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PSICOPATOLOGIA GERAL

Professor Tom Rodrigues

AULA 1: deslocamentos do conceito “loucura”.


“Um louco é também um homem a
quem a sociedade não quis ouvir e a
quem quis impedir a expressão de
insuportáveis verdades”.
João Frayse-Pereira (O que é loucura? –
coleção primeiros passos, p. 11)
A Noite Estrelada
Vincent Van Gogh (1889)
Começando com dois
aforismos
 As doenças e transtornos mentais são tão
antigos quanto a própria humanidade;

 “As causas da loucura e a maneira como se


deve tratá-la nunca constituíram fonte de
unanimidade” – Tânia Cociuffo, p. 36.
◦ Um conflito de concepções que é “saudável”,
pois a estereotipia produz tanto percepções e
visibilidades viciadas, quanto determinada
invisibilidade.
“Na Psicopatologia o conflito de
ideais não é uma debilidade, é uma
necessidade.
Não se avança em Psicopatologia
negando e anulando diferenças
conceituais e teóricas; avança-se,
sim, por meio do esforço de
esclarecimento e aprofundamento
de tais diferenças, em um debate
aberto, desmistificante e honesto”.
P. Dalgalarrondo
Antes do século XVIII
 “Modelo mítico-religioso” de compreensão da
loucura.

◦ “Loucos” eram compreendidos como efeito de


“possessão demoníaca”; “bruxaria”; “punição
dos deuses”;
◦ Paradigma das intervenções: tais sujeitos eram
acorrentados em calabouços, torturados,
“exorcisados” e, até mesmo lançados ao mar
(“Nau dos loucos”).
Século XVIII e Modernidade
 Revolução francesa (1789–1799);
◦ Lema: Liberdade, igualdade e fraternidade.

 Pioneiros como Jean-Baptist Pussin (1746–1811)


e Philippe Pinel (1745-1826) começaram a lidar
com a loucura não como efeitos de condições
sobrenaturais e sim como doenças;
◦ Eles deslocam a loucura do calabouço para os
hospitais psiquiátricos (o que naquele momento
histórico é um avanço);
◦ Início do paradigma do “Tratamento moral”.
Início do Século XIX e
Modernidade
 “Modelo alienista” de compreensão da
loucura.
◦ A psiquiatria como atualmente a conhecemos
nasceu com o nome de alienismo.

 Paradigma do “tratatamento moral”: um


conjunto de medidas que submeteriam o
alienado ao jugo da ordem e da norma de uma
instituição total.
Philippe Pinel (pai da psiquiatria) e o
“tratamento moral” surgido em Bicêtre.

Pinel removendo correntes dos


insanos de Bicêtre
Charles-Louis Müller (1849)
O que é psicopatologia?
 É uma categorização de “doenças mentais” nas
ciências “psi”;

 Etimologicamente: é o estudo do sofrimento


psíquico;
◦ Psico: psíquico;
◦ Pathos: sofrimento;
◦ Logos: estudo.
 Desde que a psicopatologia se criou, há
aproximadamente 200 anos, é um exercício
constante de demarcação sobre o que é a
normalidade e sobre o que é a diferença.
◦ Mas, que diferença é patológica e merece
intervenção? Afinal, o que é ser “normal”?
◦ Todos nós participamos dessa classificação;
◦ Não é uma objetividade que não presta nada à
esfera subjetiva e moral;
◦ Lembrando: O sofrimento é inerente ao existir
humano.
Mudança de paradigmas no
Século XX
 Até o final da segunda Guerra (1945), “modelo
psicológico” da loucura
◦ Nova concepção de Saúde (OMS, 1948);
◦ Grande influência da Psicanálise;
◦ Loucura como produto de conflitos passionais de um
sujeito (sofrimento como enigma, signo).

 1952: surgimento psicofarmacologia e,


concomitantemente, do DSM I.
◦ A partir de então, cada vez mais ênfase em um
“modelo psiquiátrico/neuro-biológico” da loucura.
Diagnostic and Statistical
Manual of Mental
Disorders (DSM)
 O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais é produzido pela Associação
Americana de Psiquiatria (APA).

 DSM I: 1952
 DSM II: 1968
 DSM III: 1980
◦ Esta edição varre de vez a influência da psicanálise e da
fenomenologia na compreensão dos TM.
 DSM IV: 1994
 DSM V: 2013
Definição de “Trantorno Mental”
para o DSM V:
 “Um Transtorno Mental é uma Síndrome
caracterizada por perturbação clinicamente
significativa na cognição, na regulação
emocional ou no comportamento de um
indivíduo que reflete uma disfunção nos
processos psicológicos, biológicos ou de
desenvolvimento subjacentes ao
funcionamento mental. Transtornos Mentais
estão frequentemente associados a
sofrimento ou incapacidade significativos
que afetam atividades sociais, profissionais
ou outras atividades importantes. (...)
 (...) Uma resposta esperada ou aprovada
culturalmente a um estressor ou perda
comum, como a morte de um ente querido,
não constitui transtorno mental. Desvios
sociais de comportamento (por exemplo, de
natureza política, religiosa ou sexual) e
conflitos que são basicamente referentes ao
indivíduo e à sociedade não são transtornos
mentais a menos que o desvio ou conflito
seja o resultado de uma disfunção no
indivíduo, conforme descrito” (DSM-V,
2013, p. 20).
Ainda sobre o DSM
 Relação direta com a psicofarmacologia;
 Objetivo de que os psiquiatras e outros
profissionais da saúde pudessem dialogar
(pesquisas, congressos, internacionalização,
etc.);
 Ao longo das décadas, cada vez mais ênfase na
psiquiatria biológica;
 Número de diagnósticos explodiu:
◦ DSM I: 160 diagnósticos, DSM IV: 475.
 “Cada vez mais, cada pequeno desvio é
chamado a ser um transtorno”.
Todo sofrimento para ser acolhido
precisa ser classificado como patologia?

 Muitas pessoas com sintomas, podem não


apresentar transtorno, apenas diferença e
não doença;
◦ Conjunto de sintomas não fecham um
diagnóstico de transtorno mental se não
apresentam sofrimento para o sujeito em
questão.
 Exemplos:
◦ Autistas como neurodiversos; transexuais como
integrantes de uma condição identitária.
 O que é considerado normal ou patológico é
então determinado pela CULTURA.
Sugestões de leituras

 O que é loucura? – João Frayse Pereira (1985);


 O alienista – Machado de Assis (1881);
 Doença mental e psicologia – Michel Foucault
(1954);
 História da Loucura – Michel Foucault.
Sugestões de vídeos
 CRP Diversidade 1: Loucura e preconceito;
 Rumo ao fim dos manicômicos – Paulo Amarante
(reportagem, 2006);
 Café Filosófico: A história da Psicopatologia no
Brasil (Benilton Bezerra Jr, 2012);
◦ Disponíveis no Youtube.
Sugestões de Filmes

“Dá pra fazer” (Giulio Manfredonia, 2008)


“Uma janela para a Lua”
(Alberto Simone, 1995)
“Um estranho no ninho”
(Miloš Forman, 1975)
Próxima Aula:
 Critérios de normalidade em
Psicopatologia.

 Leitura obrigatória:
Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos
Mentais de Paulo Dalgalarrondo (2008),
Capítulos TRÊS e QUATRO (p. 31 – 38)
COCIUFFO, T. Encontro marcado com a
loucura: ensinando e aprendendo
psicopatologia. São Paulo: Luc Editora, 2017,
Cap. III, p.46-64.

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