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Poemas
Tradução e seleção: André Caramuru Aubert
Na manhã de 24 de julho de 1966, um domingo, o poeta Frank O’Hara estava na praia, em Fire
Island, perto de Nova York, quando foi atropelado por um buggy. Levado ao hospital, com o
fígado dilacerado, ele morreria na manhã seguinte. Seu desaparecimento prematuro, aos
quarenta anos, interrompeu uma carreira muito peculiar que unia os mundos da poesia e das
artes plásticas. Naqueles anos em que Nova York fervilhava como o centro mundial da arte de
vanguarda, Frank O’Hara estava no centro do centro. E era um de seus mais refinados poetas.
Nos quinze anos anteriores, ele havia passado, no MoMA, onde trabalhava, do posto de
atendente no balcão de informações a um dos mais importantes curadores. Conviveu com
artistas como Jackson Pollock, Willem de Kooning, John Cage e Merce Cunningham. Figura
agregadora, ele era conhecido pela sua generosidade para com seus amigos e pela intensidade
com que vivia. Ao mesmo tempo, e, dado seu ritmo de vida, quase milagrosamente, escrevia
poemas sem parar, todos os dias, freneticamente. Um de seus livros, Lunch poems, tem este
título justamente porque seus versos foram escritos durante os intervalos para almoço no museu.
Em geral enquadrada na “New York School”, a obra de Frank O’Hara é totalmente pessoal. As
influências são múltiplas e vão do surrealismo francês ao simbolismo, passando por Maiakóvski
e a pintura expressionista. No livroDigressions on some poems by Frank O’Hara, de Joe
LeSueur, seu antigo companheiro, nos damos conta do quanto seus poemas são autobiográficos,
nem tanto no sentido de antigas reminiscências, mas muito sobre aquilo que aconteceu naquele
dia, naquela hora.
Frank O’Hara nunca foi publicado, em livro, no Brasil, embora seus poemas apareçam
traduzidos, esporadicamente, em sites e blogs literários.
AUTOBIOGRAPHIA LITERARIA
Eu detestava bonecos e eu
detestava jogos, os animais não eram
amigáveis e os pássaros
saíam voando.
JOSEPH CORNELL
Into a sweeping meticulously detailed disaster the violet light pours. It’s not a sky, it’s a
room. And in the open field a glass of absinthe is fluttering its song of India. Prairie winds
circle mosques.
You are always a little too young to understand. He is bored with his sense of the past, the
artist. Out of the prescient rock in his heart he has spread a land without flowers of near
distances.
JOSEPH CORNELL
Você é sempre um pouco novo demais para compreender. Ele está entediado com a sua noção
de passado, o artista. Para além da rocha presciente em seu coração, ele espalhou uma terra
sem flores de distâncias próximas.
POEM
POEMA
POEM
POEMA
Quando eu morrer, não venha, eu não iria querer que uma folha
se afastasse do sol — ele a adora lá.
Não há nada esotérico sobre estar feliz
mas você não pode perder um dia, porque isso não dura.
JUNE 2, 1958
2 DE JUNHO, 1958
RIO
to George Montgomery
It is next to my flesh,
that’s why. I do what I want.
And in the pale New Hampshire
twilight a black bug sits in the blue,
strumming its legs together. Mournful
glass, and daisies closing. Hay
swells in the nostrils. We shall go
to the motorcycle races in Laconia
and come back all calm and warm.
UM SUÉTER FRAMBOESA
TO MY DEAD FATHER
POEM
Wouldn’t it be funny
if The Finger had designed us
to shit just once a week?
POEMA
POEM
Talvez nós
conversemos novamente na África, pela qual eu também
tenho especial adoração. Volte a dormir agora
Frank, e eu de repente deixo um pequeno poema
nesta sua cabeça, como despedida.”
is even more fun than going to San Sebastian, Irún, Hendaye, Biarritz, Bayonne
or being sick to my stomach on the Travesera de Gracia in Barcelona
partly because in your orange shirt you look like a better happier St. Sebastian
partly because of my love for you, partly because of your love for yoghurt
partly because of the fluorescent orange tulips around the birches
partly because of the secrecy our smiles take on before people and statuary
it is hard to believe when I’m with you that there can be anything as still
as solemn as unpleasantly definitive as statuary when right in front of it
in the warm New York 4 o’clock light we are drifting back and forth
between each other like a tree breathing through its spectacles
and the portrait show seems to have no faces in it at all, just paint
you suddenly wonder why in the world anyone ever did them
.................................................................................I look
at you and I would rather look at you than all the portraits in the world
except possibly for the Polish Rider occasionally and anyway it’s in the Frick
which thank heavens you haven’t gone to yet so we can go together the first time
and the fact that you move so beautifully more or less takes care of Futurism
just as at home I never think of the Nude Descending a Staircase or
at a rehearsal a single drawing of Leonardo or Michelangelo that used to wow me
and what good does all the research of the Impressionists do them
when they never got the right person to stand near the tree when the sun sank
or for that matter Marino Marini when he didn’t pick the rider as carefully
.................................................................................as the horse
it seems they were all cheated of some marvellous experience
which is not going to go wasted on me which is why I’m telling you about it
é ainda mais divertido que ir a São Francisco, La Jolla, Tijuana, Tecate, Ensenada
ou ter o estômago revirado de enjoo na Madison Avenue em Nova Iorque
em parte porque nesta camisa laranja você me parece um São Francisco melhor mais feliz
em parte por causa do meu amor por você, em parte por causa do seu amor por vodca
em parte por causa das margaridas laranja fluorescente cercando os ipês
em parte por causa do mistério que nossos sorrisos vestem diante de gente e estatuária
é difícil de acreditar quando estou com você que pode haver algo tão imóvel
tão solene tão desagradavelmente definitivo quanto estatuária quando bem em frente
no ar quente das quatro da tarde em São Paulo nós vagamos em círculos num vai e vem
como uma árvore respirando por suas oftálmicas
Ao capitão do porto
To the harbormaster
Frank O´Hara
Poema
e é porque um arqueólogo
adentrou a câmara secreta do meu peito
e chacoalhou o papel que carrega seu nome
Estará sujo
como se parece sujo
é o que você pensa na cidade
Is it dirty
does it look dirty
that's what you think of in the city
Você nem sempre sabe o que estou sentindo. / Ontem à noite no ar morno de setembro enquanto
/ eu brandia uma invectiva contra alguém que não me interessa / era amor por você que me
inflamava, / e não é esquisito? pois em salas cheias de / estranhos minhas emoções mais tenras
/ contorcem-se e / dão à luz o grito. / Estenda sua mão, não há / um cinzeiro, de repente, ali?
Ao lado / da cama? E alguém que você ama adentra o quarto / e diz você não / quer os ovos um
pouco / diferentes hoje? E quando eles chegam são / apenas ovos mexidos comuns e o ar morno
/ permanece.
POEM
POEMA
MY HEART
MEU CORAÇÃO
ME LIGA
e o azul-celeste sorrir
e acastanhar minha forte
fé que o amor é.
LES LUTHS
while in Paris Monsieur Martroy and his brother Jean the poet
are reading a piece by Matthieu Galey and preparing to send a pneu
everybody here is running around after dull pleasantries and
wondering if The Hotel Wently Poems is as great as I say it is
and I am feeling particularly testy at being separated from
the one I love by most dreary of practical exigencies money
when I want only to lean on my elbow and stare into space feeling
the one warm beautiful thing in the world breathing upon my right rib
what are lutes they make ugly twangs and rest on knees in cafés
I want to her only your light voice running on about Florida
as we pass the changing traffic light and buy grapes for wherever
we will end up praising the mattressless sleigh-bed and the
Mexican egg and the clock that will not make me know
how to leave you
LES LUTHS
Nota - "Mexican egg" - traduzido por "ovo mexicano" [penúltima linha do poema] - é uma
receita apreciada nos Estados unidos à base de ovos, pimenta, tomate, queixo cheddar,
cebolinha verde e salsa.
MADRID
MADRI
o Retiro confiava-nos
todas aquelas traições
que nunca planejamos, mas tínhamos que, as folhas
os barcos estúpidos como a Escola Secundária
diante da Alhambra
diante do eco de tua voz
tenho feito umas outras coisas mas nunca contra ti
CANÇÃO
AVE MARIA
Matronas da América
deixem seus filhos irem ao cinema!
tirem eles de casa assim eles não ficam sabendo do que vocês aprontam
é verdade que ar fresco faz bem para o corpo
mas e quanto a alma
que cresce nas trevas, gravada em imagens prateadas
e quando vocês envelhecerem como envelhecerem vocês devem
eles não vão lhes odiar
eles não vão lhes criticar eles não vão saber
eles estarão em algum país glamouroso
que eles viram pela primeira vez numa tarde de sábado ou matando aula
HOJE
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*Alemão para "deve ser? não deve ser". Jogo com a pergunta de Beethoven no quarteto de
cordas nº 16, opus 35 (no caso, a frase é "muss es sein? es muss sein!"). Nesse caso, a
pergunta serve para questionar os padrões de sexualidade, tema que ainda era "novidade" na
época (entre aspas, já que homossexualidade é coisa discutida desde a Grécia Antiga), vide o
verso "a maioria dos amantes de Eros (sexo) terminam com Vênus (mulher)", então segue
"deve ser? não deve ser".