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Funções executivas e desempenho

ARTIGOescolar em crianças de 6 a 9 anos de idade


DE PESQUISA

Funções executivas e desempenho escolar


em crianças de 6 a 9 anos de idade
Camila Barbosa Riccardi León; Camila Cruz Rodrigues; Alessandra Gotuzo Seabra; Natália Martins Dias

RESUMO – Introdução: Funções executivas (FE) são um conjunto de habilidades cog­­


nitivas necessárias para aprender coisas novas, raciocinar ou concentrar-se diante de um
ambiente distrator. Podem ser organizadas de diferentes formas de acordo com a literatura,
incluindo FE principais (flexibilidade cognitiva, controle inibitório e memória de trabalho)
e FE mais complexas (resolução de problemas, raciocínio e planejamento). Objetivo: O
presente estudo buscou investigar a relação entre FE e desempenho acadêmico de crianças
entre 6 e 9 anos de uma escola pública. Método: Participaram do estudo 40 crianças
avaliadas por meio de um instrumento funcional (IFERI), respondido por pais e professores,
sobre as funções executivas observadas em atividades e comportamentos do dia-a-dia da
criança. Os resultados foram correlacionados com o desempenho escolar, representado pela
média das notas bimestrais do ano letivo de 2012, considerando as disciplinas avaliativas
de cada ano escolar (matemática e português para 1os e 2os anos, acrescentando história,
geografia e ciências para os 3os anos). Resultados: Verificou-se que as crianças avaliadas
por seus pais e professores como possuindo melhores habilidades executivas possuem
também melhor desempenho escolar, mesmo em fases iniciais do Ensino Fundamental.
Conclusões: As relações diferenciais entre desempenho escolar e as escalas preenchidas
por pais e professores sugerem que esses últimos podem estar em melhores condições
de avaliar tais habilidades, o que pode ser devido à sua formação que lhe provê algum
conhecimento acerca do desenvolvimento infantil e de quais comportamentos seriam ou
não apropriados para determinada faixa etária.

UNITERMOS: Aprendizagem. Criança. Função executiva.

Camila Barbosa Riccardi León – psicopedagoga, Correspondência


mes­­­­­­­tranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela Camila Barbosa Riccardi León
Uni­­­­versidade Presbiteriana Mackenzie, bolsista de Rua 25 de Janeiro, 151 – Apto.82 – Bl A1 – Luz – São
mestrado CAPES, São Paulo, SP, Brasil. Paulo, SP, Brasil – CEP 01103-000
Camila Cruz Rodrigues – psicóloga, doutora em Ciên­­­ E-mail: camilaleon30@gmail.com
cias (ênfase em Neuropsicologia) pelo De­­­par­­tamento
de Psicobiologia da Universidade Federal de São
Paulo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São
Pau­­­lo, SP, Brasil.
Alessandra Gotuzo Seabra – psicóloga, doutora em
Psi­­­cologia pela Universidade de São Paulo, docente
do Programa de Mestrado e Doutorado em Distúrbios
do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. bolsista de Produtividade do CNPq, São
Paulo, SP, Brasil.
Natália Martins Dias – psicóloga, doutora em Dis­­túrbios
do Desenvolvimento pela Universidade Pres­­­biteriana
Mackenzie, bolsista de Pós-doutorado FAPESP, São
Paulo, SP, Brasil.

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León CBR et al.

INTRODUÇÃO Um dos componentes das FE relatado na


Funções executivas (FE) são um conjunto literatura trata-se do controle inibitório, que é a
de habilidades cognitivas necessárias para habilidade de pensar antes de agir, de postergar
realizar diversas atividades que demandam ou inibir a resposta baseada na capacidade de
planejamento e monitoramento de comporta­ avaliar múltiplos fatores4,12-14. No modelo suge­
mentos intencionais relacionados a um objetivo rido por Miyake et al.9, o componente inibição
ou a demandas ambientais1,2. As FE permitem compreende as habilidades de controle inibitó­­­rio
ao indivíduo interagir com o mundo de forma e atenção seletiva, pois permite inibir a atenção
mais adaptativa3,4, sendo fundamentais para o a distratores, estimulando a autodisciplina e o
direcionamento e regulação de várias habili­ autocontrole sobre a atenção e as ações tenden­
dades intelectuais, emocionais e sociais2, como ciosas ou reativas.
cozinhar, ir à escola, fazer compras, entre outros5. O conceito de flexibilidade cognitiva está re­­
O desenvolvimento das FE inicia-se no pri­ lacionado à capacidade do indivíduo em mudar
meiro ano de vida e se intensifica entre 6 e 8 anos ou alternar seus objetivos quando o plano ini­
de idade, continuando até o final da adolescên­ cial não é bem sucedido devido a imprevistos,
cia e início da idade adulta5,6. Durante todo esse ou quando é necessário alternar entre mais de
período, diversas habilidades do funcionamento uma tarefa ou operação, ajustando-se de modo
executivo se desenvolvem, habilidades essas que flexível a novas demandas9. Em outras pala­
são definidas e organizadas de formas diferentes vras, é a capacidade de mudar o curso de ação,
pelos diversos pesquisadores da área3-5,7-10. alternando o foco atencional13,15. Em relação
Alguns estudos sugerem que as FE, apesar de à linguagem, a inflexibilidade cognitiva pode
correlacionadas entre si, podem ser conceituadas limitar, por exemplo, a capacidade de abstração
como construtos separados, dividindo-se em e de sentido figurado13.
componentes. Lehto et al.8 e Miyake et al.9 ao A memória de trabalho, que também se re­­­
avaliar, respectivamente, crianças de 8 a 13 anos laciona às FE, é responsável por armazenar
e adultos, identificaram a existência de três com­ tem­­­porariamente e integrar a informação a es­­­
ponentes principais: controle inibitório, memória tímulos ambientais e à memória de longo prazo,
de trabalho e flexibilidade cognitiva. Outros es­ possibilitando a manipulação da informação5,16,17.
tudos identificaram a existência de apenas dois A memória de trabalho é demandada na com­
componentes. No estudo de StClair-Thompson preensão, tanto auditiva como de leitura, na
& Gathercole10, que avaliou crianças de 11 e 12 apren­­­­­dizagem e no raciocínio13,14, sendo funda­
anos, foram identificadas inibição e memória de mental para dar sentido aos eventos que ocorrem
trabalho, já no estudo conduzido por Huizinga ao longo do tempo, manipulando e integrando a
et al.7, que estudou crianças a partir de 7 anos informação recebida anteriormente com a infor­­
até adultos com 21 anos, foram identificadas mação recebida agora18.
memória de trabalho e flexibilidade cognitiva. Esses três componentes das FE estão dire­
Estudos recentes11 dividem o construto FE tamente relacionados ao desenvolvimento do
em componentes simples ou básicos, incluindo autocontrole, atenção seletiva e sustentada, ma­
flexibilidade cognitiva, controle inibitório (con­­ nipulação de ideias, mudança de perspectivas e
siderando autocontrole e autorregulação) e me­­ adaptação às novas demandas ambientais, habi­
mória de trabalho; e em aspectos mais complexos lidades extremamente necessárias para aprender
das FE, como resolução de problemas, raciocínio coisas novas, raciocinar ou concentrar-se diante
e planejamento. A variabilidade na organização de um ambiente distrator15.
dos componentes pode se dar por conta de diver­ Há evidências da relação entre FE e de­
sos fatores, incluindo a idade dos participantes sem­penho escolar. Estudos demonstraram que
e o tipo de testes utilizados. al­­­gumas habilidades executivas, tal como o

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con­­trole atencional mencionado na descrição do recompensa imediata, déficits na autorregula­


componente inibição9, são preditoras de desem­ ção, entre outros25. Ainda, relacionados ao TDAH
penho escolar em disciplinas como linguagem e e ao controle inibitório, figuram conceitos como
matemática em crianças pré-escolares19-21. regulação do estado e aversão à demora.
Capovilla e Dias20 investigaram a relação Para Sergeant26, a regulação do estado pode
entre as habilidades atencionais e o rendimento ser compreendida como a capacidade de regu­
escolar em 407 estudantes da 1ª a 4ª série do lação da motivação e do esforço para conseguir
ensino fundamental (idades entre 6 e 15 anos) alcançar um determinado objetivo, ou seja, a
de uma escola pública. Foram utilizados testes ca­pacidade em mobilizar a atividade mental
padronizados para avaliar a atenção, o Teste de para adequar suas capacidades à demanda e
Atenção por Cancelamento – TAC22 e o Teste de assim alcançar objetivos. A aversão à demora
Trilhas – TT, partes A e B, que também mensura pode ser compreendida como a dificuldade de
a flexibilidade cognitiva23, e as médias das notas sustentar longos intervalos de espera entre a
escolares das disciplinas de português, mate­ emissão de resposta e a gratificação27. Crian­
mática, ciências, história e geografia. O estudo ças com aversão à demora preferem escolher
demonstrou que houve correlações positivas e tarefas nas quais a recompensa é mais rápida
significativas entre as medidas de atenção, fle­ do que escolher ta­­refas cujas recompensas são
xibilidade e o desempenho escolar. mais demoradas. Quando não há a opção de
Outras habilidades executivas podem in­ escolha e há uma imposição de espera, crian­
fluenciar diretamente o desempenho acadêmico. ças com aversão à demora podem demonstrar
Gathercole et al.24 realizaram um estudo sobre a inatenção, frustração e aumento de tempo para
memória de trabalho em crianças com dificulda­ realizar a tarefa28.
des de leitura. Foram avaliadas 46 crianças de Estudos demonstram também diferenças no
6 a 11 anos de idade identificadas pela escola desempenho escolar de crianças com baixo e
com problemas de leitura. Verificou-se na amos­ alto desenvolvimento de funções executivas19,29.
tra baixo desempenho na memória de trabalho Crianças que iniciam a escolarização com
e em outras medidas, como memória de curto funções executivas mais elevadas de controle
prazo visoespacial, e levemente rebaixado para inibitório e autorregulação tendem a apresentar
medidas de linguagem, consciência fonológica mais facilidade para receber instruções, a apre­
e memória de curto prazo fonológica. Esses sentar menos dificuldades de aprendizagem, a
resultados sugerem que a capacidade das crian­ demonstrar prazer e dedicação nas atividades
ças em processar e integrar as informações fica acadêmicas. Já crianças que ingressam à escola
comprometida devido ao prejuízo na memória de com funções executivas menos elevadas tendem
trabalho, o que acaba dificultando outros proces­ a apresentar mais resistência à escolarização, a
sos mais complexos como seguir instruções mais apresentar mais dificuldades de aprendizagem,
elaboradas, entre outras. Essa dificuldade pode a demonstrar menos prazer e dedicação nas ati­
influenciar, por exemplo, o não cumprimento de vidades acadêmicas, tendendo a abandonar as
uma tarefa ou atividade até o final. tarefas antes de finalizá-las com mais frequência
Dificuldades associadas ao controle inibitório que os demais19,29.
são geralmente relacionadas à impulsividade5. Considerando o acima exposto, o presente
Há evidências de que no transtorno do déficit de estudo se propôs a investigar funcionalmente a
atenção e hiperatividade (TDAH) a principal al­ relação entre funções executivas e desempenho
teração esteja relacionada ao controle inibitório, escolar em crianças ainda no início da escola­
o que pode ser observado nos comportamentos rização formal, com idades entre 6 a 9 anos,
usualmente apresentados no transtorno, tais estudantes de uma escola pública do Estado de
co­­­mo baixa tolerância à espera, necessidade de São Paulo.

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MÉTODO Fundamental da rede pública de ensino, com o


Participantes objetivo de obter autorização para a realização
Participaram do presente estudo 40 crianças da pesquisa junto aos professores e pais de 2
do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental I, sendo turmas de cada ano escolar 1º, 2º e 3º anos, res­
17 crianças do 1º ano, 8 crianças do 2º ano e 15 pectivamente. Em seguida, houve o contato com
crianças do 3º ano, com idade entre 6 e 9 anos, as professoras participantes para explicação dos
estudantes de uma escola da rede pública de objetivos da pesquisa e entrega da carta-convite
ensino, da grande São Paulo. com o termo de consentimento livre e esclarecido
aos pais das crianças das classes participantes.
Instrumentos Após a obtenção do consentimento livre e
Além do termo de consentimento livre e es­ es­­­clarecido e com a lista de participantes em
clarecido, foi utilizado o Inventário de Funciona­ mãos, foi enviado aos pais e entregue aos pro­
mento Executivo e Regulação Infantil (IFERI)30, fessores o instrumento de avaliação (IFERI) para
que deve ser respondido por pais e professores. preenchimento. O instrumento foi preenchido
Esse instrumento tem como finalidade avaliar e, posteriormente, devolvido à pesquisadora.
o funcionamento executivo por meio de uma Após o fechamento de notas do 4º bimestre de
medida funcional. Foi desenvolvido com base 2012, foram recolhidos os boletins escolares dos
na Childhood Executive Function Inventory31. O participantes para a avaliação do desempenho
IFERI é constituído por 28 itens divididos em acadêmico dos mesmos. Ao final foi realizada a
cinco subescalas: Memória de Trabalho – MT (5 análise de correlação de Pearson entre os dados
itens), Controle Inibitório – CI (6 itens), Flexibi­ levantados (resposta à IFERI e notas) para a
lidade – FL (5 itens), Aversão à demora – AD (5 discussão e fechamento da pesquisa.
itens) e Regulação – RG (7 itens). Cada um dos
28 itens pode ser avaliado como: “definitiva­ RESULTADOS
mente não é verdadeiro”, “não é verdadeiro”, “é Foi conduzida análise de correlação de Pear­
parcialmente verdadeiro”, “é verdadeiro” e “de­ son entre as subescalas do IFERI, respondidas
finitivamente é verdadeiro”, os quais recebem por pais e professores, e o desempenho escolar,
pontuação específica de 1 a 5, respectivamente. representado pela média total das notas bimes­
Foi também utilizada a média total das notas trais, considerando o desempenho dos alunos
bimestrais do ano letivo de 2012 com o objetivo nas disciplinas de português e matemática,
de avaliar o desempenho escolar dos alunos, nos 1os e 2os anos, e também demais disciplinas
correlacionando-o com os resultados dos subtes­ avaliativas dos 3os anos, como história, geografia
tes do IFERI respondido por pais e professores. e ciências. A Tabela 1 apresenta os resultados
O cálculo das médias totais dos 1os e 2os anos obtidos, em que é possível identificar que al­
tomou como base as médias bimestrais das dis­ gumas subescalas se correlacionaram de forma
ciplinas de português e matemática, por serem significativa com o desempenho escolar dos alu­
as únicas a terem nota pelo boletim escolar. Já nos, principalmente quando preenchidas pelos
para cálculo das médias totais para os 3os anos, professores (Prof). Por outro lado, considerando
foram consideradas, além das disciplinas de por­ as escalas preenchidas pelos pais (PA), apenas
tuguês e matemática, as disciplinas de história, uma subescala (MT) correlacionou-se de forma
geografia e ciências. significativa com o desempenho escolar dos
alunos.
Procedimento As subescalas de Controle Inibitório (CI),
Após o projeto ser submetido e aprovado pelo Fle­­­xibilidade Cognitiva (FL), Aversão à Demora
Comitê de Ética em Pesquisa da universidade, (AD) e Regulação (RG) respondidas pelos pais
foi realizado o contato com uma escola de Ensino (PA) não se relacionaram de modo significativo

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Tabela 1 – Matriz de correlações entre o desempenho escolar (Nota)


e as subescalas da IFERI preenchidas por pais (N = 36) e por professores (N = 40).
Escala Nota Escala Nota
IFERI_CI_PA r -0,14 IFERI_CI_Prof r -0,46
p 0,433 p 0,003
IFERI_MT_PA r -0,39 IFERI_MT_Prof r -0,49
p 0,020 p 0,001
IFERI_FL_PA r 0,08 IFERI_FL_Prof r -0,43
p 0,660 p 0,006
IFERI_AD_PA r -0,16 IFERI_AD_Prof r -0,33
p 0,350 p 0,036
IFERI_RG_PA r -0,26 IFERI_RG_Prof r -0,45
p 0,119 p 0,004
IFERI_Total_PA r -0,21 IFERI_Total_Prof r -0,45
p 0,218 p 0,004
Legenda: IFERI_CI_PA – Subescala de CI respondida pelos pais; IFERI_MT_PA – Subescala de MT respondida pelos pais; IFERI_FL_PA
– Subescala de FL respondida pelos pais; IFERI_AD_PA – Subescala de AD respondida pelos pais; IFERI_RG_PA – Subescala de RG
respondida pelos pais; IFERI_Total_PA – Média total de todas as subescalas respondidas pelos pais; IFERI_CI_Prof – Subescala de
CI respondida pelos professores; IFERI_MT_Prof – Subescala de MT respondida pelos professores; IFERI_FL_Prof – Subescala de
FL respondida pelos professores; IFERI_AD_Prof – Subescala de AD respondida pelos professores; IFERI_RG_Prof – Subescala de
RG respondida pelos professores; IFERI_Total_Prof – Média total de todas as subescalas respondidas pelos professores.

com o desempenho escolar dos alunos. Consi­ Esses resultados sugerem que as crianças com
derando as respostas dos pais, apenas a subes­ menores pontuações no total ou nas subescalas
cala de Memória de Trabalho (MT) demonstrou da IFERI, e, portanto, melhor avaliadas por seus
correlação negativa e significativa, apesar de professores, tendem a ter melhor desempenho
magnitude baixa, com a medida de desempenho escolar.
escolar. Considerando que, na IFERI, maior
pontuação significa maior comprometimento DISCUSSÃO
ou dificuldade na dimensão avaliada, esse re­ O presente estudo se propôs a investigar a
sultado sugere que, quanto maior a dificuldade, relação entre FE e desempenho escolar em crian­
relatada por pais, em memória de trabalho, pior ças de uma escola pública do estado de São Pau­
o desempenho escolar da criança. lo. Por meio da análise de correlação de Pearson
Com relação às escalas preenchidas pelos entre as subescalas do IFERI e o desempenho
pro­­fessores (Prof), todas as subescalas demons­ escolar, foi possível identificar que as FE, confor­
traram correlação significativa e negativa com o me avaliadas pelos professores, correlacionam­
desempenho escolar dos alunos. As subescalas -se com o desempenho escolar. Sendo assim, e
de Controle Inibitório (CI), Memória de Trabalho corroborando outros estudos realizados19-21,24, os
(MT), Flexibilidade Cognitiva (FL), Regulação resultados obtidos no presente estudo sugerem
(RG), além da escala total, demonstraram corre­ que há relação entre FE e desempenho escolar
lação moderada negativa com as médias bimes­ em crianças ainda no início do Ensino Funda­
trais. Já a subescala de Aversão à Demora (AD) mental, com idades entre 6 e 9 anos.
demonstrou correlação negativa, com magnitude Por ter-se utilizado de uma medida mais fun­
baixa, com o desempenho escolar dos alunos. cional para avaliar as FE, foi possível perceber

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qualitativamente diferenças de perspectiva na aprendizagem de novas informações e con­


avaliação de pais e professores em relação às teúdos e, por fim, influenciar o desempenho
subescalas avaliadas. A única subescala que não acadêmico das crianças.
demonstrou divergência de perspectiva entre
os avaliadores foi a que avalia a memória de CONCLUSÃO
trabalho (MT), que se correlacionou de forma Este estudo investigou a relação entre FE e
significativa com o desempenho escolar dos desempenho escolar em crianças de 6 a 9 anos.
alunos, tanto quando considerados os protocolos Verificou-se que, em acordo com a literatura,
de pais, quanto dos professores. Esse resultado as crianças avaliadas por seus pais e profes­
vai ao encontro do estudo de Gathercole et al.24, sores como possuindo melhores habilidades
que demonstrou que o baixo desenvolvimento executivas possuem também melhor desempe­
de memória de trabalho em crianças compro­ nho escolar, mesmo em fases iniciais do Ensino
mete a capacidade em processar e integrar as Fun­­­­­­damental. As relações diferenciais entre
informações, acarretando dificuldade de realizar desempenho escolar e as escalas preenchidas
processos mais complexos. Assim, o presente por pais e professores sugerem que estes últimos
estudo sugere que, na perspectiva de pais e podem estar em melhores condições de avaliar
professores, crianças com baixo desenvolvimen­ tais habilidades, o que pode ser devido à sua
to de memória de trabalho tendem a ter baixo formação que lhe prove algum conhecimento
desempenho escolar. acerca do desenvolvimento infantil e de que
As demais subescalas do IFERI (CI, FL, RG e comportamentos seriam ou não apropriados para
AD), respondidas pelos pais, não demonstraram determinada faixa etária.
correlação significativa com o desempenho esco­ Uma vez que estudos demonstraram que o
lar, ao contrário do resultado obtido nessas mes­ desenvolvimento das funções executivas impacta
mas subescalas quando considerada a per­­­­­cepção diretamente na aprendizagem dos alunos19,29,
dos professores. A variabilidade na avaliação além de contribuir para melhorar o desempenho
funcional por pais e professores, ao analisar o acadêmico19-21,24, o presente estudo sugere que
desenvolvimento infantil em relação às aptidões programas de intervenção possam ser realizados
cognitivas, pode ser sugestiva de que os pais em escolas brasileiras, principalmente as públi­
não estejam em melhores condições de avaliar cas, que são mais carentes de recursos, a fim de
determinadas habilidades por falta de uma base esclarecer se intervenções sobre essas habili­
normativa de comparação de comportamentos dades, conduzidas em contexto escolar, podem
que seriam ou não apropriados para a faixa etária impactar e melhorar índices de aprendizagem e
e gênero de sua criança, ou por falta de formação desempenho escolar, incrementando a qualidade
específica para tal32. da educação das crianças. Considerando que to­­
Na avaliação dos professores, para além da das as habilidades, incluindo as FE, podem ser
subescala de MT, também as subescalas CI, FL, desenvolvidas, contanto que haja oportunidades
RG e AD correlacionaram-se de forma signifi­ específicas para isso18, é urgente a necessidade
cativa com o desempenho escolar dos alunos, de se investir em programas que estimulem o
demonstrando que o prejuízo no desenvolvi­ desenvolvimento de FE desde as séries iniciais.
mento dessas habilidades poderia acarretar Hipotetiza-se que essa ação possa prover melho­
dificuldades para aprender coisas novas, racio­ res desempenhos acadêmicos em longo prazo,
cinar ou concentrar-se diante de um ambiente minimizando desigualdades sociais, diminuindo
distrator15. Essas dificuldades poderiam, por dificuldades de aprendizagem e melhorando os
exemplo, comprometer o controle atencional, resultados nas avaliações nacionais e internacio­
a adequação do comportamento, impactar a nais de estudantes brasileiros.

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Funções executivas e desempenho escolar em crianças de 6 a 9 anos de idade

SUMMARY
Executive functions and academic performance
in children aged 6 to 9 years old

Background: Executive functions (EF) are a set of cognitive skills ne­­


cessary to learn new things, to think or concentrate facing a distractor
environment. They can be arranged in different ways according to the
literature, including core EF (cognitive flexibility, inhibitory control and
working memory) and more complex EF (problem-solving, reasoning
and planning). Objective: The present study investigated the relationship
between EF and academic performance of children between 6 and 9 years
in a public school. Methods: The study included 40 children evaluated by
a functional instrument (IFERI) answered by parents and teachers on the
executive functions and behaviors observed in activities of everyday life. The
results were correlated with children academic performance, represented
by the mean of the bimester grades in 2012, considering the main subjects
of each school year (mathematics and Portuguese for 1st and 2nd grades,
besides history, geography and science for 3rd grades). Results: It was found
that the children assessed by their parents and teachers as having better
executive skills also have better academic performance, even at early stages
of elementary school. Conclusions: The differential relations between school
performance and scales completed by parents and teachers suggest that
teachers may be better able to assess those skills due to their educational
background, which enables them to understand child development and
behavior, which would, or not, be appropriate for a given age.

KEY WORDS: Learning. Child. Executive function.

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Trabalho realizado na Universidade Presbiteriana Ma­­­­ Artigo recebido: 20/4/2013


ckenzie, São Paulo, SP, Brasil. Aprovado: 3/6/2013

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