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[18/03/2010] André M.

Nassar
Fertilizante estatizante Diretor-geral do Instituto de Estudos do
Comércio e Negociações Internacionais
(ICONE)

Leila Harfuch
Pesquisadora sênior do Instituto de Estudos
do Comércio e Negociações Internacionais
(ICONE)

O governo federal andou insistindo na ideia de criação de uma empresa estatal de produção e
comercialização de fertilizantes no Brasil. Os dois argumentos centrais em defesa dessa empresa
estatal seriam a necessidade de reduzir a dependência brasileira do mercado internacional, uma
vez que 74%, 49% e 92% do nitrogênio, do fósforo e do potássio, respectivamente, utilizados no
Brasil na produção de fertilizantes são importados; e a necessidade de promover maior
concorrência no mercado, tendo em vista que a produção de fertilizantes é um oligopólio no Brasil
e no mundo.

Os dois argumentos mostram que o tema é sensível. Os produtores rurais, como esperado, estão
preocupados com o assunto porque são eles que pagam a conta de fertilizantes mais caros.
Viabilizar o aumento da produção brasileira e promover maior concorrência na produção fazem
parte de um diagnóstico correto. Já o remédio, a estatal dos fertilizantes, está mais para adoecer
o paciente do que para curá-lo. O fundamental nesse debate é entender que o bom objetivo de
estimular concorrência no fornecimento de nutrientes básicos à produção de fertilizantes não será
resolvido com a criação de uma estatal. O buraco, na realidade, é mais embaixo.

A constatação de que a produção das matérias-primas básicas dos fertilizantes (nitrogênio, fósforo
e potássio) no Brasil não tem acompanhado a crescente demanda é um tema superado. A relação
entre a produção nacional e a importação de fertilizantes intermediários se movimenta em favor
das importações, que vêm ganhando fatia de mercado no decorrer do tempo. Os dados da
evolução por nutriente mostram a mesma tendência. No caso do nitrogênio, a produção doméstica
representava, em 2002, 47% do mercado e em 2008 representou 26%. No caso do fósforo, esse
movimento foi de 57% para 51% e, no caso do potássio, de 12% para 8%.

Não somente a produção nacional tem menor participação na oferta total, com exceção do fósforo,
como também não tem conseguido acompanhar a demanda. Além disso, comparando o Brasil com
o resto do mundo, os números também chamam a atenção. O Brasil é o terceiro maior importador
mundial de nitrogênio, atrás apenas dos EUA e da Índia, é o maior importador de fósforo e o
segundo maior importador de potássio, também atrás dos EUA.

A dependência de importações, no entanto, é uma questão capenga quando não analisada em


conjunto com a estrutura de formação de preços dos fertilizantes no Brasil. A questão-chave a ser
respondida aqui é a seguinte: os preços domésticos de fertilizantes pagos pelos produtores no
Brasil seguem os preços mundiais? Se seguem, o problema dos elevados preços está no mercado
mundial. Se não seguem, há razões para se pensar em políticas de estímulo a maior concorrência.
Para responder a essa pergunta desenvolvemos um estudo analisando os preços internacionais e
os preços pagos pelos produtores.

Nossa conclusão foi a seguinte: os preços domésticos são determinados pelos preços mundiais,
mas, com exceção da ureia, fertilizante à base de nitrogênio, as variações nos preços ao produtor
do superfosfato simples e do cloreto de potássio são explicadas apenas em parte pelas oscilações
dos preços internacionais, sugerindo que maior concorrência seria salutar para o produtor rural.
Vamos entender o que essa conclusão quer dizer.

Quando são analisados os preços internacionais da ureia, da rocha fosfática e do cloreto de


potássio e são comparados aos preços de importação do Brasil e aos preços dos produtos
equivalentes praticados no mercado doméstico (aqui utilizamos os preços em dólar para eliminar
oscilações cambiais), observamos que, para cada linha de produto - nitrogênio, fósforo e potássio
-, os preços andam absolutamente juntos.

Como grande parte da oferta brasileira é feita a partir de matéria-prima importada (74%, 49% e
92%, respectivamente), a conclusão de que os preços internacionais determinam os preços
domésticos era esperada. Aliás, essa constatação demonstra que a concentração na produção
doméstica não é forte o suficiente para impedir o mercado de funcionar. Ao contrário: na formação
dos preços, o mercado está funcionando bem.

Essa conclusão tem uma implicação: como os preços internacionais são determinantes dos preços
domésticos, o produtor brasileiro estará sempre sujeito aos movimentos de mercado na Rússia
(nos três produtos), na China, no Canadá, na Alemanha, no Marrocos, na Tunísia, na Ucrânia e
nos EUA (em pelo menos um produto), a menos que o Brasil reduza sua dependência de
importações. A oferta, como se vê, é concentrada. Aliás, não poderia ser diferente, porque, sendo
um setor muito intensivo em capital, demandante de elevados investimentos e com ganho de
escala, a produção de nutrientes, em qualquer lugar do mundo, será sempre concentrada.

Superado o problema da formação dos preços, fizemos a análise da influência dos preços
internacionais nas oscilações dos preços domésticos. A pergunta aqui é a seguinte: quando os
preços domésticos oscilam - aliás, eles fazem isso o tempo todo -, quanto dessas variações pode
ser explicado por oscilações nos preços internacionais e/ou por variáveis associadas ao mercado
doméstico, tais como demanda e, por que não, concentração da produção? Quando esse valor é
muito elevado, como no caso da ureia, é sinal de que os movimentos no mercado doméstico
refletem integralmente os do internacional.

Já no caso do superfostato simples e do cloreto de potássio, cujos valores encontrados foram


menores, fatores associados à estrutura da indústria têm peso elevado nos movimentos de
mercado doméstico. Neste caso, estimular competição na indústria será benéfico para os
produtores rurais e é isso que o governo deveria estar perseguindo, em vez de advogar a volta do
capital estatal ao setor.

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