Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
“ [...] corpo é o primeiro lugar onde a mão do adulto marca a criança, [...] primeiro
espaço onde se impõe os limites sociais produtoras psicológicos que foram dados à
sua conduta, [ emblema onde a cultura vem inscrever seus signos como também
seus brasões. ( Vigarello, 1996).”
“ Morei por muitos anos na Rua Dr. Gosta ,em um sobrado construído em fins da
década de 1950.”(p. 17)
“ O quintal dessa minha casa não era grande, mas ficava em uma posição
estratégica. Dele eu podia avistar quase todos os quintais do quarteirão e observar
os varais da vizinhança.” (p. 17)
“O passar do meu tempo era regulado pelo barulho do sinal e algazarra das crianças
no recreio do grupo escolar e pelo apito do trem.” (p. 17)
“No início do século XX, as denominações das ruas e dos logradouros públicos
traziam inscritos indícios do relevo da cidade, das principais atividades econômicas
locais, de ideais e de práticas socioculturais características do período.” ( p.18)
“Desde pequena , quando caminhava pelo centro de Bragança, ficava pensando nos
motivos pelos quais aqueles nomes e sobrenomes tinham invadido a cidade” (p. 19)
“Como, quando e por que tais pessoas passaram a ser referências privilegiadas das
memórias e das histórias de Bragança? Quais os significados dessas mudanças?
Elas seriam rastros da privatização do espaço público?”(p.19)
“Essas representações estáticas e silenciosas também têm suas raízes e força nas
narrativas e memórias de alguns moradores da cidade.” (p.19)
“Havia e há uma versão da história local que não cessa de ser apregoada.(p.19)
“ Uma das premissas que orientou a reflexão e os procedimentos encetados foi que
o corpo é um dos loci, por excelência, no qual visões modernas se inscrevem.
Visões que perpassam práticas socioculturais plurais. Essas práticas , em grande
parte dissonantes , ambivalentes e contraditórias, são geradas no rastro e no interior
de tensões e conflitos sociais.” ( p. 20)
“No rastro das contribuições de Bermann e Naxara, procurei flagrar como a temática da
modernização da cidade de Bragança, alicerçada no paradigma científico e na racionalidade
instrumental de forma coetânea , sob auspícios, ainda de um olhar romântico, disseminada
por periódicos locais, ressignificada pelos leitores, suscitou e estimulou iniciativas para
governar, organizar e disciplinar os corpos.”( p. 22)
“ Toda realização humana que de alguma forma contribui para a experiência pode
ser englobada nesta vasta rubrica [...] cultura é algo mais complexo, mais
descontínuo e mais surpreendente do que julgam os estudiosos da moderna
civilização ocidental. Os altos e baixos do encadeamento de causas e efeitos, [...]
se incluirmos também suas dimensões inconscientes, a tornam refratária a qualquer
tentativa de mapeamento empreendida pelo historiador. ( Gay, 1988. p. 13)” ( p.22)
“
temporalidades plurais, movimentos descontínuos, acasos, ambiguidades e
contradições.” ( p. 22)
“ O período foi marcado pela imagem da multidão nas grandes cidades e pelas
epidemias que legitimação a implementação de políticas sanitárias destinadas a
garantir o controle das doenças e dos corpos.” ( p. 23)
“No início do século XX, as denominações das ruas e dos logradouros públicos traziam
inscritos indícios do relevo da cidade, das principais atividades econômicas locais, de ideais
e de práticas socioculturais características do período.” ( p. 18)
“Os nomes foram alterados vagarosamente. Afinal de contas, os motivos para designá-las
pelos seus antigos nomes não condiziam com os ares da modernização cosmopolita e do
progresso econômico co-cultural que se almejava implementar e de reconhecer na cidade.”
( p. 18)
“ Tratava-se de homenagem póstuma de seus herdeiros e elucidativa das relações de poder
vigentes na cidade de outrora, talvez , da tentativa de perpetuá-las – pelo menos- na
memórias locais.” ( p. 18)
“ Apesar desses nomes passarem a compor a identificação dos endereços urbanos nas
primeiras décadas do século XX, isso não significou que os antigos nomes dessas duas e
logradouros fossem apagados das memórias locais [...] talvez em uma tentativa de
resistência cultural à mudança, mesmo que não tão consciente assim” (p.18/19)
“Desde pequena , quando caminhava pelo centro de Bragança, ficava pensando nos
motivos pelos quais aqueles nomes e sobrenomes tinham invadido a cidade” (p. 19)
“Como, quando e por que tais pessoas passaram a ser referências privilegiadas das
memórias e das histórias de Bragança? Quais os significados dessas mudanças? Elas
seriam raso do espaço público?.”( p. 19)
“ As fotografias, os retratos pintados e os bustos esculpidos daquelas pessoas já mortas, e
que haviam pertencido às elites locais, são representações silenciosas e estatísticas de
seus corpos” (p.19)
“Elas trazem marcas do tempo. Os desgastes dos suportes ou dos materiais lembram-se
me cicatrizes e a luta pela perenidade das histórias e das memórias dos corpos
representados, na condição de lembranças ou na de “ monumentos/documentos ( Le Goff,
1990), a serem reconhecidos por todos de Bragança, para além dos limites de seu tempo
de existência.” ( p. 19)
“ Tinha a sensação infantil de que elas estavam em vigília permanente a espreitar as almas
e os sonhos dos moradores da cidade: na sala da diretoria da escola, nas paredes das
salas do museu, no saguão da Santa Casa, nós jardins das praças.” (p.19)
“Essas representações estáticas e silenciosas também têm suas raízes e força nas
narrativas e memórias de alguns moradores da cidade.” (p.19)
“Havia e há uma versão da história local que não cessa de ser apregoada. ”( p.19)
“Lê-se estagnação e atraso na mudança do eixo econômico e do ritmo de crescimento
local.”(p. 19)
“ O período foi marcado pela imagem da multidão nas grandes cidades e pelas
epidemias que legitimação a implementação de políticas sanitárias destinadas a
garantir o controle das doenças e dos corpos.” ( p. 23)
“ No seio de tal contexto inscreve-se a história de Bragança, cujas singularidades
tiveram lugar neste estudo, no qual procurei compreender algumas sensibilidades
relativas ao corpo no imaginário local, explorando vestígios em diversificada base
documental.”( p. 23)
“ Nesse diálogo com as fontes, parti da premissa que a linguagem não esconde, mas,
sobretudo, revela positividades( Foucault, 1987). Assim , não abordei tais fontes na tentativa
de desmarcarar ou desvelar intenções ocultas nas entrelinhas dos textos.” ( p. 25)
“Em relação aos periódicos locais , mapeei também imagens relativas aos impressos na
modernidade e senti-me estimulada a refletir se tais imagens entrecruzam- se , instituindo
novas práticas socioculturais relativas ao corpo. (p. 25)
“ Sob tal perspectiva, ressalto que nos periódicos da virada do século XIX para o século
XX, chamou- me a atenção, no transcorrer das leituras, a pretensão do discurso que se
queria científico e moderno, ao reafirmar a possibilidade de desvendar e conhecer o corpo
em sua totalidade.” (p.26)
“ e tais mudanças permitem-nos identificar o aprendizado de uma nova forma de leitura que
se altera da leitura das entrelinhas da “ [...] informação representada explicitamente no
texto” ( Olson, 1997, p.159). Para ele, a expressão leitura possibilita várias interpretações e
práticas, sendo necessário dar - lhe historicidade.” (p.26)
“ O leitor ocidental do impresso , ainda hoje , adota em sua leitura referências como a
paginação, o índice e a diagramação do texto. O olhar desse leitor percorre o texto da
esquerda para a direita, no sentido vertical , de cima para baixo. Pontuou que esses são
procedimentos similares aos exigidos para a leitura de manuscritos.”(p. 27)
“ tal prática impregnou uma dada sociedade relativa à percepção que se tem do corpo do
letrado naquele momento: desde estudos sobre postura corporal adequada (individual ou
coletiva, silenciosa ou em voz alta) a escrita ( exercícios de caligrafia e cópias, por exemplo)
, até questionamentos sobre os padrões comportamentais e valores sociais que se
inscreveriam no corpo e na alma do sujeito afeito à leitura.”
CAPÍTULO I
À GUISA DE UM INTERMEZZO: O CORPO NA TRAMA DA JUSTIÇA
CAPÍTULO III
A CIDADE PLURAL: EM BUSCA DE OUTRAS VOZES
“ Quando da elevação a cidade, alguns moradores da então Freguesia de Bragança
enviaram uma Petição ao governador, solicitando a elevação da freguesia à vila e seu
desmembramento de Atibaia.” ( p. 93)
“ Em 1797, a câmara de Atibaia enviou ao governador da província , mediante um
documento identificado por Informações, seu posicionamento contrário a tal
desmembramento.” ( p. 93)
“ A câmara de Atibaia informou que a população da freguesia era grosseira , sem “ cultura e
civilidade” , isso porque poucos sabiam ler e escrever , uma vez que não havia escolas no
local.” ( p. 94)
“ Tal situação seria decorrência tanto da origem de parte dessa população, formada por
criminosos e seus descendentes , quanto por conta da outra parte ser formada pelo “ gentio
da terra , bastardos e gente da infima plebe.” ( p.94)
“ Esses indícios sugerem um dos motivos pelos quais se tendeu a ter um silenciamento das
histórias e das memórias dessas populações nos periódicos bragantinos, em grande
medida, afeitos ao imaginário das elites locais.” ( p. 94)
“Em 1876, Bragança possuía a quarta maior população da província de São Paulo,
estimada em 11.618 habitantes.” (p. 94)
“ [...] e o resultado obtido foi de 39.957 habitantes [...], A cifra exacta nesta
última data era de 40.148 habitantes.( A Notícia, 21 de Outubro de 1905, ano I, n. 1, p. 1)
“ De acordo com esse artigo, Bragança era a décima cidade mais populosa no estado de
São Paulo e, comparando-se os dados, percebe-se o crescimento populacional ocorrido
entre 1876 e 1903.” ( p. 95)
“A população da zona rural ainda era maior que a da cidade, mas, mesmo assim,nós
periódicos locais tendiam a construir uma imagem do município em que o espaço urbano,
seus respectivos valores e práticas socioculturais tendiam a se sobrepor ao rural.” ( p. 96)
“ Essas disputas se sucederam por todo século XIX, tendo seu fim em meados dos anos
1920”.(p. 97)
“ As histórias e memórias dos tropeiros e dos pobres tenderam a ser silenciadas nos
almanaques né anuários privilegiados , assim como a história e memória dos negros.
“ nessas seções menos nobres dos periódicos , as presenças dos tropeiros e dos pobres
também se evidenciaram.” ( p. 98)
“ O Clube dos Escravos foi extinto após dois anos ( Almanach Bragantino, 1914).” ( p. 100)
“ Saliento que no jornal local A Notícia foram publicadas inúmeras e diferentes notas
escritas em italiano, relativas às atividades dessas sociedades formadas por imigrantes e
informando a chegada ou partida de algumas famílias italianas.” ( p. 103)
“ Mas diante de uma mobilização de operários ( ferroviários)[...] a Secção italiana teve sua
pauta alterada.” ( p. 105)
“ Alguns números depois , eis que irrompe na Secção Italiana o seguinte artigo,
defendendo o direito da greve por conta do descontentamento dos operários em relação a
alguns dirigentes.” ( p.106)
“ No artigo, os reclamantes dos operários trazem à baila as difíceis e precárias condições de
trabalho encontradas pelos imigrantes.” ( p. 106)
“O autor do artigo traz à tona uma dada imagem de corpo. Nesta , o operário é dono de seu
corpo , cabendo à mente pensar e ao coração que palpita sentir.” ( p. 106)
“ Nos números seguintes , a “ Secção Italiana” silenciou sobre a greve e voltou a tratar das
regiões da Itália e de temas religiosos. Restou-me a dúvida: silenciou ou foi silenciada?” ( p.
107)
“ As dificuldades enfrentadas pelos imigrantes podem ser avaliadas pelo teor do boletim que
foi motivo de abertura de inquérito conta José Jubert, francês e professor, membro da liga
operária de Bragança , em 1910.” ( p. 107)
“ O professor foi chamado de vagabundo porque distribuiu um boletim denunciando as
precárias condições dos trabalhadores locais. Jubert defendeu-se sem a intervenção de
qualquer advogado.” ( p. 107)
“ A queixa foi julgada julgada improcedente.”( p. 107)
“ Por fim, localizei indícios nos periódicos locais das histórias e das práticas socioculturais
populares do município, assim como de sua origem e confirmação.” (p. 108)
1. Tentativas de controle do espaço e do corpo.
“Apesar de todo apreço pelos ares da modernidade que tomavam Bragança , a cidade não
ficou imune à varíola , à tuberculose e a lepra, doenças cuja incidência local deve ter sido
alta, para justificar a construção de três hospitais distintos.” ( p. 110)
“ As doenças e o perigo das epidemias assustavam os contemporâneos do período. O
temor que elas causavam propiciou e estimulou algumas iniciativas do poder público.” ( p.
111)
“ Nas primeiras dia primeiras décadas do século XX , identifica- se, de maneira inequívoca ,
a concepção e a realização de projetos de urbanização, de embelezamento e de
saneamento da cidade. Tais projetos são respaldados em interesses de investidores, de
fazendeiros e de grandes comerciantes locais.” ( p. 112)
“quando os diferentes autores referiam-se à morte dos biografados por motivo de doença ,
eles nunca explicitavam ou declinavam o nome da moléstia, em um momento que a morte
está sendo paulatinamente excluída de visibilidade.”
“ A capital do estado, a cidade de São Paulo, mais uma vez é tomada como modelo para
respaldar o que seria uma iniciativa civilizada.” ( p. 118)
CAPÍTULO IV
O CORPO: ENTRE A MATERIALIDADE DAS FOTOGRAFIAS E AS PRÁTICAS DE
LEITURA
“ É significativo pontuar que a câmara municipal (1879) da época mandou construir tal
entidade para evitar que os doentes ficassem perambulando pela rua esmolando , a fim de
que fosse possível a internação desses enfermos, ou seja, sua segregação do convívio
social.” ( p. 140)
“ O corpo doente causava constrangimento e medo.” ( p. 141)
“ relativo ao corpo saudável- este, para além de não conviver com os descofortos causados
por diferentes moléstias, tampouco tenderia a conviver com o analfabetismo.” ( p.144)
“A par dessa busca, reportei-me a periódicos locais. Considerei o pressuposta de que tais
publicações propriciaram novas maneiras de ler e estimularam novas formas de escrever ,
que por sua vez, contribuíram também para a emergência de outras maneiras de conceber
e explicar o mundo e o próprio corpo.” ( p. 183)
“Foram privilegiados em seus artigos temas relativos às modernização urbana, à
salubridade da cidade , ao transporte ferroviário, à saúde, à escolarização e à formação de
trabalho.” ( p. 183)
“Corpo, por vezes, violentado pela miséria ou atormentado pelo preconceito ou pelo desejo
de atender às convenções e padrões sociais”.(p. 183)
“Um aspecto a ser enfatizado é a apologia que se fazia do trabalho nos periódicos
locais.“(p. 184)
“No cotejo dos periódicos locais com as fotografias e os processos judiciais, observei que a
imagem de corpo privilegiada nesses períodicos valorizavam também outros atributos ,
além da saúde e escolarização. Neles , para além da imagem amálgama da do corpo
saudável e escolarizado, valorizava- se a imagem do corpo do branco, em detrimento do
corpo negro ou mestiço, do homem em detrimento do corpo feminino e , sobretudo , do
corpo das elites locais em detrimento do das classes trabalhadoras.” ( p.184)