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DOSSIER TÉCNICO

Iluminação artificial em horticultura


protegida: uso de leds
A horticultura protegida desempenha um papel preponderante na produção de alimentos de
qualidade e de valor acrescentado. A disponibilidade da radiação solar é fundamental para
o crescimento e desenvolvimento das culturas hortícolas. O recurso à iluminação artificial
pode ser feita como suplemento da luz natural, quando esta é insuficiente, ou para prolongar
o fotoperíodo. Cada espécie hortícola tem exigências próprias de qualidade e intensidade de
radiação. A tecnologia LED é a mais utilizada pelas vantagens que apresenta em relação aos
sistemas tradicionais de luz.

Maria da Graça Palha . INIAV, I.P. ra além de protegerem as plantas dos efeitos ad-
versos de diversos elementos climáticos (vento,
chuva, granizo, neve ou temperaturas extremas),
permitem alongar a época de produção, quer pela
Horticultura protegida antecipação (produção precoce), quer pelo atraso
A produção de hortícolas em cultura protegida pre- (produção tardia). Por outro lado, a aplicação des-
tende, de certa forma, proporcionar microclimas ta técnica de cultivo, possibilita uma maior flexi-
favoráveis para o crescimento e desenvolvimento bilidade nos calendários e na eleição das espécies
das plantas, contribuindo para a melhoria da pro- a produzir. Hoje em dia, em Portugal, utilizando
dutividade das culturas e a qualidade de produção. cultivares com diferentes capacidades produtivas
Trata-se de um sistema intensivo de produção que e tecnologias específicas de produção é possível
se caracteriza por uma elevada produtividade e produzir muitas hortícolas praticamente durante
pelo uso mais eficiente de fatores de produção. o ano inteiro.
Segundo a Organização das Nações Unidas pa- Em Portugal, a horticultura protegida ocupa uma
ra a Agricultura e Alimentação (FAO), fornecer área de 4301 ha (INE, 2017). Nos últimos anos, este
alimentos adequados para a crescente população valor aumentou significativamente pela enorme
mundial é um dos desafios mais sérios do sécu- expansão de área em estufas e túneis na região do
lo XXI. Recursos financeiros insuficientes, água Alentejo Litoral, nomeadamente de pequenos fru-
doce limitada, terras agrícolas limitadas, clima tos (framboesa e mirtilo), que ocupam uma área
desfavorável e luz inadequada para a fotossíntese de cerca de 1200 ha no perímetro regado de Mira
são algumas das barreiras a superar para melho- (Dias, 2019). As áreas de horticultura protegida
rar a produção agrícola (Mahdavian & Wattana- localizam-se maioritariamente junto ao litoral,
pongsakorn, 2017). Segundo estes autores, o uso de devido à sua característica de temperatura ame-
estufas para produção industrial pode resolver ou na. Cerca de 75-85% da área protegida correspon-
reduzir os problemas atrás referenciados. de a túneis simples e múltiplos, com estruturas
No cenário atual de alterações climáticas com metálicas, enquanto 10-12% corresponde ainda a
ocorrência de eventos extremos, a horticultura estruturas de madeira e 2-3% a estufas com vidro
protegida desempenha um papel preponderante (Costa et al., 2015). A área com culturas sem solo
na produção de alimentos de qualidade e de va- (cultivo hidropónico e em substrato) tem vindo
lor acrescentado. As estruturas de proteção, pa- a aumentar, acompanhando a modernização das

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Figura 1 – Representação esquemática da influência da luz nas respostas fisiológicas das plantas (adaptado de Almeida e Reis, 2017)

estruturas e os recentes investimentos no setor. dade fotossintética e a produtividade das culturas.


A radiação solar, a temperatura, o anidrido carbó- O recurso à iluminação artificial e a um eficiente
nico (CO2) e a humidade relativa do ar são elemen- sistema de aquecimento são formas de compensar
tos que podem ser manipulados em estufas agríco- a limitação da luz e as baixas temperaturas. Já nas
las, de modo a estimular o crescimento vegetativo regiões mediterrânicas, onde se inclui Portugal,
e reprodutivo e, consequentemente, a produtivida- os maiores constrangimentos são: ocorrência de
de das culturas. temperaturas abaixo das ótimas durante um a três
meses; altas temperaturas diurnas na primavera e
Manipulação da luz verão; alta humidade relativa noturna; ventos, ne-
A radiação solar é um dos principais fatores am- ve e granizo inesperados; e pouca disponibilidade
bientais que influenciam a vida das plantas, no- de água (Marques, 2017).
meadamente a radiação PAR (radiação fotossinte- Em horticultura protegida, a manipulação da luz
ticamente ativa), através da sua influência em pro- pode ser feita com três finalidades: aumento da
cessos biológicos como a fotossíntese, a transpira- intensidade da radiação solar ou do fotoperíodo
ção e a taxa de desenvolvimento da planta (Fig. 1). (número de horas de luz) através da iluminação
As plantas recebem a luz através de fotorrecetores, artificial; redução da radiação, através de som-
como os fitocromos e criptocromos, e respondem breamento ou blackout; e modificação do espec-
a esses recetores produzindo uma série de respos- tro de radiância recebida, através de ecrãs colori-
tas fisiológicas específicas. dos ou iluminação com leds coloridos (Almeida e
Nas regiões situadas a maiores latitudes, a luz em Reis, 2013).
conjunto com a temperatura são dois fatores am- A manipulação da luz nas estufas para aumento
bientais mais restritivos para o desenvolvimento da intensidade luminosa ou do fotoperíodo é fei-
das plantas, podendo ser limitantes no período ta com recurso a lâmpadas de diferentes tipolo-
outono-inverno, quando a intensidade luminosa gias, conforme a espécie hortícola e o objetivo da
e a temperatura são mais baixas, afetando a ativi- produção.

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Figura 2 – Estufa de plantas ornamentais com sistema de iluminação artificial

Iluminação artificial da luz natural quando esta é insuficiente ou para


No setor produtivo e de experimentação, a ilumi- prolongar o fotoperíodo. Pode também ser usada
nação artificial é usada como única fonte de abas- quando se pretende alterar a composição espectral
tecimento ou como complemento de luz solar. da radiação.
A luz artificial como única fonte de luz é forneci- Como suplemento da radiação solar, a luz artificial
da em sistemas de produção hortícolas em que as contribuirá para o aumento da taxa fotossintética
condições ambientais (temperatura, iluminação, da cultura com maior produção de fotoassimilados
humidade e concentração de CO2) são controladas e, consequentemente, para o incremento da produ-
inteiramente por dispositivos de controlo de am- tividade. Normalmente, a aplicação da luz faz-se
biente que funcionam automaticamente. São desig- no final de outono e no inverno.
nados, entre outros, por Indoor Farming (IFARM). Com a alteração do comprimento do dia (aumento)
O aparecimento destas unidades está associado à pretendem-se efeitos na morfofisiologia das plantas
agricultura urbana, à produção de alimentos de como o stretching da planta (aumento do caule, dos
melhor qualidade e segurança alimentar em sis- pecíolos e dos pedicelos, entre outros), a quebra de
temas sem solo e à produção o ano inteiro. Em dormência e a diferenciação floral nas espécies
ambientes fechados, tais como as câmaras de cres- hortícolas em que a floração é regulada pelo com-
cimento, utiliza-se também apenas a luz artificial primento do dia. Em anos menos frios, a compensa-
para efetuar estudos fisiológicos de plantas, de se- ção de frio para a quebra de dormência das cultiva-
mentes, cultura de tecidos, etc. res mais exigentes pode ser feita com a interrupção
Em estufas e túneis (Fig. 2), a iluminação artifi- do período escuro (noite) com períodos cíclicos de
cial é frequentemente utilizada como suplemento iluminação entre 15 e 30 minutos por hora.

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Figura 3 – Setor de estufa com iluminação LED, às 9 h e às 18 h no mês de dezembro

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Figura 4 – Cronograma da tecnologia de produção tray de morangueiro, com ilustração da aplicação da iluminação LED no 2.º ciclo
de produção

As mudanças na composição espectral da luz in- Caso de estudo:


duzem diferentes respostas morfogenéticas e fo- luz led na cultura de morango
tossintéticas consoante a espécie. A iluminação com lâmpadas LED apresenta uma
A faixa espectral da radiação solar, radiação PAR, série de vantagens em relação à luz com outro
que ativa o processo de fotossíntese nas plantas tipo de lâmpadas. Permitem a utilização de com-
situa-se entre os 400-700 nm. Existem vários ti- primentos de onda específicos, consomem menos
pos de lâmpadas que possuem diferentes espec- energia, libertam pouco calor e têm maior dura-
tros de emissão de luz cuja escolha dependerá do bilidade. Apresentam, também, um desempenho
objetivo da produção. Os sistemas de iluminação superior em termos de eficiência energética (con-
tradicional baseiam-se em lâmpadas incandescen- versão de eletricidade em luz).
tes, fluorescentes, de sódio em alta pressão entre Desde 2014, o INIAV, I.P. tem vindo a desenvol-
outros, que se colocam sobre a canópia da cultura. ver estudos sobre o efeito da luz artificial, como
O aparecimento das lâmpadas LED (light emitting complemento da luz solar, na fisiologia e produ-
diode), em substituição das lâmpadas de vapor de tividade das plantas, com diferentes finalidades.
sódio de alta pressão, permitiu outras técnicas de Nos primeiros ensaios realizados com a cultura do
iluminação, como p. ex. a colocação de lâmpadas morangueiro em substrato e em cultura protegida,
entre as canópias de plantas, pois têm baixa emis- houve uma evidência do aumento da intensidade
são de calor. A possibilidade de juntar vários tipos luminosa (luz led 18 W, deep red/white com fluxo
de lâmpadas com diferentes espectros de emissão de fotões de 22 µmol s-1) ter melhorado a taxa fotos-
pode facilitar o crescimento ao longo do ciclo cul- sintética das plantas que apresentaram uma maior
tural (Almeida & Reis, 2017). área foliar em relação às plantas que cresceram
Cada espécie de planta tem exigências próprias de em condições de luz natural (Pestana et al., 2017).
qualidade e intensidade de radiação, sendo dife- A luz led suplementar foi aplicada de novembro
rentes para cada processo biológico. Ao selecionar a fevereiro, quando os valores da radiação foram
as combinações certas dos espectros e intensidade mais baixos (Fig. 3). Não obstante, a luz led não
da luz, pode-se controlar os vários processos bio- influenciou quer a precocidade da produção, quer
lógicos da planta, como a fotossíntese, a germina- a produtividade das plantas (Palha et al., 2019). Os
ção, o crescimento vegetativo e a floração. elevados níveis de radiância verificados durante a

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fase de frutificação, nos meses de março a junho, foram limitantes para a produtividade da cultura.
anularam o efeito da luz led. Já a aplicação da luz led em janeiro, para prolon-
Atualmente, encontra-se a decorrer o projeto gamento da duração do período diurno, promoveu
PDR2020 GO “Competitive South Berries” que a quebra de dormência das plantas e melhorou a
tem como principal objetivo aumentar a competi- qualidade da produção.
tividade dos pequenos frutos (amora, framboesa,
mirtilo e morango) na região Sul, através da ino- Bibliografia
vação das tecnologias de produção. Na cultura do Almeida, D. & Reis, M. (2017). Engenharia Hortícola. Publindús-
morangueiro estão a ser desenvolvidas algumas tria, Edições Técnicas, Porto.
inovações na tecnologia de produção tray. Com Costa, J.M.; Reis, M.; Passarinho, J.A.; Palha, M.G.; Carvalho,
a tecnologia tray é possível obter dois ciclos de S.M.P. & Ferreira, M.E. (2014). Sustentabilidade sócio-
produção, um no outono/inverno e outro na pri- -ambiental da horticultura protegida em Portugal. In: “VII
mavera (Fig. 4). Congreso Ibérico de Agroingeniería y Ciencias Hortícolas:
No 2.º ciclo de produção, a iluminação LED foi Innovar y Producir para el Futuro” (F.G.UPM, ed.), Madrid, pp
aplicada diariamente em janeiro, perfazendo ci- 1805-1810.
clos de 16 h de luz (fotoperíodo longo) até 22 de Costa, J.M.; Reis, M.; Passarinho, J.A.; Palha, M.G.; Carvalho,
março. O objetivo desta iluminação é quebrar a S.M.P.; Almeida, D. & Ferreira, M.E. (2015). Sustentabilidade
dormência das plantas, com reinício do cresci- ambiental da horticultura protegida em Portugal. Revista da
mento vegetativo e reprodutivo. Outra função, a Associação Portuguesa de Horticultura, 118:42-45.
simulação dos dias longos, estimula o alongamen- Dias, C. (2019). https://www.publico.pt/2019/03/17/local/no-
to dos pecíolos das folhas e pedúnculos florais, ticia/culturas-intensivas-vieram-agravar-realidade-ambiental-
melhorando as condições sanitárias da cultura e -social-concelho-odemira-1864562.
a qualidade da produção, com menos frutos defor- INE (2017). Inquérito à Estrutura de Explorações Agrícolas
mados (Patrício, 2019). 2016. Lisboa.
Mahdavian, M. & Wattanapongsakorn, N. (2017). Opti-
Nota final mizing Greenhouse Lighting for Advanced Agriculture
O setor de horticultura protegida encontra-se em Based on Real Time Electricity Market Price. https://doi.
franca expansão e constitui um setor estratégi- org/10.1155/2017/6862038.
co para suportar o crescimento populacional e a Marques, F.C. (2017). Metodologia TRIZ aplicada ao desen-
maioria de cenários de alterações climáticas com volvimento de uma estufa “Inteligente” energeticamente
eventos extremos. No entanto, é necessário ado- sustentável. Tese de Mestrado em Engenharia Mecânica,
tar estratégias que garantam a sustentabilidade FCT/UL, Lisboa.
ambiental, social e económica do setor (Costa et Palha, M.G.; Pestana, F. & Oliveira, C.M. (2019). Plant growth,
al., 2014). yield and fruit quality of Fragaria × ananassa genotypes under
O uso de iluminação artificial com lâmpadas LED supplemental LED lighting system and substrate cultivation.
em estufa/túnel dependerá da espécie e da finali- Acta Hortic., 1265:91-98.
dade da produção. No caso de estudo apresentado, Patrício, S.C. (2019). Avaliação do potencial de plantas tray
foi possível observar que a iluminação artificial de morangueiro. Arquitetura floral e produtividade. Tese de
como suplemento da radiação solar promoveu a Mestrado em Engenharia Agronómica, ISA/UL, Lisboa.
taxa fotossintética da cultura, mas não a produção Pestana, F.; Semedo, J.N.; Scotti-Campos, P.; Oliveira, C.M. e
precoce e total de frutos. Nas condições do en- Palha, M.G. (2018). Influência da iluminação LED no desem-
saio, embora os níveis de radiação solar tenham penho fotossintético de Fragaria × ananassa em substrato.
sido mais baixos durante o outono e inverno, não Actas Portuguesas de Horticultura, 29:272-277.

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