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Miriane Cristine Oliveira dos Santos

GUIMARÃES, Maria de Fátima. Corpo e Cidade: Sensibilidades, Memórias e


Histórias/Maria de Fátima Guimarães. Jundiaí , Paco Editorial: 2013. 192 p.

Introdução
“ [...] corpo é o primeiro lugar onde a mão do adulto marca a criança, [...] primeiro
espaço onde se impõe os limites sociais produtoras psicológicos que foram dados à
sua conduta, [ emblema onde a cultura vem inscrever seus signos como também
seus brasões. ( Vigarello, 1996).”

“Neste livro, focalizo sensibilidades relativas ao corpo humano que perpassam o


cotidiano urbano de uma cidade do interior do estado de São Paulo, então
conhecida por Bragança Paulista, em fins do século XIX e nas duas primeiras
décadas do século XX” (p. 15)

“ Na busca de tais sensibilidades entrecruzei histórias e memórias locais, atentei


para visões de civilização, de privacidade e de individualismo, porque estas
tenderam a balizar o imaginário ( Castariadis, 1985) de uma época, identificada por
modernidade.” ( p. 15).

“Muitas dessas marcas estavam ancoradas em inquietações e sensações inscritas


em minha memória e em desejos latentes da minha vontade que, por sua vez,
trazem as nuanças do meu tempo.” (p. 15)

1. O lugar :o espaço / tempo significado pelas experiências


“É necessário fôlego e determinação para subir e descer as ladeiras intermináveis
de Bragança. Talvez algumas dessas impressões e sensações relativas à cidade
também tenham sido compartilhadas pelos seus moradores e visitantes, em fins do
século XIX e primeiras décadas do século XX.” ( p.15)
“ Nas ruas centrais, ora aqui , ora lá, é possível flagrar uma casa de fins do século
XIX e início do século XX, ou pelo menos uma fachada que, quase por acaso, como
obra de um descuido ou esquecimento, ainda possui um ornamento que denuncie
sua idade.” ( p. 16)
“ Muitas dessas casas antigas deram lugar aos prédios de apartamentos e aos
estacionamentos que invadiram o centro urbano, sobretudo a partir de 1980.” ( p. 16)
“ Muitos desses porões são lugares de memória.”(p. 16)
2. A experiência da alteridade, da diversidade e da destruição.
“ Apesar de ser criança, sabia que estava em uma casa humilde [...] Eles moravam
em um porão. Não sei o motivo pelo qual está lembrança me acompanha; não voltei
mais para aquela casa nem sei o nome das pessoas que moravam lá. Mas guardei
as impressões que esse passeio me causou. Essa casa já não existe mais, foi
demolida.” (p. 17)

3. A educação dos sentidos: o tempo plural e dissonante

“ Morei por muitos anos na Rua Dr. Gosta ,em um sobrado construído em fins da
década de 1950.”(p. 17)

“ O quintal dessa minha casa não era grande, mas ficava em uma posição
estratégica. Dele eu podia avistar quase todos os quintais do quarteirão e observar
os varais da vizinhança.” (p. 17)

“Quando olhava para eles, de longe e do alto do quintal, o colorido e o movimento


das roupas, causado por uma brisa mais forte, prendiam- me a atenção” ( p. 17)

“O passar do meu tempo era regulado pelo barulho do sinal e algazarra das crianças
no recreio do grupo escolar e pelo apito do trem.” (p. 17)

4. A colonização do presente pelo passado

“No início do século XX, as denominações das ruas e dos logradouros públicos
traziam inscritos indícios do relevo da cidade, das principais atividades econômicas
locais, de ideais e de práticas socioculturais características do período.” ( p.18)

“Os nomes foram alterados vagarosamente. Afinal de contas, os motivos para


designá-las pelos seus antigos nomes não condiziam com os ares da modernização
cosmopolita e do progresso econômico co-cultural que se almejava implementar e
de reconhecer na cidade.” ( p. 18)
“ Tratava-se de homenagem póstuma de seus herdeiros e elucidativa das relações
de poder vigentes na cidade de outrora, talvez , da tentativa de perpetuá-las – pelo
menos- na memórias locais.” ( p.18)

“ Apesar desses nomes passarem a compor a identificação dos endereços urbanos


nas primeiras décadas do século XX, isso não significou que os antigos nomes
dessas duas e logradouros fossem apagados das memórias locais [...] talvez em
uma tentativa de resistência cultural à mudança, mesmo que não tão consciente
assim” (p.18/19)

“Desde pequena , quando caminhava pelo centro de Bragança, ficava pensando nos
motivos pelos quais aqueles nomes e sobrenomes tinham invadido a cidade” (p. 19)

“Como, quando e por que tais pessoas passaram a ser referências privilegiadas das
memórias e das histórias de Bragança? Quais os significados dessas mudanças?
Elas seriam rastros da privatização do espaço público?”(p.19)

“ As fotografias, os retratos pintados e os bustos esculpidos daquelas pessoas já


mortas, e que haviam pertencido às elites locais, são representações silenciosas e
estatísticas de seus corpos” (p.19)

“Elas trazem marcas do tempo. Os desgastes dos suportes ou dos materiais


lembram-se me cicatrizes e a luta pela perenidade das histórias e das memórias dos
corpos representados, na condição de lembranças ou na de “
monumentos/documentos ( Le Goff, 1990), a serem reconhecidos por todos de
Bragança, para além dos limites de seu tempo de existência.” ( p. 19)

“ Tinha a sensação infantil de que elas estavam em vigília permanente a espreitar as


almas e os sonhos dos moradores da cidade: na sala da diretoria da escola, nas
paredes das salas do museu, no saguão da Santa Casa, nós jardins das praças.”
(p.19)

“Essas representações estáticas e silenciosas também têm suas raízes e força nas
narrativas e memórias de alguns moradores da cidade.” (p.19)
“Havia e há uma versão da história local que não cessa de ser apregoada.(p.19)

“Lê-se estagnação e atraso na mudança do eixo econômico e do ritmo de


crescimento local.”(p.19)

“Essa versão tende a excluir do horizonte as tensões e os conflitos , ancorados em


experiências das classes trabalhadoras” (p. 20)

“ Quem sabe uma tentativa de legitimar , no presente , com argumentos assentados


em tal versão do passado- está tomada como grande a angular- desmandos locais
que se evidenciam nas precárias condições de sobrevivência de parcela significativa
das classes trabalhadoras no município”(p.20)

5. A tessitura teórico- metodológica


“A época privilegiada neste estudo é também marcada pela “[...] rejeição da
expressão França da satisfação pública das necessidades corporais [...] por meio de
invenções culturais” (Gay, 1988, p.51).” ( p.20)

“ Na imagem do corpo individual visto pelos tempos modernos, a vida sexual, o


comer , o beber, as necessidades naturais mudaram completamente de sentido:
emigraram para o plano da vida corrente privada, da psicologia individual, onde
tomaram um sentido estreito, específico, sem relação alguma com a vida em
sociedade ou todo o cósmico. Na sua nova acepção, eles não podem mais servir
para exprimir uma concepção do mundo como faziam antes. ( Bakhtin, 1993, p.
280).” ( p. 20)

“ Uma das premissas que orientou a reflexão e os procedimentos encetados foi que
o corpo é um dos loci, por excelência, no qual visões modernas se inscrevem.
Visões que perpassam práticas socioculturais plurais. Essas práticas , em grande
parte dissonantes , ambivalentes e contraditórias, são geradas no rastro e no interior
de tensões e conflitos sociais.” ( p. 20)

“Marcada pelo estranhamento do homem frente aos simulacros e às fantasmagorias


modernas.” ( p. 20)
“ Estranhamento que talvez se situe no vórtice compulsivo de consumo desenfreado
de parcela significativa da sociedade, na busca alucinante e agressiva pelo “ sempre
novo”( Benjamim,1989). E , na perspectiva dessa busc
a, o desejo insaciável de apagar as cicatrizes- do tempo, das experiências do sujeito
na relação com o outro e consigo próprio, da singularidade, da fragilidade do corpo e
da finitude da vida – causa - me desconforto e justifica este trabalho.” ( p. 20)

“o corpo( Porter, 2001; Sennett, 1988) torna – se objeto do conhecimento científico


de diferentes instituições sociais, produtoras de discursos e práticas especializadas,
que se revestem da pressuposta competência daqueles que os enunciam( Chauí,
2006; Foucault, 1987).” ( p.21)

“ Discursos e práticas endossadas e disseminadas[...] acabam por propiciar, em


algumas situações , ações e comportamentos que tendem a legitimar a violência , a
discriminação, a segregação e a exclusão de amplos segmentos sociais. Em
consonância aos teóricos que discutem as experiências de tais segmentos, tomei
como uma das hipóteses deste estudo que esse mesmo corpo, em diferentes
situações, ao mesmo tempo transgrediu a condição de vítima e de objeto do
conhecimento científico, reagindo, resistindo e negando a possibilidade de total
desvelamento, controle e aprisionamento dos desejos e das pulsões que deram
significado às experiências vividas por diferentes sujeitos, em uma determinada
época.” ( p. 21)

“No rastro das contribuições de Bermann e Naxara, procurei flagrar como a temática da
modernização da cidade de Bragança, alicerçada no paradigma científico e na racionalidade
instrumental de forma coetânea , sob auspícios, ainda de um olhar romântico, disseminada
por periódicos locais, ressignificada pelos leitores, suscitou e estimulou iniciativas para
governar, organizar e disciplinar os corpos.”( p. 22)

“ Toda realização humana que de alguma forma contribui para a experiência pode
ser englobada nesta vasta rubrica [...] cultura é algo mais complexo, mais
descontínuo e mais surpreendente do que julgam os estudiosos da moderna
civilização ocidental. Os altos e baixos do encadeamento de causas e efeitos, [...]
se incluirmos também suas dimensões inconscientes, a tornam refratária a qualquer
tentativa de mapeamento empreendida pelo historiador. ( Gay, 1988. p. 13)” ( p.22)


temporalidades plurais, movimentos descontínuos, acasos, ambiguidades e
contradições.” ( p. 22)

“ Ressalto que, para Gay, pode- se “ [ ...] incluir no âmbito da agressão a


necessidade que o homem tem de controlar seu ambiente por meio de invenções
tecnológicas, políticas, sociais e estéticas” (1988. p . 16).” ( p. 23)

“ Os limites temporais deste estudo também foram instituídos levando-se em conta


que o período convive com o aumento populacional e a rápida urbanização do país,
na relação direta com o avanço da modernidade.”(p. 23)

“Esses fatos propiciaram o surgimento das grandes cidades, a industrialização


cresceu e a formação do mercado de trabalho assalariado.” (p.23)

“ O período foi marcado pela imagem da multidão nas grandes cidades e pelas
epidemias que legitimação a implementação de políticas sanitárias destinadas a
garantir o controle das doenças e dos corpos.” ( p. 23)

“ No seio de tal contexto inscreve-se a história de Bragança, cujas singularidades


tiveram lugar neste estudo, no qual procurei compreender algumas sensibilidades
relativas ao corpo no imaginário local, explorando vestígios em diversificada base
documental.”( p. 23)

“O diálogo com as diferentes formas fez privilegiadas estimulou- me a elaborar a


hipótese de que a produção e a legitimação de uma dada imagem de corpo, e fins
do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, em detrimento de outras,
constituiu- se no processo de emergência e de consolidação de práticas
socioculturais modernas e que também estão imbricadas eu um dado olhar sobre a
cidade e o seu cotidiano.”( p. 24)

“ Nesse sentido, considerei que o tempo da memória não é cronológico,


sincronizado – é outro , é o tempo da longa duração , das permanências , das
emoções, das rupturas, dos sentidos; o tempo da memória é instável[...] A memória
não tem método, não é matizada por leis e princípios científicos”(p.24)

2. A experiência da alteridade, da diversidade e da destruição.


“ Apesar de ser criança, sabia que estava em uma casa humilde [...] Eles moravam em um
porão. Não sei o motivo pelo qual está lembrança me acompanha; não voltei mais para
aquela casa nem sei o nome das pessoas que moravam lá. Mas guardei as impressões que
esse passeio me causou. Essa casa já não existe mais, foi demolida.” (p. 17)
3. A educação dos sentidos: o tempo plural e dissonante
“ Morei por muitos anos na Rua Dr. Gosta ,em um sobrado construído em fins da década de
1950.”(p. 17)
“ O quintal dessa minha casa não era grande, mas ficava em uma posição estratégica. Dele
eu podia avistar quase todos os quintais do quarteirão e observar os varais da vizinhança.”
(p. 17)
“Quando olhava para eles, de longe e do alto do quintal, o colorido e o movimento das
roupas, causado por uma brisa mais forte, prendiam- me a atenção” ( p. 17)
“O passar do meu tempo era regulado pelo barulho do sinal e algazarra das crianças no
recreio do grupo escolar e pelo apito do trem.” (p. 17)
4. A colonização do presente pelo passado

“No início do século XX, as denominações das ruas e dos logradouros públicos traziam
inscritos indícios do relevo da cidade, das principais atividades econômicas locais, de ideais
e de práticas socioculturais características do período.” ( p. 18)
“Os nomes foram alterados vagarosamente. Afinal de contas, os motivos para designá-las
pelos seus antigos nomes não condiziam com os ares da modernização cosmopolita e do
progresso econômico co-cultural que se almejava implementar e de reconhecer na cidade.”
( p. 18)
“ Tratava-se de homenagem póstuma de seus herdeiros e elucidativa das relações de poder
vigentes na cidade de outrora, talvez , da tentativa de perpetuá-las – pelo menos- na
memórias locais.” ( p. 18)
“ Apesar desses nomes passarem a compor a identificação dos endereços urbanos nas
primeiras décadas do século XX, isso não significou que os antigos nomes dessas duas e
logradouros fossem apagados das memórias locais [...] talvez em uma tentativa de
resistência cultural à mudança, mesmo que não tão consciente assim” (p.18/19)
“Desde pequena , quando caminhava pelo centro de Bragança, ficava pensando nos
motivos pelos quais aqueles nomes e sobrenomes tinham invadido a cidade” (p. 19)
“Como, quando e por que tais pessoas passaram a ser referências privilegiadas das
memórias e das histórias de Bragança? Quais os significados dessas mudanças? Elas
seriam raso do espaço público?.”( p. 19)
“ As fotografias, os retratos pintados e os bustos esculpidos daquelas pessoas já mortas, e
que haviam pertencido às elites locais, são representações silenciosas e estatísticas de
seus corpos” (p.19)
“Elas trazem marcas do tempo. Os desgastes dos suportes ou dos materiais lembram-se
me cicatrizes e a luta pela perenidade das histórias e das memórias dos corpos
representados, na condição de lembranças ou na de “ monumentos/documentos ( Le Goff,
1990), a serem reconhecidos por todos de Bragança, para além dos limites de seu tempo
de existência.” ( p. 19)
“ Tinha a sensação infantil de que elas estavam em vigília permanente a espreitar as almas
e os sonhos dos moradores da cidade: na sala da diretoria da escola, nas paredes das
salas do museu, no saguão da Santa Casa, nós jardins das praças.” (p.19)
“Essas representações estáticas e silenciosas também têm suas raízes e força nas
narrativas e memórias de alguns moradores da cidade.” (p.19)
“Havia e há uma versão da história local que não cessa de ser apregoada. ”( p.19)
“Lê-se estagnação e atraso na mudança do eixo econômico e do ritmo de crescimento
local.”(p. 19)

“ Essa versão tende a excluir do horizonte as tensões e os conflitos , ancorados em


experiências das classes trabalhadoras” (p. 20)
“ Quem sabe uma tentativa de legitimar , no presente , com argumentos assentados em tal
versão do passado- está tomada como grande a angular- desmandos locais que se
evidenciam nas precárias condições de sobrevivência de parcela significativa das classes
trabalhadoras no município.” ( p. 20)
5. A tessitura teórico- metodológica
“A época privilegiada neste estudo é também marcada pela “[...] rejeição da expressão
França da satisfação pública das necessidades corporais [...] por meio de invenções
culturais” (Gay, 1988, p.51).” ( p. 20)
Na imagem do corpo individual visto pelos tempos modernos, a vida sexual, o comer , o
beber, as necessidades naturais mudaram completamente de sentido: emigraram para o
plano da vida corrente privada, da psicologia individual, onde tomaram um sentido estreito,
específico, sem relação alguma com a vida em sociedade ou todo o cósmico. Na sua nova
acepção, eles não podem mais servir para exprimir uma concepção do mundo como faziam
antes. ( Bakhtin, 1993, p. 280).” ( p. 20)
“ Uma das premissas que orientou a reflexão e os procedimentos encetados foi que o corpo
é um dos loci, por excelência, no qual visões modernas se inscrevem. Visões que
perpassam práticas socioculturais plurais. Essas práticas , em grande parte dissonantes ,
ambivalentes e contraditórias, são geradas no rastro e no interior de tensões e conflitos
sociais.” ( p. 20)

“Marcada pelo estranhamento do homem frente aos simulacros e às fantasmagorias


modernas.” ( p. 20)
“ Estranhamento que talvez se situe no vórtice compulsivo de consumo desenfreado de
parcela significativa da sociedade, na busca alucinante e agressiva pelo “ sempre novo”(
Benjamim,1989). E , na perspectiva dessa busca, o desejo insaciável de apagar as
cicatrizes- do tempo, das experiências do sujeito na relação com o outro e consigo próprio,
da singularidade, da fragilidade do corpo e da finitude da vida – causa - me desconforto e
justifica este trabalho.” ( p. 20)
“o corpo( Porter, 2001; Sennett, 1988) torna – se objeto do conhecimento científico de
diferentes instituições sociais, produtoras de discursos e práticas especializadas, que se
revestem da pressuposta competência daqueles que os enunciam( Chauí, 2006; Foucault,
1987). ( p.21)
“ Discursos e práticas endossadas e disseminadas[...] acabam por propiciar, em algumas
situações , ações e comportamentos que tendem a legitimar a violência , a discriminação, a
segregação e a exclusão de amplos segmentos sociais. Em consonância aos teóricos que
discutem as experiências de tais segmentos, tomei como uma das hipóteses deste estudo
que esse mesmo corpo, em diferentes situações, ao mesmo tempo transgrediu a condição
de vítima e de objeto do conhecimento científico, reagindo, resistindo e negando a
possibilidade de total desvelamento, controle e aprisionamento dos desejos e das pulsões
que deram significado às experiências vividas por diferentes sujeitos, em uma determinada
época.” ( p. 21)
“No rastro das contribuições de Bermann e Naxara, procurei flagrar como a temática da
modernização da cidade de Bragança, alicerçada no paradigma científico e na racionalidade
instrumental de forma coetânea , sob auspícios, ainda de um olhar romântico, disseminada
por periódicos locais, ressignificada pelos leitores, suscitou e estimulou iniciativas para
governar, organizar e disciplinar os corpos.”( p. 22)
“ Toda realização humana que de alguma forma contribui para a experiência pode ser
englobada nesta vasta rubrica [...] cultura é algo mais complexo, mais descontínuo emais
surpreendente do que julgam os estudiosos da moderna civilização ocidental. Os altos e
baixos do encadeamento de causas e efeitos, [...] se incluirmos também suas dimensões
inconscientes, a tornam refratária a qualquer tentativa de mapeamento empreendida pelo
historiador. ( Gay, 1988. p. 13)
“ Por essa razão, procurei trazer à tona práticas socioculturais eivadas das temporalidades
plurais, movimentos descontínuos, acasos, ambiguidades e contradições.” ( p. 22)
“ Ressalto que, para Gay, pode- se “ [ ...] incluir no âmbito da agressão a necessidade que
o homem tem de controlar seu ambiente por meio de invenções tecnológicas, políticas,
sociais e estéticas” (1988. p . 16).” ( p. 23)
“ Os limites temporais deste estudo também foram instituídos levando-se em conta que o
período convive com o aumento populacional e a rápida urbanização do país, na relação
direta com o avanço da modernidade.”(p. 23)

“ Esses fatos propiciaram o surgimento das grandes cidades, a industrialização


cresceu e a formação do mercado de trabalho assalariado.” ( p. 23)

“ O período foi marcado pela imagem da multidão nas grandes cidades e pelas
epidemias que legitimação a implementação de políticas sanitárias destinadas a
garantir o controle das doenças e dos corpos.” ( p. 23)
“ No seio de tal contexto inscreve-se a história de Bragança, cujas singularidades
tiveram lugar neste estudo, no qual procurei compreender algumas sensibilidades
relativas ao corpo no imaginário local, explorando vestígios em diversificada base
documental.”( p. 23)

“O diálogo com as diferentes formas fez privilegiadas estimulou- me a elaborar a


hipótese de que a produção e a legitimação de uma dada imagem de corpo, e fins
do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, em detrimento de outras,
constituiu- se no processo de emergência e de consolidação de práticas
socioculturais modernas e que também estão imbricadas eu um dado olhar sobre a
cidade e o seu cotidiano.”( p. 24)

“ Nesse sentido, considerei que o tempo da memória não é cronológico,


sincronizado – é outro , é o tempo da longa duração , das permanências , das
emoções, das rupturas, dos sentidos; o tempo da memória é instável[...] A memória
não tem método, não é matizada por leis e princípios científicos.” ( p. 24)

“ A história porque operação intelectual e laicizante , demanda análise e discurso


crítico. A memória instala a lembrança no sagrado , a história liberta, e a torna
sempre prosaica. A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer ,
como Hallbwachs o fez, que há tantas memórias quanto grupos existirem; que ele é,
por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história ,
ao contrário , pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o
universal. A memória se enraíza no concreto , no espaço, no gosto, na imagem , no
objeto . A história liga às continuidades temporais , as evoluções e as relações das
coisas. ( Bora, 1993, p. 91)” ( p. 24)

“ Neste livro não tenho a pretensão de resgatar a verdadeira história e memória de


Bragança, no rastro de sensibilidades relativas ao corpo humano no cotidiano
local.”(p.24)

“ Nesse diálogo com as fontes, parti da premissa que a linguagem não esconde, mas,
sobretudo, revela positividades( Foucault, 1987). Assim , não abordei tais fontes na tentativa
de desmarcarar ou desvelar intenções ocultas nas entrelinhas dos textos.” ( p. 25)

“Em relação aos periódicos locais , mapeei também imagens relativas aos impressos na
modernidade e senti-me estimulada a refletir se tais imagens entrecruzam- se , instituindo
novas práticas socioculturais relativas ao corpo. (p. 25)

“ Sob tal perspectiva, ressalto que nos periódicos da virada do século XIX para o século
XX, chamou- me a atenção, no transcorrer das leituras, a pretensão do discurso que se
queria científico e moderno, ao reafirmar a possibilidade de desvendar e conhecer o corpo
em sua totalidade.” (p.26)

“ quando e como esses suportes de informação e de propagandas - enquanto mercadorias


valorizadas na modernidade- ganharam esse significado em nossas vidas, instaurando
diferentes sensações relativas aos acontecimentos, ao espaço e ao tempo?Quais foram as
temáticas e as imagens de corpo valorizadas e disseminadas nos periódicos analisados?
Que padrões de comportamento, gestos e posturas corporais disseminaram? Como
reportavam-se às sensibilidades relativas ao corpo?” (p.26)

“Tomei os periódicos enquanto vestígios de subjetividades, de intencionalidades , de


práticas e de valores coletivos e individuais, passíveis de prospecção e análise. Considerei
que eles subsidiariam o delineamento de uma possível de uma possível cartografia das
estratégias de veiculação de ideais intrínsecos à modernidade.” (p.26)

“ e tais mudanças permitem-nos identificar o aprendizado de uma nova forma de leitura que
se altera da leitura das entrelinhas da “ [...] informação representada explicitamente no
texto” ( Olson, 1997, p.159). Para ele, a expressão leitura possibilita várias interpretações e
práticas, sendo necessário dar - lhe historicidade.” (p.26)

“ O leitor ocidental do impresso , ainda hoje , adota em sua leitura referências como a
paginação, o índice e a diagramação do texto. O olhar desse leitor percorre o texto da
esquerda para a direita, no sentido vertical , de cima para baixo. Pontuou que esses são
procedimentos similares aos exigidos para a leitura de manuscritos.”(p. 27)
“ tal prática impregnou uma dada sociedade relativa à percepção que se tem do corpo do
letrado naquele momento: desde estudos sobre postura corporal adequada (individual ou
coletiva, silenciosa ou em voz alta) a escrita ( exercícios de caligrafia e cópias, por exemplo)
, até questionamentos sobre os padrões comportamentais e valores sociais que se
inscreveriam no corpo e na alma do sujeito afeito à leitura.”

“ Assim , vislumbrei na análise do periódicos locais e das fotografias potencialidades para


dar maior complexidade às reflexões emcetadas; isso porque, no cenário traçado por tais
fontes , foi possível vislumbrar o entrecruzamento de visões modernas com algumas
sensibilidades relativas ao corpo”(p.29)

“ Em relação às classes trabalhadoras, as contribuições de tais fontes também reafirmavam


a precariedade das condições de vida em que se encontrava.” ( p.29)

“ Tal percepção diz respeito ao corpo escolarizado, porque , na guerra de símbolos da


modernidade , a escola tornou-se um dos emblemas do avanço, do progresso e da
civilização , já que ela seria o espaço de práticas e de convívio sócias destinados às
iniciativas moralizantes e higiênicas , mediante a escolarização e o letramento crescente da
população. No rastro dessa guerra, a figura do leitor e a circulação de impressos periódicos
passaram a ser percebidas e enaltecidas como um dos ícones da necessária luta e vitória
da civilização frente a um dos grandes problemas nacionais , que era o analfabetismo de
grande parte da população brasileira.”(p.33)

CAPÍTULO I
À GUISA DE UM INTERMEZZO: O CORPO NA TRAMA DA JUSTIÇA

CAPÍTULO III
A CIDADE PLURAL: EM BUSCA DE OUTRAS VOZES
“ Quando da elevação a cidade, alguns moradores da então Freguesia de Bragança
enviaram uma Petição ao governador, solicitando a elevação da freguesia à vila e seu
desmembramento de Atibaia.” ( p. 93)
“ Em 1797, a câmara de Atibaia enviou ao governador da província , mediante um
documento identificado por Informações, seu posicionamento contrário a tal
desmembramento.” ( p. 93)
“ A câmara de Atibaia informou que a população da freguesia era grosseira , sem “ cultura e
civilidade” , isso porque poucos sabiam ler e escrever , uma vez que não havia escolas no
local.” ( p. 94)
“ Tal situação seria decorrência tanto da origem de parte dessa população, formada por
criminosos e seus descendentes , quanto por conta da outra parte ser formada pelo “ gentio
da terra , bastardos e gente da infima plebe.” ( p.94)

“ Esses indícios sugerem um dos motivos pelos quais se tendeu a ter um silenciamento das
histórias e das memórias dessas populações nos periódicos bragantinos, em grande
medida, afeitos ao imaginário das elites locais.” ( p. 94)
“Em 1876, Bragança possuía a quarta maior população da província de São Paulo,
estimada em 11.618 habitantes.” (p. 94)

“ Em 1903, a câmara municipal local realizou um recenseamento da população do


município” ( p. 95)

“ [...] e o resultado obtido foi de 39.957 habitantes [...], A cifra exacta nesta
última data era de 40.148 habitantes.( A Notícia, 21 de Outubro de 1905, ano I, n. 1, p. 1)

“ Outro artigo , publicado em número posterior desse jornal , trazendo o título de “


Retificação”, tratava de um projeto de lei relativo à organização dos municípios” ( p. 95)

“ De acordo com esse artigo, Bragança era a décima cidade mais populosa no estado de
São Paulo e, comparando-se os dados, percebe-se o crescimento populacional ocorrido
entre 1876 e 1903.” ( p. 95)

“A população da zona rural ainda era maior que a da cidade, mas, mesmo assim,nós
periódicos locais tendiam a construir uma imagem do município em que o espaço urbano,
seus respectivos valores e práticas socioculturais tendiam a se sobrepor ao rural.” ( p. 96)

“A localização de Bragança , próxima ao sul de Minas, colocou- a tanto na rota do lucrativo


e intenso comércio de tropeiros quanto no centro das disputas ocorridas entre São Paulo e
Minas” ( p. 97)

“ Essas disputas se sucederam por todo século XIX, tendo seu fim em meados dos anos
1920”.(p. 97)

“ As histórias e memórias dos tropeiros e dos pobres tenderam a ser silenciadas nos
almanaques né anuários privilegiados , assim como a história e memória dos negros.
“ nessas seções menos nobres dos periódicos , as presenças dos tropeiros e dos pobres
também se evidenciaram.” ( p. 98)

“ A presença de ideias abolicionistas também se fez notar em 1881, com a fundação de um


Computador Literário de Escravos em Bragança, que segundo o jornal foi o primeiro dessa
natureza no país.” ( p. 98)

“ À condição de escravo e de negro agregavam-se os atributos de “ Inteligências broncas” e


“ almas incultas”. Tais atributos depreciativos tinham por paradigma o conhecimento
científico e a educação escolar, cujos princípios de civilização e de cultura eram os das
elites letradas , brancas e que se queriam “urbanas”. ( p. 100)

“Uma nova compressão sobre a mente e o corpo se instalava, sinalizando a emergência de


uma dada sensibilidade em relação ao corpo escolarizado.” ( p. 100)
“ É digna de atenção , no artigo , a referência à assiduidade dos escravos às aulas, na
busca de “ illustrar-se”. A imprensa, mais uma vez, apareceu como locus tensão e conflito
ao acolher e disseminar a divergência entre abolicionistas e escravocratas.” ( p.100)

“ O Clube dos Escravos foi extinto após dois anos ( Almanach Bragantino, 1914).” ( p. 100)

“ em artigos do Código de Postura de 1877, a presença da população negra ganhe


visibilidade, matizada por práticas socioculturais distintas daquelas valorizadas pelas elites
locais.” ( p. 100)
“Existe em relação à população negra , uma tentativa de silenciamento das histórias e da
memórias locais; é como se; após a abolição, a grande de maioria da população do
município tivesse se tornado branca. As referências aos negros e mulatos são jocosas ou
pejorativas , aparecem em anedotas e pequenas notas.” ( p. 101)
“ Nesse cenário , ocorreu também a chegada dos imigrantes europeus a Bragança :
espanhóis, italianos e portugueses, em sua maioria.” ( p. 102)
“ Foram criadas vários sociedades de imigrantes.”( p.102)
“ Tais sociedades tinham em comum a preocupação de amparar as famílias de associados
não os momentos de doença e dificuldades financeiras; por outro lado , elas reafirmavam na
colônia de origem , a distinção social dentre aqueles imigrantes que praticavam a “
filantropia’ e aqueles que te recebiam a ajuda.” ( p. 103)
“ nessas sociedades havia a preocupação de agregar os imigrantes e de minimizar os
impactos em suas vidas desse “ exílio voluntário” .” ( p. 103)

“ Saliento que no jornal local A Notícia foram publicadas inúmeras e diferentes notas
escritas em italiano, relativas às atividades dessas sociedades formadas por imigrantes e
informando a chegada ou partida de algumas famílias italianas.” ( p. 103)

“ Mas diante de uma mobilização de operários ( ferroviários)[...] a Secção italiana teve sua
pauta alterada.” ( p. 105)
“ Alguns números depois , eis que irrompe na Secção Italiana o seguinte artigo,
defendendo o direito da greve por conta do descontentamento dos operários em relação a
alguns dirigentes.” ( p.106)
“ No artigo, os reclamantes dos operários trazem à baila as difíceis e precárias condições de
trabalho encontradas pelos imigrantes.” ( p. 106)

“O autor do artigo traz à tona uma dada imagem de corpo. Nesta , o operário é dono de seu
corpo , cabendo à mente pensar e ao coração que palpita sentir.” ( p. 106)

“ Nos números seguintes , a “ Secção Italiana” silenciou sobre a greve e voltou a tratar das
regiões da Itália e de temas religiosos. Restou-me a dúvida: silenciou ou foi silenciada?” ( p.
107)
“ As dificuldades enfrentadas pelos imigrantes podem ser avaliadas pelo teor do boletim que
foi motivo de abertura de inquérito conta José Jubert, francês e professor, membro da liga
operária de Bragança , em 1910.” ( p. 107)
“ O professor foi chamado de vagabundo porque distribuiu um boletim denunciando as
precárias condições dos trabalhadores locais. Jubert defendeu-se sem a intervenção de
qualquer advogado.” ( p. 107)
“ A queixa foi julgada julgada improcedente.”( p. 107)

“ Por fim, localizei indícios nos periódicos locais das histórias e das práticas socioculturais
populares do município, assim como de sua origem e confirmação.” (p. 108)
1. Tentativas de controle do espaço e do corpo.
“Apesar de todo apreço pelos ares da modernidade que tomavam Bragança , a cidade não
ficou imune à varíola , à tuberculose e a lepra, doenças cuja incidência local deve ter sido
alta, para justificar a construção de três hospitais distintos.” ( p. 110)
“ As doenças e o perigo das epidemias assustavam os contemporâneos do período. O
temor que elas causavam propiciou e estimulou algumas iniciativas do poder público.” ( p.
111)

“ Nas primeiras dia primeiras décadas do século XX , identifica- se, de maneira inequívoca ,
a concepção e a realização de projetos de urbanização, de embelezamento e de
saneamento da cidade. Tais projetos são respaldados em interesses de investidores, de
fazendeiros e de grandes comerciantes locais.” ( p. 112)

“quando os diferentes autores referiam-se à morte dos biografados por motivo de doença ,
eles nunca explicitavam ou declinavam o nome da moléstia, em um momento que a morte
está sendo paulatinamente excluída de visibilidade.”

“ A nota sugere a preocupação do autor em dar rédeas à razão em detrimento do


sentimentos que deveriam ficar restritos aos recônditos da intimidade e da privacidade dos
indivíduos na modernidade (Gay, 1988).” ( p. 115)

“ A modernização do espaço urbano significava endossar os valores da civilidade, de


acordo com grande parte dos artigos publicados nos periódicos locais.” ( p. 115)

“Desde fins do século XIX, vinha ocorrendo a proibição e a regulamentação do trânsito de


carroças nas ruas, bem como a presença de animais e de ambulantes logradouros
públicos.”
( p. 116)

“ A capital do estado, a cidade de São Paulo, mais uma vez é tomada como modelo para
respaldar o que seria uma iniciativa civilizada.” ( p. 118)

“ Inúmeros projetos , obras e iniciativas públicas perpassaram o dia a dia da cidade, em


nome da saúde , da higiene, do embelezamento urbano, do fluxo e do escoamento contínuo
dos fluidos , das mercadorias e de corpos através das vias urbanas, mas principalmente em
nome da ordem, do progresso e da modernização.” ( p. 118)
“ Esse processo de urbanização tomou por modelo as grandes cidades brasileiras da
época.” ( p. 118)
2. Os diferentes matizes da educação na cidade
“ Datam, ainda , desse período, várias iniciativas em prol da instrução pública. Em meados
da década de 1870, José Guilherme fundou o “ Collegio Bragantino( Almanack de
Bragança para 1900, p. 67)”( p.124)

“ Nesse artigo, desvela- se que os ideais de criação de um jornal , se uma biblioteca e de


uma escola pelo Centro Católico estavam articulados às estratégias de divulgação e
legitimação de valores católicos, para além da instrução desinteressada dos analfabetos.
Naquela época, as elites locais eram, em sua esmagadora maioria, católicas.” ( p.126)

“ No Almanach Bragantino de 1904, encontra-se o seguinte histórico do grupo que foi


construído nesse local: Grupo escolar Dr. Jorge Tibiriçá

“Outras iniciativas destinadas a viabilizar a abertura de escolas particulares noturnas e


primárias espoucaram nas primeiras décadas do século XX em Bragança.” ( p. 133)

“ Bragança também acolheu diversas iniciativas de abertura de escolas particulares.” ( p.


133)
“ Busquei tão somente problematizar a idéia de transformação e de efervescências urbanas
que os periódicos locais instituíram e ressigificaram ao arrolar a inauguração de tais obras e
associações.”( p. 135)
“ Existem diferentes história e memórias de Bragança, das quais emergem Imagens ,
narrativas e trajetórias que valorizam o processo de urbanização crescente dos municípios ,
que pressupôs a reordenação do viver na cidade e de seu espaço, bem como a
inauguração de vários serviços e equipamentos urbanos, no encalço de avanços técnicos e
de preceitos higienistas e sanitários.”

CAPÍTULO IV
O CORPO: ENTRE A MATERIALIDADE DAS FOTOGRAFIAS E AS PRÁTICAS DE
LEITURA

“ trago à tona as sensibilidades relativas ao corpo” ( p. 137)


“ Muitas dessas sensibilidades acabaram por endossar algumas iniciativas do poder público,
destinadas às produção do corpo saudável e escolarizado , em um contexto social no qual o
trabalho passou a ser dignificado como uma das virtudes humanas.” (p. 137)
“ O corpo modelo era aquele que se pretendia civilizado, disciplinado e automotivado para
viver em sociedade, capaz de respeitar as leis,a propriedade privada e as relações de
produções assalariadas vigentes na modernidade.” ( p. 138)
“ O contraponto só corpo modelo [...] era o corpo daquele que não se moldou nem se
mostrou dócil a racionalidade instrumental.” ( p.138)
“ Na condição de desempregado, de vadio, de alcoólatra, de prostituta , de mendigo, de
doente , de incapaz...enfim, corpo percebido enquanto membro das então chamadas
classes perigosas.” ( p. 138)
“ As classes perigosas eram assim identificadas por alguns segmentos sociais porque
desestabilizavam o status quo, colocando em dúvida a ordem social necessária à produção
capitalista.”( p.138)
“ O corpo desse homem saudável , escolarizado e destinado ao trabalho conviveu com a
emergência acelerada de projetos distintos de modernização da cidade, implementados
pelo poder público, visando disciplinar e controlar a população urbana e rural.”( p.138)
“ Esses projetos de modernização registravam sensibilidades relativas ao espaço urbano e
ao corpo, oriundas do entrecruzamento da vontade pública de disciplinar e de controlar as
diferentes classes sociais.”( p. 138)
“ Em diferentes ocasiões, tais práticas discursivas propiciavam, em situações de tensões e
conflitos, a violência a discriminação a segregação e a exclusão de alguns indivíduos
considerados à margem da normalidade e ordenamento social.”

“ É significativo pontuar que a câmara municipal (1879) da época mandou construir tal
entidade para evitar que os doentes ficassem perambulando pela rua esmolando , a fim de
que fosse possível a internação desses enfermos, ou seja, sua segregação do convívio
social.” ( p. 140)
“ O corpo doente causava constrangimento e medo.” ( p. 141)

“ ganhavam guarida nos ares dignificantes da filantropia ( Bresciani,2006).” ( p. 141)

“ É significativa a recorrência à expressão “ espetáculo” para tratar de uma prática


decorrente da miséria e exclusão social" ( p. 143)

“ relativo ao corpo saudável- este, para além de não conviver com os descofortos causados
por diferentes moléstias, tampouco tenderia a conviver com o analfabetismo.” ( p.144)

1. Situando os periódicos locais


“ No contexto sociocultural da época privilegiada , a imprensa em Bragança era
identificada como um do símbolos do progresso e do avanço da civilização”. ( p.
144)
É significativo que o autor do artigo d’ O Guaripocaba tenha se preocuoado em
reafirmar que a imprensa é o carro do progresso , mas que também é o espaço no
qual vicejam discórdias , intrigas e vinganças; por conseguinte, espaço de tensões e
conflitos.” ( p. 145)

“ A apologia e a disseminação da ciência pelos impressos periódicos são marcas


indeléveis do avanço da modernidade , registrando uma nova sensibilidade que
emergiu acerca do conhecimento - agora científico- , mote do progresso e da
civilização.” ( p. 145)

“ os periódicos apresentam-se como instrumentos privilegiados para o debate


político da democracia liberal, da civilização e da modernidade; daí porque a
importância da imprensa livre.” ( p. 147)
“ Observei que as fotografias pertencentes às elites locais tendem a existir em maior
número”. ( p. 148)

“ Em algumas dessas fotografias , tem- se como primeira impressão que as classes


trabalhadoras foram tomadas como elementos figurativos.” ( p. 148)

“ Fotografias que denotavam a clara diferença entre o cotidiano do trabalho e o


cotidiano das elites locais , registradas nas poucas iconografias imprensas e
divulgadas nos periódicos locais.” ( p. 149)

“Na fotografias produzidas nessas ocasiões, desvelam- se as práticas socioculturais


e as relações de poder imbricadas no ato fotográfico.”

“ Ao longo deste estudo, cultivei a esperança de encontrar iconografias impressas


que registrassem outras pessoas, além daquelas pertencentes às elites locais, nos
periódicos bragantinos consultados. Tal não aconteceu.” ( p. 162)

ALGUMAS PALAVRAS FINAIS

“ [...] mas essa novela termina com um raciocínio surpreendente e


provocativo: corpo individual pode recuperar a sensibilidade ao sentir-se
deslocado ou em dificuldade.
( Sennett, 2000)

“ Nas buscas de sensibilidades relativas ao corpo que perpassavam o cotidiano de


Bragança , em fins do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX.”

“A par dessa busca, reportei-me a periódicos locais. Considerei o pressuposta de que tais
publicações propriciaram novas maneiras de ler e estimularam novas formas de escrever ,
que por sua vez, contribuíram também para a emergência de outras maneiras de conceber
e explicar o mundo e o próprio corpo.” ( p. 183)
“Foram privilegiados em seus artigos temas relativos às modernização urbana, à
salubridade da cidade , ao transporte ferroviário, à saúde, à escolarização e à formação de
trabalho.” ( p. 183)

“Corpo, por vezes, violentado pela miséria ou atormentado pelo preconceito ou pelo desejo
de atender às convenções e padrões sociais”.(p. 183)

“Senti-me, então, encorajada pelo desejo de entender como se deu a produção e a


legitimação de uma dada imagem de corpo , em detrimento de outras.” ( p.184)

“Um aspecto a ser enfatizado é a apologia que se fazia do trabalho nos periódicos
locais.“(p. 184)

“argumentava-se que o trabalho era fonte de toda propriedade e riqueza.Dessa maneira,


legitimava- se que alguns fossem ricos proprietários e outros não”( p. 184)

“Apesar da apologia do trabalho , as referências às classes trabalhadoras foram


inexpressiva ou relegadas às poucas linhas das “Notas Policiaes".” ( p.184)

“No cotejo dos periódicos locais com as fotografias e os processos judiciais, observei que a
imagem de corpo privilegiada nesses períodicos valorizavam também outros atributos ,
além da saúde e escolarização. Neles , para além da imagem amálgama da do corpo
saudável e escolarizado, valorizava- se a imagem do corpo do branco, em detrimento do
corpo negro ou mestiço, do homem em detrimento do corpo feminino e , sobretudo , do
corpo das elites locais em detrimento do das classes trabalhadoras.” ( p.184)

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