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Seminário de História do Atlântico

A Literatura de Viagens portuguesa no


contexto Atlântico do século XVII:
Ensaio Bibliográfico

Docente Coordenador: Professora Doutora Maria Manuel Torrão


& Professor Doutor Miguel Alexandre Dantas da Cruz
Discente: Valter Fernandes nº151270
Ano Letivo: 2020-2021

Lisboa, janeiro 2021


Cristóvão, Fernando. Condicionantes Culturais da Literatura de Viagens: Estudos e
Bibliografias. Lisboa: Edições Cosmos, 1999.

Falcão, Ana Margarida & Maria Teresa Nascimento & Maria Luísa Leal. Literatura de
Viagens: Narrativa, História e Mito. Lisboa: Edições Cosmos, 1997.

Polónia, Amélia & Fabiano Bracht & Gisele C. Conceição et al. Cross-Cultural
Exchange and the Circulation of Knowledge in the First Global Age. Porto:
Edições Afrontamento, 2018.

As três obras, expostas acima, abordam de forma geral a temática da literatura de


viagens. Foram escolhidas para a análise por possuírem, em grande parte, os mesmos
objetivos, mas também pelo facto do seu conjunto de textos serem maioritariamente
escritos por portugueses, ou brasileiros, de forma a facilitar o objetivo proposto. Assim,
a seguinte análise bibliográfica serve para comparar as obras e os textos presentes sobre
diversas temáticas, e dessa forma, perceber o que está presente, o que não está e o que
poderia estar sobre a literatura de viagens portuguesa do século XVII, principalmente
quando nos referimos ao espaço Atlântico.
A intenção da procura específica sobre este período, em conjunto com objeto de
estudo proposto, passa pelo facto de quase metade do século XVII, Portugal ter estado
sob jugo das forças filipinas, fator que tornou a produção literária reduzida,
principalmente a do contexto de viagens. A segunda metade do século, apesar da
Restauração, continua na mesma linha de baixa produção documental, com os esforços
da coroa a concentrarem-se na legitimação da nova dinastia, nas guerras com Castela e
na repressão das dificuldades económicas que se faziam sentir.1 Por estas razões,
entendemos o porquê de haver menor produção deste tipo de fontes para o período
descrito, algo que também pode ser observado nos exemplares trabalhados.
As obras têm propósitos idênticos, com a primeira, da coordenação de Fernando
Cristóvão, a focar-se principalmente nas experiências e contextos em que determinada
literatura de viagens foi desenvolvida, enquanto que o segundo trabalho, da organização
de Ana Margarida Falcão (et al), não só objetiva o mesmo, como ainda expõe exemplos

1
Sobre o assunto, ver Marques, Oliveira. História de Portugal: Do Renascimento às Revoluções Liberais.
Vol. II, Lisboa: Editorial Presença, 1998, em especial pp.186-187
de textos de viagens na literatura geral ao longo dos tempos, da mais antiga à mais
contemporânea, com espaço ainda para desenvolver, no final, uma parte dedicada à
teorização deste tipo de documentação. A última obra, editada por Amélia Polónia (et al),
é a mais dissemelhante das três. O compêndio é escrito maioritariamente por autores
brasileiros, o que faz com que o seu foco seja o Brasil, e, utilizando a literatura de viagens,
aborda a disseminação científica na época Moderna, e o registo de novidades e avanços
médicos e farmacológicos em diferentes espaços geográficos dominados pelos
portugueses.

A literatura de viagens na obra de Fernando Cristóvão

A obra coordenada por Fernando Cristóvão, que data de 1999, reúne vários textos
de diversos autores. Possui, dessa forma, temas gerais, mas sempre focado no objeto de
estudo, que é a escrita de experiências de viagem.
Numa fase inicial, aborda-se, de forma introdutória e teórica, este tipo de
literatura, dando-nos a conhecer o que representa como fonte documental para o trabalho
historiográfico atual, ou como forma e meio de propagação científica no período em que
se insere. Nos vários textos que se podem ler, surgem-nos dois, um de José Nuno Carreira,
que analisa a literatura de viagens sobre Jerusalém, e outro de Sara Augusto, que escreve
acerca das peregrinações a Roma e Santiago de Compostela neste contexto (pp.53-83).
Estes assuntos específicos, não têm relevo para o desenvolvimento desta análise, contudo,
os seguintes trazem já algo interessante para a discussão, pois são assuntos que também
se encontram nas outras duas obras aqui examinadas, além de se inserirem no tópico base
do ensaio. Os temas a que me refiro são: os monstros, os prodígios na literatura de viagens
e suas representações, da autoria de Maria Adelina Amorim (p.127); a ligação entre a
História Natural e a literatura de viagens, escrita pelo coordenador (p.189);
posteriormente uma análise aos bestiários e as comparações entre o homem e o animal,
parte trabalhada e desenvolvida por João Paulo Aparício e Paula Pelúcia (p.219), que vão
ao encontro da temática desenvolvida no primeiro texto por Maria Adelina Amorim.
Só sensivelmente a meio da obra (p.261) se abordam temas referentes ao século
XVII. O primeiro texto, da autoria da José Silva Horta, designado por O Africano:
produção textual e representações (séc. XV-XVII), o segundo, de Ana Maria de Azevedo,
que escreve sobre o “olhar” quinhentista e seiscentista acerca do índio brasileiro (p.303),
e o terceiro, da autoria de Rui Manuel Loureiro, onde são abordadas Visões da Ásia dos
séculos XVI e XVII na perspetiva da literatura de viagens (p.337). São, desta forma,
analisados os principais três continentes de onde advém a maioria da literatura de viagens
portuguesa. Cabe agora analisar, mais detalhadamente, os textos acima referidos.
Sobre as representações do africano na produção documental do século XVII, José
Silva Horta indica que a descrição do africano, do asiático, do ameríndio e consequente
literatura de viagens sobre estes, tem, no geral, recebido mais atenção por parte da
historiografia nos últimos 50 anos. Estas descrições materializam-se principalmente na
escrita, na arte e na oralidade, seja em forma de provérbios, ditos, anedotas ou canções.
Afirma que Portugal teve um papel fundador no discurso antropográfico sobre o homem
africano, mas que, no entanto, servia mais como um “banco de dados” de informação a
que os académicos e intelectuais europeus recorriam. Podemos observar um aumento
paulatino na produção textual sobre temas e sociedades africanas no século XVII,
contudo, este aumento deve-se maioritariamente a produção estrangeira.
Sobre o índio brasileiro, Ana Maria de Azevedo começa por abordar os primeiros
contactos dos portugueses com os indígenas, assim como a génese dos registos
documentais em quinhentos. Faz denotar o contraste entre a observação do índio por parte
de um explorador ou viajante, em comparação com a de um colonizador. A deste era
detalhada, pois procurava ir mais além na abordagem, interpretando-os (p.307). Destaca
ainda o relevo das fontes sobre os ameríndios por parte dos portugueses, mas também de
estrangeiros. Refere várias cartas valiosíssimas, do ponto de vista documental, escritas
por um capuchinho francês que esteve no Maranhão durante quatro meses em 1612.
Indica outros, apesar de não serem portugueses, como o corsário Thomas Cavendish,
abandonado na baía do Rio de Janeiro pelos seus companheiros, e que teve os seus textos
publicados em 1625 (p.323). Ou ainda o naturalista alemão, que vai para o Brasil a convite
de João Maurício de Nassau em 1635, onde permanece até 1644, estudando a fauna e a
flora local, e construindo o primeiro observatório em terras americanas até então. Escreve,
em conjunto com Guilherme Piso, a História Natural de Brasil, publicada em 1648.
Surge-nos, posteriormente, o texto, já indicado, sobre a Ásia do séc. XVII, da
autoria de Rui Manuel Loureiro, que pelo facto de não ser referente ao Atlântico, não nos
interessará para esta análise em questão. Mesmo assim, será importante referir que é bem
visível e notória a produção documental portuguesa no Oriente, em comparação com a
do espaço ocidental.
Concluindo a observação a esta obra, convém ainda acrescentar que nela é
também abordada a expansão missionária no Oriente e alguns relatos sobre naufrágios,
textos desenvolvidos por Horácio Peixoto de Araújo e Maria Benedita Araújo
respetivamente e que justificando mais uma vez o que foi dito anteriormente sobre a
produção de documentação oriental.

Literatura de viagens: narrativa, história e mito

A seguinte obra analisada, organizada por Ana Margarida Falcão, Maria Teresa
Nascimento e Maria Luísa Leal, data de 1997, e dessa forma, cronologicamente bem
próxima da obra organizada por Fernando Cristóvão. Está repartida em três partes
principais, nas quais as três autoras desenvolvem assuntos referentes à matéria abordada,
com objetivos distintos. A primeira parte é denominada de Literatura de viagens e
organizada por Margarida Falcão, a segunda intitulada por A viagem na literatura, da
organização de Maria Teresa, e a última Viagem e Teorização, por Maria Luísa Leal.
A secção de Margarida Falcão é possivelmente aquela que mais nos interessa para
este exercício. Nela podemos observar uma grande variedade de temas discutidos em
torno de documentação de viagens diversa. São abordadas desde viagens à Ásia extrema,
a relatos sobre a experiências e vivências de frades Dominicanos, e ainda narrativas de
peregrinos pelas Américas. De seguida, podemos observar um texto, redigido por Paolo
Carile, em torno das viagens de protestantes pelo Índico no século XVII (p.47).
Posteriormente, é no texto de Rui Carita que podemos ler um pouco sobre o
Atlântico português do século XVII (p.69). O estudo foca-se na literatura de viagens da
Madeira e em documentação do período referido. No século XVI e XVII, a Madeira era
um ponto de paragem obrigatória para as armadas inglesas, principalmente pelo seu
apreciado vinho.2 Nesse sentido, vários registos e fontes podem ser encontrados sobre o
arquipélago durante aquele tempo. Mais à frente, encontramos outro texto referente à
Madeira do século XVII, escrito por João Adriano Ribeiro, contudo, este analisa a
literatura de viagens francesa (p.239). O autor começa por indicar Jean Mocquet e o seu
trabalho em seiscentos na descrição e divulgação da ilha portuguesa. Para isso, indica
ainda duas personalidades francesas que ajudaram e enriqueceram a perceção estrangeira
da Madeira naquele tempo. Pierre d’Avity, autor de Description Générale de l’Afrique,
publicada em Paris em 1637, e Antoine Biet, que escreveu Voyage de la France

2
Sobre o assunto dos vinhos da Madeira, durante os séculos referidos, ter em consideração a obra
Hancock, David. Oceans of Wine: Madeira and the Emergence of American Trade and Taste. Yale
University Press, 2009.
equinoxiale en l’isle de Cayenne, publicado em 1664. Biet, ao contrário do anterior,
afirma mesmo ter estado na ilha em 1652, e dessa forma, que não se limitava apenas a
escrever informação que então circulava na Europa.
Como podemos observar, mais uma vez, são escassos os registos portugueses,
sendo referida documentação sobre o século XVII no contexto Atlântico acerca de
territórios e possessões portugueses, mas quase sempre de forças exteriores, neste caso,
como vimos, de franceses e ingleses.
A obra debruça-se também sobre a relação entre as Ciências Naturais e a literatura
de viagens através de um texto de João Carlos Andrade (p.99). Este que será um ponto de
conexão estre os três trabalhos aqui analisados, talvez até o de maior destaque.
Também o historiador Anthony Disney está presente no compêndio, abordando a
literatura de viagens portuguesa dos séculos XVI e XVII. A partir dela, tenta desmistificar
alguma informação, apontado “verdades, mentiras e representações”, além de nos dar
uma visão sobre este tipo de literatura sobre o olhar do historiador (p.121). Afirma que o
historiador tem de ser rigoroso com os factos, mas, no entanto, admite que a literatura de
viagens exige um exercício de maior sensibilidade e imaginação. Continua afirmando que
um dos desafios para quem a estuda, é observar estas representações e procurar perceber
a mentalidade das pessoas que as produziam. Disney destaca um registo escrito pelo
jesuíta Manuel Godinho do séc. XVII, o qual trabalhou. Esta, no entanto, é documentação
sobre a viagem de regresso, por parte do jesuíta, da Índia para Portugal via Iraque e Síria
em 1663. O que revela, mais uma vez, que a pouca documentação existente, e por sua vez
trabalhada, é dentro do contexto oriental.
A segunda parte da obra intitula-se por A viagem na literatura. Nela podemos
observar a relevância das viagens espelhadas em várias obras de renome, desde o Ulisses
de Homero, na poesia de Sophia de Mello Breyner (p.359), à viagem e cosmopolitismo
em os Maios do Eça de Queiroz (p.399). Observando os temas, é notório que não será
relevante analisar esta parte para o presente ensaio.
Seguidamente, na terceira e última parte, intitulada de Viagem e Teorização, são
observados alguns textos interessantes para a discussão em causa. Nomeadamente o texto
produzido por Nuno Júdice, A viagem entre o real e o maravilhoso, que aborda, de certa
forma, alguns assuntos discutidos na obra de Fernando Cristóvão, em especial o texto
sobre bestiários, monstros, espantos e prodígios.
Contudo, neste terceiro conjunto de textos, o que trata o tema em foco, será o de
José Herrero Massari, pois analisa não só a literatura de viagens portuguesa dos séc. XVI
e XVII, como também a sua leitura. Realça também o padre Manuel Godinho, mas para
fazer referência aos leitores dos seus escritos naquele tempo, principalmente sobre os
naufrágios.3 O padre referia que os leitores se entretinham com a leitura das tormentas
dos outros, sem qualquer noção do perigo pelo qual os marinheiros passavam. É revelado
assim, como indica o autor, qual era o interesse, ou a “moda” literária daquele tempo.

A circulação do conhecimento na primeira idade global

A obra Cross-Cultural Exchange and the Circulation of Knowledge in the First


Global Age apresenta-nos aspetos um pouco diferentes em comparação com as obras
anteriores. Foca-se principalmente na circulação de informação durante o período
Moderno, principalmente de conhecimento científico e medicinal. Assim, a relevância
dela para este ensaio surge porque os seus textos são escritos, maioritariamente, por
portugueses ou brasileiros, que focalizam o seu estudo em questões do império português
que nos são pertinentes. Deve-se acrescentar ainda que esta circulação e registo de
novidades científicas, enquadra-se no mundo da literatura de viagens, e dessa forma
acrescentará interessantes pontos de discussão nesta abordagem comparativa.
O trabalho é editado por Amélia Polónia, Fabiano Bracht, Gisele C. Conceição e
Monique Palma, e data de 2018. Obra geral, constituída por vários textos escritos por
vários autores e dividida em três partes principais. A primeira denominada de Ciência
como poder e o poder da ciência, a segunda, destaca perceções e interações com o mundo
colonial, enquanto que a terceira e última parte, aborda práticas medicinais coloniais
assim como a transferência e propagação desses conhecimentos entre culturas.
Na primeira parte, Gisele Conceição, começa por abordar o caso de Ribeiro
Sanches, e a sua importância na divulgação de conhecimento científico e filosófico,
durante a época das Luzes entre Portugal e Brasil (p.15). Observamos posteriormente,
mais dois textos, um de Rafael de Dias Campos e outro de Carla Vieira, que referem mais
dois casos de registo e circulação de conhecimento científico e filosófico no Atlântico. O
primeiro começa por abordar estudantes de medicina luso-brasileiros em Montpellier, e
o relevo que estes tiveram na propagação de ideias no final do século XVIII, enquanto
que o segundo texto, analisando também o mesmo período, preocupa-se em trabalhar uma

3
Sobre este assunto, ver em especial o trabalho editado por Flor, João Almeida. A Tragic Story of the Sea.
Trad. John Elliott, Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa, 2008.
carta, publicada em 1763, onde estariam as experiências de um mercador inglês e
especialista em plantas tintureiras, de seu nome Moses Lindo.
Como podemos observar, é notório, nas três obras analisadas, que grande parte da
documentação, registos e literatura de viagens do período Moderno trabalhada, se conecta
com as Ciências Naturais, e de certa forma, construindo-a.4
Na segunda parte do livro, Ana Cristina Roque começa por abordar alguns registos
portugueses sobre a fauna e flora marinha da África do Sul no séc. XVI (p.75). Analisando
Roteiros e Diários de Navegação do século XVI sobre a fauna marinha da África Austral,
a autora objetiva identificar o relevo, não só das fontes, como das dinâmicas da região
numa perspetiva global, tendo em conta questões como a biodiversidade do espaço
estudado.
De seguida, Cristina Brito aborda temáticas em torno dos mamíferos marinhos na
construção da História Natural. Usa o exemplo comparativo do manatim com a sereia
mitológica, como uma das primeiras analogias do homem em relação ao desconhecido.
Refere ainda a importância de mapas, registos, cartas, manuscritos e livros de alguns
naturalistas, cartógrafos e humanistas, que acabam por ficar excluídos dos principais
circuitos centrais da Europa intelectual dos séc. XVI e XVII (p.104). Fica assim evidente
que a temática dos monstros, apesar da abordagem diferente, é talvez aquele que, a par
com o do olhar científico, maior atenção recebe ao longo das obras examinadas.
Nima Vieira interpela o século XVII, referindo registos de caça à baleia durante a
época, assim como a transferência das técnicas a partir da região da Biscaia para o Brasil
(p.125). No seu texto, relata e estuda os registos sobre a arte baleeira, que viaja das terras
bascas através do Atlântico, e que acaba por perdurar durante alguns séculos, até surgirem
inovações tecnológicas a parir do séc. XIX, que acabam por substituir as anteriores.
A terceira e última parte da obra, como já indicado, reflete as práticas médicas em
espaços colonizados e a propagação dessas novas formas de utilização da ciência, tanto
das metrópoles, mais avançadas tecnológica e cientificamente, para as possessões, como
o inverso, pois como referem os autores, alguns registos indicam momentos de
aprendizagem local, a partir de técnicas centenárias tribais.
Fabiano Bracht, começa por abordar as principais zonas de contacto e produção
de conteúdo científico no império oriental português. Analisa principalmente o século

4
Sobre este assunto, confira o artigo de Moniz, Antônio Manuel de Andrade. Ciência e paraciêcia na
literatura de viagens. Revista da FCSH, 2001.
XVII e a documentação que registas avanços e descobertas farmacêuticas e medicinais
obtidas naquela região, assim como a propagação dos mesmos (p.167).
Por fim, Monique Palma e Wellington Silva Filho, analisam temáticas dentro
deste registo. A primeira, num texto referente ao séc. XVIII, reflete a propagação e o
estudo dos banhos termais como tratamento médico, utilizados naquela altura tanto em
Portugal como no Brasil (p.193). Silva Filho, expõe o trabalho que frei João de Jesus
Maria desenvolve no Brasil a partir de plantas medicinais, uma ampliada farmacopeia do
séc. XVIII, denominada por Pharmacopea Dogmatica Medico-Clinica, e Theorico-
Pratica e Historia Pharmaceutica das Plantas Exóticas (p.207).
Como podemos observar, mais uma vez, é escassa ou até mesmo inexistente, a
matéria sobre registos portugueses durante o séc. XVII e no contexto Atlântico.

Conclusão

Através da análise das três obras, podem retirar-se algumas conclusões sobre os
focos de investigação principais sobre o tema da literatura de viagens. É certo também
que não se pode trabalhar um objeto para o qual não há conteúdo, ou quando este é
muitíssimo limitado. É o caso da literatura de viagens portuguesa do século XVII, em
particular no contexto Atlântico. Além disso, devemos referir que grande parte da
produção deste tipo de documentação, é durante os séc. XV e XVI, e que volta a surgir
mais tarde, após a estabilidade governamental de Portugal, no séc. XVIII.5
Apesar do referido, conseguimos retirar valiosas e interessantes informações das
obras analisadas. Quando examinamos o que é comum entre elas, saltam à vista algumas
temáticas, nomeadamente a questão do registo científico durante todo o período Moderno,
por várias potências e impérios, em todos os pontos do globo, assim como o relevo da
literatura de viagens para a construção da História Natural. Ambas as obras tocam nestes
assuntos, apesar de forma diferente, mas que, no final, indicam ser imprescindível quando
se aborda este tipo de literatura.
Algo que distingue estas obras são as especificidades em que se focam, ou nas
partes em que se dividem. Como exemplo, a terceira obra analisada, que dá mais atenção
às questões de propagação e progresso científico e médico. Contudo, há pontos e assuntos
de interesse que ganham destaque, nomeadamente, na obra de Fernando Cristóvão, na

5
Para uma noção geral de documentação existente ver Carvalho, Joaquim Barradas de. A literatura
portuguesa de viagens: séculos XV, XVI e XVII. Revista História: Universidade de São Paulo, 1970.
abordagem que é feita sobre a literatura de viagens no sentido mais antropológico da
temática. O que acontece quando se analisa o indígena brasileiro, o africano, ou o asiático
através destas fontes documentais. Destaque tem também, na segunda obra, Literatura de
Viagens: Narrativa, História e Mito, o interesse revelado em dois textos pela ilha da
Madeira, que apesar de não indicar documentação portuguesa, expões autores ingleses e
franceses, durante o período que nos interessa.
Concluindo, pode afirmar-se que há maior fluxo de documentação no Oriente
português em seiscentos, comparativamente com o Ocidente, apesar de também não ter
sido uma região abundante deste tipo de literatura. O estudo destas obras gerais, que
reúnem investigações de vários autores, podem revelar exatamente isso, expondo, dessa
forma, a pobreza de conteúdo português no espaço Atlântico do século XVII.

Bibliografia
Obras de referência:

Cristóvão, Fernando. Condicionantes Culturais da Literatura de Viagens: Estudos e


Bibliografias. Lisboa: Edições Cosmos, 1999.
Falcão, Ana Margarida & Maria Teresa Nascimento & Maria Luísa Leal. Literatura de
Viagens: Narrativa, História e Mito. Lisboa: Edições Cosmos, 1997.
Polónia, Amélia & Fabiano Bracht & Gisele C. Conceição et al. Cross-Cultural
Exchange and the Circulation of Knowledge in the First Global Age. Porto:
Edições Afrontamento, 2018.

Bibliografia geral:

Carvalho, Joaquim Barradas de. A literatura portuguesa de viagens: séculos XV, XVI e
XVII. Revista História: Universidade de São Paulo, 1970.
Flor, João Almeida. A Tragic Story of the Sea. Trad. John Elliott, Centro de Estudos
Anglísticos da Universidade de Lisboa, 2008.
Hancock, David. Oceans of Wine: Madeira and the Emergence of American Trade and
Taste. Yale University Press, 2009.
Marques, Oliveira. História de Portugal: Do Renascimento às Revoluções Liberais. Vol.
II, Lisboa: Editorial Presença, 1998.
Moniz, Antônio Manuel de Andrade. Ciência e paraciêcia na literatura de viagens.
Revista da FCSH, 2001.

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