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FICHAMENTO

PRÁTICAS DA MEMÓRIA FEMININA – MICHELLE PERROT

 No teatro da memória, as mulheres são sombras tênues. A narrativa histórica


tradicional reserva-lhes pouco espaço, justamente na medida em que privilegia a
cena pública – a política, a guerra – onde elas pouco aparecem. (p. 9)
 No século XIX por exemplo, os escrituários da história – administradores, policiais,
juízes ou padres, contadores da ordem pública – deixam bem poucos registros que
digam respeito às mulheres, categoria indistinta, destinada ao silêncio (p. 9-10)
 Quanto as mulheres do povo, só se fala delas quando seus murmúrios inquietam
no caso do pão caro, quando provocam algazarras contra os comerciantes ou
contra os proprietários, quando ameaçam subverter com sua violência um cortejo
de grevistas. (p. 10)
 Assim, os modos de registro das mulheres estão ligados à sua condição, ao seu
lugar na família e na sociedade. O mesmo ocorre com seu modo de rememoração,
da montagem propriamente dita do teatro da memória. (p.15)
 […] e pelo que resta de antigamente nas mulheres de hoje (o que não é pouco), é
uma memória do privado, voltada para a família e o íntimo, os quais elas foram de
alguma forma delegadas por convenção e posição […] (p. 15)
 A memória das mulheres é verbo. Ela está ligada à oralidade das sociedades
tradicionais que lhes confiava a missão de narradoras da comunidade aldeã. […]
(p.15)
 É por isso que o desenvolvimento recente da história dita “oral” é de certo modo
uma revanche das mulheres. […] Dar a palavra aos deserdados, aos povos sem
história, aplicar às populações urbanas contemporâneas os métodos empregados
pelos etnólogos para os pseudo “primitivos”: estes foram no início os pressupostos
dessa demarche. (p. 16)
 Enfim, o feminismo desenvolveu uma imensa interrogação sobre a vida das
mulheres obscuras. Tornar visível, acumular dados, instituir lugares da memória
(arquivos de mulheres, dicionários…) foi uma das preocupações de uma história
das mulheres em plena expansão nos últimos quinze anos. E na falta de
testemunhos escritos, buscou-se fazer surgir o testemunho oral. (p. 17)
 Essas experiências permitirão talvez um dia analisar mais precisamente o
funcionamento da memória das mulheres. Existe, no fundo, uma especificidade?
Não, sem dúvida, se se trata de ancorá-la numa inencontrável natureza e no
biológico. Si, provavelmente, na medida em que as práticas sócio-culturais
presentes na tripla operação que constitui a memória – acumulação primitiva,
rememoração, ordenamento da narrativa – está imbricada nas relações
masculinas/femininas reais e, como elas, é produto de uma história. Forma de
relação com o tempo e com o espaço, a memória, como a existência da qual ela é
o prolongamento,é profundamente sexuada. (p. 18)

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