substância de interesse, determinar o LMR, mas não permitem a confirma-
sua concentração e identificar, de forma ção inequívoca da identidade do resí-
inequívoca, esse analito. duo. Esses métodos devem apresentar
Métodos de triagem podem ser de um bom controle estatístico dentro da
natureza qualitativa ou semiquantitativa faixa de trabalho na qual se enquadra
e são utilizados para identificar a presen- o LMR ou limite de ação regulatória
ça (ou ausência) de resíduos em amos- (CODEX, 2009).
tras de um lote, cuja concentração exce- Os métodos confirmatórios possi-
da o LMR ou outro limite que implique bilitam a identificação inequívoca das
ações regulatórias por parte de uma substâncias analisadas e podem tam-
autoridade competente. Esses métodos bém confirmar a concentração presente.
não fornecem informações estruturais Esses métodos são baseados em técnicas
suficientes para definir com precisão a de cromatografia associadas à espectro-
concentração da substância presente, metria de massas, como a cromatogra-
no entanto podem ser utilizados para fia líquida acoplada à espectrometria de
determinar rapidamente se as amostras massas (LC/MS). A técnica de cromato-
analisadas requerem testes adicionais grafia líquida de alta eficiência acoplada
ou se podem ser liberadas. Os métodos à espectrometria de massas sequencial
de triagem devem apresentar resultados (HPLC/MS-MS) possibilita a obten-
falso-negativos inferiores a 5% e não ção de informações estruturais acerca
devem ser utilizados isoladamente para do analito de interesse, assegurando sua
fins de controle de resíduos em amos- identificação com maior exatidão, pois
tras oficiais sem que haja disponibilida- ela não será realizada apenas com base
de de métodos quantitativos e/ou con- nas características do tempo de retenção

44 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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dos compostos analisados, como ocorre et al. (2004), que submeteram os peixes
nas outras técnicas cromatográficas de ao tratamento farmacológico com o an-
detecção. Além disso, quando existem timicrobiano na dosagem de 10 mg kg-1
compostos que não podem ser totalmen- de peso corporal, durante cinco dias. As
te separados pela técnica cromatográfica trutas foram abatidas com três, 12, 24,
empregada, utilizando HPLC/MS-MS, 48, 96, 168, 240, 480, 720, 960, 1.152 e
é possível detectá-los individualmente 1.416 horas após o início do tratamento,
se eles possuírem diferentes massas mo- e amostras de músculo com pele e de os-
lares ou gerarem diferentes espectros de sos foram analisadas por HLPC com de-
massas. tecção por fluorescência, para pesquisa
Em razão dessa elevada seletividade, de resíduos de enrofloxacina e seu meta-
os efeitos da interferência de componen- bólito, ciprofloxacina. As concentrações
tes da matriz sobre o sinal obtido são mi- de enrofloxacina encontradas no mús-
nimizados, desse modo procedimentos culo apresentaram redução acentuada a
mais simples de preparo das amostras partir das 96h, sendo detectado apenas
podem ser empregados, eliminando-se, 0,10±0,05 mg kg‑1 após 1.416 horas
muitas vezes, a necessidade de realizar do início do tratamento. Nos ossos, as
várias etapas de purificação da amostra. concentrações apresentaram reduções a
Isso diminui o custo e o tempo neces- partir de 24h, e, após 1.416h, não foram
sários para a realização das análises, de mais encontrados resíduos de enroflo-
forma que possam ser aplicadas como xacina nos ossos. Resíduos de ciproflo-
procedimentos de rotina em laboratórios xacina não foram detectados nos mús-
de controle da qualidade de alimentos. culos nem nos ossos após 240h.
Além disso, a HPLC/MS-MS possibilita As concentrações de ciprofloxacino
a obtenção de menores limites de detec- foram menores, de 0,51±0,15 mg kg‑1;
ção e quantificação quando comparada à 0,56±0,33 mg kg‑1; 0,78±0,26 mg kg‑1;
LC/MS, devido aos modos de varredu- 0,68±0,34 mg kg‑1; 0,57±0,24 mg kg‑1;
ras possíveis de serem realizados, o que 0,18±0,05 mg kg‑1; 0,08±0,04 mg kg‑1
pode favorecer sua aplicação à análise de no músculo com pele e de 0,80±0,35
resíduos em níveis traços (CHIARADIA mg kg‑1; 0,25±0,15 mg kg‑1; 0,21±0,13
et al., 2008). mg kg‑1; 0,15±0,09 mg kg‑1; 0,15±0,09
mg kg‑1; 0,13±0,10 mg kg‑1 e 0,05±0,02
2.3. Avaliação do tempo de mg kg‑1 nos ossos, após três, 12, 24, 48,
depleção de antimicrobianos
96, 168 e 240 horas do início do trata-
em peixes
mento. Resíduos de ciprofloxacino não
O tempo de depleção de enrofloxa- foram mais detectados no músculo (<
cina em trutas arco-íris (Oncorhynchus 3,8 µg kg‑1), nem nos ossos (< 1,3 µg
mykiss) foi avaliado por LUCCHETTI
2. Resíduos de antimicrobianos em pescado 45

ctimpresso 89.indb 45 09/08/2018 14:38:08


kg‑1) das trutas após esse período. 10, 15, 20 e 25 dias da retirada do me-
MINH et al. (2010) avaliaram a ad- dicamento da ração, os animais foram
sorção, o metabolismo e a degradação abatidos e as concentrações de resídu-
de eritromicina em camarão gigante de os de oxitetraciclina no músculo foram
água doce (Macrobrachium rosenbergii) avaliadas, utilizando-se o método de
e tilápia-do-nilo (O. niloticus) cultiva- HPLC com detector de fluorescência.
dos no delta do rio Mekong. O medica- Um dia após a retirada da medicação, a
mento foi fornecido na ração em duas concentração média de oxitetraciclina
diferentes dosagens (50 e 100 mg kg-1 encontrada foi de 128 ng g-1 e, após oito
de peso corporal), durante sete dias. A dias, a concentração média encontrada
presença de resíduos de eritromicina foi inferior ao limite de quantificação do
no músculo foi avaliada pelo método de método, de 13 ng g-1.
LC-MS/MS, com um, três, seis, nove e GAIKOWSKI et al. (2015) avalia-
23 dias após a retirada do medicamento ram o tempo de depleção do antimicro-
na ração. No grupo de camarões trata- biano florfenicol em tilápias-do-nilo (O.
dos com a dose de 50 µg kg‑1, foi encon- niloticus) e no híbrido O. niloticus x O.
trada a concentração de 2,80 ± 0,80 µg aureus, criados em sistema de recircula-
kg‑1 após 23 dias da retirada do medica- ção, que foram tratados via ração, com a
mento, enquanto nos camarões tratados dosagem de 20 mg de florfenicol por kg
na dose de 100 µg kg‑1, a concentração de peso corporal. As concentrações de
encontrada foi de 31,40 ± 7,50 µg kg‑1 resíduo de florfenicol no músculo foram
aos 23 dias. No músculo de tilápias tra- avaliadas por HPLC, com uma, 12, 24,
tadas com a dosagem de 50 µg kg‑1, a 36, 48, 72, 96, 120 e 240 horas após a úl-
concentração encontrada foi de 34,70 ± tima administração do medicamento, e
9,60 µg kg‑1 aos 23 dias após a retirada os valores obtidos variaram entre 13,77
do medicamento, e, nas tilápias tratadas µg g-1, uma hora após a última dosagem,
com a dose de 100 µg kg‑1, a concentra- e 0,39 µg g-1, após 240 horas do último
ção obtida no músculo foi de 42,90 ± fornecimento. Os autores não obser-
17,40 µg kg‑1 aos 23 dias. varam efeitos adversos relacionados ao
PASCHOAL et al. (2012) realiza- uso de florfenicol sobre os peixes nem
ram um estudo de depleção de oxitetra- sobre a função do biofiltro.
ciclina em tilápias-do-nilo (O. niloticus)
criadas em sistema de recirculação, que 3. Considerações finais
receberam o medicamento na ração A utilização de antimicrobianos
durante cinco dias consecutivos, na é uma ferramenta importante na pro-
dosagem de 80 mg kg-1 de peso corpo- dução aquícola, entretanto a presença
ral. Após um, dois, três, quatro, cinco, de resíduos desses medicamentos nos

46 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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produtos de origem animal pode colo- de 1986. Dispõe sobre a instituição do Plano
Nacional de Controle de Resíduos Biológicos em
car em perigo a saúde dos consumido- Produtos de Origem Animal – PNCRB. Diário
res. Dessa maneira, além dos estudos Oficial da União, Brasília, DF, 07 fevereiro 1986,
Seção 1, p.2228.
para determinação dos LMR, é preciso
3. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e
também avaliar as doses adequadas, Abastecimento. Portaria nº 527 de 15 de agos-
bem como os períodos de depleção to de 1995. Atribui ao Secretário de Defesa
Agropecuária a responsabilidade de coordenar a
dos medicamentos utilizados para cada execução do PNCRB, as incumbências que cita.
uma das espécies cultivadas, para tornar Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 agosto
1995, Seção 2, p.6048.
possível o registro de novos produtos
junto ao Mapa. Além disso, o desenvol- 4. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento. Instrução Normativa nº 9, de 21
vimento de métodos analíticos adequa- de fevereiro de 2017. Publica o plano de amostra-
dos para o monitoramento de resíduos gem e limites de referência para o Plano Nacional
de Controle de Resíduos e Contaminantes em
nos produtos de origem animal e a am- Produtos de Origem Animal – PNCRC de 2017
pliação e adequação do escopo analíti- para as cadeias de carnes bovina, suína, caprina,
ovina, equina, coelho, aves, avestruz, de leite, pes-
co do PNCRC são essenciais, conside- cado, mel e ovos. Diário Oficial da União, Brasília,
rando que a presença de resíduos de DF, 08 março 2017, Seção 1, p. 4.
antimicrobianos em pescado pode ser 5. BUSH, K.; COURVALIN, P.; DANTAS, G.;
DAVIES, J.; EISENSTEIN, B.; HUOVINEN, P.
determinada por inúmeros fatores, tais Tackling antibiotic resistance, Nat. Rev. Microbiol.,
como: o não cumprimento do período v. 9, p.894–896, 2011.
de carência, da dose e da via de adminis- 6. CABELLO, F.C.; GODFREY, H.P.; TOMOVA,
A.; IVANOVA, L.; DÖLZ, H.; MILLANAO, A.;
tração, a contaminação da água ou da ra- BUSCHMANN, A.H. Antimicrobial use in aqua-
ção e a não observância da espécie para culture re-examined: its relevance to antimicro-
bial resistance and to animal and human health,
qual o medicamento é recomendado. Environ. Microbiol. v. 15, p. 1917-1942, 2013.
Portanto, os antimicrobianos devem ser 7. CHIARADIA, M. C.; COLLINS, C. H.;
utilizados de forma responsável na aqui- JARDIM, I. C. S. F. O estado da arte da croma-
cultura para garantir a produtividade e tografia associada à espectrometria de massas
acoplada à espectrometria de massas na análise
a segurança no consumo dos produtos de compostos tóxicos em alimentos. Quim. Nova,
aquícolas. Vol. 31, No. 3, 623-636, 2008.
8. CODEX - CODEX ALIMENTARIUS
4. Referências COMMISSION. Guidelines for the design and
implementation of national regulatory food safe-
Bibliográficas ty assurance programme associated with the use
of veterinary drugs in food producing animals.
1. BONDI, M. C., MARAZUELA, M. D., CAC/GL 71-2009, p.38, 2009.
HERRANZ, S., RODRIGUEZ, E. An overview
of sample preparation producers for LC-MS mul- 9. CODEX - CODEX ALIMENTARIUS
ticlass antibiotic determination in environmental COMMISSION. Maximum residue limits
and food samples. Anal. Bioanal. Chem., v.395, p. (MRLs) and risk management recommendations
921-946, 2009. (RMRs) for residues of veterinary drugs in foods.
CAC/MRL 2-2015.
2. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento. Portaria nº 51, de 06 de maio 10. CORNEJO, J.; LAPIERRE, L.; IRAGÜEM, D.;
PIZARRO, N.; HIDALGO, H.; SAN MARTÍN,

2. Resíduos de antimicrobianos em pescado 47

ctimpresso 89.indb 47 09/08/2018 14:38:09


B. Depletion study of three formulations of flu- 19. MITCHELL, J. M.; GRIFFITHS, M. W.;
mequine in edible tissues and drug transfer into MCEWEN, S. A.; MCNAB, W. B.; YEE, A. J.
chicken feathers. J. Vet. Pharmacol. Therap. n. 34, Antimicrobial Drug Residues in Milk and Meat:
p. 168–175, 2010. Causes, Concerns, Prevalence, Regulations, Tests,
and Test Performance. J. Food Prot., v. 61, n. 6,
11. CUNHA, M. R. R. Análise de multirresíduos p.742-756, 1998.
de antibióticos anfenicóis e β-lactâmicos em
leite por cromatografia líquida de alta eficiên- 20. PALERMO-NETO, J; SPINOSA, H. S.;
cia acoplada ao detector de massas. 2009. 172p. GÓRNIAK, S. L. Farmacologia Aplicada à
Tese (Doutorado em Ciência de Alimentos) Medicina Veterinária. 5.ed. Rio de Janeiro:
– Faculdade de Engenharia de Alimentos, Guanabara Koogan, 2011. p. 608-629.
Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
21. PASCHOAL, R. J. A.; RATH, S.; AIROLD, F. P.
12. DOYLE, M. E. Veterinary Drug Residues in S.; REYES, F. G. R. Validação de métodos cro-
Processed Meats – Potential Health Risk (A matográficos para a determinação de resíduos de
Review of the Scientific Literature). FRI Briefings. medicamentos veterinários em alimentos. Quím.
2006. Disponível em: <https://fri.wisc.edu/ Nova. v. 31 n. 5, p. 1190-1198, 2008.
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Acesso em 10 mai 2015. 22. PASCHOAL, J. A. R.; BICUDO, A. J. A.;
CYRINO, J. E. P.; REYES, F. G. R.; RATH, S.
13. FAO, 2016. The State of World Fisheries and Depletion study and estimation of the withdra-
Aquaculture 2016. Disponível em <http://www. wal period for oxytetracycline in tilapia cultured
fao.org/3/a-i5798e.pdf>. Acessado em 20 jan. in Brazil. J. Vet. Pharmacol. Therap., v. 35, 90-96,
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14. GAIKOWSKI, M. P.; WHITSEL, M. K.; 23. PATURKAR, A. M.; WASKAR, V. S.; MOKAL,
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48 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 48 09/08/2018 14:38:09


3. A utilização
de técnicas
moleculares para
a identificação
de espécies em
pescado

pixabay.com

Lissandra Sousa Dalsecco1 - CRMV-MG 18288


Lílian Viana Teixeira² - CRMV-MG 7357
1
- Médica veterinária, mestra e doutora em Zootecnia, UFMG, lissdalsecco@gmail.com
2
- Professora associada, médica veterinária, mestra e doutora, DTIPOA, Escola de Veterinária, UFMG,

Resumo nicas moleculares estão sendo cada vez


mais empregadas para essa finalidade.
A identificação de espécies em ali- A grande maioria destas utiliza a PCR
mentos é assunto de grande interesse para amplificar uma região de interesse
para toda a cadeia de produção, para a do DNA de um material ou de um or-
fiscalização e para o meio acadêmico. ganismo, seguida da aplicação de méto-
Geralmente, o pescado é identificado dos para a identificação da espécie. Os
com base nas características físicas de métodos mais utilizados são: eletro-
cada espécie. Porém, devido às limita- forese em gel, RFLP, PCR em tempo
ções das análises morfológicas, as téc- real, sequenciamento de DNA e DNA
3. A utilização de técnicas moleculares para a identificação de espécies em pescado 49

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barcode, cada um com suas vantagens e são impulsionadas por ganhos econô-
aplicações específicas. As fraudes pela micos, quando uma espécie de menor
adição ou substituição de espécies em valor comercial ou mais disponível é
pescado ferem as legislações vigentes substituída por outra mais cara, dese-
no Brasil e podem trazer graves conse- jável ou com oferta limitada. Além da
quências, incluindo perdas econômicas, lesão financeira, as fraudes podem colo-
desequilíbrios ambientais e riscos à saú- car em risco a saúde dos consumidores,
de pública. pelo consumo de toxinas ou proteínas
Palavras-chave: fraude alimentar, alergênicas, além de causarem dese-
pescado, identificação de espécies, bio- quilíbrios ambientais, ao contribuírem
logia molecular, DNA para a pesca ilegal e para a diminuição
dos estoques de espécies ameaçadas de
Introdução extinção (CLARK, 2015; WARNER et
O pescado é um dos alimentos mais al., 2013).
comercializados no mundo, contando A identificação de espécies é, dessa
com uma grande diversidade de pro- forma, assunto de grande importância
dutos e mercados. Nos últimos anos, para a indústria de alimentos e para ór-
é possível observar um enorme cresci- gãos fiscalizadores. Há uma necessida-
mento no seu consumo, devido a uma de crescente de metodologias rápidas
preocupação cada vez maior com a saú- e confiáveis para a análise de pescado e
de e a mudanças na dieta dos consumi- outros produtos de origem animal, prin-
dores (MAFRA et al., 2007; WARNER cipalmente em relação aos processados
et al., 2013). Contudo, o aumento da (CARVALHO et al., 2011; HERRERO
demanda por peixes et al., 2010).
e frutos do mar pode Além da lesão Nesse contexto, o
incentivar as práticas financeira, as fraudes objetivo do presente ar-
fraudulentas de substi- podem colocar em tigo é apresentar o status
tuição de espécies, cujas risco a saúde dos atual das técnicas mole-
inúmeras ocorrências já consumidores, pelo culares de identificação
foram relatadas em todo consumo de toxinas ou de espécies em pescado
o mundo (CARVALHO proteínas alergênicas (PCR, eletroforese em
et al., 2011; COHEN gel, RFLP, PCR em tem-
et al., 2009; HERRERO et al., 2010; po real, sequenciamento
PALMEIRA et al., 2013; WARNER et de DNA e DNA barcode), a ocorrência
al., 2013). Algumas dessas podem ser de fraudes detectadas por essas metodo-
resultado de erros na identificação, po- logias, bem como a legislação brasileira
rém, mais frequentemente, as fraudes sobre o assunto e as potenciais consequ-
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ências da substituição de (MAFRA et al., 2007).
E mais importante: a
espécies em pescado. Além disso, em alguns
maioria do pescado
casos, os peixes são er-
Métodos de é disponibilizada
roneamente identifica-
comercialmente
identificação de após a remoção dedos devido às variações
espécies do seu nome popular ou
características externas
à utilização do mesmo
A identificação da
nome para mais de uma
espécie de pescado é, em geral, baseada
espécie. Por exemplo, diferentes espé-
em características morfológicas, como
cies dos gêneros Sardina, Dussumeria,
a pigmentação da pele e de escamas, a
Escualosa, Sardinella e Sardinops são
forma, o tamanho e a aparência do pei-
xe inteiro. No Brasil, o Ministério da comumente chamadas de sardinha,
Agricultura, Pecuária e Abastecimento o que cria uma confusão na fase de
(MAPA) lançou, em 2016, o “Manual rotulagem (CLARK, 2015). E mais
de Inspeção para Identificação de importante: a maioria do pescado é dis-
Espécies de Peixes e Valores Indicativos ponibilizada comercialmente após a re-
de Substituições em Produtos da Pesca moção de características externas, como
e Aquicultura”, com o objetivo de ser- nos produtos frescos (eviscerados, sem
vir de referência para a fiscalização e o pele e cabeça, filetados) e processados
controle de qualidade de pescado. Essa (marinados, salgados, defumados, con-
publicação compreende quase 100 es- gelados, etc.), prática que torna a iden-
pécies de peixes, entre nacionais e im- tificação de espécies uma tarefa muito
portadas, e descreve as características difícil (MAFRA et al., 2007).
físicas de cada uma por meio de fotos e Desde a década de 1980, diversas
ilustrações. Dessa forma, a identificação metodologias laboratoriais têm sido
da espécie é feita pela inspeção visual desenvolvidas para a identificação mais
comparativa, e, segundo o fiscal federal acurada de espécies em alimentos, in-
agropecuário Rodrigo Mabilia, autor do cluindo o pescado. Elas se baseiam na
manual,“a musculatura é análise de proteínas, de
um dos aspectos que mais As técnicas moleculares lipídeos e, mais recen-
diferencia as espécies”. têm superado as temente, de ácidos nu-
Porém, semelhanças limitações apresentadas cleicos (DNA e RNA),
morfológicas entre espé- pelos métodos por meio das técnicas
cies próximas dificultam convencionais e estão de genética molecular
a sua discriminação e ape- sendo cada vez mais (GIL, 2007). A detec-
nas um taxonomista pode utilizadas para a ção de lipídeos e de
realizá-la corretamente análise de alimentos. proteínas é realizada
3. A utilização de técnicas moleculares para a identificação de espécies em pescado 51

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por meio de imunoen- de regiões não codifican-
Por meio da PCR, é
saios, técnicas cromato-
possível obter cópias do tes. Além disso, o DNA
gráficas, espectrometria está presente na maioria
material genético em
de massas, focagem isoe- das células de um orga-
quantidade suficiente
létrica, etc. (ZHANG et
para detectar e analisar nismo, o que possibilita
al., 2007). Entretanto, a obtenção de informa-
a sequência de estudo
esses métodos são la- ções idênticas em qual-
boriosos, demorados e quer amostra de tecido
muitas vezes são eficazes apenas para ali- (peixes inteiros, filés, barbatanas, ovos,
mentos não processados, uma vez que as etc.) independentemente da sua origem
proteínas podem ser desnaturadas pela e fase de vida (CARVALHO et al., 2011;
alta temperatura, pela pressão, por alte- CLARK, 2015). Ainda, o DNA é uma
rações de pH, por tratamentos químicos molécula muito estável e bastante tole-
e por outras manipulações sofridas pe- rante ao calor e, portanto, possui uma
los alimentos durante o processamento vantagem clara em relação às proteínas,
(MAFRA et al., 2007; ZHANG et al., sendo considerada a molécula de escolha
2007). Essas limitações têm estimulado para a identificação dos componentes de
o desenvolvimento de novas e avançadas um alimento (MAFRA et al., 2007).
técnicas de biologia molecular já apli- Metodologias de detecção de DNA
cadas com sucesso em outros campos, se baseiam em diferenças nas sequências
como na medicina forense (MAFRA et dessas moléculas entre organismos, os
al., 2007; ZHANG et al., 2007). chamados polimorfismos de DNA. Ao
se compararem os polimorfismos dentro
Técnicas moleculares
das regiões selecionadas do genoma, é
As técnicas moleculares têm supe-
possível investigar as relações genéticas
rado as limitações apresentadas pelos
em termos individuais (por exemplo,
métodos convencionais e estão sendo
genotipagem para a paternidade), popu-
cada vez mais utilizadas para a análise de
lacional (avaliação da estrutura do esto-
alimentos. A partir da década de 1990,
que, tamanho da população), de espécies
a International Standards Organization
(definindo a sua distribuição, identifican-
(ISO) passou a aprovar testes laborato-
do espécies morfologicamente idênticas)
riais de identificação de espécies com
e ainda relações evolutivas em qualquer
base em análises de biologia molecular
nível (DUDGEON et al., 2012).
(CLARK, 2015).
O DNA é a principal molécula alvo PCR e eletroforese
dessas técnicas e fornece mais informa- A grande maioria das metodologias
ções do que as proteínas, devido à dege- baseadas na análise de DNA tem foco
neração do código genético e à presença no uso da reação em cadeia da polime-
52 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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rase (Polymerase Chain seja, a reação de PCR
E mais importante: a
Reaction - PCR) para ocorre apenas na pre-
maioria do pescado
amplificar regiões espe- sença do DNA de uma
é disponibilizada
cíficas de interesse do determinada espécie.
comercialmente
genoma a ser estudado. Os produtos obtidos de
após a remoção de
A amplificação pela PCR características externas uma PCR espécie-espe-
é baseada no anelamento cífica podem ser visua-
de pares de oligonucleo- lizados em uma matriz
tídeos (primers) ao DNA (extraído de de poliacrilamida ou agarose (popular-
células do material em análise) e síntese mente chamada de “gel”) submetida à
in vitro de milhões de cópias do DNA eletroforese.
alvo, delimitado pelos primers (MAFRA A técnica consiste em aplicar uma di-
et al., 2007). Essa reação explora a fun- ferença de potencial no gel, provocando
ção natural da enzima Taq DNA poli- a migração das moléculas de DNA (que
merase (extraída da bactéria Thermus possuem carga negativa) do polo nega-
aquaticus) de adicionar nucleotídeos tivo ao positivo. Os fragmentos de DNA
complementares ao DNA alvo e, assim, são separados de acordo com seu tama-
sintetizar novas e idênticas moléculas. A nho, pois os de massa menor irão mi-
PCR é feita em ciclos de crescimento ex- grar com maior velocidade do que os de
ponencial, ou seja, o número de cópias massa maior. Em seguida, os fragmentos
do DNA dobra a cada ciclo. Por meio da são visualizados pela exposição à luz ul-
PCR, é possível obter cópias do material travioleta ou por colorações específicas.
genético em quantidade suficiente para A detecção de uma espécie, portanto,
detectar e analisar a sequência de estu- baseia-se na presença e no tamanho do
do por uma grande variedade de meto- seu fragmento específico evidenciado
no gel (LOCKLEY; BARDSLEY, 2000;
dologias, como a eletroforese em gel, a
MAFRA et al., 2007).
PCR em tempo real e o sequenciamento
(GIL, 2007; LOCKLEY;
BARDSLEY, 2000). Após a extração do Enzimas de
A eletroforese em gel DNA e a amplificação restrição e
dos produtos da PCR é a por PCR de uma região RFLP
mais simples técnica de específica, o produto é Em 1970, foi desco-
análise para verificar a tratado com enzimas berto que determinadas
presença de uma espécie de restrição e submetido bactérias produzem en-
em um material. A técni- à eletroforese em gel zimas capazes de degra-
ca se baseia em primers para a visualização dos dar o DNA estranho que
espécie-específicos, ou fragmentos gerados. penetre na célula. Por
3. A utilização de técnicas moleculares para a identificação de espécies em pescado 53

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terem uma atuação chave no fenômeno fica, o produto é tratado com enzimas
conhecido como “restrição do hospe- de restrição e submetido à eletroforese
deiro” (em que as bactérias se autopro- em gel para a visualização dos fragmen-
tegem de vírus ao degradarem o DNA tos gerados. A utilização de apenas um
viral), essas enzimas foram chama- par de iniciadores universais e algumas
das enzimas de restrição (ROBERTS, enzimas de restrição é suficiente para a
2005). identificação de um certo número de es-
Cada enzima de restrição reconhe- pécies (LOCKLEY; BARDSLEY, 2000;
ce uma sequência única de bases de SUMATHI et al., 2015).
DNA, chamada de “sequência de reco- Ao longo dos anos, foram publica-
nhecimento”, clivando o DNA na região dos diversos trabalhos que emprega-
específica (sítio de restrição). Quando ram a técnica de RFLP para a análise
uma enzima de restrição é adicionada de pescado. Entre eles, o trabalho de
ao DNA, ele é “cortado”, em tantas posi- SUMATHI et al. (2015) descreve um
ções quantos sítios de clivagem ele con- método para a diferenciação de cinco
tiver, por tal enzima, gerando, dessa for- espécies de garoupa (Epinephelus areo-
ma, fragmentos de diversos tamanhos latus, E. bleekeri, E. faveatus, E. longispinis
(GIL, 2007; LOCKLEY; BARDSLEY, e E. undulosus), mediante a utilização da
2000). enzima de restrição Sau3AI. O método
Entende-se por RFLP (Restriction demonstrou ser simples e eficiente para
Fragment Length Polymorphism) o poli- a análise de amostras cruas, congeladas
morfismo no comprimento de fragmen- e até mesmo processadas termicamente.
tos obtidos por clivagem de uma molé-
cula de DNA por enzimas de restrição. PCR em tempo real
Tal polimorfismo ocorre porque dife- A PCR em tempo real, também co-
rentes indivíduos apresentam diferentes nhecida por qPCR (quantitative PCR),
sequências de nucleotídeos ao longo de possibilita análises de identificação e de
seu genoma, o que gera um “perfil de quantificação de DNA, ou seja, pode
restrição” único, ou seja, um conjunto de ser utilizada para determinar o percen-
fragmentos de DNA diferente para cada tual de cada espécie presente em uma
um (ROBERTS, 2005). Dessa forma, amostra. No seu protocolo mais básico,
uma estratégia simples, fácil e de pouco é utilizado um agente fluorescente in-
custo para se discriminarem espécies de tercalante (SybrGreen®, EvaGreen®, etc.),
pescado, com base no seu material gené- que se liga às moléculas de DNA fita du-
tico, é a técnica de RFLP (GIL, 2007). pla produzidas ao longo de uma PCR.
Após a extração do DNA e a amplifi- Quanto mais DNA é sintetizado, mais
cação por PCR de uma região especí- forte é o sinal fluorescente, que, por sua
54 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 54 09/08/2018 14:38:10


vez, é medido e utilizado nos cálculos quação do método de quantificação de
de quantificação. Alternativamente, espécies em produtos de pescado. LI et
podem-se utilizar sondas do tipo al. (2013), por exemplo, desenvolveram
TaqMan®, marcadas com uma molécula um método de PCR em tempo real para
fluorescente, que se liga a uma região do a detecção e quantificação de ingredien-
DNA delimitado pelos primers. Durante tes de peixes da família Salmonidae em
a PCR, a atividade exonuclease da Taq produtos vendidos em Shanghai, China.
DNA polimerase degrada a sonda, libe- Os resultados indicaram que 25% dos
rando fluorescência proporcionalmen- produtos testados não estavam rotula-
te à quantidade de DNA amplificado dos adequadamente quanto às espécies
(GIL, 2007; LOCKLEY; BARDSLEY, presentes (LI et al., 2013). Em outro
2000). estudo, Herrero et al. (2010) utilizaram
A PCR em tempo real elimina a a metodologia de PCR em tempo real e
necessidade de etapas pós-PCR, como detectaram que 20% dos 40 produtos
a eletroforese ou o sequenciamento, processados analisados foram incorre-
facilitando a automação da técnica e a tamente rotulados como sendo de baca-
análise de amostras em grande escala. lhau-do-atlântico (Gadus morhua).
Além disso, o método oferece menor
potencial de contaminação da amostra Sequenciamento e DNA
porque os tubos permanecem fechados barcode
durante todo o ensaio. Ainda, a PCR em Sequenciamento de DNA é o pro-
tempo real pode ser aplicada na análise cesso que determina a composição e
de amostras mistas, ou seja, composta ordem das bases nitrogenadas – adeni-
por mais de uma espécie. Essa vantagem na (A), guanina (G), citosina (C) e ti-
colabora para que a PCR em tempo real mina (T) – de uma molécula de DNA.
seja uma valiosa ferramenta para análise Atualmente, diversas metodologias
de pescado, já que um número conside- são utilizadas para o sequenciamento,
rável de produtos pode conter múscu- desde o método tradicional proposto
los ou tecidos de duas ou mais origens por Frederick Sanger
(GIL, 2007; LOCKLEY; na década de 1970 (co-
BARDSLEY, 2000). Atualmente, existem nhecido mundialmente
A alta especificidade diversos bancos como sequenciamento
e sensibilidade dessa téc- de dados on line de Sanger), até as recen-
nica, combinada com sua com informações tes e avançadas técnicas
robustez, confiabilidade genéticas exclusivas de de sequenciamento de
e velocidade de análise, pescado para fins de nova geração (DIAZ-
contribuem para a ade- identificação. SANCHEZ et al., 2013).
3. A utilização de técnicas moleculares para a identificação de espécies em pescado 55

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Para a identificação de espécies, a bancos genéticos exclusivos de barcode
sequência obtida no sequenciamento é (CLARK, 2015). No FISH-BOL, por
comparada com aquelas depositadas em exemplo, cada registro contém imagens,
bancos de dados genéticos. Essa busca coordenadas geográficas da coleta e di-
determina se existe uma sequência cor- versas informações de um espécime,
respondente já depositada e pode levar incluindo características morfológicas e
à identificação da espécie do material a sua sequência do COI. Teoricamente,
em análise. Atualmente, existem diver- se uma espécie estiver presente no
sos bancos de dados on line com infor- banco de dados, basta comparar a se-
mações genéticas exclusivas de pescado quência COI obtida de uma amostra
para fins de identificação. Alguns exem- desconhecida para fazer a identificação
plos relevantes incluem o Fishtrace, atu- desta. Além disso, a ideia de um banco
almente restrito a espécies de peixes de dados autenticado e universalmente
marinhos europeus, e o FISH-BOL, que acessível pode reduzir o tempo e o custo
faz parte do consórcio Barcode of Life das análises em relação a outras meto-
(CARVALHO et al., 2011; CLARK, dologias que também utilizam o DNA
2015). (CLARK, 2015).
Em 2003, o grupo de pesquisa de
Paul Hebert (Universidade de Guelph, Legislação de alimentos
Canadá) propôs o projeto Barcode of No Brasil, o MAPA e o Ministério
Life (Código de Barras da Vida). Esse da Saúde, por meio da Agência Nacional
consórcio tem como objetivo a identi- de Vigilância Sanitária (ANVISA), em-
ficação de todas as espécies do mundo penham-se em garantir a segurança e a
por meio do sequenciamento de uma inocuidade dos alimentos, promoven-
região única do genoma mitocondrial do, assim, a proteção da saúde de todos
(gene do citocromo c oxidase subunida- os brasileiros. O MAPA e a ANVISA se
de I - COI) utilizada como um “código baseiam em legislações próprias, que ca-
de barras” universal (HERBERT et al., racterizam todo o processo de registro,
2003). Diversos estudos já destacaram produção, rotulagem e fiscalização de
o grande potencial do COI como mar- alimentos, conforme as competências
cador molecular para identificação de de cada instituição.
peixes e frutos do mar (CARVALHO et Em 30 de março de 2017, entrou em
al., 2011; DUDGEON et al., 2012). vigor o novo Regulamento da Inspeção
A metodologia DNA barcode pode Industrial e Sanitária de Produtos de
ser considerada superior por causa da Origem Animal (RIISPOA), que con-
uniformidade do método de coleta de solida um complexo e rigoroso código
dados e organização destes em valiosos higiênico-sanitário e tecnológico da
56 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 56 09/08/2018 14:38:10


carne, do pescado, do leite, dos ovos, em desacordo com as normas regula-
dos produtos de abelhas e de todos os mentares de fabricação, distribuição ou
seus derivados. Entre as principais mu- apresentação.”
danças introduzidas, está a elevação
das penalidades, a interação com ou- Detecção de fraudes em
tros órgãos de fiscalização e uma maior pescado no brasil
harmonização com a legislação inter- Embora a legislação de alimentos,
nacional, principalmente em relação seja nacional ou internacional, exija a
do Codex Alimentarius. Além disso, o declaração completa do conteúdo de
novo RIISPOA contempla o comba- um produto em seu rótulo, infelizmen-
te à fraude econômica e a implantação te ela não tem sido suficiente para evitar
de novas metodologias. Atualmente, o que alimentos fraudados cheguem ao
Regulamento inclui, na rotina de inspe- consumidor. No Brasil, diversos estu-
ção e fiscalização, a utilização de técni- dos relatam a substituição de espécies
cas moleculares, conforme disposto no em pescado. Carvalho et al. (2011),
Art. 468: “As matérias-primas, os produ- por exemplo, utilizaram a tecnologia
tos de origem animal e toda e qualquer do DNA barcode e detectaram que
substância que entre em suas elabora- 58% dos filés rotulados como sendo de
ções estão sujeitos a análises físicas, mi- surubim (Pseudoplatystoma corruscans)
crobiológicas, físico-químicas, de bio- eram, na verdade, de espécies de gêne-
logia molecular, histológicas e demais ros distintos e de menor valor comercial
análises que se fizerem necessárias para (Genidens barbus, Cynoscion virescens,
a avaliação da conformidade” (BRASIL, entre outras).
2017a). Em outro estudo, Palmeira et al.
A garantia que o consumidor está (2013) utilizaram o sequenciamen-
comprando o que descreve o rótulo do to parcial de dois genes mitocondriais
produto, em termos de qualidade mi- e identificaram que 55% das amos-
crobiológica, química, física e econômi- tras de filé, vendidas no Nordeste bra-
ca, é também contemplada pelo Código sileiro como sendo do peixe cação
de Defesa do Consumidor (CDC). (Carcharrhinus spp.), eram de uma es-
Segundo a Lei n° 8078/90, de 11 de se- pécie de peixe-serra (Pristis perotteti).
tembro de 1990, do CDC.: “Art. 18°, § Esse caso se torna ainda mais grave,
6° - São impróprios ao uso e consumo: considerando-se que o P. perotteti é uma
II - os produtos deteriorados, alterados, espécie ameaçada de extinção por cau-
adulterados, avariados, falsificados, cor- sa da sua pesca ilegal e degradação do
rompidos, fraudados, nocivos à vida ou habitat e que sua comercialização está,
à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles inclusive, proibida no Brasil.
3. A utilização de técnicas moleculares para a identificação de espécies em pescado 57

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Apesar do novo RIISPOA só ter submetidos à análise antes da liberação.
entrado em vigor em 2017, o DNA bar- As empresas nacionais foram autuadas e
code já foi aplicado na detecção oficial submetidas à medida cautelar, na qual a
de fraudes em pescado expedição dos produtos
em anos anteriores, Em 2016, para fica condicionada à com-
conforme divulgado atendimento ao provação dos requisitos
pelos Anuários dos Subprograma, legais. Em 2015, o índi-
Programas de Controle foram analisadas ce de fraude detectado
de Alimentos de 189 amostras de pelo Subprograma foi
Origem Animal do peixes, das quais 30 de 23,1%, indicando um
Departamento de (15,87%) eram de resultado positivo da fis-
Inspeção de Produtos espécies diferentes das calização de um ano ao
de Origem Animal declaradas outro (BRASIL, 2016b).
(DIPOA) dos anos 2016 Em outra ação de
e 2017. As análises de detecção fazem vigilância realizada em
parte do “Subprograma de Controle 2014 pela Prefeitura de Florianópolis/
Oficial da Fraude por Substituição de SC e pelo Procon municipal, conhecida
Espécies de Pescado”, realizado pela como “Operação DNA do Pescado”, foi
Divisão de Inspeção de Pescado e encontrada fraude por substituição de
Derivados do DIPOA. Em 2016, para espécies em 24% de 30 amostras anali-
atendimento ao Subprograma, foram sadas. As análises também foram feitas
analisadas 189 amostras de peixes, das com a técnica do DNA barcode e reve-
quais 30 (15,87%) eram de espécies laram fraudes com bacalhau, linguado
diferentes das declaradas (BRASIL, e outras espécies (CARVALHO et al.,
2017b). 2015).
Entre as espécies mais fraudadas está
o bacalhau-do-porto, que estava sendo Consequências
substituído pelo bacalhau-do-pacífico A substituição não declarada de
ou pela polaca-do-alasca. As amostras espécies em pescado representa, geral-
foram coletadas diretamente de super- mente, uma fraude econômica, que en-
mercados e o alvo maior eram produtos gana consumidores e afeta produtores
congelados, salgados e cortes (filés, pos- honestos ao longo da cadeia. As con-
tas e pedaços). Das empresas que come- sequências, porém, vão além das ques-
teram fraude, três eram chinesas, e 13 tões monetárias. As fraudes podem dar
brasileiras. As empresas chinesas entra- cobertura e lucro à pesca ilegal, fazendo
ram em um regime de alerta no Brasil e com que espécies protegidas ou amea-
seus carregamentos subsequentes foram çadas de extinção cheguem ao consumi-
58 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 58 09/08/2018 14:38:11


dor com outro nome, o que causa gra- Unidos. O tilefish é conhecido por
ves desequilíbrios nos estoques de uma conter altos níveis de mercúrio e, por
população (PALMEIRA et al., 2013; isso, não deve ser consumido por crian-
WARNER et al., 2013). ças e mulheres grávidas ou lactantes
Mais importante, uma rotulagem (WARNER et al., 2013).
inadequada pode representar graves Em 2007, na cidade de Chicago,
perigos à saúde pública, seja pelo risco duas pessoas ficaram doentes pela su-
do consumo acidental de uma espé- posta ingestão de um peixe conhecido
cie causadora de reações alérgicas, seja como tamboril-americano (Lophius
pela ingestão de toxinas ou substâncias americanus). Análises de DNA revela-
perigosas presentes em produtos “mas- ram, porém, que o peixe consumido
carados” (CARVALHO et al., 2011; era, na verdade, uma espécie de baiacu
COHEN et al., 2009). (puffer fish). O baiacu tem a sua venda
De acordo com a Organização controlada por conter a tetrodotoxi-
Mundial de Saúde (OMS), os peixes e na, uma potente neurotoxina que pode
frutos do mar estão entre os alimentos causar paralisia e até a morte. Quando
com maior potencial alergênico. O peixe- o baiacu é limpo e filetado, as caracte-
-escolar (Lepidocybium flavobrunneum), rísticas morfológicas são removidas e
por exemplo, é um substituto comum a carne fica muito parecida com a do
para o atum-branco e outras espécies. O tamboril-americano, o que dificulta a
peixe-escolar pode conter, em até 20% sua distinção pela inspeção visual. Esse
de seu peso, uma substância chamada caso chamou a atenção para a alta pre-
gempyloxin, frequentemente causadora cisão e confiabilidade demonstrada
de problemas gastrointestinais. Além pelos métodos de DNA utilizados na
disso, o L. flavobrunneum também pode identificação das espécies em questão
provocar graves alergias e, embora não (COHEN et al., 2009).
seja considerado tóxico, sua comercia-
lização é proibida no Japão e na Itália Considerações finais
(CLARK, 2015; MAFRA et al., 2007). O grande número de estudos que
Em um dos estudos mais impactan- relatam casos de substituição de espé-
tes realizados pela Oceana (organização cie em pescado evidencia que este é um
internacional não governamental focada problema generalizado. As consequên-
exclusivamente nos oceanos), foi revela- cias desse tipo de fraude são graves, com
do que o tilefish (compreendendo diver- impactos negativos para governos, pro-
sas espécies da família Malacanthidae) dutores, meio ambiente e principalmen-
estava sendo vendido como red snapper te consumidores. Além da lesão econô-
(Lutjanus campechanus) nos Estados mica e do risco de serem consumidos
3. A utilização de técnicas moleculares para a identificação de espécies em pescado 59

ctimpresso 89.indb 59 09/08/2018 14:38:11


produtos perigosos, os consumidores Agropecuária. Brasília: MAPA, 2016a. 188 p.
Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/
podem perder a confiança na autenti- assuntos/pesca-e-aquicultura/semana-do-peixe/
cidade de certos produtos uma vez que arquivos/manual-de-inspecao-para-identifica-
cao-de-especies-de-peixes. Acesso em: 11 abr.
a fraude é divulgada. Com isso, toda a 2018.
cadeia de produção se desestabiliza e as 3. BRASIL, Ministério da Agricultura, Pecuária
perdas podem ser irreversíveis. e Abastecimento. Anuário dos Programas de
Controle de Alimentos de Origem Animal
Dessa forma, a crescente demanda do DIPOA. 2º edição. Secretaria de Defesa
por políticas de proteção aos consumi- Agropecuária. Brasília: MAPA, 2016b. 28 p.
Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/
dores, quanto à rotulagem adequada assuntos/inspecao/produtos-animal/arquivos-
de alimentos, tem estimulado o desen- -publicacoes-dipoa/anuario-dipoa-resultados-
-2015-2016-V2. Acesso em: 11 abr. 2018.
volvimento de métodos de controle
capazes de identificar substituições de 4. BRASIL, Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento. Decreto nº 9.013, de 29 de março
ingredientes. Diversas técnicas estão de 2017. Regulamento da Inspeção Industrial e
disponíveis para a identificação da ori- Sanitária de Produtos de Origem Animal. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil.
gem dos constituintes de um alimento. Brasília, DF, 30 mar. 2017a. Disponível em:
Dentre essas, os métodos moleculares, http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visuali-
za/index.jsp?data=30/03/2017&jornal=1&pa-
baseados na análise de DNA, provaram gina=3&totalArquivos=240. Acesso em: 11 abr.
ser práticos, confiáveis, sensíveis e ex- 2018.

tremamente específicos para a detecção 5. BRASIL, Ministério da Agricultura, Pecuária


e Abastecimento. Anuário dos Programas de
de fraudes. Muitas das técnicas descritas Controle de Alimentos de Origem Animal
neste trabalho podem ser aplicadas na do DIPOA. 3º edição. Secretaria de Defesa
Agropecuária. Brasília: MAPA, 2017b. 28 p.
rotina da inspeção, bem como na certifi- Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/
cação de produtos autênticos, garantin- assuntos/inspecao/produtos-animal/arquivos-
-publicacoes-dipoa/anuario-dos-programas-de-
do que o consumidor adquira alimentos -controle-de-alimentos-de-origem-animal-do-
com preço justo e sem riscos à saúde. -dipoa-volume-3-2013-2017. Acesso em: 11 abr.
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60 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 60 09/08/2018 14:38:11


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3. A utilização de técnicas moleculares para a identificação de espécies em pescado 61

ctimpresso 89.indb 61 09/08/2018 14:38:11


4. Pesca e aquicultura
– a busca pela inovação
pixabay.com

Afonso de Liguori Oliveira - CRMV-MG 4787


Prof. Titular em Tecnologia e Inspeção dos Produtos de Origem Animal
Universidade Federal de Minas Gerais – Escola de Veterinária– DTIPOA

Produção, panorama de Pesca e Aquicultura da Organização


histórico e evolução das Nações Unidas para a Alimentação
e a Agricultura (FAO).
institucional Esses dados (FAO, 2017) indicam
As estatísticas globais referentes à que a produção global de pescado em
produção (captura e aquicultura) de 2015 foi de 163 milhões de toneladas,
pescado para todos os fins (comerciais, dos quais 105,7 milhões de toneladas
industriais, recreativos e de subsistên- eram originadas de águas marinhas,
cia) são muito frágeis quando confron- e 57,7 milhões de toneladas de águas
tadas entre si e, dentre as fontes con- interiores. Em relação à produção em
fiáveis e disponíveis, destacam-se os águas marinhas, a China continua a
dados fornecidos pelo Departamento ser o principal país produtor, segui-
62 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 62 09/08/2018 14:38:12


da pela Indonésia, dos do Ministério
pelo Peru, pela
O Brasil está entre os 15 maiores da Agricultura,
produtores de crustáceos do
Federação Russa, Pecuária e
mundo (120 mil toneladas)
pelos Estados A b a s t e c i m e n t o,
e na 31ª posição entre os
Unidos e pelo Japão. disponibiliza-
países produtores de peixes e
Em águas interiores, dos pela platafor-
moluscos marinhos (413 mil
também a China se ma AGROSTAT
toneladas e 32 mil toneladas,
destaca, seguida da respectivamente). (2017), indicam
Índia, da Indonésia, que, no ano passa-
do Vietnã e de do, o Brasil expor-
Bangladesh. O Brasil se situa no oitavo tou cerca de 41 mil toneladas de pes-
lugar. cado, com ganhos de 246 milhões de
O Brasil está entre os 15 maiores dólares. No mesmo período, importou
produtores de crustáceos do mundo 402,9 mil toneladas, um valor 10 vezes
(120 mil toneladas) e na 31ª posição maior do que exportou e, para isso, fo-
entre os países produtores de peixes e ram gastos 1,337 bilhões de dólares, va-
moluscos marinhos (413 mil toneladas lor esse 20 vezes maior que os obtidos
e 32 mil toneladas, respectivamente). com a exportação.
Também os dados da FAO (2017) para A partir desses dados, verifica-se
o Brasil, referentes ao ano de 2015, in- que a maior parte das importações bra-
dicam que o país produziu em 2015 um sileiras foram de peixes, num total 374,3
total de 437 mil toneladas de pescado mil toneladas que representou 92,9%
de água doce, sendo um dos três maio- do volume total importado. A principal
res produtores mundiais de tilápia (228 espécie importada foi a sardinha conge-
mil toneladas), e um total de 700 mil to- lada (93 mil toneladas), ou seja, 20%;
neladas de pescado de água doce (cap- em seguida, estão o salmão-do-atlântico
tura e aquicultura). e salmão-do-danúbio (frescos ou refri-
Os dados consolidados do Instituto gerados), filés de merluzas e abroteas
Brasileiro de Geografia e Estatística (peixe da ordem Gadiforme, a mesma
(IBGE, 2017) referentes à produção de do Gadus morhua ou bacalhau) e filé
pescado de água doce, nos anos de 2015 de merluza do Alasca, que, juntos, re-
e 2016, indicam valores pouco maiores, presentam outros 70% das importações
de 486 e 507 mil toneladas, respectiva- brasileiras de peixes.
mente, e uma produção de tilápias de As preparações e as conservas de
239 mil toneladas. peixes, crustáceos e moluscos, em 2017,
Em relação ao comércio internacio- representaram 4,8% do total de pescado
nal de pescado, os resultados consolida- importado (19,2 mil toneladas), sen-
4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação 63

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do mais da metade desse total na for- tra-se ou sob excesso de exploração ou
ma de “outras preparações e conservas se recuperando do excessivo nível de
de atum e bonitos-listrados” (10,1 mil utilização, existindo áreas já plenamen-
toneladas). Fechando o volume de im- te exploradas ou em algumas regiões até
portações, estão os crustáceos e os mo- esgotadas, sendo essas as condições de
luscos, que representaram 2,3% do total mais de 80% dos nossos recursos pes-
importado em 2017 (9,3 mil toneladas), queiros. Esse quadro é preocupante,
sendo mais de 87% desse total de lulas pois compromete o potencial de am-
congeladas (8,1 mil toneladas). pliação da captura de pescado na costa
Esses valores indicam que as de- brasileira, se comparada a de outros pa-
mandas brasileiras, para a compra e o íses da América do Sul, como o Peru e o
consumo de pescado (peixes, conser- Chile, que possuem menores áreas cos-
vas, crustáceos e moluscos), não estão teiras, entretanto banhadas por águas
sendo atendidas pela atual produção na- bem mais ricas em nutrientes e conse-
cional, seja porque certas espécies aquá- quentemente mais produtivas. VIANA
ticas ocorrem preferencialmente em (2013) afirma que, a despeito da grande
outras regiões do mundo, seja porque a extensão do litoral brasileiro e de sua
costa brasileira não apresenta caracterís- zona econômica exclusiva (ZEE), as
ticas físicas e geográficas próprias, espe- águas nacionais apresentam baixa con-
cíficas ou favoráveis a todas as espécies centração de nutrientes e, consequente-
de pescado. mente, uma produtividade reduzida de
Em trabalho que trata da gestão do pescados.
uso dos recursos pesqueiros marinhos Essa situação de esgotamento ou
no Brasil, DIAS NETO (2010) afirma excesso de exploração dos estoques de
que “em comparação com outras pla- pesca, que gera a insegurança na oferta e
taformas tropicais, a plataforma conti- interfere no desenvolvimento da indús-
nental brasileira pode ser definida como tria de pesca e na ampliação da produ-
relativamente rasa e pouco produtiva” ção de pescado no país, infelizmente se
e indica que, já em 1999, a 139ª Sessão alinha com o panorama histórico e insti-
Ordinária da Comissão Interministerial tucional das atividades de pesca e aqui-
para os Recursos do Mar – CIRM con- cultura junto aos setores governamental
cluiu que “não se pode esperar por e administrativo do Brasil.
elevados incrementos nas produções
pesqueiras anuais oriundas do mar que
Evolução institucional da
banha a costa do Brasil”. O mesmo autor pesca no brasil
concluiu em seu trabalho que a situação Historicamente, os primeiros atos
dos estoques de pesca brasileiro encon- legais relativos à pesca são de 1912,
64 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 64 09/08/2018 14:38:12


quando a Lei nº 2.544 definiu que o go- militar, foi apresentado ao país o I Plano
verno estava autorizado a desenvolver a Nacional de Desenvolvimento (PND)
indústria da pesca no país por meio da para os anos de 1972 a 1974, quando se
criação de uma inspetoria de pesca den- previam estratégias para o desenvolvi-
tro do então Ministério da Agricultura, mento agrícola do país. Dentre elas, es-
Indústria e Comércio. No mesmo ano, o tava incluída a pesca, com a justificativa
Decreto nº 9.672 criava a Inspetoria da da recente ampliação do mar territorial
Pesca e aprovava seu regulamento. brasileiro para 200 milhas (Decreto-lei
Essa estrutura se manteve até 1934, nº 1.098, de 1970), que incluía medidas
quando o Decreto nº 23.979 aprovou de aperfeiçoamento e amparo à pesca,
os regulamentos das diversas depen- na captura, industrialização e comer-
dências do recém-criado Ministério cialização do pescado, com o objetivo
da Agricultura (Decreto nº 19.448, de de tornar a pesca, em curto prazo, uma
1930), sendo, então, constituído um atividade econômica expressiva para o
Departamento Nacional da Produção Brasil.
Animal, que abrigava o Serviço do Caça Desse período até 1989, a Sudepe
e Pesca (SCP). dedicou-se a promover a industrializa-
Em 1948, esse serviço passou a se ção do setor, principalmente mediante
denominar Divisão de Caça e Pesca incentivos fiscais, entre outras estra-
(DCP), por força do Decreto nº 24.386. tégias voltadas à intensa exploração
A essa divisão cabia realizar e promover dos estoques pesqueiros de ocorrência
estudos das faunas aquática e semia- natural. Em 1989, por meio da Lei nº
quática, para fins econômicos, além de 7.735, foi criado o Instituto Brasileiro
orientar a instalação e manutenção de do Meio Ambiente e dos Recursos
aquários e tanques com espécies de fau- Naturais Renováveis (Ibama) e extinta a
na aquática, nacional e exótica, próprias Superintendência do Desenvolvimento
para alimentação. da Pesca (Sudepe), cujas atividades fo-
Somente em 1962, por meio ram repassadas ao Ibama, que reuniu,
da Lei Delegada nº 10, foi criada a então, atribuições de diversos órgãos.
Superintendência do Desenvolvimento Coube, assim, ao IBAMA gerir os
da Pesca (Sudepe), autarquia vinculada assuntos da pesca entre 1989 e 1998,
ao Ministério da Agricultura, que tinha com o objetivo de recuperar os estoques
como principal atribuição elaborar um pesqueiros ameaçados, estabelecer dire-
Plano Nacional de Desenvolvimento trizes ambientais e implementar medi-
da Pesca (PNDP) com a intenção de das de ordenamento para a pesca, tais
efetivamente desenvolver as atividades como: períodos de defeso para prote-
de pesca. Em 1971, durante o governo ger o período reprodutivo das espécies;
4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação 65

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Surimi Bobó de camarão
Fotos: Prof. Afonso (arquivo pessoal)

Casquinha

66 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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Carpaccio defumado Hamburger de salmão
Fotos: Prof. Afonso (arquivo pessoal)

Lula e atum enlatados

4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação 67

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definição de tamanhos mínimos para a nacional.
captura de pescado; proibição do em- Em 2009, a Lei nº 11.958 trans-
prego de métodos predatórios de captu- forma a então Secretaria Especial de
ra; controle da frota operante; etc. Aquicultura e Pesca da Presidência da
Em 1998, a Lei nº 9.649, que dispõe República em Ministério da Pesca e
sobre a organização da Presidência da Aquicultura, tendo o Decreto nº 6.972,
República e dos Ministérios, transfere a de 2009, aprovado a estrutura regimen-
competência da produção e do fomento tal desse novo ministério.
da atividade pesqueira para o Ministério Em 2016, a Lei nº 13.266, em seu
da Agricultura e do Abastecimento. No art. 1º, extingue o Ministério da Pesca
mesmo ano, o Decreto nº 2.681 cria, na e Aquicultura e o art. 4º extingue o car-
estrutura organizacional do Ministério go de ministro de Estado da Pesca e
da Agricultura, Abastecimento e Aquicultura. A partir desse momento,
Pecuária, o Departamento de Pesca e a política nacional pesqueira e aquíco-
Aquicultura (DPA), na Secretaria de la retornam à situação de Secretaria de
Desenvolvimento Rural. Aquicultura e Pesca e para a área de com-
Em 2003, o Decreto nº 4.629 ex- petência do Ministério da Agricultura,
tingue o Departamento de Pesca e Pecuária e Abastecimento.
Aquicultura (DPA) da estrutura orga- Em março de 2017, o Decreto
nizacional do Ministério da Agricultura, nº 9.004 transfere a Secretaria de
Abastecimento e Pecuária, e, no mesmo Aquicultura e Pesca do Ministério da
ano, a Lei nº 10.683 cria a Secretaria Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Especial de Aquicultura e Pesca, para o Ministério da Indústria,
que passa a integrar a Presidência da Comércio Exterior e Serviços. Em no-
República. vembro do ano passado, a Lei nº 13.502
Em 2004, é publicado o Decreto estabelece a organização básica dos
nº 5.069, que dispõe sobre a compo- órgãos da Presidência da República,
sição, estruturação, competências e onde está indicado que “passa a in-
funcionamento do Conselho Nacional tegrar a Presidência da República a
de Aquicultura e Pesca (Conape), que Secretaria Especial da Aquicultura e da
tinha como finalidade propor a formu- Pesca”. Em dezembro de 2017, é publi-
lação de políticas públicas, com vistas a cado o Decreto nº 9.260, que aprova a
promover a articulação e o debate dos Estrutura Regimental do Ministério da
diferentes níveis de governo com a so- Indústria, Comércio Exterior e Serviços
ciedade civil organizada, para o desen- e revoga o Decreto nº 9.004, de 2017,
volvimento e o fomento das atividades seu inciso I do caput e os arts. 1º, 2º
da aquicultura e da pesca no território ao 5º; que tratam da transferência da
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Secretaria de Aquicultura órgão público. Propõe-
Existe hoje um
e Pesca do Ministério da se como ideia inovadora
cenário promissor
Agricultura, Pecuária e para o país a separação
para a maricultura
Abastecimento para o dessas áreas, sendo a
em função das já
Ministério da Indústria, citadas características aquicultura vinculada
Comércio Exterior e ambientais do Brasil, ao MAPA, assim como
Serviços. Assim, a par- como sua extensão ocorre com as atividades
tir de 22 de janeiro de costeira de mais de oito de produção animal ou
2018, quando entrou em mil quilômetros, aliado vegetal, e a pesca vincula-
vigor este decreto, foi à sua zona econômica da ao Ministério do Meio
estabelecida a Estrutura exclusiva (ZEE) de Ambiente, por se alinhar
Regimental da Secretaria 3,5 milhões de km2. melhor como uma ativi-
Especial da Aquicultura dade extrativista.
e Pesca da Presidência Também não estão
da República, que se mantém até este estabelecidas políticas publicas ou am-
momento. biente favorável à inovação para as in-
Nesse breve panorama, fica caracte- dústrias processadoras de pescado do
rizada a fragilidade histórica das ações país, a ampliação da oferta ou o desen-
voltadas à pesca e à aquicultura no país, volvimento de novos produtos no Brasil
com um grande conflito de competên- ainda são pouco expressivos. A atual si-
cias e interesses associado à inconstân- tuação da área não favorece investimen-
cia dentro da estrutura administrativa tos na produção e no processamento de
do Estado. Essa talvez seja, por sua per- pescado, o que resulta em ampliação
petuação histórica, uma apenas das importações
das mais difíceis questões Ideia inovadora de pescado inteiro ou
a serem resolvidas no para o país seria porcionado (resfriado e
país, pois compromete a separação da congelado), a fim de aten-
qualquer possibilidade aquicultura, vinculada der a demanda do consu-
de sucesso para as polí- ao MAPA, assim midor com uma maior
ticas ligadas à gestão da como ocorre com as diversidade de produtos.
pesca e aquicultura no atividades de produção Em contrapartida existe
Brasil. Em especial tem animal ou vegetal, e hoje um cenário promis-
sido questionado a per- a pesca vinculada ao sor para a maricultura em
petuação das atividades Ministério do Meio função das já citadas ca-
de aquicultura e de pesca,
Ambiente, similar racterísticas ambientais
sempre coordenadas por
a uma atividade do Brasil, como sua ex-
uma mesma secretaria ou
extrativista. tensão costeira de mais
4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação 69

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de oito mil quilômetros, aliado à sua reflete na oferta de produtos industria-
zona econômica exclusiva (ZEE) de 3,5 lizados, que é bastante restrita, resumin-
milhões de km2. Essas condições natu- do-se basicamente em pescado resfria-
rais, associado a qualidade de água, são do, congelado, conservas de sardinhas,
altamente favoráveis à produção do pes- atuns e bonitos, imersos em óleo ou mo-
cado marinho cultivado, podendo esse lhos, e pescado salgado e/ou defumado
ser um dos caminhos para à redução do na forma de semiconservas. De uma
déficit entre a demanda e a oferta de maneira geral, os atuais volumes aqui
pescado no mercado brasileiro (Cavalli produzidos são insuficientes para aten-
& Ferreira, 2010, Rocha et al.,2013). der a crescente demanda nacional, o que
Ideia inovadora para o país seria a sepa- tem justificado o crescente incremento
ração da aquicultura, vinculada ao das importações de pescado pelo país.
MAPA, assim como ocorre com as ativi- Diferentemente do que se observa
dades de produção animal ou vegetal, e nas indústrias processadoras de carnes
a pesca vinculada ao Ministério do Meio de aves, suína e bovina, a indústria de
Ambiente, similar a uma atividade pescado não apresenta ampliação da
extrativista. oferta de novos produtos. O desenvol-
vimento de novos produtos de pesca-
Processamento do do ocorre pontualmente, em algumas
pescado empresas tradicionais já produtoras
O pescado que é produzido no país e processadoras de alimentos, ou por
tem uma enorme importância social e iniciativa de pequenas empresas que
econômica, em especial para as popula- estão iniciando a oferta ao mercado de
ções que dele dependem, sendo as for- croquetes, empanados e “nuggets” de
mas preferenciais de oferta desse pro- pescado, bem como de novos tipos de
duto “in natura” ou fresco, seguido dos embutidos e reestruturados, como ham-
congelados, das conservas, dos salgados búrguer de peixe, salsichas, linguiças e
e dos defumados, ou em atmosfera mo- até mesmo o presunto.
dificada, utilizando embalagens espe- No Brasil, o processamento indus-
ciais e ativas. Porém, uma boa parcela trial do pescado ocorre subordinado
dos produtos industrializados de pes- às normas de inspeção, exercidas por
cado oferecidos no varejo é oriunda de órgãos de fiscalização sanitária munici-
outros países, o que requer gastos com pais, estaduais ou federais. Estão, assim,
importação e a adequada fiscalização de estabelecidos, na forma de leis, decre-
sua qualidade. tos, regulamentos e instruções normati-
A diversidade de pescados captu- vas, diversos procedimentos que são de
rados ou produzidos no Brasil não se importância inquestionável para a saúde
70 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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publica, a fim de garantir a qualidade sa- zes, da vida de prateleira desse pescado,
nitária desses produtos aos consumido- submetendo o produto “in natura” a
res, bem como a segurança e a inocuida- uma série de procedimentos. Em geral,
de deles, essencial para preservar a boa quando fresco ou recém- capturado, o
imagem das indústrias processadoras. pescado é comercializado em sua for-
Tecnicamente entende-se por pes- ma íntegra, conservado por gelo ou sob
cado “in natura” aquele recém-captura- refrigeração. Posteriormente ou mesmo
do, que foi abatido e submetido ao res- a partir do pescado ainda fresco, a fim
friamento, normalmente utilizando-se de ampliar o período de estocagem, é
gelo moído ou em escamas, ou a outros realizada, sequencialmente, uma série
processos de refrigeração, resultando de procedimentos, que se inicia com a
em um produto de vida de prateleira evisceração, seguida de outros proces-
relativamente curta e com necessidade sos e manuseios, como a descama, esfo-
de ser consumido em curtos espaços de la, preparação de filés e postas.
tempo. Para outros tipos de pescado, como
Em regiões que não dispõem de uma o camarão, a comercialização começa
mínima infraestrutura local, como o for- com o camarão íntegro, seguindo-se o
necimento regular de eletricidade, água descabeçamento e, depois, a descasca-
potável, estradas, sistemas de refrigera- gem. Nessas condições, o transporte ou
ção, transporte refrigerado ou adequado o comércio em longas distâncias dos lo-
armazenamento, o que ainda ocorre em cais de produção ficam comprometidos
boa parte do país, perpetua-se a pesca de em razão da dificuldade do pescado em
subsistência. Nessa condição, não ocor- manter suas características de frescor,
re estímulo para o aumento da captura devido ao início de processos de dete-
ou da produção de pescado cultivado, rioração (bacterianos ou enzimáticos).
e um eventual excedente de pescado ali As indústrias processadoras que dis-
obtido é conservado preferencialmente põem de serviços de inspeção sanitária
pelo uso de sal, que poderá estar asso- nos locais de desembarque e na área de
ciado a outros métodos, como a cura, processamento têm como um dos prin-
processos fermentativos naturais ou a cipais processos utilizados para ampliar
defumação, sendo normalmente desti- a vida de prateleira do pescado o con-
nados ao comércio e consumo local. gelamento, que é aplicado ao pescado
Muitos comércios locais de pesca- ainda fresco e que foi submetido pre-
do, que vendem pescado resfriado em viamente a procedimentos de inspeção.
gelo, estabeleceram algumas formas O congelamento é um dos meios mais
empíricas na busca de ampliação do intensamente utilizados na conservação
período de comercialização e, por ve- de pescado processado, pois permite
4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação 71

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não só a manutenção da qualidade por ante mortem dos animais destinados
períodos mais longos, como favorece o ao abate por servidor competente do
transporte, a distribuição e a comercia- SIF. Entretanto, em seu parágrafo 6º,
lização em locais mais distantes daquele estabelece-se que, entre as espécies de
de produção. abate de pescado, somente os anfíbios e
O atual Decreto nº 9.013 (BRASIL, os répteis devem ser submetidos à ins-
2017) define, em seu art. 205, que “en- peção ante mortem. Desse modo, fica
tende-se por pescado os peixes, os crus- claro que a inspeção ante mortem não
táceos, os moluscos, os anfíbios, os rép- é necessária para os peixes, crustáceos e
teis, os equinodermos e outros animais moluscos em geral.
aquáticos usados na alimentação huma- No capítulo que trata da inspeção
na”. Em seu parágrafo único, também es- post mortem de pescado, o art. 204, em
tabelece que não poderá ser destinado seu parágrafo único, indica que a ter-
à venda direta ao consumidor, sem que minologia post mortem não se aplica
haja prévia fiscalização sob o ponto de às espécies de pescado comercializadas
vista industrial e sanitário, pescado cap- vivas. Outro ponto a se atentar está no
turado na natureza ou obtido em tan- art. 208, que torna obrigatória a lava-
ques artificiais ou criatórios de espécies gem prévia do pescado utilizado como
da fauna aquática nacional ou exótica. matéria-prima para consumo humano
Atualmente o Mapa tem regulamen- direto ou para a industrialização,sendo
tado 32 tipos de produtos de pescado, o procedimento destinado a promover
sendo esses os únicos que permitem um a limpeza e a remoção de sujidades e de
procedimento de registro mais dinâmi- parte da microbiota superficial.
co pelas empresas de pescado, requeren- No Brasil, em geral, o pescado que
do os demais tipos de produtos de fora é obtido da produção da pesca extrativa
dessa lista uma minuciosa descrição de marítima ou continental, ao ser desem-
componentes, processos e formas de barcado nas indústrias processadoras,
apresentação (BRASIL,2017). deve ser submetido à inspeção, com
As normas que regem os processos base em um criterioso padrão de qua-
de abate e processamento de pescado lidade. Nesse momento, são avaliadas
estão contidas no já citado Decreto nº eventuais alterações de ordem higiênica,
9.013, no qual existe uma série de arti- sanitária e de integridade do pescado,
gos que tratam da inspeção do pescado, descartando-se indivíduos deteriorados
dos quais destacamos a seguir alguns e ou inadequados ao consumo humano e
seus parágrafos. selecionando-se os demais por diversos
No art. 90, está estabelecido que outros critérios, como classes de peso e
é obrigatória a realização do exame destinação industrial. Nas embarcações
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que realizam pesca longe da costa por tamina para as espécies formadoras da
vários dias, permite-se, pelo art. 213 do família Scombridae, como o atum, a sar-
Decreto nº 9.013, que determinadas es- dinha, a cavala, a cavalinha e o bonito,
pécies de pescado sejam submetidas à controle de biotoxinas ou de outras to-
sangria, ao descabeçamento ou à evisce- xinas perigosas para a saúde humana e
ração ainda a bordo. o controle de parasitas. Especificamente
As indústrias processadoras de pes- os atributos de frescor do pescado estão
cado cultivado, por sua vez, para recebe- estabelecidos no art. 210, que trata das
rem o pescado (origem marinha e ori- particularidades de cada espécie (pei-
gem continental), têm de se submeter xes, crustáceos, moluscos, anfíbios e
às recomendações prévias ao abate, de répteis). São também estabelecidos, no
modo a indicar origem, forma de trans- art. 211, os parâmetros físico-químicos
porte, período de depuração, processos do pescado fresco complementar à ava-
de insensibilização, etc. Somente após a liação das características sensoriais.
insensibilização será realizada a etapa de É obrigatória, pelo Art. 212, a ve-
sangria, e, ao final desta, ocorre, então, rificação visual tanto de lesões atribu-
a seleção por peso e tamanho, sendo os íveis a doenças ou infecções quanto da
peixes, em geral, eviscerados e, depen- presença de parasitas, sendo permitido,
dendo da espécie, submetidos à retirada em alguns casos, o aproveitamento con-
da cabeça e das escamas, sendo, em al- dicional do pescado que se apresentar
gumas espécies, produzidas postas com injuriado, mutilado, deformado, com
ou sem pele e filés. As postas são obti- alterações de cor ou com presença de
das de peixes grandes, de corpo mais parasitas localizados, desde que ele seja
arredondado, nos quais se realiza uma submetido a um dos seguintes trata-
série de cortes no sentido transversal mentos: congelamento, salga ou calor.
à coluna vertebral, iniciados pelo rabo, Os padrões de identidade e quali-
obtendo-se postas de 2 a 4cm de espes- dade de pescado e seus derivados es-
sura, a depender das espécies. O filé é tão estabelecidos no Decreto nº 9.013
obtido por meio de um corte longitu- (BRASIL, 2017), em seu capítulo III,
dinal, normalmente paralelo à coluna estando relacionados, na seção I, os
vertebral, que resulta em peças de carne produtos e derivados comestíveis de
constituídas por músculos laterais, dor- pescado. O Decreto estabelece, em 17
sais e abdominais. artigos (de art. 332 a 348), os princi-
O mesmo Decreto, em seu art. 209, pais produtos comestíveis de pescado,
também estabelece como controles quais sejam: pescado fresco, congelado
oficiais do pescado análises sensoriais, e pescado descongelado. Em seguida,
indicadores de frescor, controle de his- o art. 338 define carne mecanicamente
4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação 73

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separada e, na sequência de artigos, o comercialização. Nessas etapas, em que
surimi, o pescado empanado, o pescado o pescado é denominado resfriado, é es-
em conserva e em semiconserva, o patê sencial a continua participação do frio,
ou pasta de pescado, o embutido de pes- por uso do gelo ou de equipamentos
cado, o pescado curado, o pescado seco de refrigeração. Por curtos períodos de
ou o desidratado, o pescado liofilizado tempo, que é variável entre uma a duas
e, por último, no art. 348, a gelatina de semanas, o pescado resfriado se mostra
pescado. adequado ao consumo e, dentro desse
período de vida útil, mantém-se com
Processos tradicionais suas características originais.
aplicados na conservação Quando se aplica o frio de uma ma-
do pescado neira mais intensa, em geral abaixo de
-2ºC, isso resulta no congelamento da
Uso do frio (refrigeração e água tecidual, sendo esse um dos méto-
congelamento) dos mais utilizados para a conservação
A refrigeração é um dos principais de pescado, pois permite o transporte
métodos de conservação de pescado, e a estocagem por maiores períodos de
sendo uma prática muito eficaz tanto tempo. As características exigidas para
nos barcos pesqueiros quanto na indús- o pescado congelado estão presentes na
tria e no comércio. O processo é baseado Instrução Normativa nº 21 (BRASIL,
na redução da temperatura do pescado, 2017) do Mapa. Nessa IN, é definido
visando reduzir e/ou inibir ação de bac- que peixe congelado é todo produto ob-
térias e reações químicas e enzimáticas tido de matéria-prima fresca, resfriada,
ligadas aos processos de deterioração. A descongelada, submetida a um conge-
refrigeração pode ser aplicada de forma lamento rápido que garante a mudança
imediata pela ação direta do gelo (moí- de fase da água (cristalização rápida) e
do ou em escamas), que deve ser produ- redução da temperatura do centro geo-
zido de água potável ou de água do mar métrico do produto para valores abaixo
limpa, conforme estabelecido no art. 68 de 18 graus Celsius negativos (-18ºC).
do Decreto nº 9.013, obtendo-se, assim, Nessa temperatura ou eventualmente
o pescado fresco. Nesse processo, o gelo em temperaturas mais baixas, o pro-
é bem distribuído por toda a superfície duto se mantém na forma congelada, o
do pescado e deve-se manter uma pro- que garante a estabilidade, mantendo-se
porção de peixe:gelo de, no mínimo, preservada a maioria de suas caracterís-
3:1, sendo o ideal 1:1. Após resfriado ticas físicas e o valor nutritivo do pesca-
pelo gelo, o pescado está apto a ser sub- do. O processo propicia ampliação da
metido ao transporte, à distribuição e à vida de prateleira, sendo consenso que
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a temperatura limite para o crescimen- do em ambiente adequado, próximo do
to de microrganismos é de -5ºC a -8ºC, momento de comercialização ao consu-
além da mudança de fase da água (sóli- midor, de modo a garantir a inocuidade
da), que impossibilita a multiplicação e a qualidade do pescado. Uma vez des-
celular bacteriana devido à redução da congelado, o pescado deve ser mantido
atividade de água do produto. Em tem- sob as mesmas condições de conserva-
peraturas iguais ou inferiores a -18ºC, ção exigidas para o pescado fresco, e não
o crescimento de microrganismos não mais se permite seu recongelamento.
ocorre, entretanto a carga microbiana
inicial se mantém estável, razão pela
Salga (uso do sal e de agentes
de cura)
qual é necessário que o pescado sub-
metido a esse método de conservação O uso do sal para a conservação de
apresente baixa carga microbiana ini- pescado é um dos mais tradicionais pro-
cial, sendo essencial a manutenção das cessos utilizados pelo homem em todo
baixas temperaturas para ampliar a vida o mundo. As primeiras civilizações da
de prateleira e garantir a inocuidade e Mesopotâmia já tinham, como base de
excelente qualidade sensorial. A vida sua dieta, o peixe salgado. Os antigos
útil do pescado congelado é longa, entre egípcios e os babilônios desenvolveram
três e 12 meses, variação dependente de uma variedade de métodos para a pre-
sua composição lipídica, quando conge- servação de alimentos, em que peixes,
lado, e mantido durante a estocagem em carnes, vegetais e frutas eram preserva-
temperaturas estáveis e abaixo de -18ºC. dos por secagem com o uso de sal, pois
No local de venda, a oferta do pes- ele era de fácil obtenção e abundante
cado congelado poderá ser na forma (FLANDRIN e MONTANARI, 1998).
congelada, ou descongelada e resfriada, As gravuras que decoram os túmulos do
existindo essa permissão desde a publi- antigo Egito retratam imagens da salga
cação do Decreto nº 9.013, que, em seu de peixes, e a palavra egípcia usada para
art. 337, permitiu ao comércio a oferta designar conservação de peixe pelo sal
de pescado descongelado, definindo-o era a mesma empregada para identificar
como aquele pescado que foi inicial- o processo de embalsamar os mortos
mente comercializado congelado e, pos- (BOTTÉRO, 1985). A retirada do sal
teriormente, submetido a um processo gema (minas de sal) já ocorria na China
específico de elevação de temperatura há mais de 4.000 anos (ADSHEAD,
acima do ponto de congelamento, sen- 1992).
do, então, mantido em temperaturas A utilização do sal para conservação
próximas à do gelo fundente. Esse des- já ocorria desde a antiguidade devido à
congelamento sempre deve ser realiza- simplicidade do processo, que se man-
4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação 75

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tém até os dias de hoje. Nas regiões cos- no Rio Grande do Norte, na região de
teiras de países subdesenvolvidos ou em Mossoró, que apresenta características
desenvolvimento que não dispõem de geográficas, climáticas e de composição
adequada infraestrutura local (estradas, muito especificas. O sal para ser utiliza-
eletrificação, refrigeração) para conser- do no processo industrial de salga não
vação e/ou transporte, ainda boa parte pode ser iodado, como é exigência bra-
do pescado obtido nesses locais é con- sileira para o sal de mesa ou de consumo
servada de forma artesanal, utilizando- com iodeto de potássio, já que o iodo
-se o sal em razão do baixo custo do apresenta forte poder oxidante e acele-
processo e da facilidade de estocagem, raria reações de oxidação no pescado.
desde que exista disponibilidade de Alguns fatores podem interferir no
água para uma dessalga do produto de processo de salga, como a pureza do sal,
modo a permitir seu posterior consumo. sua concentração e granulometria, bem
Assim, seja nas regiões carentes, seja como fatores relacionados ao próprio
para algumas espécies de pescado que pescado, como tamanho do espécime,
são tradicionalmente comercializadas frescor, teor e composição lipídica e
salgadas, como o bacalhau, o uso do sal a espessura das porções carnosas ten-
ainda apresenta uma enorme importân- dem a interferir no processo de salga.
cia e aplicabilidade. Também o ambiente (temperatura e
A qualidade microbiológica do sal umidade) afeta o tempo de salga do
utilizado na salga é de extrema relevân- pescado, interferindo na dissolução do
cia para se evitar o aparecimento de al- sal e na formação de salmoura e, con-
terações microbianas que resultam em sequentemente, na velocidade penetra-
manchas de coloração amarelo-escura, ção do sal (FAO, 1988). Tecnicamente,
alaranjada ou avermelhada no pescado existem três tipos de processos de sal-
salgado. Essas manchas são causadas ga para o pescado: a salga seca, a salga
por bactérias halofílicas, que resistem úmida e a mista. O processo de salga
às altas concentrações de sal e que são em diferentes regiões do mundo rece-
altamente proteolíticas, pertencentes ao be outras denominações, com procedi-
grupo Hallococcus. Também a compo- mentos muito similares, descritos por
sição química do sal interfere nos resul- diversos autores (BURGESS, 1971;
tados da salga, o que se observa pela ori- ANDERSON, 1972; DEL VALLE,
gem prioritária do sal de uso industrial 1973; MENDELSON, 1974, citados
utilizado em quase todo o país. O sal de por FAO, 1988), os quais recebem de-
uso industrial é obtido em regiões cos- nominações especificas, como processo
teiras, preferencialmente em salinas da Gaspé canadense e o “Klippfisk” norue-
região Nordeste, mais especificamente guês A salga é, muitas vezes, realizada
76 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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de forma paralela ou concomitante com ção devido à maior exposição de prote-
a prensagem, defumação, marinação ínas e gorduras ao oxigênio ambiental e
e fermentação. Todos esses processos à característica pró-oxidante própria do
envolvem o uso do sal e/ou aditivos na sal (MINOZZO e WASZCZYNSKYJ,
elaboração de produtos e resultam na 2007).
obtenção de derivados salgados com di-
ferentes concentrações de sal.
Salga mista
Similarmente à salga seca, também
Salga seca se utiliza o sal numa proporção em tor-
No processo de salga seca, usa-se o no de 30% (1:3) em relação ao peso do
sal em uma proporção em torno de 30% peixe que se deseja salgar. A diferença é
(1:3) em relação ao peso do peixe que que o processo de salga mista se inicia
se deseja salgar. O sal adicionado colo- com o sal seco e o peixe, que são colo-
cado sobre o peixe se dissolve, forman- cados em um recipiente ou tanque. Isso
do salmoura; por força osmótica, a umi- impede a saída da salmoura formada,
dade do peixe exsuda, e uma parte do sal pois, quando se aplica o sal sobre o pei-
penetra na carne. O peixe submetido à xe, inicia-se a formação de salmoura,
salga seca é empilhado sobre elevações por força osmótica. Nesse processo,
no piso (acentos) para facilitar a drena- a umidade é retirada do peixe, e uma
gem dos líquidos retirados do pescado, parte do sal penetra na carne. O peixe
resultando na desidratação do produto, é, então, mantido totalmente submerso
com redução da umidade e consequente nessa salmoura formada, sendo banha-
redução da atividade de água nos teci- do por esses líquidos, resultando em
dos. Com isso, obtém-se o aumento do menor desidratação e redução da umi-
prazo de conservação, que, associado à dade do produto, melhor rendimento e
inibição da atividade enzimática, tanto redução da atividade de água nos teci-
das próprias enzimas do pescado (autó- dos do pescado (FAO, 1988). Com isso,
lise) quanto das produzidas por bacté- obtém-se o aumento do prazo de con-
rias, resulta em maior vida de prateleira. servação, que é ampliado pela inibição
Em geral, a salga seca requer menor da atividade enzimática.
infraestrutura, razão da sua aplicação
histórica. Entretanto, os pescados assim Salga úmida
processados apresentam menor ren- Na salga úmida, o pescado é mergu-
dimento, maior teor de sal e requerem lhado em tanques, contendo salmoura
uma etapa de dessalga antes do consu- saturada (26%), previamente prepa-
mo (FAO, 1988). Além disso, ocorre rada, requerendo maior quantidade
uma intensificação das reações de oxida- de utensílios e equipamentos, além do
4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação 77

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preparo prévio de salmoura. O uso da em varais ou malhas de arame ao ar li-
salga úmida resulta em que a água do vre para receber os ventos no sentido
músculo do pescado flui para a salmou- norte a oeste da costa de Gaspé e sol
ra, diluindo-a, o que requer manutenção (BEATTY E FULGERE, 1957). Ao fi-
de sua concentração, durante o proces- nal de cada dia, as peças são empilhadas
so, de forma adequada (FAO, 1988). e permanecem cobertas e protegidas,
Como a carne permanece sempre reco- quando sofrem ação bacteriana em um
berta pela salmoura e o oxigênio não se processo fermantativo similar ao que
difunde bem na água ou na salmoura, ocorre no charque brasileiro, retornan-
reduz-se/evita-se a oxidação das prote- do novamente ao ar livre por algumas
ínas e gorduras pelo oxigênio ambiental vezes até completar a fase de secagem. O
e minimiza-se a desidratação, obtendo- resultado é um bacalhau pouco salgado,
-se um maior rendimento do pescado com um aspecto translúcido, e de alta
conservado por essa técnica que o resul- qualidade. Uma diferença muito impor-
tante da salga seca. tante nesse tipo de salga é que uma par-
te das bactérias naturalmente presentes
Salga tipo gaspé no pescado não serão inibidas devido
Gaspé é um peixe salgado, sendo o à baixa concentração de sal e irão fazer
mais utilizado nessa técnica o bacalhau, parte do processo, dando ao pescado ca-
que se obtém após um processo bran- racterísticas sensoriais típicas, com uma
do de salga realizada originariamente carne de sabor característico.
na península de Gaspé, na província de
Quebec, e em outras partes do Canadá. Salga tipo “klippfish”
Os peixes eviscerados e descabeçados Segundo DOE (2002), o “klippfisk”
são colocados em tanques contendo nada mais é que o bacalhau salgado da
salmoura, com uma concentração de sal Noruega. Esse tipo de salga do bacalhau
mais baixa que na salga úmida, varian- envolve secagem após a salga. O baca-
do entre 8% e 11% de sal, dependendo lhau norueguês, ou “klippfisk”, é um dos
da época do ano (inverno ou verão). O maiores produtos de exportação da re-
processo de salga deve ocorrer em con- gião do Atlântico Norte. Originalmente,
dições controladas, em temperaturas o “klippfish” produzido na Noruega era
inferiores a 18ºC e por períodos de 48 seco ao ar livre, pela ação do vento e do
a 72 horas. Após esse período, o peixe é sol, com o pescado espalmado sobre
retirado e “lavado” na própria salmoura; pedras. Hoje, o “klippfish” é o bacalhau
em seguida, é empilhado para que o ex- salgado em tanques onde se forma a
cesso de umidade escorra. Finalmente, salmoura suficiente para cobrir todo o
é submetido à secagem, sendo exposto peixe. Os noruegueses costumam usar
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0,5-1,0kg de sal por quilo de peixe e pre- natural e, em alguns casos, é precedida
ferem usar sal marinho. O “klippfish” de aplicação de sal. O processo surgiu
geralmente é salgado e maturado na como um método de conservação dos
salmoura por 10-20 dias, resultando excedentes de pesca, sendo bastante
em aroma e sabor típicos desse tipo de tradicional para algumas populações,
salga. devido ao baixo custo e à possibilidade
Terminada a salga, o bacalhau é, de estocagem dos excedentes da pesca
então, submetido à secagem em pale- para consumo em períodos de carên-
tes dentro de galpões climatizados ou cia, não exigindo quase nenhum equi-
colocados em túneis de secagem espe- pamento especial além de condições
cialmente projetados, em que as tem- mínimas (abrigo de insetos, calor e luz)
peraturas de secagem sejam entre 20ºC durante a estocagem. Consiste na reti-
e 25°C, sempre controlando a umidade rada parcial da água de constituição do
para se certificar de que ela não se redu- pescado, utilizando ou não previamente
za de forma excessiva ou ocorra muito a salga e complementando o processo
rápido. O tempo necessário para que o com aplicação de calor brando em bai-
peixe seque depende do tamanho e da xas temperaturas, o que cria condições
forma, normalmente varia de dois a sete não favoráveis à multiplicação de mi-
dias. O “klippfish” está pronto quando crorganismos ou à produção de meta-
o teor de umidade estiver em torno de bólitos ou toxinas. O processo prolonga
40-50% (dependendo do mercado), a vida de prateleira do pescado e, na sua
sendo, então, selecionado por peso e origem, foi desenvolvido em razão das
qualidade e armazenado em baixa tem- condições climáticas e geográficas espe-
peratura, entre 0ºC e 5°C. O “klippfish” cíficas de certas regiões ou da abundân-
também pode ser feito de bacalhau que cia de pescado.
foi congelado, o que permite estocagem
do produto capturado na temporada
Defumação (uso de calor e
fumaça)
de pesca adequada e produção do “kli-
ppfish” durante todo o ano. A defumação foi uma consequência
do processo tradicional de secagem, que
Desidratação (uso de sal, utilizava o calor gerado pela combustão
calor e ventilação) de material lenhoso. Assim como a salga
A desidratação ou secagem de pes- e a desidratação, a defumação tem sido
cado também é um método antigo e tra- utilizada na conservação de pescados
dicional de conservação de pescado. É já há muitos séculos, resultando em um
baseada no uso de calor (radiação solar produto final com características típicas
ou aquecimento pelo fogo), ventilação de produto defumado, que está relacio-
4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação 79

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nado a uma mudança de cor, a qual tor- composição dos materiais lenhosos, es-
na o produto mais atraente, associado tando relacionada diretamente ao tipo
a alterações no aroma e no sabor. Em de madeira e à temperatura de queima.
geral, peixes de pequeno porte, como As madeiras na forma de troncos, has-
o arenque, são defumados inteiros evis- tes, gravetos, maravalha ou serragem,
cerados, e os maiores são porcionados ou mesmo partes de plantas aromáticas,
na forma de filés, pedaços ou postas podem ser utilizadas durante o processo
com ou sem pele, ou na apresentação para a formação da fumaça.
espalmada. Atualmente, pescados que são defu-
Hoje, produtos defumados têm mados recebem algum processo de sal-
maior aceitação no país, em especial ga associado à ação de agentes de cura
relacionado às populações que tiveram, (nitrato e nitrito de sódio). Nesses pro-
em suas origens, a utilização de madei- dutos, a ação conjunta do calor e da fu-
ras para produzir calor e cozinhar os maça provoca, além da desidratação dos
alimentos. Essa característica está pre- produtos, marcante pela perda de água
sente em muitos povos do mundo e, na da superfície que promove uma colora-
população brasileira, é marcante devido ção típica, a formação de uma barreira
ao uso de fogão de lenha e, mesmo nos física e química contra a penetração e
dias atuais, ainda é um grande atrativo atividade de microrganismos. A ofer-
em razão do aroma e sabor das refeições ta de peixes defumados tem crescido,
ali preparadas. como ocorre com o salmão defumado,
A defumação prolonga a vida útil que é um dos pescados defumados mais
dos pescados por meio dos efeitos do ca- consumidos no país, seguido pela truta
lor na desidratação dos tecidos, associa- e pelo arenque.
do com a liberação de fumos contendo Para maior eficiência e melhor con-
compostos antimicrobianos e antioxi- trole do processo de defumação, tem sido
dantes, que surgem da pirólise contro- utilizada a fumaça líquida, que é obtida em
lada e incompleta de constituintes da condições similares ao processo de defu-
madeira, como celulose, hemicelulose mação tradicional, mas permite controlar
e lignina, além das seivas e resinas. Essa a presença dos compostos indesejáveis
queima promove a liberação de uma (pirenos, HPA, etc.), a intensidade do
grande variedade de compostos ativos aroma e do sabor final desejado no pro-
que têm ação conservante, bacteriostá- duto, além de reduzir em muito o tempo
tica, bactericida e aromatizante, como demandado no processo tradicional da
ácidos orgânicos, álcoois, carbonilas e defumação, reduzindo também a pro-
fenóis. Desse modo, a ação conservante dução de subprodutos e material parti-
e aromática da defumação depende da culado indesejável para o ambiente. A
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fumaça líquida, por ser industrializada, a musculatura se apresente cozida e as
pode ser fracionada para se obterem di- reações de cura tenham se estabilizado,
ferentes proporções de compostos de resultando em sabor e aroma típicos; a
sabor ou aroma, o que traz conveniên- terceira etapa se inicia, então, com apli-
cia e padrão na elaboração de produtos cação mais intensa de fumaça, redução
defumados. da temperatura para valores entre 65ºC
O método tradicional de defuma- – 70ºC por tempo variável entre quatro
ção, ou “defumação a quente”, utiliza e 12 horas, dependendo da espécie e do
temperaturas mais elevadas, que visam tamanho do pescado, até que ele adqui-
realizar a secagem, a cocção parcial e a ra cor e aroma final desejado.
pasteurização do pescado. É precedido A “defumação a frio” ocorre quan-
por procedimentos de salga, associado do o pescado, também submetido a
com agentes de cura (nitrato e nitrito de procedimentos de salga, normalmente
sódio ou potássio), o que resulta em cer- associado com agentes de cura (nitrato
ta redução da umidade da musculatura e nitrito de sódio ou potássio), é defu-
do pescado, favorecendo maior impreg- mado em baixas temperaturas, entre
nação da fumaça e melhor conservação. 18ºC – 33ºC, o que requer maior tempo
O processo é realizado em três etapas: de exposição, variável em função da es-
a primeira visa prover a secagem/desi- pécie e do tamanho. A fumaça que che-
dratação superficial do pescado, redu- ga ao produto deverá ser produzida em
zindo a atividade de água e favorecendo uma câmara de combustão afastada do
a deposição da fumaça e de compostos local de defumação, garantindo a baixa
ativos, sendo realizada em temperaturas temperatura da fumaça, e preferencial-
em torno de 58ºC - 63°C, temperatura mente no período noturno, quando se
essa que não promoverá intensa des- observa temperatura ambiental mais
naturação proteica, facilitando a eva- baixa. Esse processo pode durar dias,
poração da água de constituição, e que sendo recomendado que, no período
deve ser aplicada por 30 a 90 minutos, em que os produtos não estejam sendo
dependendo da espécie e do tamanho defumados, estes sejam mantidos sob
do pescado; na segunda etapa, a tempe- refrigeração, até que a fumaça deposita-
ratura é elevada para valores em torno da e o grau de desidratação do produto
de 70ºC – 75°C, quando o pescado, já atinjam uma condição ideal.
desidratado superficialmente, sofrerá a
desnaturação proteica e a estabilização
Conservas e
dos agentes de cura, pelas temperaturas semiconservas de pescado
de pasteurização aplicadas, em tempo No atual Decreto nº 9.013, em seu
variável entre 60 e 120 minutos, até que art. 341, é definido que pescado em con-
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serva é aquele elaborado com pescado, Em geral, o pescado não é um pro-
com adição de ingredientes, envasado duto de baixa acidez, apresentando pH
em recipiente hermeticamente fechado igual ou superior a 4,5, o que requer
e submetido à esterilização comercial. maior cuidado na esterilização e justifi-
O processo de esterilização comercial ca a adição de molhos ácidos à base de
utiliza temperaturas acima de 100°C, ga- tomate ou picles, ou o uso do óleo, que
rantindo ao produto final estabilidade e aumenta a eficiência do tratamento tér-
boa qualidade quando mantido em tem- mico e a transmissão de calor. Ao final
peratura ambiente por períodos variá- da esterilização, as latas são submetidas
veis de 18-24 meses. Na elaboração de a um rápido resfriamento em água cor-
conservas, é fundamental o frescor da rente até atingirem uma temperatura em
matéria-prima utilizada no enlatamen- torno de 40ºC. Para certificar-se da efi-
to. A diminuição do frescor geralmente ciência do processo, amostras represen-
vem acompanhada de alterações na cor, tativas de todas as partidas são submeti-
no sabor, no odor e em outras caracte- das a teste de incubação em sala-estufa,
rísticas da matéria-prima, que interfe- com temperatura controlada, mantida a
rem na elaboração de conservas de boa 35ºC±2,8ºC, por 10 dias, e, ao final, são
qualidade (OGAWA; MAIA, 1999). avaliados, entre outros, os indícios de
As conservas de pescado, antes do estufamento das latas e o tipo de som
tratamento térmico de esterilização, po- obtido na prova de percussão, além de
dem ser submetidas a processos de sal- análises que comprovem a esterilidade
ga e condimentação, ou pré-cozimento comercial do produto. Se não se obser-
do pescado, que resultam em maior varem alterações, o lote do produto é
firmeza e menor exsudação da carne. liberado para a comercialização.
Dependendo dos espécimes de pesca- O processo de esterilização garante
do, são utilizados pescado descabeçado que o conteúdo das latas esteja isento
e eviscerado, filés, carne picada ou moí- de bactérias patogênicas e deteriora-
da de pescado e CMS. As matérias-pri- doras ou de enzimas tanto do pescado
mas são colocadas em latas ou vidros, (autolíticas) quanto das produzidas por
em conjunto com diferentes líquidos de bactérias. Para garantir o prazo de vali-
cobertura, como óleos vegetais, molhos dade e a estabilidade das conservas, as
ácidos de tomates, legumes (picles), ou embalagens são herméticas, sendo as
substâncias aromáticas, temperos, con- paredes internas da lata tratadas com
dimentos e especiarias. A esterilização esmalte que resiste ao ataque de subs-
é realizada numa série de etapas, deno- tâncias corrosivas de seu conteúdo,
minadas pré-cozimento, enlatamento, bem como a superfície exterior recebe
exaustão, recravação e esterilização. um verniz que aumenta sua resistência
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à corrosão sob condições adequadas de lavagem, são colocados em tanques ou
armazenamento. barris, em camadas separadas por cama-
O Decreto nº 9.013, em seu art. das de sal. Por osmolaridade, a água teci-
342, também define pescado em se- dual é retirada e vai formar uma salmou-
miconserva como aquele que é obtido ra que auxilia na penetração de sal. Para
pelo tratamento específico do pescado evitar que os peixes aflorem à superfície
por meio do sal, com adição ou não de devido à alta densidade da salmoura,
ingredientes, envasados em recipientes pesos são colocados sobre superfícies
hermeticamente fechados, não esteri- planas, mantendo os peixes mergulha-
lizados pelo calor, conservados ou não dos na salmoura. Ocorre, então, uma
sob refrigeração. série de transformações que fazem com
Semiconservas são produzidas de que a carne amadureça e modifique seu
alguns tipos de pescado, que são sal- aroma, sabor e textura. O período mé-
gados de forma suave, envasados e tra- dio de fermentação do produto é de
tados termicamente de forma branda no mínimo, 90 dias, em temperatura
(pasteurização) ou não, resultando em controlada a 25°C, em salmouras com
um produto que permite seu consumo 24°Bé (mínimo) de concentração de sal.
direto. No mercado brasileiro, estão dis- Ao final, o peixe é lavado, o excesso de
poníveis produtos tradicionais elabora- água é removido e são retirados os filés,
dos com espécies pelágicas, como a sar- os quais são colocados em recipientes
dinha, a manjuba e a anchoita, na forma cheios de óleo, fechados, e devem ser
de peixe anchovado. Segundo Pombo mantidos refrigerados.
et al. (2009), a anchovagem do pesca- O atual Decreto nº 9.013, que dis-
do consiste, fundamentalmente, em um põe sobre a inspeção industrial e sanitá-
processo de cura prolongada, no qual as ria de produtos de origem animal, não
enzimas tissulares e microbianas com- possui nenhuma definição e/ou con-
partilham suas ações sobre os diversos ceituação referente a produto anchova-
subcomponentes dos tecidos muscu- do. Existe uma legislação estadual no
lares. A ação de algumas enzimas auto- Rio de Janeiro (Decreto n° 38.757, de
líticas e de microrganismos capazes de 2006) que define o “pescado anchova-
produzir substâncias bloqueadoras de do” como uma semiconserva de pesca-
decomposição se dá sobre os hidratos do obtida da cura prolongada do pesca-
de carbono e proteínas, conferindo aos do pelo sal (cloreto de sódio), com ou
produtos anchovados aspecto e aroma sem aditivos, substâncias aromáticas e
característicos. vegetais, envasada em óleos comestíveis
Normalmente são utilizados peixes (GOVERNO DO ESTADO DO RIO
descabeçados, eviscerados, que, após DE JANEIRO, 2006).
4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação 83

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Também outros produtos de pes- forças e proporcionar vida mais longa
cado, como ovas de peixe e mariscos, aos consumidores.
podem ser preparados como semicon-
serva, sendo esses produtos de duração Desenvolvimento de
bastante variável, devendo ser mantidos novos produtos
em recipientes fechados e preferencial- O desenvolvimento e lançamen-
mente sob refrigeração. Sua vida de pra- to de produtos inovadores no merca-
teleira e sua segurança estão atreladas à do partem da premissa de que, em um
adequada associação entre a refrigera- mundo globalizado, os novos produtos
ção e outras barreiras diante do cresci- serão oferecidos a distintas populações,
mento bacteriano (nível de sal, pH, ati- de diversas regiões, formada por con-
vidade de água, ambiente refrigerado e sumidores conscientizados e exigentes,
uso de aditivos), que podem prolongar dispostos a investir numa alimentação
sua estabilidade. adequada e que atenda a todos os aspec-
FILIPPONE (2018) indica que, em tos de qualidade, como sensoriais, nu-
termos comerciais, as semiconservas tricionais, higiênicos e sanitários.
de maior valor são as ovas obtidas do É importante também que se tenha
esturjão, que, após adequado processa- claro que, hoje, tanto o mercado interna-
mento, resulta nos caviares. Os caviares cional de alimentos quanto o mercado
também podem ser obtidos de outras nacional exigem padrões de qualidade,
espécies, utilizando-se ovas de salmão, indispensáveis nos contratos de compra
truta, tainha ou outras espécies de peixe. e venda, que devem satisfazer os regula-
As ovas do caviar de esturjão, ou mes- mentos sanitários e os padrões de qua-
mo de salmão, são suaves e suculentas, lidade requeridos pelo país importador.
podendo se apresentar Em termos legais,
naturalmente em diver- Tanto o mercado no Brasil, o Mapa con-
sas cores (amarelo-ala- internacional de trola a produção de
ranjadas, vermelhas, alimentos quanto o derivados cárneos e de
peroladas e negras), mercado nacional exigem pescado em geral, ten-
sendo consideradas padrões de qualidade, do esses produtos seus
de alta qualidade. São indispensáveis nos requisitos mínimos de
muito nutritivas e contratos de compra qualidade estabeleci-
contêm importantes e venda, que devem dos por Regulamentos
vitaminas, proteínas satisfazer os regulamentos Técnicos de Identidade
e minerais, razão pela sanitários e os padrões de e Qualidade (RTIQ).
qual são consideradas qualidade requeridos pelo O atual Decreto nº
capazes de restaurar as país importador. 9.013, que dispõe sobre
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a inspeção industrial e sanitária de pro- za e a separação mecânica da carne das
dutos de origem animal em seu art. 332, demais estruturas inerentes à espécie,
estabelece que produtos comestíveis de como espinhas, ossos e pele. Em tilá-
pescado são aqueles elaborados de pes- pias, VIDOTTI E BORINI (2018) rela-
cado inteiro ou de parte dele, aptos para tam que retalhos e fragmentos resultan-
o consumo humano. Estabelece ainda tes da toalete e da própria manipulação
que, para um produto ser considerado do pescado, retirados de aparas dorsal
como pescado, deve possuir mais de e ventral do filé em decorrência da pa-
50% de pescado, e, quando a quantidade dronização do seu formato, represen-
de pescado for inferior a 50%, o produ- tam cerca de 5% do peso do pescado. Se
to será considerado “à base de pescado”, somados à carne aderida à carcaça que
respeitadas as particularidades definidas pode ser obtida como CMS, represen-
no regulamento técnico específico. tando 17,4% em relação ao peso médio
Para produtos cárneos derivados do peixe, perfazem um total possível de
em geral (os de carne e de pescado), o 22,4% em relação ao peso médio de aba-
Decreto nº 9.013 define, nos artigos te, de um ingrediente (matéria-prima)
294, 295, 296, 297, 299, 300, 301, 302, extremamente versátil.
303, e 309, as características dos princi- Produtos resultantes do aprovei-
pais produtos processados comerciali- tamento de aparas, retalhos e CMS de
zados no país: almôndega, hambúrguer, pescado, como croquetes, “nuggets”,
quibe, linguiça, mortadela, salsicha, pre- “fishstick”, podem ser agrupados na clas-
sunto, apresuntado, fiambre e pasta ou se de produtos empanados (BRASIL,
patê, respectivamente. Essas definições, 2001). O Decreto nº 9.013, em seu art.
associadas aos Regulamentos Técnicos 340, define como pescado empanado o
de Identidade e Qualidade desses pro- produto congelado, elaborado de pesca-
dutos, indicam as diversas possibili- do com adição ou não de ingredientes,
dades de uso da carne de pescado e da moldado ou não, e revestido de cobertu-
CMS (carne mecanicamente separada) ra que o caracterize, submetido ou não a
de pescado para o preparo de novos pro- tratamento térmico. O grupo dos empa-
dutos derivados de pescado, aproveitan- nados constitui alternativa promissora
do os padrões oficiais já existentes no no desenvolvimento de produtos, com o
Brasil. aproveitamento de matérias-primas de
O Decreto nº 9.013, em seu art. 338, baixo valor comercial, para a elaboração
define carne mecanicamente separada de novos produtos, com alta qualidade
de pescado como um produto conge- nutricional e valor agregado, o que traz
lado obtido de pescado, envolvendo o vantagens econômicas para as empresas
descabeçamento, a evisceração, a limpe- processadoras e amplia a oferta de no-
4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação 85

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vos produtos derivados de pescado. não, dessecado ou não, utilizados os en-
O melhor aproveitamento da CMS voltórios previstos, o qual, dependendo
de pescado para o desenvolvimento de do tipo de especiaria ou condimentos
novos produtos derivados deve levar utilizados no processamento pode de-
em consideração características físicas senvolver novos produtos tipificados de
e sensoriais da CMS obtida. Assim, na pescado, como os já existentes, denomi-
preparação de almôndega, hambúrguer nados de linguiça tipo calabresa, napo-
e quibe de peixe, pode ser utilizada car- litana e portuguesa, sendo, nessa classe
ne moída de pescado, com inclusão da de produtos, permitida a utilização de
carne mecanicamente separada (CMS), até 20% de carne mecanicamente sepa-
que é permitida (BRASIL, 2000) em rada (CMS).
quantidades variáveis, até um limite má- O consumo de patês ou pastas
ximo de 30%, exclusivamente em pro- também tem se tornado expressivo no
dutos tratados termicamente. Brasil. O Decreto nº 9.013, no art. 343,
Também, há a utilização de por- define o patê ou pasta de pescado, se-
ções carnosas de pescado, com as quais guido das especificações que couberem,
se podem elaborar produtos como o como um produto industrializado obti-
presunto de pescado, que recebe deno- do do pescado transformado em pasta,
minação específica de “presunto de”, com adição de ingredientes, submetido
identificando a espécie de pescado ou a processo tecnológico específico. O
mesmo da carne moída ou da CMS de patê representa um dos produtos cár-
pescado que podem ser utilizadas para neos com consumo em ascensão nos
a fabricação do apresuntado e do fiam- últimos anos, constituindo um produto
bre de pescado. Na elaboração desses cozido e com tradições gastronômicas
produtos, devem ser atendidos os parâ- importantes, sendo as espécies mais uti-
metros previstos para matéria-prima, in- lizadas para a elaboração de patê o sal-
gredientes e aditivos conforme é defini- mão, o atum e a anchova (MINOZZO
do em Instrução Normativa (BRASIL, E WASZCZYNSKYJ, 2010), os quais
2000). podem ser reformulados, visando tor-
Igualmente, o aproveitamento de ná-los mais saudáveis em relação à sua
CMS de pescado no desenvolvimento composição nutricional, ou adicionan-
de novos produtos permite a fabricação do ingredientes funcionais que contri-
de embutidos, como a linguiça, que é de- buam para a manutenção do equilíbrio
finida, no art. 344 do referido Decreto, do organismo com grande importân-
como o embutido elaborado com pes- cia para a saúde humana (RESENDE,
cado, com adição de ingredientes, cura- 2010; COSTA, 2012; OLIVEIRA,
do ou não, cozido ou não, defumado ou 2013).
86 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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A CMS submetida a lavagens su- de forma a simplificar suas vidas, me-
cessivas, com uso de aditivos que visam lhorando a nutrição e a qualidade de
promover melhor estabilidade, elimi- vida. Esses produtos são normalmente
nando gorduras, sangue, substâncias pratos prontos ou refeições completas,
odoríferas e proteínas solúveis, resulta preparadas ou parcialmente preparadas
em uma pasta branca, sem odor ou sa- (requerem aquecimento ou inclusão de
bor característico do peixe que lhe deu algum tipo de legume), que oferecem a
origem, sendo denominada de surimi. inclusão do pescado nas dietas desses
O atual Decreto nº 9.013, no art. 339, indivíduos como uma fonte de alimen-
define o surimi como um produto con- tação saudável.
gelado obtido de carne mecanicamente Fica, entretanto, claro que, entre as
separada de peixe, submetida a lavagens diversas espécies de pescado disponí-
sucessivas, drenagem e refino, com adi- veis em todo o mundo, aquelas que são
ção de aditivos. O processo, segundo oferecidas ao consumidor em diferentes
PEIXOTO et al. (2000) e GALVÃO apresentações se resumem à utilização
(2008), permite melhor aproveitamen- de poucas espécies, com predomínio de
to do pescado e dos resíduos gerados alguns tipos de peixes marinhos, como
durante o processamento, na elaboração salmão, atum, sardinha, bacalhau, boni-
de produtos análogos de frutos do mar, to, cavala, arenque, haddock, e de alguns
como camarão, lagosta, vieira, ou os já
crustáceos e moluscos, como camarões,
tradicionais “kani-kama”, típicos do
lulas, caranguejos e mexilhões. Entre as
Japão, que constituem um bastão feito
espécies continentais, a diversidade de
com surimi, o qual recebe sabor imita-
apresentações se reduz à oferta de pei-
ção de pescado (caranguejo, camarão).
xes, filés e postas frescos e/ou resfriados
Situação brasileira diante e produtos congelados ou salgados.
do atual desenvolvimento O grau de tecnificação da aquicultu-
mundial de novos produtos ra no Brasil e a oferta de pescado obtido
A Europa e os Estados Unidos têm nesses sistemas de produção se apresen-
desenvolvido novos produtos derivados tam muito similares aos de outros países
de pescado, sempre procurado oferecer do mundo, no entanto o processamento
aos consumidores produtos inovadores, industrial dessa produção ainda é bem
nos quais se destacam a praticidade e a restrito, sendo predominante a comer-
conveniência, o que tem permitido am- cialização de pescado capturado ou cul-
pliar seus mercados. Existem oportuni- tivado na forma resfriada, ou produtos
dades de mercado para que processado- submetidos ao congelamento rápido e
res de pescado desenvolvam produtos individual (quick frozen), como pesca-
que atendam a famílias ou a indivíduos, do inteiro, descabeçado e eviscerado e
4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação 87

ctimpresso 89.indb 87 09/08/2018 14:38:27


filés e postas. É comum a oferta de con- A produção brasileira de pescado
servas de peixes, como sardinhas, cava- capturado (pesca extrativa) ou culti-
linhas, atuns e bonitos sólidos ou rala- vado (origem marinha e origem con-
dos, e também de mariscos esterilizados tinental) indica que algumas espécies
em latas de alumínio ou aço zincado, são promissoras e podem ser predo-
contendo entre 70 e 120g de produto minantes em futuro breve. Podem ser
drenado, de fechamento hermético e relacionadas espécies marinhas como
abertura em sistema “easy-open”. Para pargo-rosa (Pagrus pagrus), beijupirá
a esterilização, é adicionado, nas latas, (Rachycentron canadum), linguado
azeite ou óleo (soja, girassol), molho de (Paralichthys orbignyanus), garoupa-
tomate, havendo também apelo à saúde, -verdadeira (Epinephelus marginatus) e
com produtos identificados como tipo o dourado-do-mar (Coryphaena hippu-
light, rico em ômega 3 ou enlatado em rus), ou espécies continentais, como ti-
salmoura. lápia (Oreochromis niloticus), surubim-
Como proposta para o mercado
-cachara (Pseudoplatystoma fasciatum),
brasileiro, poderíamos investir no de-
tambaqui (Colossoma macropomum)
senvolvimento de novas tecnologias na
pacu (Piaractus mesopotamicus), ma-
busca da manutenção das característi-
trinxã (Brycon spp), piauçu (Leporinus
cas sensoriais do pescado “fresco”, com
macrocephalus), piapara (Leporinus
o objetivo de desenvolver um produto
elongatus), dourado (Salminus brasilien-
que é oferecido embalado e refrigerado,
sis), pirarucu (Arapaima gigas) e o piau
utilizando atmosferas modificadas e/ou
(Leporinus macrocephalus), existentes
temperatura de estocagem críticas, pró-
ximas ao ponto de congelamento, va- em rios, lagos e na costa brasileira (Ono
riando entre -2°C e 2°C (HUSS, 1997). et al., 2004; Cavalli e Hamilton,2007;
Entre os novos produtos que já estão Vasconcelos et al., 2007).
ingressando no mercado nacional. estão A inovação no processamento de
diversas preparações na forma empa- pescado cultivado no Brasil requer am-
nada congelada (“nuggets”, “fishsticks”, pliação da pesquisa na área de tecnolo-
e empanados) e os “kits” de frutos do gia e processamento de pescado, para
mar para o preparo de paella e risotos. propor a oferta de itens inovadores,
Com a implantação de identificação dos que deverão chamar a atenção de um
lotes de produto ou de forma individu- público consumidor, ávido por novida-
al, para alguns tipos de pescado, como des gastronômicas, principalmente se
o surubim, a rastreabilidade também é atreladas às características de alimento
possível e contribui para um ambiente saudável, com apelo nutricional, pratici-
de inovação. dade e conveniência.
88 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 88 09/08/2018 14:38:27


Conclusão rias condições ideais de armazenagem.
Para ambos os sistemas de produção,
A produção de pescado capturado
a boa infraestrutura de transporte, de
ou cultivado no Brasil ainda é muito
preferência refrigerado, e a agilidade no
heterogênea em termos de espécies pre-
deslocamento entre o local de captura
dominantes, volume produzido, produ-
ou cultivo e a indústria processadora,
tos derivados e formas de apresentação
garantem a manutenção da qualidade e
ao consumidor. Essas diversas espécies
do frescor.
apresentam valores de mercado dis-
Entretanto, falta ainda atender a
tintos, e a agregação de valor pode ser
uma premissa básica para que a indústria
conseguida por meio de sua industriali-
possa investir em desenvolvimento de
zação para elaboração de diversos tipos
novos produtos/inovação: uma oferta
e formas de apresentação de produtos.
regular e farta, que, além da disponibili-
O apelo da oferta de novas espécies
dade do pescado, ofereça características
de pescado, ou formas de apresentação
de frescor, qualidade higiênica, senso-
ao consumidor, o tipo
rial e de inocuidade do
de processamento tec- O futuro passará, pescado processado.
nológico aplicado, os inevitavelmente, por um Existem propostas
benefícios à saúde, a melhor aproveitamento baseadas em logística
inclusão de ingredientes dos recursos de aquicultura
de produção e distri-
com propriedades fun- existentes, por menores buição, para a comer-
cionais ou a ampliação desperdícios na criação cialização de pescado
da vida de prateleira intensiva, pela preservação
cultivado (de origem
são importantes pontos da qualidade da água. marinha ou continen-
para conquistar a aten-
tal) ainda vivo, as quais
ção do consumidor.
se mostram ideais para se evitarem al-
É fato que o pescado, em geral,
terações ou deteriorações do pescado,
apresenta-se como produto altamente
desenvolvendo-se para tanto novas for-
perecível, que requer um processamen-
mas de comercialização, com melhorias
to rápido e seguro, evitando alterações
ou deterioração devido ao crescimen- logísticas no transporte, construção de
to microbiano, às mudanças químicas tanques com especificações adequadas
e à proteólise por ação bacteriana ou para os caminhões e veículos de trans-
devido à ação de proteases endógenas porte e para os locais de venda, com
(calpaínas). Quando se trata de pesca- possibilidade de regulagem de tempera-
do cultivado, é necessário que haja uma tura, recirculação, filtração e oxigenação
proximidade com a indústria processa- da água, quando teríamos garantido o
dora; quando é capturado, são necessá- frescor e a qualidade do pescado, sem-
4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação 89

ctimpresso 89.indb 89 09/08/2018 14:38:27


pre associado ao bem-estar dos ani- 2. Anderson, M. L. & Mendelsohn, J.M. Rapid
sal curing techinque, Journal of Food Science
mais durante o transporte, comércio e n.,37, v.4, p.:627 – 628,1972.
processamento.
3. Beatty, S. A. & Fulgere, H – The processing
O pescado é considerado um dos of dried salted fish. Fisheries Research Board
alimentos mais promissores para o futu- Canada, Canadá-Ottawa, Bulletin nº 112, 47 p.,
1957. Disponivel em < http://www.dfo-mpo.
ro da humanidade, devido ao seu cresci- gc.ca/Library/37398.pdf> acessado em 21 ago.
mento relativamente rápido, à sua exce- 2017.
lente qualidade nutricional, ao o custo
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de produção compatível com outras Mesopotamia. The Biblical Archaeologist. Vol.
espécies e à sua relação direta com a boa 48, nº 1, p. 36-47, 1985.
saúde, em comparação aos problemas 5. BRASIL. Ministério da Agricultura e do
enfrentados com outras fontes de prote- Abastecimento (MAPA). Decreto nº 9013, de
29 de março de 2017. Regulamenta a Lei nº
ína animal, como a BSE na carne bovi- 1283, de 18 de dezembro de 1950, e a Lei nº
na, as viroses das aves, as doenças asso- 7889, de 23 de dezembro de 1989, que dispõem
sobre a inspeção industrial e sanitária de produ-
ciadas ao consumo de lipídios saturados tos de origem animal. Disponível em: < http://
presentes em espécies terrestres. É, por- www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
tanto, previsível que o pescado deva ter 2018/2017/decreto/D9013.htm> Acessado
em: 04 out. 2017
um papel cada vez mais relevante na die-
ta da humanidade, e se há dificuldades 6. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento. Instrução normativa nº 6.
na gestão e no correto aproveitamento Aprova os regulamentos técnicos de identi-
dos recursos marinhos e continentais, a dade e qualidade de paleta cozida, produtos
cárneos salgados, empanados, presunto tipo
única solução será ampliar pesquisas e serrano e prato elaborado pronto ou semi-
estudos nessa área. pronto contendo produtos de origem ani-
mal. Diário Oficial da União. Brasilia. 2001.
O futuro passará, inevitavelmente, Disponível em:<http://extranet.agricultura.
por um melhor aproveitamento dos re- gov.br/sislegis-consulta/consultarLegislacao.
do?operacao=visualizar&id=2198> Acessado
cursos existentes, por menores desper- em: 23 de jan. 2018.
dícios na criação intensiva, pela preser-
vação da qualidade da água, pela busca 7. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento. Instrução normativa nº 20.
de novas espécies, pelo desenvolvimen- Aprova os regulamentos técnicos de identidade
to da aquicultura com criação de novos e qualidade de almôndega, de apresuntado, de
fiambre, de hambúrguer, de quiibe, de presunto
produtos e, de forma geral, pelo uso da cozido e de presunto. Diário Oficial da União.
ciência e tecnologia em favor da vida no Brasilia. 2000. Disponível em:<http://extranet.
agricultura.gov.br/sislegis-consulta/consultar-
nosso planeta. Legislacao.do?operacao=visualizar&id=1681>
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90 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 90 09/08/2018 14:38:27


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4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação 91

ctimpresso 89.indb 91 09/08/2018 14:38:28


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92 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 92 09/08/2018 14:38:28


de baixo valor comercial na elaboração de suri-
mi para elaboração de moldado sabor camarão.
Boletim do CEPPA, Curitiba, v. 18. n. 2, p. 151-
162, 2000.

39. Pombo CR, Mársico ET, Franco RM,


Guimarães CFM, Cruz AMP, Pardi HS. Salted
and fermented fish processes evaluation. Food
Sci Technol. V. 44, nº11, p.:2100-5, 2009.

40. Resende, A.L.S.S. Viabilidade técnica, qua-


lidade nutricional e sensorial de produtos à
base de tilápia (Oreochromis niloticus). Tese
de Doutorado. Pós-Graduação em Ciência e
Tecnologia de Alimentos. Universidade Federal
Rural do Rio de janeiro, 2010.

41. Rocha, C. M. C. et al. Avanços na pesquisa e


no desenvolvimento da aquicultura brasilei-
ra. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília,
v. 48, n. 8, p. iv-vi, 2013. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0100-204X2013000800003&ln
g=en&nrm=iso> Acessado em 12 Jan 2018.

42. Vasconcelos, M.; Diegues, A. C.; Sales, R.


R. Alguns aspectos relevantes relacionados
à pesca artesanal costeira nacional, 2007
Disponível em: <http://www.usp.br/nupaub/
SEAPRelatorio.pdf>. Acessado em: 20 out.
2017.

43. Viana, J. P.. Recursos pesqueiros do Brasil:


situação dos estoques, da gestão e sugestões
para o futuro. Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA). Boletim Regional, Urbano
e Ambiental nº 7. Brasília, Ministério do
Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
2013. Disponível em: < http://repositorio.
ipea.gov.br/handle/11058/5583>Acessado
em: 15 jan. 2018.

44. Vidotti, R.M.; Borini, M.S.M. Aparas da fileta-


gem da tilápia se transformam em polpa condi-
mentada - Um produto de qualidade testado e
aprovado na merenda escolar. Disponível em:<
www.panoramadaaquicultura.com.br/paginas/
Revistas/96/Aparasfiletagemdatilapia96.asp>
Acessado em: 23 de jan. 2018.

4. Pesca e aquicultura – a busca pela inovação 93

ctimpresso 89.indb 93 09/08/2018 14:38:28


5. Off-flavor
em pescado:
o “sabor de
barro”

pixabay.com
Anna Carolina Massara Brasileiro¹ - CRMV-MG 8236
Lílian Viana Teixeira² - CRMV-MG 7357
1
-Médica veterinária, mestre DTIPOA, UFMG.
2
-Profª. associada, médica veterinária, doutora, DITPOA, UFMG.

Introdução reforçando a importância do segmento


à população brasileira.
O Brasil possui um enorme poten- Com a demanda crescente de ali-
cial produtivo de alimentos, devido mentos saudáveis e de alto valor nutri-
a sua extensão territorial, condições cional pela população mundial, o Brasil
climáticas favoráveis, terras férteis e encontra-se em um momento extrema-
tecnologias adotadas. O agronegócio mente favorável à produção e indus-
brasileiro representou, no ano de 2016, trialização de pescado, ocupando, no
uma fatia de 23,46% do PIB nacional, cenário mundial, a 12ª maior produção
sendo a agropecuária responsável por aquícola em 2012 (SEBRAE, 2015).
4,71% ou R$ 295.207,00 milhões des- No ano de 2015, um estudo rea-
se valor (BRASIL, 2017), valores esses lizado pela Organização das Nações
que alicerçam a economia do país com Unidas para Alimentação e Agricultura
a grande geração de empregos e renda, (FAO/ONU) revelou que, naquele ano,
94 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 94 09/08/2018 14:38:30


o consumo mundial de dição e tato (ABNT,
Um dos principais
pescado atingiu 19,2
fatores responsáveis pela 1993).
quilos per capita, repre- Um dos principais
perda de “qualidade
sentando um resultado fatores responsáveis
percebida pelo cliente”
superior aos 12 quilos consumidor de pescado pela perda de “qualidade
recomendados pela de água doce é o “gosto percebida pelo cliente”
Organização Mundial de barro” da carne consumidor de pescado
de Saúde (OMS). No desses animais. Esse de água doce é o “gosto
Brasil, no mesmo ano, o sabor é denominado de barro” da carne des-
consumo ficou na faixa off-flavor, e não está ses animais. Esse sabor
de 10,6 quilos per capi- associado, como muitos é denominado off-flavor,
ta (SNA, 2015), o que acreditam, ao consumo e não está associado,
indica grande possibili- de barro pelo peixe. como muitos acreditam,
dade de crescimento do ao consumo de barro
setor. pelo peixe, mas, sim, à
Como o mercado consumidor está quantidade de matéria orgânica na água
mais exigente em relação à qualidade (PIMENTA e GESTO, 2011).
dos alimentos, aumentou-se a necessi- O objetivo desta revisão é esclarecer
dade de estudos sob a aceitação do pes- quais são as causas do off-flavor, relatar
cado de água doce. Segundo LOPES, algumas medidas adotadas, pelos pro-
BERTOLINO e GODOY (2005), po- dutores e pela indústria, na tentativa de
de-se subdividir a qualidade em: “quali- diminuir essa característica indesejável
dade intrínseca” e “qualidade percebida em peixes de água doce.
pelo cliente”. A “qualidade intrínseca”
engloba as características físico-quími- Revisão de Literatura
cas e microbiológicas, sendo fundamen- Interferência do off- flavor na pro-
tal para que o produto esteja livre de dução de peixes
perigos físicos, químicos ou microbio- O off-flavor é um dos grandes res-
lógicos que possam vir a comprometer ponsáveis por prejuízos na cadeia pro-
a saúde do consumidor. Já a “qualidade dutiva do pescado. Segundo Kubitza
percebida pelo cliente” é a qualidade (2000), na indústria do “catfish” (uma
proveniente da análise sensorial, defi- espécie de bagre) nos Estados Unidos,
nida pelas características os prejuízos anuais cau-
dos alimentos que po- O off-flavor é um dos sados pelo off-flavor são
dem ser percebidas por grandes responsáveis estimados em US$ 50
meio dos sentidos, como por prejuízos na cadeia milhões. Essas estima-
visão, olfato, gosto, au- produtiva do pescado. tivas contabilizam o
5. Off-flavor em pescado: o “sabor de barro” 95

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atraso no cronograma de despesca, a soborneol (MIB), não havendo associa-
diminuição da produtividade e a morta- ção da ingestão deles com risco à saúde
lidade dos peixes, que ocorre devido aos humana (LORIO, PERSCHBACHER
problemas sanitários provenientes da e JOHNSEN, 1992). Estes são absor-
má qualidade da água dos viveiros, me- vidos através das brânquias, da pele e
diante a retenção dos peixes até passar a do trato gastrointestinal e deposita-
condição de off-flavor. Tais números não dos no tecido adiposo (BIATO, 2005;
levam em conta a comercialização do HOWGATE, 2004). A GEO confere
produto com sabor desagradável, pois ao filé do peixe um gosto de barro ou
todo esse esforço é feito para evitar que odor de terra molhada, enquanto o MIB
o peixe chegue ao mercado com essa provoca odor de mofo quando em bai-
característica indesejável, já se saben- xas concentrações, sendo dificilmente
do da rejeição do consumidor por um diferenciados (PIMENTA e GESTO,
produto com tal sabor (PIMENTA e 2011). A ocorrência desses sabores in-
GESTO, 2011). A indústria do pescado desejáveis pela presença da GEO são
no Brasil não apresenta um monitora-
devido à produção dessa substância
mento eficaz sobre rejeição, por parte
por algas cianofíceas (cianobactérias
do consumidor, de lotes de peixes com
ou algas azul-esverdeadas – “blue-green
off-flavor, para que se possa contabilizar
algae”) do gênero Anabaena, Lyngbya e
o real prejuízo. Nos Estados Unidos, cal-
Microcystis, bem como por bactérias da
cula-se que os compostos causadores do
off-flavor são responsáveis pela queda de
30% das vendas do “catfish” (Ictalurus
puntactus). Na Europa, a perda pelo in-
teresse no consumo de peixes devido
ao off-flavor foi observada em diversos
países; como exemplo, a truta arco-íris
na França e no Reino Unido, sendo em
torno de 20% o percentual de produ-
tores que já passaram por esse proble-
ma sazonalmente. Há também estudos
identificando o problema em tilápias,
camarões, salmões, lagostas e esturjões
(ZIMBA et al., 2012).
Os compostos orgânicos mais co-
mumente associados ao off-flavor são a Figura 1: estrutura química da geosmina
geosmina (GEO) (figura 1) e o metili- Fonte: Google images

96 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 96 09/08/2018 14:38:31


ordem dos actinomice- e JOHNSEN, 1992).
Altas temperaturas da
tos (entre estas as dos Um dos fatores que fa-
água e altas taxas de
gêneros Streptomyces e
alimentação dos peixes vorecem a eutrofização
Nocardia). O MIB tam-
propiciam um aumento da água é a sazonalida-
bém é produzido por de, nos períodos mais
da eutrofização da
algas cianofíceas, mais água, que está associada quentes e de maior lu-
especificamente as do minosidade. Também
diretamente com a
gênero Oscillatoria (O. elevação dos níveis de nesses períodos, o arra-
chalybea, O. perornata, off-flavor çoamento dos animais
O. agardhii, O. tenuis), é intensificado, com a
bem como pelos actino- finalidade de aumentar a
micetos (AWWA, 1995; BIATO, 2005; produtividade, já que os animais, nessa
FERREIRA FILHO, 2001). época, melhoram sua conversão alimen-
No Brasil, por motivos culturais, tar, intensificando, assim, a absorção
não era dada a devida importância ao dos compostos geradores de off-flavor,
off-flavor por parte dos produtores, já devido à alta atividade metabólica e ao
que a grande maioria dos peixes cultiva- maior tempo de exposição aos compos-
dos de água doce apresentavam gosto de tos (PERSSON, 1984). A intensificação
barro. Essa mudança deu-se em deter- do arraçoamento também favorece a de-
minadas regiões, à medida que ocorreu composição de compostos orgânicos, o
a profissionalização da atividade e dos que aumenta tanto a atividade fúngica
produtores, juntamente às exigências de quanto a bacteriana, inclusive aquelas
aceitação do consumidor por um pro- provenientes dos sedimentos dos tan-
duto de maior qualidade (KUBITZA, ques, viveiros e filtros dos sistemas de
1999; PIMENTA e GESTO, 2011). recirculação (ARMSTRONG, BOYD e
Recentemente foram detectados off-fla- LOVELL, 1986).
vor em tilápias cultivadas em tanques-
-rede, fato não usual, já que os maiores
Medidas de controle do
problemas de off-flavor eram advindos off-flavor na pré-despesca
de sistemas de recirculação e de viveiros Há uma série de medidas utilizadas
escavados (GUTTMAN e RIJN, 2008). para buscar a diminuição da liberação
Altas temperaturas da água e altas ta- dos compostos GEO e MIB antes do
xas de alimentação dos peixes propiciam abate.
um aumento da eutrofização da água, As primeiras medidas utilizada,
que está associada diretamente com principalmente pelos produtores de “ca-
a elevação dos níveis de off-flavor dos tfish” nos Estados Unidos (DIONIGI et
“catfish” (LORIO, PERSCHBACHER al., 1998), são a separação de lotes me-
5. Off-flavor em pescado: o “sabor de barro” 97

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nores em tanques, a coleta de amostras e MIB no meio aquoso, tornando os
(de dois a três peixes de cada tanque), a peixes inaptos para o consumo durante
submissão à análise sensorial por equi- um período não bem definido (BIATO,
pe treinada e a verificação de qual lote 2005; MEANS e MCGUIRE, 1986).
está apto ou não para a despesca. O Além disso, ainda se deve preocupar
lote só é liberado para a despesca caso com os resíduos deixados pelos herbici-
as três amostras sejam aprovadas pelos das acumulados na carne dos peixes.
diversos provadores. Se alguma amostra Em estudos realizados pela
for rejeitada, o lote é demarcado e reti- Universidade do Estado do Mississipi, os
do até que o off-flavor acabe. Em algu- pesquisadores MISCHKE, TUCKER e
mas propriedades, faz-se a mudança de LI (2012) sugeriram o uso do Dorosoma
tanque com o objetivo de se acelerar o petenense, peixe planctófago, como op-
processo, porém há perdas de animais, ção de policultivo com o “catfish” ameri-
aumento de custo e o processo não é cano. Esse policultivo tem por objetivo
comprovadamente eficaz. Além dessas o controle da comunidade planctófaga e
amostras, ainda quando os lotes são a consequente diminuição do off-flavor
liberados, são retiradas amostras dos na carne do “catfish”. Os resultados apre-
caminhões de transporte na chegada à sentam dois aspectos: o positivo, em que
unidade de processamento, as quais são o policultivo com o Dorosoma petenense
submetidas também à análise sensorial. pode ser uma alternativa de troca no uso
Caso sejam reprovados, os lotes são de- de algicidas nos meses mais quentes, di-
volvidos ao produtor. Vale ressaltar que minuindo, assim, o off-flavor dos bagres;
as técnicas de análise sensorial utilizada e o negativo, em que, nos meses mais
podem variar bastante e dependem de frios, não há tolerância do Dorosoma pe-
equipe treinada, o que pode provocar tenense, havendo completa mortalidade,
uma grande margem de erro se esses bem como aumento de matéria em de-
métodos não forem padronizados e, composição nos viveiros e, consequen-
consequentemente, acarretar prejuízos temente, do off-flavor dos bagres, devido
aos produtores. à ação dos actinomicetos. Desse modo,
Outra técnica utilizada pelos pro- os produtores devem considerar esses
dutores na tentativa de minimizar o off- aspectos mediante a decisão do uso do
-flavor é o uso dos algicidas (sulfato de policultivo com o Dorosoma petenense,
cobre e alguns herbicidas), nos meses antes do uso dele.
de maior eutrofização (PIMENTA e Também como medida de manejo,
GESTO, 2011). Porém, não podemos pode-se adotar uma boa taxa de reno-
esquecer que, com a lise da parede ce- vação da água e a mensuração dos seus
lular das algas, há a liberação de GEO parâmetros de qualidade, como pH,
98 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 98 09/08/2018 14:38:31


turbidez, temperatura e oxigênio dis- Medidas de controle do
solvido. Deve-se fazer a observação na off-flavor na pós-despesca
hora da alimentação dos animais, para
que não haja sobra de ração nos vivei- Um tipo de controle utilizado na
ros, a qual favorece o acúmulo de maté- pós-colheita (também chamada de pós-
ria orgânica. -despesca), geralmente em pequenos
Em tanques-rede, a técnica utilizada frigoríficos, é a técnica conhecida como
para a eliminação do off-flavor é o jejum depuração, em que os animais são coloca-
dos em tanques de alvenaria com renova-
dos animais de três a cinco dias. Nesse
ção contínua da água. Essa água deve ser
sistema de criação, tal método pode ser
limpa e aerada, não havendo, ao certo, um
considerado como a depuração, devi-
tempo de duração predeterminado desse
do à alta taxa de renovação de água no
procedimento para a eliminação total do
tanque, sendo essa medida suficiente
off-flavor (PIMENTA e GESTO, 2011).
para a eliminação do mau sabor e odor
O tempo necessário para a depuração está
da carne (AYROSA, 1995). O jejum
associado a fatores como: temperatura da
deve ser de, no mínimo, 24 a 48 horas,
água, atividade fisiológica, teor de gordura
variando de acordo com
e massa corporal do pei-
o tamanho do animal xe, bem como tempo de
(PIMENTA e GESTO, Durante o processo de
depuração, algumas exposição aos compostos
2011).
Outro recurso estu-
amostras de peixe (duas GEO e MIB, podendo
a três) são retiradas levar dias e até semanas
dado pela Unidade de (ROBERTSON et al.,
Pesquisa de Saúde em
para a avaliação
sensorial antes da 2005). Segundo Kubitza
Animais Aquáticos do
liberação do lote para o (2000), as tilápias levam
Alabama é o uso de cães um tempo menor de de-
abate.
para a detecção das subs- puração, devido ao pouco
tâncias GEO e MIB na acúmulo de gordura no
água de criação dos peixes. O método seu filé, tempo esse que pode ser estendi-
mostrou-se eficaz pelo poder do olfato do e chegar a uma semana em temperatu-
do cão, porém não muito viável devido ras baixas Porém, períodos muito longos
ao longo tempo de treinamento dos ca- de depuração aumentam a probabilidade
chorros, ao tempo de transporte da água de infecções secundárias, provenientes
até o centro de pesquisa – o que pode da debilitação do sistema imunológico,
comprometer a confiabilidade dos re- associadas ao estresse da despesca e do
sultados pela volatilização das substân- transporte.
cias – e ao número reduzido de animais Durante o processo de depuração,
treinados (SHELBY, 2004). algumas amostras de peixe (duas a três)
5. Off-flavor em pescado: o “sabor de barro” 99

ctimpresso 89.indb 99 09/08/2018 14:38:32


são retiradas para a avaliação sensorial madeira na carne. Porém, destacam que
antes da liberação do lote para o aba- não é efetivo quando a concentração de
te. Os métodos de avaliação sensorial GEO e/ou MIB é muito alta, geralmen-
consistem na remoção, após o abate, da te em trutas provenientes de sistemas
porção caudal do filé, juntamente com a de recirculação de água. Os mesmos
pele, pois é nessa porção que geralmen- autores sugerem a adição de temperos,
te há maior acúmulo de gordura, conse- vislumbrando a eficácia do processo de
quentemente, de GEO e MIB. Quando defumação em carnes em que foi detec-
detectado odor desagradável, ele é des- tada a presença dos compostos. A de-
cartado de imediato. Caso não seja de- fumação a quente também foi testada e
tectado, a amostra é aquecida no micro- aprovada no Brasil em mandis e tilápias
-ondas (em vasilha fechada ou sacos (ANDRADE e LIMA, 1983; BIATO,
vedados tipo zip), para realçar a percep- 2005).
ção do off-flavor pelos avaliadores. Caso Outro método pós abate utiliza-
não seja o odor relacionado ao off-flavor, do pelos pesquisadores Forrester et al.
as amostras seguem para degustação pe- (2002) foi a utilização de ácido cítrico
los avaliadores, e, se aprovadas, haverá a nas concentrações de 0,5%, 1,0% e 2,0%,
permissão de abate do lote; caso não se- nos filés de “catfish” embalados a vácuo.
jam aprovadas as amostras avaliadas, o A eficácia da técnica consiste na desidra-
lote continua em depuração. Trata-se de tação dos álcoois terciários presentes no
um método eficiente para a redução do MIB e no GEO, reduzindo-se, assim, o
tempo de depuração e até mesmo para sabor de mofo e/ou terra do produto.
evitar a despesca prematura de alguns A conclusão dos autores sobre o expe-
lotes, todavia deve ser realizado por rimento foi sobre a eficácia do uso do
equipes compostas por avaliadores trei- ácido cítrico a 2%, juntamente com a
nados (PIMENTA e GESTO, 2011). embalagem a vácuo. Nessas condições,
Após o abate do pescado a elimina- houve redução considerável do sabor e
ção do off-flavor se torna mais difícil, odor de terra e mofo do pescado, o que
sendo utilizadas técnicas para minimi- foi mensurado por meio de análise sen-
zar sua percepção. Estudos realizados sorial e cromatografia gasosa.
por Zimba et al. (2012), na Dinamarca,
com trutas arco-íris, demonstraram que Considerações Finais
a tecnologia de defumação dos filés Mediante a revisão realizada, vê-se
diminui a percepção sensorial da pre- a necessidade de maiores pesquisas na
sença de GEO e MIB na carne, devido área, principalmente com as espécies
à volatilização dos compostos durante mais cultivadas no Brasil, como a tilá-
o processo e ao acúmulo da fumaça da pia, o surubim, o tambaqui e o pacu, já
100 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 100 09/08/2018 14:38:32


que os principais estudos foram realiza- TECNOLOGIA DE SALGA E DEFUMAÇÃO
DO PESCADO, 1., 1995, Guarujá. Anais...
dos nos Estados Unidos, com o “catfish”. Campinas: ITAL, 1995. p. 25-50.
Deve-se levar em consideração que,
6. BIATO, D. O. Detecção e controle do off-fla-
com a crescente representatividade eco- vor em tilápia-do-nilo (Oreochromis niloti-
nômica da criação e comercialização de cus), por meio de depuração e defumação.
2005. 120 p. Dissertação (Mestrado em Ciência
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5. Off-flavor em pescado: o “sabor de barro” 101

ctimpresso 89.indb 101 09/08/2018 14:38:32


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102 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

ctimpresso 89.indb 102 09/08/2018 14:38:32


6. Discussões atuais
sobre abate de peixes
pixabay.com

Sarah Antonieta de Oliveira Veríssimo¹ - CRMV-MG 15962,


Daniele Salgueiro de Melo²,
Ana Carolina Garcez Bueno Carneiro³,
Lilian Viana Teixeira4 - CRMV 7357
1
Médica Veterinária, doutoranda em Ciência Animal pela UFMG
2
Aquacultora, mestranda em Zootecnia pela UFMG
3
Aquacultora pela UFMG
4
Professora adjunta, médica veterinária, mestra e doutora, DTIPOA, Escola de Veterinária, UFMG

1. Introdução 77,5 milhões de toneladas, e continuou


crescendo no ano de 2016 na qual a pro-
Hoje, o pescado é o produto primá- dução atingiu 81,4 milhões de toneladas
rio agroalimentar (commodity) mais (FAO, 2016).
comercializado internacionalmente, se- No cenário brasileiro, em 2016, a
gundo o relatório Globefish Highlights aquicultura atingiu um valor de produ-
de 2016, da Organização das Nações ção de R$  4,61 bilhões, com a maior
Unidas para Agricultura e Alimentação parte (70,9%) oriunda da criação de
– FAO. No ano de 2014, a produção de peixes com 507,12 mil toneladas pro-
pescado no mercado mundial por ativi- duzidas, representando um aumento
dade aquícola foi de aproximadamente de 4,4% em relação ao ano anterior, se-
73,8 milhões de toneladas. Já no ano guida pela criação de camarões (19,3%)
de 2015, essa produção aumentou para com 52,12 mil toneladas (IBGE, 2016).
6. Discussões atuais sobre abate de peixes 103

ctimpresso 89.indb 103 09/08/2018 14:38:33


Nesse contexto, para precedentes (BRASIL,
Com esse crescente
se manter o consumo 2000). Apesar disso, a
aumento da produção
atual per capita de pes-
de pescado, a qualidade legislação vigente ainda
cado, estima-se que em não cita sobre pescado
e segurança alimentar
2050 a produção mun- e também não cita crité-
desse é de grande
dial terá que suprir 80 importância e além de rios de bem-estar, mane-
milhões de toneladas. jo e transporte pré-abate
tudo, também precisa
Sendo assim, esta pro- abranger aspectos éticos para peixes, indo de en-
dução não será capaz contro à crescente pro-
durante a produção e
de satisfazer a demanda dução desse alimento no
o abate, uma vez que
pela pesca, que terá que o mercado consumidor mundo e no Brasil.
ser compensada pela exige que toda a cadeia
aquicultura, a qual pos- produtiva do animal
2. Bem estar e
sui grande potencial para tenha o bem-estar como senciência em
uma contribuição signi- base. peixes
ficativa (FAO, 2011). O bem-estar dos pei-
Com esse crescen- xes é uma questão importante para a
te aumento da produção de pescado, a indústria, não apenas para a percepção
qualidade e segurança alimentar desse é do público, marketing e aceitação do
de grande importância e além de tudo, produto, mas também em termos de efi-
também precisa abranger aspectos éti- ciência de produção, qualidade e quan-
cos durante a produção e o abate, uma tidade (ASHLEY, 2007).
vez que o mercado consumidor exige Um pré-requisito para a discussão
que toda a cadeia produtiva do animal do bem-estar é a senciência que é a capa-
tenha o bem-estar como base. Sabe-se cidade de ter consciência de sensações,
que esse assunto já é amplamente discu- ou seja, a capacidade de ter sentimentos
tido na produção de mamíferos e aves, subjetivos. No caso dos peixes a existên-
mas é um assunto recente para a produ- cia da senciência é percebida em alguns
ção de pescado. comportamentos como o que ocorre
A legislação brasileira determina com tilápias durante a disputa por ter-
que o abate humanitário deva ser con- ritório. O escurecimento do corpo do
siderado em todas as operações do pe- animal perdedor demonstra a submis-
ríodo pré-abate com o objetivo de evi- são ao seu oponente, o que causa a redu-
tar desconforto, excitação dos animais ção da agressividade do oponente sobre
e reações de estresse. Além disso, as o peixe escurecido, evitando o prolon-
condições humanitárias devem preva- gamento da luta. Portanto, o escureci-
lecer no ato do abate e nos momentos mento do corpo ocorre pelo reconhe-
104 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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cimento de indivíduos dominantes para te ressaltar que a qualidade da carne e o
evitar as disputas. Esse comportamento, bem-estar tem uma alta correlação, uma
assim como outros, pode ser indicativo vez que há evidências de que a criação
de que os peixes conservam memórias e inadequada dos peixes pode resultar na
sugerem que esses possuem consciência má qualidade do pescado. Em condições
(PEDRAZZANI et al., 2008). de produção, a qualidade do peixe pode
Sendo assim, uma causa importan- ser influenciada por fatores extrínsecos
te do baixo grau de bem-estar é o sen- tais como estratégias de alimentação,
timento de dor. As estruturas neuronais composição da dieta e o manuseio pré e
que são responsáveis pela transmissão pós abate (RIBAS et al., 2007; ROBB &
da dor em outros vertebrados, como ROTH, 2003).
aves e mamíferos, também são encon- Alguns métodos de abate são con-
tradas em peixes (Figura 1). Outra siderados fatores estressantes para os
causa de interferência no bem-estar peixes, podendo induzir a uma resolu-
são as situações que ofereçam risco, ção precoce do rigor mortis, alterando
por exemplo, quando os peixes se sen- as características organolépticas e di-
tem estressados, reforçando assim a minuindo a vida de prateleira do pro-
evidência que podem reagir e sentir duto final (SCHERER et al., 2005). O
conscientemente a diferentes estímu- estresse do abate propicia maior ativi-
los de maneira semelhante a outros dade do músculo, reduzindo suas re-
animais (PEDRAZZANI et al., 2007). servas energéticas, o ATP (adenosina
Peixes têm respostas comportamentais trifosfato), afetando inicialmente o pH
a condições positivas e negativas, uma e o desenvolvimento do rigos mortis, e
vez que apresentam órgãos sensoriais posteriormente outros fatores deter-
capazes de detectar estímulos nocivos, minantes de qualidade (BAGNI et al.,
vias sensoriais para processamento 2007).
desses estímulos e mecanismos cere- A preocupação com o estresse na
brais que processam esta informação produção e abate de peixes tem aumen-
(QUABIUS; BALM; WENDELAAR tado consideravelmente, por se tratar
BONGA, 1997). de um quesito importante no bem-es-
Cada vez mais, os consumidores tar dos peixes, podendo resultar em
de produtos aquícolas possuem uma queda da produção e baixa qualidade
grande preocupação que é a qualidade da carne. Existem inúmeras técnicas de
desses alimentos, ou seja, a segurança abate, e cada espécie de peixe apresenta
no momento do consumo, frescor, va- respostas diferentes aos métodos usa-
lor nutricional e seus benefícios para a dos (ASHELEY, 2007). Devido a isso,
saúde (POLI et al., 2005). É interessan- a escolha certa dos métodos de insensi-
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bilização e abate é um importante passo 3. Metodologias de
para assegurar a qualidade do produto insensibilização e abate
final (SCHERER et al., 2005).
Um fator limitante do bem-estar de
de peixes
peixes no Brasil é a falta de informação O abate dos peixes é um processo
sobre abate humanitário para o pesca- que pode ser realizado em um ou dois
do. Até mesmo a Instrução Normativa estágios. No primeiro, os animais são
nº 3, de 17 de janeiro de 2000, do atordoados e insensibilizados, e no se-
Ministério da Agricultura, Pecuária e gundo, ocorre o sacrifício, que pode
Abastecimento – MAPA (Brasil, 2000), ser realizado por diversos métodos.
que aprova o regulamento técnico de Essas etapas podem acontecer simul-
métodos de insensibilização para o aba- taneamente ou em operações distintas,
te humanitário de animais de açougue, porém o tempo do atordoamento até a
inclui somente ma-
míferos, aves do-
mésticas e animais
silvestres criados
em cativeiro, não
fazendo nenhuma
menção aos peixes
(BORDIGNON,
2015).

Figura 1: Comparativo
do sistema nervoso en-
tre peixes e ser huma-
no. Fonte: PEDRAZZANI
et al., 2007.

106 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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morte do animal deve cialmente, como asfixia
As técnicas de abate de
ser minimizado para
peixes têm sido alvo de no ar e imersão em so-
evitar a recuperação da
inúmeros estudos, com lução de água e gelo, en-
consciência antes que
vários objetivos, entre os volvem períodos longos
ocorra a morte (LINES quais os de promover o de consciência antes da
& KESTIN, 2005). controle de qualidade, a morte (ASHLEY, 2007;
As técnicas de abate eficiência e a segurança POLI et al., 2005).
de peixes têm sido alvo dos procedimentos. Devem ser levadas
de inúmeros estudos, em consideração na es-
com vários objetivos, en- colha do método as in-
tre os quais os de promover o controle formações disponíveis relacionadas a
de qualidade, a eficiência e a segurança cada espécie específica, bem como o
dos procedimentos (CONTE, 2004). manuseio adequado do equipamento
Vários trabalhos têm também o objetivo de atordoamento e abate. A eficácia do
de minimizar o tempo necessário para atordoamento deve ser verificada pela
produzir a morte, e implicitamente re- perda de consciência, por verificação de
duzir o medo e a dor que os animais pos- sinais tais como: perda de movimento
sam sentir (LAMBOOIJ et al., 2002). corporal e respiratório (perda da ativi-
Nesse contexto, técnicas de abate dade opercular); perda de respostas vi-
na aquicultura são diversas e as espécies suais evocadas (REV) e perda do reflexo
de peixes têm respostas variadas frente vestíbulo-ocular (OVR) (OIE, 2017).
aos diferentes métodos, onde estudos Alguns métodos utilizados para in-
demonstraram como adequados, por sensibilização de peixes são irreversí-
exemplo, o uso de pino perfurante ou veis, sendo por isso, indicados pela OIE
bala livre para Atum e atordoamento (2017), como por exemplo: concussão
por percussão ou elétrico para Carpas e cerebral (comumente utilizado em pei-
Salmonídeos (OIE, 2017). O principal xes de grande porte proveniente da pes-
efeito de estresse severo no pré-abate ca extrativa), perfuração cerebral por
e abate é observado nas propriedades pistola de ar comprimido ou por objeto
físico-químicas da carne, pois com a perfuro cortante. Esses métodos são ge-
exaustão da energia muscular, se produz ralmente utilizados quando se pretende
mais ácido lático antes do abate animal, comercializar o peixe em filés ou postas,
reduzindo o pH muscular e aumentan- já que causam deformações na cabe-
do a velocidade de entrada e resolução ça, tornando a aparência desagradável
do rigor mortis (BORDIGNON, 2015). (BORDIGNON, 2015).
Alguns dos principais métodos de Alguns métodos consistem em ator-
insensibilização e abate usados comer- doamento por choque elétrico ou por
6. Discussões atuais sobre abate de peixes 107

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adição de gases em misturas de água (Eugenia caryopHyllata e E. aromatica)
gelo, visando um abate mais eficien- capaz de causar desde simples analgesia
te, que aumente a vida de prateleira do até óbito, com tudo sua ação fisiológica
produto final. Esses são muito utiliza- nos peixes, assim como a permanência
dos por indústrias europeias e chilenas no músculo, ainda é pouco conhecida
para o abate de truta e salmão, apesar de (RIBAS et al., 2007).
serem considerados onerosos se aplica- O método de abate por sangria con-
dos a espécies de baixo valor comercial. siste em perfuração ou corte das brân-
(SCHERER, 2005). quias, com posterior lavagem e mer-
O dióxido de carbono tem sido utili- gulho do peixe em água gelada (1ºC)
zado como um método de atordoamen- (OLSEN, 2008). Para garantir o bem-
to no abate de peixes. Há relatos que a -estar animal com esse método pode-se
resposta de salmão ao ambiente ácido realizar em conjunto com uma prévia
e o atordoamento causado por hipóxia insensibilização, entretanto, diversas
com CO2 levou a um estresse agudo e indústrias utilizam a sangria sem este
reação de fuga. O uso do atordoamen- cuidado.
to por CO2 pode provocar um início Um dos métodos de abate de peixes
mais precoce de rigor mortis e amole- mais usual é a imersão em água e gelo
cimento da textura muscular (ROTH, (ASHLEY, 2007), pois a baixa tempe-
MOELLER & SLINDE, 2009). ratura diminui a taxa de metabolismo
Substâncias anestésicas são bastante e o consumo de oxigênio e, finalmente,
utilizadas para reduzir a hipermotilida- imobiliza o peixe até que ocorra a morte
de, além de reduzir o estresse causado do animal. Esse método é um dos mais
pela manipulação dos peixes durante as utilizados em indústrias localizadas em
atividades de manejo. Porém os méto- locais quentes devido à facilidade de
dos baseados no uso de produtos anes- aplicação. O choque térmico pode tor-
tésicos químicos para o abate destes nar o peixe imóvel e aparentemente in-
animais não são adequados na produ- sensível, porém não existem comprova-
ção de pescado para consumo huma- ções científicas de que a insensibilidade
no, devido à possibilidade de ingestão a dor de fato ocorra através do choque
dos resíduos destes agentes que podem térmico, pois é possível que o peixe per-
permanecer no músculo dos peixes. O maneça consciente, apesar de paralisado
óleo de cravo é um agente narcotizan- (ROBB & ROTH, 2003).
te relativamente novo na piscicultura e
seu princípio ativo é o eugenol (4-Allyl- 4. Considerações finais
2-methoxyphenol) proveniente do O consumo de peixes vem crescen-
caule, flores e folhas do cravo-da-índia do no mundo todo e percebe-se que a
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Quadro 1: Resumo dos métodos de atordoamento / abate de peixes e seus respectivos problemas de bem-estar (Uma
combinação dos métodos descritos na tabela a seguir pode ser usada).

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Método de Método  Preocupações / principais requisitos
Atordoamento/ Vantagens Desvantagens
específico de bem-estar de peixe
sacrifício
O golpe deve ser forte o suficiente acima
do cérebro ou na área adjacente para Um movimento descontrolado do
alcançar a perda imediata da consciên- peixe pode dificultar a operação ma-
cia. Os peixes são removidos da água Perda imediata de nual do equipamento. Se o golpe for
rapidamente, são segurados e recebem conciencia. Adequado muito fraco, o atordoamento pode
Atordoamento
um golpe rápido na cabeça, seja manu- para peixe médio a falhar. Pode causar ferimentos. O
por percussão
almente ou por percussão automática. grande. atordoamento manual por percussão
A eficácia do atordoamento deve ser pode ser usado apenas para abater
verificada e, se necessário, o peixe será um número limitado de peixes de
atordoado novamente. O método pode tamanho similar.
Mecânico ser usado para atordoar ou abater.
Perda imediata de
O objeto deve apontar para a cabeça consciência Adequado

6. Discussões atuais sobre abate de peixes


do peixe em posição de penetrar no para peixe médio a
Uma aplicação imprecisa pode causar
Objeto cérebro e o impacto deve causar perda grande. Para o atum
ferimentos. É difícil aplicar se os
perforo-cortante imediata de consciência. Os peixes são pequeno, a perfura-
peixes estiverem agitados. Pode ser
(Espeto/pino rapidamente removidos da água, fixados ção sob a água evita
usado apenas para abater um núme-
perfurador) e imediatamente inseridos no cérebro. a exposição ao ar. A
ro limitado de peixes.
O método pode ser usado para atordoar janela pineal do atum
ou abater facilita a perfuração
desta espécie.

(continua)

109

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(Continuação)

110
Método de Método  Preocupações / principais requisitos de

ctimpresso 89.indb 110


Atordoamento/ específico Vantagens Desvantagens
bem-estar de peixe
sacrifício
É necessário adaptar a distância de tiro
Perda imediata
e o calibre necessário. A superlotação
Deve ser cuidadosamente direcionado ao cérebro. de consciencia. excessiva e o ruído das armas podem
O peixe deve estar na posição correta e a distân- Adequado para causar uma reação de estresse. A con-
Mecânico (cont.) Bala (tiro)
cia de tiro deve ser a menor possível. O método peixes grandes (por taminação da área de trabalho devido
pode ser usado para atordoar ou abater exemplo, atum à liberação de fluidos corporais pode
representar um risco de biossegurança.
grande).
Pode ser perigoso para os operadores.
Perda imediata
de consciência
Envolve a aplicação de uma corrente elétrica de Difícil de padronizar para todas as espé-
Adequado para
intensidade, frequência e duração suficientes para cies. Os parâmetros de controle ótimos
Atordoa- peixes pequenos e
causar a perda de consciência imediatamente. O para algumas espécies são desconhe-
mento médios. Adequado
método pode ser usado para atordoamento ou cidos. Pode constituir um risco para os
elétrico para um grande
abate. O equipamento deve ser projetado para operadores.
número de peixes,
essa finalidade e mantido adequadamente.
sem a necessidade de
Elétrico
removê-los da água.
O posicionamento inadequado do peixe
A cabeça do peixe deve primeiro entrar no siste-
Atordoa- ma para que a eletricidade seja aplicada primeiro Bom controle visual pode causar atordoamento inadequado.

Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018


mento elé- ao cérebro. Envolve a aplicação de uma corrente do atordoamento Os parâmetros exatos de controle para
trico em elétrica de intensidade, frequência e duração su- e capacidade de algumas espécies são desconhecidos.
condições ficientes para causar a perda de consciência ime- atordoar o indivíduo Não é adequado para grupos de peixes
semi-secas diatamente. O equipamento deve ser projetado novamente. de tamanhos diferentes
para essa finalidade e mantido adequadamente.
[Nota: os termos peixe pequeno, médio e grande devem ser interpretados de acordo com a espécie em questão.]
Fonte: OIE, 2017

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produção com qualidade é um grande de comportamento do peixe e os prin-
desafio atualmente na aquicultura. O cípios básicos necessários para realizar
bem-estar é um fator importante ao lon- seu trabalho. Alguns métodos de ator-
go da produção animal e principalmen- doamento e abate podem representar
te durante o manejo pré-abate e o abate, certos riscos, por tanto a formação do
uma vez que existe uma forte correlação pessoal deve abranger as implicações
entre estresse e qualidade final da carne. para a saúde ocupacional e a segurança
Não é possível chegar ao consenso dos métodos utilizados, como destaca a
de um único método de abate para pei- OIE no Codigo Sanitário para Animais
xes, pois há uma grande diversidade de Aquaticos.
espécies marinhas e dulcícolas de inte-
resse comercial. Cada uma dessas es- 5. Bibliografia
pécies possui suas particularidades que 1. ASHLEY, P. J. Fish welfare: Current issues in
aquaculture. Applied Animal Behaviour Science, v.
devem ser consideradas no momento 104, n. 3-4, p. 199–235, 2007.
da escolha do método de abate, levan- 2. BAGNI, M.; CIVITAREALE, C.; PRIORI, A.;
do também em consideração o menor BALLERINI, M.; FINOIA, M.; BRAMBILLA,
sofrimento do animal, atendendo a um G.; MARINO, G. Pre-slaughter crowding stress
and killing procedures affecting quality and wel-
mercado consumidor cada vez mais exi- fare in sea bass (Dicentrarchus labrax) and sea bre-
gente em relação ao bem-estar. am (Sparus aurata). Aquaculture, v. 263, p. 52-60,
2007.
Sabe-se que a União Européia já
3. BORDIGNON, A. C. Eletronarcose como méto-
possui projetos de normas específicas do de insensibilização para a tilápia-do-nilo. Tese
para o abate humanitário de pescado. (doutorado) - Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho, Centro de Aquicultura de
Então, muito em breve, a Europa deve Jaboticabal, 2015.
exigir de países exportadores que se 4. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e
adequem para que haja comercialização, Abastecimento. Instrução Normativa nº 03, de
17 de janeiro de 2000. Regulamento técnico de
como já é praticado para outras espécies métodos de insensibilização para o abate huma-
há mais tempo. Visto isso, serão neces- nitário de animais de açougue. Diário Oficial da
União, Brasília, 24 de janeiro de 2000.
sárias mais pesquisas nessa área para se
produzir dados e recomendações para 5. CONTE, F. S. Stress and welfare of cultured
fish. Official Journal of the International Society for
melhores práticas e futuras legislações. Applied Ethommolog, v. 86, n. 3-4, p. 2005-223,
Vale ressaltar que os responsáveis​​ 2004.

pelo manejo, atordoamento e abate de 6. FAO - FOOD AND AGRICULTURE


ORGANIZATION OF THE UNITED
peixes desempenham um papel im- NATIONS. The State of World Fisheries and
portante em seu bem-estar. O pessoal Aquaculture. Roma, 2011.
que cuida do atordoamento e do aba- 7. FAO - FOOD AND AGRICULTURE
ORGANIZATION OF THE UNITED
te deve ter experiência e competência NATIONS. The State of World Fisheries and
para manuseá-lo, entender os padrões Aquaculture – Globefish Highlights, Roma, 2016.

6. Discussões atuais sobre abate de peixes 111

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8. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e methods for anaesthetizing Senegal sole (Solea
Estatística. Produção da pecuária municipal, Rio senegalensis) before slaughter: stress responses
de Janeiro, v. 44, p. 1-51, 2016. and final product quality. Aquaculture, v. 269, p.
250–258, 2007.
9. LAMBOOJI, E.; KLOOSTERBOER, K.;
GERRITZEN, M. A.; ANDRE, G.; VELDMAN, 18. ROBB, D. H.; ROTH, B. Brain activity of Atlantic
M.; VAN DE NIS, H. Electrical stunning follo- salmon (Salmo salar) following electrical stun-
wed by decapitation or chilling of African catfish ning using various field strengths and pulse du-
(Clarias gariepinus): assessment of behavio- rations. Aquaculture, v. 216, n. 1-4, p. 363–369,
ral and neural parameters and product quality. 2003.
Aquaculture Research, v. 37, p. 61-10, 2002.
19. ROTH, B., MOELLER, D., SLINDE, E. Ability
10. LINES, J.; KESTIN, S. Electric stunning of trout: of electric field strength, frequency, and current
power reduction using two-stage stun. Journal duration to stun farmed Atlantic salmon and
Aquaculture Engineering, v. 32, p. 483-491, 2005. pollock and relations to observed injuries using
sinusoidal and square wave alternating current.
11. OLSEN S.H., SORENSEN N.K., LARSEN R., North American Journal of Aquaculture, v. 66, p.
ELVEVOLL E.O., NILSEN H. Impact of pre-slau- 208–216, 2009.
ghter stress on residual blood in fillet portions of
farmed Atlantic cod (Gadus morhua) – Measured 20. SCHERER, R. Effect of slaughter method on post-
chemically and Visible and Nearinfrared spectros- mortem changes of grass carp (CtenopHaryngodon
copy. Aquaculture, Amsterdam, v.284, p.90 – 97, idella) stored in ice. Journal Food Science, v.70, p.
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12. PEDRAZZANI, A. S.; FERNANDES-
CASTILHO, M.; CARNEIRO, P. C. F.;
MOLENTO, C. F. M. Bem-estar de peixes e a
questão da senciência. Arquives of Veterinnary
Science, v. 11, n. 3, p. 60-70, 2007.
13. PEDRAZZANI, A. S.; MOLENTO, C. F. M.;
CARNEIRO, P. C. F.; CASTILHO, M. F. Opinião
pública e educação sobre abate humanitário de
peixes no município de Araucária, Paraná. Ciência
Animal Brasileira, v. 9, n. 4, p. 976- 983, 2008.
14. POLI, B. M.; PARISI, G.; SCAPPINI, F.;
ZAMPACAVALLO, G. Fish welfare and quality
as affected by pre-slaughter and slaugther mane-
gement. Aquaculture, v. 12, p. 29-30, 2005.
15. QUABIUS, E. S.; BALM, P. H.; WENDELAAR
BONGA, S. E. Interrenal stress responsiveness of
tilapia (Oreochromis mossambicus) is impaired by
dietary exposure to PCB 126. General and compa-
rative endocrinology, v. 108, n. 3, p. 472–82, 1997.
16. OIE – ORGANIZACION MUNDIAL DE
SANIDAD ANIMAL. Aspectos Relativos Al
Bienestar En El Aturdimiento Y El Sacrificio De
Peces De Cultivo Para Consumo Humano – IN:
Codigo Sanitario para los Animales Acuáticos
(2017). Disponível em: http://www.oie.int/
index.php?id=171&L=2&htmfile=chapitre_
welfare_stunning_killing.htm, acessado em
30/01/2018.
17. RIBAS, L., FLOS, R., REIG, L., MACKENZIE,
S., BARTON, B.A., TORT, L. Comparison of

112 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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7. Alguns mitos
e verdades sobre
pescado

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Sarah Antonieta de Oliveira Veríssimo¹ - CRMV 15962,


Daniele Salgueiro de Melo²,
Ana Carolina Garcez Bueno Carneiro³,
Lílian Viana Teixeira4 - CRMV 7357
1
Médica veterinária, doutoranda em Ciência Animal pela UFMG
2
Aquacultora, mestranda em Zootecnia pela UFMG
3
Aquacultora pela UFMG
4
Professora associada, médica veterinária, mestra e doutora, DTIPOA, Escola de Veterinária, UFMG

1. Introdução uma vez que o pescado


A informação correta é um alimento com inú-
Há muitos mitos so- precisa ser difundida
bre pescado que preci- para a população meros benefícios, como
sam ser esclarecidos para ser altamente nutritivo,
a sociedade, e é papel de fácil digestão e constituído por carne
dos profissionais das áreas das ciências
magra, entre outros fatores. Para finali-
agrárias e da saúde se esforçarem para
que isso ocorra. A informação correta zar este Caderno Técnico, elucidaremos
precisa ser difundida para a população, aqui alguns desses mitos.
7. Alguns mitos e verdades sobre pescado 113

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2. Mitos e verdades que é um corte de carne bastante apreciado
pelos brasileiros, pode variar de R$ 35 a R$
2.1 Manter o consumo de 70 o quilo, e a alcatra é encontrada no valor
pescado é muito caro aproximado de R$ 25 o quilo (dados de
Muito se ouve que consumir pes- mercado, recolhidos em 2017).
cado regularmente seria inacessível nas Assim, observa-se que, muitas vezes,
contas do final de mês dos consumido- não é a questão econômica o problema,
res devido ao elevado preço com que sendo ideal conscientizar a população
o produto chega ao mercado. Pode-se dos benefícios do consumo desse tipo
dizer que esse senso comum se deve cárneo, para que se crie o hábito do
à cultura brasileira de consumo cár- consumo.
neo. Segundo RIBEIRO e CORÇÃO 2.2. Todo peixe de água doce
(2013), em nossa hierarquia alimentar, tem gosto de barro
a carne bovina estaria no topo, seguida
das carnes brancas e, abaixo, produtos Em uma pesquisa de opinião re-
de origem animal, como ovos e queijo. alizada em várias cidades brasileiras,
Vale salientar que peixe, para o senso observaram que cerca de 9% das pes-
comum, muitas vezes não é considerado soas entrevistadas disseram não comer
carne. Além dessa hierarquia alimentar, peixe porque eles têm gosto de barro
há também a periodicidade de se consu- ou de terra. Quando foram excluídas
mir pescado somente em determinadas as cidades litorâneas, onde o consumo
épocas do ano, como Quarta-Feira de de peixe marinho é maior, o percentual
Cinzas, Semana Santa, Páscoa e Natal. de não consumidores de peixe por esse
Na realidade, com motivo subiu para 16%
frequência se encontra A coloração (KUBITZA e LOPES,
o quilo de determina- avermelhada que 2002).
do pescado mais barato conhecemos é devida a O gosto de
que a carne bovina, por um pigmento chamado barro, denominado of-
exemplo, mas, devido astaxantina. f-flavor, é devido à cap-
à cultura do consumo tação passiva de com-
em determinadas épo- postos, principalmente
cas, não é comum venda superior a ou- a geosmina (GEO) e o metilisoborneol
tras carnes. Nos supermercados de Belo (MIB), que são produzidos por microal-
Horizonte, encontramos peixes no valor de gas e cianobactérias presentes natural-
R$ 9,90 a R$ 39,90, entre eles merluza, sardi- mente no ambiente ou em viveiros. Um
nha, tilápia, cação, polaca-do-alasca, filés tipo peixe em seu ambiente natural encon-
bacalhau e outros, enquanto uma picanha, trará diversas fontes de alimento, que

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influenciarão seu gosto (KUBITZA, 2.3 A cor alaranjada do
1999). salmão é por causa de um
Uma forma de controle nas pisci- composto derivado de
culturas para tentar evitar o gosto ca- petróleo
racterístico nos animais é a restrição da O salmão é um peixe originalmente
produção primária, que são as algas e as de  carne  branca como todos os outros.
cianobactérias, de forma a não acumu- A coloração avermelhada que conhece-
lar GEO e MIB no sistema. Outra op- mos é devida a um pigmento chamado
ção seria, no momento da despesca ou astaxantina. Esse pigmento é um carote-
antes do abate, usar a técnica conhecida noide, sintetizado por algas e organismos
como depuração. Nesta, os animais são unicelulares, que, por sua vez, são fonte
colocados em tanques de alvenaria com de alimentação dos camarões, que o acu-
renovação contínua de água, limpa e ae- mulam na carne e na casca. O salmão que
rada, não havendo um tempo predeter- vive na natureza é um grande predador
minado desse procedimento para a eli- desse crustáceo, e esse pigmento acaba se
minação total do off-flavor (PIMENTA acumulando na carne do salmão também
e GESTO, 2011). (OLIVEIRA, et al.,2011).

Foto 1: Filé de salmão. Fonte: www.carnitech.com

7. Alguns mitos e verdades sobre pescado 115

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A astaxantina é, ainda, responsável ácido úrico sérico); substâncias tóxi-
pelas cores amarelas, laranja e verme- cas, como chumbo (gota saturnínica)
lhas de muitos alimentos, tais como fru- e doenças associadas (comorbidades),
tas, vegetais, gema de ovo, alguns pei- como síndrome metabólica, obesida-
xes, como salmão e truta, e crustáceos de, insuficiência renal, cálculos renais,
(MALDONADE et al., 2007). diabetes tipo 2 e doenças cardiovas-
O Chile é o principal fornecedor culares. Os humanos são susceptíveis
de salmão para o Brasil. Em 2016, o ao desenvolvimento de gota devido à
volume adquirido foi de 71,85 mil to- falta da enzima uricase, a qual meta-
neladas,  sendo animais provenientes boliza o ácido úrico formando alantoí-
de pisciculturas (SALOMÃO, 2018), na nos outros mamíferos (NOVAES,
alimentados com ração e não com ca- 2008).
marão, devido ao alto custo. Nesse caso,
os criadores adicionam, na dieta do
2.5. Todo peixe tem ômega 3
salmão, o pigmento astaxantina sinté- Ômega 3 é um tipo de ácido graxo
tico ou extraído da farinha de camarão poli-insaturado, assim como o ômega 6,
(OLIVEIRA, et al., 2011), conferindo a que estão presentes em muitos alimen-
coloração alaranjada à carne tos, como peixes, óleos vegetais, semen-
tes de linhaça, nozes e alguns tipos de
2.4. Comer peixe causa gota vegetais (MORAES e COLLA, 2006).
Entre os fatores de risco para gota, Todo peixe possui ômega 3, mas aqueles
temos: idade (a gota aumenta sua fre- que possuem esse ácido graxo em maior
quência com a idade); sexo masculi- quantidade são os peixes de águas frias e
no; etnia negra com maior incidência profundas (atum, salmão, arenque, sar-
de gota (talvez pela maior presença de dinha e cavalinha, bacalhau) (SUAREZ-
hipertensão arterial nesse grupo étni- MAHECHA, 2002).
co); hiperuricemia; obesidade; dieta Os peixes são a principal fon-
rica em purinas; resistência à insulina; te de alimentos com EPA (ácido
diabetes; ingestão alcoólica (particu- eicosapentaenoico) e DHA (ácido do-
larmente cerveja, que confere maior cosa-hexaenoico), dois tipos de ômega
risco que bebidas destiladas, enquan- 3. Todos apresentam essas substâncias;
to ingestão moderada de vinho parece o que varia são as quantidades entre
não aumentar o risco de gota); medi- as espécies e dentro de cada espécie,
camentos (diuréticos, particularmen- de acordo com variáveis ambientais,
​​
te tiazídicos, pirazinamida, etambutol, como dieta e origem dos peixes: se
ciclosporina, tacrolimus, e insulina em são selvagens ou de cativeiro (KRIS-
altas doses que aumentam as taxas de ETHERTON et al., 2002).
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Foto 2: Peixes e fontes de ômega 3. Fonte: www.hospitaldaer.com.br

Além da presença de ácidos graxos do pelo Brasil em 2009. Desde então,


essenciais, os peixes apresentam pro- multiplicaram-se as informações de que
teínas de alto valor biológico, alta bio- ele seria criado no esgoto e, portanto,
disponibilidade de ferro estaria contaminado por
e vitamina B12, e boas O pescado que for bactérias e até por me-
fontes de cálcio, sen- destinado ao consumo tais pesados despejados
do um alimento ideal cru deve ser submetido pelas indústrias no rio –
para consumo rotineiro previamente ao uma amostra de como a
(BRASIL, 2006). congelamento à entrada do produto no
temperatura de -20ºC Brasil desagradou aos
2.6. Peixe panga é (vinte graus Celsius produtores locais. A má
criado em esgoto negativos) por vinte fama do peixe ganhou
O Panga é um peixe e quatro horas ou a tamanha proporção que
asiático, criado no Rio -35ºC (trinta e cinco motivou duas missões
Mekong, no Vietnã, e graus Celsius negativos) sanitárias do Ministério
começou a ser importa- durante quinze horas. da Agricultura, Pecuária
7. Alguns mitos e verdades sobre pescado 117

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e Abastecimento (Mapa) ao Vietnã saúde do consumidor (SILVA et al, 2008)
para verificar a cadeia de produção do
2.7. Kani é carne de
Panga. Segundo o Mapa, inicialmen-
caranguejo
te foram solicitadas algumas adequa-
ções, mas hoje todas as exigências para O kani é feito de surimi, que é um
a exportação são atendidas pelo Vietnã termo japonês para carne de pescado
(PROTESTE, 2017). desossada, triturada e lavada, a qual
2.6 Comer peixe cru é perigoso é utilizada como matéria-prima para
Segundo a legislação atual (BRASIL, produção de uma série de imitações
2017) o pescado que for destinado ao de frutos do mar (MIRA e LANFER-
consumo cru deve ser submetido previa- MARQUEZ, 2005). Esse apresenta as
mente ao congelamento à temperatura de mesmas características nutricionais do
-20ºC (vinte graus Celsius pescado, o que, combi-
negativos) por vinte e São necessárias técnicas nado com preços aces-
síveis, tem contribuído
quatro horas ou a -35ºC de processamento
para que as pessoas para o aumento no con-
(trinta e cinco graus
Celsius negativos) du- possam consumir peixe sumo mundial de produ-
tos baseados no surimi
rante quinze horas. Essas frequentemente, além do
consumo in natura. (MARTÍN-SANCHEZ
são condições suficientes
et al., 2009). Entretanto,
para inativar as larvas de
embora a demanda por
qualquer parasita, evitando qualquer tipo
pescado tenha aumentado, nota-se
de contaminação por esses tipos de orga-
uma diminuição da sua oferta, espe-
nismos. O consumidor deve estar atento
cialmente em algumas regiões onde a
às condições de higiene do manipulador e
pesca predatória levou à diminuição
do local onde é comercializado o pescado
dos cardumes.
(MAGALHÃES, 2012). O cuidado com
a temperatura em que se encontra o pro- 2.8. O pescado fresco é
duto também é muito importante. Não melhor do que o que sofreu
basta exibir peixes sobre uma camada processamento
de gelo, como é comum em feiras e su- O pescado é um alimento altamente
permercados, a orientação é que o gelo perecível, que exige, portanto, cuidados
envolva todo o peixe, e que este esteja com seu manuseio e processamento,
preferencialmente em gôndolas ou mos- desde a captura até a chegada à mesa
tradores fechados. Os procedimentos de do consumidor (SOARES et al., 2011).
preparo, manipulação e conservação de- Para tanto, são necessárias técnicas de
vem ser realizadas com precauções sanitá- processamento para que as pessoas
rias para que o pescado não ofereça risco à possam consumir peixe frequentemente,
118 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 89 - agosto de 2018

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além do consumo in natura. 4. Bibliografia
Com relação à composição nutri- 1. BRASIL. Ministério da Agricultura e do
cional do pescado in natura e congela- Abastecimento (MAPA). Decreto nº 9013, de 29
de março de 2017. Regulamenta a Lei nº 1283, de
do, o tempo de armazenagem sob con- 18 de dezembro de 1950, e a Lei nº 7889, de 23 de
gelamento deve ser considerado por dezembro de 1989, que dispõem sobre a inspeção
industrial e sanitária de produtos de origem ani-
causar-lhe alterações se ele for armaze- mal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.
nado por longo período, como redução br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/
D9013.htm> Acessado em: 04 out. 2017
no conteúdo lipídico e no teor proteico
2. BRASIL. Ministério da Saúde. Guia Alimentar
(GUINAZI et al., 2006), mas vale sa- para a população brasileira: promovendo a ali-
lientar que a redução não impede o con- mentação saudável. Brasília: MS; 2005. Acessado
em: 20 de março de 2018. Disponível em:  http://
sumo desse alimento. Geralmente a for- www.sonutricao.com.br/downloads/Guia_
ma usual de consumo é eviscerado ou Alimentar_Populacao_Brasileira.pdf

em filé, mas também pode-se encontrar 3. GUINAZI, M.; MOREIRA, A. P. B.; SALARO,
A. L.; CASTRO, F. A. F. DE; DADALTO, M.;
pescado congelado, salgado, defumado, PINHEIRO-SANT’ANA, H. M. Composição
enlatado ou até mesmo em embutidos. química de peixes de água doce frescos e es-
tocados sob congelamento. Acta Scientiarum.
Technology, Maringá, v. 28, n. 2, p. 119-124, ju-
3. Considerações finais lho/dezembro, 2006.
4. KRIS-ETHERTON, P. M.; HARRIS, W. S.;
As questões apresentadas acima são APPEL, L. J. Fish Consumption, Fish Oil,
apenas algumas das mais recorrentes, Omega-3 Fatty Acids, and Cardiovascular
Disease.  Circulation, v. 106, p. 2747-2757, no-
dentre muitas outras que já existem e vembro, 2002.
que ainda surgirão com o crescimento 5. KUBITZA, F. “Off-flavor”, Nutrição, Manejo
da produção em cativeiro de pescado Alimentar e Manuseio Pré-Abate Afetam a
Qualidade do Peixe Destinado à Mesa. Panorama
e, consequentemente, com o aumento da Aquicultura, v. 9, n. 54, julho/agosto, 1999.
do consumo. Para elucidar tais dúvidas 6. KUBITZA, F.; LOPES, T. G. G. Com a palavra os
há diversas fontes confiáveis onde se consumidores. Panorama da Aquicultura, jan/fev,
2002.
pode realizar a consulta sobre este as-
7. MAGALHÃES, A.M.S. et al. Zoonoses parasi-
sunto. Atualmente, com a facilidade de tárias associadas ao consumo de carne de peixe
acesso a informação por meio da inter- cru. PUBVET, Londrina, V. 6, N. 25, Ed. 212, Art.
1416, 2012.
net, sites de organizações serias como 8. MALDONADE, I. R.; SCAMPARINI, A. R. P.;
FAO, OIE, Ministério da agricultura, RODRIGUEZ-AMAYA, D. B.; Brazilian Journal
of Microbiology, v. 38, n. 1, p. 65-70, 2007.
Embrapa, OMS (WHO), Proteste.org,
Aquaculture Brasil, Seafood Brasil, 9. MARTÍN-SANCHEZ, A. M.; NAVARRO, C.;
PÉREZ-ÁLVAREZ, J. A.; KURI, V. Alternatives
Aquaculture Cerificate, entre muitos for efficient and sustainable production of suri-
mi: A review. Comprehensive Reviews in Food
outros, podem ser facilmente acessados Science and Food Safety, v. 8, p. 359-374, 2009.
e consultados com segurança sobre suas 10. MIRA, N. V. M.; LANFER-MARQUEZ, U. M.
informações. Avaliação da composição centesimal, aminoáci-

7. Alguns mitos e verdades sobre pescado 119

ctimpresso 89.indb 119 09/08/2018 14:38:37


dos e mercúrio contaminante no surimi. Ciência
e Tecnologia de Alimentos. v. 25(4), p. 665-671,
2005.
11. MORAES F. P.; COLLA L. M. Revista Eletrônica
de Farmácia, v. 3, n. 2, p. 99-112, 2006.
12. NOVAES, Gilberto dos Santos. Gota. Revista da
Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba. v.
10, n. 2, p. 1 - 6, 2008.
13. OLIVEIRA, S. C. et al. Estudo da extração e esta-
bilidade dos carotenoides em amostras de salmão
(Salmo salar) cru resfriado e congelado durante o
armazenamento. Scientia Plena, São Cristóvão, v.
7, n. 5, maio 2011.
14. PIMENTA, M. E. S. G.; GESTO, M. C.
Tecnologia de pós-colheita em peixes. Lavras:
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15. PROTESTE - Peixe panga é seguro para con-
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Disponivel em: https://www.proteste.org.br/
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16. SALOMÃO, R. Chile quer elevar venda de
salmão ao Brasil para 100 mil t em dois anos.
Revista Globo Rural. Acessado em: 20 de mar-
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borural.globo.com/Noticias/Criacao/Peixe/
noticia/2017/06/chile-quer-elevar-venda-de-
-salmao-ao-brasil-para-100-mil-t-em-dois-anos.
html) ,
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18. SOARES, V. M.; PEREIRA, J. G.; IZIDORO,
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BIONDI, G. F. Microbiological Quality of Frozen
Fish Fillets Distributed in Botucatu City – São
Paulo. UNOPAR Científica Ciências Biológica e
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19. SUAREZ-MAHECHA, H. et al. Importância de
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xes de cultivo e de ambiente natural para a nutri-
ção humana. Boletim do Instituto de Pesca, São
Paulo, v.28, n.1, p.101-110, 2002.

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