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Parte Um
1850-1879

“A resolução tardia
dos Quakers da Pensilvânia
de libertar todos seus escravos negros
poderá confirmar-nos que seu número
não deve ser muito elevado.”

ADAM SMITH
A Riqueza das Nações
O Negro não só é
o trabalhador dos campos, mas também o mecânico;
não só racha a lenha e vai buscar a água,
mas também com a habilidade de suas mãos contribui
para fabricar os luxos da vida civilizada.
O brasileiro usa-o em todas as ocasiões
e de todos os modos possíveis: — desde cumprir a função
de mordomo e cozinheiro até servir os propósitos do cavalo;
desde fabricar vistosos berloques
e fazer a roupa com que
se vestir e adornar sua pessoa
até executar o mais vil
dos deveres servis.

THOMAS NELSON
KRemarks on the Slavery and
Slave Trade of the Brazils
(Londres, 1846)

INTRODUÇÃO:
AS FUNDAÇÕES DA ESCRAVATURA
BRASILEIRA

A ESCRAVATURA E A ECONOMIA BRASILEIRA

Nos anos que se seguiram às Revoluções Francesa e Americana,


a escravatura sofreu uma forte pressão em áreas do mundo que es-
tavam sob a influência direta da opinião européia ocidental e, de-
pois da queda de Napoleão; o liberalismo europeu, apoiado pelo
poder da Grã-Bretanha, condenou tanto a escravatura quanto o co-
mércio de escravos da África. A capacidade de uma determinada

3
sociedade de escravos no Novo Mundo para resistir a este ataque
à escravatura estava em proporção aproximada para com a impor-
tância da instituição para a sua economia. Como as condições geo-
gráficas favoreciam a produção de safras ou de minérios com bons
mercados, como já havia uma vasta população escrava disponível e
não se dispunha de uma força trabalhadora alternativa, então, a
escravatura persistiu até um período adiantado do século dezenove
ou até ganhou uma nova importância em resposta a novas circuns-
tâncias e oportunidades. 1 Em tais sociedades, a escravatura era con-
siderada essencial e a filosofia antiescravatura foi rejeitada. Em
certos países — especialmente a Cuba e o Brasil — onde os escra-
vos não conseguiam manter seus números através da reprodução
natural, o comércio de escravos africanos permaneceu quase tão sa-
crossanto quanto a própria escravatura. 2
De todos os países da América Latina, o Brasil era aquele em
que as condições econômicas, geográficas e sociais favoreciam mais
uma rejeição da cruzada antiescravatura, pois nem mesmo a Cuba
possuiu a mesma inflexível fidelidade para com a escravatura até
o século xIx. Rico em minérios e quase inteiramente tropical, o
Brasil podia produzir pedras preciosas e metais, açúcar, café, algo-
dão, fumo e outras matérias-primas valiosas e, no começo da era
colonial, sua economia fora orientada para a produção de tais ex-
portações. O sistema de plantação em grande escala estabelecido ao
longo da costa brasileira nos séculos xvi e xvm requerera trabalha-
dores dóceis e que não fossem dispendiosos, pouco tendo sido feito
no sentido de contratar camponeses europeus para trabalharem sob
as condições que existiam nas plantações. De início, foram encon-
trados e usados índios e, depois, africanos, com estes sendo mais
caros, mas, supostamente, também mais resistentes. Ao contrário
dos europeus, estes povos escuros, com suas religiões e costumes
“bárbaros” podiam ser escravizados sem afetar proibitivamente a
moralidade e a tradição européias e, além disso, sua escravidão podia
ser justificada pela oportunidade que havia no ambiente do Novo
Mundo para a conversão ao Cristianismo e a um modo de vida mais

t Um exemplo óbvio na América Latina, além das regiões produtoras de


café do Brasil, é Cuba, onde a escravatura foi estimulada durante o século XIX
devido ao desenvolvimento das indústrias do açúcar e do fumo. Ver Fran-
klin W. Knight, Slave Society in Cuba (Madison, Wisconsin, 1970), pá-
ginas 3-46. pe
2 Para as causas do declínio da população escrava brasileira, ver Rollie E.
Poppino, Brazil, The Land and People (Nova York, 1968), p. 168.

4
civilizado. * Os índios do sertão brasileiro podiam ser arrebanhados
por meio de Incursões ou, então, eram atraídos para um estado
servil, 4 e, por outro lado, na costa da África, à distância de apenas
uma pequena viagem, havia um fornecimento aparentemente ines-
gotável de seres humanos negros. Foi esta força trabalhadora que
produziu a maioria das exportações tropicais e minerais do Brasil
durante cerca de trezentos anos.
Quando o período colonial se aproximou do seu fim, a escrava-
tura era a instituição mais característica da sociedade brasileira e,
à medida que a independência se aproximava, a emergência do culti-
vo do café ia fortalecendo o domínio da escravatura sobre a econo-
mia. º Plantado no Maranhão, no norte do Brasil, durante a primei-
ra metade do século xvriI, o café foi levado para o Rio de Janeiro
na década de 1770 e, nos anos que se seguiram ao estabelecimento
do governo real português no Rio (1808), o café tornou-se na mais
importante safra do interior montanhoso vizinho. De 1817 a 1820.
a exportação do café brasileiro alcançou uma média de 5.500 tone-
ladas por ano e, de 1826 a 1829, a exportação anual média atingiu
quase 25 mil toneladas, um aumento de quase quatrocentos por
cento. º Durante os vinte anos seguintes, a produção de café conti
nuou aumentando e a safra veio a ser um baluarte do sistema da
escravatura, proporcionando os meios para importar escravos apesar
da ilegalidade do tráfico de escravos depois de 1831. Uma vez que
o tráfico africano foi, finalmente, suprimido em meados do século,
a produção de café continuou absorvendo a maior parte da popula-
ção escrava, tirando escravos de regiões menos prósperas do país
e levando-os para as regiões produtoras de café. Assim, os plantado-
res de café desenvolveram o maior interesse pessoal na sobrevivên-
cia do sistema de escravos, um interesse que durou, em certas áreas,
até os últimos dias da escravatura.

* Ibid., p. 162.
* Ver Alexander Marchant, “Do escambo à escravidão” (São Paulo, 1943);
Richard M. Morse, The Bandeirantes (Nova York, 1965); Poppino, Brazil,
páginas 57-60, 78-83.
ô Caio Prado Jr., Formação do Brasil Contemporâneo (São Paulo, 1942),
páginas 267-278: Celso Furtado, Formação econômica do Brasil (5.º edição.
São Paulo, 1963), páginas 136-137; Emilia Viotti da Costa, Da Senzala à
colônia (São Paulo, 1966), p. 19 ff.
6 Sebastião Ferreira Soares, Notas estatísticas sobre a producção agricola e
carestia dos generos alimenticios no Imperio do Brazil (Rio de Janeiro,
1860), p. 209. No que se refere à quantidade e valor da produção do café
brasileiro de 1850 a 1890, ver Tabela 26 no Apêndice I. Para dados mais
completos sobre a produção do café, ver Affonso de E. Taunay, Pequena
história do café no Brasil, 1727-1937 (Rio de Janeiro, 1945), páginas 547-549.

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Mesmo sem o café, contudo, a escravatura teria sobrevivido por
mais tempo no Brasil do que no resto da América Latina, já que
era de extraordinária importância econômica e social até
mesmo
em áreas onde não havia café. Uma das características importantes
da escravatura brasileira durante grande parte do século xIix foi
sua onipresença. Na década de 1870, todos os 643 municípios do
Império dos quais havia estatísticas ainda continham escravos, desde
48.939 no Município Neutro (o distrito da capital) até três escra-
vos registrados no município baiano de Vila Verde. 7 Os escravos
não só eram um elemento quase universal na população, mas tam-
bém eram usados em quase todos os tipos de trabalho (ver Tabela
19, no Apêndice 1). Além dos principais produtos, os escravos tam-
bém produziam uma vasta variedade de exportações menores em
quase todas as regiões do país. Um escritor brasileiro defendeu a
continuação do comércio de escravos africanos em 1826 com a apre-
sentação de uma lista das exportações médias anuais do Brasil para
os anos entre 1815 e 1821. Estas incluíam importantes quantidades
de açúcar, café, algodão, fumo, peles de boi, pau-brasil, arroz, cacau,
salsaparrilha, canela, óleo de copaíba (um estimulante indígena),
cúrcuma (uma raiz amarela corante), baunilha, anil, ouro, diaman-
tes e vários corantes extraídos de madeiras, além da construção e
da produção de móveis — tudo isso, alegadamente, sendo produzido
pela mão-de-obra escrava.
As estatísticas sobre a população, no que se refere ao início do
século xix, são de uma exatidão duvidosa, mas qualquer uma das
existentes poderá ser usada para mostrar que os escravos do Brasil
representavam um imenso investimento. As estatísticas sobre a po-
pulação livre e de escravos que Perdigão Malheiro deu para os anos
de 1798, 1817-18 e 1864 (Ver Tabela 1) talvez sejam tão dignas de
confiança quanto quaisquer existentes antes do censo de 1872. Estas
estatísticas mostram que, nos primeiros tempos, mais de metade dos
habitantes do Brasil (excluindo índios, que se encontravam em gran-
de parte à margem da vida nacional) eram escravos e que apenas

7 Directoria Geral da Estatistica, Recenseamento da população no Imperio


do Brazil a que se procedeu no dia 1.º de Agosto de 1872 (21 vols.; Rio
de Janeiro, 1873-1876), III, 508-511; XXI, 58-59.
8 José Eloy Pessoa da Silva, Memoria sobre a escravatura e projecto de
colonisação dos europeus, e pretos da Africa no Imperio do Brasil (Rio de
Janeiro, 1826), p. 15. Para outra lista de produtos brasileiros preparada
alguns anos antes, ver John Mawe, Travels in the Interior of Brazil (Londres,
1812), páginas 467-471. Ver também Luis Amaral, História geral da agri-
cultura brasileira (2 vols.; São Paulo, 1958), I, 291-407; II, 3-354.

6
uma pequena percentagem de pessoas de cor foi libertada após quase
três séculos de escravatura no Brasil. º Em 1864, os escravos já eram
menos de um quinto da população brasileira, devido a um rápido
crescimento da população livre que não teve paralelo entre os es-
cravos. Todavia, o número de escravos pouco diminuíra desde os
primeiros tempos e eles ainda constituíam um enorme investimento
de capital. 1º
Em certas partes do país, os escravos eram quase sempre mais
numerosos do que as pessoas livres. 1! Um mapa militar de 182]
colocou as populações escrava e livre da província do Rio de Ja-
neiro respectivamente em 173.775 e 159.271, com proporcionalmen-
te percentagens mais amplas de escravos nas áreas rurais e, em
1840, a população total da mesma província, onde a indústria do
café, então, se concentrava principalmente, já aumentara para 400
mil pessoas, incluindo 225 mil escravos. !2 Na década de 1870, a po-
pulação livre do Rio de Janeiro já excedia em 200 mil a população
escrava, mas os escravos de quatro municípios produtores de café
(São Fidélis, Vassouras, Valença e Piraí) ainda excediam a popula-
ção livre por mais de 10 mil (71.954 escravos e 61.205 pessoas Ii-
vres). Na província de São Paulo, o município de Campinas, pro-
dutor de café, contava com 13.685 escravos e apenas 6.887 pessoas
livres cerca de 1872, enquanto, no vizinho Bananal, viviam 8.281
escravos entre 7.325 pessoas livres. 18
Os escravos também abundavam nas principais cidades, parti-
cularmente durante a primeira metade do século xrx, quando o
tráfico africano ainda mantinha seu preço relativamente baixo. Em
1849, pouco antes da importação dos africanos ter terminado, a
população do Município Neutro, em grande parte urbano, a cidade
do Rio de Janeiro e arredores, incluía cerca de 156 mil pessoas

º Poppino, Brazil, p. 170. Para a significação deste último fato, em relação


com a suposta brandura da escravatura brasileira, ver Marvin Harris, Patterns
of Race in the Americas (Nova York, 1964), páginas 85-86.
10 Para outras estatísticas da população, ver Stanley J. Stein, Vassouras:
4 Brazilian Coffee County, 1850-1910 (Nova York, 1970), páginas 294295,
e Tabelas de 2 a 6, no Apêndice I. |
11 Stanley J. Stein e Barbara H. Stein colocam a população escrava brasi-
leira de 1820 em cerca de 2 milhões ou dois terços da população total.
Ver The Colonial Heritage of Latin America (Nova York, 1970), p. 148.
12 Mappa dos fogos, pessoas livres e escravos comprehendidos nas freguezias
da cidade e provincia do Rio de Janeiro, AN, I G 1-428: Relatorio do
presidente da provincia do Rio de Janeiro... para o anno de 1840 a 1841]
(2.º edição: Niterói, 1851). ú
13 Recenseamento da população, KV, 325-354, XIX, 427-430.
livres e 110 mil escravos; vinte e três anos mais tarde, os 48.939
escravos do mesmo município ainda representavam quase dezoito
por cento da população. !* Em 1872, um em cada dez escravos
(153.815 pessoas) residia nos municípios que continham a cidade
de Rio de Janeiro e as vinte capitais provinciais. 15
Até o final do comércio de escravos e mesmo depois em certas
partes do Brasil, os escravos, em vez de animais, eram usados para
transportar os fardos mais pesados e até pessoas pelas ruas das cida-
des mais importantes. “Os negros que são empregados como carre-
gadores contratados para transportar fardos,” escreveu o Tenente
Chamberlain no começo do século, “podem ser encontrados sempre
na Rua Direita, perto da Casa da Alfândega, com longos paus e
fortes cordas ou, então, com carroças baixas, fabricadas muito rudi-
mentarmente, para arrastar a mercadoria de um lugar para outro.” 16
Os primeiros escravos que o pastor britânico, Robert Walsh, viu no
Rio em 1828 eram carregadores esfarrapados, alguns “atrelados a car-
roças rasas”, outros transportando fardos, mas “acorrentados pelo
pescoço e as pernas...” 1 Trinta e dois anos mais tarde, os carre-
gadores escravos da Bahia, que eram alugados por seus donos com
a finalidade de transportarem mercadorias para as altas colinas, atra-
vés dos bairros altos da cidade, foram descritos da mesma forma,
vestidos com farrapos e curvados sob enormes cargas transportadas
em varas equilibradas sobre suas costas, trabalho a que estes “ani-
mais pretos” eram sujeitos enquanto tinham forças para isso. 18 Um
baiano, escrevendo em 1887, revelou que, antes de 1850, as carro-
ças e os carros puxados por cavalos quase nunca eram usados nessa
cidade para o transporte de carga. Os fardos eram carregados sobre
as cabeças dos escravos ou “por meio do instrumento mais bárbaro
e antieconômico que se pode imaginar — o pau e a corda”, com o
que, por vezes, oito ou até doze homens eram usados, em muitos
casos, para carregar um só fardo. As pessoas ricas eram carregadas,
nas cidades brasileiras ou até mesmo no campo, em cadeirinhas, pa-
lanquins ou redes com um uso pródigo semelhante de pessoal, dois
homens como carregadores, com, por vezes, um ou dois pares de

l4 Correio Mercantil, Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1851; Recenseamento


da população, XXI, 58-59.
15 Ihid.
16 Sir Henry Chamberlain, Vistas e Costumes da Cidade e arredores do
Rio de Janeiro em 1819-1820 (Rio de Janeiro, sem data), p. 199,
7 Robert Walsh, Notices of Brazil in 1828 and 1829 (2 vols.; Londres,
1830), I, 134-135.
18 Maximiliano I, Recollections of My Life (3 vols.; Londres, 1868), III,
163-164.

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substitutos e uma ou duas mucamas ou servas que tinham por fun-
ção manter as cortinas do palanquim discretamente fechadas se se
tratasse de uma passageira. Contudo, estas cenas típicas de escravos,
com seu uso ostensivo de mão-de-obra, foram ficando mais raras
nas cidades do Brasil durante as últimas décadas da escravatura, à
medida que os trabalhadores cativos, já em menor número, iam sen-
do transferidos para as áreas rurais a fim de realizarem o trabalho
produtivo prático para o qual haviam sido destinados na sua origem.
Em 1887, a cadeirinha já quase desaparecera das ruas da Bahia, ho-
mens livres estavam realizando a maior parte dos serviços mecânicos
da cidade e os escravos, na sua maioria, eram usados como servos
nas casas. 1º
Uma grande percentagem das pessoas consideradas como tendo ocu-
pações eram escravas. De cerca de 46 mil pessoas creditadas com
ocupações num relatório do Maranhão em 1799, quase 40 mil eram
cativos. 2º Aproximadamente no mesmo período, os escravos da ci-
dade de Curitiba, no sul brasileiro, constituíam metade da popula-
ção ativa, embora fossem apenas dezesseis por cento da população
total. 2 No censo de 1872, quase quatro quintos da população es-
crava, incluindo as crianças, foram classificados como tendo ocupa-
ções. Mais de 800 mil eram trabalhadores agrícolas, 270 mil trabalha-
vam como servos ou trabalhadores ao dia e outros 20 mil tinham
ocupações nas indústrias e nos comércios ou, então, como pescado-
res, mineiros e marinheiros. Quase 54 mil, na sua maioria mulheres,
eram costureiras e trabalhadoras têxteis (Ver Tabela 19).
Podemos ter uma boa idéia do valor dos escravos em compara-
ção com outros bens da plantação nas quantias do capital investido
na indústria agrícola em vários períodos e lugares durante o século
xx. Em 1833, os 48.240 escravos de 603 plantações de açúcar da
Bahia foram avaliados em 14.472 contos (14.472:000$00) 2 em
comparação com 17.823 contos, computados como o valor da terra,
edifícios, cavalos, bois, florestas, motores a vapor, sistemas de irri-

19 LT. Anselmo da Fonseca, 4 escravidão, o clero e o abolicionismo (Bahia,


1887), páginas 182-184. As instituições dos escravos na Bahia, entretanto,
foram duradouras. Algumas cadeirinhas continuaram sendo vistas nas ruas
da Bahia mesmo depois da abolição da escravatura. Ver Raimundo Nina
Rodrigues, Os africanos no Brasil (São Paulo, 1935), p. 173.
20 BNSM, I-17, 12, 4, N.º 22.
21 Octavio Ianni, 4s metamorfoses do escravo (São Paulo, 1962), p. 90.
22 As unidades da moeda brasileira usadas no século XIX eram o conto,
mil-reis e o real (no plural: reis). Mil mil-reis eram um conto, que se escrevia
1:000800. Em 1825, um conto valia $1,05 (dólar dos Estados Unidos), $58
em 1850 e $55 em 1875. Ver Stein, Vassouras, p. 293.
gação e todos os outros bens das plantações, uma
quantia não muito
maior do que a do valor dos escravos. 23 O valor dos
trabalhadores
cativos em relação com outros bens diminuiu, sem
dúvida, nas dé-
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Figura 1. Escravos, serventes e diaristas empregados na Agricultura,


1872 — por Região

cadas seguintes, na Bahia, mas, em outras regiões de produção de


café, essa elevada proporção do valor dos escravos para os outros

23 Amaral, Agricultura brasileira, I, 341. No século XVI, o valor dos es-


cravos também era elevado em relação com outros bens. Ver Documentos
para a história do açúcar (3 vols.; Rio de Janeiro, 1954, 1956, 1963), III
84-105. 1 mm
10
valores das plantações persistiu até a década de 1880. Em 1882, 230
escravos de uma plantação de café da província do Rio de Janeiro
foram avaliados em 280 contos, em comparação com um valor de
354 contos no que se refere a todos os outros bens da propriedade,
incluindo as árvores de café e a terra. No decorrer de um período
de trinta anos, depois de meados do século, os escravos representa-
vam mais do que a metade dos bens das plantações do município
produtor de café de Vassouras e, em 1857/58, o valor dos escravos
constituía 73 por cento da riqueza das fazendas dessa comunidade. *
Quase todas as ameaças ao sistema de escravos ou à importação
de africanos, da qual o sistema dependia, eram uma ocasião para re-
preensões por parte de pessoas que afirmavam a importância dos
escravos para a economia. Existem inúmeros documentos que con-
firmam isto. Quando, no início do século x1x, João VI impôs uma
quarentena de oito dias para todos os africanos que chegavam ao
Rio, uma petição por quarenta e dois negociantes de escravos dessa
cidade dizia que a medida era insensata e prejudicial para o comér-
cio, argumentando que os escravos eram quase os únicos trabalha-
dores usados ou usáveis na agricultura. Se sua importação fosse
reduzida, mesmo se por apenas um terço, advertiram eles, o resul-
tado seria um prejuízo incalculável, tanto para a agricultura quanto
para as finanças públicas, já que a receita anual do tesouro, em im-
postos sobre a importação de trinta a quarenta mil escravos, era de
dois milhões de cruzados. *
Quando os navios da Marinha Britânica começaram capturando
os navios negreiros portugueses ao largo da costa da África, cerca
de 1812, houve muitos protestos. Uma petição dos comerciantes da
Bahia a João VI, que estabelecera recentemente seu governo no Rio
de Janeiro, advertiu que o prejuízo causado pela captura dos negrei-
ros era “comum à totalidade da nação, cuja prosperidade e perma-
nência no Brasil, derivava, em grande parte, dos recursos que este
tráfico produzia, no cultivo do produto do país e no seu consumo e
exportação.” Não era possível “que a ordem geral das coisas, que

24 The South American Journal and Brazil and River Plate Mail, Londres,
20 de julho de 1882; Stein, Vassouras, páginas 225-226. As nove plantações
de café do Visconde de Nova Friburgo, na província do Rio de Janeiro,
foram avaliadas, em 1883, numa quantia de 2.570 contos. O valor total da
terra, edifícios, maquinaria e animais foi calculado em 943 contos: os 1.627
escravos foram avaliados em 1.627 contos. Ver C.F. van Delden Laêrne,
Brazil and Java. Report on Coffee Culture (Londres e Haia, 1885), pá-
ginas 332-333, 339-342.
25 Representação dos negociantes de escravos, BNSM, II, 34, 27, 15.

IH
recebera a sanção dos anos, fosse modificada ou alterada sem que
se corresse o risco de uma grande inconveniência.” Essa captura de
navios pelos britânicos na costa da África já havia resultado na
perda de fortunas, numa paralisia do comércio africano, num de-
clíinio da navegação e numa decadência da agricultura devido à
falta de trabalhadores, bem como, ainda, numa diminuição das re-
ceitas reais. 26
Em 13818, um funcionário superior português salientou a im-
portância do comércio de escravos numa mensagem de assessoria ao
Rei João VI. “Uma quantidade muito grande de operários” era ne-
cessária para trabalhar nas minas, escreveu ele, e muitos mais, ainda,
para proporcionar o sustento dos mineiros. Os engenhos de açúcar
precisavam de trabalhadores (braços) para a colheita, o plantio “e
mais trabalhos de uma grande fábrica”. Esse funcionário comparou
uma plantação de açúcar brasileira a uma cidade ou aldeia em que
havia a necessidade de um capelão, um médico, uma enfermaria,
oficinas de carpintaria e de ferreiro, manadas de animais, jardins,
um moinho de farinha e outro equipamento. O cultivo do fumo
exigia muitos trabalhadores “occupados em uma cultura continua
da
planta, numa colheita muito vagaroza e no preparo muito cuidadoso
e de muitos dias”. O serviço doméstico e as obras públicas urbanas
precisavam de escravos “porque não ha um homem de trabalho como
na Europa, nem homens brancos que queiram ser criados e mossos
da soldada.” 27

e
ge
Um engenheiro de minas alemão usou argumentos semelhantes

e
para justificar a escravatura e o tráfico de escravos. O escravo, es-
creveu Wilhelm von Eschwege, que conhecia perfeitamente o Brasil,
fora sempre o “lavrador, fabricante de açúcar e de aguardente, ani-
mal de transporte, máquina de britagem e de pulverização, cozinheiro,
pajem, palafreneiro, sapateiro, alfaiate, correio e carregador”. O es-
cravo era a única propriedade do homem livre. Sem sua ajuda, o
homem livre podia considerar-se pobre, mesmo com uma abundân-
cia de dinheiro. Sem os escravos, a mineração e a agricultura deixa-
riam de existir. O escravo produzia o sustento de seu dono, o qual,
de outro modo, teria de emigrar ou viver na miséria. A pessoa que
tivesse sido libertada recentemente evitava todo o trabalho e todos

26 Representation of the Brazilian Merchants Against the Insults Offered


to the Portuguese Flag, and Against the Violent and Oppressive Capture of
Several of Their Vessels by Some Officers Belonging to the English Navy
(Londres, 1813), páginas 4-7.
27 Sobre a questão da escravatura (Por Thomaz Antonio de Villanova Por-
tugal) BNSM, 1-32, 14, 22.

12
os patrões, trabalhando apenas para evitar morrer de fome. Nestas
circunstâncias, acreditava Eschwege, os fazendeiros brasileiros não
tinham outra solução, a não ser alugar ou comprar escravos. 2º
A propriedade de escravos, entretanto, não se limitava a uma
pequena classe dominante. Apesar dos ricos fazendeiros terem sido
sempre os donos da maioria dos escravos brasileiros, particularmente
nos últimos anos, havia muitas pessoas pobres que viviam do traba-
lho de um ou mais cativos. Para muitas pessoas, os escravos eram
a única fonte de renda. O brasileiro livre, escreveu Eschwge, possuia
normalmente um só escravo que lhe proporcionava seu sustento. Até
mesmo quando pobre, “não move uma palha, pois até na vadiagem
encontra com que viver.” 2? Um viajante inglês, Jonh Mawe, notou
que os africanos encontravam-se entre os primeiros bens adquiridos
por pessoas que faziam fortunas novas. ºº Outro inglês observou, em
1828, que uma grande parte da riqueza do Rio estava “investida nes-
ta propriedade e os escravos formam a receita e o sustento de um
vasto número de indivíduos, que os alugam da mesma forma como,
na Europa, se alugam cavalos e mulas.” A escravatura impediu a
adoção de maquinaria que economizasse a mão-de-obra, “já que tan-
tas pessoas têm interesse em que o trabalho seja realizado apenas
por escravos.” Isto é um fato no que se refere à alfândega do Rio
de Janeiro, onde um guindaste inglês capaz de permitir que dois
escravos fizessem o trabalho de vinte foi introduzido, “mas isto foi
recebido com oposição violenta e uma resistência efetiva, pois cada
pessoa no estabelecimento possuía um número de negros, até mesmo
os funcionários mais baixos. que tinham cinco ou seis cada, por
cujo trabalho eram pagos.” 31
Da mesma forma, os escravos pertencentes a funcionários das
minas de diamantes em Minas Gerais tinham seu emprego garanti-
do nas minas nos contratos de seus donos. O aluguel de negros para
as minas de diamantes na cidade de Tejuco era “a ocupação pre-
ferida de todas as classes... ricas e pobres... Muitas pessoas,” es-
creveu Mawe, “são induzidas, assim, a residir em Tejuco sob vários
pretextos, mas sem outra intenção do que a de alugar seus negros
e viver preguiçosamente com seus salários ou com o que eles po-
diam esconder ou encontrar.” $ Algo de muito semelhante se pode

28 W. L. von Eschwege, Pluto Brasiliensis (2 vols.; São Paulo, 1944), TI,


445-447.
29 TIbid.
80 Mawe, Travels, p. 362.
81 Walsh, Notices, II, 361-362.
82 Mawe, Travels, páginas 358-359.

13
dizer a respeito do proprietário típico de escravos na cidade mineira
de Ouro Preto:

Seus negros constituem sua principal propriedade (escreveu Mawe) e ele


organiza-os tão mal que os ganhos de seu trabalho mal cobrem os gastos
de seu sustento... todas as profissões são ocupadas por mulatos ou negros,
com ambas as classes parecendo superiores, em intelecto, a seus donos, pois
fazem um melhor uso de seu trabalho. 33

Na Bahia, no início do século xIx, os escravos que trabalhavam


como carregadores ou em outras profissões eram o único sustento
de famílias inteiras, que nada faziam. *! O trabalho, na realidade
era considerado, pelas pessoas livres, algo de desonroso e digno
apenas de servos.
A escravatura estava tão enraizada nos costumes do Brasil que
chegou a reduzir a importância da raça como um critério de esta-
do de escravo ou livre. Legal e habitualmente, a condição da crian-
ça recém-nascida era determinada, antes de 1871, não pela cor de
sua pele, mas sim pelo status de sua mãe. “O princípio regulador”,
escreveu o advogado e estudioso da escravatura, Perdigão Malheiro,
nos anos da década de 1860, “é que — partus sequitur ventrem —
como dispunha o direito romano.” O filho da mulher escrava vinha
ao mundo numa escravidão legal, “pouco importando que seu pai
fosse escravo ou livre.” 35
A observância deste princípio legal resultou na existência de
escravos brancos no Brasil, conforme confirmado em 1827 por um
membro da Câmara de Deputados da Nação. %º “Trata-se de uma
módoa no sangue,” como Walsh o explicou, com um toque de incre-
-dulidade anglo-saxônica, “que nenhum período de tempo, nenhuma
mudança na relação, nenhuma alteração de cor pode apagar.” Os
escravos podiam ter qualquer cor, segundo este mesmo escritor afir-
mou, “desde preto retinto até branco puro,” enquanto Henry Koster
observou que “nenhuma linha é traçada na qual a aproximação da
cor e do sangue dos brancos dê à criança, cuja mãe seja escrava, o

33 Ibid., páginas 251-252.


84 Ofício do Conde da Ponte ao Visconde d'Anandia, IHGB, Cópias ex-
traídas do Archivo do Conselho Ultramarino, XX, 304.
85 Agostinho Marques Perdigão Malheiro, 4 escravidão no Brasil (2 vols.;
2º edição: São Paulo, 1944), I, 50.
86 Annaes do Parlamento Brasileiro, Câmara dos Senhores Deputados
(aqui chamados, mais adiante, Annaes da Camara) (1827), III, 41.

14
direito à liberdade.” 3? Um dos poucos oponentes brasileiros da abo-
lição da importação de escravos africanos deu a seguinte explicação:

Em muitas combinações de sangues diversos, a origem africana tem desapa-


recido e os escravos virão a ser da mesma especie que seus senhores...
Hum senhor d'escravos quasi nunca liberta os filhos que teve de suas es-
cravas e exige delles todos os trabalhos e a submissão que requer dos outros;
vende-os, troca-os ou os transmite a seus herdeiros. Se hum de seus filhos
legitimos os recebe por sucessão, não faz nenhuma distincção entre elles e
os seus outros escravos: assim, hum irmão pode tornar-se proprietário de
seus irmãos e irmãs; sobre elles exerce a mesma tirania e sacia os mesmos
desejos.

Em setembro de 1886, a Princesa Isabel, herdeira do trono do


Brasil, oficiou na libertação de dois jovens brancos “bem vestidos”
numa cerimônia realizada no Rio de Janeiro. é
Se, por um lado, brancos ou quase brancos eram conservados,
por vezes, num estado de escravatura, certos mulatos ou mesmo
negros (por vezes, também escravos) eram donos de seus próprios
escravos. 3? Numa propriedade dos ricos monges beneditinos, o via-
jante inglês Henry Koster conheceu um mulato que dirigia a pro-
priedade e era dono de dois escravos, mas “ele próprio era obrigado
a cuidar do negócio das plantações e a fazer com que o trabalho de
seus senhores fosse executado adequadamente.” *º
No Brasil, a escravatura era muito mais do que uma instituição
econômica, já que a propriedade de escravos não só era lucrativa,
como também elevava o status do proprietário aos olhos dos outros.
Havia uma espécie de satisfação pessoal inerente à propriedade de
escravos, que foi descrita muito francamente, cerca de 1855, pelo
herdeiro de uma família de fazendeiros ricos da província do Rio
de Janeiro:

O escravo não é só um agente de trabalho e de produção. É preciso des-


conhecer o coração humano para assim pensar; o escravo é um objeto de
luxo, um meio de satisfazer certas vaidades e certos vicios da natureza do
homem. Assim como a propriedade territorial tem certos atrativos, assim

87 Walsh, Notices, II, 352; Henry Koster, Travels in Brazil (2 vols.;


2.º edição; Londres, 1817), II, 190-191.
38 Frederico L. C. Burlamaque, Analytica acerca do commercio d'escravos
e acerca dos malles da escravidão domestica (Rio de Janeiro, 1837), p. 31;
South American Journal, 16 de outubro de 1886.
39 Eschwege, Pluto Brasiliensis, II, 445-447.
40 Koster, Travels, II. 221.

15
também o escravo É oferece ao senhor
- um certo gozo de domínio e império,
que está no coração humano, não sabemos se bem ou mal, 4

Anos mais tarde, outro brasileiro revelou o prazer que os pro-


prietários de escravos e suas mulheres tinham de reunir em sua volta
uma classe de escravas conhecidas pelo nome de mucamas, “visto
ser idéia dominante entre nós, especialmente em nossas fazendas,
que é sinal de nobreza e riqueza ter-se sempre recolhidas, às ordens
de suas senhoras, grande número dessas escravas geralmente ocupa-
das em milhares de futilidades.” *2 Em 1858, um brasileiro confessou
que os fazendeiros estavam habituados a serem servidos por escra-
vos € a governar sobre eles com poder absoluto. O relacionamento
entre os senhores e seus escravos era tão “cômodo” que os senhores
não abandonavam esse relacionamento a não ser que fossem força-
dos a fazê-lo. “3
Até mesmo os próprios ingleses possuíam escravos no Brasil,
apesar da oposição oficial britânica e da Lei Broughman de 1843,
que proibia a compra ou a venda de escravos por súditos britânicos
em países estrangeiros. * A maior organização britânica individual
no Brasil talvez fosse a Mining Company de Minas Gerais, de São
João d'El Rey, a qual, em meados do século, empregava cerca de
600 de seus próprios escravos e alugava mais mil, ainda possuindo
cerca de duzentos em 1879. 4 Afastando-se da habitual oposição
britânica à escravidão, um relatório da Companhia, em 1842, reco-
mendou bondade e boa vontade para com seus escravos em Minas
Gerais, “em virtude da convicção de que, embora a cor de sua pele
seja diferente, eles são criaturas do Criador Todo-Poderoso e têm
direito à máxima indulgência nas nossas mãos devido à posição infe-
rior em que a Providência lhes permitiu serem colocados.” 48

“1 Luiz Peixoto de Lacerda Werneck, Ideas sobre colonisação precedidas


de uma succinta exposição dos principios geraes que regem a população
(Rio de Janeiro, 1855), p. 47. e
42 Veloso de Albuquerque Lins, Ensaio sobre a emancipação do elemento
servil. AMIP. 148-7179.
48 Viotti da Costa, Da Senzala à colônia, p. 120.
44 Richard F. Burton, Explorations of the Highlands of the Brazil (2 vols.:
Londres, 1869), I, 272. Em 1882, a Lei Brougham era “praticamente...
letra morta.” South American Journal, 16 de março de 1882.
45 Daniel P. Kidder e J. C. Fletcher, Brazil and the Brazilians (Filadélfia,
1857), p. 137; The Rio News, Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1879:
AÂnnaes da Câmara (1879), V, 256-257.
48 Bernard Hollowood, The Story of Morro Velho (Londres, 1955), p.
35.
O autor está grato ao Professor Robert W. Randall pela oferta deste estudo
da companhia mineira britânica. Para uma descrição pormenorizada das

Até mesmo um diplomata britânico podia sucumbir à realidade
do ambiente brasileiro. Robert Hesketh, Consul britânico no Rio de
Janeiro e havia já muito tempo um crítico da escravatura brasilei-
ra, *” reconheceu a seu governo, em 1840, que empregava três escra-
vos como criados domésticos, embora prometendo despedi-los com a
reserva “de que, neste país de trabalho escravo, não é possível obter
provisões, fazer roupas, efetuar consertos, alugar transporte ou car-
regadores, sem usar escravos.” 48
A escravatura penetrava a vida brasileira, encontrando seu ca-
minho até na imprensa de um modo cotidiano na forma de anúncios
classificados para a venda e aluguel de escravos ou para a captura
de fugitivos. O escravo era o servidor na casa e na rua, a ama de leite
dos filhos legítimos do dono e, em muitos casos, a mãe de seus
filhos ilegítimos. O sistema criou profissões: o negociante de escra-
vos, Oo importador, o avaliador, o capitão-de-mato, o “capanga” lo-
cal que capturava os fugitivos. *º Todas as classes e tipos de pessoas
podiam ser donas legais de escravos: padres e frades, o Imperador
e sua família, os ricos e os pobres, os negros e os brancos, o estran-
geiro e o nacional. O próprio governo brasileiro contava com eles
e usava seu trabalho. Cento e setenta “escravos da nação” foram
empregados em 1845 no Arsenal da Marinha no Rio de Janeiro.
Duzentos e quarenta e quatro escravos trabalhavam regularmente em
vários palácios e propriedades rurais da Família Imperial em 1831. 5º

O escravo no Brasil, afirmou um escritor em 1870, ocupa um lugar muito


importante em todas as condições da existência do paiz; ele representa o
trabalho, origem de toda a riqueza, representa o capital, pelo seu valor e
pelos seus productos; representa a pequena industria, porque alem do tra-

condições no Morro Velho no final da década de 1860, ver Burton, Explo


rations, 1, 236-278.
47 Ver Robert Hesketh, “A British Consular Report on Slavery in Northern.
Brazil” in Lewis Hanke (ed.), History of Latin American Civilization
(Boston, 1967), II, 174-180.
48 Carta de Hesketh a Palmerston, Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 1840,
Class B. Correspondence with Spain, Portugal, Brazil, the Netherlands and
Sweden Relative to the Slave Trade. From May Il to December 31,
1840, inclusive (Londres, 1841), p. 731. (De ora em diante Class A4 ou
Class B, com datas.)
49 Para documentos relacionados com estas profissões, ver Avaliadores de
escravos, 1777-1819, DPHAG, 6-1-10; Capitão de mato, Freguesia de N. Sra.
da Guia de Pacopaiba, 1823, DPHAG, 40-3-74.
50 Relatorio do Ministerio da Marinha de 1845, Mapa N. 6; Relação das.
despesas com os escravos das quintas da Bôa Vista e Cajú, até Julho de 183,
BNSM, 1-35, 32, 20.

17
balho agricola, emprega-se em todas as artes liberaes, enfim o escravo é
uma parte integrante da sociedade brasileira, cuja organização tem assim
atravessado o longo espaço de mais de três seculos. b1

RESISTÊNCIA DOS ESCRAVOS: REBELDES E FUGITIVOS

INFELIZMENTE, OS escravos do Brasil, na sua maioria, eram anal-


fabetos e, assim, com raras exceções, não deixaram um registro es-
crito de suas experiências e reações a sua condição. Como resultado
disto, a maior parte daquilo que podemos conhecer sobre suas vidas
tem forçosamente de vir de relatos e impressões deixadas por pes-
soas que não eram escravas. Todavia, até mesmo destes documentos,
que revelam, em muitos casos, uma forte tendência pró-escravatura,
torna-se fácil concluir que as vítimas da escravidão não eram dóceis,
tendo resistido fortemente a seus opressores. É difícil determinar
até que ponto o espírito rebelde dos escravos contribuiu para a abo-
lição, mas esse espírito foi crucial, certamente, durante a última
fase do movimento antiescravatura. Na realidade, José Honório Ro-
drigues chegou à conclusão, confirmada pelo presente estudo, de que
a abolição da escravatura brasileira não foi “uma dádiva dos senho-
res”, mas sim “uma conquista de escravos ajudados por aqueles
cuja consciência iluminada os fêz servir desinteressadamente à His-
tória.” 52
Como veremos mais adiante, a insubordinação e a rebeldia que
acompanharam a abolição foram invulgarmente decisivas e genera-
lizadas, mas a verdade é que a rejeição da servidão por suas vítimas
durante os meses finais da escravatura não era inteiramente sem
precedentes. Citando de novo Rodrigues: “O capítulo das relações
de senhores e escravos não é, como se tem escrito, na historiografia
oficial, isento de luta e sangue, ou apenas rompido, vez por outra,
por movimentos de resistência e rebeldia... Como reação ao siste-
ma escravocrata, a rebeldia negra, insurreição racial, foi um pro-

51 Peixoto de Brito, Considerações geraes sobre a emancipação dos escravos


no Imperio do Brazil e indicação dos meios para realisal-a (Lisboa, 1870),
ág. 3.
Toe José Honório Rodrigues, “A rebeldia negra e a abolição”, em História
e historiografia (Petrópolis, 1970), p. 67. Ver também Robert Brent Toplin,
“Upheaval, Violence, and the Abolition of Slavery in Brazil: The Case of
São Paulo”, HAHR, vol. XLIX (1969), páginas 639-655.


cesso contínuo, permanente e não esporádico... A fuga e a forma-
ção dos quilombos começam em 1559 e vêm até à Abolição.” 73
Na esperança de tornarem suas vidas um pouco mais fáceis, mui-
tos escravos tinham, obviamente, o hábito de trabalhar, obedecer e
satisfazer os desejos de seus senhores. Inúmeros outros, entretanto,
particularmente aqueles que eram obrigados a trabalhar excessiva-
mente, que eram mal alimentados ou tratados cruelmente, recusa-
vam a submissão permanente. º* Os registros da polícia, relatórios
provinciais e as declarações de viajantes indicam que muitos escravos
procuraram a libertação do cativeiro pelo suicídio, que outros se
vingavam violentamente em seus capatazes ou senhores e que mui-
tos outros, ainda, recorriam à revolta. 5º As rebeliões dos escravos
tornavam-se particularmente prováveis durante guerras internacio-
nais ou quando membros da classe dominante se envolviam em dispu-
tas entre si, como nos casos do movimento pela independência, dos
levantes regionais que se seguiram à separação de Portugal ou da
luta abolicionista. *%º Além disso, onde havia grandes concentrações
de escravos, os senhores temiam sempre a revolta. Certas rebeliões
localizadas podiam ocorrer e ocorreram com certa fregiência nas
grandes cidades, como a Bahia, ou, ainda mais frequentemente, em

53 Rodrigues, “A rebeldia negra”, p. 67. Para idéias semelhantes sobre a


rebeldia dos escravos, ver José Alípio Goulart, Da fuga ao suicídio (Rio de
Janeiro, 1972), páginas 15-23; Luiz Luna, O negro na luta contra a escravidão
(Rio de Janeiro, 1968). A crença de que os escravos negros no Brasil
resistiram fortemente à escravatura começa a prevalecer entre historiadores,
mas a opinião oposta foi mantida durante muito tempo. Emília Viotti da
Costa escreveu o seguinte: “A idealização da escravidão, a idéia romântica
da suavidade da escravidão no Brasil, o retrato do escravo fiel e do senhor
benevolente e amigo do escravo, que acabaram por prevalecer na literatura
e na história, foram alguns dos mitos forjados pela sociedade escravista na
defesa do sistema de que não julgava possível prescindir.” Da senzala à
colônia, p. 280.
54 Ver F. A. Brandão, Jr., 4 escravatura no Brasil (Bruxelas, 1865), pá-
ginas 77-89,
55 Ver Goulart, Da fuga ao suicídio, páginas 122-147; Mary Catherine Ka-
rasch, “Slave Life in Rio de Janeiro, 1808-1850” (tese de formatura em
filosofia, Universidade de Wisconsin, 1972), páginas 383-387; Robert Conrad,
“The Struggle for the Abolition of the Brazilian Slave Trade, 1808-1853”
(tese de formatura em filosofia, Universidade da Colúmbia, 1967), pászi-
nas 63-69. Para legislação tendo por intenção reduzir assaltos a senhores,
capatazes e suas famílias, ver Colecção das leis do Império (1829), II,
263-264:; ibid. (1835), 1, 5.
56 Perdigão Malheiro, 4 escravidão, I, 43-44; Vicente Salles, O negro no
Pará (Rio de Janeiro, 1971), páginas 203-271; Goulart, Da fuga ao suicídio,
páginas 149-278; Luna, O negro na luta, passim. Para os efeitos do movi-
mento de independência nos escravos do Maranhão e para a revolta em

19
plantações isoladas onde poucos brancos se encontravam por vezes
cercados por centenas de escravos hostis e rebeldes. 57
Mais comum do que as revoltas, que eram perigosas, difíceis
de organizar e de sucesso improvável, era a simples alternativa de
fugir da presença do senhor. Enquanto a escravatura durou, o pro-

a
blema dos fugitivos impôs um desgaste permanente das energias e
bens da classe proprietária de escravos. A perda do trabalho de um

gg
escravo durante semanas, meses ou até permanentemente era apenas
o primeiro e mais óbvio prejuízo sofrido pelo dono em virtude de

E
sua fuga. Os anúncios e as recompensas pela sua captura e devolu-
ção, os salários dos policiais, dos caçadores de escravos e dos juízes
pagos pelos fundos públicos, os honorários pelo castigo e a cura
ou o alojamento na prisão local, os gastos com armas, a perda de
animais e de outros bens nos assaltos por bandos de fugitivos e um
imenso tributo em insegurança e vidas humanas eram um constante
sorvedouro de bens, paciência e conforto da classe proprietária de
escravos. Poucos eram os proprietários ricos que não tinham fugi-
tivos assinalados no rol de seus escravos e até mesmo os escravos
do Estado e da Família Imperial, presumivelmente em melhor si-
tuação do que a maioria, procuravam a salvação na fuga. 58 Milha-
res de ofertas de recompensa a quem capturasse e devolvesse fugi-
tivos que apareceram em centenas de jornais brasileiros durante um
período de seis décadas são prova convincente de que a fuga era
a solução mais comum dos escravos para seu predicamento. No seu
estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro, Mary Karasch escreveu
o seguinte: “O jornal O Diário do Rio de Janeiro, cujas páginas es-
tavam repletas quase exclusivamente de anúncios referentes a escra-
vos, dá alguma indicação da grandeza do problema dos fugitivos.” 59
As prisões do Império eram pontos de reunião dos fugitivos re-
capturados, bem como lugares de castigo e de detenção de crimi-
nosos. Em 1826, apenas, 922 escravos fugitivos foram levados para

massa de escravos nessa mesma província chefiada pelo rebelde negro Cosme
Bento, ver João Dunshee de Abranches, O captiveiro, memórias (Rio de
Janeiro, 1941), páginas 67-69, 89-96.
67 Para revoltas na Bahia, ver Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil
(2.º edição, São Paulo, 1935), p. 67 ff.
68 De quarenta e sete escravos, incluindo crianças, inscritos nos róis da
Plantação Imperial de Santa Cruz e na Fundição de Ferro Imperial de
são João de Ipanema, em 1844, doze Ou, seja, um pouco mais de vinte e
cinco por cento, já haviam desertado. Ver Ofícios e outros papéis da casa
imperial, 1801-1868, AN, 572.
99 Ver Gilberto Freyre, O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do
século XIX (Recife, 1963); Karasch, “Slave Life”, p. 362.

20
a prisão do Rio de Janeiro de distritos vizinhos, para aí serem con-
servados até seus donos os irem buscar, com alguns deles sendo
capturados em grupos nas florestas, outros sozinhos e alguns, ainda,
afirmando serem livres. ºº Esta era uma situação permanente, não
limitada a um lugar específico ou a um determinado período. Um
relatório do chefe da polícia da província do Rio de Janeiro, para
1863, por exemplo, indicou o número de fugitivos existentes na casa
de detenção de Niterói como sendo de 147 durante os primeiros seis
meses desse ano. %
Os escravos abandonavam seus senhores em troca de uma rida
precária e difícil em selvas distantes ou em regiões pouco populc.as,
perto de aldeias, cidades e plantações, onde pudessem obter seu sus-
tento através de compra, troca, roubo ou pilhagem armada. No sé-
culo x1x, algumas das principais cidades brasileiras eram infestadas
por tais grupos de refugiados, que importunavam, por necessidade
absoluta, as plantações e os viajantes. Um documento de 1822, por
exemplo, narra constantes roubos e crimes de morte a todas as horas
do dia e da noite entre o Rio de Janeiro e as povoações vizinhas de
Irajá e Penha cometidos por ciganos, vagabundos, desertores e ban-
dos de escravos fugitivos. Tendo-se já então tornado invulgarmente
arrojados, esses bandos de fugitivos começaram invadindo casas, ata-
cando plantações e sítios, roubando animais e libertando escravos.
Em 1823, um membro da Assembléia Constituinte queixou-se a essa
Assembléia de um clamor geral na cidade do Rio de Janeiro devido
à presença de incontáveis escravos fugitivos, alguns já muito perto,
até mesmo nos arredores do Catumbi, na orla da cidade. Que ele
soubesse, afirmou o mesmo deputado, não havia uma única casa
entre as de seus amigos de que não tivessem fugido escravos e, além
disso, também havia, na região, quilombos que, segundo se acredi-
tava, continham até mil fugitivos. No mesmo debate, o Marquês de
Baependy confirmou o desaparecimento diário de escravos, acrescen-
tando que alguns chegavam mesmo a serem levados contra sua pró-
pria vontade. Em resposta a estes protestos, a Assembléia Cons-
tituinte depressa aprovou uma resolução pedindo que o governo
usasse medidas fortes para destruir o quilombo do Catumbi. A res-

60 Suprimentos de escravos, Livro I, 1826, AN, 242.


61 “Relatorio do chefe de polícia da provincia do Rio de Janeiro,” Relatorio
do presidente da provincia do Rio de Janeiro (1863).
62 Memoria sobre a segurança das estradas, 1822, AN, Colecção de me-
mórias e outros documentos sobre vários objetos, VII.
c3 Annaes do Parlamento Brasileiro, Assemblea Constituinte, 1823 (6 vols.,
Rio de Janeiro, 1876-1884), V, 178.

21
posta do Ministro da Justiça, dada uma semana mais tarde, salientou
as dificuldades envolvidas na eliminação de quilombos nas monta-
nhas e florestas perto do Rio, onde os fugitivos se podiam espalhar
por pistas desconhecidas ao primeiro alarme de espiões e sentinelas, 64
As montanhas perto do Rio eram, de fato, um refúgio natural
e conveniente. Segundo Robert Walsh, os escravos fugitivos da cida-
de iam, normalmente, para o Corcovado ou outras colinas próximas
e aí, armados com lanças, atacavam os viajantes e viviam da pilha-
gem. A estrada sinuosa que corria ao longo do aqueduto estava
infestada de fugitivos, muitos dos quais viviam em condições de
grandes dificuldades e privações. Quando capturados e levados para
a cidade, eram vergastados. Mais tarde, um grande colar de ferro
era “firmemente rebitado nos seus pescoços, com uma longa barra
projetando-se em ângulos quase retos e terminando, na outra extre-
midade, por uma cruz ou um anel largo, de maneira a assemelhar-se
a um flor de lis.” (Ver ilustração 4.) A finalidade deste dispositivo,
disse Walsh, era estigmatizar esses escravos como desertores e, “tam-
bém, impedi-los na sua fuga, já que, quando a barra de ferro se
emaranhasse nos arbustos, isso depressa faria com que o colar os
estrangulasse, se tentassem forçar a passagem pelo mato.” A grande
quantidade de escravos “vistos, assim, com os pescoços presos, nas
ruas das cidades” foi uma prova, para Walsh, tanto do grande nú-
mero de escravos que procuravam fugir quanto da intolerabilidade
de sua existência. % Bandos semelhantes de escravos fugitivos exis-
tiam em volta da Bahia e de outras cidades. 88 Segundo o relato de
um velho escravo, dentro dos confins da pequena ilha que continha
a cidade de São Luís “houve quilombos que longos annos existiram,
sem ser descobertos. Os que eram, porem, capturados,” disse a mes-
ma testemunha, “soffriam taes surras que não raras ocasiões pere-
ciam. A malvadez chegava a tal ponto que nem mesmo mandavam
sepultal-os; jogavam-nos ao mar com uma pouta amarrada ao pes-
coço.” 87
Conforme esse relato sugere, as autoridades brasileiras, seguindo
os princípios estabelecidos, desencadearam uma campanha de terror
contra os fugitivos, a qual foi tão persistente quanto os esforços
dos próprios fugitivos. Fregiientemente descritos nos relatórios pro-

64 JTIbid., páginas 190, 238.


65 Walsh, Notices, II, 343-344.
86 Goulart, Da fuga ao suicídio, páginas 259-261; Ofício do Conde da
Ponte ao Visconde d'Anandia,” IHGB, Cópias extraídas do Archivo do Con-
selho Ultramarino, XX, 290-291.
67 Dunshee de Abranches, O captiveiro, p. 41.

22
vinciais anuais, as batidas aos quilombos tinham por objetivo libertar
a vizinhança de marginais que perturbavam a ordem e, também,
voltar a usar os fugitivos (e, por vezes, seus descendentes) no sistema
de trabalho das plantações. Um relatório da província de Rio de
Janeiro, por exemplo, narra a fuga em massa para as montanhas
dos escravos de um tal Capitão Major Manoel Francisco Xavier, do
distrito de Paty do Alferes, a sua perseguição, captura e, mais tarde,
castigo. *º Relatórios de Sergipe registram uma longa e persistente
campanha para destruir as muitas concentrações de fugitivos da pro-
víncia. Os ataques aos quilombos continuaram, em Sergipe, desde
1867 até pelo menos 1876, quando o presidente provincial informou
de sua destruição e da captura de um tal João Mulungu, o mais arro-
jado e temido líder fugitivo da região. A descrição de Mulungu que
se seguiu foi como um epitáfio. O líder rebelde, segundo o presidente
provincial, tinha cerca de vinte e cinco anos de idade, sendo um
crioulo de estatura média, “um pouco astuto e insinuante, já resig-
nado, agora, a seu destino e preferindo, contudo, ser enforcado na
praça pública a ter de regressar para a casa de seu dono.” 8º
Os relatórios provinciais de outras províncias oferecem crônicas
semelhantes da luta entre fugitivos e seus perseguidores. Em 1858,
o presidente do Pará revelou que até mesmo trabalhadores que não
eram escravos, tentando evitar o programa de trabalho forçado do
governo, haviam procurado refúgio no sertão, em quilombos fora do
alcance da autoridade. Além disso, o exemplo dado pelos quilombo-
las e a certa segurança que se acreditava existir nas povoações esta-
belecidas pelos fugitivos contra quaisquer esforços realizados para
reescravizar seus habitantes haviam tornado a disciplina impossível
nas plantações. Segundo se sabia, havia um quilombo particularmente
grande em Amapá, a vasta região entre o Amazonas e a Caiena
francesa. Outro estava localizado no Rio Trombetas, no município

68 Relatório da provincia do Rio de Janeiro, para o anno de 1839 a 1849,


pág. 1.
69 Para relatórios sobre quilombos em Sergipe, ver Relatorio com que foi
aberta no dia 21 de Janeiro de 1867 a segunda sessão da decima sexta legis-
latura da Assemblea Provincial da provincia de Sergipe (Aracaju, 1867),
páginas 7-8; Relatorio com que o Illm. e Exmo. Snr. Dr. José Pereira da
Silva Moraes entregou a administração da provincia de Sergipe ao Illm. e Exm.
Snr. Dr. Antonio de Araujo Aragão Bulcão (Aracaju, 1867), p. 5; Relatorio
com que o Illm. e Exm. Snr. Dr. Evaristo Ferreira da Veiga passou a adminis-
tração da provincia de Sergipe ao Illm. e Exm. Sr. Barão de Propriá no
dia 17 de junho de 1869 (Aracaju, 1869), p. 16; Relatorio da presidencia
da provincia de Sergipe em 1$/2 (Aracaju, 1872), páginas 5-10: Relatorio da
presidencia de Sergipe em 1876 (Aracaju, 1876), páginas 12-13.

23
de Óbidos, bem mais acima do sistema do Amazonas e outro, ainda,
fora estabelecido na ilha de Marajó. Havia outros fugitivos que se
haviam instalado nas margens do Rio Tabatinga, não muito longe
de Belém e outros nas margens do Rio Guamá. Os últimos quatro
quilombos, no conjunto, segundo se calculou, continham cerca de
dois mil escravos, eram vulneráveis a um ataque, conforme o pre-
sidente acreditava, mas a temporada das chuvas dificultara e adiara
as expedições enviadas para destruí-los. *º
Em 1883, apenas cinco anos antes da abolição da escravatura,
a luta entre escravos e homens livres ainda continuava no Pará,
bem como em outras partes do Império. Uma investigação empre-
endida após um ataque a uma plantação no distrito de Igarapé-Miri,
perto de Belém, revelou a existência de cinco quilombos em volta
de um lago, cada um deles com seu governo separado, mas todos
eles prestando fidelidade a um líder escravo chamado Sebastião. Um
informante afirmou que sua população total era de quinhentas pes-
soas, que estavam habituadas a comunicar-se com casas comerciais
em Belém, onde faziam compras e vendas. 71
Ocasionalmente, os quilombos eram bem descritos pelos res-
ponsáveis por sua destruição. Em 1876, na província do Rio de Ja-
neiro, uma força policial chefiada por um negro chamado Tibúrcio
conseguiu penetrar por trilhas infestadas de armadilhas e defesas
para alcançar o local das povoações de escravos de Quilombo Gran-
de e Quilombo do Gabriel, onde capturaram vinte e três dos trinta e
três habitantes. Estes quilombos, que se afirmava serem muito anti-
gos, consistiam numa área “insignificante” de cana-de-açúcar, um
pequeno cemitério com três sepulturas e oito cabanas com paredes
de paus amarrados e telhados feitos com palha de árvores de cacau,
uma delas estando vazia e servindo como túmulo de um antigo chefe
chamado Joaquim Bunga. Estes quilombos, segundo o relatório,
estavam localizados num vasto pântano de mangues com uma saída
para o mar, facilitando a comunicação com o Rio de Janeiro e um
mercado dessa cidade para lenha de mangue, que ali crescia em
abundância. As florestas, as defesas, o sertão quase deserto e os in-
teresses dos comerciantes de lenha há muito asseguravam aos habi-
tantes destes quilombos uma segurança relativa e um abastecimento

7 Discurso de abertura da sessão extraordinaria da assemblea legislativa pro-


vincial do Pará. Em 7 de abril de 1858 pelo presidente Dr. João da Silva
Carrão (Pará, 1858), páginas 34-39.
71 Falla com que o Exm. Sr. General Visconde de Maracajú... pretendia
abrir a sessão da respectiva assemblea no dia 7 de janeiro de 1884 (Pará,
1884), p. 37.
24
de alimentos e cachaça. Num dos quilombos, a polícia encontrou cin-
co armas de fogo, duas espadas, dois machados e duas foices. No
segundo, foram encontrados um mosquete de caça carregado, uma
canoa, machados, foices, enxadas, uma rede de pesca, algumas ferra-
mentas de carpinteiro e sessenta e quatro embalagens de lenha, com
tudo isso tendo sido confiscado. Como medida final, antes de aban-
donarem o local, queimaram as cabanas e destruíram totalmente os
quilombos, com o chefe da polícia tendo recebido elogios oficiais
pelo bom término desta missão. **
Apesar das fugas para quilombos, apesar da interminável luta
entre escravos e autoridades públicas, os senhores de escravos pude-
ram aproveitar-se da posse de negros até os últimos dias da escrava-
tura, absorvendo as constantes perdas financeiras que resultavam do
problema das fugas até que esse problema se tornou tão generali-
zado em 1887 e 1888 que os donos dos escravos foram forçados a
renderem-se às exigências abolicionistas, as quais, então, já se ha-
viam desenvolvido num crescendo nacional.

A ESCRAVATURA E A SOCIEDADE BRASILEIRA

A RELUTÂNCIA brasileira para abandonar o sistema de escravos


não foi ape nas uma con seg iiê nci a da gra nde imp ort ânc ia soc ial e
econômica da instituição. A conservação da escravatura também
estava intimamente relacionada com a sobrevivência de atitudes tra-
dic ion ais que man tin ham e pro teg iam a mai ori a dos cos tum es e ins-
tituições que o Brasil herdara do passado colonial. Não só a escrava-
tura per man ece u vig oro sa dur ant e os pri mei ros dois ter ços do séc ulo
xIx, como também a maior parte das outras características da era
do domínio por tug uês sob rev ive ram com not ave lme nte pou ca alie -
raç ão. A pop ula ção ain da era pri nci pal men te rur al, com as cid ade s
sendo, por conseguinte, pequenas € dependentes. A agricultura e o
comércio dominavam a economia à custa da indústria (praticamen-
te não existente ant es de 185 0), mas os tra bal hos agr íco las con tin ua-
vam sen do ant iec onô mic os € pri mit ivo s, com os est ran gei ros con tro -
lando ainda grande parte do comércio lucrativo dos produtos que
eram exportados. O transporte no interior era difícil, dispendioso e

Legisla tiva Provincial do Rio de


72 Relatori o apresentadoE a fi lea
Assemb ri
sessão j da vigesima primeir
: a legislat
E ura no dia 22 de ou-
Janeiro na primeira Xavier Pinto Lima
tubro de 1876 pelo Presidente Conselheiro Francisco
1876), Pp. 26.
(Rio de Janeiro,

25
perigoso, enquanto o movimento entre as pr
ovíncias limitava-se prin-
cipalmente à navegação costeira, incluindo
o traslado de grandes
números de escravos de região para região.
As classes sociais eram
estratificadas, tal como já o haviam sido
sob o domínio português,
e as origens de classe dos indivíduos dete
rminavam quase sempre o
lugar que eles ocupavam na sociedade. A ed
ucação era elitista, não
científica, pouco prática e reservada a poucos.
A maioria dos bra-
sileiros, portanto, continuavam sendo analfabe
tos, embora uma pe-
quena minoria adquirisse uma educação que
concedia prestígio e
poder ao indivíduo e a uma classe governante, ma
s que proporcio-
nava poucos resultados à maioria. Em 1872, só ha
via ainda um quin-
to detodos os brasileiros livres considerados alfabe
tizados num re-
censeamento nacional e nem mesmo um escr
avo em mil sabia ler e
escrever (ver Tabela 17).73 O governo revelava certa
grandeza no
aparelho de uma monarquia constitucional, incluindo um pre
stigio-
so Imperador e uma legislatura de duas câmaras, mas
grande parte
do verdadeiro poder nas províncias estava nas mãos da
classe dos
senhores de escravos. 74
Nos anos que se seguiram a 1850, os lentos passos da
evolução
brasileira foram apressados um pouco, mas os estilos de vida
foram
alterados principalmente nas cidades e entre a elite, enquanto
o bra-
sileiro médio na terra e nas cidades isoladas do interior pouco teste-
munhava que fosse novo. As mudanças, além disso, eram mais cul-
turais do que sociais e econômicas, com muitos dos melhoramento
s
estruturais tendo por objetivo promover setores econômicos tradi-
cionais. Apesar da introdução de equipamento e métodos modernos
na segunda metade do século xrx, o Brasil continuava sendo “um
país essencialmente agrícola”, como os políticos e os proprietários

73 Recenseamento da população, XIX, 1-2. Em contraste, nos Estados


Unidos, onde o valor da alfabetização fora compreendido melhor, com a
palavra impressa sendo mais divulgada, uma percentagem muito maior de
escravos aprendeu a ler e a escrever apesar de proibições legais. Ver
Richard C. Wade, Slavery in the Cities: The South 1820-1860 (Nova York,
1964), páginas 90-91. 173-176. Quanto à ansiedade com que os antigos es-
cravos procuravam a educação depois da Guerra Civil, ver Gilbert Osofsky,
Puttin'" on Ole Massa (Nova York, 1969), páginas 42-43,
74 Richard Graham, Britain and the Onset of Modernization in Brazil,
1850-1914 (Cambridge, Inglaterra, 1968), páginas 10-22; Stanley J. Stein,
The Brazilian Cotton Manufacture (Cambridge, Massachusetts, 1957), páei-
nas 2-7; Gilberto Freyre, Sobrados e mocambos, 3.º edição (Rio de Janeiro,
1962) passim; T. Lynn Smith, Brazil, People and Institutions (Baton Rouge,
Louisiana, 1963), páginas 323-329; André Rebouças, Agricultura Nacional
(Rio de Janeiro, 1883).

26
de terras afirmavam em defesa da escravatura. As cidades foram re-
novadas depois de 1850, linhas de bondes foram construídas e lam-
piões de gás instalados. Foram construídas, também, estradas de
ferro para ligar os distritos ricos das plantações aos portos costeiros
a industrialização foi iniciada e um público crescentemente informa-
do, influenciado por idéias e filosofias estrangeiras, começou ques-
tionando a validez de alguns conceitos tradicionais. Todavia, todos
estes sintomas de progresso foram tolhidos e comprometidos pela so-
brevivência de instituições, condições e valores econômicos, sociais
e culturais profundamente enraizados: a escravatura, a monocultu-
ra, os grandes latifúndios agrícolas mal e apenas parcialmente traba-
lhados, a economia orientada para a exportação, um mercado interno
muito limitado, as relações tradicionais entre os patrões e os em-
pregados mesmo entre as pessoas livres, o preconceito contra o tra-
balho braçal, as barreiras raciais e de classe que impediam oportuni-
dades de desenvolvimento e as antiquadas atitudes aristocráticas
para com a educação. º Conforme Richard Graham salientou, as
mudanças que se verificaram no Brasil nas décadas seguintes a 1850
nem sempre eram facilmente identificáveis e só em 1914 é que o
Brasil começou verdadeiramente a modernizar-se. *8

O CONSENSO PRO-ESCRAVATURA

NESTAS circunstâncias, as atitudes antiescravatura que já se ha-


viam tornado comuns em Londres e Boston, bem como no México e
no Chile, durante a primeira metade do século xrx refletiram-se
sem grande lustro no Império do Brasil. Confrontados pela necessi-
dade de reagir a idéias adequadas às necessidades econômicas da Eu-
ropa Ocidental e da Grã-Bretanha, mas que não se adaptavam às
instituições brasileiras, os líderes e os governos do Portugal e do
Brasil pareciam, por vezes, simpatizar com as opiniões estrangeiras
sobre a questão da escravatura, mas eram obrigados pela estrutura
econômica e política de sua sociedade e pelas exigências de seus mais
importantes cidadãos a seguirem políticas que assegurassem a conti-

7% O Brasil não era o único país nessa situação. Para declarações infor-
madas sobre as sobrevivências coloniais na América Latina, ver Woodrow
Borah, Charles Gibson e Robert A. Potash, “Colonial Institutions and Con-
temporary Latin America” em Lewis Hanke (ed.), Readings in Latin Ame-
rican History (2 vols.; Nova York, 1966), II, 18-37.
76 Graham, Britain and the Onset, páginas xi, 23, 47-48.

27
nuação da importação de centenas de milhares de negros € negras
.
Dada a natureza do sistema de escravos, a determinada oposição dos
ingleses e o prestígio e influência das idéias estrangeiras, alguma
oposição brasileira ao comércio de escravos e até à própria escrava-
tura era inevitável, embora os que se opunham à escravatura conti
nuassem constituindo uma pequena minoria até a década de 1880.
Em 1823, sob pressão da Grã-Bretanha no sentido de acabar com o
comércio de escravos em troca do reconhecimento diplomático, uma
minoria liberal entre os membros da Assembléia Constituinte brasi-
leira procurou iniciar um processo que conduzisse ao estabelecimento
de um sistema de trabalho livre, com liberais preeminentes conti-
nuando sua oposição ao comércio de escravos sempre que tiveram
oportunidades para fazê-lo nos vinte e cinco anos seguintes. 77 AI-
guns livros ou panfletos escritos por brasileiros durante a primeira
metade do século xix continham mensagens antiescravatura 78 e;
durante um breve período, iniciado em 1848, certos órgãos da impren-
sa brasileira, alguns deles subvencionados pelo governo britânico, rea-
lizaram uma campanha contra o comércio de escravos. 7º Na Assem-
bléia Geral brasileira, além disso, também se escutaram algumas de-
clarações antiescravatura de tempos a tempos antes de 1865, 8º em-
bora a maioria dos membros ficasse calada sobre o assunto ou, então,

7% Ver Conrad, “The Struggle”, páginas 151-152; Annaes do Parlamento


Brasileiro. Assembléia Constituinte, V, 12-24; Walsh, Notices, I, 234-235.
18 Ver, por exemplo, Americus, Cartas politicas extrahidas do Padre Amaro
(2 vols.; Londres, 1825-1826); José Bonifácio de Andrada e Silva, Memoir
«Addressed to the General Constituent and Legislative Assembly of Brazil un
sSlavery (Londres, 1826); Burlamaque, Analytica; Henrique Jorge Rebello,
“Memoria e considerações sobre a população do Brazil”, RIHGB, Vol. XXX
(1867), páginas 5-42.
“9 Os principais jornais que atacaram o comércio de escravos no Rio foram
O Monarchista, O Grito Nacional (ambos fundados em 1848) e O Philantropo,
publicado pela primeira vez em abril de 1849. Em 1850, o Ministro Britânico
no Rio, James Hudson, insinuou que a Grã-Bretanha concedera auxílio fi-
nanceiro à imprensa antitráfico de escravos do Brasil já em 1848. Ver carta
de Hudson para Palmerston, Rio de Janeiro, 27 de julho de 1850, Class B.,
De 1 de Abril de 1650 a 31 de Março de 1851, p. 228. Para mais evidência,
ver Leslie Bethell, The Abolition of the Brazilian Slave Trade (Cambridge,
Inglaterra, 1970), p. 313; Pierre Verger, Flux et reflux de la traite des
nêgres entre le golfe de Bénin et Bahia de Todos os Santos (Paris, 1968),
páginas 385-386. :
80 Ver as declarações e propostas de Antonio Ferreira França na Câmara
dos Deputados, Annaes da Camara (1827), 1, 855. Y, 84; ibid. (1830), 1,
169; II, 211; e as de Pedro Pereira da Silva Guimarães, reimpressas em
“Pedro Pereira da Silva Guimarães (Documentos históricos)”, Revista Tri-
mensal do Instituto do Ceará (Vol. XX). Ver também Raimundo Girão,
im

A Abolição no Ceará (Fortaleza, 1956), páginas 17-27,


ie

26
se apressasse a defender a escravatura quando esta era atacada do
estrangeiro. Houve quase sempre algumas pessoas, entretanto, que
se opunham à escravatura por razões morais, religiosas ou mesmo
econômicas, mas essa oposição pouco efeito tinha e, muitas vezes.
nem mesmo se fazia escutar. Até 1880, por exemplo, o agora famoso
apelo antiescravatura de José Bonifácio de Andrada e Silva, prí-
meiro-ministro do Brasil, que foi publicado em Londres, em 1826,
era, ao tempo, quase desconhecido no Brasil. 8! Os textos antiescra-
vatura eram tão pouco comuns no Brasil, antes de 1865, que os his-
toriadores e os oponentes mais tardios da escravatura afirmavam,
por vezes, encontrar oposição onde ela mal existia. Estes mal-enten-
didos talvez fossem o resultado do hábito brasileiro, muito comum,
de prefaciar argumentos pró-escravatura com breves denúncias de
uma instituição que até mesmo no Brasil era condenada em prin-
cípio, mesmo que não o fosse na prática. 2

81 Ver A. C. Tavares Bastos, Cartas do Solitário (3.º edição; São Paulo,


1938), p. 456; Miguel Lemos, O Pozitivismo e a escravidão moderna (2.º edi-
ção; Rio de Janeiro, 1934), p. 10. Para uma edição moderna do notável
apelo de José Bonifácio dirigido à Assembléia Constitucional brasileira, ver
“Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do
Brasil sobre a Escravatura”, em Octavio Tarquinio de Sousa, O pensamento
vivo de José Bonifácio (São Paulo, 1944), páginas 39-66.
82 Em 4 escravidão no Brasil (Rio de Janeiro, 1939), p. 142, João Dornas
Filho incluiu escritores entre os precursores do abolicionismo brasileiro cujos
sentimentos referentes à escravatura eram menos do que liberais. Estes
incluíam o Padre M. Ribeiro da Rocha, “o patriarca dos abolicionistas do
Brasil,” autor de Ethiope resgatado, empenhado, sustentado, corrigido, ins-
truido e libertado (Lisboa, 1758); João Severiano Maciel da Costa, autor
de Memória sobre a necessidade de abolir a introdução dos escravos africanos
no Brasil (Coimbra, 1821); Domingo Alves Branco Moniz Barreto, cuja
Memoria sobre a abolição do commercio da escravatura (Rio de Janeiro,
- 1837), se opunha fortemente à abolição do comércio de escravos; e José Eloy
Pessoa da Silva, cuja Memoria sobre a escravatura e projecto de colonisação
dos europeus, e pretos da Africa no Imperio do Brasil defendia a substituição
de um tráfico “colonista” negro pelo comércio de escravos. Para algumas
de suas propostas, ver Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 235-399.

29
No processo do Brasil
um milhão de testemunhas hão de
levantar-se contra nós, dos sertões da África,
do fundo do oceano, dos barracões da praia,
dos cemitérios das fazendas,
e esse depoimento mudo há de ser
mil vezes mais valioso
para a história
do que todos os protestos de
generosidade e nobreza
d'alma da nação inteira.

JOAQUIM NABUCO

O Abolicionismo

A ABOLIÇÃO DO COMÉRCIO
DE ESCRAVOS AFRICANOS
E O INÍCIO DO DECLÍNIO

A SUPRESSÃO DO COMÉRCIO DE ESCRAVOS AFRICANOS

ENTRINCHEIRADA como estava, a escravatura recebeu seu primei-


ro golpe sério quando sua fonte de abastecimento foi cortada em
1851 e 1852 pela supressão do tráfico africano. Esta primeira medi-
da, contudo, não foi tomada pelos abolicionistas brasileiros, tendo
sido, principalmente, o resultado de pressão estrangeira. Nos primei-
Tos anos do século x1x, a Grã-Bretanha já estava determinada quan-
to a seu dever de interferir nos assuntos de Portugal, do Brasil
ba

e de praticamente todas as outras nações se, ao agir assim, pudesse


esperar a eliminação do tráfico internacional de escravos e este es-

30
forço britânico, finalmente, veio
a representar um papel predomi-
nante na abolição do tráfico de es
cravos no Brasil. 1
Durante a sua cruzada de quarenta
anos contra o comércio de
escravos no Brasil, a Grã-Bretanha ne
gociou uma série de tratados
com os governos do Brasil e de Port
ugal entre 1810 e 1826, tendo
sido todos eles recebidos com grande re
lutância por parte dos go-
vernantes brasileiros, que sempre tive
ram consciência da amarga
oposição da maioria de seus cidadãos ma
is poderosos a quaisquer
concessões na questão dos escravos. Em 18
10, com o governo por-
tuguês no Rio de Janeiro virtualmente sob
a proteção britânica, o
Príncipe Regente João concordou, num tr
atado de aliança, cooperar
com o monarca britânico na abolição gradua
l do comércio de escra-
vos e tornar imediatamente ilegal o tráfico
em territórios não por-
tugueses da África. Esse tratado deu ao gove
rno britânico uma débil
Justificativa para a sua primeira campanha na
val contra os navios
negreiros portugueses, despertando a ira dos im
portadores e fazen-
deiros portugueses e brasileiros. Em 1815,
de novo sob coerção,
o governo de João VI concordou com proibir
o tráfico ao norte do
equador e, em 1817, o mesmo rei cometeu seu
regime a medidas
que tinham por objetivo fazer vigorar a proi
bição parcial do comér-
cio de escravos. Estas concessões legalizara
m, finalmente, a aborda-
gem britânica de navios mercantes portugue
ses suspeitos de trans-
portarem escravos comprados ilegalmente e
criaram tribunais inter-
nacionais ou comissões mistas no Rio de Jane
iro e em Sierra Leone,
para onde os navios deviam ser enviados para
julgamento. O mesmo
acordo entre britânicos e portugueses também
estipulava que os na-
vios condenados pelas comissões mistas fossem
vendidos para bene-
fício das duas nações e que os escravos en
contrados a bordo fossem
libertados e colocados sob a proteção do
governo português ou,
então, do britânico. 2 O resultado destes acor
dos não foi uma redu-
ção ou limitação do tráfico de escravos, mas sim
um súbito surto no
seu volume, bem como o aparecimento de um contraba
cravos que se desenvolveu até atingir proporçõ ndo de es-
es enormes. 3
! Para descrições do papel da Grã-Bretan
ha na supressão do comércio de
escravos no Brasil, ver Bethell, The Ab
olition; Conrad, “The Struggle”:
Verger, Flux et reflux, páginas 287-319,
373-397; e Alan K., Manchester,
British Preêminence in Brazil (Chapel Hill,
Carolina do Norte, 1933).
2 Bethell, The Abolition, páginas 8-19: A Co
mplete Collection of the Treaties
and Conventions and Re ciprocal Regulations, at Present Subsisti
Great Britain & Foreign Powers... so ng between
far as they relate to Commerce and
Navigation, to the Repression and Abolit
ion of the Slave Trade... (3 vols.;
Londres, 1827), II, 73-107.
3 Conrad, “The Struggle”, páginas 122-126, 189-206.

DBIBIÇTENÃA 31
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Em 1826, a Grã-Bretanha conseguiu obter mais um compromis-
so do governo no Rio de Janeiro depois de quatro anos de negocia-
ções difíceis em Londres e no Rio, após a independência brasileira.
Este tratado, praticamente imposto ao novo governo brasileiro, tor-
ng?

nou a participação brasileira no comércio internacional de escravos


inteiramente ilegal três anos depois da data da ratificação do tra-
tado, com tal tráfico em escravos “considerado e tratado de Pira-
taria.”* Como resultado deste acordo, que incorporava as provi-
sões contidas nos tratados de 1815 e 1817 entre britânicos e portu-
gueses, o comércio de escravos legal terminava, para os cidadãos
brasileiros, em 13 de março de 1830 e, em 7 de novembro do ano
seguinte, um novo governo liberal no Rio confirmou esta decisão
com legislação que declarava a liberdade de todos os escravos que
entrassem no Brasil a partir dessa data. 8
Apesar da ameaça de pesados castigos tanto para os importa-
dores quanto para os compradores de escravos contrabandeados, o
tráfico continuou. Entre 1831 e 1837 e, de novo, em 1840 e 1848,
os governos liberais brasileiros tomaram algumas medidas para fa-
zer vigorar a proibição desse comércio, mas a verdade é que, du-
rante mais duas décadas, depois de 1831, o tráfico africano prosse-
guiu com liberdade quase completa e o conhecimento e aprovação
total da maioria dos regimes brasileiros. 7 O próprio governo brasi-
leiro era um “governo que negociava com escravos, contra suas pró-
prias leis e tratados”, escreveu o Ministro dos Estados Unidos no
Rio, em 1846. “Os Ministros & Conselheiros de Estado & Senado-
res e Delegados nas Câmaras estão, sem dúvida, envolvidos neste
tráfico tão ousado quanto horroroso. ..”8 As estimativas britânicas

4 A Complete Collection of the Treaties and Conventions, III, 33-35 * Leslie


Bethell, “The Independence of Brazil and the Abolition of the Brazilian Slave
Trade: Anglo-Brazilian Relations, 1822-1826”, Journal of Latin American
Studies, Vol. I, Parte 2 (Novembro de 1969), páginas 115-147: Bethell,
The Abolition, páginas 27-61; Conrad, “The Struggle”, páginas 133-170.
6 Para a intensa oposição que lhe foi feita, ver Conrad, “The Struggle”,
páginas 170-185; Bethell, The Abolition, páginas 62-66.
6 Colecção das leis do Imperio (1832), páginas 100-101; Bethell, The Abo-
lition, páginas 69-70; Conrad, “The Struggle”, páginas 218-221, 228-229.
* Robert Conrad, “The Contraband Slave Trade to Brazil, 1831-1845”,
HAHR, Vol. XLIX (1969), páginas 618-638; Conrad, “The Struggle”, pá-
ginas 224-303; Bethell, The Abolition, passim.
8 Carta de Henry A. Wise a James Buchanan, Rio de Janeiro, 9 de
dezembro de 1846, em William R. Manning (ed.), Diplomatic Correspondence
of the United States. Inter-American Affairs, 1831-1860 (Washington, 1932),
I, 370; o mesmo para o mesmo, Rio de Janeiro, 12 de abril de 1847,
ibid., II, 380.

32
colocam, de um modo moderado, o número de escravos ilegalmente
importados pelo Império durante esses anos em quase meio milhão. ?
Legalmente, todos eles eram livres, conforme a lei brasileira de
1831 o declarava claramente no seu artigo primeiro, mas poucos
deles conseguiram, de fato, obter sua libertação e até mesmo seus
descendentes foram mantidos ilegalmente na escravidão.
A proibição do tráfico foi eficaz, contudo, nas províncias do
extremo sul e ao longo da costa norte entre o Cabo de São Roque
e o Amazonas, mas esta cessação parcial do tráfico de escravos não
foi o resultado de funcionários conscienciosos ou de uma população
respeitadora da lei. Ocorreu, sim, em virtude do aumento do preço
dos escravos causado pelos esforços britânicos de policiamento. Con-
forme um nordestino escreveu na década de 1850 em referência ape-
nas com a província de Maranhão, o comércio de escravos termi-
nara “porque a baixa no preço do algodão tinha empobrecido e
quebrantado o ânimo dos nossos lavradores, a ponto de não poderem
pagar os negros importados ilegalmente, de mais em mais encare-
cidos pela perseguição dos cruzeiros ingleses.” 1º Os plantadores de
algodão e de açúcar do norte não podiam competir, na compra de
escravos, com os fazendeiros do café, no sul, e, assim, os plantado-
res ao norte da Bahia cessaram na sua grande maioria de procurar
trabalhadores no mercado internacional de escravos. A indústria do
café na província do Rio de Janeiro e áreas vizinhas de Minas Ge-
rais e São Paulo, por outro lado, estava expandindo-se e prospe-
rando nos anos do maior envolvimento britânico contra o comércio
de escravos, com a elevada receita dos plantadores de café permi-
tindo-lhes pagar pelos escravos de que precisavam, apesar dos na-
vios de guerra britânicos, do alto custo do suborno e de outras des-
pesas causadas pela natureza ilegal do tráfico. Assim, nessa parte do
Brasil, o tráfico mantinha sua vitalidade e os negociantes de escra-
vos continuaram seu negócio com desprezo quase completo pela lei.
Em 1849 e 1850, contudo, o governo britânico tomou uma ati-
tude drástica contra os traficantes de escravos nas águas territoriais
brasileiras com o mais completo desrespeito pela soberania brasi-

9 Bethell, The Abolition, p. 390; Poppino, Brazil, p. 171.


10 Fabio Alexandrino de Carvalho Reis, Breves considerações sobre a nossa
lavoura (São Luiz de Maranhão, 1856), p. 3. Em The Atlantic Slave Trade,
a Census (Madison, Wisconsin, 1969), páginas 240-241, Philip D. Curtin
revela que cerca de oitenta por cento dos escravos africanos que entraram
no Brasil entre 1817 e 1843 desembarcaram nas províncias do café e que outros
treze por cento desembarcaram nas províncias do nordeste, principalmente
a Bahia.

33
leira, com a intenção de obter um compromisso do governo
brasilei-
ro no sentido de que este promulgasse lei eficaz contra
o comércio
de escravos e fizesse com que ela fosse cumprida. 1! Comple
tamente
humilhado pelas incursões britânicas nos portos do Império e a
cap-
tura e destruição de navios negreiros brasileiros até mesmo
em águas
ter ritoriais brasileiras, enfrentando ameaças à navegação legal do
Império, com conflitos militares e mesmo um bloqueio de portos
brasileiros, o governo do Império foi obrigado, em julho de 1850, a
ceder ante as exigências britânicas em troca da promessa de suspen-
der os ataques navais. 12 Mesmo então, contudo, o governo brasilei-
To mostrou-se relutante em agir contra o comércio de escravos e
mais uma ameaça, feita em janeiro de 1851, de enviar navios de
guerra britânicos para os portos brasileiros foi
necessária para ativar
a já há muito adiada supressão do tráfico de afr
icanos. Uma vez ini-
ciada, contudo, a campanha brasileira antitráfico
foi eficaz e séria. 1

“UMA POPULAÇÃO DE ESCRAVOS


DIMINUINDO NATURALMENTE”

Com o tráfico já quase terminado em 1852, a pressão britânica


foi aliviada. Todavia, um golpe decisivo fora desfechado na escra-
vatura brasileira, já que a população de escravos dessa nação, se-
gundo as palavras do historiador norte-americano Philip D. Curtin,

HH Bethell, The Abolition, páginas 327-363; Conrad, “The Struggle


”, pá-
ginas 304-349.
I2 Ver “Annexo B. Relações entre o Brasil e a Grã-Bretanha. Questão
do trafico”, Relatorio da repartição dos negocios estrangeiros apresentado á
Assemblea Geral Legislativa na terceira sessão da oitava legislatura pelo res-
pectivo Ministro e Secretario de Estado Paulino José Soares de Souza (Rio
de Janeiro, 1851), páginas 23-24; “Memorandum of an Interview between
Senhor Paulino de Souza and Mr. Hudson, on the 13th. of July,
1850”,
Class B., From April 1, 1850, to March 31, 1851, páginas 233-235.
18 Os estudos mais recentes questionam a afirmação do Mini
stro da Justiça
brasileiro, Eusébio de Queiroz, de que o comércio de escravos
terminou de-
vido a uma decisão brasileira independente. Para esta vers
ão, ver Perdigão
Malheiro, 4 escravidão, II, 262-287. Em Formação hist
órica do Brasil (7.º edi-
ção, São Paulo, 1967), páginas 200-201, João Pandiá
Calógeras afirma que
as medidas adotadas no Brasil para acabar com
o tráfico nada deviam à
Grã-Bretanha, mas Leslie Bethell escreveu, com
mais exatidão, o seguinte:
“No mínimo, pode ser dito que a ação naval
britânica acelerou grandemente,
se é que não precipitou só por si, os próprios esforços
brasileiros, bem suce-
didos no final, para suprimir o comércio de
escravos.” Ver The Abolition,
páginas 327-363.

34
era “uma população de escravos diminuindo naturalmente”, 14 de-
pendendo do tráfico africano para sua existência permanente. Uma
variedade de condições e políticas contribuíram para um excesso
de mortes sobre os nascimentos entre os escravos do Brasil e sua
consequente incapacidade para manterem seus números através da
reprodução natural. Essas condições incluíam uma proporção baixa
de mulheres em relação para os homens, escassez de casamentos e
de vida familiar (ver Tabela 18, para estatísticas de casamentos
entre os escravos), a desatenção habitual para com a prole dos
escravos, o uso frequente de severo castigo físico, trabalho esgo-
tante tanto para mulheres quanto para homens, roupas inadequa-
das, alimentação e habitação deficientes e pouco higiênicas, jun-
tamente com cuidados médicos pouco eficientes, epidemias e (para
os africanos importados recentemente) um novo ambiente pouco
saudável. 15
Todas estas condições e o resultante excesso de mortes sobre
nascimentos entre os escravos foram confirmados, muitas vezes,
durante o século x1x. Em 1823, José Bonifácio de Andrada e Silva
afirmou que 40 mil escravos haviam entrado no país durante os cin-
co ou seis anos anteriores sem causarem aumento significante na
população de escravos, com a maioria deles morrendo “ou de mi-
séria ou de desesperação. ..” 18 Um cirurgião britânico que vivia no
Rio na década de 1840 afirmou que a população escrava brasileira
estava “diminuindo e seria reduzida à insignificância, exceto pelos
carregamentos de africanos que eram trazidos anualmente da costa
oposta par substituir os mortos.” Os brasileiros, segundo ele pensava,
não estavam dispostos “a submeterem-se a todas as despesas e ris-
cos inerentes à infância e à adolescência, quando... podem ir à

14 The Atlantic Slave Trade, página 29.


15 Vários autores, incluindo Gilberto Freyre, Frank Tannenbaum, Stanley
Elkins e Herbert S. Klein (ver bibliografia), popularizaram a crença de
que a escravidão latino-americana era relativamente humana, mas declarações
recentes sobre a escravatura brasileira parecem incompatíveis com esta opinião.
Ver, por exemplo, Stein, Vassouras, páginas 132-195; Roger Bastide e Florestan
Fernandes, Brancos e negros em São Paulo (2.º edição; São Paulo, 1959),
páginas 1-68; Ianni, As metamorfoses do escravo, páginas 131-183:; Fernando
Henrique Cardoso, Capitalismo e escravidão no Brasil meridional (São Paulo,
1962), páginas 133-167; €. R. Boxer, The Golden Age of Brazil, 1695-1759
(Berkeley e Los Angeles, 1964), páginas 170-178; Harris, Patterns of Race,
páginas 65-78; Viotti da Costa, Da senzala à colônia, páginas 227-299: Carl N.
Degler, Neither Black Nor White (Nova York, 1971), páginas 3-93.
16 Andrada e Silva, “Representação”, páginas 48-49. Segundo Roberto Si-
monsen, a duração média de vida dos escravos no Brasil era de sete anos.
Ver “Aspectos da história econômica do café”, Anais do Terceiro Congresso
da História Nacional (Rio de Janeiro, 1941), IV, 262.

35
rua ao lado e obterem qualquer idade ou sexo de que precisem” 17
O Senador Cristiano Otoni disse à Câmara Superior brasileira em
1883 que, enquanto o comércio de escravos durara, os pr
oprietários
de escravos haviam sido “indiferentes à duração
da vida dos seus
escravos”. Os senhores de escravos acredita

4
vam “que o escravo
trabalhando um anno, alem de plantar e col

——
her para o sustento, dava

=
produto liquido que cobria, pelo menos, o
seu valor; do 2.º ano
em diante tudo era lucro. Portanto, para que
se preocuparem muito
com tlles, quando era tão fácil obter novos
por preço baixo?” 18
Em 1849, um cidadão britânico, testemunhand
o ante uma comissão
da Câmara dos Lordes, declarou: “No Brasil, os
escravos estão sendo
trazidos continuamente para o país e morrem.
O índice de mortali-
dade nos primeiros dois ou três anos depois da
importação, por uma
ou outra razão, é enorme.” Aqueles que entr
am no Brasil “pouco
mais fazem do que ocupar o lugar de gerações qu
e morrem.” 19
Apesar da melhoria das condições depois de me
ados do sé-
culo, 2º os escravos do Brasil foram incapazes, até mesm
o durante
as últimas décadas de escravidão, de manter seus núme
ros através
de meios naturais. Em 1868, Richard Burton, explorador britân
ico,
orientalista e cônsul no porto de Santos, ainda afirmava que o ex-
cesso de mortes sobre os nascimentos entre os escravos brasileiros
seria o mais importante fator na extinção da escravatura brasilei-
ra.“ Em 1870, numa era em que o tratamento dos escravos melho-
rara definitivamente e suas vidas estavam ficando mais longas, o futu-
ro abolicionista, Joaquim Nabuco escreveu o seguinte: “a população
negra, nós o confessamos, não se reproduz como a branca: uma
serie longa de causas deprimem-na, aviltão-na, suffocão-na, dema-
siado para que ella tenha o poder de crescer em sua posteridade.” 22

17 Thomas Nelson, Remarks on the Slavery and Slave Trade of the Brazils
ndres, 1846), páginas 29-32.
ai Citado no ns do Senado (1884), II, 30.
19 Report from the Select Committee of the House of Lords. A ppointed to
Consider the Best Means which Great Britain can adopt for the final Extinction
of the African Slave Trade, Session 1849 (Londres, 1849), páginas 22-23.
20 Ver Joaquim Floriano de Godoy, O elemento servil e as camaras muni-
cipaes da provincia de São Paulo (Rio de Janeiro, 1887), p. 500; Perdigão
Malheiro, 4 escravidão, II, 65; Antonio Joaquim Macedo Soares, Campanha

juridica pela libertação dos escravos (1867-1888) (Rio de Janeiro, 1938),


e

páginas 40-41. -
E

21 “The Extinction of Slavery in Brazil, From a Practical Point of View”,


The Anthropological Review (Londres, 1868), VI, 56; Burton, Explorations
1, 277. gs
22 Joaquim Nabuco, “A escravidão”, RIHGB,
Vol. 204 Gulho-setembro,
1949), p. 105.

36
E, em 1871, um deputado nacional da Bahia afirmou que a estima-
tiva de cinco por cento de diminuição anual da população de es-
cravos no Brasil era uma condição anormal, com suas raízes nas
precárias condições sociais e higiênicas da população escrava. Obser-
vando que a população negra livre se estava expandindo através de
meios naturais, esse deputado negou que o declínio da população
escrava fosse uma consegiiência da raça, atribuindo-o de preferén-
cia à própria escravatura. 23
As estatísticas existentes sobre a escravidão no Brasil confir-
mam os numerosos relatórios contemporâneos sobre a incapacidade
dos escravos brasileiros aumentarem seus números através de meios
naturais durante o século x1x. O número de escravos no Brasil em
1798, segundo afirmado, era de 1.582.000 (ver Tabela 1). Entre
1800 e 1850, foram importados, provavelmente, 1.600.000 escravos
pelo Brasil. “ Se, por conseguinte, a população tivesse sido mantida
pela reprodução natural (o que era difícil, é claro, devido ao baixo
número de mulheres em relação com o número de homens), os escra-
vos do Brasil deveriam ter sido aproximadamente 3 milhões em
1871, o ano da Lei Rio Branco, que libertou todas as crianças nas-
cidas desde esse momento em diante. Contudo, só havia 1.540.829
escravos registrados ao abrigo das provisões dessa legislação (ver
Tabela 2).
Em contraste, a população escrava dos Estados Unidos, também
sofrendo um elevado índice de mortalidade, embora menos chocan-
te, cresceu de cerca de 700 mil para quase 4 milhões entre 1790 e
1860, enquanto a população negra livre dos Estados Unidos também
se expandiu durante o mesmo período de 60 mil para quase meio
milhão. 25 Estas estatísticas são ainda mais reveladoras se comparar-
mos as importações totais de escravos para os dois países. A impor-
tação total de escravos pela América do Norte britânica foi calcula-
da em 399 mil (entre 1701 e 1870), enquanto o número que, segun-
do tem sido afirmado, foi transportado para o Brasil é de 3.646.800. 28
Por outras palavras, o Brasil recebeu talvez dez vezes mais escravos
do que a América do Norte britânica durante um período de tempo
a

23 Discussão da reforma do estado servil na Camara dos Deputados e no


Senado (2 vols.; Rio de Janeiro, 1871), II, 193-194.
24 Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 26; Affonso d'Escragnolle Taunay,
“Subsídios para a historia do trafico africano no Brasil”, Anais do Museu
Paulista (São Paulo, 1941), X, 305. Curtin calculou uma importação de
1.145.400 entre 1811 e 1860. Ver The Atlantic Slave Trade, p. 234.
25 Joseph C. G. Kennedy, Preliminary Report on the Eight Census, 1860
(Washington, 1862), P. 7a
26 Curtin, The Atlantic Slave Trade, p. 268.
muito mais longo e, apesar disso, durante a totalidad
e de sua histó-
ria, o Brasil nunca teve tantos escravos em qualqu
er dado momento
quantos os que os Estados Unidos tinham
Apresentando em 1860.
as coisas de outra forma, o número mais
elevado de escravos jamais
existente no Brasil em qualquer dado mome
nto não era talvez mais
do que metade do total importado ao lo
ngo de três séculos. Em
contraste , os quatro milhões de escravos existentes nos Estados Uni-
dos em 1860 constituíam talvez dez vezes
o número importado. Nos
Estados Unidos, a população negra, tant
o escrava quanto livre, au-
mentou quase tão rapidamente quanto
a branca antes da Guerra
Civil, mesmo sem grande influxo do ex
terior, 2 enquanto, no Brasil,
a população escrava mal podia manter os
níveis existentes, até mes-
mo com uma vasta importação, e só a po
pulação negra livre crescia
num índice comparável ao da população
branca (ver Tabela 1). Ape-
sar da natureza da escravidão brasileira não
ser uma questão discutida
neste estudo, vale a pena notar que Philip D.
Curtin, Carl N. Degler
e David Brion Davis, conhecidos historiadores
norte-americanos, reco-
nhec eram todos a significação de tais fatos na medida
em que eles
estão relacionados com a atual controvérsia sobr
e o caráter da es-
cravidão nos países americanos. Curtin argumentou qu
e “uma me-
dida do bem-estar é a capacidade para sobreviver e repr
oduzir.” Para
Degler, a incapacidade dos escravos no que se referia a so
brevive-
rem só pela reprodução é prova convincente de “uma escr
avidão
dura”. Para David Brion Davis, “parece provável que os plantado
-
res no Brasil. .., que dependiam totalmente de novos fornecimen
tos
de mão-de-obra da África, eram menos sensíveis do que os norte-
americanos quanto ao valor da vida humana.” 28

A ESCRAVATURA CONSERVA SUA IMPORTÂNCIA

O TÉRMINO do tráfico de escravos para o Brasil teve, de todos


os modos, mais efeito na economia brasileira e no sistema escravo-
crata do Brasil do que o tivera o término virtual do tráfico nas ins-

21 Alfred H. Conrad e John R. Meyer, “The Economics of Slavery in the


Ante-Bellum South?, em Robert William Fogel e Stanley
The Reinterpretation
L. Engerman,
of American Economic History (Nova York, 1971),
páginas 353-354,
28 Curtin, The Atlantic Slave Trade, p. 92; Degl
er, Neither Black Nor
White, páginas 67-69; Davis, The Problem
of Slavery in Western Culture
(Ithaca, Nova York, 1966), páginas 232-233.

36
tituições norte-americanas quase meio século antes. Nos Est
ados Uni-
dos, a escravatura podia expandir-se mesmo depois do
tráfico ter
sido eliminado, mas a população escrava brasileira diminuiu rapida
-
mente depois de 1850 (ver Tabelas 3, 10, 11). Contudo, com talvez
dois milhões de escravos em existência, durante mais quinze anos,
a escravatura ainda conseguiu manter seu lugar dominante na vida
econômica e social do Império quase totalmente sem obstáculos.
Quando o tráfico africano terminou, uma sociedade complacente
ajustou-se à nova realidade com um vasto e espontâneo aumento
no movimento interno dos escravos, consegiiência da procura cons-
tante de mais escravos na região do café e de atitudes imutáveis no
que se refere à própria instituição da escravatura. 2º
Depois da dissolução voluntária, em 1852, da Sociedade contra
o Tráfico de Africanos e Promotora da Colonização dos Indígenas,
que tinha dois anos de idade, e da extinção simultânea de seu órgão
de propaganda de tão curta vida, O Philantropo, não houve qualquer
organização antiescravista de qualquer porte ou popularidade no Bra-
sil até a década de 1860 e não existiu, também, qualquer jornal bra-
sileiro que defendesse a abolição da escravatura. Os brasileiros es-
tavam convencidos, escreveu um observador britânico em Pernam-
buco, em 1852, da necessidade de manter a escravatura. Alguns
opunham-se ao tráfico de escravos africanos, agora que esse tráfico
já fora suprimido eficazmente, mas “nenhum” era contra a escrava-
tura. Os brasileiros defendiam seu sistema de trabalho, escreveu o
mesmo observador, “não por razões políticas, mas... por razões
de religião e moralidade.” Tanto nos Estados Unidos quanto no Bra-
sil, segundo a previsão desse observador, a escravatura seria destruí-
da, um dia, mas somente, em ambos os países, pela força das armas. 3º
Em meados do século, o sistema de escravos no Brasil já não
se encontrava em qualquer perigo imediato, embora estivesse desti-
nado à extinção final devido à perda de sua principal fonte de reno-
vação. Para o período de vida de mais uma geração, sua importância
parecia assegurada. Foram investidas fortunas em escravos e os va-

29 Conforme Alvin Martin escreveu: “Os mesmos homens que mais vocife-
raram contra as injustiças do tráfico em escravos nada encontravam de re-
preensível no fato de manter milhões de africanos na escravidão.” Ver
“Slavery and Abolition in Brazil”, HAHR, Vol. XIII (1933), p. 162.
So Carta do Cônsul Britânico ao Conde de Malmesbury, Pernambuco, 6 de
maio de 1852, Class B., From April 1, 1852, to March 31, 1853, p. 280.
Para opiniões semelhantes, ver Class B. From April 1, 1857, to March 37
1858, páginas 126-128; British and Foreign State Papers (de ora em diante
BFSP) (1853-1854), XLIV, 1243-1244.

39
lores, assim, aumentaram. As complexas disposições soc
iais e eco-
nômicas continuavam baseando-se no sistema e à legitimidade
da
escravatura nos Estados Unidos e o desejo, nesse país, de conservar
a instituição onde ela ainda existia proporcionou um baluarte detrás
do qual os brasileiros senhores de escravos podiam repousar, seguros
e virtuosos. No início da década de 1840, na verdade, quando a Grã-
Bretanha ameaçou a escravatura tanto no Texas quanto no Brasil,
chegou a pensar-se que havia uma “aliança informal” entre os Es-
tados Unidos e o Império sul-americano, sendo esta comunidade de
interesses prolongada, provavelmente, até as vésperas da Guerra Civil
norte-americana. $! O costume, a conveniência, uma persistente es-
Cassez de mão-de-obra e até mesmo a necessidade, juntamente com
o apoio tácito de um poderoso vizinho ao norte — tudo isso ditava
que fosse mantida a instituição no Brasil.
Em maio de 1862, apenas semanas antes da Batalha de Shiloh
na Guerra entre os Estados, o Ministro britânico no Rio ainda não
podia encontrar quaisquer indícios no Brasil de uma “disposição
para preparar a abolição da escravatura ou para mitigar seus males.”
Os brasileiros educados estavam satisfeitos pelo fato do tráfico de
escravos africanos ter terminado, mas havia má vontade geral para
considerar o problema da própria escravatura, devido a receios da
escassez de mão-de-obra e à preocupação com a inviolabilidade da
propriedade privada. 2 Todavia, estavam ocorrendo importantes mu-
danças que viriam a enfraquecer decisivamente o domínio da escra-
vatura sobre a nação. A população de escravos estava diminuindo e
os escravos sobreviventes estavam sendo concentrados em regiões
limitadas da nação como areia numa ampulheta. Estes fatos, junta-
mente com a inaceitabilidade de uma escravatura permanente, reco-
nhecida teoricamente até mesmo no Brasil, fomentou uma lenta re-
jeição do sistema escravocrata tradicional nos trinta anos que se se-

ecretário de Estado Upshur ao Ministro dos Estados Unidos


E De E tom, 1 de agosto de 1843, Manning, Diplomatic Corres-
nondence, TI, 125; carta do Ministro dos Estados Unidos no Brasil para
danie l Webster, eiro de 1842, ibid., II, 251.
Rio de Janeiro, 8 de tonovembro lmente
O governo brasil tomou conhecimen oficia , em 1844, de que
.era política norte-americana resistir à interferência de qualquer outra nação
nos assuntos do Brasil, “especialmente com referência a importante relaçãoe
entre as raças europea e negra tal como essa relação existe no Brasil
no sul de nossa união.? Carta do Ministro dos Estados Unidos no Brasil
ao Ministro dos Assuntos Exteriores do Brasil, Rio de Janeir| o, 24 de se-
tembro de 1844, ibid., II, 256-257.
32 Carta de William Christie ao Conde Russell, Rio de Janeiro, 3 de maio
de 1862, BFSP (1862-1863), LII, 1311-1312.

«0
guiram a 1850, enquanto muitas inst
ituições complementares herda-
das da era do domínio português, inst
ituições essas menos vulnerá-
veis à crítica estrangeira, continuaram
sobrevivendo quase comple-
tamente sem obstáculos e sem mudanças.

41
me
mm
Sempre ouvi dizer e aprendi,
que nos lucros de qualquer industria
influe principalmente a taxa dos salarios; os salarios
fazem parte dos gastos de producção,
e quanto
menores forem estes maiores serão os 1
ucros;
seja pois o salario barato e vereis
augmentando o lucro; e pelos
mesmos principios, quando o salario
for caro,
vereis esse lucro diminuir até
desapparecer, e acarretar
a ruina dos industriosos.

Deputado JOÃO MAURICIO WANDERLEY


(mais tarde, Barão de Cotegipe) na
Câmara dos Deputados, 1854.

Se conversarmos com os grandes plantadores,


teremos de supor que eles apóiam a imigração
no interesse exclusivo das safras do café e da cana de açúcar,
que só querem colonos para trabalhar sua terra
em lugar dos escravos. Não querem colonos,
mas sim trabalhadores — instrumentos de trabalho —
para o benefício de suas empresas.

C.F. VAN DELDEN LAÉRNE


Brazil and Java (Londres, 1885).

A CRISE DA MÃO-DE-OBRA

A ESCASSEZ DA MÃO-DE-OBRA

Os ANOS que se seguiram ao término do tráfico africa


no não
constituíram um período de prosperidade ilimitada para
a classe dos

42
fazendeiros brasileiros. A preocupação constante do governo pelos
produtores agrícolas era causada, em parte, pelos graves problemas
que a agricultura enfrentava. Um dos mais sérios era a escassez per-
manente de mão-de-obra. Esta escassez de trabalhadores foi uma
característica geral da sociedade brasileira enquanto a escravatura
existiu, já que o trabalho escravo repelia o trabalho livre, tanto
nacional quanto estrangeiro, criando exigências quase constantes dos
fazendeiros de auxílio por parte do governo na aquisição de novos
e pouco dispendiosos trabalhadores. Os proprietários das plantações
das ricas regiões do café, que haviam comprado africanos quando
eles ainda abundavam, não sentiram esta escassez, provavelmente,
tão depressa quanto os plantadores do norte. Seus estabelecimentos
rurais encontravam-se entre os que dispunham de mais “braços” e o
comércio interno de escravos ajudava a satisfazer suas incessantes
necessidades. Os fazendeiros que contavam com abundância de es-
cravos viram seus investimentos aumentarem de valor com o aumen-
to do preço dos escravos causado pela supressão do tráfico africano.
Juntamente com o aumento no valor de sua propriedade, houve uma
grata expansão da capacidade dos plantadores de café para obter
crédito. 1 Para outros fazendeiros, entretanto, particularmente os das
províncias do norte, o término do comércio de escravos piorou ainda
mais a escassez de mão-de-obra, pois esta aumentou os preços e ini-
ciou um movimento para o sul de escravos sobre os quais pouco
controle eles tinham. Contudo, em quase todas as regiões agrícolas
importantes do Brasil, incluindo o Vale do Paraíba, muito rico em
café, a escassez de trabalhadores rurais era uma queixa constante
depois de 1850. 2
A medida que o problema do trabalho se ia Intensificando, os
brasileiros começaram considerando várias soluções, incluindo a “re-
produção” sistemática dos escravos. Enquanto os fazendeiros haviam
tido assegurado um fornecimento regular de africanos, pouco inte-
resse houvera na reprodução natural. º Cerca de dois terços ou mesmo
mais dos escravos transportados para o Brasil eram homens e
assim, estes continuaram excedendo em muito o número de mulhe-

1 Stein, Vassouras, p. 29.


2 Ibid., p. 47. Até mesmo no pequeno setor industrial da economia brasi
leira, que se desenvolveu depois de 1850, houve escassez de mão-de-obra
nas décadas de 1870 e 1880, provavelmente devido aos salários “relativa-
mente” baixos pagos aos trabalhadores brasileiros, às deficientes condições
de trabalho e à aversão que havia pelo trabalho regular, gerada pelo sistema
escravocrata. Ver Stein, The Brazilian Cotton Manufacture, páginas
S Perdigão Malheiro, 4 55-56.
escravidão, II, 65.

43
res nas Aprovíncias do café
, DO Sul e no norte, particularmente nos
municípios que mais café produziam, até
o final da escravatura. “
udo, os brasileiros olharam esperançosamente
para a bem sucedida “reprodução” de escravos
nos Estados Unidos
e pensaram que o Brasil poderia seguir seu exempl
o. O Deputado
Silveira da Mota, de São Paulo, afirmou, em 1854, que a
“indústria
de reprodução de escravos” nos Estados Unidos ainda nã
o se desen-
volvera no Brasil. ? No ano seguinte, um fazendeiro da prov
íncia do
Rio de Janeiro observou que a facilidade que houvera em adquirir
escravos da África “constituiu um embaraço à propagação da raça
escrava entre nós”. Todavia, o sucesso da “reprodução” dos escravos
norte-americanos oferecia a esperança de que o Brasil também pu-
desse aumentar sua população escrava existente, se os fazendeiros
prestassem “mais solicitude pela gravidez, mais zelo e cuidado para
com os recém-nascidos e as crianças.” Os plantadores, pensava ele,
deveriam promover o aumento dos escravos por todos os meios com-
patíveis com a moralidade e a religião. Roupas melhores, habitação
e alimentação mais convenientes, mais cuidados com os doentes “e
outros alvitres que são em geral desprezados entre nós” resultariam
na sobrevivência de muitos escravos “que hoje se sacrificarão pelo
desleixo e incuria...”8
Um deputado do Maranhão, cujo breve tratado sobre a agri-
cultura de sua província natal foi publicado em 1856, duvidava de
que o Maranhão pudesse ser bem sucedido, seguindo o exemplo
da Virgínia, um papel que se esperava dessa província:

Como outr'ora se esperava tudo da liberdade do trafico pelo descoroçoamento


da Inglaterra, espera-se hoje pelas maravilhas da reproducção das nossas es-
cravas, e não falta quem allegue o edificante exemplo das coudelarias hu-
manas dos Estados Unidos da América.

Depois de descrever as “fazendas de reprodução” da Virgínia,


este autor questionou a capacidade dos brasileiros para obter os
mesmos resultados:

Poderemos porem esperal-o? Será licita, honesta e util a nossa provincia,


a propagação de tais ideas, a imitação de tal exemplo? Estarão mesmo os

4 Ver Tabelas 4, 16, 18. Durante a década de 1820, 77 por cento dos
escravos nas fazendas de um município de café da província do Rio de
Janeiro eram do sexo masculino; no final da década de 1880, já eram
apenas 56 por cento do total. Ver Stein, Vassouras, páginas 76-77.
5 AnnãEs da Camara (1854), IV, 246.
6 Lacerda Werneck, Ideas sobre colonisação, páginas 22.97.

44
nossos lavradores dispostos a empregar todo esse desvelo, todo esse cuidado
crianças, e communicação entre os dois sexos? Não o cremos, nem devemos
que alli dá a alimentação, vestuario e habitação dos negros, tratamento das
ambicional-o. *

O pessimismo desse autor era justificado, pois não há qualquer


prova de que a reprodução de escravos, sistemática e eficiente, fosse
comum nas províncias exportadoras ou mesmo de que os senhores
de escravos dessem, geralmente, cuidados especiais às crianças que
lhes eram concedidas pela Providência. O que aconteceu foi o uso
espontâneo de escravos disponíveis, incluindo filhos não planejados.
Ao contrário das eficientes regiões exportadoras de escravos dos Es-
tados Unidos, as províncias exportadoras do Brasil, não conseguin-
do organizar uma indústria potencialmente lucrativa, aumentaram as
populações de escravos das províncias mais importantes apenas mar-
ginalmente, com São Paulo sendo a única e notável exceção, e fra-
cassaram, assim, no que se refere a reabastecer suas próprias forças
de mão-de-obra cativa (ver Tabela 3).º
Se, por um lado, os brasileiros senhores de escravos só rara-
mente eram reprodutores “conscientes” de escravos, a verdade é que
as estatísticas sobre o casamento sugerem que, como uma questão
prática, eles antecipavam com fregiiência as vendas de escravos adian-
tadamente. Num país em que quase todos os casamentos eram reli-
giosos e que os casamentos entre escravos eram teoricamente tão sa-
grados quanto os das pessoas livres, os proprietários prevendo ven-
das futuras poderão ter desencorajado as uniões permanentes, parti-
cularmente depois de 1869, quando a separação de escravos casados,
pela venda, foi declarada ilegal. Na realidade, as estatísticas publi-
cadas pelo Ministério da Agricultura (ver Tabela 18) mostram que
os casamentos entre escravos eram infreqientes em algumas das pro-
víncias do norte, do nordeste e do sul e até mesmo na cidade do
Rio de Janeiro. embora sendo relativamente comuns em São Paulo
e Minas Gerais, onde os proprietários que adquiriam escravos para
posse de longo prazo se inclinavam menos para desencorajar as
uniões permanentes. Esta hipótese poderá ser apoiada pelo fato de

7 Carvalho Reis, Breves considerações, p. 6. Grifo no original.


8 Num brilhante ensaio, Alfred H. Conrad e John R. Meyer mostraram
que uma “operação especializada de reprodução” nos estados da fronteira
dos Estados Unidos era importante para o desenvolvimento das populações
escravas nos estados tanto exportadores quanto importadores, ajudando a
aumentar as populações de escravos nos estados do Golfo por uma média
anual de 18 por cento de 1790 a 1850. Ver “The Economics of Slavery
in the Ante-Bellum South,” páginas 351-355.

45
que, embora os homens fossem em número
consideravelmente mais
elevado do que as mulheres, em São Paulo e
Minas Gerais, os casa-
mentos eram mais comuns nessas províncias
do que em outras, onde
a proporçã o entre os sexos era mais natural. º
Uma solução possível para o problema da mão-de
-obra, que re-
cebeu mais atenção do que a reprodução planejad
a, foi a promoção
da imigração chinesa, européia e africana. Os trabal
hadores chineses
jamais foram levados para o Brasil em grande nú
mero, mas sua
introdução foi proposta muitas vezes e chegou, de
vez em quando,
a ser tentada. Em 1807, um economista baiano
Já sugerira que os
brasileiros importassem trabalhadores chineses e das
Índias Orien-
tais; *º pouco depois disso, o Ministro dos Assuntos Ext
eriores de
Portugal, no Rio, considerou a importação de dois
milhões de chi-
neses para o Brasil. 11 Todavia, nenhum esforço sério
foi realizado
para embarcar trabalhadores chineses para o Brasil enquanto
a tra-
dicional fonte de “braços” para os campos persistia; mas. depois de
meados do século, verificou-se um novo interesse pela importação de
trabalhadores chineses. 12

9 Outras das prováveis causas da infrequência dos casamentos entre es-


cravos foi o elevado custo da cerimônia. Depois da abolição, muitos dos
antigos escravos foram impedidos de casar na igreja devido às tarifas exis-
tentes, alegadamente iguais a dezesseis xelins por casal, mesmo nos casos
de vários casamentos serem realizados numa só cerimônia. No final de 1888,
um senador brasileiro queixou-se de que os antigos escravos que tentavam
casar-se tinham de pagar até cinco libras esterlinas e mesmo mais nos dis-
tritos rurais, onde as tarifas eram mais elevadas devido às distâncias que
os padres tinham de viajar. Ver Foreign Office, Diplomatic and Consular
Reports on Trade and Commerce. Brazil. Report for the Years 1887-1888
on the Finances, Commerce, and Agriculture of the Empire of Brazil (Lon-
dres, 1889), p. 40.
10 João Rodrigues de Brito, Cartas economico-politicas sobre a agricultura
e commercio da Bahia (Bahia, 1924), p. 58.
11 FEschwege, Pluto Brasiliensis, II, 452.
12 YViotti da Costa, Da senzala à colônia, p. 140; José Honório Rodrigues,
“Brasil e Extremo Oriente”, Política Externa Independente, Ano 1, N.º 2
(Agosto de 1965), páginas 65-69: Memoria sobre a emigração chineza,
1855, AN, Cod. 807, Vol. 16, páginas 565-592; Carvalho Reis, Breves consi-
derações, p. 22; Lacerda Werneck, Ideas sobre colonisação, páginas 75-80.
Werneck, tal como outros oponentes mais recentes da imigração chine
sa,
aceitara a doutrina racial do tempo. Os chineses “pertencem, como todas
as nações asiaticas, a essas raças que estão condenadas
a desaparecer da
superficie da terra, como a lia da civilisação, ao mero contacto
germanicas das nações
e neo-latinas.” A raça chinesa era “estacionaria, de uma civili-
sação duvidosa, inerte no progresso...” Nem mesmo são humanos; os
chineses são “uma especie de monstros, quer no corpo, quer no espirito...
são lama... pó... nada.”

46
Apesar de pouco ter sido realizado nas décadas de 1850 e 1860,
a importação de trabalhadores chineses voltou a ser debatida seria-
mente com o declínio da população escrava e a ameaça da abolição
nas décadas de 1870 e 1880. “Achar novos braços que substituam
o do escravo,” escreveu Salvador de Mendonça no seu ensaio Traba-
lhadores asiáticos, em 1879, “tão baratos como o deste, porem mais
peritos e intelligentes, de modo que beneficiem o nosso café para
concorrer no mundo inteiro como producto similar de outras proce-
dências, é o unico meio de conjurar a crise por que passamos... É
um fato reconhecido em todo o Brasil que a primeira necessidade
é trabalho barato.” 1º Com os europeus ainda não parecendo dispos-
tos a entrarem no Brasil em grandes números, acreditava-se que os
chineses apresentavam várias vantagens. Eram, segundo se sabia,
mais baratos e mais fáceis de dirigir do que os europeus. Os imi-
grantes da China não ofereciam as perigosas pretensões políticas dos
europeus. Ansiando sempre por voltar a sua terra natal, argumen-
tavam os promotores do plano, os chineses não se prenderiam per-
manentemente ao solo brasileiro para “mestiçar” a população. O
“coolie” viria e partiria, “um agente produtor temporário”, deixan-
do atrás dele os produtos de seu forte braço — o barato e dócil ins-
trumento de trabalho, semelhante ao dos escravos, que ajudaria a
transpor o abismo entre a escravidão e a liberdade, revivendo a eco-
nomia brasileira que estava em declínio e preparando o terreno para
o europeu, que seria o verdadeiro povoador do solo brasileiro. 1* Os
vários esforços para encontrar uma solução chinesa para o problema

13 Salvador de Mendonça, Trabalhadores asiáticos (Nova York, 1879), pá-


inas 17-19.
já Para idéias como estas, ver ibid., páginas 9-26; Quintino Bocayuva,
A crise da lavoura (Rio de Janeiro, 1868); Congresso Agricola, Colecção de
documentos (Rio de Janeiro, 1878); Demonstração das conveniências e
vantagens a lavoura no Brasil pela introducção dos trabalhadores asiaticos
(Da China) (Rio de Janeiro, 1877); o debate de 1879, na Câmara, sobre
a questão dos chineses, especialmente o discurso de Martim Francisco
Ribeiro de Andrada, Annaes da Camara (1879), V, 32. Em 1870, o governo
brasileiro deu uma concessão para a importação de trabalhadores chineses,
mas os concessionários, em 1875, já não tinham esperanças de sucesso sem
um tratado comercial brasileiro-chinês. Ver Colecção das leis do Império
(1870), II, 382-386; The British and American Mail, Rio de Janeiro, 9 de
março de 1878. O governo brasileiro tentou de novo, em 1879 e 1880,
estabelecer um tráfico regular de asiáticos, mas advertências dos Positivistas
e abolicionistas brasileiros, bem como da Sociedade Anti-Escravatura Britã-
nica e Estrangeira, sobre sua provável escravização, de fato, esmoreceu o
interesse chinês. Ver Annaes da Camara (1879), III, 295-299; Rio News,
24 de setembro de 1879; 25 de janeiro de 1880; Miguel Lemos, Immigração
Chineza (Rio de Janeiro, 1881), páginas 5-15.

47
do trabalho também foram frustrados, contudo, em parte pelos de-
terminados argumentos racistas dos oponentes da imigração chinesa.
A imigração européia, conforme Emília Viotti da Costa demons-
trou, estava intimamente relacionada com a questão da emancipa-
ção e do problema da mão-de-obra. Desde o momento em que o
comércio de escravos africanos pareceu ameaçado pela ofensiva di-
plomática britânica, depois das Guerras Napoleônicas, os brasileiros
recorreram aos trabalhadores europeus para substituir os escravos
negros e, à medida que o problema do trabalho se tornava mais se-
vero, depois de 1850, o interesse pela imigração européia foi aumen-
tando. Os plantadores do Brasil, em especial os de São Paulo, dese-
javam estimular a imigração da Europa, principalmente como um
meio de adquirir camponeses europeus para substituir os ocupantes
das suas senzalas. O Governo Imperial, por outro lado, propôs perio-
dicamente uma política tendo por objetivo criar núcleos de colonos
europeus, “centros de atracção”, através de concessões ou vendas
de pequenos lotes de terra em regiões ricas e saudáveis com acesso
a transportes. 1º O principal objetivo desta política era o enriqueci-
mento e a civilização do Império através da criação de comunidades
independentes com acesso a terras e mercados, mas a organização
social e econômica do Brasil, especialmente o sistema dos latifúndios,
excluía o desenvolvimento robusto de tais núcleos. 168 Na realidade,
até pouco antes da abolição da escravatura, a imigração européia
jamais conseguiu desenvolver-se suficientemente, no que se refere
seja a instalar muitos lavradores na terra ou, então, a satisfazer as
necessidades de mão-de-obra das plantações. 1” Até mesmo durante
a última década da escravatura, quando o movimento abolicionista
e o declínio da população escrava já causavam uma ansiedade invul-

15 Viotti da Costa, Da senzala à colônia, páginas 65, 69: Memorandum


em que são expostas as vistas do Governo Imperial a respeito da coloni-
sação e immigração para o Brasil, AN, Cod. 817, Vol. 19, páginas 1-4.
16 Fernando Henrique Cardoso revelou os dois objetivos conflituosos da
imigração no seu estudo do Rio Grande do Sul. Os pró-imigracionistas nessa
província desejavam um influxo de estrangeiros independentes para estabele-
cerem “novas formas de propriedade e novos tipos de relação de produ-
ção...” Os fazendeiros, quando defendiam a imigração, tendiam para pre-
ferir trabalhadores para suas propriedades, obrigados ao trabalho por meio
de contratos. Ver Capitalismo e escravidão, páginas 214-218. Para causas
da demora na imigração, ver Smith, Brazil, páginas 119-120, 398-408.
17 No que se refere ao fracasso dos esquemas da imigração paulista, ver
Paula Beiguelman, 4 formação do povo no complexo cafeeiro: aspectos
políticos (São Paulo, 1968), páginas 77-89; Richard M, Morse, From Com-
munity to Metropolis (Gainesville, Florida, 1958) páginas 71 114-115, 139-
140; Smith, Brazil, páginas 120-122.

46
gar com referência às necessidades de mão-de-obra, os fazendeiros.
de São Paulo foram os únicos capazes de organizar um movimento
maciço de europeus para suas fazendas. Contudo, isto também não:
ocorreu antes do sistema de escravos já se ter desmoronado quase
completamente nessa província. 18 Os europeus, de um modo geral,
não consideravam o Brasil um lugar muito atraente para se insta-
larem. Desapontados pelo contraste entre a realidade brasileira e as
promessas dos agentes brasileiros, esses imigrantes europeus depressa
descobriram que, no Brasil, não podiam competir com o trabalho:
escravo ou adquirir terras perto de transportes e mercados. 1º Algu-
mas colônias foram criadas por ação do governo, particularmente
nas províncias do extremo sul, mas, fora algumas exceções, mesmo:
essas não serviram como centros irresistíveis de atração para os eu-
ropeus. A imigração, além disso, também não constituiu uma solu--
ção para o problema da mão-de-obra até que a crise do final da
década de 1880 forçou os fazendeiros a tomarem medidas de emer-
gência para aumentar o fluxo de europeus para as fazendas produ-
toras de café.
A importação de “colonos” africanos também foi recomendada.
frequentemente, tanto antes quanto depois da abolição do tráfico de
escravos africanos. Em 1826, o ano em que o governo brasileiro con-
cordou acabar com o tráfico, já fora apresentada uma proposta para
estabelecer uma companhia monopolística para negociar em “colo-
nos negros”, proposta essa que foi bem recebida pela Câmara dos
Deputados, mas qualquer ação nesse projeto foi desencorajada pelo:
governo britânico e, depois, pelo advento do tráfico ilegal. 20
Quando, porém, a ameaça britânica ao tráfico africano se tor-
nou mais séria, houve novas propostas para importar “colonos”
africanos. 2! No auge da crise de 1850, quando oficiais e marinheiros

18 Alfredo Ellis, Jr., 4 evolução da economia paulista e suas causas


(São Paulo, 1937), páginas 180-181.
19 Viotti da Costa, Da senzala à colônia, páginas 66-67. Ver o Anglo-
Brazilian Times, 1.º de outubro de 1881, para uma declaração sobre o fracasso-
da imigração, “repelida parcialmente pela existência da escravatura, pelas.
deficiências do sistema de terras e pelos perigos sanitários de nossas cidades.
marítimas...”
20 Pessoa da Silva, Memoria, páginas 20-23; Annaes dae Camara (1826),
IV, 139; carta de Heatherly a Bidwell, Rio de Janeiro, 26 de janeiro de-
1829, Class B., 1829, p. 81; carta de Aston a Aberdeen, Rio de Janeiro,
27 de março de 1830, Class B., 1830, p. 39.
21 O Monarchista, 29 de setembro e 10 de outubro de 1848: Recordações
da vida parlamentar do advogado Antonio Pereira Rebouças (2 vols.: Rio:
de Janeiro, 1870), II, 237-238.

49
britânicos eram atacados na capital brasileira em represálias aos ata-
ques navais a portos brasileiros e à navegação, um tal Antônio Pe-
dro de Carvalho preparava uma proposta para legalizar a importa-
ção de “colonos” africanos pelo Brasil. O projeto de Carvalho, que
talvez tenha chegado às mãos do próprio Imperador, era uma medida
de emergência que tinha por objetivo fornecer mão-de-obra suficien-
te para o trabalho de construção e para as tarefas agrícolas mais
pesadas, realizadas a pelo menos três léguas ou mais de distância de
povoações importantes e de cidades. Segundo ele, o governo brasi-
leiro deveria negociar tratados com as nações interessadas na aboli-
ção do tráfico de escravos (presume-se, a Grã-Bretanha) para per-
mitir que os navios brasileiros fossem autorizados a transportar todos
os “colonos” africanos necessários. 22
Em 1855, um jornal brasileiro apresentou os seguintes comen-
tários e sugestões sob o título de “Agricultura e Escassez de Tra-
balhadores”:

Desde que as violencias dos cruzeiros ingleses obrigaram o nosso governo a


tomar medidas de repressão do tráfico de africanos, o pensamento dominante
dos administradores do paiz devia ser o de procurar os meios para substituir
os braços que á lavoura iriam faltar em consequencia dessa repressão. Assim
como a Inglaterra tem colonos d'Africa e os sujeita a um codigo especial,
a um regimen de escravos, conservando-lhes o titulo de livres, o Brasil tambem
podia receber como trabalhadores livres para o cultivo de suas lavouras os
africanos que venham a suas costas como objecto de compra e venda. Que
os negros são os melhores colonos para a lavoura do Brasil e que ao
menos por muitos annos os nossos agricultores não os podem dispensar nos
seus trabalhos agricolas, é isto uma verdade que não sofre contestação.

Os comandantes de navios antes envolvidos no comércio de es-


cravos, acreditava o mesmo autor, poderiam regressar à importação
“desses generos de primeira necessidade...” 23 Num trabalho envia-
do ao Imperador em 1858, outro autor destacava a importância dos
megros “para a lavoura e outros trabalhos grosseiros do nosso Paiz,
a que só elles podem resistir”, aconselhando sua admissão como co-
lonos livres. O Império brasileiro, afirmava ele, requeria um grande
influxo de colonos, “seja quaes forem suas condições — pretos, ama- É

relos ou brancos...” 24

22 Antônio
a Pedro 113
de .56Carv
4, alho, Projeto de lei p para reeu l r
gula a idãão
escravid
23 O Popular, Porto das Caixas, 17 de março de 1855.
24 F. L. da €C. Pimentel, Estatutos da Companhia
Libertadora ou Repara-
«dora dos direitos da humanidade (Rio de Janeiro, 1858), p. vii.
de 1860, muitos
Na década
fazendeiros e mesmo alguns estadistas ainda acreditavam

0
Uma série de leis referentes à locação de serviços, promulgadas
em 1830, 1837 e 1879, pouco contribuíram, provavelmente, para solu-
cionar o problema da mão-de-obra, mas revelam, contudo, os desejos
constantes dos fazendeiros brasileiros de manter o controle de sua
força trabalhista mais pela obrigação legal do que pela concessão de
incentivos. À primeira dessas leis, aprovada pela Assembléia Geral
poucos meses depois do tráfico de escravos se tornar ilegal, autori-
zava os fazendeiros a contratar estrangeiros para trabalho agrícola
por períodos de tempo não especificados. Os trabalhadores assim
empregados só poderiam romper seus contratos se pagassem salários
não ganhos e indenizassem seu patrão em metade da receita que eles
teriam ganho se completassem seus contratos. Os empregados que
não cumprissem seus contratos estavam sujeitos à prisão ou até a
trabalhos forçados até que suas dívidas fossem pagas. A contratação
de “africanos barbaros” sob estes termos era ilegal, “á exceção da-
quelles que actualmente existem no Brazil.” 2
Sete anos mais tarde, uma segunda lei de locação de servicos
foi aprovada. Esta lei, que permitia que indivíduos ou sociedades
de colonização concluíssem contratos com trabalhadores brasileiros
ou estrangeiros, dava uma vantagem decisiva aos usuários da mão-
de-obra. Os empregadores podiam despedir os trabalhadores por vá-
rios motivos, mas os empregados despedidos ainda eram obrigados
a pagar as dívidas que haviam contraído no processo de seu empre-
go e embarque para o Brasil. As pessoas contratadas que não cum-
priam com suas obrigações podiam ser condenadas a trabalhos for-
cados. Os trabalhadores que abandonavam seus patrões sem justa
causa antes de terminarem seus contratos podiam ser detidos e fica-
rem presos até pagarem a seus patrões o dobro da quantia de suas
dívidas ou até terem trabalhado duas vezes a duração de seus con-
tratos. As pessoas que ajudavam os colonos a fugir também estavam
sujeitas à prisão ou ao pagamento de duas vezes as dívidas dos fu-
gitivos. Os trabalhadores que terminavam seus contratos recebiam
certidões de liberação e a falta de um tal documento seria a prova
legal da violação de contrat o de um homem contrat ado. 28
Em 1879, nas vésperas da luta abolicionista, uma terceira lei de
locação de serviços foi promulgada para proporcionar um sistema
de meeiros ao abrigo de contratos de longa duração. Segundo esta

que a prosperidade brasileira dependia da importação de escravos da África.


Ver Ferreira Soares, Notas estatisticas, p. 6.
25 Colecção das leis do Imperio (1830), I, 32-33.
26 Ibid. (1837), 1, 99.
lei, os trabalhadores que não cumprissem com suas obrigações esta-
vam sujeitos à prisão e eram obrigados a regressar a seu trabalho
depois de suas sentenças serem cumpridas. 2? A aplicação de tais leis
era difícil, provavelmente, mas tiveram o efeito de piorar ainda mais
a reputação do Brasil entre possíveis imigrantes. Em 1884, Alfredo
d'Escragnolle Taunay, conhecido autor e abolicionista, disse à Câ-
mara dos Deputados que a acusação, tantas vezes ouvida na Europa,
de que o Brasil estava tentando transformar europeus em servos, se.
não escravos, tinha por base, principalmente, essas leis de locação de
serviços de 1830, 1837 e 1879, todas elas contendo artigos penais que
afetavam gravemente a liberdade humana. 28

PÁRIAS BRASILEIROS

CONSIDERANDO a intensidade do clamor por trabalhadores e da


severidade da escassez de mão-de-obra, é notável que tão pouco in-
teresse se tenha revelado pelas centenas de milhares de brasileiros
indigentes que subsistiam à margem da economia ou que conseguiam
viver à custa de esmolas, do vício ou do crime. Em parte, a escrava-
tura também foi responsável por este grande problema social, já
que, enquanto havia mão-de-obra escrava disponível, os fazendeiros
pouco se inclinavam para contratar homens e mulheres livres — e os
brasileiros pobres, muitos deles antigos escravos, tinham certa relu-
tância, por seu lado, em aceitarem as dificuldades e até a degrada-
ção que a vida na fazenda implicava.
Em grande parte do Brasil, na verdade, especialmente nas re-
giões onde os escravos eram mais abundantes, os fazendeiros hesi-
tavam em empregar brasileiros pobres, já que a experiência mostra-
ra que, muitas vezes, eles não estavam dispostos a curvar-se ante os
rigores da vida na fazenda em troca das recompensas duvidosas que
os fazendeiros podiam ou queriam pagar. Não havia escassez de
trabalhadores no solo brasileiro, mas, para os fazendeiros ávidos de
trabalho, colocar os brasileiros nativos numa base permanente de
trabalho sob as condições prevalecentes na época parecia apresentar

27 Ibid. (1879), Parte I, Vol. XXVI, páginas 11-18.


28 Annaes da Camara (1884), II, 210-211. Referindo-se a estas mesmas
leis, um jornal abolicionista do Rio, a Gazeta da Tarde, declarou, em 8 d
julho de 1884, o seguinte: “A lavoura queria braços, muitos braços e E
fossem baratos, tão baratos, que parecessem de graça...” ars

52
maiores obstáculos do que os envolvidos em adquirir novos escravos
de outras partes do Brasil ou até trabalhadores chineses, que tinham
a reputação de serem mais ambiciosos do que os brasileiros mar-
ginais. 2º Havia milhões de brasileiros que nada faziam, afirmou uma
delegação de fazendeiros ao Congresso Agricola de 1878, num pe-
ríodo em que o declínio da escravatura despertara um novo interesse
pelos brasileiros indigentes e desempregados. Havia milhões que vi-
viam num barbarismo parcial ou completo, raramente trabalhando,
devido a estarem habituados às privações e à miséria. *º “Seis mi--
lhões de pessoas”, escreveu um francês inquisitivo, defensor da es-
cravatura brasileira, cerca de 1881, “nascem, vegetam e morrem sem
terem servido seu paiz.Ӽ%1 A gente do interior era completamente
desempregada, disse outro estrangeiro, em 1883, falando com um
toque de desdém, “além de possuir 'ponchos” com linhas vermelhas e
armas para massacrar pequenos passaros”. O lar dessa gente do
interior era “um simples telhado de arbustos, com um pequeno es-
paço debaixo dele e com as paredes feitas de paus e ripas, sendo
tudo amarrado junto por meio de trepadeiras secas...” º A popula-
ção do Brasil, testemunhou um escritor em 1878, “é pobre de san-
gue, não se alimenta, não sabe o que é higiene, não sabe o que é
civilização.” 33
Numa sociedade em que o trabalho era servil, mal pago € iden-
tificado com a escravidão, o pária brasileiro preferia, em muitos casos,
sua precária existência rural ao emprego regular nas fazendas. O
campo estava infestado com vagabundos — inúteis, não por serem
preguiçosos, mas porque, conforme disse Joaquim Nabuco, “não
tinham em torno de si o incentivo que desperta no homem pobre
avista do bem-estar adquirido por meio do trabalho...” 3 As prin-
cipais causas deste dilema, como Nabuco e outros abolicionistas vie-

2? Beiguelman, 4 formação do povo, páginas 122-124.


80 Congresso Agricola. Colecção de documentos, p. 58.
81 Louis Couty, L'esclavage au Brésil (Paris, 1881), p. 87.
82 Rio News, 15 de abril de 1883.
88 Congresso Agricola. Colecção de documentos, p. 189. Para uma dis-
cussão sobre o imenso “elemento indefinido socialmente” do Brasil, conforme
existia no final do século XVIII, ver Prado, Formação do Brasil, pá-
ginas 279-283. SR
34 Joaquim Nabuco, O Abolicionismo (Londres, 1883), páginas 165-166.
Convencido de que a escassez da mão-de-obra era um mito, o abolicionista
mulato, André Rebouças, argumentou que aquilo que faltava ao Brasil não
era gente, mas sim a moralidade, a caridade, a educação, a indústria e as
comunicações necessárias para melhorar o bem-estar da população com que
já contava. Ver Agricultura nacional, páginas 50, 383.

53
ram a afirmar durante os últimos anos da escravatura, eram a pró-
pria escravatura e o sistema das fazendas. Os fazendeiros, com suas
grandes propriedades, acreditavam eles, monopolizavam a vida eco-
nômica da nação, impedindo o desenvolvimento de mercados e de
pequenas propriedades. Sem receberem pagamento por seu trabalho,
os trabalhadores desapareciam. %5
O fato de a escravatura ser uma causa importante desse desem-
prego dos brasileiros livres foi tornando-se mais óbvio à medida que
, a escravatura declinava e que mais gente indigente do interior e
até antigos escravos eram atraídos pela agricultura, como assalaria-
dos, meeiros ou rendeiros. Tais soluções foram particularmente co-
muns no nordeste, onde a escravatura declinou mais rapidamente do
que nas províncias do café durante as três décadas que se seguiram
a 1850. Até mesmo na região centro-sul, contudo, os fazendeiros que
haviam duvidado de sua capacidade para atraírem trabalhadores Ji-
vres, brasileiros ou estrangeiros, começaram descobrindo em 1887
e 1888, com o colapso da escravatura, que havia toda espécie de
trabalhadores disponíveis para os fazendeiros dispostos a lhes paga-
rem, embora em São Paulo, pelo menos, os trabalhadores brasileiros
continuassem sendo considerados a classe menos desejável de tra-
balhadores. $º Contudo, até serem realmente necessários para o sis-
tema de fazendas, os brasileiros livres pobres apenas representaram
um papel marginal na economia dominante, com os plantadores de
café continuando a duvidar de que eles pudessem proporcionar um
substituto satisfatório para os escravos até as vésperas da abolição. 37

O INFELIZ NEGRO

NA DÉCADA de 1850, na verdade, a “solução” para o problema


do trabalho continuava sendo o escravo em quase todas as regiões
do país. Para mantê-lo sob a sujeição de seu senhor, os regimes na-
cionais, tolerantes, eram forçados a deixar de lado ou a ignorar
as inconveniências legais. Nessa década, na realidade, os proprietá-
rios de escravos tinham razões para acreditar que estavam sendo par-

éº Joaquim Nabuco, Conferência a 22 de Junho de 1884 no Teatro Poly-


theama (Rio de Janeiro, 1884), p. 21; Nabuco, O Abolicionism
o, pági
166; Manifesto da Confederação Abolicionista do Rio de Janeiro nas 165-
(Rio de
Janeiro, 1883), p. 18.
36 Beiguelman, 4 formação do povo, páginas 121-132,
ST Godoy, O elemento servil, páginas 76, 100, 117.

54
ticularmente favorecidos pelo estado. Poucas ou nenhumas provas
existiam para sugerir, por exemplo, que o Governo Imperial ou
qualquer ministério viesse jamais a tomar medidas para libertar as
centenas de milhares de africanos (e sua prole) transportados para
o Brasil depois de 7 de novembro de 1831, todos eles legalmente li-
vres segundo o artigo primeiro da lei antitráfico dessa data. O go-
verno brasileiro, na verdade, jamais tomou quaisquer medidas para
devolver a liberdade a esses africanos escravizados legalmente. O
número de pessoas mantidas ilegalmente como escravas era de quase
meio milhão, segundo calculou o Ministro britânico no Brasil em
1862, mas ele advertiu seu governo de que o regime brasileiro “DOT
razões semelhantes âquelas que os impedem de procurar lidar com
a questão geral da escravidão, receberiam provavelmente qualquer
representação do Governo de Sua Majestade com forte repugnância
e oposição.” 38 Antes de 1872, no Brasil, não havia qualquer neces-
sidade de registrar os escravos e os proprietários não tinham recibos
para os escravos importados ilegalmente. Contudo, a posse de tais
escravos raramente era questionada, até mesmo quando suas idades
e origens africanas eram prova convincente de seu direito à liber-
dade. $º O sistema escravocrata brasileiro baseou-se nessa legalidade
dúbia durante quase meio século de sua existência. Todavia, durante
a maior parte desse tempo, os governos, os tribunais, o Imperador
e a maioria da imprensa do Brasil ignoraram o destino dessas cen-
tenas de milhares de pessoas. A lei de 1831 jamais foi revogada
ou rejeitada pelos tribunais e, na realidade, sua validez foi afirmada
pelo Conselho de Estado em 1856. 4º Nas décadas de 1870 e 1880.
alguns advogados abolicionistas, nomeadamente Luiz Gama e An-
tônio Joaquim Macedo Soares, libertaram muitos escravos com base
nesta velha lei, “supostamente revogada pelo... desuso.”4 No en-
tanto, a maioria dos juízes e tribunais ignoravam essa inconveniên-
cia legal e apenas uma pequena minoria dos africanos importados
ilegalmente ou seus descendentes puderam beneficiar-se de suas prin-

38 Carta de Christie ao Conde Russell, Rio de Janeiro, 2 de maio de 1862,


BFSP (1862-1863), LIII, 1312.
89 Em 1862, foi calculado que, se todos os senhores de escravos fossem
obrigados a provar a propriedade legal das pessoas que escravizavam, três
quartos dos escravos brasileiros seriam considerados livres. Carta do Cônsul
Britânico a Christie, Bahia, 14 de julho de 1862, Class B., 1862, p. 122.
40 Macedo Soares, Campanha juridica, p. 83. |
41 “A lei de 7 de Novembro de 1831 está em vigor”, em ibid., páginas 29-
72: Evaristo de Moraes, 4 campanha abolicionista (1879-1888) (Rio de Ja-
neiro, 1924), páginas 176-186; Gazeta da Tarde, 15 de dezembro de 1880
e 15 de março de 1884; Rio News, 24 de abril de 1883. |

55
cipais provisões. Em 1883, um tribunal brasileiro ainda chegou a |
inverter a decisão de um juiz de libertar africanos presumivelmente
importados depois de 1831, não com base no fato de a lei não estar
em vigor, mas sim porque o tribunal “não estava satisfeito com a +!
evidência produzida no que se refere a provas de idade e de nacio-
nalidade”.42 O fracasso em aplicar a lei tinha uma causa muito
simples: fazê-lo teria significado a libertação de uma grande parte
da população escravizada, quase o equivalente prático da abolição,
o que, até os meses finais da escravatura, dificilmente poderia ter
sido realizado com a tolerância da elite brasileira, proprietária de
terras. O melhor indicador da fé dos fazendeiros na boa vontade
das autoridades para com. eles eram os anúncios que os senhores de
escravos colocavam nos jornais para a devolução de africanos fugi-
tivos demasiado jovens para terem entrado no Brasil antes de 1831
e, por conseguinte, manifestamente livres se a lei fosse respeitada.
Os governos do Brasil foram descuidados, de um modo geral,
quanto ao direito à liberdade desses negros. Exemplo particularmente
escandaloso de negligência envolveu uma categoria de africanos co-
nhecidos como os “emancipados”, os quais, durante a primeira me-
tade do século xIx, haviam sido retirados dos navios negreiros, li-
bertados pela comissão mista britânico-brasileira no Rio de Janeiro
e colocados sob a custódia do Governo Imperial. Nos tratados de
1817 e 1826 com a Grã-Bretanha, o Brasil comprometera-se a asse-
gurar a liberdade desses africanos livres com eles trabalhando como
criados e trabalhadores livres, mas a verdade é que, durante quase
meio século, os funcionários e os governos brasileiros desdenharam
aflitivamente essas obrigações. “*
Em 1826, juízes britânicos no Rio de Janeiro informaram que
os registros dos emancipados já estavam num tal estado de confusão
e negligência que “aqueles cuja liberdade havia sido garantida pelo
governo tinham sido perdidos de vista.” 4 Em 1832, o Ministro da
Justiça do Brasil, o Padre Feijó, revelou a situação precária da liber-
dade dos emancipados. Os proprietários dos navios negreiros, disse

42 South American Journal, 16 de agosto de 1883.


43 Para tais anúncios, ver O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 13 de abril de
ToJss Gazeta de Noticias, Rio e Janeiro, 14 de abril de 1880. No que se
refere a protestos contra a prática, ver Gazeta da Tard
de 1882; Rio News, 24 de dezembro de 1882. Ed
9:46
44 Ver Bethell, The ition, páginas 380-383; Graham: Britai d the
cp páginas 168-169; Conrad, “The Strugele”, páginas 120-122, 199.200,
45 Carta dos Delegados de Sua Majestade a Cam : ro. 9
de novembro de 1826, Class A., 1827, p. 153. Fio OD rd somado, 2

56
ele à Assembléia Geral, conseguiam, em muitos casos, recuperar
seus escravos através da emissão de certidões de óbito
falsas durante
o período em que seus navios aguardavam a sent
ença do tribunal
da comissão mista. O tratamento dos negros livres, alugad
os a pessoas
físicas, disse Feijó, “impondo-lhes talvez um trabalho
excessivo ou
negando-lhes o sustento estritamente necessário para a cons
ervação
da vida, podia encurtar excessivamente suas existências e tornar
suas
condições mais precárias e desesperadas do que as dos pr
óprios
escravos.” 4%
Segundo Perdigão Malheiro, os africanos livres eram tratados
pior do que os escravos. Destacados para o serviço de agentes par-
ticulares ou para estabelecimentos do governo, eles eram maltrata-
dos, sendo-lhes negadas a educação moral e religiosa e a proteção
que a lei lhes garantia. º Vários escritores afirmaram que eram co-
locados grandes obstáculos no caminho da verdadeira emancipação
dos “africanos livres”. O Ministro Britânico no Rio, James Hudson,
descreveu os libertos colocados na custódia do governo brasileiro
como “muito infelizes... maltratados, mal alimentados, espancados
sem misericórdia e sem razão, vendidos, com certidões falsas afir-
mando sua morte e, em resumo, as mãos de todos os homens pare-
cem levantar-se contra eles; não têm a menor possibilidade de
uma autêntica liberdade no Brasil.” 4 Um informante disse a William
Christie, em 1861, que as dificuldades encontradas pelos africanos li-
vres na obtenção de suas certidões definitivas de emancipação eram
“tão grandes que eles não podem, de modo algum, somente através
de seus próprios esforços, obter esses documentos.” 4º O autor bra-
sileiro Tavares Bastos descreveu vinte obstáculos burocráticos colo-
cados no caminho dos africanos livres que requereram sua emanci-
pação final, tendo concluído que aqueles que se beneficiam dos
serviços de um liberto “não cahem na asneira de facilitar-lhes a
emancipação...” 50
A pressão diplomática britânica foi decisiva, aparentemente, nas
várias ocasiões em que os governos brasileiros agiram para libertar
“emancipados”. A disputa entre os ingleses e os brasileiros sobre o
estado dos africanos livres ferveu durante décadas, contribuindo, fi-
nalmente, para uma crise importante nas relações entre os dois paí-

46 Relatório do Exmo. Ministro da Justiça (Rio de Janeiro, 1832), p. 3.


47 Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 70-72.
48 Carta de Hudson a Palmerston, Rio de Janeiro, 11 de novembro de
1850, Class B., From April 1, 1850, to March 31, 1851, p. 319.
49 Class B., 1861, p. 46; Class B., 1862, p. 94.
bo Tavares Bastos, Cartas do Solitário, páginas 461-462.

57
ses, o Caso Christie. 9! William Christie levantou
pela primeira vez
a questão dos libertos africanos em
maio de 1867 e, alguns meses
mais tarde, recebeu uma mensagem de Lo
ndres ordenando-lhe vir.
tualmente que exigisse a libertação de tod
os os africanos livres ainda
mantidos ao serviço tanto do governo
brasileiro quanto de pessoas
particulares. *” Em março de 1863, Christie ainda estava repreen-
dendo o governo brasileiro com referência
aos africanos livres e até
mesmo à libertação de todos os escravos
importados depois de 1830
quando o Brasil cortou as relações com
a Grã-Bretanha como um
resultado das “represálias” britânicas contra
a navegação brasileira
e um bloqueio naval de seis dias do Rio de
Ja neiro. 53
Em Notes on Brazilian Questions, Christie
observou que um dos
efeitos da suspensão das relações em
1863, pelo que seus próprios
processos não muito diplomáticos haviam
sido evidentemente res-
ponsáveis, foi a aceleração da emancipa
ção dos africanos livres.
Christie afirmou que o governo brasileiro
seguira políticas de de-
mora quando lidando com a questão dos afri
canos Ii vres que podiam
ser comparadas com as antigas políticas usadas
em toda a questão
do comércio de escravos. “Só por si”, o gove
rno brasileiro “nada
fez”. Ignorou durante muito tempo as notas britân
icas sobre o assun-
to. “Quando obrigado a responder, protestava que sua
dignidade
não lhe permitia agir sob pressão por um Governo estran
geiro...”
Os regimes brasileiros ressentiam-se da interferência estrangeira e
exigiam terem liberdade na execução das leis brasileiras. “Finalment
e”,
concluiu Christie, “depois da força ter sido usada e que se compre-
endeu que o governo britânico estava sendo sério, parecendo nada
mais haver a fazer, (o governo brasileiro) fez o que já deveria ter
feito há muito tempo; e afirma, agora, que isso foi feito esponta-
neamente e que as críticas foram injustas”, 54
Enquanto as relações estiveram cortadas, o governo brasileiro.
finalmente, concedeu de fato a libertação de todos os africanos

61 Segundo Richard Graham, as questões envolvidas na crise foram a


situação dos africanos importados depois de 7 de novembro de 1831,
libertos e a própria escravatura brasileira. Ver Britain and the Onset os
, p. 169.
62 Carta de Christie ao Conde Russel, Rio de Janeir
o, 3 de maio de 1862,
BFSP (1862-1863), LIII, 1312; Carta do Conde Russell a Christie, Foreign
Office, 8 de novembro de 1862, ibid., p. 1319.
58 Graham, Britain and the Onset, páginas 16
7-171: Bethell, The Abolition,
páginas 382-383; Mary Wilhelmine Williams,
(Chapel Hill, Carolina do Norte), Dom Pedro the Magnanimous
páginas 104-107.
d* William Dougal Christie,
Notes on Brazilian Questions
páginas xxxiv-xxxv. (Londres, 1865),

58
livres por um decreto de 24 de setembro de 1864,
mas a verdade
é que, em março de 1865, um funcionário britân
ico ainda descobriu
emancipados “usados nos Departamentos Publicos deba
ixo dos olhos
das Autoridades Supremas do Estado”, que ainda se encont
ravam em
escravidão. “Parece evidente que”, acrescentou o mesm
o funcioná-
rio, “se não houver mais alguma pressão exercida sobre
os funcio-
nários encarregados da execução do Decreto, a maioria des
ses Eman-
cipados e de seus descendentes morrerão na escravidão” 56
Os africanos “emancipados” não eram as únicas pessoas cuj
o
direito à liberdade não era inteiramente respeitado. A es
cravidão
dos índios fora declarada ilegal em 1831, mas os relatório
s sobre
Sel Uso como escravos não foram incomuns em anos pos
teriores. 57
Na província amazonense do Pará, muitos índios, mestiç
os e negros
foram alistados no corpo de trabalhos forçados provincial
em 1835.
com base na sua “minoridade intellectual e perpetua
.” Em 1858, o
presidente dessa província informou que muitos dos ha
bitantes dos
quilombos da província eram homens livres que tinham
fugido para
as florestas para evitar o trabalho forçado. 58 No Cea
rá, as auto-
ridades governamentais forçaram pessoas livres a trabal
harem de gra-
ça nas plantações de algodão e de açúcar. Em certas províncias, as
assembléias legislativas, procurando aliviar o problema
da mão-de-
obra, começaram “prescrevendo regras mais ou menos
rigorosas” com
o objetivo de forçar a população ociosa a trabalhar. 59
Pouco depois
da abolição do tráfico de escravos africanos, bandos de brasileiros
da província do Rio Grande do Sul cruzavam muit
as vezes a fron-
teira com o Uruguai para raptar pessoas de cor
e as entregar aos
mercados de escravos brasileiros. Famílias uruguaias int
eiras, segun-

do Para uma cópia do decreto, ver Luiz Francisco da Veiga, Livro do


estado servil e respectiva libertação (Rio de Janeiro, 1876), páginas 15-16.
96 Carta de Hunt ao Conde Russell, Rio de Janeiro, 10 de março
FO de 1865,
84/1244, PRO. Para documentação sobre um emancipado que serviu
como aprendiz durante 26 anos, ver Documentos sobre a repressão
de africanos no litoral fluminense, SECRJ,
ao tráfico
documentos soltos datados de
26 de julho de 1838 e 12 de dezembro de 1264.
97 Daniel P. Kidder, Sketches of Residence and Travels
in Brazil (2 vols.:
Filadélfia, 1845), II, 267-268; Thomas Ewbank, Life
in Brazil (Nova York,
1856), páginas 278-279 e 323; Rio News, 15 de novembro
Wagley, Amazon Town de 1880; Charles
(Nova York, 1953), p. 129.
58 Discurso de abertura da sessão extraordinário da Assembleia Provincial
do Pará. Em 7 de Abril de 1858 pelo Presidente Dr.
João da Silva Carrão
(Belém, Pará, 1858), páginas 32-34,
59 Falla dirigida à Assembleia Legislativa da provincia das Alagõas...
em o 1º de Março de 1855 (Recife, 1855), p. 55; Annaes
(1866), II, 41. da Camara

59
do o Consul Britânico, eram raptadas, separadas e vendidas no Bra-
sil com uma facilidade que só podia ser prova da ineficiência da lei
brasileira, como protetora da liberdade pessoal. Em contraste, me-
nos de três anos mais tarde, o governo brasileiro deu provas de

me
suas preocupações quanto à propriedade de senhores de escravos, ao

mm
TT
concluir um tratado com a Confederação Argentina para a devolu-

e
ção de escravos fugitivos que encontram refúgio no país vizinho. 8º

AT
=
Durante os anos em que a escassez de mão-de-obra se tornou
mais severa, a mera posse de uma pele negra, acompanhada por um
estado civil incerto, podia ser uma base para a suposição da situa-
ção de escravo. Um decreto imperial de 1859 regulamentou o uso de
uma classe de “propriedade” não reclamada, conhecida como bens
do evento, bens esses definidos como “escravos, gado ou bestas, acha-
dos sem se saber do senhor ou dono a quem pertenção.” Tais ho-
mens e animais, dizia o decreto, deviam ser avaliados e leiloados se
seus “donos” não respondessem a editais públicos. Este decreto, ao
contrário de regulamentos semelhantes para os bens do evento em
Pernambuco, dava à variedade humana o privilégio de comprar sua
própria liberdade se oferecessem uma quantia de dinheiro igual a
suas avaliações oficiais, mesmo que outros candidatos oferecessem
mais dinheiro, mas nada dizia sobre seu direito a provar que eram
homens livres. 61
Tal como estes fatos sugerem, as atitudes de governos brasi-
leiros para com as pessoas escravizadas e escravizáveis nem sempre
foram favoráveis à liberdade durante os primeiros doze a quinze
anos depois da supressão do tráfico de escravos africanos. Pertencen-
tes, como geralmente o eram, à classe dos fazendeiros, os políticos
e estadistas brasileiros eram pouco motivados para com a reforma
ou a aplicação de leis que tinham por objetivo proteger a popula-
ção escrava ou assegurar a liberdade daqueles que eram escraviza-
dos ilegalmente. Alguns homens ocupando cargos eletivos durante
esses anos falaram em defesa dos escravos ou chegaram mesmo a
advogar a abolição, mas suas propostas foram sempre mal recebidas.
Em 1850, Pedro Pereira da Silva Guimarães, do Ceará, propôs a li-
bertação dos filhos recém-nascidos de escravas, a libertação obriga-

co Carta do Cônsul Britânico ao Conde de Clarendon, Rio Grande do Sul,


30 de junho de 1855, Class B., From April 1, 1855, to March 31, 1856:
BFSP (1858-1859), XLIX, 1337-1339.
61 Colecção das leis do Imperio (1859), páginas 452-453: Pernambuco.
Leis, decretos, etc. (Pernambuco, 1855); Perdigão Malheiro, 4 escravidão. 1
73-74. di

60
tória de escravos que oferecessem seu preço e uma proibição à sepa-
ração de casais casados, mas suas medidas foram consideradas ina-
dequadas para debate. Em 1853, quando o mesmo deputado propôs
uma lei semelhante, quatro colegas do norte mostraram-se dispostos
a debater o projeto, mas a maioria discordou, com alguns dos mem-
bros, indignados, gritando e fazendo interrupções. *º Durante a dé-
cada que se seguiu à abolição do tráfico africano, houve outras medi-
das, propostas ocasionalmente, para melhorar as difíceis condições dos
escravos ou para transferi-los de zonas urbanas para zonas rurais, a
fim de diminuir a escassez de mão-de-obra, mas os legisladores e a
nação ainda não estavam dispostos a alterar o status quo. &
Enquanto a Assembléia Geral nada fazia, o ramo executivo do
governo, por seu lado, tomava decisões consistentemente adversas
à mudança. Em 1852, o governo opôs-se fortemente à alteração do
status dos africanos importados depois de 7 de novembro de 1831,
embora sua situação de escravos fosse ilegal. No mesmo ano, o
Conselho de Estado, o corpo assessor do Imperador, opôs-se à legis-
laçã para permitir que um escravo abusado exigisse sua venda a
outro dono. Era preferível, pensavam os membros desse corpo, evi-
tar o debate na Assembléia Geral de qualquer medida referente à
população escrava, “quando já se tinha feito quanto se podia e con-
vinha fazer na efetiva repressão do tráfico.” Da mesma forma, em
1855, o Conselho do Estado decidiu que um escravo não poderia
compelir legalmente seu dono a libertá-lo da escravidão através de
uma oferta de seu valor, já que a Constituição Imperial garantia o
direito de propriedade e nenhuma exceção fora feita no caso do
escravo que oferecera seu valor em troca de sua liberdade. Em 1857,
em resposta a uma sugestão britânica, o mesmo corpo opôs-se a rea-
lizar um recenseamento dos escravos com base em que uma tal con-
tagem de cabeças não serviria qualquer propósito útil e apenas en-
corajaria mais exigências por parte dos ingleses.
A classe dos fazendeiros, protegidos pela falta de interesse do
governo pelo bem-estar de seus escravos, esperava e recebia, na rea-
lidade, ajuda direta das autoridades. Os governos, por exemplo, es-

e2 “Pedro Pereira da Silva Guimarães (Documentos históricos),” Revista


Trimensal do Instituto do Ceará, Vol. XX; Girão, A abolição no Ceará,
páginas 17-27. 4
6s Osorio Duque-Estrada, 4 abolição (esboço histórico) (Rio de Janeiro,
1918), páginas 42-43; Dornas Filho, A escravidão, páginas 143-144.
e Graham, Britain and the Onset, p. 168; Joaquim Nabuco, Um estadista
do Império (4 vols.; São Paulo, 1949), T, 249-250; Nabuco, O Abolicionismo,
p. 129; Colecção das leis do Imperio (1855), páginas 454-455.

6J
tavam muito interessados nos esforços para fomentar a imigração
européia, para patrocinar a construção de linhas telegráficas e estra-
das de ferro para facilitar a exportação do café e de outros produ-
tos, para estabilizar a moeda nacional, para reformar o sistema
bancário, para proporcionar um ambiente favorável à agricultura e
ao comércio, “essas duas fontes perenes da riqueza nacional”. & Os
regimes brasileiros da década de 1850 mostraram-se pouco dispostos,
entretanto, a agirem em defesa dos escravos ou a salvarem as cen-
tenas de milhares de pessoas que eram escravizadas ilegalmente.
O Brasil era um país agrícola governado por uma classe de senhores
de escravos cujos interesses não podiam, nesse tempo, ser promo-
vidos por uma mudança da política vigente na questão da escrava-
tura. À abolição do tráfico africano foi seguida, por conseguinte,
por mais de uma década de quase silêncio sobre o problema dos
escravos. O Brasil aprendeu a viver sem o tráfico de escravos da
África, mas a escravatura, já há muito extinta na maioria dos paí-
ses latino-americanos, tendo terminado na Venezuela e na Colômbia,
e prestes a causar um desastre sem paralelos nos Estados Unidos,
ainda era uma poderosa instituição no Brasil. Poucas foram as pes-
soas que pensaram seriamente na sua abolição até que tais pensa-
mentos lhes foram impostos por condições diferentes surgidas tanto
no Brasil quanto no exterior.

65 Para breves sumários


dos Programas ministeriais do períod
nizações e programas minist eriais (2.º edição; Rio de o, ver Orga-
ginas 111-139. Ver também Stein, The Janeiro, 1962) pá-
Brazilian Cotton Manufacture p 7

62
Os escravos, senhores,
não têm o estimulo da recompensa,
nem segurança em seu estado, e o temor do castigo
não pode supprir a estas faltas.

BERNARDO PEREIRA DE VASCONCELOS


na Câmara dos Deputados, 1827

O Brasil é o café, e o café


é o Negro.

Aforismo atribuído ao SENADOR


SILVEIRA MARTINS, do Rio Grande do Sul

fios Add 4

O COMERCIO DE ESCRAVOS
INTERPROVINCIAL

O TRÁFICO INTERNO

AGRAVANDO ainda mais o problema do trabalho em algumas re-


giões do Brasil e aliviando-o em outras, havia um fluxo de escravos
para os pontos em que o produto do seu trabalho era mais valioso.
O tráfico interno de escravos no Brasil foi, na realidade, surpreen-
dentemente semelhante ao que se desenvolveu nos Estados Unidos
sob circunstâncias comparáveis. A expansão da indústria do algodão
no Alabama, no Mississippi, na Louisiana e no Texas aumentou a
procura de escravos, elevou seus preços e transformou os estados
menos prósperos, desde a Virgínia até à Carolina do Sul em expor-

63
tadores e até em reprodutores de escravos. 1 No Brasil, a safra que
iniciou estes processos foi a do café, mas os desenvolvimentos fo-
ram muito parecidos com os que se verificaram no sul dos Estados
Unidos. 2 Os preços dos escravos aumentaram devido à procura e
aos lucros. Os escravos eram obrigados a migrar e, por vezes, seus
donos vendiam tudo o que tinham e partiam com todos os seus tra-
balhadores para regiões mais promissoras. Novas áreas foram abertas
c o cultivo de novos e ricos solos expandiram a produção, aumen-
tando o compromisso para com a escravatura. A declaração atri-
buída ao Senador Silveira Martins — “O Brasil é O café, e
o café pe

é o Negro” — caracterizou uma realidade brasileira que


se asseme-
lhava à relação que se desenvolvera entre o algodão e os
escravos
no sul dos Estados Unidos. Se, por um lado, o algodão
era “rei”
numa grande parte dos Estados Unidos, foi a bebida est
imulante
dessa mesma nação que, por outro lado, determinou
grandemente
o curso dos acontecimentos no Brasil.
A migração forçada dos escravos brasileiros, que se
seguiu à
supressão do tráfico africano, começou nas plantações,
fazendas
e cidades das regiões do norte, do oeste e do extremo
sul do país
e terminou com sua chegada às plantações de café
do Rio de Ja-
neiro, Minas Gerais e São Paulo. O movimento continuou
em gran-
de escala durante trinta anos — desde 1851 até sua virt
ual abolição
pelas legislaturas provinciais das províncias importadoras
em 1881.
O novo tráfico não era sem precedentes. Durante cen
tenas de
anos, os escravos, no Brasil, haviam sido movidos para as
regiões do
país onde eram mais necessários e onde alcançavam mel
hores pre-
ços. Durante o século xvr, os cativos índios e negr
os haviam sido
concentrados nas grandes plantações de açúcar de
Pernambuco e da
Bah ia. Durante o século XvIr, os lendários bandeirantes de São Pau-
lo percorreram grandes áreas do interior su
l-americano em busca de
índios, tanto pagãos quanto cristãos, levando-
os para os mercados
costeiros a fim de embarcá-los para as prósperas ca
pitanias do açú-
car no Nordeste. No século xvr, apesar de restriçõe
s impostas ao
e
em

1 A. A. Taylor, “The Movement of N egroes from the East to the Gulf


States from 1830 to 1850”, Journal of Negro History, Vol. 8 (1923), “pá-
ginas 367-374.
E

2 Para uma análise da situação no sul dos Estados Unidos,


William Fogel e Stanley ver
L. Engerman, “The Economics
E

Fogel e Engerman, The Reinterpretation ,


páginas 311-341.

5 Para o aumento dos


Vassouras, p. 229.

64
movimento de escravos para as regiões mineiras, muitos escravos.
negros foram enviados para as lavagens de ouro em Minas Gerais
,
Goiás e Mato Grosso, causando escassez de mão-de-obra nas plan-
tações de açúcar do Nordeste. * Com o declínio da mineração em
Minas Gerais, no final do século xym, e o subsegiente desenvol-
vimento da indústria do café, parte da população do centro-sul do
Brasil, escravos e pessoas livres, mudou-se para as novas regiões do
calé. *
Até mesmo antes do tráfico africano ter terminado, pequenos
números de escravos do nordeste brasileiro já estavam entrando nos
mercados de escravos do Rio de Janeiro para irem ao encontro da
procura criada pelo cultivo do café. Em 1842, o movimento de es-
cravos entre as províncias já era suficientemente amplo para preci-
sar de regulamentos e, em 1847, uma grande seca, na província do
Ceará e em sua volta, já aumentara grandemente o fluxo espontã-
neo dos escravos do norte para o sul. Nesse ano, os negociantes do
Rio com ligações comerciais no norte do Brasil já recebiam “casual-
mente” escravos em consignação para satisfazer as necessidades fi-
nanceiras dos proprietários em áreas atacadas pela seca. Da mesma
forma, a seca no Ceará também estimulou um tráfico em índios,
que eram forçados pela fome a venderem seus filhos. &
Com a abrupta supressão do tráfico africano, o fluxo de escra-
vos do norte para o sul transformou-se numa autêntica torrente e
começou sendo considerado vital para os interesses dos fazendeiros
da região do café. Os preços dos escravos no Rio aumentaram des-
medidamente nos meses que se seguiram à supressão do tráfico afri-
cano, fazendo com que os fazendeiros do sul procurassem fora dos
mercados locais, para satisfazer suas necessidades de mão-de-obra,
chegando mesmo a irem comprar escravos na província do Rio Gran-
de do Sul, no extremo sul do país. 7 Quase no início desse movimen-

4 Boxer, The Golden Age, páginas 42-47; Bastide e Fernandes, Brancos e


negros, p. 8. ]
é Viotti da Costa, Da senzala à colônia, páginas 60-62.
S Carta de Howard ao Conde de Clarendon, Rio de Janeiro, 24 de janeiro
de 1885, BFSP (1854-1855), XLV, 1058-1059; Requerimento dos negociantes
desta praça..., BNSM, II, 34, 36, 26; Ewbank, Life in Brazil, p. 323.
T Stein, Vassouras, páginas 228-229. Na década de 1850, verificou-se um
êxodo de escravos do Rio Grande do Sul, mas com a expansão da indústria
do charque, entre 1859 e 1863, a província voltou a ser uma importadora
de escravos. Durante a década de 1870, isto foi de novo invertido. Ver
Tabelas 3 e 9, bem como Cardoso, Capitalismo e escravidão, páginas 69-70,
208.

65
to, o governo e os membros da Assembléia Geral consideraram o
tráfico de escravos entre as províncias algo de vital e inatacável. 8
Em maio de 1852, um relatório do Ministério da Justiça usou
a palavra “fabuloso” para descrever a alta nos preços dos escravos
no Rio. O custo dos escravos dobrara em pouco tempo, de maneira
que até mesmo os que tinham “vícios” e “defeitos”, antes indesejá-
veis, encontraram compradores. º? Não só os preços eram altos, mas
o volume de escravos entrando no Rio de Janeiro, vindos das pro-
víncias do norte e do extremo sul, também aumentava rapidamente.
Num dos artigos de uma série protestando contra o crescente
tráfico interno de escravos, em abril de 1852, o jornal antitráfico
de escravos, O Philantropo, afirmou que o novo comércio era tão
escandaloso quanto aquele que viera substituir. 1º Nesse mês, pelo
menos 345 escravos entraram no mercado do Rio: 245 dos portos
do norte, 48 do Rio Grande do Sul e os restantes 52 de portos vi-
zinhos. De um total de 1.660 escravos registrados como tendo che-
gado ao porto do Rio, vindos de outras partes do Brasil durante os
primeiros quatro meses de 1852, 1.376 eram oriundos de portos do
norte (691 somente do porto da Bahia, onde havia grande quanti-
dade de africanos) e 114 das províncias do extremo sul. 11
Em abril, O Globo, jornal da província do Maranhão, referiu-se
a uma grande exportação de escravos para o Rio de Janeiro, reali-
zada apesar de um novo imposto de exportação de 500 mil-reis que
os exportadores tinham de pagar por cada escravo embarcado. 12 A
crescente procura de escravos aumentou o seu roubo nas cidades;
um carregamento ilícito chegou mesmo a ser desembarcado numa
praia da província do Rio de Janeiro em 1851 e, sob a proteção da
polícia. nem mesmo assim foi imune aos ladrões de escravos. 13 A
situação estava despertando o sentido do negócio de muitas pessoas
nas novas regiões do café de São Paulo. No início de 1853, o presi-
dente provincial foi informado por um juiz local, em Campinas, um
crescente centro de produção de café, de que “comboios” de escra-
vos haviam chegado recentemente para serem vendidos “por preço

8 Annaes da Camara (1851), II, 319-320.


9 Relatório apresentado... na quarta sessão da oitava legislatura
pelo Mi-
nistro e Secretario d'Estado dos Negocios da Justiça, p. 9.
10 O PhNantropo, 16 de abril de 1852.
11 Ibid., 16 e 30 de abril e 14 de maio de 1852.
12 Citado por ibid., 30 de abril de 1852.
18 Ver Freyre, Sobrados e mocambos, I, 49-50; carta d
Quiçamã ao Delegado de Polícia de Macaé, 17
de irao ei
Doc ume
D. 342. ntos para a repressão 20 tráfico, N.º 33; Conrad, , “The S
trugele”,se

66
muito exagerado”. Um negociante de escravos chegara havia pouco
tempo com um grupo “composto por 23 escravos de ambos os SEXOS
e de diversas idades, todos crioulos e ladinos”, tendo sido dito que
outro negociante de escravos estava prestes a regressar de Santa Ca-
tarina com quinze escravos, todos eles ladinos. “Presentemente”, di-
zia o mesmo relatório, “faz conta ir comprar escravos em lugares
ainda longinguos, para revendel-os neste municipio — por causa dos
preços exagerados, a que têm elles aqui chegado, e é o que ultima-
mente têm feito diversas pessoas indo compra-los até em Goyaz.”
O primeiro grupo de escravos a que o juiz se referira era composto
“em quasi sua totalidade de crioulos da Bahia, Alagõas, e Sergipe,
c forão por elle escolhidos e comprados no Rio de Janeiro.” 14 As
regiões do norte e do extremo sul do Império e até do interior mais
longinquo, conforme O Globo relatara em referência com o Mara-
nhão, tinham-se transformado na “costa da África” no que se referia
ao Rio de Janeiro. 1º O novo tráfico era legal, embora o governo
brasileiro tivesse examinado, durante algum tempo, os carregamen-
tos interprovinciais para impedir uma renovação do tráfico africano
sob outro disfarce. 16
O tráfico interno de escravos nunca foi descrito com fregiiência,
mas as raras descrições existentes sugerem que ele conservava muitas
das características práticas e brutais do tráfico africano. /” Os jovens
e os mais fortes tinham uma procura maior; os homens eram nume-
TOsos nos carregamentos, mas as mulheres jovens também eram pro-
curadas se fisicamente atraentes ou se fossem úteis como amas-de-
leite. 18 As relações familiares não eram garantia contra a separação;
os maridos, suas mulheres e crianças eram separados, embora as
crianças menores viajassem muitas vezes com suas mães e fossem
vendidas com elas. Em 1880, um jornal do Ceará referiu-se a uma

lá Carta de um juiz de Campinas ao Presidente de São Paulo, Campinas,


7 de fevereiro de 1853, AESP, Caixa-Tráfico de negros.
Iô Citado por O Philantropo, 30 de abril de 1852.
I6 Relatorio apresentado... na primeira sessão da nona legislatura pelo
Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da J ustiça (Rio de Janeiro,
1853), páginas 6-7: Termos de exames e averiguações feitas nos escravos
vindos de várias localidades, AN, Cod. 397.
I7 Annaes da Camara (1854), IV, 349.
I8 A Gazeta da Tarde, 5 de janeiro de 1881, denunciou negociantes que
enviaram carregamentos de mulheres das províncias empobrecidas do norte
para as alugarem, como amas-de-leite, ou para venderem para a prostituição.
A 50 mil-reis por mês, calculou, uma ama-de-leite comprada no norte por
400 a 600 mil-reis dava a ganhar 900 em 18 meses e, depois, podia ser
vendida a 1.500 mil-reis.

67
escrava local chamada Raymunda que, com cingiienta e seis anos,
já tivera vinte filhos. Oito destes tinham sido “libertados” pela mor-
te, e os doze irmãos e irmãs sobreviventes haviam sido enviados para
o sul. *º
O tráfico interno de escravos criou novas companhiasde nego-
ciação de escravos e uma nova profissão: a de comprador de escra-
vos viajante, que percorria as províncias, convencendo os fazendei-
ros mais pobres ou os residentes das cidades a venderem um ou dois
escravos por metal sonante. Os compradores de escravos iam de sítio
em sítio, de porta em porta, disse um membro baiano da Câmara
de Deputados em 1854, oferecendo aos proprietários mais pobres
setecentos ou oitocentos mil-reis por um escravo que talvez estivesse
produzindo para seu dono uma renda anual de trinta a quarenta
mil-reis. 2º “De repente, um negociante de escravos, vindo do Rio
de Janeiro, chega ao mercado,” escreveu um funcionário inglês na
Bahia, no mesmo ano, “compra de proprietários necessitados ou ávi-
dos todos os escravos que pode obter e, na maioria dos casos, é a
causa da separação de um pai de sua mulher e filhos...” 21
Em 1852, o Consul Britânico em Pernambuco, um Sr. Cowper,
relatou que o tráfico interno “era realizado com todos os horrores
de seu protótipo...” Cenas muito dolorosas eram testemunhadas no
Recife com a partida de cada navio. 22 O tráfico entre as províncias
do norte e o Rio de Janeiro, escreveu ele quatro anos mais tarde,
envolvia milhares de pessoas anualmente. Os negociantes faziam visi-
tas periódicas ao porto de Pernambuco, regressando ao Rio com
suas “vítimas que não ofereciam resistência”. Muitas das escravas
jovens eram

compradas por esses bandidos para o propósito exclusivo da prostituição


pública na capital... Uma mulher que dera à luz treze crianças e que,
assim, aumentara consideravelmente os meios de seu dono, está ameaçada,
agora, com a separação eterna deles...; e um jovem mulato foi vendido
recentemente por seu próprio pai, um português... Não poderia a lei
proibir a separação de homem e mulher, pai e filho, pelo menos além das
fronteiras da província onde residem? Isto não seria apenas um ato de
humanidade, mas sim, também, de política; secaria as lágrimas de milhares...

19 Gazeta do Norte, Fortaleza, Ceará, 27 de julho de 1880.


20 Annaes da Camera (1854), IV, 349,
21 Carta de Howard a Limpo de Abreu, Rio de Jane;
1854, Class B., From April 1, 1854, to March 31, 1855 ua Pinto E
Z Carta de Cowper ao Conde de Malmesb ury, :
de 1852, Class B., From April 1, 1852, to March ge 6 Ea ra

66
e deteria o esvaziamento da mão-de-obra das províncias do norte, o que
não se deixará de ser sentido dentro em breve, 23

Alguns meses mais tarde, Cowper afirmou que o tráfico interno


de escravos era tão cruel “nos seus pormenores” quanto o antigo
tráfico africano. “Os negociantes do litoral têm seus estabelecimentos
nos portos € compram seus escravos de homens da classe mais baixa,
geralmente comerciantes de cavalos, que os trazem do interior: essa
é a verdadeira fonte de onde deriva o tráfico costeiro.” 24
Há fontes brasileiras que dizem aproximadamente o mesmo.
Em 1856, um deputado do Maranhão denunciou a separação de
mães de seus filhos e de maridos de suas mulheres. Os escravos, disse
ele à Câmara, eram transportados “em montes nas cobertas dos na-
vios”, expostos ao sol e à chuva. Os oficiais de bordo, por vezes,
providenciavam lonas para os proteger do tempo e convidavam os
doentes para suas cabinas, mas havia um número excessivo sendo
enviado para o sul para que fosse possível proteger a todos e as
mulheres e as crianças eram as que mais sofriam. % Em 1857, o
Jornal do Commercio do Recife descreveu as condições de cerca de
noventa escravos, incluindo duas dúzias de crianças, indo, em idade,
de 1 mês a dois anos, que haviam chegado ao Recife a bordo de um
vapor vindo do Maranhão: “A coberta do vapor parecia-se com a
dos navios que costumavam vir da costa da África, carregados com
carne humana: vimos uma infeliz criança combatendo contra a mor-
te e as outras miseravelmente nuas.” 26
Talvez com o objetivo de fugir aos impostos sobre os escravos
gue eram determinados e avaliados nos portos provinciais de saída,
os escravos, em muitos casos, também tinham de viajar por terra,
caminhando, pelo interior da Bahia e Minas Gerais até às regiões
do café, no sul. A melhor descrição deste tráfico por terra talvez
tenha sido a do Deputado Marcolino de Moura, da Bahia, contida
num discurso feito na Câmara de Deputados em 1880. Tendo sido
uma testemunha ocular daquilo a que chamou “essas ambulancias
da morte cheias de innocentes suppliciados”, descreveu o tráfico por
terra da seguinte maneira:

23 Carta ao Conde de Clarendon, Pernambuco, 17 de outubro de 1856,


Class B., From April 1, 1856, to March 31, 1857, p. 246. Grifo acrescentado.
24 Carta do mesmo para o mesmo, Pernambuco, 24 de janeiro de 1857,
ibid., páginas 260-261.
20 Ibid., p. 143.
26 Class B., From April 1, 1857, to March 31, 1656, páginas 115-116.

69
ES
=
Não há muito atravessava eu, ao calor do meio dia, uma dessas regiões
desertas da minha provincia; o sol abrazava: de repente, ouvi um clamor
confuso de vozes que se approximavam, era uma immensa caravana de
escravos com destino aos campos de São Paulo. Entre alguns homens de
gargalheira ao pescoço, caminhavam outras tantas mulheres, levando sobre e-
os hombros seus filhos, entre os quais se viam crianças de todas as idades, À
sendo toda essa marcha a pé, ensanguentando a areia quente dos caminhos.

Desejando fugir “a esse aspecto doloroso”, esta testemunha foi


detida pelo grito de uma mãe que “cahira esbaforida pelo sol abra-
zador, ao longo da estrada”. De noite, disse a mesma testemunha:

rd
Em torno de uma grande fogueira jazem estendidos os miseros escravos sem
distincção de sexo nem de idade, e entre o tinir dos ferros, os lamentos
das mulheres e das crianças, ouvem-se os gritos dos guardas que experimentam
as correntes, impondo silêncio áquelles que ousam queixar-se. (Sensação.)
Mas, alem na penumbra, tripudia o vicio o mais infrenne. E si acontece
que durante a noite alguma dessas miseras escravas torna-se mãe, no dia
seguinte a marcha da caravana não se interrompe, e o fructo querido de
suas entranhas é condemnado a morrer no primeiro ou segundo dia da jor-
nada si antes não é lançado em algum canto, ignorado a expirar pelo aban-
dono.. É o tráfico na sua mais horrenda forma...

Em: meados da década de 1850, os barracões e os depósitos de


escravos já haviam desaparecido das praias brasileiras, mas os com-
boios de escravos, melhor tratados do que seus antecessores africa-
nos, ainda eram vistos atravessando as ruas das cidades e ainda havia
firmas especializadas que os ofereciam para venda. Os escravos criou-
los tomaram o lugar dos africanos boçais nos galpões e nas quadras
de leilão nas ruas principais do centro comercial da capital, em es-
pecial na Rua do Ouvidor e na Rua Direita. 28 Thomas Ewbank
descreveu um grupo de escravos crioulos que, juntamente com “mó-
veis novos e em segunda mão, velhos quadros, queijos holandeses e
relógios americanos”, estavam entre os “items” leiloados numa loja
na esquina das ruas Ourives e Ouvidor. Dos 89 escravos inscritos
no catálogo da loja, 53 eram homens e 36 mulheres. Ao contrário
dos africanos vistos um quarto de século antes por viaiantes ingleses
na Rua do Valongo, muitos dos escravos que Ewbank viu haviam

27 Annaes da Cemara (1880), V, 38. Uma descrição contemporânea seme-


lhante de uma caravana de escravos nos Estados Unidos, foi citada
Taylor, “The Movement of Negroes”, p. 375. Uma notável em
sistema diferença no
americano era o uso de carruagens e vagões para
brancos
o transporte dos
(presumivelmente também migrantes) e de
pazes de acompanhar a marcha. quaisquer negros
28 Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 119. E SE

70
sido treinados num ofício ou numa profissão. 2? Entre os homens ,
que, geralmente, tinham entre dezoito e trinta anos de idade, havia

marceneiros, carpinteiros, ferreiros e trabalhadores agrícolas... um mari-


nheiro, um calafate e um barqueiro... dois alfaiates, um cocheiro, um
seleiro, um serrador, um preparador de madeira... um sapateiro, cozinheiros,
um carregador de café e um médico de crianças, que, como a maioria dos
de sua profissão, era um músico...

Quanto às mulheres:

a mais velha tinha vinte e seis anos e a mais jovem entre sete e oito —
lavadeiras, costureiras, cozinheiras, duas modistas. Outras faziam camisas,
penteavam os cabelos de suas patroas, etc. Duas eram amas de leite, com
muito leite bom e cada uma delas com uma vitela ou um potro e, portanto:
“N.º 61, 1 Rapariga, com muito bom leite, com cria.”

Tal como seus antecessores africanos na Rua Valongo, os es-


cravos que Ewbank viu eram “expostos e examinados... A cabeça,
os olhos, a boca, os dentes, os braços, as mãos, o tronco, as pernas,
os pés — cada membro e ligamento são examinados, enquanto, para
verificar se não havia rupturas, os seios e outras partes eram toca-
das.” Ao contrário dos africanos, é claro, a “mercadoria” crioula
era “de todos os tons, desde o intenso preto Angola até o branco
ou o quase branco, como uma jovem perto de mim parecia ser.” 3º
Um anúncio típico de um leilão, como aquele a que Ewbank com-
pareceu, foi publicado num jornal do Rio a 1 de julho de 1854:

LEILÃO DE ESCRAVOS

Hoje, sabbado 1.º de julho, na rua do Ouvidor N.º 90, ás 10%4 horas.
J. Bouis fará leilão na sua casa de diversos escravos de ambos os sexos e
differentes idades, sendo pretos de officios, ditos da roça, pretas mucamas,
ditas de todo serviço, ditas com filhos, moleques, negrinhas, etc., etc.
Os Srs. compradores os poderão examinar antes do leilão, os que forem
desconhecidos darão um signal de 1008000 no acto de arrematarem o pri-
meiro escravo. Todos os escravos são afiançados de boa saude. 31

29 Para descrições do velho mercado de escravos do Rio, ver Walsh, Notices,


II, 322-328: Maria Graham, Journal of a Voyage to Brazil and Residence:
There (Londres, 1824), p. 229; Chamberlain, Vistas e costumes, páginas 198-
199: J. B. Debret, Voyage pittoresque et historique au Brésil (3 vols.:
Paris, 1834-1839), II, 78-79; Briefe úber Brasilien (Frankfurt am Main, 1857),
p. 4. Ver também Conrad, “The Struggle”, páginas 33-38.
30 Ewbank, Life in Brazil, páginas 282-284.
81 Diario do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1 de julho de 1854.

/7T
“Nas províncias do norte, agentes ou companhias colocavam re-
gularmente anúncios na imprensa diária oferecendo para comprar
escravos para embarque para o sul. Os anúncios mais típicos foram
aqueles que apareceram em vários números do jornal 4 Ordem do
Ceará, em que a firma Olympio & Irmãos afirmava que “pagam
melhor do que outros quaisquer” por escravos entre doze e vinte
anos de idade para embarque para São Paulo. O Bazaar Primeiro
de Dezembro, de São Luiz do Maranhão, preparando um carrega-
mento para o Rio no final de 1879, anunciou em vários números de
O Paiz que estava comprando escravos. Em 1880, um agente esta-
belecido no Hotel da Europa, em São Luiz, ofereceu-se para com-
prar escravos de ambos os sexos e de qualquer cor, incluindo filhos
ingênuos (filhos livres de mulheres escravas) e, mais tarde, no mes-
mo ano, O Paiz publicou anúncios afirmando que estavam sendo pa-
gos bons preços no Hotel Porto por escravos de ambos os SEXOS,
entre doze e vinte anos de idade; e que a firma Melchor & Cia. com-
praria cativos sem especializações e até cinquenta anos de idade. 3?

CAUSAS E REPERCUSSÕES ECONÔMICAS


DO TRÁFICO INTERPROVINCIAL

O Novo tráfico interno foi o resultado natural da maior capaci-


dade dos plantadores de café para pagar, em concorrência com outros
brasileiros, por uma “mercadoria” que era escassa. Em julho de 1852,
o Ministro da Marinha do Brasil explicou o novo tráfico da seguinte
forma:

todo o mundo sabe que a lavoura do café occupa muitos braços, e com
a crescente necessidade e alto valor dos escravos que se empreguem nesse
serviço, explica-se muito bem o grande numero dos que vêm da Bahia!

Os escravos também estavam indo do Maranhão e do Pará para O


Rio de Janeiro, prosseguiu ele;

por uma lei economica, em virtude da qual o objecto que tem menos valor
em um lugar passa-se para outro, onde o preço é maior, sejão quaes forem
os obstaculos que lhe opponhão. 33

s2 A Ordem, Baturité, Ceará, 14 de setembro de 1879: O Paiz,



25 de outubro e 27 de novembro de 1879; 14 de fevereiro e :a : e
julho de 1880.
38 Annaes da Camara (1852), II, 211.

12
O sr. Webb, da Legação dos Estados Unidos no Rio
, chegou à mes-
ma conclusão em 1862:

O valor rapidamente crescente do negro na província do Rio de Janeiro e


em todas as províncias do sul do Império e o aumento regular do preço
do café, juntamente com o fato de a população escrava estar diminuindo em
vez de aumentando, tal como conosco... está despovoando rapidamente as
províncias do norte do Império. Cada navio costeiro leva de dez a trinta
escravos para venda no Rio, para abastecimento de mão-de-obra nessa região
e nas plantações de café; e escutam-se as queixas das províncias do Pará,
Maranhão, Piauí, Paraíba, Pernambuco e até da Bahia de que estão sendo
despovoadas para o benefício das províncias do sul, pela inevitável lei da
procura e da oferta. 34

Os brasileiros com um interesse econômico em reduzir rapida-


mente o tráfico interno de escravos consideraram os efeitos divisó-
rios que o movimento de população teria sobre os compromissos
regionais para com a escravatura e advertiram das consegiiências
de uma retirada contínua de trabalhadores cativos de regiões menos
prósperas. Na década de 1850, os plantadores de café precisavam de
escravos, contudo, e os perigos do tráfico interno de escravos eram
remotos. Uma vez iniciado, portanto, o tráfico continuou quase sem
restrições. Ao longo de um período de trinta anos, combinou-se com
os efeitos do envelhecimento e da morte para alterar a quantidade
e a “qualidade” dos escravos, com mais destaque nas regiões menos
prósperas do país — especialmente nas províncias secas do norte,
mas também nas províncias do oeste, Goiás e Mato Grosso, e as anti-
gas regiões mineiras de Minas Gerais, as províncias do sul do Para-
ná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e até mesmo as zonas cos-
teiras menos produtivas do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Tal como em outros aspectos da escravatura brasileira, o tráfi-
co interno era afetado diretamente por tendências econômicas tem-
porárias e, também, a longo prazo. Qualquer mudança séria no tem-
po ou uma guerra em outro continente eram causas suficientes para
desenraizar novos milhares ou para reduzir o volume da migração
forçada. Em 1856, o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil
atribuiu a partida dos escravos do norte para o sul ao fracasso dos
fazendeiros brasileiros em competir com sucesso nos mercados mun-

84 Carta de Webb para Seward, Petrópolis, 20 de maio de 1862, Message


of the President of the United States to the Two Houses of Congress at the
Commencement of the Third Session of the Thirty-Seventh Congress (Wash-
ington, 1862), É, 704.

/3
diais do açúcar. 3º Quatro anos mais tarde, William Christie atri-
buiu o tráfico à irregularidade das estações do ano no norte e à
resultante pobreza dos fazendeiros locais, juntamente com uma crise
financeira nacional e os preços elevados dos escravos no Rio de
Janeiro. $º Quando os mercados para os produtos do nordeste brasi-
leiro melhoraram no exterior, o movimento de escravos começou
diminuindo. Segundo dados coletados em 1862, 34.668 escravos che-
garam ao porto do Rio das províncias do norte e do extremo sul
entre janeiro de 1852 e julho de 1862 — entre três e quatro mil
anualmente (ver Tabela 8).37 Durante 1862, contudo, quando a
Guerra Civil norte-americana ofereceu perspectivas favoráveis para
o algodão brasileiro nos mercados mundiais e reduziu o mercado
norte-americano de café (ver Tabela 26), a exportação de escravos
do norte para as províncias do café diminuiu drasticamente.
Depois da Guerra Civil dos Estados Unidos, a média anual ele-
vou-se de novo e. com um novo período de seca no nordeste bra-
sileiro em 1877, o tráfico interprovincial expandiu-se de novo tão
rapidamente que chegou a pôr em perigo o equilíbrio do próprio
sistema de escravos. 88 Os preços caíram drasticamente no norte,
em especial na empobrecida província do Ceará, e os proprietários
de escravos, incapazes de alimentar seus escravos ou talvez mesmo
a si próprios, aceitavam tudo o que lhes fosse oferecido. %º Uma

SS Carta de Scarlett ao Conde de Clarendon. Rio de Janeiro, 13 de Outubro


de 1856, Class B., From April 1, 1856. to March 31, 1857, p. 170.
86 Class B., From April 1, 1860, to December 31, 1860, p. 45.
87 As estatísticas da Tabela 8 não incluem os escravos que vialaram com
seus senhores, aue foram enviados por terra ou transportados ilegalmente
para fugir aos impostos. Também não incluem o movimento de escravos
dentro das províncias, das regiões mineiras de Minas Gerais. por exemplo,
para a zona do café da mesma província. O aumento, em si, da população
escravizada de São Paulo, entre 1864 e 1874 (ver Tabela 3) parece provar
que o movimento real de escravos era muito maior do que o número
registrado. Para estatísticas essencialmente de acordo com as dadas na
Tabela 8. ver Tavares Bastos, Cartas do Solitário, n. 460: Bastide e Fer-
nandes, Brancos e negros, p. 36. Ferreira Soares calculou uma importação
anual de 5.500 escravos para o Rio de Janeiro, de 1852 a 1859,
Ver Stein,
Vassouras, páginas 65-66.
88 Relatorio apresentado á Assemblea Ge
ral Legislativa na primeira sessão
da decima sexta legislatura pelo Ministro
e Secretario de Estado dos Ne-
gocios da Agricultura, Commercio e Obras
de Almeida (Rio de Janeiro, 1877 Public as Thomaz José Coelho
), páginas 15-16. De ora em dia
Relatóri os do Mi ni st nte, os
É ér io da Ag ri cultura serão mencionados nestas notas
tal, simplesmente, com data da sua apresentação. como
S9 Jorge Freire, Notas à margem da abolição, Mossoró (Rio G
Norte, 1955), p. 6. rande do

74
indicação da amplitude da exportação de escravos do Ceará duran-
te a seca dos últimos anos da década de 1870 é-nos dada
pelo invul-
garmente elevado tributo que o governo provincial recolh
eu em
1879 dos impostos cobrados pelos escravos que eram embarcados
no
porto de exportação. Nesse ano, a receita da província, no
que se
refere a este item, foi de quase três vezes o que fora quatro anos
antes. Em 1880, contudo, a receita desta fonte foi reduzida quase
a metade e, em 1881, com a emergência do movimento abolic
io-
nista radical nessa província, o item deixou de ser registrado. 4º
O domínio econômico do centro-sul do Brasil, que inflacionou
os preços dos escravos na capital do Império, não foi um fenômeno
temporário. O valor do café exportado do Brasil de 1840 a 1862
alcançou 925.000 contos, enquanto o valor do açúcar, a principal
receita das províncias do norte, foi de apenas 372.000 contos du-
rante os mesmos vinte e três anos. Produzindo metade do café do
mundo em 1868, o Brasil já há muito perdera a supremacia na pro-
dução de açúcar. Nesse ano, as exportações do café brasileiro va-
liam mais nos mercados do mundo do que todas as suas outras ex-
portações combinadas, enquanto o valor do açúcar era apenas cerca
de um sexto do valor total das exportações brasileiras, “ Mesmo
nos anos em que a Guerra Civil norte-americana estava estimu
lan-
do a produção do algodão brasileiro, o valor das exportaçõe
s do
café permaneceu sempre mais elevado do que o valor conjun
to das
exportações do açúcar e do algodão. * Com o término da
Guerra
Civil, é claro, a parte do Brasil no mercado mundial do alg
odão
diminuiu e o abismo entre o valor das exportações do nor
te e do sul
voltou a aumentar. O café produzido no Brasil no ano fiscal de
1872/73 foi avaliado em mais de 115.000 contos; o valor
conjunto
das safras de açúcar e do algodão foi menos de 49.000
contos. Em

O Em 1873, a receita recolhida com estes impostos foi de 44:970$000.


Em 1879, produziu 125:880$000 e, em 1880, 66:500$000. A tarifa base
60 mil-reis por escravo, isto indica que mais de dois mil escravos
de
foram
exportados legalmente do Ceará em 1879, cerca de um em cada quinze es-
cravos existentes nessa província. Ver Annexos a Falla no dia 2 de Julho
de 1877 (Fortaleza, 1877), páginas 4-5; “Anexos B.”, Relatorio com
que o
Exmo. Sr. Commendador Dr. Sancho de Barros Pimentel passou a adminis-
tração da provincia do Ceará ao 2.º Vice Presidente.. no dia 31 de Out
ubro
de 1882 (Fortaleza, 1882).
dl William Scully, Brazil; Its Provinces and Chief Cities (Londres, 1868),
páginas 19-24. ;
é O valor do café produzido :
em 1864-1865 foi de mais de 66.000 contos.
O valor do açúcar e do algodão foi de um pouco mais de 48.000 contos.
Ver Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 68.

75
1873, o valor total da produção nacional das mesmas três safras foi
de quase 170.000 contos, dos quais mais de dois terços foram pro-
duzidos nas quatro províncias do centro-sul. 4º
O crescimento ou o declínio da população escrava nas várias
regiões do Brasil dependiam de seu sucesso econômico relativo. No
sul, uma grande indústria, a produção do café, desenvolvia-se e
prosperava, sendo de extraordinária importância econômica para a
nação como um todo. Se, por um lado, as atitudes tradicionais for-
taleciam a escravatura em todas as províncias, a verdade é que, na
região do café, a importância da escravatura ainda era mais refor-
çada por sólidas considerações econômicas. Conforme as páginas se-
guintes demonstrarão, esta importante indústria, requerendo os mais
produtivos elementos da mão-de-obra disponível e financeiramente
capaz de adquiri-los, preferia os homens às mulheres e os jovens aos
idosos.
Como uma consegiiência da desproporcionadamente grande par
-
te da riqueza nacional produzida no Rio de J aneiro, quase um qui
nto
de todos os escravos registrados no Império, num recenseament
o
nacional realizado na década de 1870, estava localizado nessa peq
ue-
na província: 301.352 de um total de 1.540.829 escravos registrad
os
(ver Tabela 2). Com a produção de café da província de São Pau
lo
tendo aumentado depois de meados do século e prosperado muito
nas décadas de 1860 e 1870, sua população de escravos tam
bém
aumentou, embora, já então, a população nacional de escravos es-
tivesse um rápido declínio. (Ver Figuras 2 e 3.) Em 1874, os esc
ravos
de São Paulo, em número superior a 174 mil, uma população que
aumentara fenomenalmente desde 1864, só eram excedidos pelo
nú-
mero de escravos que havia no Rio de Janeiro e em Minas Ger
ais,
apesar de São Paulo, cerca de vinte anos antes, ter estado atrás
de
outras oito províncias, no que se refere a sua população escrav
a. 4º
Os perdedores de escravos foram a maioria das províncias do Nor-
deste, Goiás, Paraná e o Município Neutro, com as importantes pro-
víncias nordestinas de Pernambuco e Bahia tendo perdido uma pro-
porção espetacular (ver Tabela 3). Durante os dez anos seguin
tes,
com a população escrava do Império diminuindo quase vinte
por
cento, o número de escravos de São Paulo e de Minas Gerais
quase
não se alterou, visto que os mortos eram substituídos pelos migran-

48 Rebouças, Agricultura nacional, páginas 17, 45-46, 149, 204,


44 Dr. Domingo José Nogueira Jaguaribe Filho, Assemblei Gois
São Paulo. Discurso pronunciado na sessão ordinaria de 22 eia Provincial de
(São Paulo, 1882), p. 6. e 2+ de Março de 1882

76
tes forçados, necessários para abrir novas áreas do cultivo do café.
Em contraste, durante esses mesmos anos, a população escrava da
província do Rio de Janeiro, economicamente em declínio, dimi-
nuiu quase tão rapidamente quanto a média nacional. Em 1874, mais
de metade de todos os escravos do Brasil estavam localizados nas
quatro principais províncias da produção do café e apenas cerca de
um terço dos escravos estavam vivendo nas onze províncias do norte.
Dez anos mais tarde, quase dois terços dos escravos já se encontra-
vam nas quatro províncias do centro-sul e a porção da população
escrava nas onze províncias do norte fora reduzida para cerca de
um quarto do total.
População (milhares)
1.800 ' População (milhares)
330 — =

1,600]- Hi
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NACIONAL 300 |—
1,4004- -

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MUNICIPIO NEUTRO
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PROVINCIAS DO NORDESTE ear
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1860
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1870
anta CR AR Ara
|880 1890 isco 1970 - Seo OR eso
Figura 2. Populações escravas: nacional Figura 3. Populações escravas da Bahia,
e regionais Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais,
1864-1887

Tal como estas estatísticas insinuam, o tráfico de escravos inter-


provincial apressou a transformação, nas províncias do norte, para
um sistema de trabalho livre, mas, nas regiões do café, retardou
esse desenvolvimento. O uso de trabalhadores livres no norte foi o
resultado inevitável de uma rápida queda no volume da população
escrava, acompanhada por um aumento impressionante do número
de habitantes livres. Em algumas províncias do norte, na realidade,
a proporção de escravos para homens livres baixou tão incisivamente
nas décadas que se seguiram a meados do século que os escravos

77
passaram a ser um elemento quase insignifican
te na população total.
Entre 1855 e 1874, por exemplo, a população escrava
da província

a
de Paraíba diminuiu de um pouco mais de treze por
apenas sete cento para
por cento da população. Nesses mesmos anos, a po-
pulação escrava de Pernambuco caiu de um
pouco mais de 20 por
cento da população total (693.450 pessoas
livres e 145.000 escravos)
para pouco mais de doze por cento. “&
(Para proporções entre es-
cravos e popula ções livres nas províncias, em 1874, ver
Em comparação com o que estava aconte Tabela 2)
cendo nessas províncias do
norte, a mudança na proporção de escrav
os para as populações livres
na província do Rio de Janeiro não er
a tão surpreendente. Entre
1840 e 1874, a população livre do Rio
de Janeiro cresceu rapida-
mente de 183.200 para 456.850 pessoas,
mas a verdade é que, du-
rante esses mesmos anos, a população
escrava dessa província de
caté também se expandiu consideravel
mente, de 224.012 para
301.352. * Conforme a Tabela 2 indica,
em 1874, a população es-
crava em muitas das províncias do norte
e algumas do extremo sul
constituía uma percentagem relativamente
insignificante da popula-
ção total, enquanto, nas províncias produt
oras de café, era um fator
muito mais importante.
A relativa disposição das províncias do
norte para aceitarem
a emancipação (que começou sendo mani
festada na década de 1860
e ainda mais na década de 1880) resu
ltou não só de uma redução
no número de escravos nessas províncias
, mas também de um declí-
nio na “qualidade” relativa dos escravos do
norte. As mulheres, os
doentes, os não especializados e os idosos
tinham menos procura no
sul e, assim, ficaram nas suas regiões de
origem, enquanto os mais
produtivos eram exportados. As mães vi
am muitas vezes seus filhos
partirem, ficando com seus antigos dono
s. Um relatório britânico
sobre os escravos exportados de Pe
rnambuco em 1856 não oferecia
qualquer informação sobre a saúde ou
as especializações dos escra-
vos envolvidos, mas sugeria que a proporção
de mulheres para ho-
mens no tráfico interprovincial era mais ou
menos O mesmo do que
O fora no tráfico africano, aproximadame
nte dois homens para uma
* A população escrava da Paraíba caiu de
em 1874. Nesse mesmo período, sua popu
laçã
para 341.643. Exposição feita pelo Doutor Francisc
na qualidade de presidente da o Xavier Paes
de Abril de 1855 (Paraíba, 1855pr ovincia da Parahyba do Nort
), p. 18: Tabela 6. e. Em 16
*6 Cl ass B., From April 1, 1855, to March
é Relatorio do Presidente da Provin 31, 1856, p. 239.
ci
de 1840 a 1841 (2.º edição: Niterói, 1 a do Rio de Janeiro,
cultura, 30 de abril de 1885, p. 37
851). Relatorio d ni ge oiibpe ;
& O Ministério da Á gri-

78
mulher. Além disso, a mesma estatística sugeria que os idosos e os
muito jovens tinham menos procura do que os escravos de uma ida-
de mais produtiva, *º com isto sendo confirmado pelo número, invul-
garmente grande, de escravos de idade mais produtiva que havia
nas províncias do café durante a década de 1870. (Ver Mapa 4.)
Segundo o recenseamento de 1872, os escravos que havia em Minas
Gerais com idades entre onze e vinte anos excediam por mais de
30 mil os que tinham menos de onze anos, embora, num plano na-
cional, o grupo mais jovem excedesse o mais idoso por mais de
45 mil. *º |
A preferência pelos homens jovens e altamente produtivos nas
províncias do café é refletida claramente pela maioria de homens
nessa região durante um período (1851-1871) em que a reprodução
natural e o tráfico interno de escravos estavam criando uma pro-
porção mais normal entre homens e mulheres nas outras províncias.
O recenseamento de 1872 mostrou perfeitamente que a maior parte
do excesso de 100 mil homens sobre as mulheres estava concen-
trada nas quatro províncias do café, com os homens excedendo em
81 mil as mulheres nessas quatro províncias. 5º Em certos distritos
dentro da área do café, os homens excediam as mulheres em pro-
porções invulgarmente elevadas. Em São Paulo, como a Tabela 16
mostra, este predomínio de homens era característico tanto nas mais
antigas áreas de café no Vale do Paraíba e na zona central da
província de São Paulo quanto nos novos municípios de café, mais
a norte, onde o duro trabalho de abater florestas virgens e de esta-
belecer novas fazendas já havia resultado numa margem particular-
mente grande de predomínio de homens durante a década de 1870.
Em 1884, os escravos do sexo masculino nas quatro províncias cen-
trais produtoras de café (ver Tabela 4) representavam cerca de 55
por cento de sua população escrava total, ainda excedendo as mu-
lheres em 70 mil. Nesse ano, por outro lado, as escravas já excediam
os homens em mais de 12 por cento nas onze províncias do norte,
embora, no Império, como um todo, as mulheres ainda fossem meros
de 48 por cento da população cativa. (Ver Figura 5.)

48 Os números exatos eram 410 homens e 196 mulheres. Destes, 86 eram


de idades entre cinco e dez anos, 345 tinham de onze a vinte anos, 130 iam
de vinte e um a trinta anos de idade, com os restantes 45 tendo entre
trinta e um e quarenta anos. Class B. 1856-1857, p. 264.
49 Recenseamento da população, IX, 1084, passim. Nos Estados Unidos,
o fluxo de escravos dos estados fronteiriços para o sudoeste teve um efeito
semelhante nos grupos de idade. Ver Conrad e Meyer, “The Economics of
Slavery in the Ante-Bellum South”, p. 355.
50 Recenseamento da população, V, 78; IX, 1084; XV, 358; XIX, 433.

79
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N
Evidentemente, os escravos mais produtivos também estavam
concentrados nas províncias do centro-sul. O Brasil era “um país
essencialmente agrícola”, afirmavam repetidamente
os defensores da
escravatura, mas a verdade é que, na década de 1870,
isso já não
era um argumento muito convincente para conservar a escravatura
em grandes áreas do país. Em sete das maiores divisõ
es políticas do
Impé rio (Paraná, Alagoas, Rio Grande do Norte, Pia
uí, o Município
Neutro, Amazonas e Ceará) os criados e os diaris
tas eram em maior
número do que os trabalhadores agrícolas (ver
Tabela 20). Em con-
traste, quase 62 por cento da população escrava
total das quatro
províncias do café, incluindo os velhos, as mulheres
e os muito jo-
vens, eram classificados como trabalhadores agrícolas,
enquanto ape-

Oe
nas I4 por cento dos escravos nessas províncias

——
eram criados ou
diaristas. Quando contrastamos os aproximadamente 170 mil
escra-
vos das províncias nordestinas que eram trabalhadores agríco
las com
as 3.750.000 pessoas registradas como residentes nessas mesmas pro-
víncias, a pequena importância da escravatura para a agricultu
ra
da maioria do Nordeste torna-se aparente. Por outro lado, os 52
1.879
trabalhadores agrícolas nas províncias do café (excluindo o Muni
cípio Neutro) eram um fator mais formidável quando comparados
com as 2.839.519 pessoas livres das mesmas províncias. Apresen-
tando estes fatos de outro modo, a província de Minas Gerais só
por si (ver Tabela 20 e Mapa 1) continha quase tantos trabalhadores
agrícolas (278.767) quanto as dezesseis províncias fora da região do
“café, conjuntamente (284.757). Além disso, se recordarmos que
os
escravos nas províncias do café estavam concentrados, na sua maio
r
parto, num número relativamente pequeno de municípios nessas pro
-
víncias, torna-se aparente que, nas décadas de 1870 e 1880, o valor
«dos escravos não estava disperso por todo o país, mas que se
con-
-centrava em poucos áreas. A propriedade, é claro, também estava
grandemente concentrada. Em 1883, por exemplo, cerca de um em
cada 762 escravos do Brasil era de propriedade do Conde de No
va
Friburgo, um rico plantador de café da província do
Rio de Ja-
neiro. 51
A conclusão a extrair desta abundância de fat
os e estatísticas
é que a elite agrícola de certas províncias, particul
armente do norte
e do oeste, tinha menos razões do que
os fazendeiros de Minas Ge-
ais, Rio de Janeiro e São Paulo ou até me
smo do Espírito Santo
S1 Van Delden Laérne, Brazil and Java, páginas 339.3
de vida extraordinariamente luxuoso do Conde, ver aa Rabo o modo
mento servil — a abolição”, Terceiro
de Janeiro, 1941), Congresso de História
IV, 124-125, N dê
acio nal E (Rio
ce j

52
O desafio, na realidade, veio em parte das regiões que ti
nham per-
dido grande parte de seus trabalhadores para o sul
e haviam sido
obrigadas, como resultado disso, a efetuarem uma transi
ção prema-
tura para um sistema de trabalho livre.

REAÇÕES POLÍTICAS

A AMEAÇA ao sistema escravocrata inerente no tráfic


o interno
de escravos foi reconhecida quase no mesmo momento em
que esse
comércio começou. Todavia, os interesses imediatos
prevaleceram
sobre os perigos problemáticos. Os escravos eram necessári
os à in-
dústria do café e, portanto, as débeis tentativas para det
er o tráfico
em benefício dos fazendeiros do norte não tiveram gran
de efeito.
Enfrentando o aumento dos preços dos escravos e uma
popu-
lação de escravos sempre decrescente e incapazes de det
er a expor-
tação de seus trabalhadores através de uma proibição dir
eta, os nor-
destinos depressa conceberam o dispositivo de cobrar pe
sados Impos-
tos sobre os escravos transportados para outras província
s. Tendo
origem em Pernambuco como resposta imediata ao súbito
movimen-
to de escravos para sul, esta medida não tardou a ser imitad
a pelas
assembléias legislativas de outras províncias, 52 mas não
conseguiu
estabilizar o fornecimento do trabalho-escravo nas várias
regiões do
país pelo fato de muitos senhores de escravos terem sid
o atraídos
pelos ganhos econômicos imediatos. A proibição do tráfico
interno
de escravos era desejada em todo o norte do país, se
gundo disse
João Mauricio Wanderley na Câmara, em 1854, mas os pesados im-
postos sobre a exportação de escravos aplicados por “todas
as pro-
víncias” não haviam conseguido deter o tráfico. 53
A mais séria tentativa para acabar com o embarque de escra-
vos do norte para o sul tomou a forma de um projeto leg
islativo
apresentado na Câmara dos Deputados em 11 de agosto
de 1854

62 Relatorio apresentado... na quarta sessão da oitava legislatura pelo


Ministro... da Justiça (Rio de Janeiro, 1852), p. 9; Annaes da Camara
(1854), IV, 246; Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa Provincial do
Ceará no dia 1.º de Outubro de 1862, p. 32; Falla dirigida á Ásse
mblea Legis-
lativa da Provincia das Alagõas em o 1.º de Março de 1855, páginas 53-54;
Classe B., From April 1, 1654, to March 31, 1855, p. 277; O Philantropo,
30 de abril de 1852.
58 Annaes da Camara (1854), IV, 350.

63
pelo mesmo deputado baiano, João Mauricio Wanderley, o futuro
Barão de Cotegipe. Tendo a intenção de proibir o comércio inter-
provincial de escravos por infração da lei antitráfico de escravos de
4 de setembro de 1850, este projeto levantou um debate na Câmara
que revelou que um conflito de interesses já se desenvolvera, em
1854, entre os fazendeiros do norte e os do sul. 54
O projeto de lei de Wanderley foi defendido por deputados de
Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Bahia, todas elas províncias que
estavam perdendo escravos para o sul, mas foi oposto fortemente por
José Inácio Silveira da Mota, de São Paulo, uma província impor-
tadora. Os principais argumentos de Silveira da Mota foram de or-
dem econômica. O valor dos escravos variava de província para pro-
víncia, disse ele, pelo fato de os escravos usados na produção de
café ganharem mais para seus senhores do que os escravos empre-
gados no cultivo da cana-de-açúcar. Negar o direito de um proprie-
tário a mover seus escravos em resposta a este fato econômico seria
negar seu direito a esta diferença de valor — uma violação dos di-
reitos de propriedade. Silveira da Mota advertiu de que a proibição
do tráfico interno criaria um novo tráfico ilegal de escravos, sim-
plesmente porque os escravos continuariam a ser mais valiosos nas
regiões onde o café era produzido. 55
O projeto de lei de Wanderley foi recebido calorosamente pelo
Deputado Araújo Lima, da província de Alagoas, cujas declarações
revelaram claramente seu propósito. Este deputado falou amarga-
mente sobre o despovoamento e a deterioração econômica do norte,
insinuando que os compradores do sul tinham elevado os preços dos
escravos de modo a estes ficarem fora do alcance dos plantadores
de cana-de-açúcar e advertiu de que a região que ele representava
estava “ameaçada de ruína, de perfeita decadência”. O despovoamento
e o declínio de uma parte do Império, afirmou ele, criaria “graves
males” para toda a nação, incluindo o próspero sul. Não seria a pros-
peridade da região do café comprometida se a maioria dos escravos
lá se concentrassem? “Ficai certos,” disse o deputado, “de que fereis
interesses oppostos, províncias de escravos, provincias sem escravos,
tereis o antagonismo, as lutas que se dão por este motivo na Ame-

64 Ibid., IV, 124. Ao mesmo tempo, Wanderley apresentou um segundo


projeto de lei para libertar os escravos que pediam
os proprietários a alimentarem os escravos velhos, esmola e para obrigar
doentes ou incur 8
a não ser que eles próprios (os seus proprietários) l
áveis,
Nenhum dos dois: projetos obteve qualquer progresso signific
não tivessem Àmeios ;
55 Ibid., IV, 243-247. entticante na Câmara.

64
rica do Norte, que têm posto em tão imminente perigo a União
Americana.” 96
Em defesa de seu próprio projeto, Wanderley argumentou que
os fazendeiros do norte não podiam competir com os das províncias
do sul na aquisição de trabalhadores. Quase nenhum dos plantadores
dó norte se desfizera ainda de seus escravos, “porque perderião os
capitais fixos empregados na cultura”. Contudo, uma pesada mor-
talidade anual de pelo menos cinco por cento forçaria os plantado-
res do norte a comprarem escravos urbanos ou os de fazendas me-
nores, cujo trabalho poderia ser realizado por homens livres. Se,
porém, essas fontes de escravos fossem perdidas para os compradores
do sul, o norte depressa seria “reduzido a criadores de bois”! Tal
como seu colega de Alagoas, Wanderley advertiu sobre uma desas-
trosa divisão regional de interesses:

4 consegiiência de uma mudança radical nas condições do trabalho das


províncias será o antagonismo político entre as províncias do sul e as pro-
víncias do norte, porque estas, logo que não tiverem escravos, se empenharão
para que os não haja no sul (apoiados); as províncias do sul quererão o
contrário, e veríamos saltar deste choque de interesses entre nós os mesmos
perigos que têm ameaçado a União dos Estados Unidos da América...” 57

A Câmara dos Deputados rejeitou a proposta de Wanderley,


mas, na década de 1860, com os Estados Unidos envolvidos em
guerra civil, vários brasileiros preeminentes, até mesmo nas provín-
cias do café, começaram, finalmente, reconhecendo a ameaça ao
seu sistema, inerente no aumento de diferenças regionais causadas
pelo tráfico interprovincial de escravos. “Não foi exactamente, Se-
nhores,” perguntou Silveira da Mota num importante discurso no
ca

Senado em 1862, “depois que, ha muitos annos, na União Ameri-


cana, o Norte aboliu sua escravatura e ficou a escravatura do Sul,
que se foi creando em todos os interesses industriais do Sul um in-
teresse antipoda dos interesses do Norte? Depois de creada e vigo-
rada essa antithese de interesses, não foi que appareceu a explosão
que ainda não acabou?” Se o norte brasileiro continuasse perdendo
seus escravos, previu este deputado na sua inversão de opinião, os
interesses das províncias do norte e do sul viriam a ser antagonís-
ticos. 58 O crescente perigo para o sistema escravocrata implicado
pela guerra na América do Norte e as queixas causadas pelo senti-

56 Ibid., IV, 275-276.


57 JIbid., IV, 346-348.
658 Annaes do Senado (1862), IV, 97.

ó5
ménto antiescravatura no Brasil tinham alertado este antigo depu- ||
tado de São Paulo, já então representando Goiás no
Senado, para |
Os perigos inerentes a um conflito de interesses regionais.
No começo da década de 1860, já era demasiado
tarde para deter
o processo. Às provas de mudanças econômicas import
antes e irre-
versíveis no norte já eram evidentes, sendo confirmada


s pelo recen-

E
seamento nacional de 1872. Pouco depois da Guer
ra Civil dos Es- |
tados Unidos ter sido desencadeada, um deputado da provín
cia nor- |
destin a de Alagoas, Aureliano Cândido Tavares Bastos, come
çou pu-
blicando artigos no jornal liberal do Rio, Correio Mercantil, sob o
pseudônimo de Solitário. Estas Cartas do Solitário
incluíam vários
estudos da escravatura brasileira que refletiam uma pr
eocupação sin-
cera no que se referia à terrível situação dos escrav
os e uma com- |
preensão esclarecida dos interesses de seus constituintes do nor
te. O
tráfico interprovincial de escravos era prejudicial aos in
teresses agrí-
colas do norte, afirmou Tavares Bastos, mas seria reco
nhecido, em
última análise, como benéfico para essa região e prejudic
ial para o
sul. Suas consegiiências morais e a revolução econômica que
pro-
vocara já eram evidentes. Em Pernambuco, na Paraíba e no Rio
Grande do Norte, já havia homens livres encontrando emprego re- |
munerado nas plantações de cana-de-açúcar, enquanto, no Ceará,
já se verificava uma transformação semelhante na sua nova indús-
tria do café. Nas províncias do norte, o trabalho livre já fora con
-
siderado mais produtivo do que o realizado pelos escravos. Apesar
das epidemias de cólera e da perda de trabalhadores para o sul, a
agricultura nordestina fora melhorada, com arados e motores a va
por
sendo introduzidos, e, em certas regiões, o senhor de engenho já se
transformara num mero processador das safras de açúcar, plan
tadas
por rendeiros livres. 5º
Em 1863, este político e economista nordestino, um dos primei-
ros abolicionistas, estava convencido de que a escravatura já
não
era indispensável, pelo menos em certas partes do Império. Para
apressar seu fim e aliviar a escassez da mão-de-obra
rural, propôs
uma série de reformas que incluíam a emancipação de todos os
es-
cravos em certas províncias selecionadas com base nas suas
peque-

6º O aumento da produção agrícola do Ceará


Estados Unidos foi o resultado, em parte, de durante a Guerra Civil dos
um
seu algodão. Todavia, homens tão capazes quantomerc ado mais amplo para
Perdigão Malheiro e O
historiador Homem de Melo, presidente do
Ceará em 1868, estavam con-
vencidos de que a melhoria da situação
resultado do aumento do trabalho econômica nessa província era o
livre
Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 161. e do declínio da escravatura. V 4

66
nas populações cativas. Estas eram províncias do norte, especi
fica-
mente o Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Pe
rnam-
buco, cuja população escrava fora reduzida, em grande
parte devido
ao tráfico interprovincial de escravos. %º Conforme as próprias opi-
niões de Tavares Bastos sugeriram, o norte, já menos compromissa-
do com a escravatura, viria a ser visivelmente mais receptivo a me-
didas cujo resultado desejado era uma eliminação gradual do
siste-
ma de escravos, o que, pouco depois, seria recomendado à nação
pelo próprio Imperador.

60 Tavares Bastos, Cartas do Solitário, páginas 459-460; Aureliano Cândido


Tavares Bastos, 4 provincia (2.º edição; São Paulo, 1937), páginas 241-262.

67
A última guerra dos Estados Unidos...
repercutiu no Império como um imenso e medonho trovão;
era a voz de Deus, falando pela boca dos canhões,
que nos avisava de que era chegado o derradeiro
dia dessa bárbara
e fatal instituição...

PERDIGÃO MALHEIRO, 1867

A
ORIGEM DO
EMANCIPACIONISMO

EMANCIPACIONISMO IMPERIAL

DuranNTE a década de 1860, desenvolveu-se um movimento


emancipacionista significante no Brasil, culminando em 1871 com
a aprovação da legislação que libertava os filhos recém-nascidos de
escravas. Esta mudança da política de nada fazer dos anos da década
de 1850 foi o resultado do reconhecimento por muitos brasileiros,
incluindo algumas das mais elevadas autoridades, de que a escrava-
tura era uma instituição desacreditada no mundo ocidental e de que
não poderia continuar existindo sem sofrer algumas restrições im-
portantes. A abolição, acreditava-se, era impossível nas circunstân-
cias brasileiras, mas seria igualmente impossível manter o silêncio
sobre uma questão que preocupava grandemente o mundo fora do
Império.
Uma série de acontecimentos no exterior ajudou a estimular
as atitudes
madre) reformistas A da década de 1860. A lib ertação dos escravos
nos impérios português, 1 francês e dinamarquês, a
dos servos russos
em 1861 e a Guerra Civil nos Estados Unidos de
ram à questão da
88
escravatura do Brasil uma urgência que não se verificara desde
o
final da luta, em 1851, para acabar com o tráfico africano de escra-
vos. Dois acontecimentos, a Proclamação da Emancipação nos Es-
tados Unidos e o chamado “Caso Christie”, que causara em 1863
um corte de relações entre o Brasil e a Grã-Bretanha, ajudaram,
sem dúvida, a moderar as atitudes brasileiras para com a questão
da escravatura mesmo antes da conclusão da Guerra Civil norte-
americana em 1865. 1 Todavia, foi o resultado do conflito militar na
América do Norte que enfraqueceu grandemente a escravatura bra-
sileira e despertou a oposição ao sistema, já que a sobrevivência da
escravatura nos Estados Unidos, até então, proporcionara sempre
aos defensores da instituição brasileira um de seus mais fortes argu-
mentos. A ratificação da Décima Terceira Emenda à Constituição
dos Estados Unidos foi um ato de grande importância, não só nos
Estados Unidos, mas também para Cuba, Porto Rico e Brasil, pois
condenava a escravatura nesses países quase tão decisivamente quan-
to na América do Norte. Com a vitória dos estados do Norte, o
Brasil enfrentava mais do que nunca a necessidade de tomar algu-
mas medidas para acabar com a escravatura e iniciar um sistema
de trabalho livre. Em 1865, apenas a Espanha, com suas colônias
de Cuba e de Porto Rico, acompanhava o Brasil como uma impor-
tante nação escravocrata e o Brasil era o último dos países indepen-
dentes das Américas a carregar o “estigma colonial” da escravatura.
Se quisesse conservar sua reputação, construída durante anos de paz
e desenvolvimento sob a liderança de um soberano moderado, o
Brasil teria de tomar medidas importantes para sua eliminação.
A emergência causada por novas condições mundiais foi senti-
da mais imediatamente, é claro, pelo Imperador e seus conselheiros,
bem como pelos membros dos ministérios governamentais, que se
empenhavam na proteção não só dos interesses internos, como tam-
bém do bom nome e da reputação do Brasil na comunidade mun-
dial. Depois do restabelecimento das relações entre ingleses e brasi-
leiros, em 1865, o Ministro Britânico no Rio, Sir Edward Thornton,
informou sobre “um sentimento rapidamente crescente entre os ele-
mentos de liderança da necessidade da abolição da escravatura.” Os
brasileiros “começavam a sentir-se envergonhados pela existência de

1 Na Véspera do Ano Novo, em 1862, uma força naval britânica iniciou


um breve, mas humilhante bloqueio do porto do Rio, o que foi um resultado
imediato de incidentes menores, mas uma consegiiência, na realidade, da
longa disputa entre ingleses e brasileiros sobre os “emancipados” e a própria
escravatura. Ver Graham, Britain and the Onset, páginas 167-171; Bethell,
The Abolition, páginas 382-383.

69
uma tal instituição no seu país e o partido liberal, agora no poder.
confessou que ela era incompatível com seus princípios políticos.”
Os acontecimentos nos Estados Unidos tinham “inspirado no Brasil
um sentimento de isolamento e de vergonha pelo fato de ser o últi-
mo país no continente a limpar uma tal mancha das suas institui-
ções e estão produzindo uma pressão moral a que seu Governo terá
dificuldade em resistir.” 2 O Brasil, escreveu Perdigão Malheiro não
muito depois na sua obra monumental sobre a escravidão, não po-
deria resistir à corrente da opinião mundial sobre a questão da escra-
vatura. A resistência era impossível e seria até do maior perigo.3
O próprio Imperador, talvez depois de prolongada meditação
sobre as dificuldades e os riscos envolvidos, tomou a decisão de agir
contra a escravatura — e Dom Pedro constituiu de longe a mais
importante influência singular na aprovação da lei da reforma da
escravatura de 1871. Seu poder para responder à opinião mundial,
entretanto, não era ilimitado, pois a classe dos fazendeiros, que eram
aqueles que mais se beneficiavam da escravatura, encontrava-se na
base do sistema político brasileiro e só com o apoio dessa classe ou
com o consentimento passivo de alguns de seus setores é que qual-
quer reforma poderia ser adotada e realizada.
Desafiar a escravatura era um terrível empreendimento, até mes-
mo para um Imperador, numa sociedade ainda dominada por po-
tentados rurais. O que era preciso era uma mudança no sistema da
escravidão suficientemente importante para satisfazer os críticos es-
trangeiros e nacionais sem excessiva ofensa imediata ou prejuízo
para os poderosos da nação. Como resultado disto, a solução que o
cauteloso e estudioso Dom Pedro e seus conselheiros adotaram e, de-
pois de anos de esforços e hesitações, conseguiram forçar na Assem-
bléia Geral, foi moderada, mas muito importante: a libertação das

2 Carta de Thornton ao Conde de Clarendon, Rio de Janeiro, 6 de dezembro


de 1865, PRO, Foreign Office, 84/1244. Um ambiente semelhante, quase
de pânico, desenvolveu-se em Cuba e na Espanha logo depois da Guerra
Civil norte-americana. Há muito tempo quase “tabu” nas Cortes Espanholas,
a questão da emancipação dos escravos de Cuba foi subitamente levantada
nessas Cortes em 1865. “A guerra nos Estados Unidos terminou,” disse
um legislador espanhol, “e, tendo terminado, a escravatura na totalidade do
continente americano pode ser considerada acabada.” Ver Arthur F. Corwin,
Spain and the Abolition of Slavery in Cuba, 1817-1886 (Austin, Texas, 1967),
p. 162. Numa declaração pioneira sobre a abolição, Richard Graham reduziu
a importância dos Estados Unidos como um fator induzindo a reforma brasi-
leira, tendo enfatizado a significação da pressão britânica. Ver “Causes for
the Abolition of Negro Slavery in Brazil: An Interpretive Essay”, HAHR
Vol. XLVI (maio de 1966) p. 131. À ,
8 Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 156.

90
crianças recém-nascidas de escravas. Este “método muito justo e mais
gradual”, conforme um liberal preeminente, José Antônio Saraiva,
o caracterizou para o Ministro Britânico em 1865, “conteria um
grau de consideração para com os direitos de propriedade e encon-
traria um mínimo de oposição por parte dos atuais proprietários de
escravos.” £
Contudo, até mesmo esta solução moderada, que Lincoln havia
proposto para Delaware em 1861 e que fora rejeitada pela legisla-
tura desse estado no mesmo ano, dificilmente teria sido imposta no
Brasil se não fosse a cooperação das províncias do norte e de seus
representantes na Assembléia Geral, os quais, como veremos, apro-
varam a reforma contra a vontade conjunta das províncias produ-
toras de café. A verdade é que, na década de 1860, ainda não havia
qualquer onda irrepressível de sentimento emancipacionista entre a
elite agrícola em qualquer parte do Brasil ou mesmo entre a popu-
lação em geral. Havia, no entanto, uma disposição maior em quase
todas as províncias fora da região do café (que se aproximava do
entusiasmo entre alguns fazendeiros e políticos de Pernambuco)
para ceder ante a vontade do Imperador e a opinião mundial no
sentido de aceitar uma legislação cuidadosamente planejada para
preparar para o inevitável, embora prejudicando o menos possível os
interesses estabelecidos. Conforme um erudito brasileiro afirmou re-
centemente, a resistência à reforma concentrava-se nas províncias do
centro-sul, “enquanto para o Norte-Nordeste, progressivamente ex-
portador (de escravos), um programa que afetava apenas remota-
mente o volume da força de trabalho, parecerá menos crucial.” 5
Sendo um homem de reputação liberal fora de seu Império,
Dom Pedro II identificara-se cuidadosamente com a emancipação
desde a década de 1850 e, assim, quando pessoas em altos cargos
começaram falando em favor da emancipação no auge da Guerra
Civil norte-americana, poucos foram os brasileiros informados que
não pensaram que o Imperador estava envolvido nesse movimento. €

4 Carta de Thornton ao Conde de Clarendon, Rio de Janeiro, 6 de dezembro


de 1865, PRO, Foreign Office 84/1244. |
5 Paula Beiguelman, Formação política do Brasil (2 vols; São Paulo,
1967), I, 26.
6 dat Pedro concordara, em 1856, com ser protetor do novo clube cívico,
a Sociedade Ipiranga, dedicada a libertar escravos no Dia da Independência e,
em 7 de setembro desse ano, ele e a Imperatriz assistiram à primeira ceri-
mônia de libertação dessa organização na Igreja Carmelita do Rio. Carta
de Scarlett para o Conde de Clarendon, Rio de Janeiro, 13 de outubro
de 1856, Class B., From April 1, 1856, to March 31, 1857, p. 171: Discussão
da reforma do estado servil, II, 142. Na sua biografia de Dom Pedro,

91
Em setembro de 1863, quando Dom Pedro já tivera quase nove
meses para ponderar o significado do Caso Christie e a Proclama-
ção da Emancipação, um advogado preeminente com relações ínti-
mas com a Coroa propôs publicamente a solução para a questão da
escravatura que não tardaria a ser adotada pelo governo. “A eman-
cipação do ventre”, disse Perdigão Malheiro, advogado do Conselho
de Estado e pajem da Casa Imperial, era a melhor solução para o
problema da escravatura. A nova geração seria livre, afirmou ele
numa reunião do prestigioso Instituto dos Advogados, enquanto os
escravos existentes continuariam servindo seus senhores “até que
pela morte e pelas manumissões regulares se extinguisse esse cancro

O
da sociedade brasileira.” O escravo era uma forma especial de pro-

TOO TTT——————
priedade, “tolerada pela lei civil por motivos especiais”, acrescentou
elo, mas essa mesma lei poderia ser modificada ou até extinta, em

TST
obediência “nisto, à lei mais poderosa do Autor da Natureza”. Difi-

E
cilmente uma voz mais autorizada poderia ser escutada sobre uma
questão legal no Brasil e os brasileiros informados devem ter sus-
peitado de que Perdigão Malheiro fizera esta franca declaração a
pedido do Imperador ou, pelo menos, com a aprovação tácita de
Dom Pedro. ? Nesse mesmo ano, além do mais, Perdigão Malheiro
começou escrevendo seu admirável estudo sobre a escravatura no
Brasil, a ser publicado em três volumes em 1866 e 1867 pela Impren-
sa Nacional.

Mary Wilhelmine Williams afirmou que, em 1840, o Imperador libertou


os escravos incluídos na sua herança e que, em 1864, libertou os que
«estavam incluídos no dote da Princesa Isabel. Ver Dom Pedro the
Magna-
-mimous, p. 265. Todavia, em 1866, o Imperador ainda “libertou 190 escravos
«de sua propriedade particular” para serviço na Guerra do Paraguai e
ainda
estava fazendo uso de milhares de escravos de propriedade do governo.
Nesse tempo, ainda havia cerca de 2.500 “escravos da nação” resid
indo na
propriedade do Imperador em Santa Cruz, cuidando dos campos
e do gado
ou alugados a fazendas vizinhas. Os escravos de Santa Cruz eram privi-
legiados, recebendo pagamento diário e educação. Os filhos dos escravos
de
Santa Cruz tinham formado uma banda e sabiam tocar os hinos dos
Estados
Unidos, da Inglaterra e da França, para satisfação de convidados
geiros. estran-
Ver John Codman, Ten Months in Brazil (Boston, 1867), pági-
nas 103-106; Benedicto Pires de Almeida, “Tietê, os escra
vos
Revista do Arquivo Municipal, Vol. XCV (São Paulo, 1944) e a abolição”,
, p. 53.
* Agostinho Marques Perdigão Malheiro, Ilegitimidade da pro
tituida sobre o esc; priedade cons-
escravo (Rio de Janeiro, 1863) páginas 17-24,
sua íntima associação legal e na Cor Além de
te com o Imperador, Perdigão Malhei
também era presidente do Instituto ro
Brasileiro dos Advogados filho do
dente do Supremo Tribunal de presi-
Justiça e cunhado do líder do
servador, Eusébio de Queiroz. Ver Partido Com
obituária de Perdigão Malheir
da Tarde, 3 de junho de 1881; Augusto G
Victor: t Babo
nario Bibliographico Brasileiro (7 vols.; Rio de Janeiro
es
1833 1902) TB
92
| Apenas três meses depois de seu representante ter
proposto a
libertação dos recém-nascidos, Dom Pedro reco
mendou a mesma so-
lução num memorando enviado ao novo Presidente liberal do Con-
selho de Ministros, Zacarias de Góis. Os acontecimentos nos Esta-
dos Unidos, disse Dom Pedro a seu Primeiro Minist
ro, compeliam
o governo brasileiro a considerar o futuro da escravatura “p
ara que
não nos suceda o mesmo que a respeito do tráfico de afri
canos. as
A solução mais prática, sugeriu ele, era a libertação dos
recém-
nascidos. *
Apesar dos acontecimentos nos Estados Unidos tornarem essa
ação ainda mais imperativa, um trágico envolvimento brasileiro nos
assuntos de certos países vizinhos fez com que o governo brasileiro
demorasse o início da reforma proposta. Em outubro de 1864, o
exército brasileiro interveio numa disputa interna no Uruguai, fa-
zendo com que o Presidente do Paraguai, Francisco Solano López,
atacasse o Brasil, levando o Império a um conflito que viria a durar
até a morte de López em 1870. º
Com seu Império em guerra e ainda incerto quanto à questão
da escravatura, o Imperador, em julho de 1865, viajou até à zona
de guerra no Rio Grande do Sul. Tendo conferenciado nessa provín-
cia, em setembro, com o novo Ministro Britânico, Sir Edward
Thornton, cuja tarefa era restabelecer relações normais com o Bra-
sil, Dom Pedro regressou ao Rio no início de novembro, convencido
da necessidade de adotar uma reforma da escravatura. 1º O próprio
Thornton foi informado de que o governo brasileiro estava “muito
ansioso por apresentar alguma forma à legislatura para a abolição
da escravatura, mas... isso não poderá ser feito imediatamente, não
até que a guerra com o Paraguai esteja terminada...” A demora
era necessária, segundo Thornton foi informado, para “que não hou-
vesse causa de agitação ou divisão no país..., para não haver qual-
quer pretexto que impedisse todos os partidos de apoiarem e ajuda-
rem o governo de corpo e alma na continuação da guerra”, 11
Em contraste com os anos anteriores, a posição britânica quan-
to à escravatura brasileira foi cautelosa e discreta em 1865 e, assim,

8 Heitor Lyra, História de Dom Pedro II (3 vols.; São Paulo, 1938-1940),


IH, 235-236. -
? Para um resumo destes acontecimentos, ver Calógeras, Formação histórica,
ági 214-232.
10 Williams. Dom Pedro the Magnanimous, p. 121.
11 Carta de Thornton ao Conde de Clarendon, Rio de Janeiro, 6 de dezem
bro, 1865, PRO, Foreign Office, 84/1244.

93
não representou um papel dominante em fazer com
que Dom Pedro
decidisse agir. Com as relações sendo restabelecidas, o Foreign
O ffice
ordenou a Thornton que averiguasse sobre um possível refloresci-
mento do tráfico de escravos, sobre o estado dos escravos e dos
eman-
cipados e, ainda, sobre quaisquer tentativas para adqu
irir novos tra-
balhadores através da imigração, mas esse Ministro também foi in-
formado de que “não era desejo do Governo de Sua
Majestade que
entrasse no reatamento de Relações Diplomáticas com
o Brasil, em
quaisquer assuntos da antiga controvérsia relacionados
com a ques-
tão”. Thornton, por sua vez, aconselhou se
u governo em Dezembro
de 18 65:

Tenho verificado que existe, entre todas


classes de brasileiros, uma sensiti-
vidade extrema quanto a qualquer pressã
o sobre a questão da abolição por
parte da Europa e, particularmente, da
Inglaterra e... eu desaconselharia
sinceramente toda e qualquer pressão pos
itiva por parte do Governo de
Sua Majestade além de uma assessoria oOficiosa
que essa pressão retardaria mais do que e amigável; pois acredito
apressaria o final que tão dese-
jável é. 12

Apesar da ausência de pressão britânica e do envolvim


ento nos
preparativos para a continuação da guerra
contra o Paraguai, logo
depois do término do conflito norte-americano,
o Imperador ainda
encontrou tempo para tomar medidas preliminares
para a reforma
da escravatura. Cerca do final de 1865, pediu a um
assessor que lhe
era muito chegado, José Antônio Pimenta Bueno, que
preparasse
um projeto de reforma da escravatura e, em janeiro,
Pimenta Bueno
(mais tarde, o Marquês de São Vicente) já preparar
a um programa
moderado de cinco pontos que previa o nascimento
livre, o estabe-
lecimento de conselhos provinciais de emancipação,
registro dos es-
cravos e a libertação dos escravos de propriedade
do estado em cinco
anos e os dos conventos em sete, 13 Óposto,
contudo, por um Con-
servador da velha guarda, o Visconde de
Olinda, então Presidente
do Conselho, este projeto foi arquivado e passaram-s
e mais alguns
meses antes de Dom Pedro se dispor a tentar de
novo.
A disposição do Imperador refletia-se,
contudo, numa série de
decisões executivas tendendo para reduzir
o sistema da escravatura.

I2 Carta do Foreign Office a Th


ornton, 5 de setembro de 1865,
Foreign Office 84/1244; o mesm
o ao mesmo, 25 de novem
PRO
carta de Thornton ao Foreign
r Office,
r 6 de dezembro de 1865br Õ, ibid18 65,5 ibid
bi, o
18 Williams, Dom Pedro the Magnanimous, páginas :
de Dom Pedro II, IL, 238; Nabuco, Um estadista 121, 266; Lyra, História
nas 26-31. | O Império,
ério, 1 II, pági-:

94
Tendo decretado, em 1864, a libertação há muito devida dos eman-
cipados, decidiu também, em junho do ano seguinte, acabar com
o uso do chicote nos escravos condenados a trabalhos forçados, como
sendo uma violação do Artigo 179 da Constituição, que proibia o
chicote e todos os castigos cruéis e, no início de 1866, o governo
baniu o emprego de escravos em obras governamentais. Mais tarde,
nesse mesmo ano, Dom Pedro revelou de novo sua simpatia pela
emancipação ao conceder ao prior do mosteiro de São Bento uma
caixa de rapé de diamantes como seu apreço pela decisão do monge
de libertar todas as crianças de escravas da propriedade do mostei-
ro. Os beneditinos, donos de cerca de 2 mil escravos, eram muito
influentes e esperava-se que seu exemplo fosse seguido por outras
ordens religiosas e até mesmo por particulares. 14
Pouco depois, a nação recebeu provas ainda mais chocantes da
determinação de Dom Pedro em agir. Em julho de 1866, uma pres-
tigiosa sociedade abolicionista de Paris (o Comité pour I' Abolition
de VEsclavage) pediu ao Imperador que usasse seu poder e prestígio
para abolir a escravatura brasileira. Sem dúvida para surpresa e
desilusão dos proprietários de escravos, a resposta oficial do governo
insinuava que o novo gabinete de Zacarias de Góis estava forte-
mente interessado em acabar com a escravatura, embora a liberta-
ção dos escravos não pudesse ser obtida de uma só vez. A emanci-
pação no Brasil, escreveu o Ministro dos Assuntos Estrangeiros em
nome do Imperador, “não passa de uma questão de forma e de oppor-
tunidade.” Quando as circunstâncias o permitissem, o governo con-
sideraria a abolição como um assunto da maior importância. 1: Des-
ta declaração, depreendia-se que o obstáculo à emancipação era a
guerra com o Paraguai e que o governo estava determinado a agir
depois da conclusão dessa luta.
Tanto o esforço de guerra quanto a emancipação dos escravos
foram alvo de um benefício por um decreto de novembro de 1866
concedendo a liberdade aos escravos de propriedade do governo
que quisessem servir no exército. Os proprietários particulares e as
ordens religiosas, especialmente as carmelitas e os beneditinos, que
se calculava possuírem, em conjunto e em diversas províncias, um
total de cerca de quatro mil escravos, foram fortemente pressiona-

14 Colecção das leis do Imperio (1865), p. 278; carta de Thornton ao


Conde Russell, Rio de Janeiro, 2 de novembro de 1865, Class B., 1865,
páginas 12-13; o mesmo ao mesmo, de fevereiro de 1866, BFSP (1866-1867).
LVII, 1270; o mesmo ao mesmo, 29 de maio de 1866, BFSP, LVII, 1271:
o mesmo ao mesmo, 27 de junho de 1366, BFSP, LVII, 1272.
15 Dornas Filho, 4 escravidão, páginas 151-152.

95
dos para seguirem o exemplo do governo e o próprio Imperador Nbers.
tou 190 de seus escravos para serviço no Paraguai. 1º Durante essa
longa guerra, na realidade, cerca de vinte mil pessoas (incluin
do as
mulheres dos soldados libertados) encontraram seu caminho para a
liberdade como um resultado de alistamento voluntário ou pela
subs-
tituição de seus donos na Guarda Nacional; o governo chegou mes-
mo a conceder títulos de nobreza a proprietários que forn
eciam es-
cravos para serviço no exército. Ainda não satisfeito
com o volume
do recrutamento, Dom Pedro ofereceu, em 1867, 100 contos
(ao tem-
po, cerca de 10 mil libras) de sua própria fortuna para
comprar a
liberdade de escravos que fossem lutar na guerra contra o Para
guai.”
Apesar do sangrento conflito, por certo, o preocupasse mais do
que a questão dos escravos, Dom Pedro continuou associ
ando-se
com o emancipacionismo. Em fevereiro de 1867, talvez por
sua ins-
tigação, Zacarias de Góis apresentou o projeto de reforma
do gover-
no, preparado no ano anterior pelo Visconde de São Vicent
e, e vá-
rias outras reformas relacionadas com a escravatura ao Cons
elho de
Estado, para sua consideração. Estas propostas incluíam, agora,
além
das medidas originais esbocadas pelo Visconde, a completa aboliç
ão
da escravatura com compensação total para os proprietários no
últi-
mo dia do século xrx, uma proposta que, inevitavelmente, causaria
receio e hostilidade. As perguntas formuladas ao Conselho de Esta-
do eram corajosas e muito diretas: “Seria desejável abolir direta-
mente a escravatura e, se assim fosse, quando e com que salva-
guardas?” 18
O Conselho de Estado, reunindo-se com o Imperador no início
de abril de 1867, refletiu o alarme dos fazendeiros. Pressionados
pelo monarca, os conselheiros, na sua maioria, concederam a neces-
sidade de uma reforma, mas manifestaram-se contra qualquer pre-
cipitação, advertindo do perigo de desordens públicas, guerras ra-
pe. —

16 Colecção das leis do Imperio (1866), Volume XXVI, Parte I, p. 313:


Ofícios e outros papéis da casa imperial, 1801-1868, Cod. 572, Documento
carta de Thor nton a Lord Stanley, 6:
Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 1866,
Class B, 1867, p. 31; Pires de Almeida, “Tietê”, p. 53.
HW Ver Nabuco, O Abolicionismo, p. 61; Poppino, Brazil, p. 172.
Thornton a Lord Stanley, Rio de Janeiro, 6 de março Carta de
de 1867, BFSP
(1867-1868), LVIII, 945. Os homens livres podiam ser substituídos
cravos durante a guerra e, assim, desenvolveu-se por es-
escravos fisicamente aptos no serviço militar. Do um negócio do uso de
de Janeiro, 3 de novembro
mesmo ao mesmo, Rio
de 1866, Class at Roo, páginas 47-48, Anúncios
rocurando escravos aptos para o serviço militar apareceram
SDEnAiE do Ceará, publi
em 1868. Ver Girão, 4 abolição Ho Cear Publicados em
18 Nabuco, Um estadista do Império, III, 32, á, p. 28.

96
ciais, a escassez de mão-de-obra e grandes prejuízos para a econo-
mia. A abolição imediata, disse Nabuco de Araújo, pai do futuro
abolicionista Joaquim Nabuco, “precipitaria o Brazil em um abysmo
profundo e infinito.” Pelo menos meio milhão de pessoas seriam per-
didas para o força do trabalho nacional. Alguns escravos libertados
trabalhariam por salários, mas muitos outros tornar-se-iam vagabun-
dos ou iriam para as cidades, com suas mulheres passando a dedi-
car-se a tarefas domésticas.
- A maioria dos membros do Conselho aceitou o conceito de nas-
cimento livre como um passo para a emancipação, mas houve muitos
que o fizeram com relutância. O Visconde de Abaeté, por exemplo,
estava disposto a aceitar a reforma, mas não antes da Espanha. O
Visconde de Rio Branco — líder parlamentar do movimento eman-
cipacionista apenas quatro anos mais tarde — vaticinou que a liber-
tação dos recém-nascidos causaria perturbação nas fazendas, uma es-
cassez de crédito e uma diminuição da produção, mas manifestou
a opinião da maioria do Conselho, contudo, devido à pressão direta
do Imperador. O governo, pensava ele, devia preparar sua reforma
de maneira a ela poder entrar em vigor depois da guerra com o
Paraguai, quando houvesse forças militares disponíveis para enfren-
tar a inevitável ameaça à ordem pública. 1º
Não houve qualquer divisão regional definida no Conselho de
Estado quanto ao tópico debatido, mas os três membros mais clara-
mente emancipacionistas tinham ligações com províncias do norte.
O liberal Francisco de Montezuma (Visconde de Jequitinhonha), da
Bahia, favorecia fortemente a libertação imediata dos recém-nasci-
dos. 2º Souza Franco, do Pará, era “francamente emancipador”, de-
sejando estabelecer uma data para a eliminação da escravatura. 2!
E, finalmente, foi José Tomás Nabuco de Araújo, representando a
Bahia, que apresentou os argumentos e imaginou as propostas que
vieram a receber aceitação geral em 1871.

19 José Antônio Pimenta Bueno, Marquês de São Vicente, Trabalho sobre


a extincção da escravatura no Brasil (Rio de Janeiro, 1868), páginas 58-72;
Nabuco, Um estadista do Império, HI, 38.
20 Nabuco, Um estadista do Império, II, 34. Nascido na Bahia, como
Francisco Gomes Brandão, o Visconde de Jequitinhonha teve uma longa car-
reira liberal sob o nome adotado de Montezuma. Como Ministro da Justiça,
em 1837. tentara aplicar a proibição do tráfico de escravos e, em 1865,
propôs a abolição para quinze anos mais tarde. Para Joaquim Nabuco,
ele foi “o primeiro dos abolicionistas no sentido amplo da palavra.” Ibid.,
HI, 24.
= Ibid., NI, 32.
Este estadista, aliado por casamento a famí
lias de destaque de
Pernambuco, via a situação brasileira como sendo m ais gr
ave do que
as dos países que já haviam abolido a escrav
atura, pois o problema
encontrava-se dentro das fronteiras do Brasil e n do
em qualquer
colônia distante. Todavia, para impedir que a qu
estão da escrava-
tura se tornasse “presa dos demagogo
s”, o governo viu-se obrigado
a tomar a iniciativa. Deter a torrente era im
possível. Dirigi-la seria
a política mais oportuna, Nabuco propôs vári
as medidas, algumas
delas já incluídas no projeto de São Vicent
e e outras novas. Essas
medidas favoreciam o nascimento livre, um
fundo de emancipação
para manumissões anuais e leis para melhorar
as condições de vida
dos escravos. Para solucionar a escassez de
mão-de-obra que resul-
taria, pensava-se, dessas medidas, também pr
opôs que os libertos
fossem obrigados a trabalhar para seus antigos
donos ou pessoas de
sua escolha, sob pena de serem declarados vadi
os. 22 Pediu, ainda,
uma revisão das leis de Locação de serviços “para
adaptá-las às ne-
cessidades da colonização e às consequências da
emancipação”. Fi-
nalmente, este senador da Bahia recomendou medi
das para retirar
Os escravos das cidades e enviá-los para as zonas rurais
, tanto para
dar mais oportunidades aos imigrantes nas cidades quanto
para pro-
porcionar mais “braços” para a agricultura. 22 Conforme seu
filho,
Joaquim Nabuco, escreveu anos mais tarde, as sugestões de Nabuco
de Araújo foram a base da complicada legislação que, finalm
ente,
foi aprovada em 28 de setembro de 1871. 24
Pouco depois da reunião com o Conselho de Estado, o Impera-
dor nomeou uma comissão chefiada por Nabuco de Araújo para
preparar um projeto de lei e, apenas um mês mais tarde, no seu Dis-
curso anual do Trono, pediu à Assembléia Geral que se ocupasse
da questão da escravatura num momento oportuno. Apesar de ate-
nuado com termos moderados, este discurso, segundo escreveu o jo-
vem Nabuco dezesseis anos mais tarde, foi “como um raio, cahindo
de um céo sem nuvens.” 25 O Imperador, preocupado com assuntos

2“ Segundo o plano de Nabuco, tais pessoas não


seriam castigadas com
a prisão, que era o que desejavam, mas seriam condenadas a tra
gados em estabelecimentos penais ou colônias disciplinares. balhos for-
2º Pimenta Bueno, Trabalho, páginas 63-67.
24 Nabuco, Um estadista do Império,
neiro, 9 de abril de 1867. Oito dos membros do Con
início da legislação depois da guerra. Jequitinhonha
de uma lei de “ventre livre”. Dois conselheiros queria uma ação imediata
seram-se a qualquer , Olinda e Muritiba, opu-
reforma. Ver Barão de Rio Branco, Efemér
leiras (Rio de Janeiro, 1946), páginas 45-46. ides “brasi-
2º Pimenta Bueno, Trabalho,
p. 110; Nabuco, O Abolicionismo,
p. 63.

96
do estado e problemas estrangeiros, ousara fazer valer sua autori-
dade em desafio aos interesses da classe dos fazendeiros, mas tam-
bém tivera a precaução de explicar seus objetivos e de tranqúilizar
os proprietários de escravos no sentido de que não tinha a intenção
de impor soluções demasiado rápidas. Pouco depois desta mensagem
histórica, a imprensa do governo publicava o terceiro volume de
A escravidão no Brasil, de Perdigão Malheiro, contendo recomenda-
ções para a reforma da escravatura quase idênticas às propostas por
São Vicente e Nabuco de Araújo e debatidas no Conselho de Esta-
do. O Brasil teria a emancipação, escreveu Perdigão Malheiro no
seu capítulo final, mas ela não seria brusca e imprudente. O tesouro
não teria o fardo da indenização devida por uma emancipação ime-
diata. A imigração seria promovida. O Brasil deveria preparar-se
para um futuro digno do século e do respeito do mundo, mas deve-
ria, também, progredir com moderação e com consideração pela
ordem estabelecida. 26
Apesar da atitude cautelosa do governo para com a reforma,
os proprietários de escravos ficaram alarmados. Os jornais e os polí-
ticos conservaram-se quase silenciosos, mas os fazendeiros não tar-
daram a dar a conhecer sua amargura e oposição a seus associados
de negócios nas cidades a fim de consolidar a oposição rural-urbana. 27
A crescente reação contra as políticas do governo revelou-se em dois
artigos publicados no Correio Mercantil pouco depois da Fala do
Trono do Imperador. Na segunda destas “Cartas de um Cego”, um
autor anônimo criticava O regime por sua resposta à sociedade abo-
licionista francesa, advertia contra a interferência governamental na
questão da escravatura e atacava o Imperador por sua intervenção
pessoal. A resposta do governo à sociedade francesa fora “temerária,
porque despertou esperanças exageradas sem definir as promessas...”
Os valores referentes à propriedade haviam caído e os escravos co-
meçavam tendo pensamentos aventurosos. ?º A escravidão era um
erro, uma limitação contra a natureza, disse este irado autor, mas

26 Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 191-231.


27 José Maria dos Santos, Os republicanos paulistas e a abolição (Rio de
Janeiro, 1942), páginas 53-54.
a violência
28 Em 1866, Thornton relatou um alarme crescente causado pel
rav os e por “u m se nt im en to que est ava su rg in do ent re os pr óp ri os
dos esc
escravos” de que seriam libertados. Carta de Thornton ao Conde de Cla-
on , Ri o de Jan eir o, 5 de ja ne ir o de 186 6, Cla ss B., 186 6, pá gi na s 42- 43.
rend , em 186 7, que “o se nt im en to pre va-
O Consul britânico no Pará info rm ou
lecente de que a emancipação dos escravos... não está muito distantecavita tem
im pe di r que os co mp ra do re s co lo qu em qu al qu er l
tido o efeito de 1867, p. 38.
importante num investimento tão inseguro...” Class B.,

99
era “um erro, uma violência, sanccionados, tolerados e legalizados”.
“O governo”, advertiu ele, “não conhece o perigo que corre, pondo-
se à frente da ideia, como apostolo.” 2º
Apesar de tais críticas, Dom Pedro continuou seguindo seu cur-
so emancipacionista durante mais um ano, tentando cautelosamente
acomodar as irreconciliáveis aspirações de um crescente movimento
emancipacionista e da opinião estrangeira com as exigências da agri-
cultura brasileira. Na questão da escravatura, Dom Pedro foi, de
fato, uma figura central, por vezes recomendando medidas progressi-
vas, mas evitando qualquer ação demasiado rápida, chegando mes-
mo, ocasionalmente, a abandonar sua posição emancipacionista em
favor de outras considerações. A 3 de maio de 1868, por exemplo,
em ouíra Fala Co Trono, informou à nação de que a questão da
escravatura fora objeto de um “assíduo estudo” e de que uma pro-
posta seria submetida à Assembléia, para sua consideração, “opor-
tunamente”. *º Pouco depois, contudo, a guerra com o Paraguai, que
já justificara o adiamento da reforma da escravatura por mais de
dois anos, motivou Dom Pedro para ações que implicavam um quase
abandono de sua política de emancipação. Enfrentando uma dispu-
ta sem solução entre seu Primeiro Ministro, o liberal Zacarias de
Góis, e o comandante das forças armadas no Paraguai, o Duque
de Caxias, Dom Pedro decidiu, em julho, aceitar a demissão de Za-
carias e pedir a um conservador que formasse um gabinete. 3! Esta
decisão arbitrária, mas legal, enraiveceu os liberais, que detinham
a maioria na Câmara, e foi tomada como uma ofensa ao crescente
número de pessoas que simpatizavam com o emancipacionismo.
Enquanto Zacarias estava comprometido com as propostas do gover-
no, o novo gabinete, por seu lado, identificava-se com a oposição à
reforma da escravatura. Com um tal governo no poder, não era
provável que um projeto de lei emancipacionista alcançasse a Câma-
ra dos Deputados. A Câmara liberal, na realidade, foi dissolvida
em 20 de julho e, em eleições subsegiientes, foi substituída por uma
Câmara composta quase unanimente por membros do Partido Con-
servador.

2 “Cartas de um Cego”, Correio Mercantil, 25 e 29 de maio de 1867.


80 Nabuco, Um estadista do Império, III, 55-71: Santos, Os republicanos
paulistas, p. 48.
Sd Em sua própria defesa, o Imperador afirmou, mais ta rde,
guerra, de fato, que determinara esta importante decisã que fora a
Um estadista do Império, WI, 104. o. Ver Nabuco,

100
EMANCIPACIONISMO POPULAR

Um pos resultados desta súbita inversão da política imperial foi


um fortalecimento e uma radicalização do movimento emancipacio-
nista, que os atos anteriores do Imperador haviam ajudado a estimu-
lar, e que, em 1868, já se tinha transformado numa força signifi-
cante por seu próprio direito. Dom Pedro, é claro, não fora o único
brasileiro que reagira a acontecimentos no exterior ou a mudanças
internas. A Guerra Civil nos Estados Unidos e a lenta evolução
econômica e demográfica dentro do Brasil haviam começado a gerar
um espírito emancipacionista em várias partes do Império entre 1862
ce 1865, com o movimento tendo sido ainda mais estimulado pela
mensagem do Imperador à sociedade abolicionista francesa e, tam-
bém, devido a suas outras declarações públicas sobre a questão da
escravatura. Em 1862, o Cônsul Britânico na Bahia já informara
seu governo de que, como resultado do grande esvaziamento dos
recursos de mão-de-obra nas províncias do norte, a escravatura se
concentrara grandemente na província do Rio de Janeiro. A guerra
nos Estados Unidos, informara ele, e “os princípios que parecem
governar essa poderosa luta” estavam sendo “olhados adequadamen-
te” por pessoas influentes da Bahia. Um senador dessa província
declarara recentemente que os acontecimentos nos Estados Unidos
viriam, mais cedo ou mais tarde, a refletir-se com uma força irresis-
tível no Brasil. Dependendo dos plantadores do Rio de Janeiro no
que se referia a seu apoio, a escravatura passaria a ser um fardo
logo que o abastecimento de escravos do norte se esgotasse e, então,
sua eliminação seria uma vantagem para a totalidade da nação. *º
Pouco depois, um viajante ex-confederado, sem dúvida sensitivo a
diferenças regionais, relatou que um “partido” antiescravatura apa-
recera no norte brasileiro, desde o Amazonas até Pernambuco, e
que “pressionava constantemente suas opiniões sobre o governo”.
Tendo-se libertado da escravatura através da venda de seus escravos
para o sul, indicou esse antigo confederado com um toque de des-
dém, os brasileiros do norte manifestavam uma verdadeira indigna-
ção ante os pecados daqueles que lhes haviam pago tão generosa-

32 ato neo Vea anesmo


a Christie, Bahia, 14 de junho de 1862, Class
ao Conde Russell, Bahia, 24 de setembro
B., 1862,
de 1862,
o * 194, Da mesma forma, O Cônsul Britânico no Rio Grande do Sul
do
ia E ormou Londres de “que até mesmo os próprios brasileiros estão desper-
ri os do trabalho DS
escravo...” Carta de Collan ao Conde
tando para ide do Sul, 31 de janeiro de 1864, ibid., páginas 83-84,

I0T
mente pela compra de seus escravos. Em contrapartida, os distri-
tos do sul da Bahia e as províncias do Rio de Janeiro e de São
Paulo estavam mantendo a instituição “com uma teimosia típica
da Carolina do Sul.” 33
O inexperiente movimento emancipacionista da década de 1860,
que viria a surgir de novo, já mais sólido, na década de 1880, pro-
duziu uma série de textos polêmicos na forma de projetos, artigos e
livros, alguns deles aparentemente instigados pela Coroa, mas outros
refletindo as opiniões de reformadores independentes. Tais publica-
ções incluíam frequentemente propostas para reforma ou mesmo para
a eventual eliminação da escravatura; Tavares Bastos resumiu essas
propostas em 1865 numa carta à Sociedade Anti-Escravatura da
Grã-Bretanha. As propostas mais comuns apresentadas subitamente
ao país, após muitos anos de apatia, não pediam a abolição da es-
cravatura, mas recomendavam a proibição da venda pública de escra-
vos ou a separação das famílias escravas, a libertação de cativos
de propriedade do governo, do clero ou de estrangeiros, além da abo-
lição do tráfico interprovincial de escravos. Estas medidas e outras
semelhantes tinham a intenção, talvez, de tornar a escravatura me-
nos ofensiva no que se referia aos estrangeiros, de deter a perda
de escravos pelas províncias do norte e de concentrar as populações
escravas nas plantações, onde ela era mais necessária. Outras pro-
postas, apresentadas à nação mesmo antes de o Imperador e seus
conselheiros terem revelado seu próprio plano de reforma, tinham
por objetivo acabar com a escravatura ainda durante a vida de ge-
rações existentes, fosse pela libertação dos recém-nascidos ou, então.
pelo estabelecimento de uma data final (geralmente, de trinta a cin-
quenta anos no futuro). 34
Algumas das sugestões eram mais radicais. Apenas uma semana
depois da rendição de Lee em Appomattox, por exemplo, o já idoso
Francisco de Montezuma, da Bahia, propôs ao Senado a abolição
total da escravatura dentro dos próximos quinze anos e, pouco de-
pois disso, este membro do Conselho de Estado do Imperador pu-
blicou uma série de artigos propondo a emancipação sem indeniza-
ção. *%º Em contraste, um autor do Maranhão, consciente de que
a
88 Codman, Ten Months in Brazil, páginas 154-155, 184.
84 Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 356-361. Tavares Bastos
a essas propostas a abolição gradual por província acrescentou
s, começando pelas que
tivessem fronteiras com territórios estran Selros e
aqueles onde o trabalho
livre já fora adotado em grande escala » repetindo,
apresentara em Cartas do Solitário.
assim, as propostas que
Sb Evaristo de Moraes, 4 lei do Ventre Liv i
p. 8; Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 101. nu Janeiro, 1917),

102
guerra nos Estados Unidos desfechara um golpe fatal
na escravatura
brasileira, defendeu abertamente uma nova forma de servidão
que
tinha a importante vantagem de impedir a venda dos trabalhad
ores
do Maranhão aos plantadores de café do sul A escravatura já aca-
bara, acreditava ele, mas os escravos não tinham instrução e a von-
tade de trabalhar, exceto quando levados pelo medo do chicote. Sua
solução para este dilema seria uma lei declarando que os escravos
brasileiros eram servos do solo (escravos da gleba), com sua venda
sendo proibida. Assim, os descendentes “livres” dos escravos brasi-
leiros ficariam sujeitos a seus antigos donos como colonos que lhes
pagassem tributo, “pela sua incapacidade de dirigirem-se por si
mesmos.” 36
Um apoio generalizado à reforma da escravatura, inspirado nos
brasileiros em parte pela liderança do Imperador, tornou inaceitável
sua inversão de política em 1868. É provável que, desde 1848, ne-
nhuma crise política tivesse levantado tantas críticas contra o monar-
ca e o sistema imperial, vindas, agora, de uma nova força na socie-
dade brasileira: um liberalismo renovado e identificado com refor-
mas democráticas, incluindo a libertação dos escravos. A destituição
do gabinete liberal e a nomeação de um ministério conservador pelo
Imperador despertou fortes sentimentos reformistas entre estudantes,
escritores, políticos liberais e uma parte da população urbana in-
formada.
Foi Nabuco de Araújo quem, em 1868, se colocou à cabeça da
oposição ao ministério conservador, defendendo a causa do eman-
cipacionismo. Num discurso no Senado, feito no dia seguinte ao do
golpe imperial, Nabuco denunciou a escolha pelo Imperador do
Visconde de Itaboraí, um idoso líder conservador, para chefiar o
novo gabinete. Tal como a escravatura, reconheceu ele, o ministé-
rio era legal. O Imperador possuía o direito para nomear e demitir
ministros do estado. Todavia, também como a escravatura, a legiti-
midade do ato do Imperador estava aberta a debate. A escravatura,
disse Nabuco de Araújo, era “um fato autorizado por lei”, mas era
“yum fato condenado pela lei divina... pela civilização... pelo mun-
do inteiro.” 37 O discurso de Nabuco foi um arrojado ataque aos
poderes constitucionais do Imperador e à instituição da escravatura
por um dos mais respeitados estadistas brasileiros.

A escravatura no Brasil (Bruxelas, 1865), páginas 52-56.


8 F. A. Brandão, ver Perdigão
Para outros textos € propostas sobre a escravatura do período,
Minha .
5 Um estadista do 99-Imp103éri
ravidão, II, .
o, III, 108.

103
F

Em outubro, sob a liderança de Nabuco de Araújo, o recente-


mente estabelecido Centro Liberal, composto por senadores liberais
e independentes, endossou o programa emancipacionista tão “ardua-
mente formulado no Conselho de Estado e, durante o mês de março
seguinte, o Centro emitiu um manifesto exigindo a reforma eleito-
ral, a abolição da Guarda Nacional e do recrutamento e a emanci-
pação dos escravos. Um dos propósitos básicos deste programa radical
ou, pelo menos, o Centro assim o afirmou para assustar o governo
e os fazendeiros, para que fizessem concessões, era evitar o levante
social, com um novo órgão de propaganda liberal, 4 Reforma, de-
pressa tendo afirmado essa posição. 8
O primeiro número de 4 Reforma, que apareceu no Rio em
maio de 1869, apresentou o projeto de reforma da escravatura então
proposto pelo Centro Liberal, que incluía a emancipação dos filhos
-de escravas, seguida pela “alforria gradual dos escravos existentes
pelo modo que opportunamente será declarado.” Ao mesmo tempo,
Tavares Bastos manifestava impaciência com o regime conservador
no que se referia à questão da escravatura e apontava que o Impe-
rador não mencionara o assunto na sua última Fala do Trono. *?
Mais emancipacionistas do que abolicionistas, os editores de 4 Re-
forma, o primeiro jornal antiescravista desde O Philantropo, esta-
beleceram um precedente jornalístico que, em 1880, viria a servir
os editores de O Abolicionista, órgão da Sociedade Anti-Escravista
«do Brasil. Houve, além do mais, uma continuidade de direção edi-
torial entre os dois jornais reformistas. Joaquim Nabuco, filho de
Nabuco de Araújo, esteve intimamente ligado a ambos, tal como
também sucedeu com Joaquim Serra, um jornalista do Maranhão
«que se juntou ao pessoal de 4 Reforma em 1868 e se manteve com-
promissado com a causa de libertação até a escravatura ser abolida,
vinte anos mais tarde. “0
A adoção pelo Imperador de uma política emancipacionista e
seu aparente abandono dessa mesma política em 1868 ajudou a fo-
imentar atividades reformistas em instituições do ensino superior,

38 Ibid., III, 129-133.


89 A Reforma, Rio de Janeiro, 12 de maio de 1869. Os números seguintes de
A Reforma foram mais conciliatórios na questão da escravatura (ver
número de 30 de maio de 1869) e, em julho, sua “moderação” já enc oratara
-os proprietários de escravos a anunciarem nas suas páginas, pedindo a devo-
lução de fugitivos, alguns deles africanos demasiado jovens para terem sido
levados para o Brasil antes
julho de 1860.
de 7 de novembro de 183
1. Ver ibid.,
bi 20 de
-40 Fernando Segismundo, Imprensa brasileira, Vul é
“Paulo, 1962), páginas 193-202. » Yuitos e problemas (São

J04
particularmente nas Faculdades de Direito de Recife e São Paulo.
Em 1865, um estudante de dezoito anos, da Faculdade de Direito
do Recife, Antônio de Castro Alves, já celebrava em verso a liber-
tação dos escravos na América do Norte, insistindo para que os
brasileiros seguissem o seu exemplo. Pouco depois, o jovem nordes-
tino começou descrevendo o sofrimento e os infortúnios pessoais de
escravos romantizados, lamentando o destino de uma jovem vendida
para província distante ou o de uma escrava com saudades da Áfri-
ca. 4 Depressa se tornando famoso, o jovem poeta juntou-se a uma
sociedade emancipacionista do Recife, que incluía entre seus mem-
bros o estudante de direito Rui Barbosa. Em Recife, Castro Alves
escreveu um drama antiescravatura, Gonzaga, * que foi recebido
com um entusiasmo público que já anunciava as “meetings” aboli-
cionistas que, alguns anos mais tarde, seriam realizadas regularmente
no Rio e em outras cidades brasileiras.
Em 1868, Castro Alves inscreveu-se na Faculdade de Direito de
São Paulo, onde se juntou com Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e
outros estudantes que já haviam manifestado suas opiniões anfti-
escravatura. Os jovens liberais, cada um deles um líder por si pró-
prio, eram conduzidos e inspirados pelo poeta e professor José Bo-
nifácio de Andrada e Silva, neto e homônimo do líder da indepen-
dência. ** Todavia, o abolicionismo da Academia de São Paulo, que
atraía estudantes de todo o país e até do estrangeiro, não refletia
as atitudes dos principais cidadãos, políticos e proprietários de São
Paulo. Um “corpo estranho” no coração de uma comunidade de
plantadores em que a defesa da escravatura crescia em importância
no final da década de 1860, a Faculdade. de Direito era um centro
de fermento intelectual “sempre pronto (segundo Richard M. Morse)
a perturbar os estreitos padrões da vida provincial”; a introduzir
“idéias e paixões políticas que transcendiam as questões locais...” “£
Foi neste ambiente acadêmico, cercado por uma população reprova-
dora, que Castro Alves escreveu e recitou seu poema O Navio Ne-
greiro, “sonho dantesco” de um navio negreiro carregado de homens
e mulheres dançando ao estalar ameaçador do chicote.
A queda do gabinete liberal em 16 de julho de 1868 radicalizou
os jovens liberais da Faculdade de Direito de São Paulo, já compro-

41 Ver sua obra Os escravos. age


42 Raymond S. Sayers, The Negro in Brazilian Literature (Nova York,
1956), p. 143. ;
48 Antônio Gontijo de Carvalho, “Prefácio”, Obras Completas de Rui Bar-
bosa, Vol. I, Tomo I, p. xvi.
44 Morse, From Community to Metropolis, páginas 55-56, 95-96.

J05
missados, como estavam, com o emancipacionismo. Juntando forças
com oponentes mais idosos da escravatura, criaram o Clube Radical
e uma voz jornalística, O Radical Paulistano, com um time editorial
que incluía Rui Barbosa e o poeta, advogado e antigo escravo Luiz
Gama. ** Apoiando todo o programa do Centro Liberal, O Radical
Paulistano era um equivalente acadêmico do jornal 4 Rejorma de
Nabuco de Araújo. Num ensaio publicado no seu primeiro número,
os editores deste novo jornal afirmavam que seriam essenciais refor-
mas decisivas para que a catástrofe fosse evitada. “Só uma política
radical, verdadeiramente definida, que tenha em sua bandeira as ur-
gentes reformas, pelas quais o país já não pode esperar,
conseguirá
nos salvar, abortando o grande cataclisma, que para nós caminh
a
a passos precipitados,” afirmava o novo jornal no mesmo estilo alar
-
mista usado antes pelo 4 Reforma. 4º Nesse jornal radical e em con
-
ferências públicas, os membros da recentement e formada loja “Amé
-
Tica” * dirigiram sua ira contra o sistema imperial, culpan
do-o pela
perigosa condição da nação e pela deserção do governo no que
se
referia ao programa emancipacionista. Que estava o gov
erno fazen-
do, perguntava o entusiástico e ainda juvenil Rui Barbos
a num
artigo publicado em 1869, face a uma revolução social iminente?
O governo desertara a causa da emancipação, afirmava ele, enq
uan-
to as províncias erguiam a bandeira da liberdade. Só um sistem
a
federativo, só a iniciativa provincial e a emancipação poderiam rea-
bilitar a nação. A abolição da escravatura estava próxima, con
cluía,
fosse esse ou não o desejo do governo. * Pela primeira vez na
his-
tória do Brasil, na realidade, surgira um verdadeiro movimento ant
i-
escravatura e, em 1870, já havia muitos indícios de ativid
ade sem
precedentes: a proliferação de clubes emancipacionistas, o início do
jornalismo antiescravista e fregiientes reuniões antiescra
vagistas. 48
A situação desenvolvera-se a um ponto, na verdade, em que
a ne-
cessidade para deter o crescente radicalismo veio a ser
um impor-
tante argumento para a reforma em 1870 e 1871.

“> Carvalho, “Prefácio”, p. xxiv.


46 Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. I, Tomo
47 Ibid., páginas 108-111. Nu TI, p. 34.
m discu rso proferido quarenta anos mais
Rui Barbosa insinuou a existência de um tarde,
opiniões dos estudantes e as dos ha abismo intransponível entre as
bitantes provinciais permanentes. Em
São Paulo, nesse tempo, disse ele, “Era
a primeira vez, se me não engano,
que na tribuna dos comícios, entre nós » Se ventil
e, para
ava tão teme rario assumpto:
o tratar, por aquelles tempos, em São
um estudante com as suas provas sob Paulo, s
Juizo, nessass travessuras do radicalis mo li e sujeito de pouco
48 Discussão da reforma do estado beral,”
servil, II, Appendi E
ce, p. 46,
106
A VESPERA DA REFORMA

ANTES mesmo do final da Guerra do Paraguai, medidas preli-


minares já haviam sido tomadas para tranguilizar o público no sen-
tido de que o governo tencionava regressar a suas políticas emanci-
pacionistas. De maio a julho de 1869, muitos foram os projetos para
liberalizar a escravatura apresentados na Câmara dos Deputados. *º
A maioria nem mesmo foi debatida, mas um projeto para eliminar
os mais sensacionais aspectos da escravatura recebeu o apoio do mi-
nistério e foi transformado em lei. Oito anos antes, um projeto de
lei para proibir o leilão público de escravos e a separação de casais
casados e seus filhos com menos de quinze anos de idade fora apro-
vado pelo Senado e, em junho de 1869, este projeto foi enviado, fi-
nalmente, para a Câmara dos Deputados, onde foi transformado em
lei no dia 25 de agosto. Sendo a primeira restrição legislativa signifi-
cante ao sistema escravocrata desde 1850, proibia os leilões públicos
e comerciais de escravos sob pena de uma multa que ia de 100 a 300
mil-reis. As vendas particulares, contudo, eram permitidas e, assim,
a nova lei não teve qualquer efeito importante sobre o tráfico inter-
provincial de escravos, que continuou em grande escala por mais
dez anos. As “praças judiciais” de escravos também eram permiti-
das, devendo ser supervisionadas por autoridades locais, para o pa-
gamento de dívidas ou a divisão de bens entre herdeiros, com tais
leilões tendo de ser anunciados um mês antes para permitir ofertas.
Em todas as vendas de escravos, particulares ou judiciais, a separa-
ção de marido e mulher ou de uma criança e sua mãe seria proibi-
da, exceto quando o filho tivesse mais de quinze anos. Finalmente,
a lei ditava que, se os escravos inventariados pudessem oferecer uma
quantia em dinheiro igual a suas avaliações judiciais e se não hou-
vesse qualquer direito por parte de herdeiros ou credores, o juiz

*D Esses projetos propunham, entre outras reformas, substituir a prisão por


trabalhos forçados para escravos condenados por crimes, castigar compradores
de escravas para a prostituição, criar uma loteria de emancipação, estabelecer
um registro nacional dos escravos, libertar os recém-nascidos, abolir o castigo
corporal, permitir que os escravos comprassem sua liberdade, libertar os
escravos de propriedade do governo e os que haviam sido dados para usufruto
da Família Imperial, libertar as escravas com idade de procriar e proibir
O uso de escravos nas cidades. Annaes da Camara (1869), I, 124-125, 143;
LI, 135; ibid. (1870), I, 59-60; V, 47: Godoy, O elemento servil, páginas 437,
442, 453.

107
encarregado do caso poderia conceder-lhes certidões de emanci-
pação. º0
Com o fim de Guerra do Paraguai à vista, em 12 de setembro,
o Governo Imperial deu mais provas de seus objetivos emancipa-
cionistas. No seu quartel-general em Asunción, o Conde d'Eu, genro
do Imperador e comandante das forças armadas brasileiras no Pa-
raguai, incitou o governo provisório do Paraguai a abolir a escrava-
tura nesse país, uma tarefa fácil que foi realizada quase imediata-
mente. O jovem comandante tinha a consciência, obviamente, de
que a libertação de uns poucos escravos paraguaios, se é que havia
ainda alguns escravos depois de cinco anos de guerra e de uma
extraordinária perda de população, não seria o mais importante re-
sultado de sua ação. Não só tinha por intenção apaziguar os movi-
mentos brasileiro e internacional antiescravatura, como também
obrigaria o governo brasileiro a tomar uma medida semelhante no
território nacional. 51
Em março de 1870, com a morte do presidente paraguaio, Fran-
cisco Solano López, a guerra terminou e, com sua conclusão, os
pensamentos dos brasileiros voltaram-se para a promessa do governo
no sentido de se dedicar à causa da emancipação. Na abertura da
nova sessão legislativa, em maio, vários membros da Assembléia re-
cordaram ao governo esse seu compromisso. Um dos resultados da
guerra, contudo, fora a implantação de um ministério conservador
que se opunha fortemente à reforma da escravatura e esse governo
recusou-se a emprestar sua autoridade à causa antiescravista. Em
Tesposta aos pedidos de uma legislação emancipacionista por parte
da Câmara dos Deputados, o Visconde de Itaboraí lembrou aos Je-
gisladores a existência de grandes interesses econômicos e nacionais
associados com a escravatura, a necessidade de progredir lenta e
cautelosamente para evitar ofender os proprietários rurais e
os in-
teresses legítimos associados com eles. Nada poderia ser feito
sem
reilexão e preparação, disse o Presidente do Conselho, particular-
mente pelo fato de o Império ter acabado de sair de uma guerra
muito destrutiva. 52
Pouco depois, contudo, uma importante reforma dos regimes
escravocratas de Cuba e de Porto Rico fort
aleceram a voz do Ss eman-

50 Colecção das leis do Império (1869), Tomo XXIX,


51 O Abolicionista, Rio Parte T, 129-130.
de Janeiro, 1 de dezembro de 1880;
O o rua ntao, D. 65; Discussão da reforma do est Nabuco,
ado servil, II, A ppendice,
p. 50.
62 Annaes da Camara (1870), 1, 12, 25-26:
Nabuco, Um estadista do
Império, III, 148; Godoy, O elemento servil,
p. 433.

106
cipacionistas brasileiros e sublinharam a necessidade de mudanças
semelhantes no Brasil. No verão de 1870, com a Cuba num estado
de rebelião e sob a crescente ameaça da intervenção de forças norte-
americanas do lado dos rebeldes, a legislatura da Espanha aprovou
uma lei concedendo a liberdade tanto aos recém-nascidos quanto aos
escravos idosos de Cuba e de Porto Rico, 53
Influenciada pelo exemplo espanhol, em meados de agosto de
1870, uma comissão especial da Câmara dos Deputados pediu que se
ativasse um projeto de reforma como o que fora elaborado no Con-
selho de Estado em 1867 e 1868, recomendando também a introdu-
ção de trabalhadores livres “que possam substituir gradualmente o
actual instrumento de producção agricola...” Um dos membros da
comissão, Rodrigo Silva, de São Paulo, opôs-se, contudo, à opinião
da maioria, usando o pretexto habitual da necessidade econômica
da escravatura. O Brasil, afirmou ele, estava nas mesmas circunstân-
cias que sua província, onde a escravatura era essencial. “Os in-
teresses da agricultura são os interesses da nossa sociedade; ella não
pode ter outros mais importantes porque toda a sua vitalidade ahi
está.” O menor choque, a menor perturbação desses interesses po-
deria fazer desmoronar este “bello edifício” e transformá-lo em
ruínas. 5*
O Visconde de Itaboraí, obviamente, tinha as mesmas opiniões
desse deputado de São Paulo e, assim, nada poderia ser feito até
que seu ministério fosse substituído por outro que estivesse mais
disposto a conduzir o projeto de reforma pela Assembléia. O fato
disto ter de ocorrer brevemente foi, na realidade, antecipado no
Rio de Janeiro, onde, no final de agosto, houve rumores de que
Dom Pedro estava “determinado a que a questão da escravatura
fosse levantada nesta sessão” e que substituiria o ministério gover-
nante se este não quisesse agir. A questão mais grave que o Im-
perador enfrentava, no entanto, era se nomear um regime liberal
para defender a legislação reformista ou, então, se evitar a crise po-
lítica, que ocorreria pela certa como resultado de outra súbita mu-
dança da liderança nacional, indicando um conservador mais coope-
rativo para guiar o projeto através dos canais da Assembléia.
Foi Nabuco de Araújo quem ajudou a solucionar o problema,
quem, na realidade, foi identificado publicamente com a queda do

68 Corwin, Spain and the Abolition of Slavery in Cuba, páginas 246-251.


54 Godoy, O elemento servil, páginas 419-430.
55 Ver William Hadfield, Brazil and the River Plate, 1870-76 (Londres,
1877), p. 74.

109
Visconde de Itaboraí e a nomeação de um ministério conservador
mais conciliatório. Consciente dos sentimentos emancipacionistas de
muitos dos membros do Partido Conservador na Assembléia e opon-
do-se por princípio à ascensão do Partido Liberal ao poder através
de outro golpe de estado imperial, Nabuco mostrou-se disposto a
permitir que a ala mais compreensiva do Partido Conservador apre-
sentasse a legislação antiescravista. Mais do que o poder, dissera
Nabuco num importante discurso em julho, o Partido Liberal dese-
java as reformas que, então, somente a liderança de um setor do
Partido Conservador poderia realizar. >6
Acausa imediata da demissão do gabinete do Visconde de Tta-
boraí foi a proposta de Nabuco para aplicar 1.000 contos do espe-
rado excedente do orçamento na libertação de escravos. Assinada
por nove senadores, esta emenda foi defendida na Assembléia por
seu autor. O Partido Liberal aguardara pacientemente uma solução
governamental, disse ele, mas nada fora feito. O Partido Liberal, por
conseguinte, não poderia presenciar o término da sessão da Assem-
bléia “sem um protesto contra o procedimento do governo a respei-
to de assunto tão importante.” Agora, que a Espanha decretara a
emancipação gradual dos escravos em Cuba, o Brasil passara a ser
a única nação americana, a única nação cristã, a manter o status quo
da era colonial. Somente o ministério do Visconde de Itaboraí im-
pedia a reforma, afirmou Nabuco de Araújo, enquanto a Câmara
dos Deputados, as assembléias provinciais, o Conselho de Estado, o
povo e até mesmo os proprietários de escravos estavam prontos para
uma legislação que fosse prudente. 57 Já perto do final de setembro,
com o Conselho de Ministros dividido sobre a questão dos escravos.
o ministério do Visconde de Itaboraí demitiu-se, sendo substituído
por um governo do Partido Conservador chefiado pelo Visconde de
São Vicente, um senador intimamente ligado ao emancipacionismo
desde que preparara o projeto de reforma de 1866.
Convocado pelo Imperador para dirigir a legislação através da
Assembléia, compromissado com seu próprio programa de uma “so-
lução prudente”, o Visconde de São Vicente não estava muito segu-
To, entretanto, sobre sua capacidade para oferecer a liderança ne-
cessária para realizar uma obra tão importante. 58 Contra à vont
ade
do Imperador, demitiu-se cinco meses mais tarde em favo
r do Vis-
conde do Rio Branco. Senador conservador da Bahia, membro do

56 Nabuco, Um estadista do Império, III, 148-153.


ST Ibid., WI, 153-157.
68 Ibid., III, 171-181; Organizações e programas ministeriais p. 157

TIO
Conselho de Estado, editor e diplomata, o Visconde do Rio Branco
regressara recentemente de uma missão especial ao Uruguai e à
Argentina, onde, segundo foi alegado, se convenceu de que a refor-
ma no Brasil já não podia ser adiada por mais tempo.
Apesar de pouco se ter conseguido de concreto para a reforma
da escravatura durante os cinco anos que se seguiram à Guerra
Civil dos Estados Unidos, a verdade é que se verificara uma impor-
tante mudança nas atitudes nacionais. Um liberalismo sincero en-
globando no seu programa o projeto de reforma do governo fizera-se
sentir. Entretanto, muitos escravos também haviam sido libertos
para combater no Paraguai, alguns para lá morrer, mas outros para
regressar para a liberdade, com sua contribuição para o esforço de
guerra tendo talvez alterado sutilmente as opiniões de seus compa-
nheiros nas forças armadas. ºº Os líderes nacionais, como o Visconde
do Rio Branco, que ainda poucos anos antes não viam justificativa
para mudanças, haviam sido influenciados pelo Imperador, por suas
experiências no exterior e por crescentes exigências internas. Qual-
quer reforma, contudo, mesmo uma que tivesse por intenção dar
ao sistema escravocrata mais algumas décadas de vida sem pertur-
bações, teria a oposição, por certo, de alguns políticos, particular-
mente daqueles que representavam regiões da nação onde os es-
cravos se haviam concentrado grandemente até 1871.

59 Ianni, As metamorfoses do escravo, p. 217. Para efeitos da guerra sobre


a escravatura, ver também Charles J. Kolinski, Independence or Death,
The Story of the Paraguayan War (Gainsville, Flórida, 1965), páginas 195-
196.

III
Eu sei, por mim...
quantias vezes a permanencia
desta instituição odiosa no Brasil
nos vexava e nos humilhava
ante o estrangeiro.

VISCONDE DO RIO BRANCO, EM 1871

Antes de o escravo nascer, soffre na mãe.

JOAQUIM NABUCO, EM 1870

A EMANCIPAÇÃO DOS
RECEM-NASCIDOS

A LEI RIO BRANCO

Em 1871, a emancipação das crianças recém-nascidas de mulhe-


res escravas já parecia uma solução viável para o problema brasi-
leiro. Tendo sido recomendado pela primeira vez no século xvm 1
em forma impressa e, ocasionalmente, depois disso, já legislado no
Chile em 1811, na Colômbia em 1821, em Portugal em 1856, na
Espanha para suas colônias do Caribe em 1870 e até recomendado
por Abraham Lincoln para Delaware em 1861, o “ventre livre” foi
sancionado por precedentes. 2

1 Ver Ribeiro da Rocha, Ethiope resgatado.


2 Para um estudo valioso da abolição da escravatura na Ve
F—=

r
h.

negue la,
+

John , The Connecticut,


V. Lomb(Westport,
ardi Abolition
Decline and 1971). of Negro Sl
gro Slavery in Venezuela,
1820-1854

112
O projeto apresentado na Câmara dos Deputados em 12 de maio
de 1871 e transformado em lei, quase sem modificações, em 28 de
setembro do mesmo ano, continha muito mais, contudo, do que uma
mera provisão de nascimento livre. A lei era complexa, já que se
esperava dela que alterasse o status quo de um modo satisfatório
para os críticos da escravatura, embora defendendo, ao mesmo tem-
po, os direitos dos donos de escravos. Sua intenção era estabelecer
um estágio de evolução para um sistema de trabalho livre sem cau-
sar grande mudança imediata na agricultura ou nos interesses eco-
nômicos. Esperava-se, assim, que remendasse uma instituição em
declínio, enquanto eliminava sua última fonte de renovação; que
protegesse os interesses da geração viva dos senhores, enquanto res-
gatava a geração seguinte de escravos. Anunciada como uma grande
reforma, essa lei era, realmente, um compromisso intrincado. Toda-
via, contribuiu significantemente para o colapso da escravatura, de-
zessete anos mais tarde.
Aprovada sob a administração conservadora de Rio Branco, a
legislação libertava as crianças recém-nascidas das mulheres escra-
vas, obrigando seus senhores a cuidar delas até a idade de oito anos.
Em troca de qualquer gasto ou inconveniente envolvido em tais res-
ponsabilidades, os donos dos escravos puderam escolher entre rece-
berem do Estado uma indenização de 600 mil-reis em títulos de
trinta anos a 6 por cento ou usarem o trabalho dos menores (ingê-
nuos) até eles alcançarem a idade de vinte e um anos. A lei criou
um fundo de emancipação para ser usado na manumissão de escra-
vos em todas as províncias. Pela primeira vez na história do Impé-
Tio, O escravo teve concedido o direito legal de guardar as econo-
mias (pecúlio) que tivesse reunido através de presentes e heranças e,
além disso, com o consentimento do seu dono, do produto de seu
próprio trabalho. Com suas economias assim garantidas, o escravo
viu-se assegurado o privilégio de comprar sua própria liber-
dade quando tivesse uma quantia em dinheiro igual a seu “valor”.
A lei também libertou os escravos de propriedade do Estado, in-
cluindo aqueles mantidos em usufruto pela Família Imperial. Liber-
tava, ainda, pessoas incluídas em heranças não reclamadas ou aban-
donadas por seus donos. Colocava os escravos libertados sob a super-
visão governamental durante cinco anos, com a obrigação de con-
tratar seus serviços ou, se vivessem como vagabundos, de fazê-los
trabalhar em estabelecimentos públicos. Finalmente, a nova lei or-
denava um registro nacional de todos os escravos, incluindo seus
nomes, idades, estado civil, aptidão para trabalho e ascendência, se

ETs
conhecida. Os escravos cujos senhores não os registrassem dentro
do prazo de um ano seriam considerados livres. 3

REGIAO CONTRA REGIÃO

=
APESAR disso raramente ter sido reconhecido na oratória do
tempo, o debate sobre a Lei Rio Branco lançou região cont
ra re-
gião. As províncias produtoras de café, como um todo, não estavam
preparadas, em 1871, nem mesmo para mudanças moderadas no
sistema de trabalho e os plantadores do sul, portanto, desencadea-
ram aquilo a que Joaquim Nabuco chamou de “guerra organizada
contra o Governo e o Imperador...” * Em contraste, os líderes po-
líticos na maioria das outras províncias mostraram-se acessíveis
a
uma reforma moderada. Alguns nordestinos, dentro e fora da Assem-
bléia Geral, defenderam firmemente o status quo e, por outro lado,
as regiões do café, especialmente as cidades de Rio de Janeiro e de
São Paulo, também produziram seus ávidos reformistas. Todavia, o
debate no Senado e na Câmara dos Deputados e os votos verifica-
dos na câmara baixa sobre a legislação (ver Tabela 21) revelaram
que o âmago da resistência se localizava nas províncias do café, um
resultado lógico da concentração de escravos nessa área. Na reali-
dade, as estatísticas da população de escravos referentes a esse pe-
ríodo correspondem de um modo muito lógico ao comportamento
da votação pelos delegados provinciais na Assembléia Geral (ver
Tabelas 2, 3 e 21).º O longo debate sobre a lei também revelou essa
mesma situação. Dos vinte e cinco senadores e deputados que pro-
feriram discursos de destaque em oposição ao projeto, dezenove re-
presentavam províncias do café ou, então, o Município Neutro. º
Ocasionalmente, o caráter regional da disputa era salientado.
Perdigão Malheiro, que propusera o nascimento livre, em 1863,
mas que se opusera a essa reforma em 1871, como deputado por

º Essas eram as provisões mais importantes. Para o texto completo, ver


Apêndice TI.
4 Nabuco, O Abolicionismo, páginas 60-61.
6 Poderá ser depreendido que esses votos foram mais um reflexo dos
desejos do Imperador do que o do eleitorado regional, mas no que se referia
à escravatura e outras importantes questões econômicas, os políticos exerci
am
a independência do partido e do monarca, sendo muito fiéis aos proprie-
tários locais. Para uma opinião semelhante, ver P. N. Evanson,
“The Liberal
Party and Reform in Brazil, 1860-1889”, tese de filosofia, Universi
Virgínia, 1969), p. 55. » Universidade da
6 Discussão da reforma do estado servil, II, Apêndice, páginas 143-149.

JIg
Minas Gerais, declarou francamente na Câmara que o Rio de Ja-
neiro, Minas Gerais e São Paulo, com seus oitocentos ou novecen-
tos mil escravos, eram as províncias com melhores razões para se
oporem à lei. A legislação que poderia ser aplicada na Amazônia
ou no Ceará, advertiu ele, não poderia ser aplicada aquelas provín-
cias ou à Bahia e Pernambuco, com suas centenas de milhares de
escravos. * Segundo Rio Branco, alguns dos plantadores do norte
concordavam de tal maneira com a lei que já estavam cumprindo
com suas provisões. º Um senador de São Paulo afirmou que se es-
tava dando demasiada importância aos representantes do Norte
que favoreciam a reforma e que as vozes do Sul que se lhes opunham
mereciam mais influência devido à maior contribuição de suas re-
giões para a riqueza nacional. Acusados de aventurismo, os nordes-
tinos responderam apresentando-se como os cautelosos reformistas
que eram. ?
O debate de 1871 foi caracterizado por disputas dentro dos par-
tidos. O Partido Conservador controlava a Câmara, mas o minis-
tério governante não poderia depender apenas dessa vantagem para
fazer aprovar a lei na câmara baixa, devido aos interesses regionais
de muitos de seus membros tomarem a preferência sobre a lealdade
para com o partido. A divisão do Partido Conservador na Câmara
foi tão completa, na realidade, que a facção minoritária rejeitou a
liderança de Rio Branco em debate aberto, ameaçando até formar
um novo partido. 1º Na votação final do projeto de lei, quarenta e
cinco deputados (dois terços das províncias do café) opuseram-se
à lei. Em contraste, conforme a Tabela 21 mostra, o ministério con-
servador teve a possibilidade de confiar na maioria dos deputados

T Annaes da Camara (1871), Il, 115, 122. Perdigão Malheiro respondeu


à acusação de sua inconsistência sobre a questão da escravatura com a
explicação de que suas obras sobre a escravatura eram “trabalho de gabi-
nete... livros de estudo e de doutrina; e quem não sabe a distância que
vai de um livro de estudo e de doutrina para um trabalho de legislador?”
AÂnnaes da Camara (1871), II, 118.
8 Discussão da reforma do estado servil, II, 75. Em 1869, o deputado liberal
Pedro de Araújo Beltrão anunciou na Assembléia Provincial de Pernambuco
que ele próprio e seus parentes mais chegados libertariam todas as crianças
que, desde então, nascessem de suas escravas. O mesmo plantador apoiou
o programa do Centro Liberal de Nabuco de Araújo e convidou “todos
os verdadeiros liberais” a apoiarem o princípio do nascimento livre. Ver
“Abolition of Slavery in Brazil”, South American Journal, 14 de julho de
1888. Para outras decisões dos plantadores nordestinos no sentido de “libertar
o ventre”, ver Rebouças, Agricultura nacional, páginas 176-178.
9 Discussão da reforma do estado servil, II, 98, 314.
10 TIbid., II, 125, 212-213.

Hs
das províncias a norte e a oeste de Minas Gerais, de modo a obter
a aprovação da lei do nascimento livre contra a oposição da maio-
ria de seus colegas da região do café. Entre as províncias do oeste
e do extremo sul, Rio Grande do Sul foi a única a votar contra a
reforma, mas essa região, também, como se poderá ver na Tabela 2
apresentava uma grande e valiosa concentração de escravos, repre-
sentando mais do que vinte e um por cento da população total da
província.
No Senado, menos preocupado com considerações locais, o pe-
queno contingente de senadores liberais, liderados por Nabuco de
Araújo, juntou-se à maioria dos conservadores de todas as provín-

E ps
cias para que o projeto de lei do governo fosse aprovado. Todavia,
cinco dos sete senadores que votaram contra o projeto representa-
vam províncias de café e um dos dois nordestinos que também o fi-
zeram foi o liberal Zacarias de Góis, da Bahia, antigo Presidente do
Conselho, que rejeitou a lei por razões partidárias. Zacarias não se
opunha à própria lei, afirmou Rio Branco, mas ressentia-se da ini- |
ciativa do Partido Conservador e do seu apoio a uma medida que,
por direito, pertencia a ele e ao Partido Liberal. 11

em
e mom o
O DEBATE NACIONAL

EE
A LEI da reforma da escravatura de 1871 desencadeou um deba-

="
te nacional quase sem precedentes. Provavelmente, nenhuma outra
questão despertara tanto interesse popular desde a abolição do co-
mércio de escravos ou da implantação da independência. Os oponen-
tes e os defensores da reforma usaram de todos os meios razoáveis
para fazerem prevalecer suas opiniões. Os amigos da reforma defen-
deram sua causa nas câmaras legislativas, na imprensa e em reuniões
públicas nos teatros do Rio de Janeiro e de outras cidades, com
os oradores atraindo, por vezes, públicos calculados em milhares de
pessoas. '2 Enquanto a nação, despertada. aguardava a reforma com
impaciência, muitos autores publicavam suas opiniões e propostas. 18

11 TIbid., II, 260.


I2 André Rebouças, Diário e notas autobiográficas
(Rio de Janeiro, 1938
p. 287; Carlos Bernardino de Moura, Considerações feitas pelo
Carlos Bernardino de Moura na conferencia no Ri
dia 2 de Julho corrente no
Theatro de S. Pedro (Rio de Janeiro, 1871).
I3 Ver, por exemplo, Elzeario Pinto,
Reformas: em
(Salvador da Bahia, 1870); T. de Alencar
.
acipação dos escravos
'Daçcã
Araripe, O elemento servil
. Ar-

116
Os jornais do Rio de Janeiro e das províncias voltavam crescente-
mente sua atenção para a controvérsia à medida que o debate legis-
lativo prosseguia, semana após semana. O governo, para apoiar sua
causa, subsidiou a imprensa, incluindo sólidos jornais comerciais,
como o Jornal do Commercio, e até distribuiu panfletos de propa-
ganda nas províncias. !* Os principais jornais diários da maioria das
regiões defendiam a causa do governo e alguns jornais radicais, como
O Abolicionista e a Imprensa Academica de São Paulo, pediam mui-
to mais do que essa moderada lei. Segundo um tal “Spartacus”, um
defensor do projeto, só dois jornais de menor importância e um
importante, o Diário do Rio de Janeiro, se opunham à reforma do
governo. Cinquenta e sete jornais, importantes ou não, representan-
do a maioria das províncias desde o Pará ao Rio Grande do Sul,
foram registrados como defensores da Lei Rio Branco, enquanto
outros, especialmente os de Espírito Santo e os do interior do Rio
de Janeiro, se conservaram silenciosos quando o silêncio sobre a
questão da escravatura era equivalente à oposição. 1º
As provas da resistência ao projeto são, talvez, tão abundantes
quanto os documentos favorecendo sua aprovação. Entre maio e mea-
dos de setembro de 1871, várias organizações agrícolas e comer-
ciais do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo enviaram, pelo
menos, vinte e duas petições às duas câmaras da Assembléia em
defesa do status quo, todas elas publicadas nos anais legislativos. 1º
No Rio, membros do Partido Conservador, hostis ao ministério go-
vernante, criaram o influente Clube da Lavoura e do Commercio, em
julho, para que este defendesse a escravatura contra a facção do seu
próprio partido que apoiava a reforma. 3º
A revitalização do republicanismo, que estava inativo desde a
década de 1840, foi, em parte, pelo menos, uma reação dos planta-
dores de café aos sentimentos emancipacionistas do Imperador e
aos programas dos ministérios liberal e conservador. Os proprietá-
rios de escravos receberam, indubitavelmente, as declarações de

(Paraíba do Sul, Rio de Janeiro, 1871); Analyse


figos sobre a emancipação
e commentario: da proposta do ;
Governo Imperial ás camaras legislativas
sobre o elemento servil por um magistrado (Rio de Janeiro, 1871). Em 1870,
sua
Joaqui então apenas com vinte e um anoss dede idade, escreveu
propriedade
ae na
idão, qual negava a legitimidade da
qu
prieo
mei ra in
anális da escra vi páginas 4-106.
de escravos. Ver “A Escravidão”, |
do est ado serv il, II, 34, 302 ; Ann aes da Camara
14 Duo da reforma
(1871), III, 167, 236, 25a 1. do es tado servil, II, 39-40.
15 da reform
Discussão
16 Ibid., II, 337, 368-369. a
Hi st ór ia de es cr av id ão , páginas 219-221.
17 Go uv ei a,
17
D. Pedro de 1867 a 1868, bem como os programas emancipacionistas
dos gabinetes liberais, com bastante desilusão. Mas o acesso ao po-
der, através da interferência do Imperador, de um gabinete do Par-
tido Conservador, abertamente comprometido com a reforma da es-
cravatura, abalou de modo bem aparente a confiança de muitos no
próprio sistema imperial. Havia um lado prático na ideologia repu-
blicana que não escapou à atenção dos líderes e membros dos par-
tidos tanto em São Paulo quanto nas províncias vizinhas. O republi-
canismo implicava federalismo — um governo central fraco e legis-
laturas provinciais com o poder para determinar a política da escra-
vatura de uma forma consistente com as condições locais sem a in-
tervenção de um executivo poderoso ou de uma legislatura nacional.
Assim, um movimento republicano já começara tomando forma, no
final da década de 1860, nas províncias do café, tendo adquirido
mais força em reação ao programa emancipacionista de Zacarias de
Góis e florescendo num partido organizado em 1870. 18 O Manifesto
Republicano do dia 3 de dezembro desse ano, publicado cerca de
dois meses depois do gabinete de São Vicente ter revelado seu pro-
grama de reforma da escravatura, evitou referências à questão da
escravatura, mas denunciou o poder que o Imperador tinha de esco-
lher gabinetes à sua vontade e exigiu francamente uma descentrali-
zação desse poder. 1º A medida que a ameaça à escravatura aumen-
tava durante os anos de 1870 e 1871, o republicanismo também se ia
fortalecendo e, quando a Lei Rio Branco foi aprovada pela Assem-
bléia, contra os desejos das províncias do café, levou um novo con-
tingente de plantadores para os movimentos republicanos provinciais
da zona do café. ?º Joaquim Nabuco declarou na Câmara, mais tarde,
com um certo exagero, que, em 1871, a única oposição à Lei Rio
Branco fora a dos plantadores e a do Partido Republicano. 21

18 Santos, Os republicanos paulistas, páginas 12-13.


I9 Brazilian Republican Address (Rio de Janeiro. 1871), páginas 9-11.
Significantemente, cada um dos autores do Manifesto Republica
Bocaiúva e Salvador de Mendonça, tam no, Quintino
bém escreveram livros nos quais
advogavam a importação de trabalhadores chineses pouco dispendiosos
para
trabalharem nas plantações de café. Ver Bocayuva, A cris
e da lavoura;
Mendonça, Trabalhadores asiáticos. | i
20 Santos, Os republicanos paulistas, páginas 118-119; Annaes d
1889. 6. o Ê a Camara
22 Ibid., 1, - Fara um esboço do programa partidário ;
canos paulistas, forte quanto à autonomia provincial e à
fontes de mão-de-obra, mas hesitantet no que se refere à acento
&
do Co
E: j
vatura, ver Morse, From Community to Metropolis, E Pe é escra

118
A OPOSIÇÃO

Os ARGUMENTOS usados contra o projeto do governo foram mui-


tos e complexos. Estendendo-se desde os inteligentes aos mais falsos,
revelam-nos muito sobre a sociedade escravocrata brasileira. A maio-
ria dos oponentes do projeto de lei reconhecia que a escravidão era
condenada pela religião e a opinião geral da humanidade, mas a ver-
dade é que também apresentavam questões difíceis de responder
com referência às consegiiências de uma medida emancipacionista.
Perdigão Malheiro reconhecia a necessidade de acabar com a escra-
vidão, pedindo apenas que isso fosse conseguido pelo mais seguro e
mais conveniente método. Ninguém, afirmou ele, desejava resolver
o problema “pelo princípio do justo em absoluto.22

Esses oponentes, contudo, atacavam, na sua maioria, o âmago
do projeto: a libertação dos filhos das mulheres escravas. 3 As leis
brasileiras, disse um senador de Minas Gerais durante o longo de-
bate, “tinham reconhecido e reconhecem ainda, não só o dominio
da escrava, mas ainda a do filho que ella possa ter.” O direito de
propriedade da criança era “uma extensão do direito de proprie-
dade da escrava e da mesma natureza que elle.” A indenização do
pequeno valor da criança parecia de diminuto significado financeiro
para o Diretor Geral da Receita Pública, mas ele receava as conse-
quências de abrir “uma grande brecha nas muralhas da fortaleza”
dos direitos de propriedade. 24

22 Annaes da Camara (1871), II, 51-52; III, 115.


23 Discussão da reforma do estado servil, II, 302.
24 Annaes da Camara (1871), V, 139-140. O arsenal defensivo dos legis-
ladores pró-escravatura incluía argumentos legais abstrusos, resultado da
experiência legal possuída por, pelo menos, quinze dos vinte e cinco membros
da Assembléia que proferiram discursos importantes contra o projeto de lei.
Alguns dos argumentos de ordem legal eram especiosos ou, então, basea-
vam-se numa apreensão incompleta dos fatos. O Visconde de Itaboraí, por
exemplo, distinguiu eruditamente entre Lei Natural e “Lei Positiva, argu-
mentando que um parlamento, quando revogava legislação contrária à razão
e à Lei Natural, era obrigado a indenizar as perdas de pessoas físicas,
pois tais pessoas não eram legalmente responsáveis pelo que poderia acontecer.
A violência da escravidão não fora cometida pelo Plantador brasileiro, mas
sim pelo chefe africano. Os brasileiros poderiam ter proibido a compra
e a venda de africanos, reconheceu ele, esquecendo a lei de 1831 e
duas décadas de comércio ilegal de escravos, mas tais transações haviam
sido permitidas e os compradores de africanos, portanto, não podiam ser
culpados por isso. Annaes do Parlamento Brasileiro. Senado (a partir de
Annaes do Senado) (1871). V, 140.
agora,

UI9
Servindo-se de uma certa exatidão legal, os oponentes do proje-
to de lei compararam, por vezes, o escravo a outros bens vivos, par-
ticularmente plantas e animais capazes de reprodução ou de darem
fruto. Barros Cobra, de Minas Gerais, afirmou que o direito adqui-
rido que o proprietário tinha do fruto do ventre da escrava era tão
completo quanto o direito ao fruto da árvore ou à cria de qualquer
animal de sua propriedade. Entre estas duas formas de propriedade,
havia uma “perfeita identidade de condições”. O escravo nascido
de um escravo era capital e, também, um instrumento de trabalho. %
Libertar os filhos dos escravos por meio de legislação, disse um velho
defensor dos negociantes de escravos, J. M. Pereira da Silva, repre-
sentando o Rio de Janeiro na Câmara, era “offender o direito de
propriedade garantido em toda a sua plenitude pela Constituição do
Império e respeitado por todas as leis existentes”. Rejeitando o con-
ceito de que a propriedade de escravos era diferente de outras formas
de propriedade, conforme afirmara o Ministro da Agricultura, Pe-
reira da Silva perguntou onde é que a Constituição e as leis distin-
guiam esta nova espécie de propriedade. Não seriam o fruto da ár-
vore, o produto da terra e a safra da semeadura propriedade daque-
les a quem pertenciam a árvore, a terra e a semente? 26
Os oponentes da lei apresentaram muitas objeções não legais à
emancipação dos recém-nascidos. A indenização que o governo se
propunha pagar aos proprietários que preferissem entregar as crian-
ças quando estas alcançassem a idade de oito anos parecia inade-
quada para alguns, embora os senhores tivessem a alternativa de usar
o trabalho dessas crianças por mais treze anos. As estatísticas mais
favoráveis mostravam, disse o Barão da Villa da Barra, da Bahia,
que nem metade das crianças nascidas de escravos alcançavam a
idade de oito anos e que, por conseguinte, a indenização real para
a criação dos ingênuos (nome dado às crianças nascidas livres) era
de apenas 300 mil-reis e não de 600, conforme declarado no pro-
jeto. Barros Cobra calculou que o juro simples de seis por cento
em trinta anos seria apenas de 1.080 mil-reis, uma quantia que um
escravo poderia ganhar para seu senhor em apenas dois ou três anos.
A indenização por meio do trabalho dos ingênuos parecia-lhe ilusó-
ria, já que os proprietários não poderiam ser reembolsados com ser-
viços que já lhes eram garantidos ao abrigo da lei. O deputado Ca-

25 Annaes da Camara (1871), III, 258-259.


26 “Discurso sobre a proposta do governo acerca
Discursos do Deputado J. M.
do eleme nto servil,”
Pereira da Silva (Rio de Jan eiro,
páginas 89-137. 1872),

120 | ada Ter;


panema, de Minas Gerais, recordou que, na capital do Império, os
proprietários de escravos enviavam os filhos de suas escravas para
a casa dos expostos e, depois, alugavam suas mães como amas de
leite, ganhando de quinhentos a seiscentos mil-reis apenas num ano.
Nestas circunstâncias, os títulos do governo eram patentemente pou-
co atraentes. 2”
Um número surpreendente dos defensores da escravidão argu-
mentou que a libertação dos recém-nascidos era equivalente a um
assassinato, aplicando ao projeto de lei o epíteto de “lei de Herodes”
e prevendo o abandono e morte de milhares de crianças indeseja-
das. *º O autor de um panfleto chegou mesmo a afirmar que a lei
não concederia uma vida de liberdade aos filhos das escravas, já que,
como resultado de suas medidas, a maioria dessas crianças morreria.
Os proprietários desiludidos, tendo calculado a perda de trabalho du-
rante a gravidez e o custo de criar crianças inúteis, não lhes pro-
porcionariam cuidados suficientes. 2º Capanema pensava que a lei
criaria uma situação como a que existira antes da abolição do co-
mércio de escravos, quando os escravos eram baratos e noventa e
cinco por cento das crianças, abandonadas e indesejadas, morriam
antes de alcançarem a idade de oito anos. As crianças, assim, segun-
do ele afirmou, seriam sacrificadas de novo, devido a serem indese-
jadas. A lei seria resistida ou ignorada, afirmou, por sua vez, Per-
digão Malheiro, e o resultado seria “uma verdadeira hecatombe de
innocentes!” Se o interesse material ou pecuniário dos proprietários
de crianças nascidas escravas já era inadequado para impedir uma
“prodigiosa mortalidade”, raciocinou Barros Cobra, o ainda mais
reduzido incentivo ao proprietário causado pela lei viria a aumentar
grandemente o índice de mortalidade. Os senhores não teriam qual-
quer interesse em criar e educar crianças que fossem livres e seu
abandono ocorreria na maior escala imaginável. 3º O índice de mor-
talidade entre os filhos de escravas, disse Pereira da Silva, “por mais
bondosos e caritativos que forem os proprietários”, foi calculado em
setenta por cento. Se apenas trinta de cada cem crianças alcança-
vam, então, a idade de oito anos, quantas crianças, pelas quais os
proprietários não teriam “nenhum interesse” e “nenhuma affeição”,

27 Annaes da Camara (1871), HI, 95, 173-174, 259.


28 Discussão da reforma do estado servil, II, 313.
29 Reflexões sobre a emancipação em relação á lavoura patria e sobre a
a (Bahia, 1871), página 27. O mesmo autor, contudo, pro-
Amo a ollnde do proprietário de escravos brasileiros.
30 Annaes da Camara (1871), HI, 123, 173, 258. Não se podia confiar
na caridade, disse Barros Cobra, quando se legislava para a humanidade.

121
pode riam sobr eviv er? “Em vez de philantropia,” concluiu ele, “não
encontrareis morticidio?” 81
O exato status que os ingênuos passariam a ter também preo-
cupava os oponentes da lei. Alguns deles receavam as consegiiências
de educar num ambiente de escravidão crianças destinadas à liber-
dade e aos direitos de cidadania ou, então, preocupavam-se com a
dúvida de os ingênuos estarem ou não sujeitos aos mesmos castigos
do que os escravos. *2 Barros Cobra desenvolveu um sinuoso argu-
mento legalístico com referência ao perigoso e inconstitucional status |
que a lei do nascimento livre concederia aos filhos de escravas atra-
vés de sua designação de ingênuos. A Constituição adotara o prece-
dente romano segundo o qual um ingênuo era uma pessoa nascida
de um ventre livre e um liberto era um escravo de um ventre es-
cravo que, mais tarde, ganhava sua liberdade. Segundo esta defini-
ção, a criança nascida de uma escrava não poderia ser considerada
um ingênuo pelo fato de a lei libertar o fruto de um ventre e não
o próprio ventre. A pessoa libertada pela legislação, depreendia-se,
seria um liberto na melhor das hipóteses. inqualificado para gozar
de todos os direitos políticos que a Constituição concedia a pessoas
nascidas no Brasil de mães livres. 33
Os oponentes também advertiram de que a libertação de alguns
escravos fomentaria uma revolta geral dos escravos. José de Alencar
falou de “dias lugubres, com todo seu corteio de crimes, horrores e
scenas escandalosas...” A idéia de emancipar as crianças, disse Ca-
panema, “vai quebrar inteiramente os laços de subordinação, vai
dividir em duas classes a população servil dos estabelecimentos agri-
colas, creando a impossibilidade de marcharem debaixo do svstema
de obediencia passiva, que é o unico possível enquanto existirem
escravos em nosso paiz...” Os escravos não eram tão embrutecidos.
acrescentou ele, a ponto de não saberem que os pais deveriam ter
o mesmo direito à liberdade do que seus filhos. 34
Os oponentes da lei também deploravam as consegiiências eco-
nômicas que previam em relação com a lei. Em maio, falando em
resposta à Fala do Trono do Imperador, Paulino de Souza. do Rio
de Janeiro, já culpava o projeto de lei por uma perda de confiança
que se verificava entre os proprietários rurais. Nesse mesmo debate,

81 “Discurso e a Proposta do governo”, páginas 89-137


2 Discussão da reforma do estado servil, II, 304: À
HI, 96-97; Annaes do Senado (1871), V, 137. ae ia Camira
$3 Annaes da
CANTO,
Camara (1871), III, 258-259.
84 e Moraes, 4 campanha abolicionista,
ISA
51-52; III, 171-173; Annaes do Senado 87, V. 19 pa Camara (1871), II,

122
Pereira da Silva recordou que a receita pública e particular ainda
derivava quase exclusivamente das grandes propriedades, que depen-
diam, no que se referia à mão-de-obra, quase somente dos escravos.
Andrade Figueira advertiu de que o governo não podia perturbar
a ordem estabelecida sem que houvesse uma reação por parte dos
interesses consagrados. Foi afirmado que a mera introdução do pro-
jeto de lei na Câmara já causara grandes prejuízos à agricultura.
O valor das propriedades baixara incisivamente e o crédito já se
tornava difícil de obter. 4º
Para outros deputados, a reforma parecia ameaçar a existência
nacional. A lei agitaria os mais perigosos elementos da população
e sacrificaria os interesses mais importantes. O Brasil, foi dito. não
poderia libertar seus escravos, tal como a Grã-Bretanha não poderia
destruir suas máquinas. O maior perigo, diziam muitos dos oponen-
tes da lei, não era a perda do escravo, mas sim a perda do trabalha-
dor; não a perda de propriedade, mas sim do capital que ela repre-
sentava. O projeto de reforma chegou mesmo a ser comparado a
um imenso rochedo em equilíbrio precário sobre uma montanha,
ameaçando rolar para o vale e esmagar as pessoas inocentes que vi-
viam debaixo dele. O ministério que se dedicava a fazer tombar
esse rochedo, advertiu um deputado, era cego ou, então, esquece-
ra-se de olhar para o vale. 38
Finalmente, o Imperador era acusado com fregiiência. O pro-
jeto de lei, foi dito, repousava na sombra de “Cesarismo”. Apoiá-lo
era equivalente a um ato de subserviência à vontade imperial. D. Pe-
dro impusera suas idéias ao ministério e tanto ele quanto o Conse-
lho de Estado haviam ultrapassado seus poderes constitucionais ao
iniciarem um projeto legislativo. O Imperador, disse um deputado
de Minas Gerais, não tinha o direito de manifestar opiniões em
assuntos do Estado. José de Alencar acusou D. Pedro de ter aban-
donado a posição neutra que lhe era atribuída pela Constituição.
“Torna-se parte; perde o caráter de juiz e toma o de ditador.” Desde
1866, disse Capanema, quando o Imperador prometeu libertar os es-
cravos, muitas coisas haviam mudado, incluindo sua própria devo-
ção aos princípios monárquicos. Desde então, os “simples mortaes”
tinham perdido sua capacidade para agir e pensar em conformidade
com as necessidades e as circunstâncias, enquanto ele, que via as

35 Annaes da Camara (1871), I, 102, 116; III, 113-114; V, 26.


86 Ibid., III, 175; V, 72; Reflexões sobre a emancipação, páginas 23-26;
Discussão da reforma do estado servil, II, 13, 48, 563-564.

123
coisas de “alturas inaccessiveis” só podia marchar para a frente, para
o seu alto lugar no panteão dos heróis. 37
Por vezes, os oponentes mostravam desejo de chegarem a um
compromisso. Alguns deles favoreciam medidas indiretas que con-
duzissem à liberdade total no fim do século. O deputado Calmon
estava disposto a aceitar a emancipação dos escravos que alcanças-
sem os sessenta e cinco anos de idade e a manumissão gradual, in-
denizada, de mulheres e crianças selecionadas. Estas medidas, racio-
cinava ele, eram melhores do que a de nascimento livre pelo fato
de respeitarem os direitos de propriedade, honrarem a vontade dos
senhores, concederem uma indenização razoável e, também, por di-
minuírem, até, a última fonte de novos escravos através da liberta-
ção de mulheres em idade de terem filhos. 38
Os argumentos da oposição foram variados, complexos e ma-
nifestados muito virtuosamente, mas não convenceram o ministério
ou a maioria dos legisladores, que viam o projeto como sendo um
compromisso razoável e necessário. Esta lei, afirmou Rio Branco,
era melhor do que mais incerteza econômica e social ou do que a
continuação da radicalização do país.

OS DEFENSORES DA LEI

Numa série de discursos proferidos entre o começo de maio


e o final de setembro, o Visconde do Rio Branco revelou os princi-
pais objetivos da legislação. Esta oferecia, afirmou ele, a mais ra-
-zoável e moderada solução possível nas difíceis circunstâncias que
.a nação enfrentava. Fora planejada para reestabilizar a vida econô-
mica e social do país, para corrigir os estragos que a disputa sobre
:a escravatura infligira na agricultura, para restaurar a confiança
dos plantadores e para revitalizar o crédito agrícola. Qualquer nova
resistência à mudança teria o efeito de despertar o descontentamento
público a um nível em que uma medida moderada já não seria
suficiente. A situação nacional tornara-se tão perigosa que as me-
didas indiretas do tipo aceitável pelos oponentes da le; apenas des-
pertariam as paixões e criariam perigos que a Assembléia tentava
evitar. O projeto tinha grandes virtudes, favorecendo os interesses

87 Ibid., II, 42-46, 58, 583-584; Gouveia, História da es


cravidão, página 191;
Annaes da Camara (1871), III, 170, 241.
388 Ibid., 1, 117; III, 99-100, 241.

124
Co

dos proprietários. Representava a “solução completa”, condenando


a escravatura a uma extinção lenta, embora preservando a força
trabalhista. *º
Alguns dos membros do ministério de Rio Branco também ex-
plicaram claramente a posição do governo à Assembléia. Sayão Lo-
bato, Ministro da Justiça e senador do Rio de Janeiro, argumentou
que o projeto tinha por objetivo

manter o trabalho organizado que cultiva as terras, garantir a propriedade


existente em escravos, que jamais será retirada do senhor, do lavrador, senão
com justa indemnização; mas ao mesmo tempo declarar que a geração futura
das escravas, ora destinada ao captiveiro, nascerá livre, não mais engrossará
o numero de escravos existentes...

A mais importante medida da lei — a provisão do nascimento


livre — garantia o status quo por oito anos, disse o Ministro da
Justiça, e até por vinte e um anos se os lavradores assim decidissem.
A criança educada na fazenda pelo senhor de sua mãe adquiriria
uma atitude respeitosa e habituar-se-ia desde seu nascimento a uma
“sujeição máxima”. “º O plano do governo não sacrificava os inte-
resses dos proprietários, disse o Ministro da Agricultura, tendo pro-
curado conciliar esses interesses o máximo possível com o princí-
pio da igualdade. A lei “respeitou o passado, só corrigiu o futuro”.
Ao promover a legislação, o ministério não seguia rigorosamente o
princípio da igualdade humana, mas sacrificou ligeiramente esse prin-
cípio na sua busca de uma solução. Ao confiar os ingênuos aos cui-
dados dos donos de suas mães, disse outro defensor do projeto, o
governo tinha na mente seu futuro uso como trabalhadores rurais.
Conservados nas propriedades agrícolas, segundo a lei, habituar-se-
tam ao estreito mundo da plantação onde haviam nascido e ao qual
todos os seus sentimentos estariam ligados. Aprenderiam a servir
e a produzir aquilo de que o Brasil mais precisava: a riqueza do
solo. “1
Tal como seus oponentes, os defensores do projeto usaram argu-
mentos que revelavam a dureza da escravidão. O deputado Junqueira
disse estar convencido de que “as precarias condições hygienicas”
em que os escravos brasileiros eram forçados a viver eram respon-
sáveis pelo enorme índice de mortalidade entre as crianças e os
adultos, bem como a conseqiiente perda de mão-de-obra para a na-

39 Discussão da reforma do estado servil, II, 22-23, 29, 47-50, 74, 274.
“0 Ibid., II, 345-349.
“1 Jbid., II, 208, 570.

125
ção. Um sistema de trabalho livre, disse o Visconde de São Vicente,
induzia uma distribuição de riqueza mais justa, enquanto a escrava-
tura retardava o crescimento da população e o desenvolvimento da
cultura. “Basta comparar,” disse ele, “o quadro da mortalidade dos
escravos com o da população livre, para deduzir as devidas conse-
quências”. A escravidão, acusou ele, era “a desigualdade moral e
legal levada ao extremo”. “2
Os defensores do projeto afirmaram que o trabalho livre era
mais produtivo do que o trabalho escravo. Os homens livres contri-
buíam mais do que os escravos para o bem-estar público. Os homens
livres proporcionavam seu capital e inteligência, além de seu traba-
lho, enquanto os escravos, motivados apenas pelo medo, contribuíam
somente com seu trabalho. Os trabalhadores livres criavam uma fon-
te de mão-de-obra útil em tempo de guerra, enquanto os trabalha-
dores escravizados constituíam uma ameaça nacional permanente.
As estatísticas mostravam que a produção aumentava em proporção
ao declínio da proporção escrava. Como prova da superioridade do
trabalho livre, um deputado de Pernambuco citou abundantes esta-
tísticas referentes ao desenvolvimento econômico dos Estados livres
e escravos da América do Norte. Alencar Araripe recordou o fato
de os europeus não emigrarem para o Brasil, apesar de esforços re-
petidos dos governos brasileiros para atraí-los através do estabeleci-
mento de colônias e da distribuição de terras férteis e acessíveis.
“A razão é que o europeu... teme o contágio da escravidão.” 43
Os defensores do projeto também explicaram as ramificações
políticas e internacionais da lei. Promulgando a reforma, o Brasil
poderia evitar uma guerra civil do tipo que os Estados Unidos e
Cuba haviam sofrido. 4 O Brasil estava quase sozinho no mundo
no que se referia a manter a escravatura. A opinião das nações
civilizadas e cristãs obrigava à reforma. “Eu sei por mim,” disse
o Visconde de Rio Branco num discurso em que recordou experiên-
cias diplomáticas no Uruguai, na Argentina e no Paraguai, “quantas
vezes a permanencia desta instituição odiosa no Brasil nos vexava
e nos humilhava ante o estrangeiro.” 45
Os proponentes da lei não esqueceram os argumentos morais e
religiosos. A propriedade baseada numa infração dos direitos huma-

42 Ibid., II, 193-194, 329-331.


43 Ibid., II, 168-188, 329-331, Apêndice, páginas 28, 39.
44 Ibid., Apêndice, páginas 9-11. No caso de Cuba,
primeira a referência era à
guerra da independência, que começara em 1868 iri a a durar
dez anos. é viri
49 JIbid., II, Apêndice, páginas 18, 26.

126
nos, disse Alencar Araripe, não poderia ser permanente. A geração
viva, disse Junqueira, era obrigada a libertar as gerações futuras do
pesadelo da escravidão. “Poderá o Brasil,” perguntou Fernandes da
Cunha, “nação catholica... e, sobretudo, nesta America livre, fazer
excepção triste e odiosa entre todas as suas irmãs? Depois que a Eu-
ropa resolveu a questão; depois que as republicas americanas a resol-
veram e, sobretudo, os Estados Unidos... era chegada a vez, a
opportunidade de debellar o monstro.” 48
Mais de um defensor da lei diferenciou entre o direito do pro-
prietário a possuir uma coisa e seu direito a possuir uma pessoa. A
segunda forma de propriedade, foi dito, era legal, mas não legítima.
As coisas eram definidas como entidades sem direitos ou responsa-
bilidades, que podiam ser adquiridas e usadas sem restrições, enquan-
to as pessoas eram entes moraes, que têm direitos e obrigações
proprias, que lhes foram dadas pelo Creador.” O direito natural a
possuir coisas teve sua origem na ordem moral da criação e era le-
gítimo. Tal propriedade podia ser “usada e abusada”, jamais estava
sujeita a modificação pelo legislador e não ofendia a quem quer que
fosse. O direito de propriedade no que se referia a escravos, contu-
do, estava sujeito a restrições legais e podia ser revisto ou revogado
em consequência das necessidades públicas. 7
O mais brilhante e inflexível discurso proferido durante o deba-
te talvez tenha sido o do Senador Francisco Sales Torres-Homem,
um veterano da política radical que, em 1871, representava o Rio
Grande do Norte. Sales Torres-Homem, ele próprio, provavelmente,
descendente de escravos, colocou a captura e sujeição de um preto
na África no mesmo pé de injustiça do que a escravidão de um in-
fante brasileiro. Neste último caso, o senhor aguardava sua nova
propriedade na porta da própria vida. Isto era “pirataria exercida à
roda dos berços”. Refutou os principais argumentos dos oponentes.
A, propriedade de seres humanos “longe de fundar-se no direito na-
tural, é, pelo contrário, a sua violação mais monstruosa”. Os seres
humanos não podiam ser comparados “ao potro e ao novilho, ao
fructo das arvores e aos objectos animados da natureza, submettidos
à dominação do homem”. Desafiou o direito de propriedade às crian-
ças ainda por nascer das escravas com uma advertência dramática
de que a poeira de que seus corpos seriam compostos ainda estava
espalhada sobre a terra, de que as almas já exigidas por seus senho-
Tes para o inferno da escravidão ainda repousavam “no seio do poder

“6 Ibid., II, 557, Apêndice, páginas 18, 26.


4 Ibid,, IH, 316-320.

127
creador...” Aqueles que falavam tão alto sobre os direitos de pro-
priedade, acusou ele, já se tinham esquecido de que a mai oria
dos
escravos que trabalhavam suas terras eram os descendentes
de pes-
soas “que um trafico deshumano introduziu criminosament e
neste
paiz com affronta das leis ou dos tratados!” 48
O debate nem sempre era ordenado e disciplinado. Os
oponen-
tes interrompiam muitas vezes os defensores da lei, À medi
da que
o projeto progredia pela Câmara, exigiam votos nominais em artigo
s
sem a menor importância. Andrade Figueira (Rio de Janeiro),
An-
tônio Prado (São Paulo), Perdigão Malheiro (Minas Gerais) e ou-
tros obstruíam os trabalhos ou recorriam a interpelações para atra-
sar o andamento. Tendo por fim demorar o debate, a facção da
minoria recusava-se regularmente a entrar na Câmara até que a
maioria do governo chegasse, só por si, a formar um quorum, for-
cando cada defensor da lei a estar presente em cada sessão.º No
último mês do debate na câmara baixa, o governo só contava com
sessenta e dois defensores, o número exato para abrir uma sessão e
assegurar a passagem da legislação. Por vezes, o decoro da Câmara
era perturbado por trocas de acusações, nomeadamente no dia 2 de
agosto, depois da passagem do artigo que dava aos escravos o direito
a suas economias e sua liberdade quando pudessem pagar o seu
preço. Acusando-se uns aos outros, os deputados abandonaram seus
lugares para invadir todo o recinto, enquanto o público ficava de

a
pé, observando em silêncio. “Nem mesmo nos dias agitados da maio-

——
— D—
ridade (1840) foi o recinto da camara theatro de scenas semelhantes
e o projecto do governo só conseguiu passar depois de uma luta
sem exemplo em nossos annaes parlamentares.” 50
A sessão do Senado de 27 de setembro de 1871 foi solene. As
aA
galerias estavam apinhadas com o público que aguardava a votação
final, atrasada grandemente pelo discurso de um senador da Bahia.
Finalmente, o Presidente do Senado anunciou que o projeto fora
aprovado, motivando um prolongado aplauso e cascatas de flores
das galerias. Fora do Senado, nas ruas, demonstrações em honra do
Visconde do Rio Branco, Nabuco de Araújo, Sales Torres-Homem
e outros legisladores iniciaram vários dias de ruidosas celebrações
públicas. 51
E
ins

48 Ibid., II, 282-297.


aa sig
a

49 Ibid., II, 11, 18-19,


A abolição, página 66.
59-60, 62, 64, 81-82, 112,
,
229: Duqu
que Estrada, ;
50 Discussão da reforma do estado servil, II, 5-15, 255.
51 Ibid., II, 583-586.

126
Apesar do sentido de triunfo, os efeitos imediatos da
vitória
foram pequenos. À lei era complexa, mas não trouxe qualquer mu
-
dança imediata nas vidas da maioria dos escravos e nem mesm
o as
crianças cuja liberdade fora garantida podiam obter qualquer
benefí-
cio prático de seu status até alcançarem sua maioridade legal. Quan-
do esse dia chegasse, conforme os defensores da lei tinham argumen-
tado, criados e treinados num ambiente de escravidão, os ingênuos
seriam autênticos escravos por disposição, mesmo se não pela lei,
encontrando-se mal preparados e pouco motivados para muito mais
do que uma vida de trabalho e de servidão nas lavouras dos donos
de suas mães. º2
Certos comentários portentosos sobre os efeitos da lei haviam
assinalado os últimos dias do debate. Nabuco de Araújo lamentou o
corte de uma provisão para acabar com a escravidão no final do
século. O fundo de emancipação, previu ele, distribuído magramente
pelo país, não seria suficiente, embora concentrações de seu ativo
em províncias como o Ceará e o Rio Grande do Norte tivessem po-
dido criar áreas livres das quais as províncias ocupadas pela escra-
vidão poderiam ser reduzidas gradualmente. Nabuco também previu
violações da lei. As crianças nascidas depois da promulgação da lei
seriam escravizadas pela substituição de outras, nascidas antes, e pes-
soas livres seriam registradas como escravas.
Nabuco foi acompanhado pelo historiador do Maranhão, Cân-
dido Mendes de Almeida, ao deplorar o fracasso em proporcionar
oportunidades educacionais às crianças que a lei libertaria. 53 Este
fracasso, é claro, foi deliberado. A questão da educação não havia
sido debatida, mas a história brasileira revelara pouca inclinação por
parte da classe dominante para conceder oportunidades de educação
aos trabalhadores agrícolas ou para preparar seus ex-escravos para
a cidadania. Relizar isso em 1871 teria sido realizar uma reforma
muito mais radical do que qualquer coisa que existia na Lei Rio
Branco, já que uma educação eficaz teria transformado o sistema
social e econômico do Brasil ainda mais do que a abolição da
escravatura.
Tal como as coisas se passaram, um dos resultados importantes
da Lei Rio Branco foi o adiamento do verdadeiro abolicionismo,
conforme o governo do Visconde do Rio Branco esperara. Neste

62 Com referência a esta “deficiência” da lei, ver Ianni, As metamorfoses


do escravo, páginas 215-216. ,
53 Diseuesho: de reforma do estado servil, II, 498-531. Para uma avaliação
mais tardia da Lei Rio Branco pelo filho de Nabuco de Araújo, ver Nabuco,
O abolicionismo, páginas 72-87.

129
sentido, a legislação constituiu um sucesso mode
rado, mas apenas
moderado, pois o debate e a nova condição dos filhos
das escravas
também tiveram, indubitavelmente, efeitos libera
lizantes na opinião
pública brasileira. 5! A campanha realizada pela impren
sa em favor
da lei, 'que levou a mensagem do governo a todas as pa
rtes do país, =

identificou o objetivo da emancipação com patr


iotismo e o futuro
da nação, minando, sem dúvida, a autoridade dos
proprietários ds
escravos e o compromisso nacional para com o si
stema escravocrata.
E difícil, naturalmente, determinar até que ponto os
escravos
estavam conscientes do debate Rio Branco e de seus
resultados, mas
um aumento na rebelião, no suicídio e no crime, depois
de 1871,
sugere que muitos estavam, de fato, informados sobre o que
estava
acontecendo. *% Em 1884, o Senador Cristiano Otoni atribuiu uma
alegada epidemia de ilegalidade e de violência entre senhores e es-
cravos a promessas não cumpridas e ao sistema, desapontador,
de
emancipação gradual que fora estabelecido pela Lei Rio Branco.

Por cinco annos, de 1866 a 1871 (disse Otoni ao Senado) irradiou do throno
do Brazil para todos os cantos do Imperio a promessa da libertação dos
miseros escravos. Todos lembrão-se das viagens que neste periodo fez o
Chefe do Estado pelo nosso interior; se era dia desoccupado a escravatura
bordava as estradas em duas alas, de joelhos, abençoando o Redemptor.
Findarão-se os cinco annos destas esperanças douradas, chegou a hora da
sua realização pela lei de 28 de setembro, e a decepção dos miseros foi
triste e completa. A lei disse que libertava os que dalli em diante nascessem:
nem isso fez, que os deixou captivos de facto até 21 annos, mas ao menos
garantio-lhes a liberdade para a maioridade. Entretanto, o que fez em favor
da geração existente? Fallou de sua emancipação gradual em termos do
que se costuma dizer — para inglez ver. 66

Apesar de muitos oponentes livres da escravatura terem tido


uma sensação imediata de realização, os próprios escravos ficaram
menos satisfeitos do que eles com o resultado do longo debate. Em
1872, um surto de inquietação entre os escravos em Sergipe já fora
atribuído a sua crença de que a Lei Rio Branco libertara todos os
escravos e de que, portanto, eles continuavam: cativos injustamente, 57
e, nos anos seguintes, cativos em outros pontos do país tornaram seu
desapontamento conhecido através de um aumento de violência e de

54 Tanni, 4s metamorfoses do escravo, páginas 216-217,


65 Rodrigues, 4 Rebeldia negra, páginas 67, 75-76,
56 Annaes do Senado (1884), II, 30-33. Grifo no original.
67 Relatorio da presidencia da provincia de Sergipe em 1872 (Aracaju
1872), páginas 5-10.
€ ú
130
insubordinação. 8 Além disso, ainda nessa década, até mesmo ho-
mens livres começariam a denunciar as limitações da lei,
iniciando
a fase final e mais dinâmica da luta antiescravatura.

68 Rodrigues, 4 rebeldia negra, página 75.

Ex 1 ta a
da
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a
4
nm J31
q bu
Em nossa terra,
onde ha tanta negligencia,
tanta facilidade de indulgencia e protecção,
só uma medida rigorosa...
pode ser efficaz.

NABUCO DE ARAUJO
no Senado, 26 de setembro de 1871

- o mundo (continua)
a acreditar que a escravidão está
acabando no Brasil, sem reflectir que
isso se dá porque os escravos
estão morrendo.

JOAQUIM NABUCO
O Abolicionismo

A LEI RIO BRANCO

O GOVERNO APLICA A LEI

APESAR de ter sido posta em vigor mais eficientemente do que


a legislação de 7 de novembro de 1831, a Lei Rio Branco pouco
mais teve do que um apoio passivo por parte da classe dos planta-
dores, cuja cooperação fora considerada essencial. 1! Nestas
circuns-
tâncias, o governo, central não dispunha do poder suficie
nte para im-
por o seu cumprimento. O resultado disto, nas palavras
de EJoaquim

1 Annaes da Camara (1871), IN, 123.

132
Nabuco, foi “outra epocha de indifferença pela sorte do escravo, du-
rante a qual o governo poude mesmo esquecer-se de cumprir a lei
que havia feito passar.”2
Nas semanas que se seguiram ao debate, o governo adotou certas
medidas para fazer vigorar a lei. Todavia, houve indícios, logo desde
o início, que ela não seria aplicada consistentemente. O Artigo 6 da
Lei Rio Branco prometia a liberdade de todos os escravos de pro-
priedade do governo. Um decreto interpretando este artigo, promul-
gado pelo Visconde do Rio Branco em 11 de novembro, estabeleceu
a política a ser seguida na libertação desses escravos pertencentes
ao governo, incluindo os que eram usados pelo Imperador e sua fa-
mília. Os escravos da nação que estavam sendo usados em obras
públicas ou em lavouras de propriedade do Estado teriam autoriza-
ção para procurarem outros empregos e aqueles que preferiam per-
manecer ao serviço do governo receberiam salários, sendo supervis:o-
nados e protegidos pelos presidentes provinciais. Outra diretriz, con-
tudo, emitida e assinada por Rio Branco apenas dez dias mais tarde,
Tecordava a esses mesmos presidentes que, ao estabelecerem salá-
rios, deveriam ter presente a necessidade do governo de obter um
lucro suficiente das suas propriedades rurais. Os antigos escravos só
teriam o direito de procurar emprego em outros lugares se isto não
privasse os Estados de trabalhadores que fossem necessários. 2
Certos outros atos do governo pareceram providenciar uma po-
lítica de aplicação estrita da lei, embora revelando dúvidas de que
os funcionários do governo e os proprietários de escravos cumpris-
sem com suas obrigações legais. O Artigo 8 ordenava um registro
nacional de todos os escravos e ingênuos. Um decreto de 1 de de-
zembro de 1871 estabeleceu regras para estes registros. Os cobrado-
res de impostos locais ou os funcionários fiscais deveriam divulgar a
obrigação dos proprietários de registrar seus escravos e ingênuos num
recenseamento geral a ser iniciado em 1 de abril de 1872 e termi-
nando no último dia de setembro do mesmo ano. Cópias destes avi
Sos seriam enviadas para todos os padres paroquiais, que passariam
a informação a suas congregações. Os locais de registro estariam
abertos todos os dias úteis das 9 horas da manhã até as 4 da tarde
durante esse período. Os livros de registro seriam fechados e con-
feridos no dia 30 de setembro de 1872, mas os proprietários seriam
autorizados a registrar escravos por mais um ano, a partir dessa data,
sem incorrerem em multas ou perda de escravos não registrados.

2 Nabuco, O Abolicionismo, p. 3.
8 Veiga, Livro do estado servil, páginas 205-211.

133
|
Depois deste período, qualquer escravo não registrado seria consi-
derado livre, a não ser que seu proprietário pudesse provar que não
era responsável pela infração da lei. Os funcionários que fossem
destacados para realizar os registros deveriam compilar relatórios

em. e—
GF
sobre os escravos e ingênuos registrados, especificando seu Sexo, ida-
de, estado civil, profissão e lugares de residência, com quaisquer mo-
dificações devendo ser registradas de tempos a tempos para manter
as estatísticas atualizadas.
O
mesmo decreto ameaçava multas para quem não cumprisse
estas disposições. Os proprietários que não registrassem escravos ou
ingênuos ou, ainda, que não informassem sobre modificações no
seu status soireriam multas que iam até 200 mil-reis. Os funcioná-
rios encarregados de registrarem os escravos seriam multados em
um quarto dessa quantia se não cumprissem com seu dever. Os pa-
dres que não informassem suas congregações sobre os regulamentos
estavam sujeitos a multas de 10 mil-reis por cada domingo e dia
santo em que fossem remissos. Os funcionários que não impusessem
estas multas seriam, por sua vez, pesadamente multados pelos pre-
sidentes provinciais. £
O Artigo 3 previa o estabelecimento de um fundo de emanci-
pação para ser criado por meio de impostos sobre os escravos, lote-
rias nacionais, multas e contribuições. Mais de um ano após a pro-
mulgação da Lei Rio Branco, em 13 de novembro de 1872, o Minis-
tro da Agricultura decretou os regulamentos para o uso do fundo
de emancipação. As famílias teriam preferência, no que se referia
à libertação, sobre pessoas individuais, particularmente membros da
família que fossem de propriedade de senhores diferentes, com a
preferência, além do mais, sendo dada aos pais de ingênuos, de
crianças livres e de crianças escravas, nessa ordem. Na seleção de
pessoas individuais para manumissão, as mães e os pais com filhos
livres e escravos entre as idades de doze e quinze anos seriam pre-
feridos, começando com as mulheres mais jovens e os homens mais
idosos. 5 Isto libertaria as mulheres em idade de ter filhos, enquan-
to manteria os homens mais produtivos no trabalho.
O mesmo decreto ordenava a criação de juntas de classificação
em cada município. que deveriam ser compostas, se possível, pelo pre-

4 Ibid., páginas 33-44.


5 Para facilitar as classificações, um sistema mais simples foj decret
20 de setembroj de [87
1876. Para um esboço do complexo s ado
istema de
em
ficação que ainda existia em 1886, ver -
Ianni, As metamorfoses do aa
páginas 224-225.

134
sidente da câmara municipal, pelo promotor público e o coletor de
impostos. Estas juntas teriam de se reunir todos os anos, em todo o
território nacional, no primeiro domingo de julho, para classifica-
rem e escolherem escravos para libertação, com a primeira dessas
reuniões tendo lugar em 1 de abril de 1873. Aqui, também seriam
aplicadas multas se a lei não fosse aplicada. Um membro da junta
que não comparecesse a uma reunião sem justa causa teria de pagar
de 10 a 50 mil-reis e os proprietários negligentes seriam castigados
com dez a vinte dias de prisão. Os valores dos escravos a serem
libertados seriam estabelecidos por arbitragem e as pessoas libertadas
receberiam certidões de emancipação. 8
Assim, um sistema de registro e classificação foi estabelecido
no papel, mas o governo pouco fez para assegurar que o trabalho
fosse realmente realizado nas centenas de municípios desde o Rio
Grande do Sul até a Amazonia. Em vez de conceder salários, por
exemplo, ou outros incentivos aos funcionários locais encarregados
da tarefa, o governo, prevendo alguma resistência ao dever, ame>-
çou os funcionários com castigos que dificilmente teria o poder
para impor nas distantes regiões do país.
O registro e a classificação progrediram. por conseguinte. com
uma surpreendente lentidão, apesar dos castigos ameaçados. Quase
sete meses depois da data em que o registro deveria ter sido con-
cluído, o Ministro da Agricultura anunciou que só recebera relató-
rios de municípios de onze províncias, registrando apenas 198.814
escravos, menos de um sétimo daqueles que viriam a ser incluídos
na contagem final. A lei fora cumprida, disse ele. tão rapidamente
quanto as circunstâncias o permitiam. No mês de setembro seguinte,
menos de duas semanas antes do segundo prazo, o último, para o
registro, o Ministro da Agricultura informou o Visconde de Rio
Branco de sua decisão de permitir que os portadores de hipotecas
Tegistrassem em seu nome os escravos de devedores que recusassem
cumprir com a lei e, dois meses depois do final desse último prazo
para registro. ainda estava procurando obter informação dos presi-
dentes provinciais sobre os resultados dos registros e classificações. 7
O relatório do Ministério da Agricultura de 1874 foi pessimista.
Tanto o registro quanto as classificações haviam encontrado obstá-
culos. As juntas de classificação não se haviam reunido nas datas
previstas. Um novo prazo fora dado e já vencera há muito tempo,

6 i ; stado servil, páginas 51-72.


7 RA a 93: Relatorio do Ministério da Agricultura, 14 de maio
de 1874, páginas 5-7.

[35
mas só um pouco mais de um milhão de escravos tinha sido regis-
trado. º Em maio de 1875, a situação já melhorara um pouco. A
mais recente informação reunida pelo Ministério da Agricultura ness
e
mês colocava o total de escravos registrados em 1.431.300
e O re-
censeamento ainda não terminara. A primeira distribuição provin-
cial do fundo de emancipação era esperada para breve, emb
ora, até
então, só tivessem sido classificados menos de 200 mil
escravos. As
juntas de classificação de muitos distritos não haviam enviad
o s eus
relatórios, apesar de repetidos pedidos e de amea
ças de castigo. O
fracasso, pensava o Ministro da Agricultura, result
ava da falta de
salários para os funcionários que tinham essa respon
sabilidade e das
grandes distâncias que os proprie tários eram forçados
a viajar para
alcançarem os locais de registro. ?
Essas razões eram exatas, embora a apatia e o
desdém geral
pelos regulamentos também contribuíssem em muit
o para a ina-
tividade. Há muitas explicaçõ es da falta de progresso
(provavelmen-
te, características da nação como um todo) contidas
em cartas de
juntas de classificação de S ergipe para o presidente
da província.
Uma das juntas informou o executivo de que sua reuniã
o fora atra-
sada por três meses devido à falta de livros de registro.
Outra anun-
ciou a suspensão de seus t rabalhos devido à falta de um
promotor
e outra, ainda, informou que a recusa de um tabelião
de participar
atrasara o trabalho. Uma junta de classificação, também
de Sergipe,
realizara sessões regulares, mas fora incapaz de estabelecer qualquer
valor para os 524 escravos de seu município devido
a uma total
relutância dos proprietários locais no que se referia a
comparecerem
às reuniões. Alguns dos municípios de Sergipe apresentaram
seus re-
latórios em 1875, mas outros continuaram encontrando pretex
tos, no
ano seguinte, para o não cumprimento da lei. Em agosto de 1876,
uma junta atribuiu sua impossibilidade de funcionar à
falta de um
secretário, uma posição que não contava com qualquer form
a de
salário. Não era prático, explicou um funcionário local, * su
ppor
que qualquer cidadão se preste a seme
lhante serviço, fugindo de
suas occupações diarias para entregar-se a trabalhos
que privam-
nos de obter seus meios de subsistencia.” Um rel
atório do mesmo
período enviado do município de Divina Pastora
anunciou que a
junta desse município não se reunira no pri
meiro domingo de
julho, segundo instruções, “em consequencia
de m'achar doente,
em estado de não poder levantar-me...”
Uma junta de Itabaiana

S Relatório do Ministerio da Agricultura, 14 de maio de 1874, pápi


9 Ibid., 2 de maio de 1875, páginas 7-8. » Páginas 5-71
136
informou que não se reunira pelo fato de o promotor estar ocupado
no município de Simão Dias e o tabelião estar ocupado “com
assumpto não menos importante.”1º
O tom do relatório do Ministro da Agricultura de maio de 1876
sugere que os problemas encontrados em Sergipe eram semelhantes
aos que se verificavam em outros pontos do país. A classificação
dos escravos era “um trabalho difficilimo e até inexequivel...” No
decorrer de cinco anos, não fora completado a tempo em lugar
algum. !! O registro especial continuara além do prazo legal e, na
realidade, esse prazo fora ampliado oficialmente em novembro de
1875 por uma decisão do Imperador em consulta com o Conselho
de Estado. D. Pedro e seus conselheiros concluíram que os escravos
ainda não registrados em 30 de setembro de 1873 não seriam liber-
tados de acordo com o decreto de dezembro de 1871, já que o seu
registro não fora efetuado em muitos distritos devido à escassez de
funcionários ou a uma falta de livros de registro, “que, embora re-
mettidos a tempo, não chegaram ás referidas localidades dentro do
prazo legal...” 12 O trabalho de registro fora completado e encerra-
do pouco depois, mas a decisão do governo no sentido de ampliar
o prazo resultou, provavelmente, no registro de muitos escravos
que já estariam legalmente livres se a Lei Rio Branco tivesse sido
interpretada estritamente e aplicada de modo rígido.

O FRACASSO DO FUNDO DE EMANCIPAÇÃO

A LENTIDÃO do registro e da classificação retardou a aplicação


do fundo de emancipação. Em maio de 1874, mais de 3 mil contos
já tinham sido acumulados no fundo, o suficiente para libertar quase
6.500 escravos a um preço médio de 500 mil-reis cada. Todavia,
essa quantia não podia ser distribuída pelas províncias, disse o Mi-
nistro da Agricultura, já que a distribuição dependia da conclusão
do registro, sendo dificultada em certos lugares, também, pela au-

10 Escravos, APS. O fracasso das juntas de classificação no Brasil foi


semelhante ao das juntas de manumisión, estabelecidas anteriormente na
Venezuela para o mesmo objetivo. Ver Lombardi: The Decline and Abolition
of Negro Slavery in Venezuela, páginas 61-72.
11 Relatório do Ministério da Agricultura, 15 de janeiro de 1877, página 13.
I2 Veiga, Livro do estado servil, página 195.

137
sência de repartições fiscais e, em outros, por uma escassez de
pessoal. 1º
Em maio de 1876, quase cinco anos depois da Lei Rio Branco
ter sido passada, o governo anunciou, por fim, que os primeiros
1.503 escravos, cerca de 1 em cada mil registrados, haviam sido lIi-
bertados pelo fundo, esperando-se que mais 2.500 fossem libertados
brevemente. !* Em meados de 1877, apenas mais 755 tinham sido
libertados pelo fundo, perfazendo um total de apenas 2.258 escravos
durante um período de quase seis anos. Mais de 6 mil contos haviam
sido reunidos no fundo durante cinco anos fiscais, mas menos de
1.295 contos tinham sido aplicados diretamente na libertação de
escravos. A explicação para esses magros resultados ainda era a mes-
ma: a relutância dos funcionários do governo em aceitarem um
acréscimo de trabalho sem um acréscimo de remuneração. 15
Cerca do final de 1878, outras 1.800 pessoas já haviam sido
libertadas, com o preço médio indo de 5628630 até 3438343. Apesar
deste elevado custo, apenas uma pequena parte do fundo estava
realmente sendo aplicada na libertação de escravos. Apesar da es-
cassez de livros de registro e de pessoal persistirem, quase um quinto
do dinheiro fora gasto, até 1878, em livros de registro, “gratifica-
ções” e outras despesas não especificadas do que fora aplicado dire-
tamente na manumissão de escravos. Mais de metade do ativo to-
tal do fundo ainda não fora usada, fosse nas províncias ou na ca-
pital (ver Tabela 22). 16
Assim, enquanto a burocracia continuava inativa, milhares que
poderiam ter sido libertados continuavam escravizados. Nos quatro
meses e meio que se antecederam a maio de 1879 apenas foram
libertados uns meros 245 escravos, a um preço médio de 7428778.
Um saldo de mais de 4.182 contos acumulara-se no fundo até essa
data, mas o Ministro da Agricultura opôs-se a uma segunda dis-
tribuição de fundos pelas províncias com base no fato de muitas
mudanças na população escrava que não tinham sido registradas
terem tornado inexatas as estatísticas do governo. !” Durante todo
o ano seguinte, somente 201 escravos foram libertados pelo fundo,
não sendo realizada qualquer nova distribuição de seu ativo. 18

I$ Relatório do Ministério da Agricultura, 14 de


maio de 1874, páginas 5-7.
14 Ibid., 15 de janeiro de 1877, página 14,
Iô Ibid., 1 de junho de 1877, páginas 6-8.
16 Ibid., 27 de dezembro de 1878, páginas 12-15,
l7 Ibid., 1879, páginas 11, 27.
18 Ibid., 14 de maio de 1880, página 22.

138
Com o novo despertar do sentimento abolicionista em 1880, o
apre ssou a sua apli caçã o do fund o. Dur ant e
over no, subi tame nte,
as realizad
de dezesseis meses, em 1880 e 1881, foram
a período
e i r a d i s t r i b u i ç õ e s , t o t a l i z a n d o 6 . 7 5 0 c o n t o s , e m a i s
a segunda e a terc
5 413 escrav os for am lib ert ado s. 1º Em 188 5, já tin ham sid o lib ert a-
das 23 mil pes soa s pel o fun do, a um cus to tota l de 14. 520 con tos ,
sem incl uir cer ca de 600 con tos con tri buí dos pelo s pró pri os esc rav os
ara sua própria liberdade. 2º O preço médio de cerca de 663 mil-reis
(ver Tabela 23), embora não particularmente elevado para um es-
cravo ativo do sexo masculino, era mais elevado do que o preço
pago normalmente no mercado aberto por mulheres e crianças, que
formavam a grande maioria das pessoas libertadas. 2! Os escravos
com mais de setenta anos foram libertados, segundo uma fonte abo-
licionista, a preços suficientemente altos para comprar meia dúzia de
escravos jovens. 22 Os preços nas províncias do café eram os mais
elevados, refletindo a maior capacidade produtiva dos escravos dessas
regiões, enquanto os preços no Nordeste eram muito inferiores,
particularmente no Ceará. Na província do Rio de Janeiro, um €s-
cravo foi libertado ao preço jamais antes imaginado de 2.900 mil-
reis. 23
O fundo foi abusado de outras formas, além do óbvio recurso
aos preços elevados. Maurilio de Gouveia salientou que o direito
dos proprietários a escolherem as pessoas que seriam libertadas lhes
dava a oportunidade para se desembaraçarem dos escravos doentes,
cegos, inúteis e perturbadores. 2* Para fazerem com que seus escra-
vos menos valiosos fossem elegíveis para venda através do fundo,

19 Ibid., 19 de janeiro de 1882, página 13.


20 Ibid., 30 de abril de 1885, página 375; Jornal do Commercio, Rio de
Janeiro, 3 de julho de 1885. Os regulamentos de 13 de novembro de 1872
obrigavam os escravos a contribuírem com quaisquer donativos, legados ou
heranças que recebessem para este propósito específico. Aqueles que não
estivessem dispostos a fazê-lo perderiam seus lugares na classificação e ficariam
para trás. Ver Veiga, Livro do estado servil, página 57.
1 Das 1.567 pessoas libertadas pelo fundo no Município Neutro, 854
tinham menos de vinte e um anos e 585 eram mulheres com mais de vinte
e um anos. Dos 121 homens adultos incluídos, 78 tinham mais de quarenta
anos. As idades de sete pessoas não foram reveladas. Escravos. Junta
qualificadora para libertação, 1873-1886, DPHAG, 6-1-39.
22 O Christianismo, a civilisação e a sciencia protestando contra o captiveiro
no Brasil (Bahia, 1885), página 104.
E South American Journal, 29 de setembro de 1881.
* Gouveia, História da escravidão, página 227. Este direito dos proprie-
tários de escolherem os escravos a serem libertados era parte do Ártigo XXVII
do decreto de 13 de novembro de 1872.:-Ver Veiga, Livro do estado servi,
páginas 52-53, avo ERÊ à
a

139
os seus donos, em certos casos, organizavam casamentos entre os
idosos e os muito jovens, entre escravos inúteis ou incorrigíveis e
pessoas livres, que eram induzidas a tal por dinheiro. 2º As mortes de
escravos não eram registradas, frequentemente, para que eles fossem
“libertados” pelo fundo. 2º O fundo de emancipação também serviu,
conforme foi alegado, como fonte de dinheiro para campanhas elei-
torais e, em algumas comunidades isoladas, as distribuições anuais
de fundos iam regularmente para cinco ou seis pessoas influentes. 27
Em regiões onde havia grande procura de escravos, os proprietários
mostravam-se relutantes em trocá-los, até mesmo por preços eleva-
dos. A parte que competia a São Paulo na terceira distribuição, lá
recebida em setembro de 1881, só alcançou os municípios quase um
ano depois. No município de Campinas, na zona central do café da
província de São Paulo, os escravos tinham uma tal procura que três
distribuições de fundos deixaram de ser usadas até que os planta-
dores, forçados a cumprirem com a lei, libertaram trinta e um es-
cravos a uma média exorbitante de 1.566 mil-reis. 28
Muito mais escravos foram libertados gratuita ou condicional-
mente depois de 1871 do que aqueles que haviam sido libertados
pelo fundo. A emancipação particular foi estimulada, provavelmente,
pelo exemplo dos monges das ordens beneditina e carmelita, que
libertaram seus vários milhares de escravos pouco depois da passa-
gem da Lei Rio Branco. ?? Em maio de 1880, quando o novo movi-
mento de libertação começava dando indícios de vitalidade, um
pouco mais de 35 mil escravos já haviam sido libertados por seus
proprietários, independentemente do fundo, desde a aprovação da
Lei Rio Branco, a maioria dos quais gratuitamente. 3%º Em 1885,
com a popularização da manumissão em províncias como o Ceará e
Rio Grande do Sul, o número total de libertados já subira a 131.794,
dos quais, segundo foi afirmado, 87.221 haviam sido libertados sem
compensação para seus senhores. O número de escravos mortos des-
de o início do registro especial foi calculado em 214.860. 31

2º Annaes do Senado (1885), I, 11; O Christianismo, a civilisação e a |


sciencia protestando, páginas 94, 104.
26 Annaes do Senado (1885), I, 11-12.
27 Gazeta da Tarde, 14 de dezembro de 1883.
28 Rio News, 15 de julho de 1883.
22 Henrique de Beaurepaire Rohan, O futuro da grande lavoura e da grande
propriedade no Brasil (Rio de Janeiro, 1878), páginas 13-15; Homens livres
reduzidos à escravidão, AHI, 235-7-19; Veiga, Livro do estado servil,
pági-
nas 31, 295.
30 Relatório do Ministerio da Agricultura, 14 de maio de 1880 deita an:
S1 Ibid., 30 de abril de 181885, página 372. Para estatís ticas algo diors
diferentes,
mas análogas na sua: essência, ver Nabuco, O Abolicion
ismo, página 86.

140
O fundo de emancipação não conseguiu alcançar resultados no-
ráveis devido, pelo menos, a duas razões importantes. Em primeiro
lugar, O governo não proporcionou os incentivos necessários para
que a tarefa fosse realizada nas províncias. A idéia de libertar os
escravos por este meio não era genuinamente popular, na década
de 1870, e a participação, por conseguinte, era muito lenta onde as
distâncias eram muito grandes, as condições eram primitivas, os pro-
prietários eram poderosos senhores locais e os funcionários públicos
precisavam de algo mais do que a responsabilidade legal e as amea-
ças oficiais para que agissem. Em segundo lugar, o fundo nunca
chegou a ser suficientemente importante para libertar um grande
número de escravos, em especial com os preços elevados que eram
decididos localmente através de arbitragem. O dinheiro para este
fim, segundo a Lei Rio Branco, viria de impostos, loterias, multas
e contribuições, mas estas fontes de receita jamais foram suficientes
para libertar mais do que uma pequena porção da população escrava.
O fundo de emancipação não tinha a intenção de ser muito mais
do que um gesto humanitário, um instrumento de libertação menor
ou uma prova de boa vontade. Na pior das hipóteses, foi um meio
para os proprietários se desembaraçarem dos seus escravos menos
úteis a preços muito satisfatórios.

OS RECEM-NASCIDOS

À MAIS grave crítica apresentada contra a Lei Rio Branco talvez


tenha sido no que se refere a seu fracasso em conceder ao ingênuo
médio uma vida muito diferente da do escravo médio. Um membro
do Conselho de Estado do Imperador afirmou publicamente, em
1884, que os filhos livres de mulheres escravas, que também eram
chamados, na gíria do tempo, riobrancos, tinham sido mantidos “em
quasi sua totalidade, na: mesma condição servil como os demais
escravos, faltando-se-lhes com a indispensavel e devida instrucção e
desamparados da protecção tutelar da autoridade publica.” 32 O Ar-
tigo 18 dos regulamentos de 13 de novembro de 1872 implicava o
direito do proprietário de infligir castigo corporal a um ingênuo
se esse castigo não fosse “excessivo”. Os serviços dos ingênuos não
eram transferíveis normalmente, segundo outro artigo da lei, mas

2 Acta da conferencia das secções reunidas dos negocios da fazenda, justiça


e imperio do Conselho do Estado (Rio de Janeiro, 1884), página 17,

141
podiam ser confiados a outro proprietário se a mãe da criança fosse
vendida ou a transferência fosse concordada na presença de um
mandatário ad hoc e aprovada pelo juiz de órfãos. Os serviços dos
ingênuos, além disso, podiam ser “alugados” legalmente a outra
pessoa. 38
Na atmosiera brasileira das décadas de 1870 e 1880, o resultado
de tais ambigiidades legais era a compra e venda aberta dos “servi-
ços” presentes e futuros de crianças livres e seu anúncio na impren-
sa pública. Africanos demasiado jovens para terem sido importados
antes de 1831 e crianças demasiado jovens para terem nascido es-
cravas eram colocados à venda abertamente, lado a lado, na provín-
cia do Rio de Janeiro e anunciados na imprensa do Rio. O Jornal
do Commercio publicou editais de vendas de escravos reguladas pelo
governo na cidade de Valença, no interior, anunciando africanos
cujas idades certificadas por tabeliães públicos provavam sua impor-
tação ilegal e a ilegalidade da sua condição de escravo de facto.
Tais anúncios continham os nomes, idades e “avaliações” de ingê-
nuos, também certificados por tabeliães públicos. Uma dessas listas,
publicada em 1881, incluía dez ingênuos cujos preços iam de 400 mil-
reis para um rapaz de nove anos até 10 mil-reis por uma criança do
sexo masculino de dois anos; outra lista, mais tarde, incluía um
riobranco chamado Luiz, que esperavam vender por uns meros 5 mil-
reis. %* Apesar de repetidos protestos da imprensa e do próprio go-
verno, a “venda” de ingênuos continuou até 1884. Em maio desse
ano, Andrew Jackson Lamoureux, o editor americano do jornal
The Rio News, chamou a atenção para um anúncio no Jornal do
Commercio para a venda de 14 ingênuos em Valença. Nesse tempo,
a questão da legalidade de tal prática já estava diante do Conselho
de Estado havia dezoito meses, uma legislação para proibir a venda
de ingênuos estava sendo considerada na Câmara de Deputados e o
Ministro da Agricultura acabara de assegurar à nação que não se-
riam permitidas mais vendas desse tipo. 35
As estatísticas que o Ministério da Agricultura reuniu com base
nos nascimentos e nas mortes de ingênuos não indicavam uma mor-
talidade infantil invulgarmente elevada ou o abandono generalizado
de ingênuos, conforme fora previsto pelos oponentes da Lei Rio

3º Veiga, Livro do estado servil, páginas 50, 69.


S Rio News, 15 de fevereiro e 5 de maio de 1881;
1882; Gazeta da Tarde, 23 de fevereiro de 1883.
24 de dezembro de
; Ver também Nabuco,
O Abolicionismo, página 121; Joaquim Nabuco, Cartas q amig os (2 volumes:
São Paulo, 1949), I, 76-78.
6 Rio News, 24 de maio de 1884;
Annaes da Camara (1884), I, 35.

142
Branco em 1871.º%º Todavia, as estatísticas também não deixavam
de provar as previsões pessimistas. O que revelaram foi que os filhos
de mulheres escravas registrados como ingênuos eram muito menos
do que o número de crianças que essas mulheres poderiam, natural-
mente, ter dado à luz. No final do sétimo ano após a passagem da
lei, apenas 278.519 crianças tinham sido registradas, das quais
218.418 estavam registradas como vivas. O recenseamento de 1872,
contudo, registrara 439.027 escravas entre as idades de onze e qua-
renta anos, isto é, cerca de duas mulheres em idade de ter filhos
para cada ingênuo que nascera, que fora registrado e que sobrevivera
entre 1871 e 1879. 3” Da mesma forma, em 1883, havia 835 escravas
nas nove lavouras de café do Conde de Nova Friburgo, mas apenas
337 ingênuos. 38
Essas estatísticas indicam um índice de mortalidade muito ele-
vado entre os filhos das escravas, o que, por certo, seria de esperar,
ou, então, um índice baixo de natalidade — ou ambos — com estas
inferências sendo confirmadas pelo pequeno número de crianças es-
cravas de dez anos de idade ou menos registradas no recenseamento
de 1872 — apenas cerca de 365 mil numa população escrava total
de mais de um milhão e meio, que incluía mais de 375 mil mulhe-
res entre os 15 e 40 anos de idade. *º? Indubitavelmente, algumas
crianças nascidas como escravas e também muitos ingênuos, parti-
cularmente aqueles cuja vida foi breve, nunca chegaram a ser regis-
trados. Muitos, talvez, foram abndonados, conforme alguns membros
da Assembléia Geral haviam advertido que seriam, e outros confia-
dos às casas de caridade da Igreja ou, o que é menos provável, até

6 Para as impressões pessimistas de um estrangeiro no que se refere ao


registro de ingênuos, ver C. C. Andrews, Brazil, Its Condition and Prospects
(Nova York, 1887), páginas 312-313.
Recenseamento da população, XIX, 4; Relatorio do Ministerio da Agri-
cultura, 14 de maio de 1880, páginas 12-13. Em contraste, segundo o recen-
seamento brasileiro de 1950, 60,1 por cento das mulheres brasileiras acima
de 15 anos de idade eram prolíficas e o número médio de nascimentos
Vivos por mulher prolífica era 5,2. Para mulheres “pardas” ou pretas, o
numero médio de filhos nascidos era de 5,5 e 5,3, respectivamente. Ver
Francisco M. Salzano e Newton Freire-Maia, Problems in Human Biology,
À Study of Brazilian Populations (Detroit, Michigan, 1970), página 63.
88 Van Delden Laérmne, Brazil and Java, página 341. Em contraste, nos
seus cálculos de aproveitamento da escravidão nos Estados Unidos, Conrad
e Meyer assumiram que cada “escrava de primeira” poderia produzir de
cinco a dez crianças negociáveis no decorrer de sua vida e que as gravidezes
bem sucedidas se verificavam em espaços de dois anos. Ver “The Economics
of Slavery in the Ante-Bellum South”, página 349.
8º Recenseamento da população, XIX, 4.

143
enviados “para morrer de fome em casas que, a baixo preço, se
encarregam de infanticídios sem vestígio...”, uma acusação feita
pelos abolicionistas em 1883.4º Evidentemente, também, muitas
crianças tiveram negada sua condição de ingênuo através de registros
falsos, já que, de novo, segundo os oponentes da escravidão, “apa-
rentemente, nenhumas crianças nasceram de mães escravas imedia-
tamente após o 28 de setembro de 1871, enquanto, por outro lado,
mostram (os registros das fazendas) um aumento, até então nunca
verificado, de nascimentos em 1870.” “4 Seja qual tenha sido seu des-
tino, é provável que o meio milhão de ingênuos que se pensava estar
vivo quando a escravatura foi abolida em 1888 incluísse uma peque-
na percentagem daqueles nascidos de escravas durante os dezessete
anos anteriores. *º Apesar das provisões da lei que tinham por inte
n-
ção criar estatísticas exatas sobre esta classe de crianças, apesar das
pesadas multas decretadas para o seu não cumprimento, seu dest
ino
nem mesmo podia, ao tempo, ser conhecido. 43
A maioria dos ingênuos que sobreviveram permaneceu nas fa-
zendas sob a supervisão dos donos de suas mães. Tendo o direito de
escolher entre usar o trabalho das crianças depois do seu oitavo
aniversário ou trocá-las por títulos do governo, a grande maioria
dos proprietários escolheu usar seu trabalho, em parte pelo fato desta
opção não requerer deles qualquer ação. Dos 400 mil ou mais ingê-
nuos registrados até 1885, apenas 118 haviam sido confiados
ao
governo em troca dos ornados certificados que o regime imprimira
para esse fim (ver ilustração n.º 25) e, no ano seguinte, apenas dois
ingênuos foram trocados dessa forma. Segundo o decreto de 13 de
novembro de 1872, os poucos ingênuos que o governo recebeu eram,
tal como sucedera com os “africanos livres” alguns anos antes, con-

40 Manifesto da Confederação Abolicionista, p. 16.


41 Carta de Trail para Frelinghuysen, Rio de Janeiro, 21 de maio de 1884,
Papers related to the Foreign Relations of the United States (Washington,
1885), página 29.
42 Este número de 500 mil foi usado
pelo Barão de Cotegipe no Senado
em maio de 1888. Ver Extincção da es cravidão no Brasil, Lei
n.º 3353 de
13 de maio de 1888. Discussão na Camara dos Deputados
(Rio de Janeiro, 1889), página 69. Em 1886, havia 439. e no Senado
831 ingênuos re-
gistrados no Brasil. Relatorio do Ministerio da Agricultura, 14 de maio
de 1886, página 36.
43 Até mesmo recentemente, as estatísticas da população têm sido man-
tidas muito deficientemente em certas partes do Brasil,
mas sabe-se que os
índices de mortalidade, particularmente entre pretos, crianç
as e a população
rural (categorias a que os ingênuos pertenciam de
um modo geral) são
tragicamente elevados. Ver Smith, Brazil, páginas 107-
a k 117; Salzano e Freire-
Maia, Problems
j ;
in Human Biology, páginas 66-76.

I44
, o: Rê
fiados a pessoas físicas, que também tinham o direito de usar seus
serviços ou de alugá-los a terceiros. Em 1885, mais de 9 mil ingê-
nuos já tinham passado para uma condição de liberdade sem obs-
táculos, juntamente com suas mães, mas a grande maioria das crian-
cas sobreviventes continuava sem dúvida, em conformidade com a
lei, num estado de escravidão de facto até elas serem libertadas, ao
do que os escr avos , em 13 de maio de 1888. 44
mesmo tempo

O SIGNIFICADO MAIS AMPLO DA LEI

UMa década depois da passagem da Lei Rio Branco, seu fracas-


so em produzir resultados imediatos importantes já era reconhecido
amplamente. Até mesmo representantes pró-escravatura admitiram
que a lei não fora posta em vigor com energia, que suas provisões
já não correspondiam com as aspirações nacionais e que seus resul-
tados eram insignificantes se comparados com os efeitos da inicia-
tiva privada é os elevados custos da administração. *&
Todavia, a lei teve importantes efeitos sobre atitudes. Suas defi-
ciências foram deploradas e, também, exploradas pelos abolicionis-
tas. Joaquim Nabuco caracterizou-a como uma grande decepção para
os escravos, que esperavam mais. 8
“A verdade,” escreveu Lamoureux no jornal The Rio News
com um certo exagero, “é que jamais houve uma impostura maior
posta em vigor por uma legislatura nacional...” * Os autores do
Manifesto da Confederação Abolicionista do Rio de Janeiro, José
do Patrocínio e André Rebouças, condenaram os proprietários de
escravos por sua má-fé e falta de patriotismo. Esses proprietários,
acusaram eles, eram culpados de crimes terríveis, apesar dos extraor-
dinários privilégios que a Lei Rio Branco lhes concedera. *
A reação dos plantadores de café à lei foi mista. Opondo-se a
ela de um modo geral antes de sua aprovação, consideraram-na,
mais tarde, a última palavra na questão da escravatura e, por con-

44 Relatório do Ministério da Agricultura, 30 de abril de 1885, página 376;


ibid. 14 de maio de 1886, página 36. Para uma opinião semelhante, ver
Ianni, 4s metamorfoses do escravo, páginas 215-216.
Annaes da Camara (1884), III, 172; Diário do Brasil, Rio de Janeiro,
29 de setembro de 1882.
*6 Nabuco, O Abolicionismo, p. 70.
7 Rio News, 5 de fevereiro de 1881.
48 Manifesto da Confederação Abolicionista, páginas 15-16.

I45
seguinte, um instrumento de proteção. Ao abrigo da sombra de suas
provisões, continuaram aumentando o número de seus escravos até
meados da década de 1880 com um desrespeito quase tradicional,
que só foi temperado pelo reconhecimento de que a solução ime-
diata a suas necessidades de mão-de-obra já não seria permanente.
Face à onda abolicionista da década de 1880, além do mais, a Lei
Rio Branco serviu como um novo e forte argumento; condenara a
escravatura à extinção e nenhuma outra medida seria necessária
para assegurar seu desaparecimento dentro do período de vida das
gerações existentes. O que era preciso, argumentavam os proprie-
rf
tários de escravos, eram soluções legislativas para os problemas eco-
nômicos causados pelo rápido envelhecimento e a morte dos indis-
pensáveis trabalhadores agrícolas — não mais limitações dos direitos
dos proprietários.
Enquanto, assim, a procura de novas fontes de mão-de-obra ba-
rata estava tornando-se mais insistente, uma nova oposição ao tra-
balho servil, fosse qual fosse sua forma, também se estava desenvol-
vendo, inclinando-se para rejeitar todos os argumentos que os pro-
prietários pudessem apresentar. Este foi talvez o efeito mais positivo
da Lei Rio Branco. Minou sutilmente a escravatura, identificando
a emancipação com os melhores interesses da nação. O debate sobre
a lei acentuara claramente a injustiça da escravidão, de modo a
todos a compreenderem. De grande importância prática também foi
a libertação de meio milhão de crianças, muitas das quais, na década
de 1880, estavam entrando na idade produtiva e, como escravos, te-
riam representado um forte incentivo para prolongamento do siste-
ma tradicional de trabalho.

146
Parte Dois
1879-1856

executar
Infelizmente, o espírito revolucionário teve que
uc os an os um a ta re fa qu e hav ia sid o des prezada
em po
durante um século.
Joaquim NABUCO
Minha formação
A esta America cofossal...
veio a raça negra e deu ao Norte
o algodão e ao Sul o café:
chegou ás nossas praias barbara, pagã, escrava,
e foi o primeiro instrumento da riqueza
dos Estados Unidos e do Brazil. Em troca
ensinamos-lhe a agricultura e o uso das roupas;
instruimo-la nas artes, nas letras,
nas sciencias; demos-lhe o nosso Deus
e os nossos templos;
agora, lhe estamos dando a liberdade.

SALVADOR DE MENDONÇA
Trabalhadores asiaticos (Nova York, 1879).

No Rio, há uma constante procura


de trabalhadores...

HERBERT H. SMITH
Brazil: the Amazons and the Coast
(Nova York, 1879).

AS PROVÍNCIAS NA
VESPERA DO ABOLICIONISMO

Em 1879, na véspera de um abolicionismo sem compromissos, o


desequilíbrio que resultara do comércio de escravos interprovincial já
estava causando reações que não tardariam a ajudar a destruir a
escravatura. Os principais fatores decisivos foram a quantidade ea
“qualidade” dos escravos existentes nas várias províncias € distri-
tos, bem como o grau de conversão para um sistema de trabalho
livre que já se verificara. Nos pontos onde os escravos eram mitos,

= To
valiosos e trabalhando na terra, a escravatura foi defendida com
muitos argumentos, mas onde havia poucos e “valendo” muito pouco
ou onde eram encontrados tanto nas cozinhas quanto nos campos, as
|
]

populações tornaram-se indiferentes ante a escravatura ou começa-


ram mesmo a opor-se-lhe. Os trabalhadores livres foram reconheci-
dos como uma alternativa aceitável para os escravos em lugares
onde os cativos eram poucos e grandes números de homens e mu-
lheres livres já estavam trabalhando na agricultura. Em contraste,
nos lugares onde os escravos ainda eram abundantes, os fazendeiros
não tinham oportunidades para observar homens livres no trabalho
da terra e sua experiência parecia-lhes reforçar a velha teoria de que
os brasileiros livres não poderiam proporcionar uma força de tra-
balho regular e de confiança. Na realidade, quando o abolicionismo
começou aparecendo e desenvolvendo-se na década de 1880, esta su-
posta incapacidade dos trabalhadores livres veio a ser um impor-
tante argumento pró-escravatura.

O NORTE

AS DIFERENÇAS regionais mais importantes eram, naturalmente,


as existentes entre os produtores de açúcar e de algodão, ao norte,
e os plantadores de café, ao sul. Para os fazendeiros do norte, a
abolição significaria, de um modo geral, alguma perda de privilégios
e de bens, mas o processo, para eles, já começara há muito. Durante
o meio século decorrente entre a abolição do tráfico legal de escra-
vos africanos, em 1831, e o advento do abolicionismo sem compro-
missos, muitos dos fazendeiros do norte já haviam feito os necessá-
Tios ajustes psicológicos e práticos — incluindo o emprego de traba-
lhadores livres — que lhes permitiriam aceitar a abolição da escra-
vatura com uma paciência filosófica.
Conforme já explicamos num capítulo anterior, a escravatura já
não era muito importante em várias partes do Brasil quando o re-
censeamento de 1872 foi realizado, mas igualmente importante como
causa do sentimento emancipacionista foi o subsegiiente declínio
drástico da população escrava nessas mesmas regiões. Entre 1874 e
1884, segundo estatísticas oficiais, a população escrava nacional di-
minuiu de um pouco menos de 20 por cento (ver Tabela 10), mas
-o índice de declínio, em oito províncias do Nordeste, foi de quase
--31-por cento durante o mesmo período e até um pou
co mais eleva-
| ã -do'mo extremo norte e nas províncias do
oeste e do extremo sul.
Ea” am
Em contraste, as populações escravas das províncias do centro-sul,
incluindo até a cidade do Rio de Janeiro, onde a diminuição foi
rápida, declinaram apenas de 9 por cento, com São Paulo e Minas
Gerais tendo uma redução que se fixou entre 3 e 4 por cento. De
todas as províncias, logicamente, São Paulo, um dos principais cen-
tros de importação de escravos antes de 1881, foi a província que
melhor conseguiu evitar uma rápida queda da população cativa entre
1874 e 1887 (ver Tabelas 10 e 11, bem como Fig. 3). As estatís-
ticas reunidas pelo governo brasileiro revelam, na realidade, que,
em São Paulo, a população escrava do sexo masculino chegou a au-
mentar de mais de 8 mil entre 1874 e 1884, enquanto, em todas as
outras províncias, se verificava um declínio substancial da popula-
ção escrava masculina durante esses mesmos anos. (Ver Fig. 6.)
Para chegar a conclusões que os colocariam entre os liberais e
os progressistas, os fazendeiros do norte só teriam de fazer alguns
cálculos simples em 1879, o ano em que os membros do norte na
Assembléia Geral renovaram o debate parlamentar sobre a escrava-
tura. Muitos dos melhores escravos já haviam sido enviados para o
sul e aqueles que tinham ficado estavam envelhecendo e morrendo.
O mero fato de inspecionar os habitantes das cabanas dos escravos
era reconhecer que no norte a escravatura já quase terminara. Ás
crianças de oito anos de idade já eram livres ou viriam a sê-lo dentro
de um prazo que ia de treze a vinte e um anos, com seus maiores,
então, estando já muito além de sua plenitude. Uma parte signifi-
cante do enorme capital investido em escravos já se “desvalorizara”
ou fora convertido em dinheiro ou outras formas de propriedade.
Fundos que, antigamente, teriam sido gastos na compra ou manu-
tenção de escravos já estavam sendo usados para pagar salários e
ordenados.
Tanto no norte quanto no sul já se verificava uma séria escassez
de mão-de-obra que apressaria o progresso da emancipação, embora
a solução para o problema também fosse diferente de região para
região. Enquanto os produtores de café conservavam teimosamente
seus escravos, continuavam comprando os do norte até 1881 e pro-
curavam desesperadamente na Europa e na Ásia uma nova solução
para seu problema de trabalho, os plantadores do norte, menos do-
tados, atraíam centenas de milhares de brasileiros livres, mas ociosos,
para suas fazendas. Incapaz de competir no mercado de escravos
local com os ricos fazendeiros do sul, não dispondo de capital e,
teoricamente, não contando com um clima atraente para os euro-
peus, já com relativamente poucos escravos ocupados na agricultura,
o fazendeiro do norte, em 1879, podia olhar com esperança razoável

5!
RIUNICIPAL
BIBLICTECA PÚBLICA
para duas futuras fontes de mão-de-obra agrícola: os ingênuos, quan-
do atingissem a maioridade, já que a maioria deles permanecera,
provavelmente, nas suas fazendas de origem como resultado da Lei
Rio Branco, e as centenas de milhares de homens livres, indigentes
População (milhares)
200

MINAS GERA IS

ISO

100 SÃO PAULO


— — e. mo em A a

SO

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1870 1880 1899


Fíiçura 6. Populações escravas do
sexo masculino da Bahia, Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais,
1874, 1884, 1887

é desempregados, que subsistiam à margem da dominante economia


de exportação. Esses trabalhadores, conforme os fazendeiros tinham
reconhecido, poderiam ser atraídos para suas plantações,
já que, em

vs] ]
+ "o/a f:
grande parte do litoral nordestino, os homens livres tinham pouco
acesso a boa terra agrícola na faixa costeira fértil. O fluxo de gente
pobre e de antigos escravos poderia ser dirigido para as fazendas e
os salários poderiam ser mantidos baixos. 1 Os homens livres pode-
riam ser contratados apenas para a temporada da safra e, depois,
no resto do ano, deixados a seu próprio destino. Os salários desses
trabalhadores livres, além do mais, não estariam sujeitos à influên-
cia do mercado de trabalho do sul, como o estavam os preços dos
escravos, mais móveis e negociáveis. Os homens livres não poderiam
ser obrigados a viajar para o sul e, assim, eram uma fonte de tra-
balho potencialmente mais digna de confiança. A libertação dos
escravos, na realidade, poderia ser praticamente equivalente a sua
estabilização dentro de suas províncias, acabando com a perda em
grande escala de trabalhadores úteis, perda essa que o Nordeste vinha
sofrendo há quase trinta anos, embora esta vantagem, para alguns,
ainda fosse compensada pela oportunidade que outros tinham de
obter bons preços no sul.
A atitude de, pelo menos, alguns fazendeiros do norte foi reve-
lada numa petição publicada, em 1877, de lavradores de Sergipe ao
governo central. Esta mensagem culpava a Lei Rio Branco e o co-
mércio interprovincial de escravos pela crescente escassez de mão-de-
obra e chamava a atenção para o fato de que, num importante mu-
nicípio produtor de açúcar de Sergipe, a perda de escravos capazes,
devido a várias causas, fora de trinta por cento do total de escra-
vos em menos de cinco anos. Com os trabalhadores cativos destina-
dos obviamente a uma rápida extinção, os requerentes manifestavam
sua oposição à escravatura e sugeriam reformas para que pudessem
atrair a população ociosa. Os homens livres dispostos a trabalhar por
salários ou sob contrato poderiam, por exemplo, ser isentos do ser-
viço militar. “Concessões particulares liberalisadas” poderiam ser ofe-
recidas para atrair trabalhadores, incluindo a concessão de aloja-
mentos confortáveis, um cultivo maior de cereais e de outras safras
alimentícias e o estabelecimento de aulas noturnas onde os traba-
lhadores agrícolas pudessem aprender a ler e escrever. “Movidos por
essas vantagens e pela idéia de jornal certo, os proletários procura-
rão incorporar-se às propriedades rurais e abandonarão os povoados,
ora convertidos em viveiros de ociosidade e de vícios...”2 A men-
sagem de Sergipe foi particularmente significante pelo fato de a es-

1 Furtado, ã econômica
Formação | do Brasil,Il, p páginas 163-164
2 Representação da lavoura de Sergipe aos altos poderes do estado (Rio
de Janeiro, 1877).

153
cravatura, nessa província, ainda ser forte e vital em comparação
com a instituição nas províncias vizinhas.
Assim, havia, já então, de um modo geral, um maior desejo do
norte do Brasil de ver a escravatura terminar, mas a verdade é que,
dentro dessas vastas regiões, o compromisso para com a escravatura
também variava. Na província do Maranhão, no extremo norte, onde
os escravos eram relativamente numerosos e a população de cor
era quase o dobro da branca, * os cidadãos influentes mostravam-se
menos inclinados a soltar as rédeas dos sentimentos abolicionistas.
Apesar de menos recalcitrantes do que as províncias do centro-sul,
Maranhão e até mesmo a província vizinha do Pará jamais
repre-
sentaram um papel importante no esforço abolicionista, com
ambas
permanecendo grandes regiões de escravos até às vésperas da
aboli-
ção. Em contraste, as províncias localizadas na corcunda do
nordes-
te brasileiro (nomeadamente o Ceará, Rio Grande do Norte,
Pa-
raíba. Pernambuco e até mesmo partes da Bahia) eram exporta
do-
ras de um grande número de escravos (ver Tabela 9) e esta
vasta
e importante parte do país talvez fosse a menos disposta
a defender
a escravatura. *
No norte do Brasil, o abolicionismo encontrou um solo parti-
cularmente fértil em duas províncias. O Amazonas, rico em borra-
cha e com poucos escravos pretos, viria a solucionar rapidamente
o
problema, em 1884, com grande entusiasmo público,
já que, nessa
província, onde a maior parte do trabalho era realizada por mão-de-
obra índia e cabocla, pouco havia a fazer para acabar com a escra-
vatura dos pretos e, por conseguinte, o ímpeto para fazê-lo era
grande. A província do Ceará, muito pobre devido às secas, já há
muito era uma fonte importante de escravos para o mercado do
sul, com este comércio tendo aumentado durante a década de
1870
em consegiiência da seca. Assim, em 1879, o Ceará já estava
pronto
para ser um centro de agitação, que, durante os pró
ximos cinco
anos, viria a inspirar os abolicionistas do país inteiro. Dentro das
províncias do norte, é claro, até mesmo no Ceará, havia
* a

zendeiros e políticos que se opunham tanto à abo


cer tos fa-
lição quanto seus
equivalentes do sul. Falando de um modo
geral, contudo, a vontade
de resistir, nesta região, era mais fraca
e o desejo de ver a escrava-
é Recenseamento da população, XIX,
1.
4 Algumas das províncias do sul e do oes
te,
e Santa Catarina, encontravam-se numa situ incluindo talvez Goiás Paraná
ação muito
Grande do Sul tinha muitos escravos, mas, du
rante
suas exportações de escravos excederam
até as do Ceará. O abolicionismo
tornou-se poderoso, nesse : estado, mas, confor me veremos no Ca ítu
|
estabeleceu um compromisso com a escravidão. Pítulo 13,

154
tura varrida do Brasil foi notavelmente bem manifestado, apesar do
caráter atrasado das cidades regionais e de sua óbvia dependência
do setor agrícola de suas economias.
Apenas oito anos depois da aprovação da Lei Rio Branco, à
evolução para um sistema de trabalho livre, que fora particular-
mente rápida em grande parte do norte, criara indícios, nessa região,
de um novo sentimento abolicionista. Tanto na Assembléia Geral]
quanto na própria região, havia indicações de que muitas pessoas
preeminentes e influentes já não estavam satisfeitas com o siste-
ma gradual de libertação estabelecido pela legislação de 1871. No
oitavo aniversário da Lei Rio Branco, no meio de uma seca trágica,
um pequeno grupo de cidadãos da classe média de Fortaleza, a capi-
tal e porto do Ceará, criou uma sociedade emancipacionista, a qual,
em pouco mais de um ano, se transformou em poderosa organização
abolicionista. Segundo um viajante americano cujo livro foi publi-
cado em 1879, um forte movimento emancipacionista, apoiado por
cidadãos preeminentes, também surgira em Pernambuco nessa data,
um resultado da perda de escravos para as províncias do sul. As la-
vouras de café da província do Rio de Janeiro, relatou o mesmo au-
tor, eram trabalhadas freqiientemente por trezentos ou quatrocentos
escravos, enquanto as plantações de açúcar de Pernambuco e do Pará,
por seu lado, só raramente possuíam um quinto desse número. “Ago-
ra, notem o resultado”, escreveu ele, como conclusão:

No Rio, há uma constante procura de trabalhadores; os escravos não são


suficientes; contudo, os trabalhadores livres não podem competir com os
forçados; os fazendeiros fazem trabalhar seus pretos como nunca fariam
trabalhar suas mulas, mas queixam-se, mesmo assim, de que não têm
lucros. Nas províncias do norte, há mão-de-obra livre, suficiente e até demais;
os pobres têm uma possibilidade neste mundo; os ricos estão satisfeitos
com os bons resultados que seu dinheiro lhes traz; a sociedade está equili-
brada muito melhor e o nível do caráter pessoal está muito acima do que
se encontra no sul, 5

Até mesmo um ardente abolicionista poderia encontrar palavras


generosas para o proprietário de escravos do norte. Em 1880, José
do Patrocínio chamou a atenção para o desequilíbrio que havia entre
as províncias do norte e do sul no que se referia à questão da escra-
vatura. O norte, disse ele a um público abolicionista, “muito mais
benevolo para o escravo, desfez-se da hedionda mercadoria quanto
poude; os escravos que lhe restam vivem com os senhores em rela-

6 Herbert H. Smith, Brazil: The Amazons and the Coast (Nova York,
1879), páginas 469-470.

155
ções de amizade verdadeiramente patriarchaes”. O sul, por outro
lado, “ambicioso, obstinado, aristocratico, barbaro e cruel para o
escravo, embriagado pelo jogo do café, foi comprando a fatal merca-
doria a todo o custo”. O norte era abolicionista, disse Patrocínio,
enquanto o sul, endividado junto aos bancos e aos comerciantes de
café, não conhecia outro modo de vida que não fosse o da escra-
vatura. é

AS PROVÍNCIAS DO CAFÉ

Topavia, até mesmo nas regiões do café se encontravam dife-


rentes graus de compromisso para com a escravatura. No Império,
como um todo, o movimento antiescravatura era mais forte nas
áreas urbanas do que nas rurais, mas, na região do cultivo do café,
o choque entre as cidades relativamente sofisticadas e O interior,
marcantemente pró-escravatura, foi particularmente amargo. Isto ve-
rificou-se, em especial, depois de 1886, quando importantes cidades
como São Paulo, o vizinho porto de Santos, Campos na parte leste
da província do Rio de Janeiro e a própria capital do Império ser-
viram como centros de agitação, como refúgios para escravos fugi-
tivos e até mesmo como quartéis-generais para os assaltos à escrava-
tura nas áreas rurais vizinhas. A população escrava da cidade do
Rio de Janeiro e dos distritos vizinhos era vasta e valiosa, de modo
que os defensores do status quo depressa se organizaram quando um

S$ Gazeta da Tarde, 27 de dezembro de 1880. Pelas mesmas razões que


os brasileiros das províncias do norte viriam a representar um papel impor-
tante no movimento abolicionista do seu país, os porto-riquenhos
“uma força impulsionadora essencial na abolição espanhola”.
tornaram-se
A escravatura
jamais criara raízes tão fundas em Porto Rico quanto criara em Cuba.
O comércio de escravos para aquela ilha menor terminara em 1835, devido
à impossibilidade dos porto-riquenhos competirem com Cuba no contrabando
de escravos, com um comércio de escravos interilhas tendo-se, por conse-
guinte, desenvolvido. Em 1860, a proporção de escravos
para pessoas livres,
em Porto Rico, já era de apenas um para treze, enquanto
, em Cuba,
era de um para quatro. Tal como os membros do norte
das legislaturas
brasileiras tendiam mais do que os do Rio de Janeiro para
emancipação, a maioria dos porto-riquenhos, votarem pela
nas Cortes Espanholas de 1871-
1872, era constituída por emancipacionistas. A legislatura espanhola consi-
derou expediente abolir a escravatura em Porto
Rico no ano de 1873
embora tivesse sobrevivido em Cuba até 1886.
Ver Corwin,
Abolition oj Slavery in Cuba, páginas 154-157, 282.2 Spain and the
91; Knight, Slave Society
in Cuba, páginas 141, 171, 184-186, 190-192. É

156
gta "
"aca
Ta ToR.S
movimento abolicionista surgiu na capital em 1880. Apesar de uma
forte oposição, contudo, a capital imperial foi o centro do movi-
mento nacional antiescravatura durante oito anos de luta, pois era
no Rio de Janeiro que se reuniam os políticos de todas as regiões,
que os órgãos do governo estavam estabelecidos, que os jornais, os
livros e outras obras de propaganda dos abolicionistas podiam ser
publicados mais facilmente e que um amplo e sofisticado público
podia manifestar melhor suas opiniões aos detentores da autoridade.
No Brasil, como um todo, conforme Joaquim Nabuco escreveu
em 1883, a escravatura era mais forte nos distritos do café das pro-
víncias do centro-sul, ? mas também havia, nessas províncias, vastas
áreas em que não existia essa lucrativa safra e onde, por conseguin-
te, a escravatura já não tinha raízes tão profundas quanto nos dis-
tritos do café. Isto era particularmente verdadeiro no que se referia
à ampla e populosa província de Minas Gerais, que continha uma
pequena zona de café, pró-escravatura, tendo fronteiras com áreas
semelhantes das províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo, zona
essa onde se concentrava uma grande parte da população escrava
de Minas Gerais. º Mais para o interior da província, contudo, havia
regiões mais pobres, de mineração e de gado, que, tal como o Nor-
deste, perdera escravos para as regiões do café e continuava a
perdê-los durante os últimos anos da escravatura (ver Tabela 12).º
Dentro das fronteiras de Minas Gerais, portanto, o interesse pelo
sistema servil variava tanto quanto no Império como um todo —
distritos do café defendendo o sistema de trabalho escravo, áreas
mais vastas, mas também mais pobres, sem café, demonstrando me-
nos preocupação quanto a sua sobrevivência ou até ansiosas por ver
seu fim. Joaquim Nabuco tinha plena consciência das diferentes
atitudes para com a escravatura nas várias regiões da província quan-
do escreveu a respeito da decadência das velhas cidades de minera-
ção e descreveu os distritos do café como “a parte opulenta de Mi-
nas Geraes.” 10 A mesmo situação também existia muito nas pro-
víncias de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde os municípios do
café continuavam atraindo escravos à custa dos municípios onde não

7 Nabuco, O Abolicionismo, páginas 218-219. s


$ Para as populações escravas dos municípios de Minas Gerais, ver Recen-
Seamento da população. IX (2), 1074-1078.
9 YViotti da Costa, Da senzala à colônia, páginas 60-62. No final da década
de 1860, Richard Burton escreveu que a maioria dos escravos de São João
dEl-Rei, Minas Gerais, tinham sido “vendidos para os distritos agrícolas do
go de Janeiro, que ainda precisam de mais”. Ver seu livro Explorations,
» 115.
IO Nabuco, O Abolicionismo, página 154.

157
havia café, bem como das regiões fora dessas províncias! (ver Ta-
belas 13, 14 e 15).
Até mesmo nos distritos do café, conforme certos historiadores
indicaram recentemente, havia atitudes diferentes para com a escra-
vatura, diferenças essas causadas por diferentes níveis de desenvol-
vimento e prosperidade. A economia do café da província do Rio de
Janeiro já estava declinando em 1879. Seus fazendeiros ainda pos-
suíam muitos e valiosos escravos jovens e três quartos dos cativos
da província dedicavam-se ao trabalho agrícola. 12 Todavia, as ter-
ras da província já não podiam produzir a riqueza dos anos ante-
riores. Profundamente endividada, ameaçada com a ruína pela nova
onda de abolicionismo, com cenas de agitação a apenas alguns qui-
lômetros de distância, na capital imperial, sua resistência viria a
ser do tipo mais amargo.
A economia do café da província de São Paulo, por outro lado,
expandia-se para novas áreas e a província, como um todo, beneficia-
va-se de uma alta econômica. Para os fazendeiros de São Paulo, a
abolição poderia significar prejuízos financeiros, mas, no final, os
paulistas — particularmente os das zonas do norte da província que
ainda se estavam desenvolvendo — mostraram-se mais flexíveis pelo
fato de estarem navegando numa onda de prosperidade e por dispo-
rem dos meios para solucionar seus problemas. Ricos e otimistas,
estavam melhor preparados para se defenderem da pressão abolicio-
nista, para tomarem medidas bem sucedidas na solução do problema
da mão-de-obra e, depois, quando dominados pelo inesperado suces-
so dos métodos abolicionistas extralegais, em 1887, para se volta-
rem e se moverem em harmonia com o movimento de libertação,
apesar da existência de muitos escravos nas suas fazendas. Tanto
antes quanto depois de meados de 1887, quando o sistema escravo-
crata se desmoronou subitamente em São Paulo, com a fuga em mas-
sa dos escravos, os fazendeiros paulistas agiram para proteger seus
interesses econômicos. Antes dessa data, seu apoio determinado à
escravatura baseava-se em grandes róis de escravos, em elevados lu-
cros de investimentos em escravos e o receio de uma escassez de tra-
balhadores agrícolas para limpar e semear novas terras e, depois,

l Samuel Harman Lowrie, “O elemento negro na população de São Paulo”,


Revista do Arquivo Municipal, Vol. XLVIII (São Paulo, 1938), páginas 11-15.
12 Dos 276.195 escravos registrados na província do Rio de Janeiro em
junho de 1881, 117.251 tinham de dez a vinte e um anos de idade, 149.099
tinham de vinte e um a sessenta anos e 9.845 foram registrados como
tendo mais de sessenta anos. Do total, 203.037 dedicavam-se ao trabalho
agrícola. South American Journal, 16 de março de 1882.

158
para a colheita das safras. Depois dessa data, como se tornará apa-
rente, os escravocratas paulistas voltaram-se temerariamente para o
emancipacionismo, tendo o objetivo manifesto de proteger seus inte-
resses econômicos em perigo e de restaurar a estabilidade de sua
sociedade.
Quando a década abolicionista teve seu início, contudo, os fa-
zendeiros paulistas e os seus vizinhos das províncias do Rio de Ja-
neiro e de Minas Gerais estavam particularmente determinados a
manter a escravatura por ainda muitos anos, talvez mesmo por mais
trinta anos. Seus trabalhadores cativos eram, em parte, gente de pri-
meira escolha, do norte, cuja importação durante a década de 1870,
segundo as palavras de um observador britânico, “correspondera com
a gradual extensão de novas lavouras de café e com o aumento das
exportações do café.” Como classe, os escravos das províncias do
café eram “robustos e saudáveis”, afirmou o mesmo autor, acrescen-
tando algumas explicações:

Os escravos trazidos da África eram jovens, de um modo geral. A maioria


dos africanos que vemos foram trazidos quando eram jovens de 12 a I8 anos
de idade. Os bandos de escravos trazidos das províncias do norte para o
sul também eram jovens. Os negociantes só compravam aqueles que pudes-
sem vender pelo melhor preço aos fazendeiros de São Paulo e do Rio de
Janeiro. O comprador tinha de calcular na sua própria mente quantos anos
de trabalho obteria do preto antes de se decidir a comprá-lo. Olhando para
um grupo de escravos trabalhando numa lavoura de café, ficamos surpresos
com a grande proporção de jovens e de pessoas de aspecto forte que vemos
entre eles. Se me perguntassem qual seria o número médio de anos de tra-
balho que se poderia obter dos grupos que vi trabalhando nas fazendas de
café... eu não me enganaria se calculasse trinta anos como o tempo médio
de trabalho. 18

Havia vários níveis de sucesso econômico entre os plantadores


das províncias do café que, de certo modo, justificavam reações di-
ferentes, de distrito para distrito, ao desafio do abolicionismo. No
seu importante estudo da capital da província de São Paulo, Richard
M. Morse declarou que, à medida que o cultivo do café se espalhava
por novas áreas da província de São Paulo depois de meados do sé-
culo, os novos fazendeiros — ao contrário dos do Vale do Paraíba—
lam-se inclinando cada vez mais para rejeitar a escravatura e para
preferirem a imigração como a melhor solução para suas necessida-
des de mão-de-obra. O fim do tráfico de escravos africanos, expli-
cou ele, teria tornado “ilusório” o sistema tradicional, embora tenha

13 A, Scott Blacklaw, “Slavery in Brazil”, South American Journal, 6 e 20


de julho de 1882.

159
afirmado, mais tarde, que as primeiras experiências imigracionistas
fracassaram no que se refere a proporcionarem uma força de traba-
lho alternativa e que “à medida que o centro de gravidade econô-
mica do Brasil se desviava para o sul, na direção das zonas paulistas
do café, milhares de escravos iam sendo transferidos, a preços exor-
bitantes, de Minas Gerais e do norte do país”, dobrando a população
escrava provincial de 80 mil entre 1866 e 1873, 14
Richard Graham também atribuiu aos novos “empresários agTi-
colas” de São Paulo uma tendência para rejeitarem o passado senho-
rial, juntamente com a escravatura. Os novos fazendeiros, escreveu
Graham, “demonstraram seu espírito inovador, adotando uma nova
safra, usando novas técnicas para processá-la, exigindo uma fonte
de mão-de-obra mais abundante e flexível do que poderia ser propor-
cionada por escravos e acolhendo entusiasticamente as estradas de
ferro, as quais, em muitos casos, eles próprios construfam.” Junta-
mente com os modernos urbanistas e industriais, os novos fazendei-
ros paulistas, afirmou esse autor, foram um importante fator na eli-
minação do sistema escravocrata. Tanto Morse quanto Graham atri-
buíram o alegado progressismo dos novos fazendeiros paulistas a ten-
dências burguesas adquiridas como um resultado de suas origens e
de sua chegada tardia à cena econômica, defendendo esta explicação
com o argumento de que os novos fazendeiros compreendiam que a
escravatura constituía um obstáculo à imigração de europeus em gran-
de escala, imigração essa que era necessária para substituir uma po-
pulação escrava já inadequada. 15
Existem inúmeras provas que revelam, contudo, que os novos
fazendeiros de São Paulo, muitos dos quais eram, de fato, ricos mi-
grantes das mais antigas regiões de cultivo do café das províncias
de Rio de Janeiro, de Minas Gerais e até mesmo do Nordeste, ado-
taram predominantemente a escravatura como solução imediata para
suas necessidades de mão-de-obra, em vez de se voltarem imediata-
mente para o trabalho livre, não havendo razão para acreditar que
o fizeram relutante ou involuntariamente ou, ainda, com muita es-

1 Morse, From Community to Metropolis, páginas 114-115, 146.


15
E
Graham, Britain and the Onset, páginas 31, 161-162. Para opiniões
semelhantes, ver Viotti da Costa, Da senzala à Colônia, passim; Warren
Dean, The Industrialization of São Paulo, 1880-1945 (Austin, Texas, 1969),
páginas 35-36, 41; Beiguelman, 4 formação do povo, páginas 52-53: Eugene D.
Genovese, The World the Slaveholders Made (Nova York, 1969), pági-
nas 81-88; Robert Brent Toplin, “The Movement for the Abolition of Slavery
im Brazil” (disse rtação para a tese de filosofia, Universidade
páginas Rutgers, 1968),
26-30, 100.

160
perança de que houvesse, de fato, qualquer outra solução. !º O fluxo
de escravos para a província de São Paulo continuou até bem depois
de ser iniciado o período em que o cultivo do café se estendeu para
as novas áreas do norte e do oeste da província e, na realidade, foi
exatamente nessas zonas que o aumento da população escrava sc
tornou particularmente notável durante as últimas décadas da es-
cravatura, face a um rápido declínio nacional da população escrava. *”
(Ver Tabelas 14 e 15, em especial as estatísticas referentes à Casa
Branca, Descalvado, São Carlos, Pirassinunga e Amparo.) No novo
e ainda pouco explorado norte e oeste paulista, escreveu Samuel
Lowrie, “operavam no sentido da manutenção da escravatura, inte-
resses econômicos mais poderosos que os de qualquer outra região”.
A relativa importância da escravatura para as várias partes da pro-
víncia, acrescentou ele, era o resultado de condições econômicas re-
gionais durante o último quarto do século xrx: “...decadência no
litoral: relativa estabilidade no Norte e no Centro; e desenvolvimento
rápido na zona Mogiana-Paulista. Sob a influência destas condições
econômicas, foram os escravos transferidos das zonas menos pro-
gressistas para as mais prósperas.” 18
Os fazendeiros e seus representantes explicaram este acúmulo
tardio de escravos, que afetou todas as principais zonas de café da
província, em detrimento das regiões costeiras, mais pobres, afir-
mando que a rentabilidade da escravatura na produção do café ainda
continuava. Mesmo se a escravatura legal fosse limitada a três anos,
disse um membro da Câmara dos Deputados em 1880, “ainda com-
praremos escravos a dois contos de reis”, já que um escravo produ-
tor de café pagava seu preço de compra em apenas dois anos. *?
Afirmando que metade ou até mais dos escravos nas províncias de
Minas Gerais e de São Paulo haviam sido comprados do norte desde
1871, Prudente de Morais, futuro Presidente da República, colocou
a receita anual do trabalho de um escravo nas províncias do café
em 300 mil-reis em 1885. 2º A situação dos municípios paulistas do

16 Dean, The Industrialization, página 39. Segundo um observador ameri-


cano, o elevado preço do café, “tentou muitos fazendeiros das provínci as do
norte a venderem ou levarem seus escravos para a região produtora de
café...” Carta de Partridge a Fish, Rio de Janeiro, 21 de maio de 1876,
Papers Related to the Foreign Relations of the United States, 1 de dezembro
de 1876, páginas 26-27.
17 Lowrie, O elemento negro, páginas 13-15.
18 Ibid., página 15.
19 Gazeta da Tarde, 11 de setembro de 1880.
20 Annaes da Câmara (1885), I, 254-255. Na mesma ocasião, outro futuro
presidente, Campos Sales, concordou em que “com certeza, mais de metade”
haviam sido importados das províncias do norte.

161
norte na véspera da abolição é ilustrada pelo exemplo de Mogimirim.
No final de 1886, esse município continha setenta e quatro planta-
ções produzindo 55 mil sacas de café. O trabalho nas fazendas era
quase todo realizado por 3 mil escravos, não havendo mais de 800
trabalhadores livres no município. 2! “Havendo o recurso do escra-
vo”, como Martinho Prado Jr. disse em 1884, os plantadores de café
de São Paulo mostraram pouco interesse em usar trablhadores na-
cionais livres. ?º Em 1886, os fazendeiros do município paulista de
Limeira ainda foram vistos oferecer a enorme quantia de 1.600 mil-
reis (então, o equivalente de 160 libras esterlinas) por um só
escravo.28
A hora era tardia para a escravatura, mas uma tal especulação
não surpreenderia os negociantes de café de Santos ou do Rio de
Janeiro, que sabiam que os fazendeiros, com sua pouca confiança
nos trabalhadores livres, podiam antecipar razoavelmente uma rica
compensação de escravos usados no cultivo do café, uma receita
que, de outro modo, se poderia perder inteiramente. Ironicamente,
como a escravatura já estava moribunda na década de 1880 devido
à ameaça abolicionista, os escravos, como um investimento a curto
prazo, poderão ter constituído uma atração fora do comum para os
fazendeiros, já que o tumulto antiescravista reduzira os preços dos
escravos sem reduzir sua capacidade produtiva. 2* Se é verdade, con-
forme afirmou o historiador econômico brasileiro, Roberto Simon-
sen, que um “bom escravo masculino” podia produzir vinte e cinco
sacas de café por ano, % e sendo também verdade, como afirmou
Afonso de E. Taunay, que o preço médio de uma saca de café em
1886/87 era de 308770 (ver Tabela 26), o escravo comprado em São

21 South American Journal, 27 de novembro de 1886.


22 Martinho Prado, Jr., Circular de Prado J unior, candidato republicano á
Assembleia Geral pelo 9.º districto da Provincia de S. Paulo (São Paulo,
1884), página 14.
South American Journal, 1 de maio de 1886. Em 1882,
a vasta quantia
de 500 mil-reis foi oferecida por um fazendeiro de Tietê, São Paulo, para
o regresso de um fugitivo do sexo masculino. Ver Pires de Almeida, “Tietê”,
página 50.
2º A situação oposta existira nos Estados Unidos antes da Guerra
Civil
assim, a rentabilidade a curto prazo dos escravos era, evidentemente, muitoe,
menos elevada. Os preços dos escravos nos Estados Unidos eram determinados,
é claro, com base na receita imediata que eles produziam,
mas também
pelas perspectivas a longo prazo, incluindo o potencial repro
dutor das mu-
lheres. Ver Fogel e Engerman, “The Economics of Slave
ry”, página 328;
Conrad e Meyer, “The Economics of Slavery in the
Ante-Bellum South,
páginas 342-361.
25 Simonsen, “Aspectos da história econômica do café”, página 267.

162
cio de 188 6 por 1:6 00$ 000 pod eri a pro duz ir caf é que
Paulo no iní
valesse 7698250 no primeiro ano e, provavelmente, teria ganho para
nde par te do seu cus to ini cia l ant es do sis tem a esc ra-
seu senhor gra
vocrata pau lis ta co me ça r a des mor ona r-s e em mea dos de 188 7. Se,
contudo, a escravatura tivesse sobrevivido mais treze anos, confor-
me se esp era ra em 188 6, um esc rav o adq uir ido nes se ano pod eri a ter
pro duz ido seu cus to ini cia l vár ias vez es ant es de sua lib ert açã o. Co m-
prar um escravo, no Brasil, em 1886, era reconhecidamente um ato
imprudente, mas não era, por certo, inteiramente desrazoável.
A distinção entre a antiga e a nova agricultura de São Paulo é
válida, mas a verdade é que nem a situação especial dos novos fa-
zendeiros, nem sua alegada tendência para rejeitar o passado foram
de mol de a con ver tê- los em abo lic ion ist as pre coc es ou a imp edi -lo s
de comprarem mais escravos. 2º Conforme veremos mais adiante,
circunstâncias muito diferentes — especificamente, a falta de co-
ope raç ão e a hos til ida de de seu s pró pri os esc rav os — vie ram a tra ns-
formá-los em emancipacionistas. Tal como seus antecessores nas Te-
siões agrícolas brasileiras mais antigas, trabalhavam suas fazendas
com esc rav os pre tos , du vi da va m de sua pos sib ili dad e de atr air bra si-
leiros e europeus livres e, como os proprietários em qualquer lugar,
defendiam seus investimentos quando estes eram atacados.
Para compreendermos o papel de São Paulo na década abolicio-
nista, teremos de distinguir, como fez Nabuco, entre a capacidade
dos fazendeiros e sua disposição para tal, no que se referia a adotar
um novo sistema de mão-de-obra. 27 Para medirmos sua posição re-
lativa na questão da escravatura, as atitudes dos fazendeiros paulis-
tas nas diversas partes da província têm de ser comparadas não só
com as de outros produtores de café, mas também com as de brasi-
leiros representativos da totalidade da nação. A conversão paulista
ao emancipacionismo veio tarde e foi motivada não por seu desejo
de libertar os pretos ou de abrir caminho para europeus, mas sim,
paradoxalmente, para poderem manter seus escravos no trabalho

se, Fro m Co mm un it y to Met róp oli s, pág ina 146. pd


28 Ver Mor rav am- se num a sit uação
de São Pau lo enc ont
27 Os fazendeiros da província Paraíba,
que lhes permitia mais flexíveis do que os do Vale do
serem to uma
3. Ess es faz end eir os pau lis tas tin ham gas
escreveu Nabuco em 188 e sua província
com pra de esc rav os do nor te
grande parte de seu capital na o, sua agr icu ltura, conforme
esc rav ocr ata . Con tud
era o baluarte do sistema tanto da cravatura
es
Nabuco indicou com notável perspicácia, não dependia
vên cia qu an to as mu it o en di vi da das fazendas
no que se referia a sua sol Mi na s Ger ais ; São Paulo, além do
das províncias do Rio de Jan eir o e de
par a atr air eur ope us e o cap ita l par a pagar traba-
mais, possuía o clima
liv res . Ve r O Ab ol ic io ni sm o, pá gi na s 154-155.
lhadores

163
numa situação de emergência, mesmo se num status alterado. A
imigração européia, além do mais, foi menos uma causa de sua sú-
bita mudança para o emancipacionismo em 1887 do que uma feliz
e tardia solução para seu problema de mão-de-obra. Apesar de vá-
rios esquemas de imigração terem sido, finalmente, iniciados vigo-
rosamente em 1885 e 1886, tendo começado a fornecer grandes con-
tingentes de trabalhadores agrícolas europeus em 1887, antes dessa
data os esforços em favor da imigração haviam sido débeis e quase
inteiramente mal sucedidos. Com início na década de 1830, muitas
tentativas haviam sido realizadas para atrair europeus e alguns, na
realidade, já tinham vindo para o Brasil. Todavia, o recenseamento
de 1872 colocou a população de São Paulo nascida no estrange
iro
em apenas 29.622, dos quais 15.227 eram africanos (mais de
13 mil
ainda escravizados) e 1.132 eram italianos. 2º Em 1884, o número
de colonizadores usados nas fazendas do café da província
de São
Paulo ainda eram calculados em apenas mil famílias. 2º
Como resultado de muitos fracassos anteriores, os fazendeiros
de
São Paulo, até bem depois de iniciada a década abolicionista,
tinham
pouca fé nos europeus ou em brasileiros livres como substitutos
para
seus escravos. Em 1879, Antônio Moreira de Barros, de São Paulo,
num apelo por trabalhadores chineses, negou que os europeus pudes-
sem ser convencidos a trabalharem ao lado de escravos nas fazenda
s
do café. 3º O Senador Joaquim de Godoy, de São Paulo, enviou
um
questionário, referente ao futuro da mão-de-obra, aos municípios
paulistas em 1884. As respostas indicaram que as atitudes para com
a escravatura e a imigração pouco divergiam nas várias partes da
província. A maioria das câmaras municipais que responderam re-
Jeitou a libertação sem indenização de escravos com mais de sessen-
ta anos de idade (o que se encontrava, então, sob consideração
pela
legislatura brasileira) e favoreciam leis, na. sua maioria, para forçar
Os antigos escravos e os brasileiros livres desempregados a
trabalha-
rem nas plantações de café. Não se verificaram pedidos de imigran-
tes europeus, embora uma câmara municipal, pelo menos, tivesse
pedido trabalhadores chineses. Sem ele próprio ter feito
qualquer
referência aos europeus, o Senador Godoy afirmou na
sua mensa-
gem aos municípios que a única solução imediata para
o problema
do trabalho na província de São Paulo era o trabalhador
brasileiro,
que ainda não se conseguira acomodar “ante o estado
mental dos

28 Recenseamento da população, XIX,


29 Van Delden Laéme, Brazil and Ja 430, 434,
va. página 139.
30 Ibid., páginas 141; Evanson, “The
Liberal Party”, página 163.

164
razendeiros que entendem ser só Oo serviço escravo o unico pro-
ductivo.” *!
Assim, na véspera da luta abolicionista final, as elites das pro-
víncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais tinham um
interesse maior na sobrevivência da escravatura do que a maioria
dos outros fazendeiros brasileiros no resto da nação. “No cultivo do
café”, escreveu um correspondente do jornal The London Times em
Jundiaí, São Paulo, em 1883, “estão empregados cerca de 500 mil
escravos, que, neste trabalho, valem pelo menos 120 libras esterlinas
por cabeça, isto é, um total de 60 milhões de libras...” * Em con-
traste, grande parte do resto do Brasil já avançara muito no sen-
tido de uma transformação completa de um, sistema de escravos para
um sistema de trabalhadores livres, com a motivação econômica para
manter a escravatura já tendo sido, portanto, grandemente afasta-
da. Um certo ressentimento acumulara-se, por certo, nas provín-
cias do norte, além do mais, devido à perda de escravos para o sul
e esta migração pode perfeitamente ter ajudado a motivar as per-
turbações antiescravatura de 1879.
Nas zonas do café, por outro lado, os escravos ainda eram a
principal fonte de trabalho nas fazendas e o capital ainda fluía para
investimentos em escravos. A imigração — tanto chinesa quanto
européia — fora mal sucedida em proporcionar uma força traba-
lhista alternativa e os brasileiros marginais e vagabundos ainda eram
considerados impossíveis de usar. Confiando nas garantias contidas
na Lei Rio Branco e continuando a agir na forma tradicional e
aceita, os plantadores de café pouco tinham feito para mudar para
um sistema de trabalho livre; a maioria, por conseguinte, encontra-
va-se inteiramente despreparada para aceitar as importações do novo
movimento de reforma da década de 1880.

81 Godoy, O elemento servil, páginas 57-198.


82 South American Journal, 16 de agosto de 1883.

1óS
Não há nada mais difícil
do que avaliar a importância
relativa dos diversos fatores de um movimento que
se torna nacional. O último dos apóstolos pode
vir a ser o primeiro, como São Paulo,
em serviços e proselitismo. Tudo
na abolição prende-se, não se pode
escrever-lhe a história
suprimindo qualquer
dos seus elos.

JOAQUIM NABUCO
Minha formação

O MOVIMENTO ABOLICIONISTA:
PRIMEIRA FASE,

OS INÍCIOS DO ABOLICIONISMO

Não É de estranhar que tenha sido um representante de uma


província do Nordeste que renovou o debate abolicionista na Assem-
bléia Geral em 1879 e que a primeira reação negativa tenha vindo
de um deputado representando São Paulo. Tanto os historiadores
quanto os participantes contemporâneos na campanha abolicionista
estão de acordo em afirmar que um discurso pelo deputado Jerony-
mo Sodré, preparado antecipadamente na Bahia e proferido em 5 de
março de 1879 na Câmara dos Deputados, foi a faísca que infla-
mou a isca. 1 Para surpresa de seus colegas legisladores, Sodré de-

1 Joaquim Nabuco, Minha formação (São Paulo, 1947), página 170: Fon-
seca, 4 escravidão, o clero e o abolicionismo, páginas 18-19: Dornas Filho
A escravidão, página 169. , ,

166
nunciou a Lei Rio Branco como sendo uma reforma vergonhosa e
mutilada. A sociedade brasileira, declarou ele, encontrava-se sobre
um vulcão. Os liberais brasileiros eram obrigados a ir além do tra-
balho dos conservadores, a declarar à nação que todos os brasileiros
eram cidadãos, que todos eram livres. Depois de uma explosão não
parlamentar de comentários e comoção, Sodré concluiu seu discurso
histórico com um apelo para a extinção total e rápida da escra-
vatura. 2
Na sua apressada resposta a Sodré, Martim Francisco Ribeiro
de Andrada, de São Paulo, não só defendeu a escravatura, mas
também insinuou que os interesses do café preferiram desmem-
brar o Império a ver o sistema de trabalho destruído por uma
legislatura dominada pelos deputados de outras regiões. “Nós, os
representantes das províncias do sul do Império, disse este paúlista,
neto do líder da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva,
apreciamos a integridade deste vasto paiz, mas não tanto que, para
conserval-a, queiramos tolerar a liquidação geral das fortunas e a
destruição violenta da propriedade escrava, para que tanto têm con-
corrido as grandes remessas, que nos têm feito as províncias do norte,
de escravos, que nos vendem por avultada somma.”8
Joaquim Nabuco, eleito para a Câmara em 1878, por Pernam-
buco, depressa revelou uma inclinação para seguir o exemplo de
Sodré. ! Em agosto e setembro, em dois discursos, Nabuco acusou a
empresa britânica São João d'El-Rei Mining Company, de Minas
Gerais, de manter duzentas pessoas em escravidão ilegal havia já
vinte anos. º Num brilhante discurso proferido em outubro, Nabuco
juntou-se a Sodré, exigindo uma nova legislação para substituir a

2 àAnnaes da Camara (1879), III, 194-195. Quando estudante, na década


de 1850, Sodré fora membro da “Sociedade 2 de Julho”, emancipacionista,
fundada na Bahia em 1852 por estudantes da Faculdade de Medicina para
libertar escravos. Ver Fonseca, 4 escravidão, o clero e o abolicionismo,
páginas 245-246.
8 Citado por Evanson, “The Liberal Party”, página 228; Evanson interpretou
razoavelmente as palavras de Martim Francisco como constituindo “um dos
primeiros exemplos do moderno separatismo paulista.” ao
4 Carta de Nabuco ao Barão de Penedo, Palmeiras, 22 de janeiro de 1879;
O mesmo para o mesmo, Rio de Janeiro, 8 de maio de 1879, in Nabuco,
Cartas a amigos, I, 30-31.
6 Rio News, 15 de outubro de 1879; Annaes da Camara (1879), V, 256-257.
Em outubro, um juiz de Rio das Velhas, Minas Gerais, decidiu que as
pessoas mantidas como escravos pela companhia britânica eram legalmente
livres desde 1860 e tinham direito a salários, mas os últimos 28 escravos
da companhia só foram libertados em junho de 1882. Rio News, 5 de no-
vembro de 1879; South American Journal, 3 de agosto de 1882.

167
lei que seu pai defendera tão fortemente apenas uma década
- antes 2
lei essa que, na opinião do jovem Nabuco, já não correspondia às
ta . + e

aspirações da nação. Dentro da própria Câmara, afirmou ele, uma


nova força abolicionista crescia, principalmente entre membros do
Partido Liberal. 8
Em contraste com as idéias de Nabuco e de alguns de seus co-
legas do norte, ? Martim Francisco defendeu uma vez mais o status
quo. A escravatura, disse ele numa resposta ao discurso de Nabuco,
era um fato constituído e não poderia ser abolido rapidamente.
Rotulando as opiniões do jovem Nabuco de “exageradamente radi-
caes”, pediu-lhe que evitasse colocar seus “belos dotes oratórios de
que goza ao serviço de uma causa que pode prejudicar e muito a
nossa pátria.” 8 Sendo ambos descendentes de notáveis estadistas bra-
sileiros que haviam lutado antes pela reforma da escravatura, ambos
filhos de famílias liberais tradicionais, Martim Francisco e Joaquim
Nabuco pareciam resumir, nesse momento, as diferenças regionais
sobre a questão da escravatura que haviam, de novo, emergido aber-
tamente.
A sessão legislativa de 1879 pouco mais produziu, na questão
da escravatura, do que meras escaramuças, mas a sessão do ano
seguinte coincidiu com uma onda de abolicionismo popular. Em
abril, o público já fora informado de que Nabuco tencionava propor
legislação para acabar com a escravatura no final dessa mesma dé-
cada. * O projeto que ele apresentaria não seria transformado ime-
diatamente em lei, foi sua previsão numa carta à Sociedade Britâni-
ca e Estrangeira Anti-Escravista, mas seria proposta em cada sessão
legislativa “numa câmara liberal por mim próprio e alguns de meus
amigos e, numa câmara conservadora, por algum abolicionista con-

6 Annaes da Camara (1879), V, 311.


7 Carolina Nabuco, 4 Vida de Joaquim Nabuco (4.º edição, São Paulo,
1958) páginas 82-83. Dornas Filho e Carolina Nabuco apontaram um total
de onze deputados na Câmara, em 1879-1881, que apoiavam a reforma da
escravatura: um cada do Maranhão, Sergipe e Paraíba; dois cada do Ama-
zonas e Bahia; três de Pernambuco. Correia Rabello, de Minas Gerais,
era o único da lista que representava uma província do café. Ver ibid,
página 92, e Dornas Filho, 4 escravidão, página 169.
8 Annaes da Câmara (1879), V, 312-313.
? Nabuco poderá ter sido motivado pela passagem de uma lei para acabar
com a escravatura em Cuba. Em vez de indenização, esta lei espanhola
obrigava os antigos escravos a viverem oito anos de patronato sob seus
antigos donos, mas até mesmo esta extensão do trabalho forçado foi abolida
por um decreto real em 7 de outubro de 1886. Ver Corwin, Spain and the
Abolition of Slavery in Cuba, páginas 301-305; Knight, Slave Society in
Cuba, páginas 177-178.
168
servador preeminente, como o Sr. Gusmão Lobo” — um deputado
de Pernambuco na Assembléia Conservadora de 1878. Ganhando
mais votos todos os anos, afirmou Nabuco, a legislação acabaria
por passar. *º
Nesse mesmo mês (abril de 1880), um antigo farmacêutico que
se fizera jornalista elogiou Nabuco numa série de artigos semanais
num jornal do Rio, a Gazeta de Noticias. Nabuco erguera o estan-
darte do abolicionismo, escreveu José do Patrocínio, apostara sua
carreira política no seu sucesso e propusera uma reforma moderada,
que a Assembléia, contudo, recebera com indiferença. 11
Pouco depois disso, cidadãos que eram antiescravatura começa-
ram organizando clubes para agirem contra a instituição e tornarem
seus sentimentos conhecidos. No final de maio, uma sociedade para
a libertação de escravos foi inaugurada na Escola Militar do Rio. 12
Em 25 de julho, a Escola Normal patrocinou uma “conferência
abolicionista”, a primeira de uma série de reuniões semanais aos
domingos. Esta primeira reunião foi abrilhantada por um discurso
proferido por um Vicente de Souza e os participantes contribuíram
com um total de 160 mil-reis para o pecúlio (o fundo pessoal de
libertação) de um escravo crioulo chamado José. Na segunda reu-
nião, na semana seguinte, a pedido do compositor Carlos Gomes, foi
marcada outra coleta para benefício de sua escrava, Margarida, que
servira como ama de leite do filho do compositor na Bahia. A ter-
ceira conferência, organizada no Teatro São Luiz, atraiu alegada-
mente quase 700 pessoas, mas produziu contribuições que somavam
apenas um pouco mais de 84 mil reis. Estas reuniões continuaram
regularmente e, na reunião de 5 de setembro, entretenimento musi-
cal foi acrescentado ao programa como uma característica perma-
nente. Antes do final de agosto, a Associação Central Emancipadora,
que depressa viria a ser dominada pelo vigoroso e atraente jornalis-
ta José do Patrocínio, já fora organizada, no Rio de Janeiro, para
sistematizar o movimento abolicionista na totalidade do país. 18
Com um movimento antiescravatura desenvolvendo-se, assim,
de um modo quase espontâneo na capital, devido, aparentemente,
às iniciativas de Sodré e Nabuco, este deputado levou de novo a
questão à Assembléia Geral, embora a sessão de 1880 já estivesse

10 Rio News, 24 de abril de 1880.


11 Gazeta de Noticias, 26 de abril de 1880.
12 Rio News, 5 de junho de 1850.
Boletim N.º 2, 28 de outubro de
18 Assueiinião Central Emancipadora. 0.
1880: Gazeta da Tarde, 21 de agosto de 188

169
próxima de seu final. Em 24 de agosto, Nabuco pediu à Câmara
que concedesse urgência a um projeto emancipacionista de sua cria-
ção a fim de possibilitar ação durante a sessão corrente. Trinta e
oito membros da Câmara aceitaram permitir discussão imediata,
mas, sob pressão de representantes dissidentes, o Presidente do Con-
selho ameaçou demitir-se se o projeto fosse discutido e as sessões
da Câmara, assim, foram suspensas por vários dias. 14
Esse projeto, que tanto perturbou os processos normais da Cà-
mara, constituía um forte ataque à escravatura, tendo por objetivo
abolir a instituição até o final da década de 1880, com indenização
total para os donos dos escravos ainda existentes. A compra e venda
de cativos teria cessado imediatamente, acabando, desse modo, com
o comércio entre as províncias. Os mercados de escravos de todos
os tipos teriam sido fechados e as pessoas encontradas transportando
escravos de uma província para outra seriam castigadas ao abrigo
da lei antitráfico de escravos de 7 de novembro de 1831 (ver Capí-
tulo 2). As associações organizadas para emancipar cativos recebe-
riam terras, segundo o projeto de Nabuco, para o estabelecimento
de colônias para o benefício dos libertos. As mães deixariam de ser
separadas de seus filhos com o fim de serem alugadas como amas-
de-leite, como criadas ou para qualquer outro propósito. Muitos

————
escravos teriam sido libertados imediatamente, segundo esse projeto,
incluindo os velhos, os cegos, os doentes incuráveis e todos aqueles
nascidos na África, fosse qual fosse a data de sua importação. Os
irmãos mais velhos dos ingênuos seriam libertados dentro de um

>>
período de dois anos. O ensino primário seria estabelecido, para os
escravos, em todas as cidades e vilas, com os proprietários sendo
obrigados a enviar todos seus escravos e ingênuos para as escolas
a fim de que adquirissem um conhecimento da leitura, da escrita e
dos “principios de moralidade”. Entre as várias provisões do projeto
e

de Nabuco havia uma que proibia o uso de ferros e correntes, bem


como qualquer forma de castigo corporal. 2º
Irritado pela demora da legislatura e a Óbvia decisão do gabi-
nete liberal de deixar as coisas como estavam, Nabuco pediu ao
ministério, em 30 de agosto, que manifestasse uma opinião sobre o
suposto aparecimento de um movimento separatista nas províncias
do sul, provocado pelo abolicionismo do norte. Causando uma rea-
ção ruidosa entre o público e os deputados, Nabuco declarou, então,
RE

sua independência política, tendo previsto o triunfo de sua causa:

14 Annaes da Camara (1880), IV, 366:


18 O ar “Slavery
Blacklaw, i Il”,
RES

Abolicionista, 1 de janeiro e 1 de fevereiro de 188 fa es

170
convicção de que é preciso caminhar
questão da emancipação... na
Na se pa ra ri a nã o só do ga bi ne te, não só
eu me
além da lei de 28 de setembro, ic a e da co ns pi ra çã o ge ra l do paiz,
iã o pu bl
do partido liberal, não só da opin
de tu do e de to dos.
mas

, pr om et eu ele , po is ni ng ué m —
Faria uma aliança com o futuro poderia
nem mesmo o Presidente do Conselho, nem o gabinete —
O pr óp ri o Im pe ra do r já co mp re en de ra
evitar a abolição. Até mesmo um mi lh ão e me io
ed er a li be rd ad e a
que era chegada a hora de conc
de escravos. !º z, de M a r t i n h o
u c o ve io , de st a ve
A resposta ao discurso de Nab nt e, qu e
de cl ar ou , mu it o fr an ca me
Campos, de Minas Gerais, que (“ Po is eu de cl a-
de “e sc ra vo cr at a”
aceitava para si mesmo O rótulo po de r se r em an -
nã o te nh o a fo rt un a de
ro muito intencionalmente, io nas
ne ce ss ár
qu e O tr ab al ho es cr av o er a
cipador”). Afirmando os ta s de Na -
os de nu nc io u as pr op
fazendas do café, Martinho Camp ad o, en tã o, de
di do de ur gê nc ia foi re je it
buco como inviáveis e o pe ze do s de-
r se te nt a e set e de pu ta do s. Qu at or
um modo esmagador po de pr ov ín -
O pe di do de Na bu co er am
zoito deputados que apoiaram
cias do norte, sete deles de Pernambuco. o s an ti-
is ta rd e, Na bu co te nt ou ac re sc en ta r ar ti go
Cinco dias ma
o do or ça me nt o, in cl ui nd o me di da s pa ra ab ol ir
escravistas ao projet
rp ro vi nc ia l de es cr av os e pa ra cr ia r fu nd os re gi on ai s
o comércio inte .
pi ed ad e) pa ra o pr op ós it o de li be rt ar es cr av os
de caridade (caixas de
da r- lh es o no me de To sé Bo ni fá ci o, o fa mo so av ô de
Propôs também
es op on en te s pau lis tas de Na bu co que , cin -
um dos mais recalcitrant
ano s ant es, pro pus tra à cri açã o de cai xas de pie dad e
quenta e sete
te s nu m dis cur so à As se mb lé ia Con sti tui nte . 1º
semelhan
de, o ab ol ic io ni sm o deu out ro pas so em fre nte ,
Três dias mais tar
com Na bu co de nov o na lid era nça . No 58.º ani ver sár io da ind epe n-
a, um peq uen o gru po ant ies cra vis ta reu niu -se na Te-
dência brasileir
ia de Nab uco , na Pra ia do Fla men go, par a org ani zar a Soc ie-
sidênc
a con tra a Esc rav idã o. Seg und o um a des cri ção con -
dade Brasileir
a, a noi te de 7 de set emb ro foi tem pes tuo sa; as ondas
temporâne
am rui dos ame nte nos vel hos e dil api dad os cais à
da baía embati
da casa, acompanhada por
beira d'água. A voz de Nabuco dentro

16 Annaes da Camara IV, 437-440.


(1880),
três dep uta dos das pro vín cias do café,
17 A medida foi apoiada por ape nas
Mi na s Ger ais . O ult imo voto favorecendo
dois do Rio de Janeiro e um de :
deputad o do Rio Grande do Sul. Annaes da
a urgência foi dado por um
Camara (1880), IV, 437-448.
18 Ibid., V, 36.

171
tiros de canhão que comemoravam a independência, soava acima da
salva e parecia negar, no espírito romântico de quem fez a descrição,
a mensagem dos canhões. Nabuco parecia estar dizendo nesse dra-
mático momento: “Não há liberdade nem independência em uma
terra de um milhão e quinhentos mil escravos!” 1º Três semanas mais
tarde, uma segunda reunião foi realizada na casa de Nabuco, com
a Sociedade Brasileira contra a Escravidão sendo, então, inaugurada
oficialmente. Os membros da nova organização resolveram publicar
um jornal e comunicarem-se com outras organizações antiescrava-
tura na Europa e América. 2º
A Sociedade Brasileira contra a Escravidão, segundo Carolina
Nabuco, foi criada para combater a escravatura através da propa-
ganda e esta depressa surgiu. 2! O Manifesto da sociedade, escrito por
Nabuco, foi publicado em panfletos e jornais, em inglês, francês e
português. Apesar de seu propósito ter sido convencer os brasileiros
de que a escravatura já não era necessária, também denunciou “as
crueldades infinitas” da instituição. Procurando associar o aboliício-
nismo com o patriotismo, identificou sua causa com as idéias dos
revolucionários pernambucanos de 1817, com José Bonifácio e com
uma tradição emancipacionista no Parlamento refletindo “a mais
nobre e mais esclarecida parte da consciência brasileira...” O Ma-
nifesto elogiava a Lei Rio Branco, mas denunciava seu respeito
“supersticioso” pelos interesses dos fazendeiros e sua implicada acei-
tação da escravatura por mais três quartos de século. Acusando a
Assembléia Geral e o ministério liberal de ignorarem o sofrimento
dos escravos, apelando para o brio nacional, para o Imperador e
para todas as classes, o Manifesto terminava com a afirmação de
que “o Brasil seria o ultimo dos paizes do mundo, se, tendo a escra-
vidão, não tivesse um partido abolicionista...” 22
Em 1 de novembro de 1880, o primeiro número de O Abolicio-
nista, o órgão da Sociedade Brasileira contra a Escravidão, apareceu
no Rio de Janeiro, afirmando que sua própria existência provava
até que ponto o público fora no que se referia a adquirir sentimentos
abolicionistas. Com novas denúncias do governo e da Câmara, esse
mensário iniciou sua campanha de propaganda com um ataque à
legalidade da própria escravatura, minada como estava pela colossal

19 Gazeta da Tarde, 16 de setembro de 1880,


20 O Abolicionista, 1 de novembro de 1880. Em novembro Sociedade
Anti-Escravatura Britânica e Estrangeira ofereceu Aga mesade
janeiro de 1881. sua cooperação. Ibid., 1 de
21 Nabuco, 4 Vida de Joaquim Nabuco, pági
22 Citado por Rio News, 15 de outubro de a A

172
e contínua violação da lei de 7 de novembro de 1831. O jornal ata-
cou as instituições econômicas da nação, a escravidão, “a causa úni-
ca do atraso industrial e econômico” do Brasil, a disseminação do
latifúndio por todo o país, com suas centenas de escravos enrique-
cendo seus proprietários, sem religião, moralidade ou vida de famí-
lia. O público estava enojado, afirmou O Abolicionista, com o “es-
pectaculo de uma riqueza criminosamente accumulada sobre a mise-
ria geral pela exploração de um milhão e meio de homens.” Nas
cidades do Brasil, acusava o jornal, “somos um objecto de estudo
para os estrangeiros”, intrigados pelos “annuncios para a compra e
venda de creaturas humanas, para a prisão de escravos fugidos, ver-
dadeiros lupanares, ao mesmo tempo que mercados de gente...”
Foram estes e outros abusos que O Abolicionista se comprometeu
a denunciar numa cruzada constante. 2º

O INCIDENTE HILLIARD

PROCURANDO amigos em todos os lugares em que os pudesse en-


contrar, Nabuco escreveu, em 19 de outubro, ao Ministro dos Es-
tados Unidos no Rio, Henry Washington Hillard, um sulista e anti-
go Confederado, enviando-lhe vários exemplares do Manifesto da
Sociedade contra a Escravidão. Na sua carta, Nabuco pedia a
opinião do americano quanto aos efeitos da abolição nos estados do
sul dos Estados Unidos, indicando acontecimentos que auxiliassem
a causa abolicionista e traçassem os planos de combate. Hilliard res-
pondeu-lhe, da legação norte-americana, no Rio, dando um breve
sumário da história da escravatura nos Estados Unidos, da crise que
conduzira à Guerra Civil e dos problemas da Reconstrução, com tudo
isso sendo publicado, juntamente com a carta de Nabuco, no Jornal
do Commercio. 2º
Os pensamentos de Hiliard sobre a escravidão e o trabalho livre
foram particularmente interessantes para o público brasileiro. Anti-
go proprietário de escravos e congressista de um vasto e opulento
distrito de plantações do Sul, onde os escravos tinham sido usados
“exclusivamente” nos anos anteriores à Guerra Civil, Hilliard afir-

23 O Abolicionista, 1 de novembro de 1880.


24 Para a correspondência Nabuco-Hillard e outros documentos referentes
ao incidente, ver Henry W. Hilliard, Politics and Pen Pictures at Home and
Abroad (Nova York, 1892), páginas 411-435.
neva que a abolição da escravatura trouxera grandes benefícios ao
Sul, incluindo melhores relações entre as raças e (em 1880) também
a maior safra de algodão de que havia memória. Ao contrário
das previsões pessimistas antes da guerra, disse ele a Nabuco, a
abolição da escravatura não trouxera a ruína econômica, a perda
da mão-de-obra das plantações ou a destruição do sistema agrícola.
Os negros do Sul estavam trabalhando bem, “com paciência e fide-
lidade”. Para o Brasil, Hilliard recomendou aquilo a que chamou
um programa cauteloso de emancipação com indenização total aos
proprietários, para acabar com a liquidação completa da escravatura
brasileira em sete anos. 26
Correspondendo a seu encorajamento, os abolicionistas prepara-
ram um banquete em honra do americano no então muito em voga
Hotel dos Estrangeiros, no bairro do Catete, decorando sua sala dos
espelhos (ironicamente, para um antigo soldado confederado) com
um grande retrato de Abraham Lincoln no ato de ler a Proclama-
ção da Emancipação aos membros do seu gabinete. Nesse mesmo
dia, André Rebouças anunciou na Gazeta da Tarde que, pela primei-
ra vez, a família abolicionista brasileira se estava reunindo para
“distribuir o sagrado pão da Eucharistia em favor dos que soffrem
nos ferros do captiveiro...” Cinquenta abolicionistas deviam com-
parecer ao banquete, mas “em torno delles, estarão, em espírito.
1.500.000 irmãos á espera do deliciosissimo pão da liberdade.” O
menu, nesta ocasião, que despertou a fúria dos escravocratas, incluía
Bouchées de Dame à la Monroe, Jambon d'York à la Garrison, Pois-
son Fin à la Washington e Pudding diplomate à la Hilliard. De um
modo muito pouco diplomático, Hilliard fez um incitador discurso
em favor da emancipação e aceitou a qualidade de membro hono-
rário da Sociedade Brasileira contra a Escravidão. 27
Pouco diplomáticas, pelo menos, foi como os inimigos do abo!i-
cionismo consideraram a carta de Hilliard e sua comparência ao

25 Na questão da escravatura dos Estados Unidos, Hilliard fora, alegada-


mente, um líder dos sulistas moderados, mas opusera-se fortemente aos abo-
licionistas nos Estados Unidos antes da Guerra Civil, estivera envolvido
em convencer o Tennessee a separar-se da União e comandara uma unidade
confederada na guerra. Ver Toccoa Cozart, “Henry W. Hilliard”, Transactions
o; the Alabama Historical Society (Montgomery, Alabama, 1899-1903), IV
277-299. "a
26 Jornal do Commercio, 31 de outubro de 1880.
27 Sociedade Brasileira contra a Escravidão. Banquete offerecido ao Exm.
Sr. ministro americano Henry Washington Hilliard, a 20 de Novembro de
1880 (Rio de Janeiro, 1880); Moraes, 4 campanha abolicionista, nágin 22:
O Abolicionista,
: Es 1 de dezembroSe de 1880. Para a
Pictures, pdescricã
anos dos o
DA a,
pelo próprio Hilliard, ver Politics and Pen

174
banquete abolicionista. No número de janeiro de O Abolicionista,
Nabuco escreveu que nada, além da carta de Hilliard, produzira
“tanta celeuma no campo escravista como o banquete que offerece-
mos àquele eminente homem de estado americano.” 28 A celeuma,
de fato, foi imediata. Dois dias depois da reunião no Hotel dos
Estrangeiros, Moreira de Barros, de São Paulo, aludiu, na Câmara,
a uma “clara e manifesta intervenção de um representante de uma
nação estrangeira em uma questão nossa inteiramente doméstica”,
tendo sugerido, também, que Hilliard agira segundo ordens do seu
governo, que procurava vingar-se da amizade brasileira pela Confe-
deração. **
Foi sabido, no Rio, no dia 24 de novembro, que o governo,
no dia seguinte, seria interpelado na Câmara sobre o incidente Hil-
liard e, nessa tarde, as galerias da Câmara encheram-se totalmente.
O interrogador, Belfort Duarte, do Maranhão, estava cumprindo,
disse ele, o dever de um representante de uma província “onde a
riqueza é o escravo”. Referindo-se ao abolicionismo como uma “idéia
sinistra”, exigiu saber se o governo aprovava a propaganda emanci-
pacionista exibida nas reuniões públicas e em banquetes políticos,
especificamente o “manifesto” de um diplomata estrangeiro. A estas
e outras perguntas relacionadas com ela, Saraiva, Presidente do Con-
selho, respondeu que a carta de Hilliard era uma expressão de opi-
niões pessoais. Todos os membros de seu gabinete, disse ele, acredi-
tavam que a Lei Rio Branco proporcionava a completa e segura so-
lução para o problema da escravatura, embora o ministério também
devesse respeitar todas as opiniões contrárias manifestadas legal-
mente. 30
O incidente na Câmara foi inconclusivo, mas revelou um cres-
cente interesse público pelo abolicionismo, a determinação dos escra-
vocratas para resistir e uma total indisposição do governo liberal de
José Antônio Saraiva para se mover na direção de outros atos con-
tra a escravatura.

28 O Abolicionista, 1 de janeiro de 1881. Até mesmo a imprensa estran-


geira refletiu a reprovação do envolvimento de Hilliard. Ver South American
Journal, 6 de janeiro de 1881.
29 A j 1880), VI, 309-310.
80 Tbid ia Prado eat da Tarde, 24 de novembro de 1880.

175
COMPROMISSOS VARIADOS PARA COM
O ABOLICIONISMO

TAL como a reação ao incidente Hilliard sugerira, o abolicio-


nismo estava, realmente, crescendo e disseminando-se.
Todavia, seus
líderes dificilmente se poderiam contentar com a resp
osta pública
a seus esiorços. Enfatizando o irrefutável argumento
de que a es-
cravatura, conforme estava constituída no Brasil, era quase ilegal,
os abolicionistas assustaram os proprietários de escravos durante os
primeiros meses. Contudo, sua força parecia vir mais
da inteli-
gência, da determinação e da validez de seus argumentos do
que do
número de seguidores que eles atraíam.
Apenas uma pequena minoria da população se envolveu,
du-
rante os primeiros três anos da luta, exceto na província do Cea
rá,
onde o movimento depressa triunfara e parecia contar com o apoio
de quase toda a população. Gradualmente, clubes e sociedades anti
escravatura apareceram até mesmo nas menores cidades brasileiras
e, já perto do final da luta, o movimento invadiu até o interior e as
próprias fazendas; contudo, no início, o abolicionismo envolveu ape-
nas algumas pessoas e foi, essencialmente, um fenômeno das
cidades.º1
De início, houve certa relutância em envolver-se, até mesmo
nas principais cidades, um resultado tanto dos valores tradicionais
enraizados quanto da dependência em que os residentes das cidades
estavam do governo ou da elite proprietária de terras no que se
referia a seu sustento e segurança. O fazendeiro proprietário de es-
cravos ainda era, no início da década de 1880, uma dominante e
sobrepujante força para os habitantes até das maiores cidades como
o Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Como resultado disto, o
movimento não conseguiu, no começo, atrair grandes números de an-
tigos escravos, pretos e trabalhadores. 32 O próprio trabalhador livre
—!—

era um “homem pró-escravatura”, segundo um observador estrangei-


E

To, já que acreditava que a emancipação reduziria seu salário. “O


O

trabalhador livre (escreveu o mesmo autor) desdenha o escravo e


não anseia pelo momento em ?
mm

que ambos estarão no mesmo pé de


ET

igualdade... O trablhador livre, de vez em quando



-

, recebe uma boa



mm

81 Florestan Fernandes,
e

4 integração do negro na socieda


(2 vols., São Paulo, 1965), I, 44-45; Beiguelman, ota
sa

186; Viotti da Costa, Da senzala


- politica E
à colônia,
oi

Britain and the páginas 428-433: Graham,


Onset, páginas 161 ff. i É
e

82 Viotti da Costa, Da senzala à colônia, página 438,

176
quantia por capturar escravos fugitivos” e, além disso, “receia per-
turbar o preto, indicando-lhe os benefícios da liberdade. Sabe que
o castigo seria a morte, se fosse encontrado fazendo Intrigas.” 23
Em 1884, Joaquim Nabuco lamentou a indiferença dos pretos e dos
trabalhadores rurais quanto ao abolicionismo, afirmando que o mo-
vimento estava trabalhando para torná-los lavradores e fazendeiros
independentes *%* e, depois da sua derrota eleitoral de 1886, na qual
muitos negros livres votaram por seu oponente, Nabuco escreveu o
seguinte a um amigo:

este desinteresse dos negros livres no Brasil pela questão da Abolição logo
que deixam de ser escravos e pulam para a dignidade de cidadãos e eleitores
é outro indício de como a humilhação da escravidão penetrou tão profunda-
mente a mente e o coração dos escravos e dar-lhe-á alguma idéia da difi-
culdade que o movimento abolicionista tem de enfrentar no Brasil. Em vez
de uma sólida votação negra, como nos Estados Unidos, pelo partido que
elevou o grito de Abolição, nós vemos aqui muitos negros seguirem o
estandarte do partido de seus antigos senhores com um autêntico espírito
servil, 35

Em, 1887, um autor do norte ainda procurava explicar o sentimento


antiabolicionista da gente de cor da Bahia pela sua crença de “que
odiando a raça africana, ajudando a persegui-la,” pareceria, por seu
lado, não ter quaisquer ligações com a África. %8
Como um grupo, nem mesmo a própria classe média urbana se
comprometeu rapidamente com o abolicionismo, pois “dependia de-
masiado dos ricos produtores de café para se mostrarem aberta-
mente pela abolição.” 37 Por cada comerciante, médico, burocrata
ou advogado que participaram nos primeiros anos, havia muitos que
não o fizeram. Os resultados de uma eleição que houve no Rio no
final de 1881 revelaram que a maioria dos eleitores da capital (fun-
cionários do governo, comerciantes, proprietários e profissionais)
ainda não se encontravam dispostos a se comprometerem com a cau-
sa da libertação. Até mesmo o dinâmico e atraente Nabuco, candi-
datando-se contra um advogado conservador pró-escravatura, só con-
seguiu obter noventa votos de um total de 1.911 votos no primeiro

Sº Blacklaw, “Slavery in Brazil.”


Sá Ver Campanha abolicionista no Recife (Eleições de 1884). Discursos de
da Costa, Da sen-
nua
Joaquim Nabuco
a, (Rio
páginas
de Janeiro,
433-434. Jour
1885), página 10; Viotti

35
4 c n
Citado pelo South American
nal, 20 EGde fevereiro : de 1886.
36 Fonseca, 4 escravidão, o clero e o abolicionismo, página 143.
37 Blacklaw, “Slavery in Brazil”

17
distrito eleitoral da cidade. A eleição de 1881 foi,
de fato, um cho.
cante desapontamento para os abolicionistas, já
que os vencedores
na totalidade do país, foram defensores da
escravatura ou, então.
candidatos sem qualquer compromisso. 38 No que se refere à
aboli.
ção, escreveu A. Scott Blacklaw, numa tentativa de explicação
, “há
uma grande falta de apoio moral entre os homens
públicos do Bra-
sil. As pessoas influentes da nação parecem ignorá-la. Quas
e todos
os brasileiros que têm meios possuem escravos: quando não os pos-
suem, seus familiares e amigos têm-nos.” 3º
iá pouca razão para acreditar, além do mais, que os industriais
e os capitalistas simpatizavam com o abolicionismo. Apesar de os

nn ie
comerciantes e dos proprietários de indústrias poderem lucrar com
o fim da escravatura, a verdade é que, como um grupo de interesses,
eles não apoiaram o movimento. Na sua infância, durante a década
de 1880, a indústria, na realidade, estava melhor estabelecida nas
regiões do Brasil onde a resistência ao abolicionismo era mais tenaz
e não é de estranhar que grupos comerciais e industriais se aliassem
intimamente aos proprietários de terras e aos fazendeiros em orga-
nizações pró-escravatura como a Associação Commercial e o Club
da Lavoura e do Commercio, com sucursais nas comunidades rurais
das províncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. 4º A
maioria dos membros da classe empresarial brasileira, escreveu o
historiador americano, Warren Dean, referindo-se principalmente a
São Paulo, vinha da elite dos proprietários “ e não havia razão para
supor que sua atitude para com a escravatura diferisse muito da de
seus compadres e clientes.
Defendendo a hipótese de os industriais terem representado um
papel importante no abolicionismo, Richard Graham apontou o re-
formista compromissado, André Rebouças, como representativo dos
homens associados com a indústria que se juntaram ao movimento.
Apesar de Rebouças, como veremos mais adiante, acreditar na in-
dustrialização, isso não o tornava, representativo dos industriais. Não
se opunha à escravatura, segundo Graham conjeturou, pelo fato de

88 Nabuco, 4 Vida de Joaquim Nabuco, páginas 128-131; Rio News, 15 de


novembro de 1881. Dos 5.928 eleitores do Município Neutro, 2.211 eram
funcionários públicos, 1.076 eram comerciantes ou funcionários de comer-
ciantes, 516 eram proprietários e à maioria do resto era constituída por
médicos, advogados e outros profissionais. Nabuco, O
Abolicionismo.
gina 179. pá-
89 Blacklaw, “Slavery in Brazil”.
40 Viotti da Costa, Da Senzala à colônia, página 433.
41 Dean, The Industrialization of São Paulo, páginas 36-38, 46

176
estar associado com interesses industriais, mas sim por ser “um mo-
ralista puritano”, conforme o próprio Graham o afirmou num ar-
tigo recente. *2 Engenheiro e professor, um intelectual sensitivo, que,
em 1874, abandonara seus esforços para organizar companhias de
construção, depois de ter encontrado uma frustrante resistência por
parte de interesses estabelecidos, Rebouças comprometera-se forte-
mente, em vez disso, com uma reorganização radical da sociedade
brasileira, incluindo uma reforma do sistema de terras. * Sua anti-
patia pela grande propriedade agrícola, um tema central de suas
obras, não pode ser explicada por uma aliança com industriais e ca-
pitalistas, muitos dos quais eram proprietários de grandes fazendas,
investidores em estradas de ferro e fábricas de têxteis. “* É verdade,
conforme escreveu Graham em defesa de sua teoria de que os indus-
triais representaram um papel importante na abolição, que os estu-
dantes e professores da escola de engenharia, onde Rebouças lecio-
nava, formaram uma sociedade abolicionista própria, “ mas deve ser
indicado, para que não se exagere o significado deste fato, que so-
ciedades como essa também foram formadas nas escolas superiores de
medicina e de direito e, ainda, na escola militar, bem como, à me-
dida que o abolicionismo ganhava forças, em outras instituições de
ensino em todo o território nacional. Além disso, se os industriais,
como um grupo de interesses, apoiaram o abolicionismo, isso não se
verificou através de amplas e fregientes contribuições, embora o
próprio Rebouças desse parte dos limitados fundos de que dispunha.
“Falta ao partido abolicionista, infelizmente,” escreveu Nabuco, de
Londres, em 1882, “uma só coisa, mas essa é o nervo da propagan-
da pela imprensa: dinheiro. Talento, coração, coragem, abnegação,
independência, temos; o que não temos é dinheiro.” ée

42 Richard Graham, “Landowners and the Overthrow of the Empire”, Luso-


Brazilian Review, VII, 2 (Dezembro de 1970), 49. Ver também Ignacio José
Verissimo, André Rebouças através de sua autobiografia (Rio de Janeiro,
1939), página 162.
E
43 Verissimo, André Rebouças, páginas 73, 112-114, 131; Rebouças, Agri-
cultura nacional, páginas 1-7, 111-112, 120, 367-368.
4 Um representante mais autêntico da classe industrial brasileira talvez
tenha sido Felício dos Santos, um político de Minas Gerais com interesses
na indústria têxtil e em indústrias de papel, que defendia a proteção de
tarifas através da agência da Associação Industrial e era um ardente oponente
do abolicionismo. Ver Nícia Vilela Luz, 4 luta pela industrialização do
Brasil (São Paulo, 1961), página 61. i sa
161-
45 Para os argumentos de Graham, ver Britain and the Onset, páginas
162.
44 Em 1882, Nabuco não conseguiu reunir suficiente dinheiro para esta-
belecer um jornal no Rio e, em 1880 e 1881. sua campanha na imprensa

19
Havia, sem dúvida, muitos fatores contribuindo para uma deci-
são pessoal de aderir ao movimento abolicionista — fatores de tem-
peramento, coragem, interesse pessoal, conhecimentos casuais ou
experiências intelectuais — mas dificilmente poderia ser negado que,
para a população da cidade, o grau de compromisso para com a
vizinha área rural era frequentemente um fator importante e até do- |
minante. Por razões que já explicamos, era mais aceitável, em mui-
tas partes do Nordeste, que líderes e políticos com ligações com fa-
zendas e os interesses de proprietários de escravos se associassem
com o emancipacionismo do que seus equivalentes nas zonas do café,
como provam os registros das votações regionais e o elevado índice
de personalidades do norte na liderança nacional. Representantes de
todas as classes e profissões vieram, eventualmente, a envolverem-se
no abolicionismo — escravos e donos de escravos, trabalhadores e
proprietários de terras, atores, músicos, animadores. capitalistas e
trabalhadores das estradas de ferro, comerciantes, advogados, profes-
sores, militares e estudantes. Os setores médio e superior da socie-
dade, bem como talentosos jovens como José do Patrocínio, propor-
cionaram a maior parte da liderança, não por defenderem parti-
cularmente os interesses de suas classes sociais, mas sim por serem
qualificados para enfrentarem os detentores do poder ao seu próprio
nível.
A maior parte da imprensa do Brasil estava ligada direta ou
indiretamente aos interesses agrícolas e comerciais; assim, os aboli-
cionistas receberam pouco apoio de jornais sólidos e “responsáveis”
durante a primeira fase da luta. “ Apesar de haver e xceções notá-
veis, a tendência dos editores, tanto monárquicos qua nto republica-
nos, era 1gnorar O movimento enquanto isso lhes fosse possível e, de-
pois, atacá-lo ou até impugnar os motivos ou o caráter moral dos

jornais, de um modo geral, permaneceram indiferentes, rejeitando


a emancipa
ncção rápida por ra zões econômicas ou, ent
ão, defendendo
a posição pró-escravatura. O primeiro dos grandes
jornais abolicio-

limitou-se praticamente à publicação do mensário O Abolizinni da


Nabuco a : Domingos Jaguaribe, Lon Abolicionista. Carta
dres, 16 de novembro de 1882; mesmo
o Serra, Londres, 17 de novembro de 1882, Cartas a amigos,
47 Rio News, 5 de agosto de
1881.
48 Ver A Provincia 7
O Atirador Franco,

180
nistas do período foi a Gazeta de Noticias de Ferreira de Araújo,
o qual, juntamente com O Abolicionista, despertou o interesse pú-
blico em 1880, mas este jornal pioneiro depressa foi ultrapassado
por um jornal mais radical, Gazeta da Tarde, sob o breve controle
de José Ferreira de Menezes. Até ser substituído como principal
iornal abolicionista em 1887 por 4 Cidade do Rio, a Gazeta da Tar-
de, de propriedade de José do Patrocínio e editado por ele depois
de meados de 1881, foi a única fonte de informação digna de con-
fiança na capital para um público ávido de notícias sobre o pro-
gresso da libertação.
Se a imprensa nacional se mostrou indecisa e vagarosa nos
primeiros anos, dois editores estrangeiros do Rio de Janeiro, peio
menos, ofereceram encorajamento imediato aos abolicionistas e con-
cederam consistentemente ao movimento a aura de prestígio e de
autoridade que a opinião estrangeira transmitia. A Revista Ilustra-
da, um semanário ao estilo do Punch, iniciada em 1876 por um ta-
lentoso caricaturista italiano, Angelo Agostini, colocou suas estimu-
lantes caricaturas e comentários ao serviço do abolicionismo desde
o começo da luta, despertando a ira dos escravistas que lhe chama-
ram “A Revista Vermelha”. 4 Quase tão eficaz, apesar da barreira
da linguagem, foi o jornal The Rio News, francamente abolicionista
desde o momento em que substituiu The British and American Mail
no Rio, em 1879. Editado por um brilhante americano, liberal, An-
drew Jackson Lamoureux, The Rio News apoiou Nabuco em 1879 e
1880, tendo sido, desde então, o constante denunciador antiescrava-
tura, encontrando índios escravizados nos lugares mais distantes do
Amazonas ou nas selvas da Colômbia, expondo a venda ilegal de
ingênuos ou de “africanos livres” nas cidades provinciais de Rio de
Janeiro ou de Minas Gerais, dissecando os sofismas dos políticos
escravistas, censurando práticas tradicionais como a dependência pa-
rasítica de muitas pessoas que viviam de alugar escravos ou conde-
nando um linchamento paulista chefiado por exilados confederados
norte-americanos, não recuperados.
As reuniões abolicionistas organizadas no Rio durante a segun-
da metade de 1880 eram encontros alegres e exuberantes, mas o com-
parecimento raramente era mencionado na imprensa ou mesmo nos
boletins abolicionistas, com os relatórios sobre as contribuições indi-
cando reuniões pequenas e íntimas ou, então, alguma pobreza ou
avareza entre aqueles que compareciam. As contribuições reunidas
em dezenove conferências semanais totalizaram apenas um pouco

49 Toplin, The Movement, página 127.

I81
mais de dois contos e meio, talvez o suficiente para
comprar a
liberdade de dois ou três escravos aos preç
os do tempo. Em 1882,
por exemplo, um homem de vinte e oito anos, su
a mulher e dois
filhos foram postos à venda em Juiz de Fora, Minas
Gerais, avalia-
dos juntos em 2:6 008000, alguns mil-reis mais do que a quantia
total das contribuições durante quatro meses de re
uniões aboli-
cionistas. 50
Talento, falta de dinheiro, entusiasmo revolu ci
onário e uma
contrastante exuberância burguesa eram as qualid
ades mais em evi-
dênc ia nessas reuniões semanais. Numa conferência organizada no
início de setembro no Teatro São Luiz, os orad
ores foram aplaudidos
entusiasticamente quando pediram a “subdivisão
do solo” ou de-
monstraram matematicamente que os proprietários
de escravos no
Brasil tinham contraído uma enorme dívida para com a na
ção atra-
vés de sua violação de lei de 1831 durante o meio século
anterior.
Todavia, a coleta feita nessa reunião somou pouco mais de ce
m
mil-reis. º! As conferências continuaram, mesmo assim, desenvolven-
do uma rotina atraente que as colocavam entre os espetáculos pú-
bicos mais interessantes do Rio. Estas reuniões eram caracterizadas
por um bem intencionado entusiasmo burguês. A oratória era pre-
cedida por intervenções literárias e números musicais, despertando
o zelo dos participantes pouco a pouco. Ocasionalmente, um escravo
recebia sua liberdade, o que dava ao público uma possibilidade de
ver e aplaudir as pessoas que se beneficiavam de suas doações. õ2
Depois destes preliminares, José do Patrocínio, Nicolão Moreira ou
qualquer outro orador conhecido subia ao palco entre chuvas de
pétalas de rosa, com o público ansioso por aplaudir cada assalto des-
fechado sobre a escravatura.
Típica destas reuniões, talvez tenha sido a que foi organizada
no Teatro São Luiz no começo de 1881, uma das últimas, descrita
em pormenor na Gazeta da Tarde, durante esta primeira fase da
campanha abolicionista. O espetáculo começou com uma apresen-
tação da “esplêndida abertura do dramático Salvator Rosa de Carlos
Gomes, executada por dois professores do Conservatório. Esta peça
musical foi seguida pela execução a quatro mãos de uma valsa de
Gomes, “Paulo e Virginia”, pelas lindas irmãs América e Maria

60 Associação Central Emancipadora. Boletim n.º 4, 28 de Dezembro de 1880;


Gazeta da Tarde, 6 de abril de 1882.
61 Gazeta da Tarde, 6 de setembro de 1880; Associação
padora. Central Emanci-
Boletim n.º 2, 28 de outubro de 1880.
52 Gazeta da Tarde, 31 de janeiro de 1881.

162
Clapp, um “juvenil esforço em favor dos que gemem nos ferros do
captiveiro”, recebido com um “applauso delirante” e cascatas de
pétalas de rosas.
Os outros pontos altos do programa incluíam uma seleção mu-
sical interpretada pelo Trio Clássico Mendelsohn, uma interpretação
pela Sr.º Angelina Accioli de “uma difficil Phantasia da Aido” e,
entre bravos e explosões de aplausos, recitação dos poemas “Liber-
dade” e “Ave Cezar” por seus autores, Arthur Brazilio e Dr. Melo
Morais. 8º Os melhores oradores, proferindo suas exortações depois
destes preliminares estimulantes, deixaram o palco do São Luiz por
entre uma barragem de flores lançadas da platéia e dos camarotes.
Música e poesia eram escritas para apoiar o movimento: obras como
a “Ingenua Polka Brilhante”, composta para a Associação Central
Emancipadora pelo estudante de música Horacio Fluminense, “A
Escravidão e o Christo”, recitada para o público abolicionista por
seu autor, Ernesto Sena, e “Essencialmente Agricola”, uma carica-
tura em estilo de polca de um muito comum argumento pró-escra-
vatura, dedicada a José do Patrocínio por uma senhora abolicionista
anônima e anunciada na Gazeta da Tarde. **
A atividade abolicionista, durante seus primeiros meses, não
se limitou à capital. O movimento já começara surgindo espontanea-
mente em cidades espalhadas por todas as regiões do país. O Club
Abolicionista de Pelotas foi fundado no final de agosto na rica
região de gado de Rio Grande do Sul, perto da fronteira com o
Uruguai, com essa área depressa tendo seu próprio jornal aboliício-
nista. Ao mesmo tempo, uma Comissão Emancipacionista foi inau-
gurada em Natal, Rio Grande do Norte, com o objetivo de comprar
a liberdade de escravos. Em setembro, membros da União Literária
e Republicana desfilaram pelas ruas de Diamantina, Minas Gerais,
seguidos por uma banda e uma grande multidão, pedindo donativos
para a libertação de uma escrava. Em novembro, a Sociedade Aboli-
cionista Maranhense foi formada em São Luiz do Maranhão. No
dia 1 do mesmo mês, um jornal abolicionista da Bahia, também
intitulado Gazeta da Tarde, empreendeu o patrocínio de uma curta
série de reuniões antiescravatura. Enquanto estudantes em São Pau-
lo estabeleciam a Sociedade Abolicionista Academica, outros, no
Rio, criavam a Associação Emancipadora da Escola Polytechnica. 53

58 Ibid., 5 de novembro de 1880.


54 JIbid. 15 de novembro e 8 de dezembro de 1880.
55 J I Arnizaut Furtado, Estudos sobre a libertação dos escravos no Brasil
(Pelotas, 1882), página 58; O Abolicionista, 1 de novembro de 1880 e 1 de

183
De importância especial para a abolição, foram, também. os
acontecimentos que se verificavam na província do Ceará, atacada
pela seca e já então possuindo poucos escravos. À Gazeta do Nort
e,
um jornal liberal de Fortaleza, algo indiferente à questão da escra-
vatura quando foi fundado, em junho, já se transformara
no final
de novembro de 1880 (juntamente com a opinião pública
nessa ca-
pital do norte) num jornal abolicionista. A mudança foi
realizada
a tempo de o jornal louvar a criação da Sociedade
Cearense Liber-
tadora, o clube abolicionista do Ceará, que teve sua reunião de orga-
nização em 8 de dezembro e depressa iniciou
uma campanha para
libertar todos os escravos da província.

fevereiro de 1881; Documentos relativos à escravatura,


Cod.
1815-1880, AN,
622; A Idea Nova, Diamantina, 8 de outubro
Tarde, de 1880; Gazeta da
27 de novembro e 13 de dezembro de 1880.

184
Es + a
Aritof
. a meu ver
a emancipação dos escravos e dos ingênuos
é o começo apenas de nossa obra.

JOAQUIM NABUCO
O Abolicionismo

São Paulo prefere a republica à abolição;


escolha o Imperador.

Deputado COSTA PINTO


de São Paulo, em 1880

10

AÇÃO E REAÇÃO

OS ABOLICIONISTAS
E — —

” Os HOMENS é as mulheres que desencadearam esta fervente re-


ima

volta nacional formavam um grupo diverso cujas qualidades comuns


eram o talento, o entusiasmo e a dedicação. Três organizações liga-
das entre si tinham-se formado rapidamente no Rio de Janeiro, em
1880, uma em volta de José do Patrocínio e Nicolão Moreira ea
Associação Central Emancipadora, outra em redor de José Ferreira
de Menezes e a Gazeta da Tarde e a terceira com base na figura de
Joaquim Nabuco e na sua Sociedade Brasileira contra a Escravidão.
Apesar de publicar o mensário O Abolicionista, a ala de Nabuco
do movimento dirigia-se menos à população como um todo, organi-
zava reuniões públicas com menos frequência devido à falta de fun-
dos e jamais contou com um diário popular e poderoso como a Ga-
zeta da Tarde. Dispondo de pouco dinheiro, mas possuindo grande
prestígio e magnetismo pessoal, Nabuco dirigiu seus esforços para
a legislatura durante os períodos em que teve uma cadeira na Câà-
mara, para obter apoio nos centros intelectuais da Europa e até,
3

185
finalmente, para conseguir o auxíli
o do Papa e de uma Igreja vaga-
Tosa à causa abolicionista. 1 A mais impo
rtante peça individual de
propaganda de Nabuco, O Abolicionism
o, escrito durante uma pro-
longada estada na Europa e publicado em 1883
» foi um “livro de
argumentação tranquilla”, nas palavras da ma
is demagógica Gazeta
da Tarde, um livro para ser estudado como um dever cívico. 2
Descendendo, pelo lado de seu pai, de uma
família política que, |
desde a década de 1820, fornecera constant
emente representantes à |
legislatura nacional e, pelo lado de sua mãe,
de antigas e poderosas
famílias de fazendeiros de Pernambuco, Nabuco
possuía vantagens |
muito úteis. Apesar de sua estirpe, este descende
nte de proprietários
de escravos não era menos revolucionário do
que seus associados,
descendentes de escravos: Ferreira de Menezes, An
dré Rebouças, Luiz
Gama e José do Patrocínio. Sob a influência de
seu pai, Nabuco jun-
tara-se à luta quando ainda era muito jovem, tr
aduzindo artigos abo-
licionistas do inglês para o português, servindo co
mo advogado de
um jovem assassino negro numa batalha legal diri
gida tanto contra
a escravidão quanto contra a pena de morte, é escrev
endo um inspi-
rado tratado abolicionista quando ainda estudante na Fa
culdade de
Direito do Recife, ajudando seu pai no jornal libera
l 4 Reforma.
O brilho democrático de Joaquim Nabuco diminuiu depo
is da vitó-
ria do abolicionismo, mas a verdade é que, enquanto
a luta durou,
ele advogou mais do que apenas a liberdade para os negr
os. Tal
como Rebouças, Patrocínio e outros abolicionistas, conf
orme vere-
mos, ele combateu por reformas mais amplas, destinadas
a trans-
formar o Brasil numa nação democrática. Brilhante, poss
uindo dons
oratórios fora do comum, socialmente bem situado, treinado na
advo-
cacia, “muito alto, bem proporcionado, a cabeça e o
rosto de uma
pureza de linhas esculptural, olhos magnificos, expres
são a um tem-
po meiga e viril, nobre conjuncto de força e graça” — este
era O
herói de tanto destaque que despertava o receio d os senhores
de
escravos e dos proprietários de terras. 4

1 Para a descrição que o próprio Nabuco fez de sua audiência com o


Papa Leão XIII em 1888 e seus resultados
páginas mistos, ver Minha formação,
191-205. Para a omissão da Igreja Católica
em adotar uma atitude
antiescravatura significante, ver Toplin, “The Mov
2Z Gazeta da Tarde, 25 de ement”, páginas 89-92.
setembro de 1883.
8 “A Escravidão”, páginas 40-42; Nabuco, 4 Vida de Joaquim Nabuco,
página 11 ff.
4 As palavras foram de Afonso Celso, Jr., citadas por Duque-Estrada,
A abolição, página 281. O jornal El Dem
de Nabuco, quando visitou essa capi ócrata, de Madri, disse a respeito
tal, em 1881: “Sua eloquência é
tacada por dons naturais. Uma figu des-
ra imponente, uma expressão simpátic
a,
186
Os antecedentes de José do Patrocínio eram muito diferentes,
mas ele, tal como Nabuco, também foi influenciado por um pai ta-
lentoso. Filho de um padre e fazendeiro dono de escravos, o Padre
João Carlos Monteiro, º? e de uma preta, vendedora de frutas, Jus-
tina Maria do Espírito Santo, José do Patrocínio nasceu em 1853 na
casa de seu pai, em Campos dos Goitacazes, na região das planta-
ções de açúcar na parte leste da província do Rio de Janeiro. Edu-
cado no vicariato de Campos e numa fazenda das proximidades, dei-
xou a casa de seus pais quando ainda rapaz, em 1868, para servir
como aprendiz no Hospital da Misericórdia do Rio de Janeiro e, fi-
nalmente, entrou para a Faculdade de Medicina como estudante de
farmácia. Tendo completado seu curso, mas não dispondo de dinheiro
para se estabelecer na sua profissão, Patrocínio foi salvo da desti-
tuição por uma oportunidade para lecionar aos filhos de um rico pro-
prietário de terras e edifícios, um tal Capitão Sena, tendo acabado
por se casar com uma das filhas desse capitão. &
Patrocínio juntou-se ao pessoal de Ferreira de Araújo, na reda-
ção da Gazeta de Noticias, em 1877, devido principalmente ao seu
talento poético, estando associado a esse jornal durante o período
em que ele foi a voz pioneira do abolicionismo. Já famoso com ape-
nas vinte e oito anos de idade, deixou o jornal em 1881 em protesto
contra suas opiniões crescentemente conservadoras, 7? mas depressa
adquiriu um jornal para si próprio, como um presente de seu sogro,
o Capitão Sena. Esse jornal era a Gazeta da Tarde, um diário do
Rio que, sob a direção de Ferreira de Menezes, se transformara no
mais independente e eficaz jornal abolicionista da cidade, pratica-
mente o único jornal abolicionista quando da morte de seu editor
em 1881.
Ninguém era melhor qualificado do que Patrocínio para dirigir
a Gazeta da Tarde depois da morte de Ferreira de Menezes. Um in-
tenso e eficaz orador nas reuniões abolicionistas, autor de milhares

uma boa voz e a frescura da juventude permitem-lhe imediatamente chamar


a atenção de todos seus ouvintes quando descreve a condicão da escravidão
com todo o entusiasmo de um filantropo e a serenidade de um estadista.”
Citado por Rio News, 5 de abril de 1881. sy
6 Para um esboço biográfico do pai de Patrocínio, ver Moraes, 4 cam-
panha abolicionista, páginas 377-382. : E
6 Ver o papa ci Es próprio Patrocínio fez de sua vida , na Gazeta da
Tard:e, e ogsi
si 29 ridede 361
mai-36
o 3.de Par1884, reproduzido in Moraes, 4 campanha abolicio-
a uma descrição mais completa da vida
de Patro-
cínio durante estes anos, ver Osvaldo Orico, O tigre da abolição (Rio de
Janeiro, 1956), páginas 21-73.
T Ver Se ds Tarde: 25 de agosto de 1881.

I87
de palavras sobre a questão da escravatura, Patrocínio possuía a
reputação de ser um reformista incondicional. Influenciado pelas
obras de Pierre Proudhon, adotara o grito de guerra “A Escravidão
é um roubo!”?, tendo continuado a agir até 1888 como se acreditasse
verdadeiramente nesse aforismo. Com olhos salientes, barba e bigode
esparsos, TOSto e corpo amplos, cabelo castanho desgrenhado e uma
pele que foi descrita como da cor de um charuto de Havana madu-
ro, Patrocínio, nas palavras de Nabuco, era “a expressão de sua
época”. º Emotivo, tenso, teatral, romântico, ele alcançava seus pú-
3

blicos, tanto em pessoa quanto através da imprensa, com um humo:


áspero e poderosos apelos emocionais. “Sua grande força era a emo-
ção”, escreveu Carolina Nabuco. Era ela que lhe inspirava grandes
efeitos, como o de se atirar aos pés da Princesa Imperial num ímpeto
irresistível de gratidão e de lhe falar soluçando. Não pronunciava
seus discursos. Representava-os com um poder dramatico extraordi-
nario e havia nêles um ardor comunicativo, uma espontaneidade vi-
brante, que lhes encobria o lado cabotino.” ?
José do Patrocínio e Ferreira de Menezes não foram os únicos
descendentes de escravos que emergiram como líderes. Um dos mais
admiráveis deles foi André Rebouças, um magro, escuro e sobria-
mente vestido engenheiro e professor de botânica, cálculo e geome-
tria na Escola Politécnica, escritor e analista conhecedor dos pro-
blemas sociais e econômicos da nação. 1º Não contando com dons
oratórios ou a vontade de falar em público, Rebouças era eficaz
através da imprensa ou em conversas com os homens poderosos do
seu tempo, com Nabuco, o Senador Dantas, Taunay, o romancista
e imigracionista, Patrocínio e, particularmente, o Imperador e sua
filha, a Princesa Isabel. 1! Rebouças era um colaborador da Gazeta

B Moraes, 4 campanha abolicionista, página 382; Nabuco, Minha formação,


j -179.
carolina Nabuco, 4 Vida de Joaquim Nabuco, página 145. Apesar de
atuar melhor ante um público, José do Patrocinio também podia exibir
um humor irônico nos seus artigos. Confrontado no auge de sua carreira
por uma carta anônima, não selada, endereçada agressivamente ao “capataz
da fazenda dos Pobres-de-Espírito, o preto e jornaleiro (jornaleiro, em vez
de jornalista) José do Patrocínio,” ele reconheceu na sua coluna, “Semana
Politica”, o direito do correspondente anônimo a chamar-lhe preto, branco
ou “qualquer coisa que lhe venha à cabeça.” Patrocínio queixou-se, no
entanto, da extorsão financeira representada pelo custo dos selos, que ele
tivera de pagar. “Sou um preto, mas já não escravo. Sou livre e, como tal,
não sou obrigado a trabalhar para as fantasias desse cavalheiro anônimo.”
Gazeta da Tarde, 27 de setembro de 1884.
10 Veríssimo, André Rebouças, página 82: Agricultura nacional.
11 Ver seu Diário e notas.

188
da Tarde, um co-fundador da Sociedade Brasileira contra a
Escravi-
dão e co-autor, com Patrocínio, do muito fortemente frasea
do Ma-
nifesto da Confederação Abolicionista de 1883. Sendo um con
stante
participante na luta, um organizador de clubes e associações,
um
contribuinte financeiro e um “propagandista por toda a parte,” 12
Rebouças não descansou depois de os escravos terem sido hbertados.
Com essa realização já no passado, receava a ressurgência de uma
reação e, assim, serviu-se de sua reputação e influência em apoio
da Democracia Rural Brasileira, a continuação da revolução aboli-
cionista para sua “conclusão lógica”. 13 “Rebouças encarnava melhor
do que qualquer um de nós,” escreveu Nabuco anos mais tarde, “o
espirito anti-escravagista: o espirito inteiro, sistemático, absoluto...” 14
Havia pelo menos um dos principais abolicionistas que conhecera
a experiência da escravidão ilegal. Este era Luiz Gama, um homem
com um passado ainda mais estranho do que o de Patrocínio. O pai
de Gama era um membro de rica família portuguesa da Bahia,
amando os cavalos, a caça e a pesca. Sua mãe era uma africana livre
e rebelde da Costa de Mina, a bonita “pagã” Luiza Mahen, uma
vendedora de legumes e frutas, tal como a mãe de Patrocínio, que
foi acusada de envolvimento num complô revolucionário na Bahia e
exilada em 1837, supostamente para o Rio, embora seu verdadeiro
destino talvez tenha sido a Africa ocidental.
Gama nasceu livre em 1830, mas três anos depois do desapareci-
mento de sua mãe, seu pai vendeu-o como escravo, em resultado de
seu súbito empobrecimento. Enviado para o Rio e, depois, para San-
tos, Gama subiu a íngreme Serra do Mar, descalço e faminto, acom-
panhado por outros cem como ele. Foi empregado como servo em
São Paulo, onde aprendeu a ler com a ajuda de um estudante; mas
depressa fugiu da casa de seu senhor, consciente da ilegalidade de
sua escravidão em virtude de ser filho de uma mulher livre. 1 Luiz
Gama, depois de sua fuga, passou seis anos na milícia, mas, em
1854, estava de novo na cidade de São Paulo, onde trabalhou como
secretário e, mais tarde, fez uma carreira como jornalista, poeta, sá-
tiro, advogado e, também, como um dos primeiros abolicionistas,
juntamente com os dinâmicos estudantes da Academia de Direito,

12 André Rebouças, “Abolição da Miséria”, Revista de Engenharia, Rio de


Janeiro, 28 de Ore niÊrS de 1888; Veríssimo, André Rebouças, páginas 192-
193, 200-203.
18 Ibid., páginas 209-211.
14 Nabuce. Minha formação, páginas 172-173.
15 Ver a obituária de Luiz Gama na Gazeta da Tarde, 25 de agosto de 1882,

189
Rui Barbosa, Castro Alves e Joaquim Nabuco. !º Como advogado,
a especialidade de Gama era a libertação de pessoas cativas, como
ele estivera, numa escravidão ilegal, particularmente africanos con-
servados como escravos em violação da lei de 7 de novembro de
1831. Em 1880, não muito antes de sua morte, o antigo escravo,
então já o líder não contestado do movimento antiescravatura «
São Paulo, já colaborara, segundo foi afirmado, na libertação de
mais de mil pessoas e ainda continuava usando seus talentos nos
tribunais provinciais para estabelecer o princípio de que todos os
africanos com menos de sessenta e dois anos eram livres. !
Entre os outros abolicionistas que alcançaram fama nacional
está incluído o paulista Antônio Bento, um rebelde bem nascido e
homem de Deus que criou “uma ordem religiosa sob a invocação de
Nossa Senhora dos Remédios e fez do culto um meio de propaganda
abolicionista.” 18 Editor de 4 Redempção, um jornal abolicionista de
São Paulo, produzido muito rudimentarmente, Bento era o líder dos
“caiphazes” radicais, ativistas insatisfeitos com os resultados da pro- |
paganda e que, em 1886 e 1887, foram para as fazendas a fim de
desenraizar a escravidão nas suas fortalezas e de desmoronar abrup-
tamente o sistema. 1º
Os abolicionistas incluíam os líderes do Positivismo religioso,
Miguel Lemos e R. Teixeira Mendes, que defendiam a causa em
panfletos e cartas, influenciando uns poucos escolhidos, mas podero-
sos. 20 Incluíam, também, Rui Barbosa, ativo como estudante em
1869 e emergindo de novo em 1884 como um dos mais dinâmicos
e eficazes líderes na imprensa, na Assembléia Geral e ante o públi-
co. Sendo um homem pequeno e magro, com um bigode escuro e um
queixo fraco — de aparência inofensiva — Rui Barbosa podia trans-
formar-se num dínamo numa conferência abolicionista, capaz de
levar o seu público a lágrimas ou a risos com uma só frase.
Os líderes do movimento na área do Rio incluíam João Clapp,
um descendente de norte-americanos — comerciante e proprietário

18 Morse, From Community to Metropolis, páginas 146-147.


17 Gazeta da Tarde, 15 de dezembro de 1880; Antonio Manoel Bueno de
Andrada, “A abolição em São Paulo”, Revista do Arquivo Municipal,
LXXVII (junho-julho de 1941), 262-265.
18 Cidade do Rio, Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 1888.
19 Viotti da Costa, Da senzala à colônia, páginas 429-431.
20 Ver Lemos, O Pozitivismo e a escravidão moderna; Miguel Lemos e
R. Teixeira Mendes, 4 liberdade espiritual e a organização do trabalho.
Considerações histórico-filosóficas sobre o movimento abolicionista (2.º edição;
Rio de Janeiro, 1902). Ver também João Cruz Costa, Contribuição à história
das idéias no Brasil (Rio de Janeiro, 1956), páginas 175-179.

190 Pis STA


de Clapp & Filhos, uma loja de porcelanas na Rua dos
se especializava em objetos de porcelana, Ourives, que
de vidro e serviços de chá.
Um constante participante nas reuniõ
es e co-fundador da Confedera-
ção Abolicionista em 1883, Clapp tamb
ém era O diretor e um dos
professores de uma escola noturna em
Niterói mantida pelo Club
dos Libertos dessa cidade para educação de escravos
centemente. “1 libertados re-
O número de abolicionistas no Parlam
ento viria a aumentar ao
longo dos anos, mas, em 1880, já
havia pelo menos uma dúzia na

de 4 Provincia, um jornal antiescravatura estabelecido em


buco em 1872, e principal líder do movime Pernam-
nto em Recife na década
de 1880; Joaquim Serra, jornalista e es
critor do Maranhão, que tra-
balhara com os Nabucos em 4 Refo
rma em 1869 e que veio a ser
um dos mais prolíficos escritores antiescr
avatura. 22 Incluíam, ainda,
Joaquim Saldanha Marinho do Amazon
as, Grande Mestre da Loja
Maçônica, um líder republicano já em
1870 e ativista político de-
pois da queda do Império, 23 Marcolino
de Moura, da Bahia, autor
de incisivos discursos contra a escr
avatura na Câmara, em 1880, e
Jeronymo Sodré, da mesma província, o
homem que iniciara, alega-
damente, a década abolicionista com
sua denúncia da Lei Rio Bran-
co em março de 1879.

OS OBJETIVOS DO ABOLICIONISMO

Às METAS dos principais líderes do movimento eram mais am-


plas no seu alcance do que as adotadas gradualm
ente, durante a déca-
da de 1880, por uma grande parte do público brasileiro info
rmado. O
“abolicionismo” da maioria, particularmente daqueles
que haviam
sido convertidos nos anos culminantes da lut
a, limitava-se, de um
modo geral, a uma aceitação da necessidade
da libertação e a uma

2l Para um anúncio da mercadoria dessa loja, ver Novidades, Rio de Ja-


neiro, 17 de março de 1887. Para as atividades abolicionistas de Clapp,
ver Gazeta da Tarde, 17 de abril de 1883.
22 Nabuco, Minha
23 Ver George C. A form ação, página 177. sm
Boeh rer, Da monarchia à republica (Rio. de Janeiro,
sem data), página 172; Rio Branco, Efemérides brasileiras, página 183; José
Mariá Ba História da Republica, 1889-1954 (São Paulo, 1969), páginas 68,
134.

191
esperança de que o fim da escravatura trouxesse alguns benefícios
imediatos para a totalidade da nação. A abolição, pensava-se, além
de libertar centenas de milhares de pessoas de um cativeiro injusto,

s
estimularia a imigração européia, promoveria a indústria e a agri-
cultura e elevaria o caráter moral da nação, há tanto tempo corrom-
pido pelas influências nocivas dos dependentes pretos servis. A escra-
vidão, segundo esta visão, frequentemente divulgada pela imprensa
abolicionista, era irracional e maligna, uma sobrevivência do colo-
nialismo português, não patriótica, um obstáculo ao auto-respeito
nacional, rejeitada pela comunidade internacional, incompatível com
a lei e os direitos naturais.
A maioria dos brasileiros, contudo, até mesmo os idealistas sin-
ceros cujas convicções antiescravatura eram afirmadas fortemente,
pouco pensavam, provavelmente, no tipo de sociedade que haveria
depois da escravidão ser derrotada. A necessidade de realizar novas
reformas ou de preparar os antigos escravos para a cidadania talvez
não fosse auto-evidente numa sociedade em que se esperava que os
antigos cativos continuassem trabalhando nas terras de seus antigos
senhores, onde a educação sempre fora reservada a poucos e onde
até a Constituição restringia a participação política a uma pequena
minoria. Num tal ambiente, não seria razoável esperar uma adoção
generalizada de objetivos com a intenção de criar um sistema igua-
litário. A abolição era, de fato, uma revolução “branca”, para usar
o termo de Octavio Ianni, um movimento político que não tinha a
intenção, no que se referia à maioria de seus seguidores, de transfor-
mar escravos em cidadãos, mas sim limitado à substituição da escra-
vatura por um sistema de trabalho livre. 2º
Todavia, para pelo menos alguns dos abolicionistas, a ideologia
do abolicionismo englobava muito mais do que a emancipação dos
escravos. Os seus mais preeminentes líderes, na sua maioria, identi-
ficavam sua causa com uma ampla série de metas reformistas, as
quais, juntas, eram puramente revolucionárias. A emancipação, só
por si, argumentaram os abolicionistas em muitas ocasiões, não solu-
cionaria os problemas da nação. 5 A abolição teria precedência so-
bre as outras reformas, conforme Nabuco afirmou, mas outras mu-
danças sociais teriam de ser tentadas uma vez que esse passo funda-
mental fosse dado. A escravidão significava mais do que a relação
entre o senhor e a sua propriedade humana, escreveu Nabuco em

24 Janni, As metamorfoses do escravo, pági


Brancos e negros, páginas 133-136. página 235; Bastide e Fernandes,
25 Ver Lemos, O Pozitivismo e a escravidão moderna, página 28
O Abolicionismo. “A escravidão” era “a somma do poderio, influen-
cia, capital e clientela dos senhores todos; o feudalismo estabelecido
no interior; a dependencia em que o commercio, a religião, a po-
breza, a industria, o Parlamento, a Corôa, o Estado enfim, se acham
perante o poder aggregado da minoria aristocratica em cujas senza-
las centenas de milhares de entes humanos vivem embrutecidos e
moralmente mutilados pelo proprio regimen a que estão sujeitos...”
Os objetivos do abolicionismo não se limitavam à libertação dos
escravos. O abolicionismo era mais uma luta constante contra o po-
der da classe dos proprietários e todos os efeitos prejudiciais, “a des-
moralização, inercia, servilismo e irresponsabilidade”, de três séculos
de escravatura. “A empresa de annullar essas influencias é superior,
por certo,” escreveu Nabuco, “aos esforços de uma só geração, mas,
em quanto essa obra não estiver concluida, o Abolicionismo terá
sempre razão de ser... A lucta entre o Abolicionismo e a Escravidão
é de hontem, mas ha de prolongar-se muito...” 2
Nabuco esboçou os objetivos gerais do movimento no prefácio
a essa sua obra. Escrito em 1883, durante uma prolongada residên-
cia em Londres, seu livro O Abolicionismo tencionava ser o primei-
ro de uma série de estudos para promover um grupo de causas cor-
relatas: a abolição da escravatura, a descentralização administrativa,
a igualdade religiosa, representação política mais ampla, imigração
européia, relações estrangeiras melhores e reformas econômicas e fi-
nanceiras. 27 Os abolicionistas radicais, como Nabuco, André Rebou-
ças, José do Patrocínio, Antônio Bento, Rui Barbosa, Senador Dantas
e outros, esperavam que a extensão da educação a todas as classes, a
participação política em massa e uma ampliação de oportunidades
econômicas para milhões de negros e mulatos e outros setores me-
nos privilegiados da sociedade brasileira viessem a permitir que estes
grupos ass umi sse m um lug ar de igu ald ade num a naç ão mai s hom o-
gênea e próspera. 28 O fato disto não ter ocorrido não foi culpa dos
líde res do abo lic ion ism o, que se rec usa ram à des ban dar a Con fe-
deração Abolicionista depois de seu principal objetivo ter sido alcan-

26 nismo, págininas
O Abolicioaaa vii, 7.
lidar ele próprio com essas duas
27 Ibid., página vii Nabuco tencionava
Sancho de Barros Pimentel, um antigo
últimas dureiiEE mas pedira a
i ente
e presid do Ceará, que escrevesse uma das obras
deputado de Sergipi e rb os a es cr ev es se o
política; esperava , ta mb ém , qu e Ru i Ba
NTE a reforma fos se o au to r de uma
: : e religiosa e qu e Ro do lf o Da nt as
liberdadeO. re VerE Nabuco, Cartas a amigos, I, 103-104.
livro sobre a educa . -

páginas 19, 204.

193
cado em 1888, tendo mantido a organização
a promoção de novas reformas. Foi o comoum centro para
resultado, sim, de uma pode-
Tosa reação dos antigos proprietários de escravos nos meses que se
seguiram à abolição, da dispersão do ..
movimento de reforma radical
depois da queda do Império em 1889 e da reconsolidação, nos anos
seguintes, de disposições tradicionais e da conservação de grande
parte do espírito e da organização do antigo regi
Muitas vezes, contudo, durante os anos de agitação, os
cionistas incitavam o progresso e aboli-
a democrati zação de seu país
educação, então, tinha um lugar de e a
destaque no rol das necessidades
“Emancipar e instruir,” escreve u Tav .
ares Bastos em 1870, num ape-
lo pela educação popular, “ são du
as operações intimamente liga
das.” 2º André Rebouças ansi ava pelo -
dia em que não houvesse uma
só aldeia no Brasil sem esc ola. Era in
dispensável, argumentou ele,
“ensinar a ler e escrever e dar um
officio a todos os cidadãos bra-
sileiros.” 9º O primeiro projeto de le
i contra a escravatura apresen-
tado por Nabuco, em 1880, contin
ha uma provisão para o estabele-
cimento de classes primárias em toda
s as cidades e aldeias do Impé-
rio para a educação de escravos. 31 Ru
i Barbosa escreveu um estudo
maciço sobre a educação primária br
asileira, Reforma do ensino pri-
mário, publicado em 1883, que cond
enava o baixo nível do ensino
brasileiro, pedia a criação de um Mi
nistério de Educação Pública, a
frequência escolar obrigatória e um
sistema de instrução pública
independente da Igreja Ca tólica. 3 Até
mesmo depois da abolição
da escravatura, a ala reformista
do Partido Liberal e o último ga-
binete do Império, ainda sob a in
fluência do fervo r abolicionista,
aspirava criar um sistema educaciona
l melhor e livre, a ampliar o
voto eleitoral, a estabelecer autono
mia provincial e liberdade reli-
giosa e até a promover legislação
que facilitasse a aquisição de terras
-M programa que englobav a a maioria das reformas que ,
mencionou no prefácio de O Abolicionismo. Nabuco
33
Além do fim da escravatura, a ca
fendiam, provavelmente, de
us a que os abolicionistas de-
um modo mais entusiástico,
mente depois de 13 de maio particular-
de 1888, foi “a democratização
plic
Este lema impl ic ava o desmantel ament do solo”.
o de grandes propriedad
colas e a criação de pequen es agrí-
as fazendas onde os imigrant
es, os bra-
29 Tavares Bastos, 4 Provincia, páginas 256-261.
80 Rebouças, Agricultura nacional,
nac páginas 300, 375,
h

81 O Abolicionista, 1 de Janeiro
e 1 de £ evereiro d
32 Ver Rui Barbosa, Reforma
do ensin
de Janeiro, 1883); Barbosa, Obras CompleOtas, primário: S P 10
Vol. E a : o
e projet (Rioe
“8 Annaes da Camara (1889), I, 142.

194
sileiros pobres e os escravos libertados pudessem encontrar alguma
independência e prosperidade econômica e social. O fato desta idéia
emergir no Brasil era inevitável, dada a realidade do sistema tradi-
cional de propriedade de terras, e, na realidade, os pedidos por uma
reforma agrária já haviam sido escutados muito antes da década de
1880. *!
Na sua notável “Representação à Assembléia Geral” de 1823,
José Bonifácio de Andrada e Silva já propusera que todos os ho-
mens livres de cor, sem meios para ganhar a vida, recebessem do
estado “uma pequena sesmaria de terra para cultivarem”, bem como
auxílio do governo para se estabelecerem nessas pequenas proprie-
dades. 3% A grande propriedade, escreveu A. P. Figueiredo, de Per-
nambuco, em 1847, era uma barreira à prosperidade, à imigração, à
emergência de uma classe média e ao funcionamento de um gover-
no constitucional na sua província; assim, recomendava um imposto
sobre o solo para encorajar sua distribuição por uma população em-
pobrecida e em expansão. 8 Em 1861, Tavares Bastos publicou Os
males do presente e as esperanças do futuro, obra essa em que ele
propôs toda uma série de reformas que os abolicionistas e os libe-
rais adotaram como suas nos anos da década de 1880. % Em 1866, o
mesmo deputado de Alagoas introduziu legislação na Câmara no
sentido de libertar escravos pertencentes ao governo brasileiro e de
conceder-lhes terras, equipamento e gado; depois, em 1870, pediu um
imposto sobre as propriedades para promover a educação popular
e a venda e distribuição de terras que não estavam sendo usadas. “Só
o imposto territorial e a prévia desapropriação de áreas incultas, à
margem dos futuros caminhos de ferro,” escreveu ele, “podem re-
solver a enorme difficuldade que legou-nos a imprevidente politica
das prodigalisadas doações de sesmarias.” *º

84 José Artur Rios, “The Development of Interest in Agrarian Reform im


Brazil”, in T. Lynn Smith (ed.), Agrarian Reform in Latin America
(Nova York, 1967), páginas 95-99. Quanto ao sistema agrário no Brasil,
ver Smith, Brazil, páginas 257-356. :
85 Andrada e Silva, “Representação”, páginas 53-54, 58. E
86 A. P. Figueiredo, “The Need for 67-7Agr2.arian Reform in Brazil (1847)”,
in Smith, Reform, páginas
Agrarian
87 A. C. Tavares Bastos, Os males do presente e as esperanças do futuro
1939), páginas 25-53. Ver também sua “Memoria sobre immi-
(São Paulo, as vantagens
de 1867, ibid., páginas 55-127, na qual ele argumentou
gração” legal melhor, de
da abolição, da descentralização política, de um sistema
vias de comunicação mais eficazes, da igualdade religiosa e da “subdivisão
da grande propriedade.” en
“8 Eis “o A raaeio servil, página 479; Tavares Bastos, 4 Provincia,
páginas 327-332.
195
Durante os anos abolicionistas, a reforma agrári
frequente e urgentemente. Até mesmo antes a foi proposta
do abolicionismo, André
Rebouças escreveu uma série de artigos para apresentar
a causa da
“democracia rural”. Segundo o plano de Rebo
uças, os grandes pro-
prietários de terras venderiam ou alugari am lot
es de terras de vinte
hectares a libertos, imigrantes e lavradores, conser
vando o centro de
suas propriedades como a localização de um engenh
o ou de uma
usina de processamento. As tradicionai s safras de ex
portação conti-
nuariam sendo cultivadas nas propriedades menores
e, depois das
colheitas, o produto seria entregue por um preço justo
aos antigos
proprietários, já então industriais rurais, cujos engenhos
no campo
preparariam as safras para consumo final. Antes da sua
exportação,
o café, o açúcar, o fumo e o cacau seriam processados em ext
rato de
café ou pó, açúcar refinado, têxteis, cigarros e chocolate, ass
eguran-
do, assim, um lucro máximo para os fazendeiros e fabricantes brasi-
leiros. Cada engenho central, segundo este plano, teria sua própria
escola, onde as crianças receberiam educação técnica e industria
l.
Cada propriedade independente seria suficientemente grande para
permitir a rotatividade de safras e para proporcionar pastos e flo-
restas. 3?
Semelhantes às modernas usinas, estabelecidas nas regiões pro-
dutoras de açúcar do Brasil, depois da abolição da escravatura, os
engenhos centrais de Rebouças teriam sido muito diferentes das mo-
dernas plantações brasileiras tanto em propósito quanto em orga-
nização. Segundo seu plano, haveria uma divisão das terras em pe-
quenos lotes, em vez da consolidação de fazendas de açúcar de pro-
priedade familiar em gigantescas plantações controladas por corpo-
rações. Rebouças previa fazendeiros independentes e industriosos no
controle das terras, em vez de pessoal contratado, meeiros, trabalha-
dores migrantes, posseiros e rendeiros, agora empregados nas gran-
des propriedades ou subsistindo nelas. 4º
O plano de Rebouças para uma “democracia rural” foi defen-
dido, antes de 1880, pelo menos por outro autor. O Visconde Beau-
repaire Rohan, um amigo e associado de Rebouças, escreveu, em
1878, num relatório apresentado ao Ministério da Agricultura,
que
“O retalhamento da grande propriedade territorial é com effeito
uma condição indispensavel ao desenvolvimento da
nossa lavoura e
muito mais quando estiver de todo extincta
a escravidão.” A solu-
ção para os problemas da agricultura,
escreveu ele, estava no esta-

8º Rebouças, Agricultura nacional, páginas 1-7, 111-112


40 Smith, Brazil, páginas 345-351, » 120, É 2.
267-33

196
belecimento de “fábricas centrais” em terras conservadas pelos gran-
des proprietários depois da divisão da maior parte de suas terras
em pequenas propriedades. A área central serviria como um centro
de processamento e como um núcleo de população, com uma escola,
uma igreja, lojas e “tudo o mais que pudesse tornar commoda a vida
dos lavradores.” *
Com o início da era abolicionista, a reforma agrária foi pedida
frequentemente na imprensa e até em reuniões públicas. 42 O projeto
de reforma da escravidão de Nabuco, apresentado em 1880, incluía
uma provisão para reservar terras para colônias de libertos e o pri-
meiro número de seu mensário antiescravatura, O Abolicionista, de-
nunciou o latifúndio. Em dezembro de 1880, a Gazeta da Tarde pu-
blicou uma série de artigos não assinados, escritos por André Re-
bouças, que denunciavam o “latifúndio, barões feudaes, landlords e
Landocracia,” exigindo o estabelecimento de “democracia rural”, en-
genhos centrais e pequenas propriedades agrícolas. Os artigos de
Rebouças exigiam também a libertação de um milhão e meio de
“irmãos”, uma distribuição de terras pelos antigos escravos, um im-
posto territorial e leis para encorajar a venda e subdivisão das “enor-
mes propriedades territoriais dos nefandos e fatalissimos landocrati-
cos deste Império.” “
A medida que a década abolicionista progredia, a reforma do
sistema agrário continuava sendo associada ao movimento de liber-
tação. A sociedade abolicionista refundada na Escola Polytechnica
no Rio, em 1883, onde André Rebouças trabalhava como professor,
pediu um imposto sobre as terras incultas localizadas dentro de um
raio de vinte quilômetros de linhas de comunicação, evidentemente
com o fim de apressar a venda e distribuição de grandes estados.
O Projeto Dantas de 1884, um importante projeto de reforma para
a libertação de escravos que completassem sessenta anos de idade,
estipulava que os libertos viriam, eventualmente, a serem donos das
terras em que trabalhassem. % No mesmo ano, num apelo aos elei-
tores de Recife, Nabuco associou o estabelecimento da pequena pro-
priedade com os objetivos do abolicionismo. Esse movimento, disse

4 Beaurepaire Rohan, O futuro da grande lavoura, páginas 10-11.


42 Gazeta da Tarde, 6 de setembro de 1880; Associação Central Emanci-
padora. Boletim N.º 2, 28 de Outubro de 1860. a
43 O Abolicionista, 1 de novembro de 1880; Rebouças, Diário e notas,
páginas 291-292; Gazeta da Tarde, 3, 4, 7, 8, 9, 10 e 11 de dezembro de 1880.
4 Rio News, 15 de agosto de 1887. Para outro pedido da “pequena pro-
priedade, da fazenda democrática”, ver O Cruzeiro, 15 de março de 1883.
45 Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. XI, Tomo I, páginas 300-301.

197
Nabuco, assinalava “o começo da propriedade do lavrador”. Os abo-
licionistas, afirmou ele, estavam lutando para dar aos pobres rurais
“uma independência honesta, algumas braças de terra, que eles pos-
sam cultivar como próprias, protegidos por leis executadas por uma
legislatura independente e dentro das quais tenham um reduto tão
inexpugnável para a honra das suas filhas e a dignidade do seu cará-
ter como qualquer senhor de engenho.” Não havia “outra solução
possivel para o mal chronico e profundo do povo,” disse ele ao
eleitorado do Recife, “senão uma lei agraria que estabeleça a pe-
quena propriedade.” A solução para a pobreza brasileira, acreditava
ele, era “a democratização do solo.” 48
Essa mesma frase — democratização do solo — viria a ser ou-
vida de novo nos meses que se seguiram à abolição, quando os prin-
cipais liberais e abolicionistas promoveram esta nova reforma como
a “consequência lógica” da lei de 13 de maio de 1888. Dois meses
apenas após a abolição, o senador conservador Leão Veloso acusou
os abolicionistas de manifestarem repetidamente a opinião de que
era “necessário acabar com o feudalismo territorial para estabelecer
a democracia agrícola” e, no mesmo debate, o Senador Dantas decla-
rou que as pequenas propriedades viriam “pela ordem natural das
cousas.” * Dantas, na realidade, trabalhou ativamente pela reforma
agrária nos meses seguintes à abolição, tanto como líder do Partido
Liberal quanto como membro do Senado.
“Numa reunião da Confederação Abolicionista em agosto de 1888,
Dantas esboçou o programa do Partido Liberal para o futuro, o qual
deveria incluir, entre outras reformas, a divisão das grandes proprie-
dades. Apenas um mês mais tarde, o mesmo senador falou de novo
na câmara superior sobre a necessidade de proporcionar terras para
colonizadores, próximas de facilidades de transporte, e, outra vez, de
parcelar as grandes propriedades. Até mesmo o próprio Impera-
dor, muito influenciado por Rebouças e outros membros da Confe-
deração Abolicionista 4º e talvez pelos escritos de Tavares Bastos,
favoreceu uma reforma do sistema agrário como um meio para
atrair imigrantes europeus. 5º Aclamado Patriarca da Família Eman-

*6 Nabuco, Campanha abolicionista no Recife, páginas 10, 48-49: Viotti


da Costa, Da senzala à colônia, página 433. Para outra das declarações de
Nabuco sobre a questão agrária, ver seu livro Henry George, Nacionalização
do solo (Rio de Janeiro. 1884), páginas 5-10.
47 Annaes do Senado IRS. III, 188-189.
48 Rio News, 5 de setembro de 1888; Annaes do Senado (1 997.
49 Rebouças, Diário e notas, páginas 328-329. (1888), V, 226-227
50 Annaes da Camara (1889), I, 16.

1968
cipacionista em celebrações realizadas em Petrópolis e no Rio, no
primeiro aniversário da abolição da escravatura, o Imperador pre-
feriu comprometer-se, a ele e a sua filha, Prince
sa Isabel, com a
continuação do movimento de reforma e, assim, pr
ovavelmente, apres-
sando sua queda do poder.
Os abolicionistas promoveram, então, reformas colatera
is depois
do dia 13 de maio de 1888, mas seu principal objetivo, até
essa data,
foi acabar com a escravatura. No início e durante vários
anos, ten-
taram alcançar seu principal objetivo por métodos legais
e pacíficos
— por meio de propaganda e ação legislativa — e continuara
m usan-
do esses métodos até sua causa ser vitoriosa. Todavia, em
1885, não
tendo conseguido obter concessões satisfatórias apenas com esses
mé-
todos e desiludidos com as soluções que os fazendeiros e O Par
la-
mento consideravam aceitáveis, também se voltaram para mét
odos
ilegais, “aparentemente tendo raciocinado que, se os proprietá
rios
não podiam ser convencidos a libertarem seus escravos, estes pode-
riam por certo, ser convencidos a abandonarem seus senhores. O
abo-
licionismo ilegal — o incitamento para que os escravos abandonas
-
sem as fazendas e partissem para lugares de refúgio previamente de-
terminados — não foi tentado em grande escala, contudo, até dep
ois
da resistência ao abolicionismo legal ter criado suficiente ira e frus-
tração para conduzir os homens a esses métodos mais perigosos.

A REAÇÃO PRÓ-ESCRAVATURA

A PRIMEIRA onda abolicionista que assaltou o Rio retrocedeu no


início de 1881. Todavia, durante a primeira e breve fase do movi-
mento, os proprietários de escravos e seus representantes no Parla-
mento e na imprensa reagiram fortemente em defesa dos interesses
ameaçados. A reação, na realidade, pareceu contar com a lealdade
da maioria da população, um resultado, na opinião de Nabuco, da
cumplicidade dos setores comerciais e do monopólio que os senhores
dos escravos tinham do trabalho, das terras, do capital, das agências
de aplicação da lei e das dependentes classes educadas. 52

ºl Rebouças, Diário e notas, página 335. Rebouças, que partiu com o Im-
perador den para o exílio depois da queda do Império, apelidou D. Pedro,
mais tarde, de “sublime Martir da Abolição”. Ver Nabuco, Minha formação,
páginas 173-175. a E
52 O Abolicionista, 1 de janeiro de 1881.

IS9
O ministério liberal do senador baiano José Antônio Saraiva,
comprometido com a reforma eleitoral e um orçamento equilibrado,
liderou a defesa do status quo, brandindo o voto livre numa das
mãos, nas palavras de um crítico, e o chicote da escravidão na ou-
tra. 53 Em agosto, o Ministro da Agricultura do governo de Saraiva
já apresentara sua posição com argumentos que foram usados pelos
defensores da escravatura nos anos seguintes. Os brasileiros eram
todos emancipadores, segundo sua lógica. Nenhum brasileiro gosta-
va de ter escravos e só a necessidade os forçava a tal coisa. Como
todos os brasileiros, o governo desejava

sa
ver o fim da escravatura,
mas só promoveria esse objetivo, devido a razões sociais e econômi-

O
cas, por meio da Lei Rio Branco: o pecúlio, manumissões e “pela

DS
E
acção da morte”. Acelerados rapidamente, estes processos elimina-
Tiam a escravidão em vinte anos, pacificamente, seguramente, e sem
a interferência do governo.
Com o ministério assim decidido a uma inação permanente na
questão da escravatura, parte da imprensa iniciou uma campanha
de difamação dirigida contra os principais líderes do movimento abo-
licionista. 55 Manoel Peixoto de Lacerda Werneck, do Rio de Ja-
neiro, que não tardaria a representar sua província na Câmara, res-
pondeu ao projeto emancipacionista de Nabuco com uma série de
artigos no Jornal do Commercio, acusando o “naturalmente ambi-
cioso” jovem pernambucano de um desejo de se engrandecer “peran-
te o juizo ephemero das multidões”. 58 Segundo O Corsário, do Rio
de Janeiro, Joaquim Nabuco escolhera o abolicionismo como um
meio de ganhar fama em países estrangeiros depois de sofrer desa-
pontamentos pessoais e políticos, incluindo seu fracasso em casar-se
com uma mulher rica. %” O Paiz, do Maranhão, referiu-se a Nabuco
como um homem “sem a autoridade do bom senso, sem a prudência
e o tino do estadista, sem a consciência sã do patriota”. Nabuco,
presumia esse jornal, “declama contra a escravidão por ambição de
£loria, por vaidade somente, e mais para ser applaudido do estran-
geiro do que por verdadeiro amor á liberdade”. 58 Tal como o pró-

8 Gazeta da Tarde, 26 de agosto de 1880.


54 JIbid., 16 de agosto de 1880.
55 Ibid., 18 de setembro de 1880.
56 Manoel Peixoto de Lacerda Werneck, Questão grave. Artigos a propósito
do annunciado projecto do Sr. Deputado Joaquim Nabuco, fixando prazo
fatal á existencia do elemento servil, publicados no Jornal do Commercio
(Rio de Janeiro, 1880), página 5.
1 O Corsário, Rio de Janeiro, 2 de outubro e 4 de dezemb d
ss O Paiz, 28 de janeiro de 1881. o de dos
O.

200
prio Nabuco observou mais tarde, “a escravidão procurou por todos
os meios confundir-se com o paiz e na imaginação de muita gente
o conseguiu. Atacar a bandeira negra é ultrajar a nacional. Denun-
ciar o regimen das senzalas é infamar o Brasil todo”.5?
Em dezembro de 1880, o diário republicano, 4 Provincia de São
Paulo, denunciou a Gazeta da Tarde como a “folha que, felizmente,
só apparece aqui, trazida da Côrte como curiosidade”, enquanto ri-
dicularizava José do Patrocínio como “o orador de S. Luiz...
suppondo-se collocado em uma atmosphera superior, não attingivel
por nenhum dos mortaes deste paiz, o preclaro reformador de tudo,
o omnisciente, o omnividente, o sabio, o celebre orador festejado
pretende fazer curvar deante de seu genio todos os varões illustres
desta nação”. 8º Um aparente ataque às origens raciais foi comen-
tado numa carta de Luiz Gama publicada dois dias mais tarde na
Gazeta da Tarde. “Em nós, até a côr é um defeito, um vicio im-
perdoavel de origem, o estigma de um crime,” comentou Luiz Gama.
Mas os críticos esqueceram, disse ele, “que esta côr é a origem da
riqueza de milhares de salteadores, que nos insultam; que esta côr
convencional da escravidão, como suppõem os especuladores, á se-
melhança da terra, ao travez da escura superficie, encerra vulcões,
onde arde o fogo sagrado da liberdade”. 8!
Na Câmara dos Deputados, verificaram-se iradas reações con-
tra os abolicionistas. Em agosto, Martinho Campos, de Minas Gerais,
um dos mais ardentes membros da retaguarda parlamentar, declarou-
se um escravocrata no interesse de seus escravos. ºº Em novembro,
aplaudido e cumprimentado por uma horde de colegas, Campos pe-
diu respeito pela lei e a ordem, denunciou os “socialistas” e os
“reformistas modernos” que estavam subvertendo o mundo e deplo-
rou seus supostos exageros, falsidades e apelos abertos à rebelião.
“A esse grito de abolição,” sugeriu ele, “respondam os fazendeiros

59 Nabuco, O Abolicionismo, página 248. Nabuco foi acusado muitas vezes


de falta de patriotismo e de ligações íntimas com interesses estrangeiros
ou com o Imperador emancipacionista. Depois de ter regressado da Europa,
em 1884, foi acusado de ter ganho reputação no estrangeiro à custa de
seu país e de ser o enfant gaté (menino mimado) da política imperial.
Ver Manual do subdito fiel ou cartas de um lavrador a sua magestade o
imperador sobre a questão do elemento servil (Rio de Janeiro, 1884),
página 51.
60 Provincia de São Paulo, 1 de dezembro de 1880.
61 Gazeta da Tarde, 3 de dezembro de 1880.
62 Ibid., 31 de agosto de 1880. A Gazeta da Tarde pensou que ele teria
exat o e hone sto se se tive sse dec lar ado um esc rav ocr ata no inte ress e
sido mais
de seus credores.

201
de revolver em punho”. “Fallar em emancipação de escravos é não
ver um palmo adiante do nariz”, zombou o Deputado Moreira de
Barros em outra ocasião. “Brincam com fogo os taes negrophilos”
advertiu o Barão de Cotegipe, um defensor da escravatura até os
últimos dias de sua longa vida. 8
Os abolicionistas foram objeto de críticas devastadoras e até
mesmo de abuso físico. Os repórteres da Gazeta da Tarde viram-se
negados o direito, normal para os membros da imprensa, de presen-
ciarem as sessões da legislatura e os números da Gazeta enviados
para O interior eram inexplicavelmente demorados na viagem. St! A
medida que a crise aumentava nos anos seguintes e que o abolicionis-
mo se espalhava por uma centena de cidades e distritos, com as fa-
zendas já nem mesmo a salvo de, sua influência, a violência e a hos-
tilização iam-se tornando mais frequentes. Os alvos mais comuns dos
ataques antiabolicionistas eram as redações dos jornais reformistas.
com seu dispendioso e frágil equipamento.
Tal como já sucedera em 1871, os políticos e os fazendeiros
pró-escravatura institucionalizaram em 1880 sua resistência através
da formação de associações agrícolas, tanto nas cidades quanto nas
comunidades rurais. A mais importante destas foi o Centro da La-
voura e do Commercio, criado com o propósito anunciado de orien-
tar a questão da escravatura para uma solução calma. % O Cruzeiro,
do Rio, foi o órgão da imprensa escolhido do novo centro conserva-
dor, que se descrevia como “uma associação de lavradores, nego-
ciantes e representantes de outras classes solidarias, no intuito de
defender os legitimos interesses agricolas do Brasil e occorrer á re-
forma da constituição actual do trabalho, sob o influxo da lei de
28 de setembro de 1871, sem alteração da segurança publica e pri-
vada, decadencia da producção nacional e outras perturbações so-
ciaes.” Os objetivos do centro, segundo sua constituição, seriam rea-
lizados nas províncias por clubes locais, enquanto, no Rio, o traba-
lho seria delegado a uma comissão executiva permanente com a pro-
moção de propaganda pela imprensa, petições ao governo e contatos
com clubes locais. $º Mais eficaz do que o Club da Lavoura de 1871,
O

ae o e da Camara (1880), VI, 259; Gazeta da Tarde, 25 de setembro


64 Gazeta da Tarde, 15 de novembro de 1880: 22 de fe I 7 de no-
vembro de 1881: 22 de setembro de 1882: 4 je
5 de junho de 1883. de junho 1883;
deDia Rio News,
o
6º Gazeta da Tarde, 15 de novembro de 1880.
68
Ra + É Se .
OTEA A do Centro da Lavoura e do Commercio,” ibid., 10 de

202
o Centro depressa contou com sucursais regionais em dúzias de co-
munidades nas três principais províncias do café e mais algumas no
norte e, em 1884, já era suficientemente poderoso para convocar uma
vasta reunião dos representantes provinciais na capital. ” Intima-
mente ligado à Associação Commercial do Rio de Janeiro por opi-
niões semelhantes e por grande número de membros comuns, o Cen-
tro agiu como um poderoso grupo de pressão dedicado a combater os
abolicionistas e a impedir mais medidas legislativas em favor da
libertação dos escravos.
Nem todas as organizações dos fazendeiros se opunham sem
reservas à mudança, embora o Club da Lavoura e do Commercio
paulista, de Campinas, com sua extraordinária concentração de es-
cravos (ver Tabela 16), fosse considerado um bom exemplo da maio-
ria que se opunha ao abolicionismo sem quaisquer reservas. Segundo
os abolicionistas, havia uma segunda classe de clubes agrícolas cons-
tituídos por “fazendeiros cordatos e progressistas” que só pediam
tempo e meios para efetuar uma transição para o trabalho livre. Um
dos mais representativos desta classe mais progressista era o clube
do município de Pindamonhangaba em São Paulo, localizado não
no norte ou oeste da província, mas sim no Vale do Paraíba. Em
1880, o clube dos fazendeiros dessa comunidade anunciou sua inten-
ção de estudar os meios práticos de levar trabalhadores livres para
a região e de tomar outras medidas para a inevitável abolição da
escravatura. 8?
Os argumentos pró-escravatura de 1880 eram muito semelhan-
tes aos de 1871, sendo alterados apenas por novas circunstâncias e
uma nova devoção pela Lei Rio Branco. Teoricamente, ninguém
esperava perpetuar a escravatura no Brasil, apenas prolongá-la. Nin-
guém defendia a escravidão em teoria, conforme Nabuco o disse em
1885, mas muitas pessoas defendiam-na na prática. 7º A lei de 1871,
outrora combatida furiosamente, já se transformara, em 1880, na
carta intocável da escravatura, usada até para justificar a continua-
ção do status de escravo dos africanos importados depois de 7 de
novembro de 1831. 7! Os escravos não estavam preparados, por edu-

67 Moraes, 4 campanha abolicionista, páginas 61-62.


68 Ibid.; Associação Commercial do Rio de Janeiro. Elemento servil: 1.º re-
presentação da comissão especial nomeada, em assembléia geral extraordi-
naria de 2 de maio de 1884 (Rio de Janeiro, 1884), página 14.
69 Gazeta da Tarde, 20 de outubro de 1880; O Abolicionista, 1 de no-
vembro de 1880.
7O Annaes da Camara (1885), TI, 212.
71 Ver a declaração do Senador Ribeiro da Luz, de Minas Gerais, Annaes
do Senado (1883), III, 19.

203
cação e experiência, para uma rápida emancipação, argumentavam
os defensores da escravatura. Precisavam, primeiramente, de serem
educados, já que, embrutecidos como eram, não tinham “outra am-
bição que a de libertar-se de um trabalho que nada lhes produz
senão a fadiga.” 72 A abolição significaria perda de receita para o
estado, afirmavam os representantes da escravatura, como já o fa-
ziam há sessenta anos. A agricultura dependia do escravo e até que
uma força de trabalho livre pudesse ser recrutada, quaisquer outras
medidas em favor da emancipação seriam impensáveis. A abolição
seria ilegal e até imoral se imposta aos fazendeiros sem indenização.
A escravidão era vantajosa para o escravo, que ficaria indefeso se,
de repente, se encontrasse livre. Se a abolição fosse decretada subi-
tamente, os libertos não trabalhariam, não produziriam, seriam ape-
nas consumidores e um elemento de perturbação social. Tal como
em 1871, houve de novo a previsão, em 1880, de que, uma vez livres,
os antigos escravos se sublevariam em revolta.'*
Os defensores da escravatura recorriam ocasionalmente a argu-
mentos então quase tabus no Brasil — a um racismo que passou a
estar mais em voga depois da queda do Império. Os libertos, segun-
do uma petição da Associação Commercial, eram “incompatíveis com
um regimen qualquer de economia e de ordem, de trabalho e de
moralidade.” “* No Brasil, disse o industrial Felicio dos Santos, na
Câmara, em 1882, o negro era uma absoluta necessidade, apesar de
sua inferior “conformação cerebral”. 7º Num artigo em defesa da
escravatura publicado no jornal republicano 4 Provincia de São Pau-
lo, o filósofo positivista Luís Pereira Barreto, autor de obras abs-
trusas sobre metafísica e teologia, teorizou que, para os brasileiros
de descendência européia, cujo predomínio se fundava em “condi-
ções naturais”, a escravatura era um “mal necessário”, porque “nos
achamos deslocados do nivel de evolução da parte mais adiantada
da humanidade.” Para “os infelizes filhos da bárbara Africa”, por
outro lado, a escravidão era “incontestâvelmente um bem relativo,”
já que seu transporte da África para o Brasil garantira suas vidas
e as de seus descendentes. 78 |

72 Diário de Noticias, Rio de Janeiro » 4 de


rên ia a 22 dele Junho de 1884, pá gina 32.
Conferênc fevereiro de 1882; Nabuco,
7%3 Diário de Noticias, 5 de fevereiro de 1 882; Brasi o
i de Janeiro,
da Cama ra (1882 ), I, 416 rasil, Rio 12 de
abril de 1885; Anna es
74 Citado por Nabuco, Conferência a 22 de Ju páginas 30-31.
e Junho de 1884,
75 Annaes da Camara (1882), I, 416.
76 Beiguelman, Formação politica, I, 160-161. :
minente filósofo com inclinação decidid a Pereira Barreto da foi um pree-
Costa, Contribuição à história das idéias, Ra ota Ra ver Cruz

204
Alguns dos mais teimosos defensores da escravatura chegavam
mesmo a mostrarem-se descontentes com a Lei Rio Branco. O Diá-
rio do Brazil não só condenava os abolicionistas como “homens in-
gratos” que elevavam suas vozes contra a mão beneficente que os
alimentava; também pedia uma contrapropaganda eficaz e um pro-
grama de ação para impedir o processo da emancipação enquanto
um sistema de trabalho livre não estivesse em funcionamento, para
pedir que a lei de 1871 não fosse executada de um modo desnecessa-
riamente prejudicial para os donos de escravos, para repelir a agres-
são dirigida contra a agricultura e para “expor a falsidade das
calumnias sediças e nojentas adrede espalhadas a fim de ferir a hon-
ra dos fazendeiros.” 77
Os defensores da escravatura no Parlamento e fora dele produ-
ziram um extraordinário número de aforismos citáveis que o pessoal
da Gazeta da Tarde reuniu durante 1880 e publicou já perto do final
da sessão legislativa :“O Brazil é o café,” disse Silveira Martins do
Rio Grande do Sul, “e o café é o negro”. “A escravidão é convenien-
te,” afirmou o senador liberal Sinimbu, de Alagoas, “mesmo em
bem do escravo”. “Amo mais a minha patria do que ao negro,” con-
fessou Saraiva, Presidente do Conselho de Ministros. “O fazendeiro
deve merecer mais cuidados dos poderes publicos do que os escra-
vos,” pensava Martim Francisco Ribeiro de Andrada. “O que se
fez a 28 de setembro,” disse Ferreira Vianna, do Rio de Janeiro,
“Já é de mais: Regresso! Regresso!” “São Paulo prefere a republi-
ca á abolição,” foi a opinião do monárquico Costa Pinto, dessa pro-
vincia, “escolha o Imperador!” “O escravo é, entre nós, um verda-
deiro fidalgo proletário,” comentou o velho escravocrata Andrade
Figueira, do Rio de Janeiro. “Medidas de rigor,” advertiu Paulino
de Souza, da mesma província, “e quanto antes para conter a insu-
bordinação nas fazendas e fazer murchar perigosas impaciências.” 78
A reação pró-escravatura não se limitou a declarações de polí-
ticos. Revelou-se também nas eleições de novembro de 1881, em
que quase todos os candidatos do partido abolicionista foram derro-
tados. O novo gabinete estabelecido no início de 1882 era chefiado,
na realidade, por Martinho Campos, o deputado de Minas Gerais
que sugerira enfrentar os abolicionistas de revólver em punho. Na-
buco, candidatando-se contra um conhecido escravocrata na capital,
foi derrotado estrondosamente e, assim, partiu para a Europa para

77 Diario do Brazil, 10 de fevereiro de 1882.


78 Gazeta da Tarde, 25 de setembro de 1880.

205
lá continuar sua luta. 7º “É claramente evidente por estes resultados,”
comentou o jornal The Rio News, “que o país não deseja a emanci-
pação e que receia até mesmo a simples discussão do assunto.” Os
escravocratas acreditavam que a agitação antiescravatura havia sido
esmagada pelo veredito das eleições. 90
Havia, então, uma poderosa reação ao abolicionismo, que se
revelava na Assembléia, na imprensa e, talvez ainda mais convin-
centemente, nas eleições de 1881. Os abolicionistas, tendo revelado
dramaticamente sua presença em 1880, abrandaram sua ação no
ano seguinte, talvez surpreendidos pela ira de seus oponentes. As
reuniões antiescravatura, organizadas semanalmente em 1880, cessa-
ram em 1881 e os clubes abolicionistas foram desbandados ou, en-
tão, continuaram agindo menos publicamente. Os defensores da
escravatura, por outro lado, também haviam sido assustados pelas
enérgicas atividades abolicionistas e a nova e inesperada ameaça
fez, então, com que os legisladores provinciais nas províncias do café
tomassem medidas para acabar com o comércio de escravos inter-
provincial a fim de fortalecer a escravatura nas províncias do norte.
Ao fazê-lo, ajudaram inadvertidamente a desencadear o mais pode-
roso dos movimentos abolicionistas provinciais, o da pobre província
nordestina do Ceará.

79 Rio News, 3 de dezembro de 1881.


80 JIbid., 15 de novembro de 1881.

206
No porto do Ceará
não se embarcam mais escravos!

O POVO DE FORTALEZA
27 de janeiro de 1881

11

O MOVIMENTO NO CEARA

O FIM DO COMÉRCIO INTERPROVINCIAL DE ESCRAVOS

Em acosto de 1880, a reação pró-escravatura nas províncias do


café já começara tomando uma forma que, contrariamente a seu
propósito, encurtou a vida da escravatura no Brasil. Havia várias
décadas que os escravos estavam sendo levados para o sul, das pro-
víncias do norte, para os zonas do café, com pouca atenção sendo
prestada a sua condição e, em setembro de 1880, os viajantes que
embarcavam para o sul a bordo dos navios da Companhia Brasileira
de Vapores ainda podiam ter quase a certeza de terem como com-
panheiros de viagem escravos destinados a serem vendidos no sul. !
Os deputados do norte já tinham tentado, em 1854, conforme disse-
mos no Capítulo 4, deter o tráfico para o sul através de legislação,
mas os lavradores do café do sul não se tinham mostrado dispostos,
então, a deixarem-se influenciar por previsões de uma possível de-
sunidade nacional devido à questão dos escravos e tinham-se oposto
a acabar com o fluxo livre de escravos de região para região.
Em 1878, contudo, algumas personalidades do sul tiveram a
consciência da ameaça para seus interesses inerente no comércio nor-
te-sul e haviam tentado detê-lo. Nesse ano, Antônio Moreira de

1 Annaes da Camara (1880), V, 35.

207
Barros, um ardente político pró-escravatura, introduziu um projeto
de lei na Assembléia Provincial de São Paulo para impor
um impos-
to proibitivo sobre todos os escravvooss que entrassem em
Sã o Paulo,
vindos de outra província. O objetivo da proposta de Mo
reira de
Barros não era limitar o influxo de escravos que iam
para São Pau-
lo. Seu propósito era, sim, fechar o mercado de escrav
os de São
Paulo para restringir o fluxo de escravos para fora de outras
pro-
víncias, especificamente daquelas, no norte, que se estavam desem-
baraçando rapidamente de suas populações escravas. O motivo
de
Moreira de Barros não era humanitário, mas sim expediente, tal
como o fora o de João Mauricio Wanderley, em 1854, quando
os
interesses da Bahia e das outras províncias do norte pareciam exigir
o fim do comércio interprovincial de escravos. Se Wanderley espe-
rara, em 1854, que a abolição do tráfico entre as províncias protege-
ria Os recursos em escravos da Bahia, Moreira de Barros, por seu
lado, raciocinara, em 1878, que a abolição desse tráfico voltaria
a
fortalecer o compromisso das províncias do norte, exportadoras de
escravos, com o sistema escravocrata e, assim, prolongaria a vida da
escravatura. A legislação passou pela Assembléia Provincial,
mas
o presidente provincial, correspondendo aos protestos de fazendeiros
que ainda estavam ansiosos por adquirir mais escravos do norte, re-
cusou sancionar a medida. 2
A divisão nacional no que se refere à questão da escravatura,
prevista em 1854 e, de novo, em 1878, já se tornara uma realidade,
de fato, em agosto de 1880, quando o mesmo legislador paulista,
Mo-
reira de Barros, já então representando sua província na Câmara
nacional, introduziu um projeto de lei com o objetivo de proi
bir o
transporte de escravos de uma província do Império para outr
a, com
as infrações da lei sendo castigadas ao abrigo de provisões penais
da
lei antitráfico de escravos de 1850, incluindo multas
pesadas e penas
de prisão.
Paula Beiguelman, argumentando a teoria de que os
fazendeiros
paulistas se encontravam entre os primeiros abolicion
istas, apresen-
tou recentemente a hipótese de que São Paulo
procurara acabar com
o comércio de escravos interprovincial pelo fat
o das mais novas
regiões de café da provín
cia já não estarem interessadas em manter
o sistema de escravos. 3 Todavia, esta teoria
é contrariada pelo pró-
2 Prado Jr., Circular, página 11; Provincia de São
1880; Annaes da Camara (1880), IV, 194.195 z Paulo, 15 de agosto de
8 Ver Beiguelman, 4 formação do povo foi : =
explicou a legislação
i paulista antico mércPoioio "a PáBinas 52-53. Warre
de es cr av os co mo um a
n De
para acabar rapidamente tentativa
com a escravatura “nara encorajar o fluxo de
206
prio Moreira de Barros, que declarou, em defesa de sua política,
que ambos seus projetos, a legislação provincial de 1878 e o projeto
de lei nacional de 1880, tinham a intenção de promover “a vanta-
gem politica de sustar o antagonismo que eu vejo com pezar desen-
volver-se entre as duas partes do Império, sobre este assumpto (da
escravidão), e collocar todas as províncias no mesmo pé de interes-
ses, para resolver, quando seja opportuno, a grande questão do ele-
mento servil.”* A tentativa para acabar com o comércio interpro-
vincial não foi realizada pelo fato de novos e mais progressistas fa-
zendeiros da província de São Paulo terem decidido rejeitar a escra-
vatura em favor do trabalho livre. Ao contrário, conforme o próprio
Moreira de Barros revelou, a legislação proposta tinha por intenção
deter esse tráfico para fortalecer o compromisso dos fazendeiros do
norte, que estava sendo corroído tão rapidamente, para com o sis-
tema escravocrata. Para o astuto A. Scott Blacklaw, um represen-
tante dos interesses do café de Ceilão, parecia “descaridoso” supor
que o verdadeiro objetivo dos legisladores era prolongar a escrava-
tura, mas havia “fortes provas circunstanciais de que assim era.” ?
Esse projeto de lei, contudo, não obteve os propósitos deseja-
dos — que, nessa data, já não eram de todo possíveis de alcançar.
A legislação, na verdade, foi detida na Câmara por uma coalizão de
deputados que incluía um significante bloco de representantes do
norte, que fez pressão sobre o governo no sentido deste arquivar o
projeto. $ Revelando a fonte da oposição e advertindo o governo e os
recalcitrantes deputados do norte, o órgão pró-escravatura do Re-
publicanismo, 4 Provincia de São Paulo, comentou: “A despropor-
ção, sempre crescente, entre o numero de escravos das provincias do
Sul e o das do Norte, cada vez mais determina a necessidade d'uma
medida prohibitiva, afim de conservar homogeneo o interesse de todo-

mão-de-obra livre”. A escravatura, escreveu ele, citando mais percentagens


do que números absolutos para provar seu ponto, diminuiu na província
de São Paulo entre 1854 e 1873. Ver The Industrialization of São Paulo,
página 41, de Dean, e seu “The Planter as Entrepreneur: The Case of
São Paulo,” HAHR, XLVI (maio de 1966), 144. E verdade que a população
livre de São Paulo cresceu muito mais rapidamente do que a população escrava
durante esses anos. Todavia, como já vimos, em números reais, a população
dessa província também aumentou significantemente.
4 Annaes da Camara (1880), IV, 194. Os dois co-autores do projeto na-
cional também representavam São Paulo. Provincia de São Paulo, 15 de
agosto de 1880. )
5 Blacklaw, “Slavery in Brazil?. Para a mesma opinião, ver Van Delden
Laêrne, Brazil and Java, página 85.
6 Gazeta da Tarde, 17 de setembro de 1880; Provincia de São Paulo, 11 de
setembro de 1880.

209
o paiz.” Se não houvesse um fim rápido desse tráfico, concluía o
artigo, a população escrava das províncias do norte depressa ficaria
tão reduzida “que os deputados do Norte, que formam a maioria da
Câmara, poderão decretar a emancipação sem compromeiter nem
mesmo affectar os interesses de suas respectivas provincias...”7

mm
Com a medida barrada na Câmara, pelo norte, as assembléias
provinciais das províncias do café eram as únicas a possuírem o poder
legislativo para erguer uma barreira ao movimento de escravos para
o sul. Em meados de dezembro, a assembléia provincial do Rio de
Janeiro, composta, segundo a Gazeta da Tarde afirmou, por “fa-
zendeiros, senhores d'escravos e seus clientes,” já criara um imposto
de 1:500$000 (aproximadamente o preço de um escravo caro)
em
cada cativo vindo de outras províncias. O objetivo da lei, explicou o
Jornal do Commercio, era “impedir que se aggrave... a anomalia
da desigualissima repartição da população escrava entre as diversas
secções do territorio nacional.” Prevendo que Minas Gerais e São
Paulo não tardariam a promulgar uma legislação restritiva seme-
lhante, o Jornal do Commercio concluiu que as três províncias mais
interessadas na escravatura tinham o dever de organizar uma resis-
tência legal à invasão de escravos do norte, já que, logo que tivessem
despachado seu último escravo, as outras províncias tornar-se-iam
:abolicionistas e, com seus votos unidos, eliminariam a escravatura
em toda a nação. 8 Assim, os membros da assembléia de São Paulo,
da Assembléia Geral e, pelo menos, dois importantes jornais da re-
gião do café, já tinham reconhecido que o comércio interprovincial
de escravos estava destruindo o equilíbrio da escravatura e que
ameaçava sua própria existência.
As províncias de São Paulo e de Minas Gerais seguiram, por-
tanto, a do Rio de Janeiro na aplicação das leis antitráfico de es-
cravos. Minas Gerais agiu quase imediatamente, no final de dezem-
bro, aplicando um imposto de dois contos a cada escravo que en-
trasse na província. ? A assembléia provincial de São Paulo,
já então
sob pressão da imprensa e dos fazendeiros, incluindo o
Club da La-

? Ibid. Grifo acrescentado.


8 Jornal do Commercio, 21 de dezembro
de 1881.
9 Rio News, 24 de janeiro de 1881; Viotti da Costa, Da senzala à colônia,
página 209. A aprovação de leis contra o comércio interprovincial de
cravos por Rio de Janeiro es-
e Minas Gerais, províncias essas cujos fazendeiros
jamais foram suspeitados de ter opiniões progressistas ou abo
licionistas, parece
refutar conclusivamente a teoria de que a legislatura de
São Paulo passara
a sua lei anticomércio de escravos devido aos
fazendeiros da província rejei-
voura de Campinas — as mesmas forças que se tinham oposto à lei
provincial dois anos antes — aprovou uma lei em janeiro de 1881,
requerendo o registro de todos os escravos que entrassem na provín-
cia e uma taxa de entrada de dois contos por cada, com penas pe-
sadas pela sua infração.
Apresentado em 17 de janeiro, o projeto de lei foi aprovado e
já fora sancionado no dia 25 desse mesmo mês, tendo havido pouco
debate quanto a seus objetivos. 1º Estes foram descritos alguns me-
ses mais tarde, contudo, durante um debate sobre um projeto para
isentar um fazendeiro da taxa de registro em trinta escravos que
ele adquirira. “O que quizemos evitar,” disse o legislador Rodrigo
Lobato, “foi que as províncias do norte, depois de lançarem na de
São Paulo todos os seus escravos, fossem as primeiras a dar o grito
de emancipação. Foi este principalmente o motivo da lei de 25 de
janeiro deste anno.” 1!
Com o abolicionismo desencadeando-se em sua volta, os legis-
ladores do sul tinham-se convencido, finalmente, do perigo da cons-
tante retirada de escravos das províncias do norte e, assim, haviam
legislado um fim virtual desse tráfico. 12 Trinta anos antes, quando
esse comércio começava a desenvolver-se, esta legislação talvez ti-
vesse contribuído mais para a estabilização da população escrava nas
províncias do norte e prolongado a vida da escravatura em toda a
nação. Legislada no final de 1880, contudo, e pelas províncias do
sul, contra uma certa resistência do norte, teve o irônico efeito de
fortalecer o abolicionismo do norte.
Este foi o caso, pelo menos, no Ceará, onde o valor dos escra-
vos dependia quase totalmente da existência do mercado do sul. Os
brasileiros que esperavam prolongar a escravatura através da conser-
vação do equilíbrio entre o norte e o sul teriam razões para se preo-
cuparem com os comentários do jornal The Rio News publicados na
véspera da ratificação da lei de São Paulo. Se as províncias do café
recusarem autorizar a compra de escravos de outras partes do Im-
pério, afirmou esse jornal de língua inglesa, “o valor dos escravos

10 Provincia de São Paulo, 11 de setembro de 1880; Gazeta da Tarde, 14 de


dezembro de 1880: Colecção de leis e posturas municipaes promulgadas pela
Assemblea Legislativa Provincial de São Paulo no anno de I881 (São Paulo,
1881), página 3; Annaes da Assemblea Legislativa Provincial de São Paulo
(São Paulo, 1881), páginas 11-25. |
11 Annaes da Assemblea ... de São Paulo, 1881, páginas 314-318.
12 Antes do final de 1881, já havia informações de que a importação de
escravos pelo Rio de Janeiro cessara e de que a exportação de escravos de
Pernambuco “diminuira grandemente” como um resultado dos pesados im-
postos. South American Journal, 18 de agosto e 29 de setembro de 1881.

2117
nas provincias exportadoras depressa diminuirá e, então, essas
pro-
vincias ficarão fortemente em favor da abolição,
a fim de se liber-
tarem de uma instituição não lucrativa e de abrirem
caminho para
a mão-de-obra livre...” Os fazendeiros tinham-se oposto
a todas as
medidas diretas para a abolição, disse o jornal americano
, mas ti-
nham “esquecido totalmente o simples fato de que est
a repressão
obterá, por certo, o mesmo resultado.” 13
O súbito aparecimento de um poderoso movimento
abolicionis-
ta no Ceará em janeiro de 1881 depressa foi
atribuído, de fato,
tanto à quase exaustão da reserva de escravos dessa
província quan-
to à implantação, no sul, da barreira ao tráfic
o. Na Câmara dos
Deputados, em 1882, João Penido, de Min
as Gerais, acusou amar-
gamente o Ceará de só se ter voltado par
a o abolicionismo depois
de ter vendido seus escravos. 1t Walter J.
Hammond, um fregiiente
correspondente do jornal The Rio News
com fortes simpatias paulis-
tas, observou cinicamente em 1883 que
“até São Paulo ter fechado
suas portas à recepção de escravos das
províncias do norte, os ho-
mens do norte realizavam um dinâmico tráfico
em escravos com
seus mais industriosos e empreendedores
irmãos do sul.” 15 O IMpos-
to provincial, afirmou um autor pró-es
cravatura em 1888, “longe
de mitigar, mais exacerbou as cóleras abol
icionistas, e notavelmente
na província do Ceará...” 16

A SECA E O EMANCIPACIONISMO NO CEARÁ

O surTO do abolicionismo do
norte fora precipitado tanto pela
natureza quanto pelos legisladores
das províncias do sul. De 1877 a
1880, a seca devastara a vida e
q propriedade do Nordeste. O pior
sofredor, na opinião do jornal The
British and American Mail, fora

13 Rio News, 24 de
Janeiro de 1881. Grifo
14 Annaes da Camara acrescentado.
(1882), IV, 441,
15 Carta de Walter J. Ha
mmond, Jundiaí, São Paulo, datada de 28 de
fevereiro de 1883, publicado no jornal The Rio News em
de 1883. “Deve... ser recordado,” 15 de março
escreveu outro simpatizante estrangeiro
a de 1886, “quando as províncias do
alguns anos centenas de milhares as do sul quanto à abolição, que durante
de escravos foram exportados do
e vendidos no sul.” Charles Hastings norte
1886), página 288. Dent , 4 Year in Brazil (Londres,
16 O abol
de Janei ro, icio nismo perante a historia
1888) , página s6 ou o dial] ogo das aa as (RioE
tres provinci

212
o fazendeiro nordestino, que perdera seu gado, seu algodão e uté
mesmo sua semente e que, possuindo apenas escravos, os estava
vendendo para subsistir. 7” No norte, em 1880, os escravos já se
haviam transformado, nas palavras de um sulista rico, “a única moe-
da em circulação.” 18
A seca, particularmente séria no Ceará, causara um aumento
incisivo no fluxo de escravos para fora da província. 1º Entre 1871
e 1881, mais de sete mil cativos, mais do que um quinto de toda a
população escrava, haviam sido exportados oficialmente da provín-
cia empobrecida e, sem dúvida, muitos mais foram exportados ile-
galmente. Dos deportados registrados, quase três mil haviam em-
barcado no porto de Fortaleza, a capital provincial, só em 1877,
alguns deles comprados no interior por apenas duas sacas de fa-
rinha. 2º A medida que o alimento ia escasseando, este ia ficando
mais valioso do que as pessoas a quem devia alimentar. A solução
era a venda a preços baixos. Durante a década anterior ao surto do
movimento abolicionista no Ceará, esta província exportou uma per-
centagem maior de sua população escrava do que qualquer outra
província. A província do Rio Grande do Sul foi a única a exportar
um número maior. 21
Em 1880, os escravos já constituíam para alguns cearenses a
única propriedade negociável que lhes restava. Em dezembro desse
ano — o mês das primeiras leis provinciais antitráfico de escravos —
os preços dos escravos ainda eram sustentados em Fortaleza pelu
mercado do sul, embora há uma década ou mais, a maior parte do
trabalho agrícola do Ceará já fosse realizado por trabalhadores li-
vres. 22 As recompensas oferecidas pela devolução de escravos fugi-
tivos, em 1878 e 1879, indicam que os valores haviam permanecido
muito mais elevados do que as condições econômicas locais justifica-
vam. Em abril de 1879, um anúncio oferecia 150 mil-reis pela devo-
lução de um fugitivo de vinte e cinco anos e, apenas uma semana

17 British and American Mail, 9 de março de 1878.


18 Annaes da Assemblea de São Paulo, 1880, página 263.
19 A seca, segundo foi afirmado, custou à província quase metade da sua
população e dois terços de suas fortunas. Trezentas mil pessoas morreram
e 250 mil refugiados do interior apinharam-se na cidade de Fortaleza, ao
lado de sua população normal de 25 mil. Ver Roberto Attila do Amaral
Vieira, Um herói sem pedestal (Fortaleza, 1958), páginas 45, 55-56.
20 Girão, 4 abolição no Ceará, página 63; Relatorio do Ministerio da Agri-
cultura, 19 de janeiro de 1882, página 5.
21 Relatorio do Ministerio da Agricultura, 7 de maio de 1884, página 187.
22 Associação Commercial do Rio de Janeiro. Elemento servil, página 4;
Annaes da Camara (1869), III, 56; Rio News, 24 de setembro de 1879.

213
antes da passagem da lei antitráífico de escravos da província do
Rio de Janeiro, um escravo foi libertado numa reunião abolicionista
em Fortaleza pelo preço de um conto. ?? O Ceará, na realidade,
ainda era, em 1880, um empório do comércio nordestino de escra-
vos, reunindo nas suas praias os escravos tanto das províncias vizi-
nhas quanto aqueles de seu próprio interior para deportação para o
sul. 2* As leis provinciais do sul atingiram mais eficazmente esta
província, reduzindo drasticamente os bens monetários das pessoas
que ainda possuíam escravos e proporcionando um extraordinário
incentivo para o florescimento do abolicionismo.
O emancipacionismo desenvolvera-se cedo no Ceará, resultado
talvez de um uso generalizado de mão-de-obra livre numa província
onde, em 1845, os escravos já eram “relativamente escassos.” % Em
1868, a Assembléia Provincial autorizara o gasto de quinze contos
para a emancipação de cem crianças de peito, dando preferência às
do sexo feminino, e uma lei melhorada do mesmo tipo foi aprovada
em 1870. Neste mesmo ano, com o “nascimento livre” sob conside-
ração maior na capital do Império, clubes emancipacionistas apare-
ceram nas cidades provinciais de Baturité e Sobral, tal como também
havia acontecido em diversos pontos de outras partes da nação. 28
Todavia, a existência do mercado do sul e a apatia da maior
parte do Brasil sobre a questão da escravatura foram obstáculos a
um surto significante de abolicionismo no Ceará após a passagem
da Lei Rio Branco. Tal como no resto da nação, esta província do
norte manteve-se silenciosa sobre a questão da escravatura entre
1871 e 1879, enquanto, das praias de sua capital, cativos eram leva-
dos regularmente para os navios, que os aguardavam, nas primitivas
jangadas, barcos à vela com o fundo chato, usados na sua origem
pelos índios e, depois, por gerações de pescadores nordestinos —
o único meio prático de carregar mercadorias para navios ancorados
ao largo da costa. Antes de 1879, com milhares de pessoas famintas
e desesperadas migrando do interior para a capital provincial, com
dezenas de milhares morrendo de doença e de fome nas favelas

28 Cearense, F ortaleza, 30 de abril de 1879; Duque-Estrada, 4 abolição,


página 111. Um anúncio no Cearense (22 de novembro de 1878) oferecia
100 milreis pela devolução de uma mulher de 22 anos. Outro no jornal
Pedro II (31 de outubro de 1878) oferecia 50 mil-reis pelo regresso de
um homem e uma quantia extra de 150 mil-reis se ele fosse encontrado
fora da província.
24 Tristão de Alencar Araripe, O Ceará no Rio de Janeiro
(Fortaleza,
página 26. ,
1884)
,
25 Kidder, Sketches, II, 225.
26 Girão, 4 abolição no Ceará. páginas 53-60.

214
suburbanas, não havia quaisquer protestos significantes contra o pa-
norama familiar de escravos, todos vestidos com uma roupa unifor-
me de algodão azul e acompanhados por um “corretor”, sendo le-
vados para a baía a fim de serem carregados para os navios. 7

A ASCENSÃO DO ABOLICIONISMO NO CEARÁ

Em 1879, contudo, no meio do desespero do último ano de


seca, havia indícios de um novo interesse pelos escravos. No oitavo
aniversário da Lei Rio Branco, uma pequena organização emancipa-
cionista e humanitária chamada Perseverança e Porvir, um nome
que refletia as durezas do tempo, foi criada em Fortaleza por um
grupo de jovens, quase todos eles envolvidos na vida comercial da
cidade. 2º Durante o primeiro ano de sua existência, o novo grupo
parecia ser pouco diferente dos já familiares clubes emancipacionis-
tas inaugurados de tempos a tempos nas cidades do Brasil com gran-
de fanfarra e objetivos limitados, organizando algumas reuniões,
atraindo a atenção de um jornal liberal local e, depois, desaparecen-
do da vista de todos.
No final de 1880, porém, os membros da Perseverança e Porvir
decidiram formar uma nova organização dedicada não só ao eman-
cipacionismo, mas também à abolição — assim, a 8 de dezembro,
a sessão de fundação da Sociedade Cearense Libertadora foi reali-
zada com a cooperação do presidente provincial, André Augusto
Pádua Fleury. “As senhoras e cavalheiros mais distinctos da socie-
dade cearense, sem distincção de partidos, assistiram à brilhante
festa,” disse um relato na Gazeta da Tarde, provando que, no Ceará,
o abolicionismo era aceitável para uma grande parte da classe go-
vernante. 2º
A primeira conferência pública no Ceará assemelhou-se às que
ainda eram organizadas semanalmente no Rio de Janeiro. Discursos
foram proferidos, poemas recitados, contribuições arrecadadas, jura-
mentos de dedicação ao abolicionismo recebidos com fervente aplau-
so e escravos foram cerimoniosamente libertados. “Todos os discur-

27 Ibid., página 63.


28 Libertador, Fortaleza, 28 de setembro de 1881; Gazeta da Tarde, 24 de
março de 1884; Girão, 4 abolição no Ceará, páginas 63-66.
29 Girão, 4 abolição no Ceará, página 81; Libertador, 1 de janeiro de
1881; Gazeta da Tarde, 24 de março de 1884.

215
sos eram terminados no meio de aplausos gerais, unidos às harmonias
das bandas militares da Polícia e do 15.º Batalhão, que tocavam
no salão próximo.” ºº Isto não era uma conspiração revolucionária,
mas sim uma reunião pública de ricos e distintos membros da socie-
dade cearense, apoiada pela polícia, o exército nacional e as mais
altas autoridades, com todos os presentes agindo em consegiiência
da rápida mudança das condições locais e nacionais. No primeiro
dia de 1881, o primeiro número do jornal Libertador, órgão da So-
ciedade Cearense Libertadora, apareceu em Fortaleza, sendo dedi-
cado ao abolicionismo com o apoio da maioria da imprensa con-
vencional de Fortaleza. 31
A aprovação da lei de São Paulo para restringir a entrada de
escravos nessa província ajudou a provocar acontecimentos ainda
mais surpreendentes no Ceará. Na tarde de 26 de janeiro, cinco dias
depois do projeto de São Paulo ter passado e no dia seguinte à sua
transformação oficial em lei, José do Amaral, presidente da Perse-
verança e Porvir, tentou convencer um negociante de escravos a
libertar um grupo de escravos comprado recentemente do interior,
evidentemente com base no fato de seu valor ter diminuído de
certo modo devido à perda de seu principal mercado, a província de
São Paulo. Não conseguindo convencer o negociante, Amaral, en-
tão, segundo foi alegado, concebeu a idéia de fechar o porto do

80 Girão, 4 abolição no Ceará, páginas 75-82.


81 Libertador, 1 e 15 de janeiro de 1881. O Libertador ridicularizou os
Jornais Pedro II e Gazeta do Norte, dois órgãos da imprensa que conti-
nuavam publicando anúncios para a devolução de fugitivos, com uma paródia
do anúncio típico de escravos:
Sustentam o captiveiro
Para lerem annuncios neste gosto,
Que nos abatem ante o estrangeiro,
E fazem o rubôr chegar ao rosto:
Fugio do Alagadiço
O escravo José,
Fulo, de 40 annos, que quando anda
Arrasta muito o pé
Do qual partio um osso.
Natural de Loanda;
Tem marcas de chicote, e no pescoço
Levou a gargalheira,
Dá-se trinta mil reis e não mais
Ao paysano ou soldado
Que leval-o a rua do Aquiraz
Numero 14, sobrado.

216
Ceará ao tráfico de escravos de modo a diminuir ainda mais os
lucros dos negociantes. 2
Nessa mesma noite, num teatro de Fortaleza, no intervalo dos
atos de uma peça, Amaral e um companheiro ganharam a aprova-
ção do público para um plano cuja intenção era forçar uma proibi-
ção da exportação de escravos do Ceará. 3 O presidente da orga-
nização Perseverança e Porvir também obteve o apoio de dois an-
tigos escravos, líderes populares dos trabalhadores do porto, cujos
nomes não tardaram a ser publicados nos jornais do Rio de Janeiro.
Estes eram os jangadeiros Francisco José do Nascimento, o piloto
do porto, que veio a ser conhecido como “o lobo do mar” ou “o
dragão do mar”, e José Napoleão, um líder dos jangadeiros, famoso
por se ter libertado juntamente com membros de sua família. 24
Na manhã seguinte, 27 de janeiro, o navio mercante Pará che-
gou a Fortaleza, vindo do norte, para embarcar um carregamento
de escravos. Mas, antes destes poderem ser levados para bordo, José
do Amaral e seus seguidores encontraram-se com os jangadeiros na
praia, abaixo da cidade, e conseguiram convencê-los de que trans-
portar escravos para os navios era degradante para sua profissão.
Em resposta, os jangadeiros, trangiilizados por seus líderes, recusa-
ram carregar o Pará. Com esta decisão, o comércio de escravos que
durante tanto tempo florescera em Fortaleza chegou a seu fim.
A notícia da greve na praia espalhou-se pela cidade e cerca de
mil e quinhentas pessoas depressa se reuniram no porto. Enquanto
o número dos presentes aumentava, um grito ergueu-se espontanea-
mente em resposta às fúteis tentativas dos negociantes de escravos
para convencer os jangadeiros a carregar sua propriedade. “No porto
do Ceará,” começou o grito, que logo se transformou num canto,
“não se embarcam mais escravos!” 35
O jornal Libertador afirmou a completa espontarieidade do
lema. “Não se sabe mesmo quem primeiro o proferisse,” disse esse
jornal abolicionista mais de uma semana depois dos acontecimentos

32 Gazeta da Tarde, 24 e 25 de março de 1884. Paula Beiguelman anotou


que as leis antitráfico de escravos das províncias do centro-sul estimularam
o movimento abolicionista no Ceará, mas não revelou a imediação das re-
percussões no norte. he
B3 Acta da sessão magna que celebrou a associação Perseverança e Porvir
em 20 de Maio de 1888 pela extincção do elemento servil no Brazil (For-
taleza, 1890), página 19; Girão, 4 abolição no Ceará, página 91.
84 Gazeta da Tarde, 24 e 25 de março de 1884: Gazeta do Norte, 28 de
janeiro de 1881. EE
Si Gazeta do Norte, 28 de janeiro de 1881.

217
no porto. “Era uma idea que estava em todas as intelligencias, um
sentimento que brotava em todos os corações.” Os negociantes de
escravos tinham recorrido a todos os expedientes, “offerecimentos,
promessas, suborno, ameaças”, mas tudo foi em vão. Quando lhe
pediram que ajudasse os negociantes de escravos, a polícia também
se recusou a cooperar, com base em não poderem usar da força para
obrigar os jangadeiros a realizarem um serviço que eles considera-
vam repugnante. Mais tarde, contudo, quando se soube por um pas-
sageiro do Pará que havia a bordo do navio uma mulher que afir-
mava ser livre, a polícia ajudou-a e a mais cinco escravos à desem-
barcarem, provavelmente a bordo de uma jangada. Antes do
final
do dia, o Pará partiu de Fortaleza com apenas parte de seu carre-
gamento, com a demonstração continuando na praia e uma onda
de manumissões tendo lugar na cidade, por cima do porto.
36
Com a chegada, três dias mais tarde, do vapor Esp
írito Santo,
a luta prosseguiu. Desta vez, um carregamento de
trinta e oito es-
cravos fora levado para o porto a fim de ser transpor
tado para O
sul, mas os jangadeiros, que tinham, desde então, decidi
do em reu-
niões públicas manter sua greve, recusaram-se de novo a tra
nspor-
tar escravos. Então, segundo relatado, mais de três mil
pessoas jun-
taram-se na praia, gritando o novo lema do abolicionism
o: “No por-
to do Ceará, não se embarcam mais escravos!” Os negociante
s de
escravos tentaram uma vez mais levar seu carregamento par
a bordo,
tendo mesmo comprado jangadas, mas não encontrando qu
em as
tripulasse, oferecendo subornos (chegando mesmo a um
conto para
o transporte de cada cinco escravos), apelando para
o exército, que
se limitou a enviar uma pequena força para a praia a fim de manter
a ordem. Nem um só escravo foi levado para bordo do Espírito San
to
em 30 de janeiro e, nessa mesma noite, houve festividades em For-
taleza, com os celebrantes gritando elogios aos “homens do mar.” 37
Com estes sucessos, o abolicionismo transfor
mou-se, no Ceará,
num movimento das massas, ameaçando a escr
avatura na totalida-
de da nação. Menos de dois meses ap
ós essas vitórias na praia, com
o comércio de escravos já terminado no Ceará,
uma celebração pú-

B6 Ibid.; Gazeta da Tarde, 24 e 25 de março de 1881; Libertador, 7 de


fevereiro de 1881.
B7 Gazeta do Norte, 28 de ianeiro de 1881: Gavo! To dê
março de 1884; Libertado
G Or
areta dn Tarde. 24 e 25
do mar — O
de fevereiro de 1881: Edmar Morél, Dragão
jangadeiro da abolição (Rio de Janeiro, 1949). página 74.

216
tração, enquanto os trinta e cinco desfilavam pela cidade até o Pas-
seio Público, uma praça frente ao mar. Um dos escravos (segundo
uma descrição no jornal Libertador) carregava uma bandeira aben-
coada pelo padre abolicionista, o Padre João Augusto da Frota. Fo-
guetes explodiam e bandas militares tocavam quando a multidão en-
trou na praça, que estava decorada com bandeiras, tapetes de flores
e arcos triunfais.
Depois de os escravos terem chegado ao interior de um teatro
vizinho, discursos e poemas foram recitados com os aplausos habi-
tuais e a execução do hino da Sociedade Cearense Libertadora por
duas bandas militares foi recebida com um verdadeiro delírio. O re-
presentante dos trinta e cinco escravos ofereceu “a bandeira da li-
berdade” aos líderes da sociedade abolicionista, com cada um dos
escravos recebendo, então, uma carta de emancipação. “Vitimas de
impetuosa sensação de alegria...” narrou o relato do Libertador,
“alguns libertandos pareciam desmaiar ao contacto deslumbrante da
liberdade.” A emancipação de trinta e cinco escravos, todos de uma
vez, foi Interpretada como um sacrifício que, até então, só os aboli-
cionistas do Ceará haviam feito. “De todas as sociedades abolicio-
nistas do Império,” foi anunciado, “nenhuma fizera tanto em pro-
víncias mais ricas: a própria côrte estava abaixo do Ceará.” 38
O sucesso do movimento cearense causou receios no governo
central e nos políticos do sul que tinham pensado poder controlar o
abolicionismo do norte ao aumentar o compromisso da região para
com a escravatura. Uma semana depois da gigantesca demonstração
abolicionista de 25 de março, o presidente provincial, Padua Fleury,
um oponente da escravatura, foi substituído pelo Senador Leão Ve-
loso, da Bahia, um político sem qualquer simpatia conhecida pela
causa abolicionista. Em 1881, o Ceará também teve um novo chefe
da polícia, Torquato Mendes Viana, que depressa provou ser um
inimigo do abolicionismo.
Todavia, o choque entre as novas autoridades e a população do
Ceará foi adiado durante meses, enquanto o movimento continuava
aumentando, e até mesmo o próprio governo provincial tomou cer-
tas medidas para controlar e limitar a escravidão dentro da pro-
víncia. Em meados de 1881, sociedades de libertação apareceram em
seis cidades provinciais, incluindo Fortaleza. No início de junho, o
presidente provincial ordenou a diminuição dos preços dos escravos
a serem libertados pelo fundo de emancipação em reconhecimento

68 Libertador, 3 de abril de 1881; Girão, A abolição no Ceará, 97-107.

219
do reduzido valor do mercado de escravos na província. %º Em agos-
to, Leão Veloso decretou um pesado imposto sobre cada escravo
que entrasse no Ceará e uma taxa de 50 mil-reis sobre cada escra-
vo transportado de um município para outro com o propósito de
venda, Ҽ
No início de agosto, contudo, uma nova hostilidade começou de-
senvolvendo-se entre os abolicionistas e o palácio presidencial. Nessa
data, já se tornara aparente que os baixos preços dos escravos, no
Ceará, haviam despertado a cobiça dos especuladores, que viram uma
oportunidade para obterem lucros no mercado de Belém, Pará, onde
a procura de escravos continuava forte mesmo depois de o comércio
ter terminado em outros portos do norte e para o qual todos os
vapores ainda transportaram escravos até 1882. “1
Os interessados em reabrir o porto de Fortaleza ao comércio
de escravos incluíam o novo chefe da polícia, Mendes Viana, que,
em 30 de agosto de 1881, apareceu na praia com uma ampla força
policial para assegurar o embarque de escravos no vapor Espírito
Santo, um dos dois navios envolvidos na primeira demonstração, em
janeiro do mesmo ano. Os abolicionistas responderam no seu habi-

O
-—
tual estilo dramático. Um panfleto intitulado “Corra Sangue!” apa-

— ——-
receu nas ruas da cidade, incitando os defensores do abolicionismo
a morrerem com honra de preferência a permitirem que o porto
do Ceará fosse infamado por uma nova exportação de escravos. O
governo, afirmaram os abolicionistas mais tarde, estava tentando
embarcar escravos de Fortaleza num esforço para restabelecer o
valor da propriedade escrava na província. *
Os líderes da Sociedade Cearense Libertadora fizeram mais do
que publicar panfletos. Enquanto cerca de seis mil pessoas se reu-
niam na praia, cantando seu lema, e o inspetor da alfândega tentava
convencer o chefe da polícia a desistir, face à ameaça popular, duas
jovens escravas compradas para o mercado de Belém foram “rapta-

Sº O preço médio das libertações no Ceará por meio da primeira quota


do fundo de emancipação era de 437 mil-reis, mas depois da greve
dos
jangadeiros, a “quarta distribuição de fundos libertou
escravos, no Ceará, a
um preço médio de 85 mil-reis, cerca do equivalente de 37 dólares ameri-
canos ao tempo. Carta de Trail à Frelinghuysen, Rio de Janeiro,
maio de 1884, Papers Related to the Foreien Relati 21 de
radio s
1 de dezembro de 1884, página 30. reign Relation of the Unite
40 Libertador, 7 de junho e 26 de agosto de 1881.
“1 Diário do Gram Pará, citado pela Gazeta da Tarde, 20 de julho de 1882.
4 Manifesto da Sociedade Cearense Libertad :
(Fortaleza, 7 de setembro de 1881). ora ao Governo e ao Paiz

220
das” numa carruagem por um grupo de abolicionistas, incluindo ale-
gadamente o “dragão do mar”, Francisco José do Nascimento. 42
O resultado do incidente na praia foi revelado num telegrama
de José do Amaral para Joaquim Nabuco:

Os negreiros tentaram hontem embarcar escravos para o Nordeste. Os abo-


licionistas evitaram, não obstante a intervenção directa da força armada.
Não houve desordem. Grande movimento abolicionista aqui. O Presidente
suspendeu o Guarda-mor e outros empregados da Alfândega. Outros fun-
cionarios estão ameaçados de suspensão.

No mesmo dia, o Dr. Frederico Borges, vice-presidente da So-


ciedade Cearense Libertadora e promotor público em Fortaleza, clas-
sificado como um provocador no relatório do chefe da polícia, tele-
grafou para o Rio anunciando sua demissão forçada “por achar-me
com os sócios da Libertadora em bem da honra do nome cearense,
evitando o embarque infamante dos escravos.” Em consegiiência do
choque de 30 de agosto, o governo vingou-se em membros das forças
armadas e também dos serviços públicos, incluindo Francisco do
Nascimento, que perdeu sua posição como piloto do porto. 4º O pró-
prio jornal Libertador suspendeu praticamente sua publicação depois
dos acontecimentos de 30 de agosto, reaparecendo no décimo aniver-
sário da Lei Rio Branco, outra vez em dezembro, mas não de novo
durante os primeiros dez meses de 1882.
Na capital do Brasil, de fato, pouco mais se voltou a ouvir
sobre a Sociedade Cearense Libertadora antes de novembro de 1882,
embora telegramas dessa organização publicados na Gazeta da Tarde
no começo de junho se referissem à supressão pelo governo e a uma
ameaça de exterminar o movimento abolicionista no Ceará. & Os
abolicionistas do Rio, incluindo José do Patrocínio, manifestaram
sua solidariedade numa resposta telegrafada, mas o movimento no
Rio também se encontrava quase impotente em meados de 1882,
aparentemente apenas capaz de fazer pouco mais do que sobreviver
após seu quase colapso em 1881.

43 Ver o relatório de Mendes Viana do dia 31 de agosto de 1881, in Morél,


Dragão do mar, páginas 82-85; e a descrição de Girão dos acontecimentos
de 30 de agosto em A abolição no Ceará, páginas 115-121.
44 Girão, 4 abolição no Ceará, páginas 110-111; Morél, Dragão do mar,
páginas 80-81: Gazeta da Tarde, 1 e 2 de setembro de 1881.
45 Gazeta da Tarde, 8 e 9 de junho de 1882.

221
Ceará é o herói da Abolição;
São Paulo é o castelo forte
do hediondo escravagismo.

JOSE DO PATROCÍNIO
na “Gazeta da Tarde”, 31 de maio de 1883

12

O MOVIMENTO ABOLICIONISTA:
SEGUNDA FASE

UMA CALMA CONSTRANGIDA

— À EXCEÇÃO do Ceará, pouco houve para encorajar os abolicio-


nistas durante a maior parte de 1882. Em janeiro, o Imperador fora
particularmente cauteloso, na Fala do Trono, para inaugurar o mi-
nistério de Martinho Campos, um conhecido escravocrata de Minas
Gerais,> que
que governou, alegadamente, sem um programa, mas com
aversão óbvia pelos abolicionistas. Sucedendo a Martinho Campos,
em julho, o
O Viscond e de Parana guá prometeu apressar a transição
para um sistema de trabalho
EM C ani E livre através da expansão do fundo de
bio a “Mm Imposto sobre as vendas de escravos e uma proi-
daria dao ento de escr avos de prov ínci a para prov ínci a. ! To-
Um edifo s dão alTE o no poder, ele nada realizou.
liciaeonismo em agosto: Tnal fhe Rio News de screveu a situ ] açãoão do abo -

re nunca como os abolicionistas foram


ultimas eleições. Os mais ativos e enér-

Il Rio
: News, 24 de janeiro d a aid
páginas 191-192. e 1882; Organizações e programas ministeriais,

222
gicos líderes dos movimentos foram vencidos esmagadoramente nessas eleições,
a sociedade antiescravista de que tanto se esperava deixou de existir e O
movimento foi quase totalmente esmagado. Algumas sociedades construídas
sobre bases sociais ou locais continuaram existindo, mas seu trabalho tem
sido espasmódico e de pouca influência fora das próprias organizações. Na
Assembléia Geral, onde o trabalho, em grande parte, deve ser realizado,
parece não haver um só abolicionista digno desse nome. 2

Joaquim Nabuco analisou as causas do declínio do movimento


depois de sua breve, mas exultante fase em 1880. A escravatura be-
neficiava-se do apoio da “maior parte das forças sociaes constituí-
das...”, explicou ele. Controlava a terra, dominava a população
rural, dirigia o comércio e o capital e comandava “uma clientela
formidável de todas as profissões, advogados, médicos, engenheiros,
clérigos, professores e empregados públicos...” E, contudo, esta
aparência de poder, acrescentou Nabuco otimisticamente, era uma
mera sombra. A oposição à escravatura estava aumentando e teria
seu impacto sobre o governo, que ficaria muito feliz por ver seu fim
“se não fossem os districtos de café nas províncias de São Paulo, Mi-
nas e Rio de Janeiro”. Era apenas uma questão de tempo, previu
ele, antes da consciência nacional forçar o governo a agir
contra
a escravatura, tal como o fizera em 1871. 3
Os principais acontecimentos abolicionistas de 1882, fora da
Assembléia Geral, foram poucos, mas significantes. Em 21 de maio,
o Centro Abolicionista Ferreira de Menezes foi organizado no Rio,
com os habituais números artísticos, discursos e manumissões, para
substituir os defuntos clubes abolicionistas, mas nunca conseguiu
al-
cançar a importância das primeiras organizações abolicionistas ou a
da poderosa Confederação Abolicionista, que o absorveu em 1883.
Em julho de 1882, os abolicionistas do Rio vendiam rifas para reunir
dinheiro para um fundo local de emancipação, a “Caixa Emancipa-
dora José do Patrocinio”. Antes da morte de Luiz Gama, em agosto,
um delegado da Gazeta da Tarde viajara para São Paulo, onde fun-
dara o Centro Abolicionista de São Paulo, criando uma pequena pu-

2 Rio News, 24 de agosto de 1882. Em novembro de 1882, Nabuco es-


crevera de Londres sobre a necessidade da Sociedade Brasileira Contra a
Escravidão se reunir pelo menos uma vez por mês, pois mesmo que contasse
apenas com sete ou oito membros, ele estava determinado a não vê-la
morrer. Carta de Nabuco a Gusmão Lobo, Londres, 12 de novembro de
1882, Cartas a amigos, I, 83.
ê Nabuco, O Abolicionismo, páginas 215-219.

223
blicação de propaganda, conhecida pelo nome de Ça Ira, com a co-
laboração de membros locais. “
Estas ocorrências talvez estejam ligadas à grande revolta de
escravos deflagrada na província de São Paulo em novembro, um
acontecimento que provocou comentários irados por parte dos fa-
zendeiros e da imprensa de São Paulo e do Rio e que era uma indi-
cação que os abolicionistas, frustrados no seu uso de processos le-
gais, já estavam trabalhando na clandestinidade entre os escravos,
particularmente na província-chave de São Paulo. Alguns meses
antes, um agente britânico, observador a serviço dos interesses do
café do Ceilão, afirmara publicamente que os abolicionistas pode-
riam entrar facilmente nos alojamentos dos escravos, nas fazendas,
para informá-los de que não havia força alguma que pudesse
impe-
di-los de ganharem sua liberdade e de “incendiarem” toda à nação.
A polícia e o exército eram inteiramente. inadequados para domin
ar
uma revolta generalizada dos escravos, acreditava o mesmo
autor, e
o governo não se preparara para uma tal possibilidade. “Uma rebe-
lão de escravos,” acrescentou ele, “não pode acontecer se não houver
uma influência de fora das fazendas agindo sobre os espíritos dos
escravos.” 5 :
Foi, talvez, por terem a consciência destes fatos que os fazen-
deiros reagiram quase em pânico ante as notícias sobre a revolta. O
Diário do Brasil, um franco defensor da escravatura, descreveu o
levante com alarme, relatando que, depois de terem ocupado a fa-
zenda, os escravos tinham-se dirigido para a cidade de Campinas,
matando seis pessoas no caminho antes de se renderem à polícia. “A
mor parte delles ostentava o maior cynismo,” afirmou esse jornal,
“e narravam todos os factos com sangue frio admiravel.” 8 Os
gru-
pos pró-escravatura viram a revolta como um sinal para ação
e re-
pressão. O Club da Lavoura de Campinas, a cidade onde os escrav
os
se haviam rendido, fez uma petição ao presidente provincial
e ao
Ministro da Justiça no sentido de tomarem medidas para garantir
a segurança dos fazendeiros, incluindo um aumento da força de se-
gurança pública e o fornecimento de carabinas à polícia auxiliar.
“A vista do muito grave e deplorável acontecimento,” disse o Diá-
Fio do Brasil, “...não será tempo de reagir vigorosamente contra
a insensata e funesta propaganda abolicionista?” 7 O jornal
Opinião

4 Gazeta da Tarde, 22 de maio e 1 de junho de 1882; Duque-Estrada,


A abolição, página 91. A
6 Blacklaw, “Slavery in Brazil”, EpaSea, q
S Diário do Brasil, 8 de nove
mbro de 1882,
7 Ibid.

224
Liberal de Campinas advertiu: “Já não é possivel mais illudir a opi-
nião publica... que no seio do paiz existe um grupo faccioso e dis-
posto aos maiores excessos, coberto com a sympathica bandeira da
emancipação, mas cujos fins são a destruição dos elementos conser-
vadores da sociedade.”8
Dando sua própria descrição da revolta, o editor do Rio News
também suspeitou de que os rebeldes tivessem sido influenciados por
elementos alheios à fazenda. Os escravos tinham mostrado indícios
de resistência antes da luta começar, afirmou o jornal americano,
e cerca de trinta homens armados haviam, depois disso, atacado
seus alojamentos com a intenção de capturar seus líderes. Armados
e com comunicações cavadas entre suas cabanas, os escravos tinham
repelido o ataque, matando um e ferindo vários dos assaltantes.
Conscientes de sua situação, setenta e três homens, mulheres e cri-
anças haviam marchado, então, em direção a Campinas para se
renderem, gritando saudações à emancipação e ao republicanismo no
caminho. Para o Rio News, a “revolta” pareceu ter sido deliberada
e bem organizada. Os escravos tinham combatido bem, “mesmo con-
tra números iguais da raça dominante...” Mais significante, ainda,
haviam exibido uma inesperada compreensão dos acontecimentos po-
líticos. A luz destes fatos, o jornal americano concluiu, “os fazen-
deiros poderão muito bem interrogarem-se sobre como foi possivel,
para estes escravos, prepararem-se tão bem para um levante e como
é que lhes foi dado obter essas ideias de emancipação e governo.
E talvez não seja uma perda de tempo averiguar até que ponto,
exactamente, essas ideias se estenderam entre os escravos.” ?
A revolta dos escravos perto de Campinas talvez tenha sido es-
pontânea, mas a verdade é que, para os fazendeiros e seus simpa-
tizantes, parecia ser uma prova de que os abolicionistas estavam
preparando secretamente atos de destruição ainda mais prejudiciais
para a sociedade estabelecida. Na realidade, exatamente nesse pe-
ríodo, José do Patrocínio, já então o líder nacional reconhecido de
todo o movimento abolicionista, planejava um novo ataque à escra-
vatura no seu ponto mais débil: a inquieta província do Ceará.

8 Citado por ibid., 22 de novembro de 1882.


? Rio News, 15 de novembro de 1882.

225
A DESTRUIÇÃO DA ESCRAVATURA NO CEARÁ

Em OUTUBRO, Patrocínio, então conhecido como o “Marechal


Negro” ou “o tigre da Abolição”, partiu do Rio para o norte no
vapor Ceará, fazendo escala na Bahia e em Pernambuco e, por fim
,
desembarcando numa jangada na praia de Fortaleza, Depois
de tri-
unfante recepção no porto, que incluiu uma frota de jangadas com
o
escolta, Patrocínio foi recebido na praia por Francisco José do
Nas-
cimento. “Então, companheiro,” foi a primeira pergunta que
dizem
que ele fez ao jangadeiro, “o porto está mesmo bloqueado?” — ao
que Nascimento respondeu que não havia força no mundo que pu-
desse reabrir o porto do Ceará ao tráfico dos negociantes de escra-
vos. 1º
A estada de Patrocínio no Ceará, que durou mais de três mes
es,
coincidiu com a fase inicial de um programa sistemático de
liber-
tação através de concentração em áreas geográficas: em ruas,
bair-
ros de cidades, vilas, municípios, capitais provinciais e, finalmente,
províncias. 11 Talvez concebido por Patrocínio, o novo sistema, mai
s
tarde usado em todo o Império, focalizou-se primeiramente no mu-
nicípio de Acarape, escolhido em virtude de sua acessibilidade por
estrada de ferro, de Fortaleza, e por sua pequena população escra-
va. *” No primeiro dia de 1883, com Patrocínio por perto, Acarape
foi declarada livre depois de apenas algumas semanas de esforços
concentrados, precipitando uma avalanche de manumissões que afe-
taram comunidades em toda a província. No início de fevereiro de
1883, com Patrocínio já a caminho do Rio, mais dois municípios
cearenses foram declarados sem escravos. 13 Cerca de meados do
mês, a Gazeta da Tarde registrou o extraordinário progresso do abo-
licionismo no Ceará e previu um rápido fim da escravatura nessa
província. “Por todos os municípios”, relatou o jornal, “or
ganizam-se
associações philantropicas, centros emancipadores; para
todos os
pontos são enviados pela Libertadora Cearense emissarios com
o fim
de acelerar o espirito emancipador.
..”
ms gioso. Uma simples proclamação era su-
ficiente para acionar uma localidade. “As adhesões chovem de to-
no Gazeta da Tarde, 10 e 19 de ou
tubro e l e 12 de dezembro de 1882;
Girão, 4 abolição no Ceará,
11 Ver Duque-Estrada, páginas 131-132.
4 abolição, página 112.
I2 Girão, 4 abolição no Cear á, ná à
1872, havia 11.725 pessoas livres "e apenas "145 EUNdo O recenseamento d
Acarape. Recenseamento da população, IV fino no município
: e a en * a de

18 Gazeta da Tarde, 3 de fevereiro de 1883.

226
dos os lados,” disse a Gazeta, “forma-se logo um nucleo libertador,
e d'ahi a momentos está fundada uma nova sociedade, assignalan-
do-se o seu nascimento por um punhado de libertações.” /4 Muitos
escravos estavam sendo libertados voluntariamente e sem compensa-
ção ou, então, por subscrição popular quando seus donos pediam
pagamento. “O entusiasmo que jorra do movimento,” escreveu o
Rio News cerca do final de fevereiro, “tem sido algo de maravi-
lhoso, pois tem abrangido todas as classes e estendeu-se por todas
as partes da província. Centenas de escravos têm sido oferecidos às
várias sociedades de libertação pelo preço nominal de 50$000 e
1004000 cada e as sociedades aceitam os mesmos tão rapidamente
quanto as receitas das subscrições o permitem... Em forte contras-
te,” acrescentou o jornal americano, “lamentamos anotar os resul-
tados dilatórios verificados na província de São Paulo.” Na pobre
província do Ceará, cena de uma terrível seca e de fome apenas
alguns anos antes, “os escravos estão sendo libertados por quantias
quase nominais e, principalmente, através do trabalho voluntário e
espontâneo da própria população. Em São Paulo, não só não há en-
tusiasmo, como também parece haver uma oposição decidida à
emancipação.”15
Tal como em 1881, o governo central tentou desencorajar o
fervor abolicionista dos cearenses. Em meados de fevereiro, depois
do 15.º Batalhão do Exército, estacionado em Fortaleza, se ter de-
clarado uma sociedade abolicionista, o Ministro da Guerra ordenou
que essa unidade fosse transferida para o Pará, substituindo a guar-
nição do Ceará pelo 11.º Batalhão de Belém. O governo central to-
mou esta inusitada medida apesar da afirmação dos oficiais no sen-
tido de que um telegrama do Imperador felicitando a Sociedade Cea-
rense Libertadora pelo seu sucesso na libertação da Acarape os mo-
tivara a converter seu batalhão numa sociedade abolicionista.l8 Mais
tarde, nesse mesmo mês, os abolicionistas do Ceará enviaram tele-
gramas para o Rio contando as ameaças do governo e a desafiadora
libertação de mais 228 escravos em vários municípios. Alguns dias

lá TIbid., 13 de fevereiro de 1883.


15 Rio News, 24 de fevereiro de 1883. (Com respeito a São Paulo, o
Rio News acrescentou: “No intervalo entre a última e a atual Assembléia
Geral houve apenas 23 escravos libertados e estes a um custo de 21:238$000.
São Paulo tem uma população escrava de 174.722, maior do que a de
Pernambuco ou da Bahia; apesar disso, enquanto essas duas províncias
libertaram respectivamente 1.400 e 1.000 escravos através do fundo, São Paulo
caiu consideravelmente abaixo do total menor...”
16 Gazeta da Tarde, 14 e 22 de fevereiro de 1883.

227
mais tarde, foram “cercados de um apparato bellico assombroso,
Temos, na província, dois batalhões; no porto, o transporte Purus
e a corveta Trajano.” A resposta a esta “provocação” foi a liberta-
ção de 200 escravos em Icó (onde, na década de 1870, só existiam
785) e um anúncio da esperada libertação total da cidade de Batu-
rité em 25 de março. No dia 7 desse mês, os homens do 15.º Bata
-
lhão embarcaram para o Pará, tendo havido cerca de quinze
mil
pessoas na sua despedida. A ovação foi extraordinária, segund
o um
telegrama de Fortaleza, mas, contrariamente às expectativas
do go-
verno, a ordem foi mantida durante todo o dia, 17
No início de maio, a campanha para libertar Fortaleza já come-
çara, com os abolicionistas dedicando-se sistematicamente,
na cida-
de, a bairro por bairro e casa por casa, localizando
cada escravo e
seu dono e comprando sua liberdade ou persuadindo
o proprietário
a libertá-lo sem compensação — em Fortaleza, já
não se tratava de
uma grande perda financeira. Em 7 de maio, a Rua
do Major Fa-
cundo, localização do quartel-general da Sociedade
Cearense Liber-
tadora, já não tinha escravos e, em 24 de maio,
a capital estava
inteiramente livre depois de apenas algumas semanas
de esforços con-
centrados. 18 Uma importante cidade brasileira
— a primeira —
ficara inteiramente sem escravos, mas outras depressa
igualariam essa
proeza, à medida que o abolicionismo se espalhava pela
s partes mais
vulneráveis do país.
Nos meses seguintes, no Ceará, houve pouco mai
s resistência
ao movimento. Todos os jornais, com a exceção
do Cearense, “libe-
Tal”,
apoiavam o movimento, 1º tal como a maioria
da população.
Num esforço para persuadir os poucos que ain
da possuíam escravos
a aceitarem o julgamento popular, a Assembléia
Provincial aplicou
um imposto de 100 mil-reis a cada escravo ainda
existente no Ceará
e uma cobrança de um conto e meio à cada
escravo exportado. Isto,
ao que pare cia, era um reconhecimento oficial de que
o porto do
ado ao comércio de escravos e, ainda ma
is
abolição de escravatura na província, já
que
ra mais do que o preço médio que os
donos
comissões abolicionistas por seus es
cravos, 2º
17 Ibid., 22 de fevereiro, 6 e 7 de março
laç
18
ão, TV, 172 173 . ae
de 1883: R
a
eamento
cação da popu-
Gazeta da Tarde, 8 de maio e Dude
10 Annaes da Camara (1883), v, 104, oYembro de 1883.
20 Relatorio com que o Exm. Sr. Dr. Satyro
administração da provincia ao de Oliveira Dias passou a
2º Vi
Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly ce-Presidente Exm. Sr. Commendador
1884), página 28; Rio News, 15 de noNovediambro31 deHE ane maio de e 18841884 (Fort
(For ta aleza,

228
Em meados de fevereiro de 1884, vinte e cinco dos cingienta
e sete municípios do Ceará estavam já livres de escravos e à com-
pleta emancipação da província fora prevista para 1 de junho. Me-
nos de três semanas mais tarde, a data da libertação total foi adian-
tada para 25 de março, o 60.º aniversário da Constituição Imperial.
No dia 16 desse mês, o Jornal do Commercio, chamando a atenção
para essa data meta, anunciou que a população escrava do Ceará
já se limitava a apenas dezesseis municípios, dois deles só com três
escravos cada. No dia 22, quase todos os escravos do Ceará já ha-
viam sido libertados e as festividades programadas para o dia 25
já tinham começado. No dia 24, os abolicionistas do Ceará envia-
ram o seguinte telegrama para o Rio:

A “Gazeta da Tarde” — Rio. Ganhamos a primeira batalha. Scientifique


ao Imperador, cujo abolicionismo respeitamos, que, apezar da perseguição
do governo, o Ceará está livre. 21

As estatísticas do Ministério da Agricultura, tão de confiança


quanto quaisquer outras, indicam a eficácia da campanha de dezes-
seis meses de libertação no Ceará. Dos 31.975 escravos registrados
nessa província depois de 1871, 2.211 já tinham morrido em 1884
e um total de 7.104 havia sido enviado para fora da província. O
saldo de 22.660 pessoas foi aceito cautelosamente pelo Ministro da
Agricultura como o número de escravos libertados, com a grande
maioria durante o frenético período verificado após novembro de
1882. “Apezar do pequeno valor da propriedade escrava na provin-
cia do Ceará,” dizia o relatório, a emancipação de todos os seus es-
cravos em tão pouco tempo foi “um facto altamente honroso para
a philantropia particular.” 22
Todavia, na realidade, a escravatura não deixara inteiramente
de existir no Ceará a 25 de março de 1884. Em fevereiro de 1886,
o Jornal do Commercio informou que ainda havia 298 escravos no
município cearense de Milagres e, mais de dois anos depois, um rela-
tório do Ministério da Agricultura, datado de um dia após a abolição
da escravatura brasileira, colocou a população cativa do Ceará em
108. 23 Contudo, os acontecimentos nessa província do norte foram

21 Rio News, 15 de fevereiro de 1884; Gazeta da Tarde, 4, 22 e 25 de


março de 1884; Jornal do Commercio, 16 de março de 1884.
22 Relatório do Ministério da Agricultura, 7 de maio de 1884, páginas 183-
189. Em contraste com o número libertado no Ceará durante doze anos
e meio, o fundo de emancipação da Lei Rio Branco libertou apenas 18.900
escravos na totalidade da nação.

229
notáveis e serviram como um detonador para deflagrar uma série
de explosões abolicionistas que começariam a destruir a escravatura
desde o Amazonas até à fronteira uruguaia.

O MOVIMENTO ESPALHA-SE

AINDA muito antes da conclusão da campanha de libertação do


Ceará, os acontecimentos nessa província começaram afetando as
regiões vizinhas. Em maio de 1883, o Ceará já era um refúgio de
fugitivos das províncias vizinhas, com a área afetada espalhando-se
para fora até que a atração da “Terra da Luz”, como Patrocínio lhe
chamava, se fez sentir tão a sul quanto São Paulo. Queixas contra
os protetores dos fugitivos, no Ceará, começaram vindo de Pernam-
buco, Rio Grande do Norte e Piauí, as três províncias com
frontei-
ras com o Ceará, e os protestos depressa foram ouvidos até do
lon-
gínquo Rio de Janeiro. 2* Os abolicionistas do sul, adotando táticas
muito ousadas, particularmente depois da criação da Confederação
Abolicionista, em maio de 1883, estabeleceram secretamente uma
rota ferroviária clandestina com suas origens em São Paulo, Minas
Gerais e Rio de Janeiro e seu destino ideal no distante Ceará. Como
uma espécie de saudação pessoal à província do norte, André Re-
bouças traçou uma rota imaginária de fuga para o norte com sua
primeira estação em São Paulo no túmulo de Luiz Gama e, mais
adiante, lugares de descanso ao longo dos rios e riachos da selva
do interior, antes da chegada à nona e última estação “no Paraíso,
— no Ceará Livre.” 25 O incitamento a fazer com que os
escravos
abandonassem as fazendas não se desenvolveu em
grande escala em
1883 — conforme aconteceu em 1887 — e a rota da fuga
para o
norte não foi, provavelmente, mais do que um sonho mas, no início
de 1883, começaram aparecendo anúncios em O Cruzeiro, do Rio
de Janeiro, implicando que os escravos haviam sido
incitados a fugir
ou que estavam sendo protegidos por abolicioni
stas. 2º Mais tarde,
os abolic ionistas viriam a desenvolver esta tática em alto nível, pro-

2º Jornal do Commercio, 21 de fevereiro de 1886;


da Agricultura, Relatorio do Ministerio
14 de maio de 1888, página 24,
RA a pa fiel dades L E o News, 15 de fevereiro de 1884;
de 1883; :
Toplin, paBinant, 16; Dági t
The » Moveme Americ; an Journal, 13 de setembro
25 Ver Nabuco, Minh
26 O Cruzeiro, 17 e 21
de fever

230
porcionando aos fugitivos escoltas, certidões de liberdade falsifica-
das, esconderijos e até transporte ferroviário para as cidades. 2
No início de 1883, enquanto os brasileiros se tornavam crescen-
temente conscientes do exemplo do Ceará, o abolicionismo irrompia
de novo em vários pontos da nação. Em fevereiro, o presidente pro-
vincial de Pernambuco enviou um telegrama ao governo central pe-
dindo ajuda para enfrentar o desafio da propaganda abolicionista,
tão eficaz que, segundo foi afirmado, estava causando rebeliões mi-
litares locais. * Em Julho, um dos vários clubes abolicionistas de
Pernambuco, a Sociedade Nova Emancipadora, criara uma comissão
de emancipação para libertar a capital provincial por meio de mé-
todos lentos, calmos e legais. A mesma comissão, descontente com
o cauteloso programa do recentemente inaugurado ministério de
Lafayette Rodrigues Pereira, recomendou à Câmara dos Deputados
um programa mais radical, incluindo a libertação de homens com
mais de cingiienta anos e a completa aplicação da lei de 7 de no-
vembro de 1831 — uma política que teria eliminado virtualmente
a escravatura em todo o país. 2º
Em março de 1883, o abolicionismo já avançava muito na pro-
víncia de Goiás, a oeste, onde um importante proprietário anunciara
sua decisão de libertar todos os seus escravos dentro de dez anos
se eles continuassem a servi-lo bem durante esse tempo. Ҽ Sendo um
exemplo da “manutenção por contrato”, que depressa se tornou
muito popular em todo o Império, este ato implicou que a relação:
entre senhor e escravo já fora tão enfraquecida pela pressão pública
e pelo descontentamento entre os cativos que se tornava neces
sário-
um contrato suplementar, anulando quase de todo a antiga relaç
ão

27 Moraes, 4 campanha abolicionista, páginas 37-38; Nabuco, A4 Vida


Joaquim Nabuco, página 144,
de-
28 Gazeta da Tarde, 22 de fevereiro de 1883.
29 Annaes da Camara (1883), IV, 53. As sociedades de emancipação tinham
aparecido em Pernambuco vinte anos antes do início do movimento
aboli-
cionista nacional e, em 1879, o novo abolicionismo já se dese
nvolvera em
Pernambuco com a criação do Club Democrata, dedicado à libertação
escravos. Em 1881, o Club Abolicionista foi formado no Recife,
de-
grupo esse-
que foi instrumental na abolição dos capitães-do-mato na província
e na
supressão de anúncios de escravos fugitivos na imprensa do Recife. Em 26.
de setembro de 1881, a importante Sociedade Nova Emancipadora foi
fun-
dada no Recife e, em 1884, uma série de organizações antiescravatura já
surgira em Pernambuco. Ver Francisco Augusto Pereira Costa, “A idea
abolicionista em Pernambuco”, Revista do Instituto Arqueológico, Histórico-
e Geográfico de Pernambuco, 42 (Outubro de 1891), 262-266.
80 Tribuna Livre, Goiás, 3 de março de 1883, citado pela Gazeta de
Tarde, 21 de abril de 1883.

23 F
irrestrita. Muitos donos de escravos viriam, pouco depois, a adotar
esta política como uma solução prática para o desafio imediato do
abolicionismo, particularmente no Rio Grande do Sul, mantendo
seu controle sobre uma força de trabalho não paga durante um
período específico de tempo, dando a seus escravos um Incentivo
para seu trabalho e ganhando um certo grau de respeito público —.
tudo isso com um só ato “humanitário”. Em julho de 1884, Goiás
Já estava a caminho da libertação total, com o vice-presidente da
província e alguns importantes proprietários de terras juntando-se
à
causa com a emancipação de seus escravos, 3!
O movimento abolicionista também desenvolveu sua presença
no Pará, onde milhares de pessoas, alegadamente, se reuniram em
Belém para aplaudir o 15.º Batalhão abolicionista na sua chegada
do Ceará em 1883.º2 No final de abril do ano seguinte, com um
poderoso movimento abolicionista prestes a surgir rio acima, em
Manaus, o Club Amazonia foi fundado em Belém com o objetivo
específico de organizar a abolição da escravatura no Vale do Ama-
zonas. ** No Rio Grande do Norte, uma poderosa organização liber-
tou o último escravo na cidade de, Mossoró antes do final de 1883. 34
A cidade de Amarração, no Piauí, foi libertada no mês de julho
seguinte e, no final de setembro, com o sistema de emancipação
geográfica sendo bem sucedido de uma ponta a outra do Império,
três cidades do Paraná — Curitiba (a capital provincial), Parana-
guá (o principal porto) e Antonina — já estavam quase livres de
escravos. *º Nesta última província, três organizações abolicionistas
foram fundadas em 1883, tendo havido “grandes festas abolicionis-
tas no Teatro São Theodoro de Curitiba. Tal como em muitos ou-
tros pontos do país, os cidadãos das classes média e superior mos-
traram-se particularmente ativos, bem como o vasto setor imigrante,
composto por alemães e italianos, que manifestaram sua oposição
à escravatura através de suas organizações e jornais de língua es-
trangeira. 38
Com o regresso de Patrocínio ao Rio no final de fevereiro de
1883, a libertação sistemática da capital imperial já fora tentada, mas

Sl Ibid., 18 de agosto de 1884.


+. Morél, Dragão do mar, páginas 80-81. Na Câmara, em 1883, o Deputado
Cantão, do Pará, afirmouque o movimento na sua província se desenvolvera
quase tão bem quanto no Ceará, Ánnaes
88 Manifesto do Club Amazoni | da Camara (1883) I, 50. E
1884), páginas 17-18. nia fundado em 24 de Abril de 1884 (Pará,
Si Rio News, 15 de dezemb
So ro de 1883.
Gazeta da Tarde, ; 21
de ju
S6 TIanni, As metamorfoses do lho e 1 de ou tubro de 1884.
escravo, páginas 225.221.

232
com tão pouco sucesso que os proprietários de escravos chegaram a
sentir-se trangiúilos e até algo divertidos. %” O coração do Império
ainda não estava pronto para as soluções radicais que tinham sido
tão bem sucedidas em outros lugares, mas a Gazeta da Tarde conti-
nuava sua solitária campanha jornalística contra a escravatura, ata-
cando suas enraizadas práticas cotidianas e incitando a população a
uma maior participação.
No final de fevereiro de 1883, a Gazeta publicou a primeira de
suas paródias aos anúncios sobre os escravos fugitivos, facilmente
reconhecíveis pelo pequeno desenho de um fugitivo, caminhando
com uma trouxa amarrada a um pau colocado sobre o ombro — o
símbolo que atraiu a atenção do captor de escravos durante déca-
das. Os anúncios-caricaturas da Gazeta eram como aqueles que apa-
reciam regularmente nos jornais do Rio de Janeiro, usando as mes-
mas grosseiras descrições físicas, embora nestes anúncios fossem os
escravos que procuravam seus senhores em busca de uma compensa-
ção por anos de cativeiro injusto. Usando nomes reais de donos é
de escravos extraídos de anúncios no Cruzeiro e outros jornais, a
Gazeta procurava criar uma consciência pública da baixeza das prá-
ticas tradicionais. O seguinte exemplo publicado em 23 de fevereiro
ilustra perfeitamente o estilo:

100$000
O cidadão João, há 30 annos expoliado de seus direitos de homem livre,
presenteia, com a quantia acima, a quem lhe entregar o negreiro Luiz Gomes
de Aguiar, que residiu ou ainda reside no Campo da Gramma, logar pre-
ferido por ter magnificos pastos.
Este sujeito é alto, bem fornecido de pés e traz, como distinctivo no
pescoço, um lobinho do tamanho de um ovo de pomba.
Costuma uzar largo chapéo de feltro e tem diversos officios, sobresahindo
entre estes o de explorar seus próprios irmãos...

Segundo o mesmo anúncio, Gomes de Aguiar podia ser encon-


trado, junto com seus amigos, no Palácio Imperial. ** Ainda mais
agressivo era o seguinte “anúncio”:

87 Gazeta da Tarde, 20 de fevereiro de 1883; Rio News, 3 de maio de 1884.


88 Gazeta da Tarde, 23 de fevereiro de 1883. Este anúncio-caricatura foi
inspirado obviamente pelo seguinte anúncio, autêntico, publicado no Cruzeiro
no mesmo dia:
1008000
Fugiu da fazenda de Piabanha... o escravo João, pardo, de 30 annos,

233
Edital de Praça

Francisco Antonio da Silva, juiz da 3.º vara civil da córte, faz publico
que vão á praça os serviços dos seguintes negreiros.
Manoel Alves, casado, 4) annos, sem officio, abdomen desenvolvido
pernas grossas e olhos papudos. ,
Maria Antonio, mulher d'aquelle, gorda e forte, com leite para amamen.
tação, parida ha 6 mezes.
AÁcompanham o casal os menores, Manoel Junior de 8 annos e Ma
ria
de seis mezes, que por lei não são separados dos paes.
Aluga-se por 7 annos, os serviços desse casal para pagamento da
nisação do que devem ao homem livre João,
indem-
que os mesmos criminosamente
conservaram em captiveiro por 15 annos. 39

O MOVIMENTO É REAVIVADO NO RIO DE JANEIRO

Em MAIO de 1883, o abolicionismo, finalmente, foi


reavivado
no Rio. No início desse mês, numa reunião no Hotel Bragan
ça, João
Clapp, José do Patrocínio e o Tenente Manoel Joaquim Pereira, do
Ceará, conceberam a idéia de unirem os muitos clubes abolicion
istas
da nação numa aliança abolicionista. 4 Pouco depois dis
so, repre-
sentantes de muitos grupos abolicionistas reuniram-se na redação da
Gazeta da Tarde, onde a nova organização — chamada Confedera-
ção Abolicionista segundo a sugestão de Patrocínio — foi estabele-
cida. Em apenas três meses, a Confederação já contava com dezes-
sete clubes diferentes, representando pelo menos cinco províncias e
a capital, além de incluir as sociedades abolicionistas de duas esco-
las militares (as de Pernambuco e do Rio de Janeiro),
uma orga-
nização gráfica, uma escola médica e uma associação de comerciá-
TIOS. 41

altura e corpo regulares, pés pequenos, carrancudo, usa bigode e pêra,


tem signal de uma facada perto do estomago, um lobinho do tamanho de
um ovo de pomba no lado direito do pescoço, falta de um dente na frente
alfaiate, pedreiro, copeiro e colcheiro; levou
chapéo de copa alta, camisa de chita, calça e paletó de riscado de Petro-
Uxa; quem o levar a seu senhor Luiz Gomes
ticado comi é d mma ou à rua dos Benedictinos n.º 10, será
o quantia acima e que ici
será gratificado com 508000.
o mesmo
PoSa ue co Onicias certas! a
Sº Gaze eta da Tarde, , 24 de fevereiro d
40 João Clapp, “Relatório do estado e das
e 1883.
cionista”,
E ' Gaze! a da Tarde, 29 do Re ? ze
ia
e oli-
da Confederação Ab

* Ver Manifesto da Confederação Abolicionista, páginas 21-22,


234
Em agosto, o Manifesto da Confederação Abolicionista, escrito
por dois abolicionistas radicais, André Rebouças e José do Patro-
cínio, foi lido perante quase duas mil pessoas no Teatro D. Pedro II
do Rio de Janeiro. Entre o público, havia dois senadores e seis depu-
tados, representando o Ceará, Goiás, Rio Grande do Sul, Pernam-
buco e Bahia, todos eles tendo concordado com apresentar o Mani-
festo na Assembléia Geral. Assim, a Assembléia, como um grupo,
ainda pouco disposta a tomar quaisquer novas medidas em favor
da reforma, escutou uma longa descrição histórica da escravatura
brasileira, cuja intenção era mostrar que, tal como existia no Brasil,
a instituição era brutal e ilegal. * Era óbvio, para os legisladores
que escutavam, que os abolicionistas, já organizados numa aliança
nacional, se encontravam mais poderosos e determinados do que
nunca, não estando mais dispostos a aceitarem soluções de compro-
misso.
Em agosto de 1883, os estudantes e professores da Escola Polv-
technica organizaram uma nova sociedade abolicionista com esta-
tutos convidando ao estabelecimento de organizações semelhantes
em todas as instituições educacionais da nação. Sob a influência de
André Rebouças, um membro do professorado, a organização tam-
bém pediu um imposto sobre todas as terras não cultivadas locali-
zadas dentro de um raio de vinte quilômetros de linhas de comu-
nicação, impostos sobre os escravos indo de vinte a cem mil-reis por
ano é um preço máximo de emancipação de 600 mil-reis. Em no-
vembro, outra organização que parecia ameaçar o status quo — a
Sociedade Central de Immigração — foi fundada no Rio. Chefiada
pelo romancista e senador do Paraná, Alfredo d'Escragnolle Taunay,
com a cooperação do onipresente André Rebouças, esta sociedade
de imigração com uma tendência radical não estava satisfeita com
a importação de bandos de europeus ou asiáticos servis para as fa-
zendas do Império. Assim, preferiu iniciar uma luta pelas reformas
que seus líderes acreditavam serem necessárias para fomentar uma
onda de imigrantes europeus livres e o estabelecimento de peque-
nas propriedades agrícolas. Tratava-se de mais uma manifestação da
batalha do século xIx contra o latifúndio. “*

42 Duque-Estrada, 4 abolição, página 104; Annaes da Camara (1883), IV,


18-29.
43 Rio News, 15 de agosto de 1883.
44 Ver Louis Couty, Pequena propriedade e immigração europea (Rio de
Janeiro, 1887), particularmente as notas em apêndice da autoria do Senador
Alfredo d'Escragnolle Taunay, páginas 71 ff.

235
No início de 1884, o abolicionismo da capital do Império tomou
pela primeira vez o caráter de um movimento de massas. O novo
local de reunião era o Teatro Polytheama, cujo público se apinhava
para escutar oradores como João Clapp, queixando-se do alto custo
de libertar escravos, ou como o Deputado José Mariano, do Pernam-
buco, elogiando a cidade do Rio pelo seu crescente ambiente abo-
licionista. * Foi a emancipação do Ceará, contudo, que levou 0
movimento para as ruas com um espírito de Carnaval, que paralisou
as atividades normais do Rio durante três dias e que criou um ímpeto
que depressa resultou na libertação de partes da cidade. Os mem-
bros da Câmara Municipal foram advertidos daquilo que estava por
vir por meio de uma carta em 22 de março, da Sociedade Abolicio-
nista Cearense, pedindo a autorização para retirar algumas pedras
da calçada ao longo da Rua Gonçalves Dias e no Largo da Carioca,
no coração do Rio de Janeiro, a fim de instalar mastros para ban-
deiras e galhardetes com a finalidade de ornamentar um bazar no
Jardim da Guarda Velha. Prometendo voltar a colocar as pedras no
fim das festividades, os abolicionistas também pediram autorização
para iluminar a Praça Francisco de Paula e para colocarem letreiros
em várias partes da cidade anunciando uma regata que seria reali-
zada na Baía de Botafogo. 4º
Um dos vários centros dessa enorme celebração foi o Teatro
Polytheama, onde, ao meio-dia, a 25 de março, uma grande Ker-
messe — um misto de Carnaval e de feira — foi iniciada. O teatro
estava todo decorado, segundo a Gazeta da Tarde, com magníficos
escudos rodeados por coroas de flores, com as bandeiras das socie-
dades abolicionistas alinhadas ao longo das paredes do salão, junta-
mente com os nomes de reformistas já falecidos, como Ferreira de
Menezes, Luiz Gama e o Visconde do Rio Branco. O entretenimento
era semelhante ao oferecido nas reuniões públicas de 1880, embora
com adições muito populares: a leitura de uma carta de Joaquim
Nabuco, ainda na Europa, execuções orquestrais do Hino Nacional,
a Sinfonia do Guarani de Carlos Gomes, a “Marselheza do Escra-
vo”, composta pelo Dr. Cardoso de Menezes, solos musicais, peças
em 1 ato, cenas cômicas, um coro ao ar livre e a dança
do tango,
que surgia então. No final da tarde, a Rua do Lavradio, em
que
o Polytheama se encontrava, estava tão apinhada
com gente que
as vendas de ingressos foram suspensas por ordem oficial, já
as multidões, foi que
alegado, criavam um risco público. 4

4º Gazeta da Tarde, 14 de janeiro


46 DPHAG, d
Cod. 6-11. ns
4 Gazeta da Tarde, 25 e 26 de março de 1884,

236
Um dos pontos altos das festividades era o reconhecimento pú-
blico dos abolicionistas do Ceará. Isto foi realizado por meio de
um gigantesco desfile que atravessou a cidade antiga, desde a Rua
Primeiro de Março até o Passeio Público, um parque muito na
moda, à beira da baía, com os desfilantes parando a meio do cami-
nho para ofertar uma coroa de ouro a um representante da Sociedade
Cearense Libertadora. Tudo isto foi feito com um grau de partici-
pação pública sem precedentes em qualquer parte do Brasil, exceto
no próprio Ceará. As celebrações começaram num domingo pela
manhã e, tal como o Carnaval carioca, terminou na madrugada de
quarta-feira, com uma participação registrada de mais de 10 mil
pessoas. º O abolicionismo, finalmente, tornara-se num movimento
popular na capital do Império.
Com as festividades ainda mal tendo acabado, os líderes aboli-
cionistas do Ceará enviaram um telegrama conjunto a João Clapp,
no Rio, recomendando a exploração do entusiasmo público para ten-
tar a libertação da totalidade da população escrava da cidade e, al-
guns dias mais tarde, numa reunião da Confederação Abolicionista.
foi decidido por unanimidade realizar esse esforço. Acabar com a
escravatura no Rio era uma tarefa muito mais formidável, contudo,
do que a libertação do Ceará, pois os escravos do Município Neutro
eram mais de 32 mil e tinham um valor muito mais elevado em
termos de mil-reis do que os escravos da província do norte. Apesar
das dificuldades que enfrentavam, os abolicionistas dividiram a ci-
dade em setores, cada um deles sob a supervisão de uma comissão
de libertação, e cada comissão recebeu uma lista de cativos e seus
endereços, bem como a missão de obter sua libertação através de
persuasão calma. “º
Em 5 de abril, a Gazeta anunciou que os abolicionistas haviam
decidido concentrarem-se em duas ruas no coração do bairro comer-
cial. Estas ruas eram a Rua do Ouvidor e a Rua da Uruguaiana, esta
a localização da redação do diário abolicionista. Nesse mesmo dia,
a Gazeta prometeu que nas suas próximas edições publicaria os no-
mes dos escravos na área meta, juntamente com os de seus donos.
Dois dias mais tarde, o público teve conhecimento de que as comis-
sões abolicionistas haviam sido bem recebidas nos quarteirões indi-
cados, onde tinham encontrado apenas doze escravos. Sete destes
haviam sido alugados por donos fora daquela área, mas esses donos

43 Duque-Estrada, 4 abolição, páginas 116-118; Gazeta da Tarde, 26 de


março de 1884.
49 Gazeta da Tarde, 27 de março e 3 de abril de 1884.

237
foram encontrados e sua libertação foi realizada. Os residentes dessas
duas ruas foram convencidos a assinarem uma declaração prometen-
do nunca mais usarem escravos nas suas casas. Em 21 de abril, outra
quadra da Rua da Uruguaiana, indo da Rua 7 de Setembro ao Lar
go
da Carioca, foi libertada, com seus ocupantes prometendo
deixarem
de usar escravos nos seus estabelecimentos.
A medida que os dias iam passando, o movimento
de libertação
na capital ia criando mais força. Ajudado por estuda
ntes da Escola
Polytechnica, espalhou-se a novas ruas, com a libertação de cada
quadra sendo o pretexto para uma celebração pública —
o encontro
de cariocas felizes e alegres na rua libertada, com casa
s, varandas e
vitrinas brilhantemente iluminadas por lanternas. Foguetes exp
intermitentemente sobre as estreitas ruas,
lodiam
com bandas de música en-
corajando cantos e danças improvisadas. Perto do fina
l de abril, já se
verificavam festas nas quadras das ruas do coração
da capital quase
todas as noites. 50
Popular no Rio, finalmente, o abolicionismo alcançou
as câma-
ras do Conselho Municipal. Em 1 de maio, esta instituição
emitiu
regulamentos para o uso de um “Livro de Ouro”, um fundo
muni-
cipal de emancipação tendo por objetivo financiar a libertação anu
al
de escravos do Município Neutro. “O movimento emancipador,”
es-
creveu um membro do Conselho, reagindo aos acontecimentos na
cidade, “deve ser reflectido para ser ordeiro; os grandes interesses
nacionaes representados pela lavoura e pelo commercio... devem
ser os directores desse movimento, ante o qual é um crime qualquer
tentativa reaccionaria.” Ao criar o Livro de Ouro, explicou o
mes-
mo funcionário, a Câmara Municipal tentava dirigir a libertação
do município, para servir como um “elemento concil
iador”, a fim
de orientar as forças emancipacionistas para processos
legais e or-
deiros. 51
A campanha para libertar os escravos da cidade do Rio
de Ja-
neiro durou várias semanas, mas perdeu seu ímpeto e
foi abando-
nada, finalmente, com a população voltando sua atenção,
em maio
e junho, para um esforço promissor por par
te do Governo Imperial

90 Ibid., de 5 a 26 de abril
BO DPHAO, Cod CEIA ACam de 1884.
ari idira “cr i
Ouro em fevereiro Ri . o News. 2 Municipal decidira criar o Livro rat
foi suficientemente longe para cumprir seu propósito. A escravatura
ainda era excessivamente forte na capital do Império, rodeada como
estava pelas províncias do café, para que pudesse ser destruída ape-
nas pelo entusiasmo e as boas intenções. Em 1887, ainda havia 7.500
escravos registrados na área da cidade do Rio. 52
O abolicionismo do Ceará e da capital imperial, entretanto, es-
timularam outros movimentos de uma ponta a outra do país. No co-
meço de maio de 1884, os estudantes da Academia de Direito de
São Paulo, seguindo os estudantes da Escola Polytechnica, organi-
zaram uma Comissão Libertadora Academica para o propósito de
libertar escravos nas ruas em volta daquela instituição. Tal como no
Rio de Janeiro, contudo, a escravatura ainda era defendida adaman-
temente na cidade de São Paulo, embora os escravos da província já
estivessem, então, grandemente concentrados nas áreas rurais, reali-
zando o trabalho agrícola. Como resultado disto, os esforços dos
estudantes encontraram forte resistência na capital do café e pouco
realizaram. 3
Um movimento abolicionista mais vigoroso surgiu em maio e
junho na cidade de Campos, na região produtora de açúcar na parte
leste da província do Rio de Janeiro. Sua mais importante força
era um novo jornal abolicionista, o Vinte e Cinco de Março, que
apareceu pela primeira vez em 1 de maio. De propriedade de Carlos
de Lacerda, um inimigo radical da escravatura, que também era o
seu diretor, este novo jornal insinuou no seu primeiro número que
os abolicionistas de Campos usariam métodos violentos, se isso fosse
necessário, para servirem sua causa. 54
Em meados de junho, o Club Abolicionista Carlos de Lacerda
já estava libertando as principais ruas de Campos e alguns dos donos
de escravos, confrontados por comissões abolicionistas, estavam acei-
tando preços moderados. Todavia, a comunidade agrícola, como um
todo, reagiu fortemente a este ataque abolicionista ao coração do
rico delta, produtor de açúcar, do Paraíba. O Club da Lavoura de
Campos armou, segundo foi alegado, “sicarios disfarçados” em uni-
dades da polícia municipal, perseguiu os abolicionistas e até amea-

62 Relatorio do Ministerio da Agricultura, 14 de maio de 1888, página 24.


58 A Onda, São Paulo, 17 de outubro de 1884, Gazeta da Tarde, 3 de
maio de 1884; Bastide e Fernandes, Brancos e negros, página 55. O últi
mo
relatório do governo sobre a população escrava, dando estatísticas reunidas
em 1886 e 1887, colocava as populações escravas urbana e rural de São
Paulo
em, respectivamente, 4.926 e 102.403. Ver Relatorio do Ministerio
da Ágri-
cultura, 14 de maio de 1888, página 24.
d4 Vinte e Cinco de Março, Campos, Rio de Janeiro, 1 de maio de 1884.

239
çou suas vidas, enquanto os jornais controlados pelos interesses agri.
colas exigiam uma “revolução”. Em maio, uma multidão pró-escra-
vatura reuniu-se ameaçadoramente diante da redação do Vint
e e
Cinco de Março — um prelúdio a sérios choques armados que vi-
riam a verificar-se em Campos, em 1887, entre abolicionist
as e seus
oponentes. ** Até então, os abolicionistas de Campos
continuaram
seu trabalho, rodeados por uma região rural hostil, começando,
de-
pois, a empregar os métodos violentos que Carlos
de Lacerda amea-
çara usar no primeiro número de seu jornal. Essas violências, segun-
do foi alegado, vieram a incluir o incêndio de campos
de cana-de-
açúcar e agitação entre os escravos das fazendas,
as quais, em 1887,
transformaram Campos num refúgio de fugitivos perseguidos
rante um breve período, até num campo de ba
e, du-
talha entre as duas
forças adversárias.

66 Ibid., 17 e 19 de junho de 1884; Ri


o News, 24 de maio de 1884.
240
Nenhuma das
grandes causas nacionais que produziram
como seus advogados os maiores espíritos da
humanidade, teve nunca melhores
fundamentos do que a nossa.

JOAQUIM NABUCO
O Abolicionismo

13

ONDAS REFLEXAS
DO CEARÁ: AMAZONAS E
RIO GRANDE DO SUL

O FIM DA ESCRAVATURA NO AMAZONAS.

Os MAIS eficazes movimentos provinciais de libertação como:


um reflexo direto da emancipação do Ceará foram os do Amazonas.
e Rio Grande do Sul. A situação do Amazonas era particularmente
favorável ao abolicionismo. Nas décadas de 1860 e 1870, uma pe-
quena elite dessa província tinha ficado rica devido a um acidente
da natureza: abundantes florestas de árvores da borracha em esta-
do natural, com a borracha sendo extraída por índios, mestiços e mi--
grantes livres do nordeste brasileiro, espalhados ao longo dos canais.
da bacia amazônica. Essa província do norte, “um prodigioso em-
porio de riquezas naturaes”, mantinha-se indiferente à questão da
escravatura, escrevera André Rebouças muito antes da erupção do-
movimento nessa província. ?! A riqueza do vale atraíra um influxo»
de escravos de outras áreas (ver Tabela 9), mas só havia 1.501 re-

1 Agricultura nacional, páginas 49-50.

24F
gistrados na província no início de 1884, com a maioria deles em.
pregados nos centros urbanos como servidores domésticos. Mana
us,
a capital da província, era, só por si, a residência de 571 escravos,
mais de um terço do total da província, e mais de metade destes
pertenciam a senhores que tinham um ou dois escravos. Na totali-
dade da cidade, havia apenas 308 donos de escravos, cuja média de
posse de escravos consistia em menos de dois cada. 2? Nas áreas
produtoras de borracha da província, havia menos de 500 escravos,
com muitos destes usados no serviço doméstico. 3
Apesar desta escassez de cativos no Amazonas, foi preciso o
exemplo do Ceará, bem como a liderança do mais alto funcionár
io
provincial, para que o Amazonas agisse. A legislatura em Man
aus
colocara de lado fundos, todos os anos, desde 1869 até 1872, para a
emancipação de escravos e, em 1882, aplicara um imposto de dois
contos a cada escravo que entrasse na província. Todavia, pouco
mais fora realizado antes de 1884. 4 Tal como outras províncias, o
Amazonas não tinha usado totalmente suas quotas do fundo de
emancipação. Seis distribuições, totalizando quase vinte e seis con-
tos, tinham alcançado a província e sido filtradas para os municí-
pios, mas só seis escravos haviam sido libertados pelo fundo durante
os sete anos anteriores a março de 1883. Havia poucos escravos
para classificar no Amazonas, mas isso não impediu que as juntas de
classificação tivessem realizado seu dever com a relutância que se
tornara comum em outras partes do país. 5
Foi o presidente provincial quem, finalmente, iniciou e chefiou
o movimento abolicionista na província. Recentemente inaugurado
no seu cargo, em 25 de março de 1884 — no mesmo dia em que o
Ceará foi declarado livre de escravos — o Presidente Teodureto
Souto informou a Assembléia Provincial de que o problema da es-
cravatura no Amazonas poderia ser solucionado legalmente e sem
muito prejuízo para os proprietários. A Assembléia não dispunha da
autoridade para abolir oficialmente a escravatura, mas contava com

2 Relatorio com que o presidente da provincia do Amazonas...


a administração
entregou
da mesma provincia ao 1.º vice-presidente... em 16 de fe-
vereiro de 1884 (Manaus, 1884), páginas 29-30; Relatorio do Ministerio da
Agricultura, 7 de maio de 1884, página 187; Amazonas, Manaus, 4, 7, 9,
14 e 16 de maio de 1884,
é Barão de Santa-Anna Nery. The Land of the Amazons (Londres, 1901),
páginas 211-212.
* Amazonas, 4 e 24 de Maio de
9 Relatorio apresentado á Assembléa 18Leg
84.
islativa Pro
em 25 de Março de 188 g iva Provin
vincia
cial do Amazonas...
E 3, pelo Presidente José Lustosa da Cunha Paranaguá
(publicado de novo no jjornal Ámazonas, 2 de maio de 1883).

242
os meios para indenizar os donos dos escravos. Com um saldo de
mais de 972 contos no tesouro, o presidente pediu a criação de um
fundo de emancipação para a libertação de toda a população escrava
da província. º
Dois dias mais tarde, um projeto de lei para reservar 500 contos
para o propósito foi apresentado à Assembléia. A oposição mani-
festou-se — até mesmo no Amazonas — mas um projeto modifica-
do passou por uma votação unânime em 24 de abril, motivando uma
cena muito semelhante à presenciada no Senado Imperial em 27 de
setembro de 1871: aplauso entusiástico, uma chuva de flores das
galerias e a execução do Hino Nacional pela banda de música do
3.º Batalhão de Artilharia. A lei concedeu 300 contos para a liber-
tação de escravos (não 500 contos, conforme pedido de início), mas
reservou 200 só para eliminar os escravos em Manaus até o dia 5 de
setembro. * No dia em que a lei foi aprovada, senhoras preeminentes
de Manaus estabeleceram uma nova sociedade, as Amazonenses Li-
bertadoras, no Palácio do Governo, na presença do presidente pro-
vincial e de outros importantes líderes civis e militares. O objetivo
da nova organização, afirmava seus estatutos, era a rápida libertação
dos escravos do Amazonas por todos os meios disponíveis. Para apres-
sar essa realização, cada uma das senhoras prometeu contribuir com
uma peça de joalheria, potencialmente uma fonte importante dos
fundos de libertação, já que os membros dessa organização eman-
cipadora pertenciam ao creme da sociedade de Manaus. 8
Com relativamente pouco para fazer, os abolicionistas do Ama-
zonas comprimiram a tarefa de libertação num breve período repleto
de acontecimentos após a passagem da legislação antiescravatura. Ta-
refas que requeriam meses e até anos em outras províncias foram
realizadas em poucos dias na província do Amazonas.
Em 1 de maio, o presidente provincial decretou regulamentos
para a execução da nova lei. O trabalho de abolição deveria ser rea-
lizado no mais curto tempo possível, esperançosamente até 5 de se-
tembro. O próprio presidente foi autorizado a nomear comissões de
libertação para a capital e outras partes da província, incluindo liber-
tadores viajantes para os lugares mais isolados. Vindos de todas as

6 Exposição apresentada á Assemblea Legislativa Provincial do Amazonas


na abertura da primeira sessão da decima setima legislatura em 25 de
Março de 1884 (Manaus, 1884), página 4.
* Amazonas, 16 de abril de 1884. A data estabelecida para a libertação
de Manaus foi o trigésimo quarto aniversário da implantação de Amazonas
como uma província separada.
8 Ibid., 27 de abril de 1884.

243
classes e de todas as profissões, estas comissões teriam de iniciar o
seu trabalho o mais rapidamente possível, usando todos os meios le-
gais para libertar os escravos ao menor custo possível e sem causar
distúrbios ou ofender direitos estabelecidos. Editais contendo os no-
mes de todos os donos de escravos da província seriam publicados
na imprensa e afixados em locais públicos, com os proprietários sendo
convidados publicamente a enviarem propostas escritas ao governo,
dentro de um prazo de trinta dias, especificando as quantias que
aceitariam pela emancipação de seus escravos. *?
Três dias depois, os nomes de quarenta e um proprietários já
tinham aparecido na imprensa de Manaus e, em 16 de abril, os no-
mes de todos os donos de escravos da cidade já foram apresentados
ao público. Sob uma tal pressão, um importante proprietário da
província anunciou rapidamente que estava disposto a libertar seus
quinze escravos a 400 mil-reis cada e muitos outros depressa segui-
ram seu exemplo, alguns chegando a oferecer seus escravos por
quantias tão baixas quanto 100 mil-reis.
Tal como os abolicionistas de outras províncias, os do Amazo-
nas também organizaram clubes e sociedades. Entre 24 de abril e
14 de maio, pelo menos nove sociedades abolicionistas surgiram em
Manaus e, em 14 de maio, estas organizações juntaram-se com o
pessoal das redações de quatro jornais, com a Assembléia Provin-
cial, a Câmara Municipal, duas lojas maçônicas e outras organiza-
ções para formarem um Congresso Abolicionista, reunindo-se sob
a presidência do próprio presidente provincial no palácio da Câma-
ra Municipal. A criação de cada novo clube proporcionava nova
oportunidade para uma reunião pública, mantendo a cidade de Ma-
naus em estado de festividade durante grande parte do mês de maio.
O domingo, 11 de maio, foi dedicado quase inteiramente ao tipo
de demonstrações públicas já então identificado com as fases vito-
riosas do abolicionismo. O Largo Dom Pedro II, o Palácio Presi-
dencial, o quartel do 3.º Batalhão de Artilharia, a escola normal, a
Câmara Municipal, as casas particulares e até mesmo a prisão da
cidade foram decoradas com lanternas e bandeiras. Na manhã desse
dia, os estudantes do liceu e da escola normal criaram conjunta-
mente a Cruzada Libertadora. Mais tarde, nesse mesmo dia, a so-
ciedade Libertadora Vinte e Cinco de Março teve sua primeira reu-
nião no Palácio Presidencial. Nessa sessão, representantes dos ca-
traeiros, os barqueiros de Manaus, reagindo aos esforços para enviar
escravos pelo rio, para onde seu valor fosse mais elevado, seguiram

O JIbid., 4 de maio de 1884,

244
o exemplo dos jangadeiros do Ceará e declararam o porto de Mas.
naus fechado ao tráfico de escravos. Com as atividades do dia ainda
não terminadas, os abolicionistas, mais tarde, convergiram para o
Largo 28 de Setembro, desfilando pelas ruas da cidade, acompanha-
dos pela banda do 3.º de Artilharia, saudando as redações da im-
prensa antiescravatura. O movimento abolicionista de Manaus de-
senvolvera “proporções colossaes”, declarou um artigo no jornal
Amazonas. Até mesmo os presos da prisão da cidade haviam apoia-
do a causa, contribuindo com mais de quarenta e sete mil-reis para
o trabalho de libertação.
No mesmo dia, impressionados pela força do movimento, os edi-
tores do Amazonas propuseram um novo objetivo: a emancipação
total dos escravos da cidade até o dia 24 de maio, décimo oitavo
aniversário de uma importante vitória brasileira na Guerra do Pa-
raguai e primeiro aniversário da libertação da capital do Ceará. Três
dias mais tarde, na sua primeira sessão, o Congresso Abolicionista
do Amazonas aceitou a ambiciosa meta e, no dia seguinte, numa
sessão especial dos clubes combinados, a libertação sistemática dos
escravos da cidade foi planejada através de sua divisão em seis dis-
tritos, cada um deles com uma comissão de libertação.
Em 18 de maio, o movimento de libertação em Manaus já alte-
rara a vida da capital provincial. “No meio da mais profunda agi-
tação,” manumissões tinham lugar em toda a cidade, embora alguns
proprietários tentassem convencer seus escravos a contratos de ser-
viço, comprometendo-os a mais trabalho durante longos períodos —
O sistema de “libertação” que depressa varia a tornar-se comum no
Rio Grande do Sul. Também se estavam verificando manumissões
em comunidades fora de Manaus. Os residentes do município de
Teffé, onde o recenseamento de 1872 registrara a existência de ses-
senta e sete escravos, correspondeu à chegada de uma comissão de
libertação da capital, libertando todos os seus escravos em oito dias,
completando, assim, a libertação de mais um município brasileiro.
A quarta semana de maio foi memorável em Manaus. Na tarde
do dia 23, os cidadãos reuniram-se no Largo Dom Pedro II no re-
centemente construído Pavilhão da Liberdade, onde o Dr. Teodureto
Souto, o presidente provincial, distribuiu 186 certidões de liberdade
aos últimos escravos da cidade. Uma tempestade tropical adiou as
celebrações da manhã do dia 24, mas às 6 horas da manhã uma
Salva de vinte e um tiros de canhão prestigiou as principais organi-
zações abolicionistas e rodas de foguetes foram disparadas com trin-
ta minutos de intervalo durante toda a manhã. Depois da tempes-
tade, os abolicionistas, incluindo os membros da Assembléia Provin-

245
cial, desfilaram do Largo 28 de Setembro até o Pavilhão da Liber.
dade. A cabeça da procissão, marchava o presidente do Congresso
Abolicionista, acompanhado por vinte jovens a cavalo. Logo atrás,
vinha uma carruagem ricamente decorada puxada por vinte libertos
todos vestidos com roupas brancas e usando chapéus de palha. Den-
tro da carruagem, escoltada por quatro cavaleiros e dois escudeiros,
havia uma “pura índia”, que simbolizava a cidade livre de Manaus.
Reunida no Pavilhão da Liberdade, a multidão aguardava em silên-
cio, enquanto o Dr. Teodureto declarava solenemente o fim da escra-
vatura na cidade. Concertos e desfiles com a participação de toda a
população conservaram Manaus num estado de comoção durante

mm
o resto do dia e as celebrações, conforme previsto, terminaram no

e
dia 25. 4
A libertação do resto do Amazonas fora planejada para 5 de
setembro, mas a reação do governo central aos acontecimentos na-
quela província do norte apressaram sua realização. Um pouco mais
de uma semana depois da escravatura ter terminado oficialmente em
Manaus, uma ordem vinda do governo central afastou o presidente
do Amazonas de seu cargo, tal como o presidente do Ceará fora
afastado do seu depois do primeiro surto de abolicionismo nessa pro-
víncia. Atribuindo o afastamento de Teodureto Souto a seu aboli-
cionismo, a Gazeta da Tarde condenou a atitude do regime. A na-
ção compreendia, disse esse jornal abolicionista, que o governo não
queria agir em conformidade com a opinião pública, que não ten-
cionava reconhecer a autonomia das províncias. A população de
Manaus libertara os escravos da cidade por meios legais e com pa-
gamento a seus proprietários, concluiu a Gazeta, mas “Os represen-
tantes da trindade negra do sul (São Paulo, Minas Gerais e Rio de
Janeiro) não admittem que as provincias do norte pensem e resol-
vam segundo as aspirações da civilização...” 11
O jornal The Rio News registrou os acontecimentos finais do
drama abolicionista no Amazonas. “O dia 5 de setembro fora esco-
lhido como a data para a libertação total da província,” escreveu
o editor do jornal em 24 de julho, “mas quando chegou a notícia
de que o presidente, o Dr. Theodureto Souto, fora afastado pelo
governo central devido a sua ação na assinatura do ato da emanci-
pação provincial, a população organizou imediatamente uma mani-
festação popular para prestigiá-lo, no dia 10 de julho, e celebrou
esse dia, então, com a mais honrada e elogiável ação em seu poder

10 Ibid., números de maio de 1884.


11 Gazeta da Tarde, 2 de junho de 1884.

246
— a libertação de todos os escravos que havia na provínci
teria sido possível responder a. Não
com uma censura mais significante
digna ao governo.” 12 e
A libertação dos escravos de uma
segunda província fora apres-
sada, evidentemente, pela resistência do re
gime central a outro po
deroso avanço do abolicionismo, mas n
em mesmo essa resistência
poderia ter trazido uma solução tão súbi
ta e completa à questão dz
escravatura se essa enorme província trop
ical estivesse repleta de
escravos negros. O uso de “uma índia pu
ra” para simbolizar a cida-
de livre de Man aus foi apropriado de um modo talvez nã
rado o conside-
pelos organizadores da celebração de 24
de maio, pois fora a
mão-de-obra índia — em muitos casos, mão-de-obra índia forçad
—— que tornara os escravos negros pouc a
o mais do que luxos domés-
ticos em Manaus. 3 A súbita decisão do Am
azonas de libertar todos
os seus escravos (parafraseando Adam Sm
ith) era prova de que os
poucos que existiam eram de pouca import
ância para a economia
da província.

COMPROMISSO NO RIO GRANDE DO SUL,

No Rio GRANDE DO SUL, a escravatura era de maior importân-


cia do que no Amazonas, mas fora minada po
r várias característi-
cas especiais da província. A proximidade das re
públicas de língua
espanhola, onde a escravatura já há muito de
ixara de existir, e a
presença de uma grande população de origem
estrangeira, que de-
monstrava pouco entusiasmo pela escravatura,
foram fatos que exer-
ceram efeitos liberalizantes sobre a população
nativa. !* Além disso,
O Rio Grande do Sul sofrera uma grande perd
a de mão-de-obra atra-
vês do comércio interprovincial de escravos durante
a década de
1870 (ver Tabela 9). A escravatura permanecia
importante na in-
dústria do charque 15 e, assim, a população cativa da prov
da era grande em 1884. Todavia, sua situação pecu
ín ci a ain -
liar tornara o Rio
Grande do Sul quase tão vulnerável quanto o Amazonas às ondas

12 Rio News, 24 de julho de 1884. k


1 Para comentários sobre os maus tratamentos à mão-de-obra índ
Amazonas, ver Santa-Anna Nery, The Land of the Amazon ia no
It A comunidade alemã de São Leopoldo, por exe
s, página 313.
mplo, registrou apenas
1.546 escravos no recenseamento de 1872 e 29
314 pessoas livres. Recensea-
mento da população, XVII, 205-
1» Cardoso, Capitalismo e escrav20id6.ão, pági7
nas 239-240.

247
reflexas do Ceará. Impressionados pelas grandes vitórias que o abo-
licionismo tivera no norte durante a primeira metade de 1884, rea-
gindo ao pânico econômico e à queda do preço dos escravos causa-
da pelo Ceará e receando, talvez, uma perda total da futura mão-
de-obra representada pela grande população escrava da província,
os TIo-grandenses entraram num compromisso astuto com o abolicio-
nismo que lhes permitiu usar o trabalho de seus escravos, embora
dando-lhes o rótulo nominal de homens e mulheres “livres”, O cho-
que econômico foi diminuído, assim, com a província somando-se
gloriosamente às fileiras das províncias emancipadoras.
O movimento libertador, que alcançou um auge de Intensidade
no Rio Grande do Sul em agosto e setembro de 1884, não foi, por-
tanto, tão claramente idealista ou até tão completo quanto os do
Ceará e do Amazonas. Numa questão de meses, dois terços dos ses-
senta mil escravos dessa província do sul receberam a condição de
livres, mas a verdade é que a maioria foi obrigada a continuar dando
seu trabalho, sem pagamento, a seus antigos senhores durante de
um a sete anos. “O movimento no Rio Grande do Sul,” conforme
The Rio News afirmou no final de 1884, “deverá ser diferenciado
dos movimentos do Ceará e do Amazonas, pois é de natureza muito
menos liberal e generosa. Quase todas as libertações estão sendo
concedidas em condições de tempo de trabalho ou aprendizado que
se verificam, em grande parte, para um período de cinco anos.” 16
Este sistema de “libertação” baseava-se no quarto artigo da Lei
Rio Branco, que declarava que, para ganhar sua liberdade, o escravo
poderia alugar seu trabalho a uma terceira pessoa, embora só até
um limite de sete anos. A libertação de um escravo por meio de
um tal contrato de trabalho não seria anulada se ele não cumprisse
com seu contrato, mas ele poderia ser obrigado, então, a completar
seu período contratual num estabelecimento público ou sob contrato
com outro empregador privado. 17

16 Rio News, 24 de outubro de 1884. .


W Luiz Francisco da Veiga, Livro do estado servil, página 28. Os regula-
mentos da Lei Rio Branco de 13 de novembro de 1872 acrescentavam que
os libertos que não completassem seu trabalho contratual estavam sujeitos
as provisões da lei de contrato de trabalho de 1837, cujo objetivo era
forçar os imigrantes a cumprirem com seus contratos. Esta lei previa tra-
balhos forçados ou servidão penal até o contrato ser cumprido. Os regula-
mentos de 1872 também declaravam que, quando havia perigo do liberto
fugir ou quando, na realidade, já abandonara seu senhor, ele estaria sujeito
à prisão com um máximo de trinta dias. Colecção das lei s do Imperio
(1872), Parte II, Vol. III, páginas 1067-1073; ibid. (1837), 1, 76-79
.

246
A fórmula para a libertação usada no Rio Grande do Sul foi
explicada por líderes provinciais preeminentes. O Senador Silveira
Martins declarou, no Senado, que os proprietários de escravos tinham
direito a uma indenização, mas podiam renunciar a ela. Se, contu-
do, não estivessem dispostos a tal ou não pudessem fazer esse sacri-
fício, o escravo poderia comprar sua liberdade com seu trabalho.
“Dai-lhe a liberdade,” recomendou o senador aos proprietários, “com
a condição de trabalhar ainda 3, 4 ou cinco annos (nunca mais),
conforme o valor que julgaes devido. Não desorganiseis, assim, o
vosso trabalho e tereis tempo para preparar a transição para O tra-
balho remunerado...” 18
No início da campanha de libertação, o presidente do Rio Gran-
de do Sul esclareceu as questões legais envolvidas em libertar escra-
vos por meio de contratos de trabalho e sugeriu formas de forçar
os escravos a aceitarem o sistema. A mera inclusão da declaração
do proprietário na certidão de libertação, especificando a duração
do serviço, era tão válida quanto o contrato de trabalho com uma
terceira pessoa, escreveu o presidente provincial, “adquirindo o es-
cravo de um e outro modo a liberdade immediatamente, mas fican-
do o liberto sujeito em ambos os casos a prestar os serviços durante
o praso fixado dentro dos limites da lei, sob pena de ser compellido
a prestal-os em estabelecimentos publicos, ou, por contracto, a par-
ticulares...” Pouco depois, o Ministro da Agricultura deu sua total
aprovação a esta interpretação da lei. 1º
A Reforma, um importante jornal emancipacionista de Porto
Alegre, explicou em termos econômicos o sistema de libertação que
fora adotado pela província. Os proprietários que pensavam que já
haviam sido indenizados pelo trabalho de seus escravos poderiam
libertá-los incondicionalmente, mas aqueles que consideravam me-
recer maior compensação restituíam “sua illegitima propriedade hu-
mana á sociedade e á liberdade, mas exigiam a indemnisação do seu
capital em serviços dos ex-escravos.” Avaliando os serviços dos es-
cravos a uma média de 240 mil-reis por ano, este jornal calculou que
três anos de trabalho representavam o valor médio do escravo, “não
hoje, mas em outro tempo, quando a mercadoria ainda tinha boa
cotação na praça.” 2º Nas palavras do presidente provincial, o sis-
tema de libertação tinha o efeito de abolir a escravatura, embora
conservando o trabalhador no Rio Grande do Sul. 21

18 A Reforma, Porto Alegre, 12 e 14 de outubro de 1884.


19 Ibid., 14 de setembro e 15 de outubro de 1884.
20 JIbid., 17 de agosto de 1884. O grifo é do original.
21 Cardoso, Capitalismo e escravidão, página 260. Cardoso interpreta isto

249
Assim, esta província do extremo sul adotou um sistema lógico
e cauteloso de emancipação que estava aberto às críticas dos puris-
tas de ambos os lados da questão. Os inimigos da escravatura po-
diam argumentar que a maioria dos escravos já havia dado, não
três ou cinco anos de serviço, mas sim oito ou quinze e que, por-
tanto, já tinha pago a seus senhores várias vezes seu investimento,
particularmente com os preços atuais do mercado. Os defensores da
escravatura, por outro lado, podiam argumentar que a libertação
através de um contrato de serviço era uma negação do direito do
proprietário ao trabalho de seu escravo. Como é que um escravo
|
poderia pagar a seu dono, perguntava-se, com aquilo que esse dono |
já possuía legalmente: o direito ao trabalho de seu escravo sem
quaisquer condições? Aceitando esta lógica, os editores de O
Con-
servador de Porto Alegre enviaram cartas a todos os municípios da
província em outubro de 1884 aconselhando os proprietários de es-
cravos a conservarem seus escravos com base no fato de a indeni- |
zação através do trabalho ser ilusória. Os abolicionistas haviam en- |
ganado a população, disse O Conservador, esperando “destruir a |
propriedade e deixar em miséria as pessoas que confiaram em suas
palavras.” 22 Um abolicionista, por outro lado, declarou em 1887
que aqueles que tinham ganho mais com o sistema de contrato de
trabalho haviam sido os proprietários. Apesar dos males da escra-
vatura perdurarem, salientou ele, os proprietários ganharam de vá-
rias formas. Protegeram-se da possível abolição da escravatura no
futuro imediato, esperando que esse contrato de trabalho permane-
cesse válido depois da abolição. Privaram os abolicionistas de seus
argumentos. E, finalmente, satisfizeram suas vaidades, beneficiando-
se dos elogios da imprensa. 28
A libertação através de contratos de serviço era um compromis-
so intrincado. Todavia, o sistema despertou desde o seu início O
mesmo entusiasmo das práticas mais liberais usadas nas províncias
do norte. Na realidade, apesar dessa semi-solução, houve um autên-
tico idealismo antiescravatura no Rio Grande do Sul e o movimento
adotou o programa de espetáculos e as táticas que já haviam sido
usadas em outras províncias. Assim, por exemplo, o Club. Abolicio-
nista de Pelotas, fundado em 1881, proporcionou aulas educacionais

como significando, na realidade: “Abolir a condição legal do escravo, em-


bora conservando sua condição real”,
22 Citado por 4 Reforma, 8 de outubro
1884.
*ê Fonseca, A escravidão, o clero e o abolicio
de
crítica do sistema de libertação, ver Ca nismo. s gá Para uma análão,
ise
páginas 253-268. rdoso, Capitalismo e escrav

250
diárias aos ingênuos. O Club Nihilista Carnavalesco, fundado na ci-
dade de Itaqui em fevereiro de 1884, parecia manifestar um radica-
lismo bem humorado na escolha de seu nome. Em abril, o jornal
A Reforma de Porto Alegre já informava sobre libertações em
massa na cidade de gado de Pelotas e previa a rápida manumissão
de todos os escravos da província. Nesse mesmo mês, um Club Abo-
licionista foi organizado em Porto Alegre para esse propósito e, em
maio, a população da cidade de Uruguaiana já estava libertando
suas ruas e praças. 2º
No começo de agosto, o movimento no Rio Grande do Sul Já
desenvolvera o mesmo ímpeto que se vira, antes, no Ceará e Ama-
zonas. Em 6 de agosto, os membros do Club Abolicionista reuniram-
se em Porto Alegre a fim de nomear comissões para libertar os
escravos em três partes da cidade e, meados do mês, a imprensa de
Porto Alegre começou imprimindo os nomes de centenas de pessoas
que haviam concordado com libertar seus escravos, com a maioria
sendo proprietária de um ou dois servos pessoais. Várias ruas no
centro da cidade foram libertadas rapidamente e os abolicionistas,
indo de casa em casa, celebravam seus sucessos nas mesmas ruas,
tal como a população do Rio fizera alguns meses antes.
Na terceira semana de agosto, o sucesso de Porto Alegre já
parecia mais amplo do que o de Manaus. Já não havia um só es-
cravo na cidade, afirmou 4 Reforma, cuja liberdade não pudesse
ser comprada até 7 de setembro, a data marcada para a manumissão
do último escravo na cidade. Aquilo que parecera impossível uma
semana antes, fora realizado: uma grande cidade com mais de dois
mil escravos fora libertada em poucos dias. As comissões de liber-
tação só raramente tinham encontrado resistência e os fundos ne-
cessários para pagar os proprietários que pediam indenização mone-
tária existiam. O movimento espalhara-se a outras cidades: a Via-
mão. Rio Grande, à comunidade alemã de São Leopoldo, São Se-
bastião de Cahy, esta última tendo proclamado a libertação de todos
os seus escravos em meados de agosto. 25
As celebrações em Porto Alegre em 6 e 7 de setembro de 1884
foram descritas como sendo mais esplêndidas do que quaisquer ou-
tras que até então se tinham verificado na história da cidade. Tal

21 Serafim Antônio Alves, Relatorio apresentado na Sessão Magna da Asso-


ciação Emancipadora Club Abolicionista em 21 de Agosto de 1882 (Pelotas,
1882), página 9; Jornal do Commercio, 6 de março de 1884; A Reforma,
IO e 14 de abril de 1884; Gazeta da Tarde, 26 de maio e 13 de abril
de 1884.
2» A Reforma, 1, 8 15-17. 21 e 23 de agosto de 1884.

251
como já sucedera em Fortaleza e Manaus, as festividades para cele-
brar a libertação dos últimos escravos da cidade absorveram as ener-
gias de grande parte da população, incluindo dos funcionários pú-
blicos e de membros das classes mais prósperas. O principal desfile
do dia 6, presenciado por grandes e entusiásticas multidões, consis-
tiu num “luzido cortejo formado de senhoras e cavalheiros, em carro
e a cavallo, acompanhados de todas as bandas de musica desta ci-
dade.”
Na manhã seguinte, as comissões de libertação do Club Aboli-
cionista reuniram-se no Palácio Municipal, onde, depois de vários
discursos e da execução de hinos, Porto Alegre foi proclamada for-
malmente livre de escravos. A Assembléia Municipal aprovou, então,
uma moção de louvor pelos líderes do movimento, o Coronel Joa-
quim Pedro Salgado e o Dr. Joaquim de Sales Torres-Homem e, em
resposta, um livro contendo os nomes de todos os antigos proprie-
tários de escravos de Porto Alegre e a bandeira dos abolicionistas
foram entregues ao presidente da Câmara. Depois destas cerimô-
nias, durante as quais os próprios escravos foram lançados na som-
bra da liberalidade de seus senhores, seletas organizações militares
e cívicas reuniram-se na catedral, onde o Bispo celebrou um Te-
Deum, louvando a extinção da escravatura na cidade. 26
No fim da tarde, uma grande quermesse teve início no Largo
Dom Pedro II, onde todos os edifícios do governo ficaram ilumina-
dos e várias bandas de música distraíam o público reunido. Muitos
e dispendiosos objetos, oferecidos como contribuição nas semanas
anteriores, foram leiloados a bons preços. Os quiosques receberam
nomes em honra dos líderes dos movimentos abolicionistas, tanto
provinciais quanto nacionais. No quiosque José do Patrocínio, que
se especializava em flores, a mercadoria foi grandemente disputada,
dando um lucro de 800 mil-reis. No quiosque dedicado a Luiz Gama,
um abolicionista bebeu champagne, quebrou a taça e leiloou cada
fragmento por 15 mil-reis, com o resultado da venda, supomos, indo
para a causa da libertação. Um conhecido político pagou o extra-
ordinário preço de 20 mil-reis por uma edição especial do Jornal do
Commercio. Charutos e até rifas foram vendidas a preços exorbi-
tantes, escreveu 4 Reforma, “enquanto que ao mesmo tempo obje-
tos identicos eram comprados pelos preços marcados pelas classes
menos abastadas que também queriam guardar uma lembrança da
grande festa de caridade.” 27

26 Gazeta da Tarde, 8 de setembro de 1884; 4 Reforma, 31 de agosto


e 10 de setembro de 1884.
21 A Reforma, 28 de agosto e 11 de setembro de 1884.

252
Nas semanas que se seguiram, cidade após cidade na província
do extremo sul do Brasil informava sobre o estabelecimento de clu-
bes de emancipação, a libertação de centenas de escravos ou à erra-
dicação completa da escravatura. No décimo terceiro aniversário da
Lei Rio Branco, onze cidades, dezessete vilas e seis municípios já
haviam sido declarados inteiramente livres. Em 17 de outubro, a
importante cidade de Pelotas, na região do gado, proclamou a liber-
tação do último de seus cinco mil escravos, com o presidente da
província, José Júlio de Albuquerque Barros, presente para verifi-
car o sacrifício que isso representava para seus proprietários de es-
cravos. Os mais afetados haviam sido os donos de charqueadas, as
fábricas de carne-seca, que constituíam a mais importante indústria
da cidade. Dos cinco mil escravos que a cidade tivera, dois mil eram
servidores domésticos ou trabalhadores do porto e mil eram usados
na agricultura. Os outros dois mil, segundo o presidente, trabalha-
vam nas charqueadas, onde, todos os anos, 300 mil cabeças de gado
(150 por escravo) eram mortas e produtos de carne no valor de dez
a doze mil contos eram produzidos — um produto médio anual por
escravo de cinco a seis contos. 28
O número de libertações no Rio Grande do Sul diminuiu no final
de 1884 e no começo de 1885, tal como sucedeu em todo o resto
do país durante esse período, enquanto os proprietários de escravos
aguardavam para saber se o Projeto Dantas seria posto em vigor,
com suas provisões para libertar escravos idosos e para estabelecer
avaliações dos escravos a serem libertados pelo fundo de emancipa-
cão. Ao contrário do movimento no Amazonas, além do mais, o do
Rio Grande do Sul não alcançou seu objetivo declarado de libertar
todos os escravos da província até 1885. 2? O movimento no sul fora
menos eficaz, evidentemente, pelo fato de o Rio Grande do Sul ter
um interesse mais elevado pela escravatura do que o Amazonas. Por
outro lado, o movimento de libertação nesta província do sul rea-
lizou muito mais do que foi possível realizar, pelos movimentos
abolicionistas, nas províncias do café durante o mesmo período. O
nível de sucesso estava relacionado, obviamente, com a importância
dos escravos nos vários lugares.
Pouco antes da abolição da escravatura brasileira em 1888, ainda
havia 8.442 escravos no Rio Grande do Sul — de um total de 60
mil em 1884 — a maioria deles jovens e quase todos nas áreas ru-
rais. Em meados de 1887, um jornal da cidade de Pelotas — cidade

28 Ibid., 10 de setembro e 18 de outubro de 18384.


29 Ibid., 8 de outubro de 1884.

253
que se afirmara livre de escravos — ainda publicava anúncios para
o aluguel de cozinheiras negras e até de uma ama-de-leite sem
“cria”. Até mesmo Porto Alegre, proclamada livre em 1884, ainda
contava com cingiienta e oito escravos em 18883 além dos “liber-
tos” que ainda trabalhavam sem salário para compensarem seus se-
nhores por sua generosidade.

SO Relatorio do Ministerio da Agricultura, 14 de maio de 1888, página 24;


Correio Mercantil, 5, 7, 21 e 30 de julho de 1887; Cardoso, Capitalismo e
escravidão, página 81.

254
O projecto, dando solução definitiva
ao problema servil, desarma a opinião abolicionista
e assegura á lavoura dias de
tranquillidade e de paz.

DELFINO CINTRA DE SÃO PAULO


na Câmara dos Deputados, 3 de julho de 1885

Mas, senhores, os votos


que apoiam o presente projecto são a su
a
condemnação. Uma lei de emancipação nesta epocha,
para ser boa, devia ser uma lei imposta é
resistência e não uma lei imposta
ao movimento...

JOAQUIM NABUCO
na Câmara dos Deputados, 6 de Julho de 1885

14
A “LIBERTAÇÃO”
DOS IDOSOS

O PROJETO DANTAS

Em JuNHO de 1884, quando o Senador Manoel Dantas aceitou


O convite do Imperador para chefiar um ministério reformista,
a
escravatura brasileira já era uma instituição moribunda. Perseguida,
condenada, talvez já rejeitada pela opinião pública, só era defendida
ativamente por uma pequena parte da população. Essa minoria,
en-
tretanto, estava longe de se encontrar derrotada.
Pouco depois do Senador Dantas ter assumido seu alto cargo,
a questão da escravatura foi de novo debatida seriamente na Assem-

255
bléia Geral com a introdução de um projeto de lei reformista conhe.
cido pelo nome de Projeto Dantas. O debate resultante, mais furio-
so do que qualquer outro que se verificara no parlamento brasileiro
desde a aprovação da Lei Rio Branco, terminou, finalmente, em 28

-
h

Fado
de setembro de 1885. O resultado de dezessete meses de controvér-
|
|
sia foi a legislação conhecida como a Lei Saraiva-Cotegipe, uma lei
complexa e retrógrada. Sob pressão severa de organizações escravo-
cratas e de uma poderosa facção da Assembléia, o Projeto Dantas
fora posto de lado e ministérios mais conservadores haviam emen-
dado o projeto de modo a produzirem uma lei ofensiva para os au-
tênticos abolicionistas. A Lei Saraiva-Cotegipe, sancionada no déci-
mo quarto aniversário da Lei Rio Branco, era uma distorção do
Projeto Dantas, aceita e até elogiada pelos representantes pró-escra-
vatura, condenada pelos abolicionistas. Todavia, tratava-se de uma
mudança no status quo e, assim, quebrou o ímpeto do movimento
de libertação, fazendo com que este se imobilizasse no final de 1885
e início de 1886 antes da arrancada final para o triunfo.
Os agricultores das províncias do centro-sul, ameaçadas como
jamais o haviam sido, haviam começado a reagir fortemente a seus
inimigos abolicionistas mesmo antes da subida ao poder do Senador
Dantas em junho de 1884. As vitórias do abolicionismo — em espe:
cial a libertação do Ceará — tinham causado um pânico econômico.
Os preços dos escravos caíram. Os negócios, a indústria e o crédito
diminuíram. Com a lavoura ameaçada, os preços das fazendas tam-
bém caíram. Em 1884, a Associação Commercial do Rio deplorou
as divisões nacionais sobre a questão da escravatura, denunciou os
“irresponsáveis” abolicionistas e anunciou uma baixa de valores das
safras e das terras calculada em 1 milhão de contos, o que foi atri-
buído à agitação abolicionista. 1 Enquanto os proprietários do Rio
Grande do Sul estavam adotando uma solução astuta para a crise
abolicionista, os fazendeiros das províncias do café, por seu lado,
atacavam violentamente quaisquer indícios de lealdades abolicio-
nistas.
Nas semanas que antecederam a subida ao poder do ministério
Dantas, vários grupos de fazendeiros de Minas Gerais e da Asso-

1 Para uma ilustração do declínio dos preços de escravos num município,


ver Stein, Vassouras, página 229; para a triste história de um fazendeiro
que tentou vender sua fazenda, ver Manual do subdito fiel, páginas 13-14;
Associação Commercial do Rio de Janeiro. Elemento servil, página 5;
Rio News, 5 de julho de 1883; Jornal do Commercio, 22 de junho de
Para as dificuldades 1884.
em São Paulo, ver Morse, From Community to Me-
tropolis, página 169.

256
ciação Comercial pediram à Assembléia Geral que adotasse medidas
fortes. Estas incluíam a repressão de excessos abolicionistas e uma
legislação para forçar os antigos escravos a trabalhar, bem como o
estabelecimento de “penitenciárias” em lugares distantes do país
para onde pudessem ser banidos os indigentes e os libertos que esti-
vessem desempregados. ?
Depois do estabelecimento do ministério de Dantas, tais petições
começaram chegando mais frequentemente à Assembléia, vindo até
mesmo das províncias do norte. Um pedido do Instituto Baiano de
Agricultura e da Associação Comercial dessa província para medi-
das fortes que evitassem a destruição da lavoura e do comércio pa-
receram, para um autor pró-escravatura, negar a afirmação de que
as províncias do café eram as únicas ainda não conquistadas pelo
abolicionismo. Uma petição de fazendeiros do norte, reunidos no
Recife, no mês de julho, denunciou o abolicionismo revolucionário,
advertiu sobre levantes em fazendas e informou o governo de que
antigos escravos invadindo as cidades estavam ameaçando a lavoura
e a moralidade pública. Centenas de fazendeiros de Macaé, na pro-
víncia do Rio de Janeiro, pediram proteção do ameaçador paroxismo
social e pediram também medidas para obrigar os libertos e os in-
gênuos a “cooperar” com seus antigos senhores em troca de paga-
mento e de uma vida confortável. As associações agrícolas, parti-
cularmente nas províncias do café, funcionavam como poderosos
grupos de pressão, dirigindo suas petições vitriólicas contra o “anár-
quico movimento abolicionista” enquanto defendiam a Lei Rio
Branco como a única solução para a questão da escravatura. *
A coerção e a violência eram uma parte da reação. Cerca do
final de abril de 1884, uma multidão de perto de quinhentos homens
armados atacaram uma prisão municipal da província do Rio de Ja-
neiro para linchar três escravos acusados de terem assassinado seus
senhores, que foram arrastados para uma praça pública e tiveram
seus corpos mutilados de um modo brutal como demonstração de
força para conter o abolicionismo. Certos juízes que julgavam con-
trariamente aos interesses dos proprietários de escravos haviam sido
expulsos de suas casas por bandos de homens armados. Os respon-
sáveis por esses crimes, protegidos por autoridades locais, não eram

2 Associação Comercial do Rio de Janeiro. Elemento servil, páginas 9-10;


Annaes da Camara (1884), III, “Histórico”, páginas 10-12; Jornal do Com-
mercio, 22 de junho de 1884.
3 Diário do Brasil, 15 de julho de 1884; Annaes da Camara (1884), IIL,
“Histórico”, páginas 10-12; Annaes do Senado (1884), IV, 12-15.

257
reconhecidos, alegadamente, e não sofriam qualquer castigo. “ Vários
municípios da província do Rio de Janeiro tinham criado forças
policiais especiais para ajudar os lavradores cuja segurança estava
ameaçada e um representante de Minas Gerais advertiu a Câmara
dos Deputados, em maio, de que dentro de um prazo de três mes
es
as três principais províncias do café teriam ligas antiabolicionis
tas.
Os estatutos já notórios da Sociedade Agrícola de São
José do Além
Paraíba, na província do Rio de Janeiro, autorizavam o uso
dos fun-
dos dessa organização para combater atividades abolicionistas locais,
incluindo qualquer surto de uma imprensa abolicionista. 5
Apesar da crescente tensão nacional, a Fala do Trono
pelo Im-
perador, em 5 de maio de 1884, não deu, praticamente,
qualquer
indicação de que D. Pedro estava considerando a inicia
ção de uma
nova reforma da escravatura. O inócuo discurso ignorou
a erradica-
ção da escravatura no Ceará, uma surpreendente omissã
o naquelas
circunstâncias, tendo insinuado meramente que novas med
idas tal-
vez fossem tomadas. $ Colocado entre forças opostas, o
Imperador
pouco fizera, oficialmente, para apoiar a causa abolicionista
durante
cinco anos de conflito. Todavia, ponderara obviamente o problema
e, em meados de 1884, já se decidira a acabar com o perigoso im-
passe. Com a queda do ministério de Lafayette Rodrigues Pereira,
D. Pedro escolheu um novo Presidente do Conselho que se compro-
meteria a si próprio e a seu governo a uma reforma moderada com
o apoio total da Coroa. 7

à Rio News, 3 de maio e 5 de julho de 1884. O Senador Otoni com-


parou a violência com a lei do linche dos Estados Unidos.
S Annaes da Camara (1884), I, 222, 234-235.
6 Gazeta da Tarde, 5 de maio de 1884; Rio News, 15 de maio de 1884.
7 Lyra, História de Dom Pedro II, HI, 11, 19. Ver apontamentos a
lápis pelo punho de D. Pedro sobre a idéia de libertar os escravos que
alcançassem a idade de sessenta anos, AMIP, 29-1025 V. Os sentimentos
antiescravatura de D. Pedro e as dificuldades de sua posição pessoal são
sugeridas pelo relato de uma entrevista com Henry W. MHilliard, que teve
lugar em 1880, pouco depois da publicação da controversa carta do Mi-
nistro dos Estados Unidos a Joaquim Nabuco. Hilliard escreveu o seguinte:
“Após alguns comentários gerais, ele (D. Pedro) aproximou-se de mim
e disse: “Li sua carta com grande
simpatia.”
- Eu respondi-lhe: “Estou mil vezes obrigado a Vossa Majestade por me
dizer isso.
aim," disse ele, “e desejo dizer, também, alguma coisa sobre o assunto.”
: er a em dizer.
disse-lhe: “Serei muito feliz por ler o que Vossa Majestade possa
à “Ele responari
deu: “Nã
ES o pos
O so fazê-lo aqui, no Rio, mas não tardaremos
air para Petrópolis...” Hiiliard, Politics and Pen Pictures, páginas 396-397.

258
A subida de Dantas ao poder foi aparentemente o resultado de
D. Pedro ter reconhecido que o governo brasileiro já não podia
oferecer à nação paliativos do tipo proposto pelo ministério La-
fayette em agosto de 1883. Com uma crescente desintegração social
e econômica, era preciso mais do que a expansão de um fundo de
emancipação ineficaz ou do que uma proibição nacional de um co-
mércio interprovincial de escravos, que já fora paralisado eficiente-
mente pelos impostos provinciais. 8 A concessão de títulos e honra-
rias aos senhores que libertassem seus escravos, uma medida de
emergência tentada alguns meses antes, não podia satisfazer nem
os proprietários de escravos nem os abolicionistas, embora o editor
do Rio News tivesse reconhecido que, se o proprietário pudesse ser
levado a libertar seus escravos “pela recompensa barata de um título
ou uma comenda ou de um resplandecente berloque para usar no
peito, do lado esquerdo,” não havia razão para esta vaidade não ser
satisfeita, desde que escravos fossem libertados. º?
Já era tempo, disse o Senador Dantas à Assembléia Geral na
sua primeira mensagem como Presidente do Conselho, de se verifi-
car uma franca e séria intervenção do governo a fim de alcançar
uma solução progressiva para o problema dos escravos. Salientando
tanto a moderação de seu ministério quanto a sua determinação para
agir, anunciou sua decisão — aparentemente, também a decisão do
Imperador — de avançar “até onde a prudência nos permite e a
civilização nos impõe chegar; sendo que assim se habilitará a coibir
desregramentos e excessos que comprometem a solução do proble-
ma, em vez de adiantá-la.” O governo apoiaria três alterações bási-
cas nas leis da escravatura, das quais só uma era realmente nova:
o fim do tráfico humano entre as províncias, ampliação do fundo
de emancipação e a libertação de todos os escravos que alcançassem
a idade de sessenta anos. 10
A idéia de emancipar os escravos idosos foi rejeitada por quase
todos os membros do Conselho do Estado numa reunião subsegiien-
te, mas o projeto do governo, no entanto, chegou à Câmara dos
Deputados a 15 de julho, tendo a assinatura de vinte e nove repre-
sentantes, todos eles, exceto dois, de províncias fora da recalcitrante
região do café. 11 As propostas contidas no novo projeto de lei eram

8 Para pormenores sobre o projeto Lafayette, que não chegou a ser posto
em vigor, ver Jornal do Commercio, 13 de abril de 1885.
9 Rio News, 24 de janeiro de 1884.
10 Organizações e programas ministerias, páginas 211-214.
11 Cinco representavam as províncias do extremo norte (1 do Amazonas e
4 do Maranhão); dezesseis eram do Nordeste (3 do Piauí, 1 do Rio Grande

259
quase tão complexas quanto as da Lei Rio Branco. A provisão mais
importante e controversa era a cláusula dos sexagenários. Esta tinha
por objetivo libertar todos os escravos que alcançassem a idade de
60 anos e obrigar os proprietários a sustentar os libertos que prefe-
rissem ficar na sua companhia em troca de seus serviços gratuitos.
Os escravos transferidos de uma província para outra seriam liber-
tados. Verificar-se-ia um novo registro nacional e aqueles que não
fossem registrados dentro do prazo de um ano seriam considerados
livres. Os valores máximos a serem atribuídos a todos os escravos
para efeitos de libertação pelo fundo de emancipação seriam os
seguintes:
800 mil-reis por escravos com menos de 20 anos,
700 por aqueles entre 30 e 39 anos,
600 por aqueles entre 40 e 49 anos e
400 por aqueles que tivessem mais de 49 anos.
Impostos gradativos seriam aplicados aos proprietários de escra-
vos mantidos em capitais, cidades e áreas rurais (mais baixos nestas
áreas) com a intenção de concentrar os escravos em áreas rurais.
Para aumentar o fundo de emancipação, uma sobretaxa de seis por
cento seria imposta em todas as fontes diretas e indiretas da receita
do governo com a exceção dos direitos de exportação. Pesados im-
postos seriam aplicados na transferência de escravos, por venda ou
herança. Refletindo, talvez, o longo e persistente interesse do Sena-
dor Dantas pelo estabelecimento de pequenas propriedades agrícolas,
o projeto estipulava que os libertos e os ingênuos viriam, eventual-
mente, a ser donos da terra que trabalhavam.
Entre as provisões progressistas do Projeto Dantas, havia outras
que não eram tão liberais. Cada escravo emancipado pelo fundo
deveria permanecer regularmente empregado por cinco anos no mu-
nicípio onde vivera previamente. As violações resultariam nos cas-
tigos habituais que os legisladores brasileiros costumavam impor aos
infratores, neste caso multas, prisão e trabalho forçado em obras
públicas. Os contratos de serviço seriam legais, mas limitados a três
anos. O governo central seria autorizado a criar colônias agrícolas
para libertos e ingênuos que não encontrassem trabalho em esta-
belecimentos particulares. 12

do Norte, 2 do Ceará, 1 d a Paraíba, 1 de Pernambuco, 3 de Alagoas,


> da Bahia); seis representav am Provincias do oeste e do sul, incluindo 4
do Rio Grande do Sul, 1 d
tavam Minas
:
Gerais.
o Paraná e 1 de Goiás.
Para a | ista completa,
Goiás. Doisi outros represen á
: era
página 135. p ver Duque-Estrada, 4 abolição
12 Para três esboços originais do projeto, ip
bosa, Vol. XI, Tomo 1, páginas 275.306, Obras Completas de Rui Bar

260
As reações dos abolicionistas ao Projeto Dantas foram menos.
do que jubilantes. Antes de seus pormenores se tornarem conhecidos,
o jornal Rio News condenara apressadamente a libertação dos sexa-
genários como a legislação de seu abandono na velhice. As propos-
tas do governo, disse Joaquim Nabuco no Teatro Polytheama em
22 de junho, representavam muito pouco, mas ninguém poderia cal-
cular os possíveis efeitos de até mesmo restrições limitadas ao sis-
tema da escravatura. O que mais perturbava os proprietários de
escravos, afirmou ele, não eram as propostas do governo, mas sim
a franca linguagem de Dantas. Quase um ano mais tarde, Nabuco
descreveu o projeto como “uma solução demorada, illogica e insuf-
ficiente, a um problema que quizeramos acabar por medidas prom-
ptas, rapidas e efficazes...” Todavia, o projeto também “não é ou-
tra cousa senão a conversão do partido liberal aos princípios nacio-
naes que os abolicionistas proclamam ha seis annos.” 13
O Projeto Dantas, na realidade, era potencialmente mais pre-
judicial para os proprietários do que as suas moderadas provisões
pareciam sugerir e, assim, foi fortemente resistido. Não só libertava
os idosos e os débeis sem reembolso para seus donos, como também,
conforme foi indicado frequentemente, libertava muitos jovens e
robustos africanos que haviam sido registrados com idades falsas
para evitar as consequências da lei de 7 de novembro de 1831. 1* O
fato de muitos proprietários de escravos terem registrado africanos
fraudulentamente, matriculando-os como muito mais velhos do que
Tealmente o eram, foi provado pelo Recenseamento de 1872. Essas
estatísticas revelam que, onde os africanos se concentravam pesada-
mente (nomeadamente as províncias do Rio de Janeiro e de Minas
Gerais), havia um número desproporcionalmente grande de escravos
cujas idades foram declaradas como 51 anos e mais — o grupo que,
na verdade, seria elegível, em 1884, para liberdade ao abrigo das
provisões do Projeto Dantas (ver Tabela 5, particularmente as esta-
tísticas para as províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia,
onde a maioria dos africanos importados ilegalmente entre 1831 e
1851 se encontravam). *º

13 Rio News, 14 de junho de 1884; Gazeta da Tarde, 25 de abril de


1885; Nabuco, Conferencia a 22 de Junho de 1684, páginas 11-14.
14 Ibid., páginas 13-14; Gazeta da Tarde, 16 de junho de 1884.
15 Qualquer africano registrado em 1873 teria de ser matriculado como
tendo pelo menos 42 anos, mesmo supondo que fora importado nos braços
de sua mãe. Razoavelmente, contudo, qualquer escravo de cultura africana
teria de ter passado parte de sua infância na África. Assim, para ter sido
importado legalmente antes de 1831, um escravo de cultura africana já es-

261
A ameaça de perder muitos escravos mais jovens era, na reali.
dade, uma razão para a oposição à libertação dos sexagenários, razão
essa que, aliás, não poderia ser facilmente usada como um argumen-
to contra o projeto de lei. A maioria dos proprietários de escravos,
reconhecera o Deputado Moreira de Barros em 1881, “no intuito
de evitar duvidas que de futuro pudessem dar a respeito, trataram
de dar os escravos á matricula como tendo sido importados antes
de 1831” e, conforme um jornal de Pernambuco afirmou, foi para
o propósito de manter as piores consegiiências deste “crime” que os
interesses agrícolas do sul, liderados por homens como Moreira de
Barros, rejeitaram o Projeto Dantas. 1! Conforme Le Brésil, um
jornal de língua francesa do Rio de Janeiro, lamentou:

O projeto de emancipação Dantas coloca (muitos) proprietários, que fizeram


essas declarações falsas para se protegerem da execução da lei de 1831, numa
terrível dificuldade: o escravo tem, na realidade, sessenta anos de idade,
o que deve ser o caso de todos os africanos que foram importados antes
da promulgação daquela lei, sendo emancipado, assim; ou, então, não tem
ainda sessenta anos, de fato, mas será libertado em virtude do... registro
falso. 17 ca
a

“Mas é notório,” disse o South American Journal, de Londres,


em junho de 1885, num editorial fortemente simpático para com a
dificuldade dos fazendeiros brasileiros, “que a idade dos africanos
nascidos na sua própria terra foi aumentada para efeito de regis-
tro.” 18

taria quase com cinquenta anos de idade em 1873. Muitos, é claro, eram
mais novos. Um escravo de dez anos importado em 1850 teria 33 anos
em 1873, mas para que fosse registrado como escravo teria sido necessário
acrescentar cerca de vinte anos a sua verdadeira idade.
16 Citado pelo Jornal do Commercio, 30 de março de 1885. Os pernam-
bucanos, é claro, pouco tinham a perder. Dos 138.560 escravos africanos
registrados no recenseamento de 1872, 110.700 encontravam-se nas províncias
do café ou DL no Município Neutro (ver Tabela 5) e fora, principalmente,
nessas Tegioes que os proprietários haviam tido a necessidade de registrar
escravos com idades falsas. Em Pernambuco, só se tinham registrado 3.084 es-
cravos africanos e os “idosos”, portanto, constituíam uma parte menor da
população de escravos da provínci a,
17 Citado pelo South American Journal, 14 d
18 Ibid., 27 de junho de 1885. o RsonO de toda.

262
A OPOSIÇÃO AO PROJETO DANTAS

O Tom da resistência ao Projeto já fora estabelecido numa reu-


nião do Conselho de Estado em 25 de junho, na qual praticamente
todos os conselheiros rejeitaram o conceito da emancipação sexage-
nária, enquanto, por outro lado, pediam medidas para impor o tra-
balho forçado aos libertados recentemente. O Visconde do Bom Re-
tiro, que manifestou as opiniões da maioria dos membros do Con-
selho, pareceu não ter a consciência de uma inconsistência filosó-
fica quando afirmou que a emancipação dos sexagenários era “uma
restricção arbitraria e odiosa da propriedade servil,” embora consi-
derando “de toda a urgencia impôr aos libertos a obrigação de tra-
balhar.” 19
Com a introdução do Projeto Dantas na Câmara a 15 de julho
de 1884, a oposição tornou-se mais intensa e irada. “Sem tratar de
apurar se o projecto é bom ou mau,” escreveu José do Patrocínio,
“Tegistremos com prazer o odio da olygarchia agricola contra elle.”
Desde o dia de sua apresentação, acusou ele, a facção pró-escrava-
tura da Câmara tentara incessantemente provocar a queda do gabi-
nete Dantas a fim de abafar o grito de justiça contido em alguns
de seus artigos. 20
A Câmara Municipal de Caconde, um município produtor de
caié no norte da província de São Paulo, enviou uma declaração à
Câmara em julho, manifestando a ansiedade e o descontentamento
da comunidade no que se referia ao Projeto Dantas:

Na quadra afflictiva e excepcional que o paiz atravessa, declararam elles,


quando a lavoura, unica fonte de renda, luta com difficuldades supremas,
já pela falta de braços e capitaes, já pelo despreciamento dos seus productos,
diminuição das colheitas e flagellos de gelo que ultimamente tanto prejudicou
O nosso principal ramo de cultura; quando a lavoura vive em constantes
sobresaltos, rodeada de mil perigos suscitados pelos excessos e abusos
do
abolicionismo infrene — a apresentação por parte do gove
rno de um pro-
jecto evidentemente inconstitucional, veio alarmar a nossa
sociedade, lançando
a inguietação e o desanimo no seio dos lavradores que não podem contar
com a garantia e protecção do governo que tão de frente pretende ferir os
Seus interesses e violar a sua propriedade. 21

A libertação de escravos com mais de sessenta anos era uma


violação da Constituição, afirmou o jornal pró-escravatura Brazil
ld Acta da conferência, páginas 88, 90.
20 Gazeta da Tarde, 19 de julho de 1884.
21 Annaes da Camara (1884), IV, 84.

263
no dia em que o projeto apareceu. Os impostos aplicados aos fazen-
deiros para ampliação do fundo de emancipação era “uma loucura
financeira”. Quando a escravatura deixasse de existir no Brasil, um
“cubdito fiel”, assim proclamado por si próprio, advertiu publica-
mente o monarca alguns dias mais tard — numa
e ameaça, entre um
crescente número delas, ao próprio sistema político — já não have.
ria razão para a sua humilde postura ante seu Imperador. 22
A oposição impediu uma consideração séria do Projeto Dantas.
Imediatamente após sua primeira leitura em 15 de julho, um liberal
dissidente de São Paulo, Moreira de Barros, anunciou sua decisão
de demitir-se de seu cargo como Presidente da Câmara em protesto
contra esse projeto. A Câmara aceitou sua demissão por uma pe-
quena margem de 55 para 52, constituindo, para Dantas, um voto
algo débil de confiança. O projeto, no entanto, perdera para Dan-
tas o apoio de dez membros de seu próprio partido, todos, menos três,
de Minas Gerais e São Paulo. 2º
De resto, nem mesmo esta precária maioria durou muito. Em
28 de julho, a Câmara aprovou, por 59 contra 52 votos, a moção
de outro dissidente liberal, João Penido, de Minas Gerais, que con-
denou o projeto e negou a confiança da Câmara ao ministério de
Dantas. Dezessete liberais, dez deles das três principais províncias do
café, rejeitaram o ministério do seu partido, enquanto quatro con-
servadores, todos de fora da região do café, votaram pelo governo
liberal (ver Tabela 24). Só dez deputados, das províncias do café,
todos eles de Minas, apoiavam Dantas, enquanto vinte e oito outros
deputados dessa região o rejeitaram. Assim, as quatro províncias do
café, como um grupo, rejeitaram a administração reformista, embo-
ra deputados das outras províncias tivessem apoiado Dantas por ami”
pla margem. O projeto de emancipação dividira o Partido Liberal
nas províncias do café, com dez deputados defendendo Dantas e dez
outros manifestando sua lealdade para com os interesses econômicos
de seus constituintes. 2º
No dia da votação, Dantas pediu formalmente a Dom Pedro que
msasse seu poder constitucional para dissolver a Câmara e para con-

22 Brazil, 15 de julho de 1884; Manual do subdito fiel, página 132.


28 Annaes da Camara (1884), III, 165-171; Obras Completas de Rui Bar
bosa, Vol. XI, Tomo I, páginas 322-325.
** Annaes da Camara (1884), III, 356-363. Dois liberais do Ceará votaram
contra Dantas, alegadamente, pelo fato dele “não conceder ao governo pró”
Es a Ceará sua própria autodeterminação.” Rio News, 5 de agosto
e :

264
vocar novas eleições. * Dantas serviu-se deste expediente, escreveu
Nabuco, como sendo o único meio prático de evitar a queda de seu
governo. Enfrentando a escolha entre a Câmara anti-Dantas e o
ministério Dantas, Dom Pedro apoiou este último. ?8
O resultado foi o engrandecimento tanto de Dantas quanto do
Imperador junto dos abolicionistas. Na sessão da Câmara de 30 de
julho, o público ouviu em silêncio as explicações oficiais para a dis-
solução da Câmara e, depois, espontaneamente, começou aplaudindo
Dantas, criando uma impressão entre os presentes de que estavam
testemunhando o ponto máximo de um importante acontecimento
histórico. 27 Apesar do longo silêncio de Dom Pedro sobre a questão
da escravatura, um público abolicionista, que já lho perdoava, tal-
vez percebendo seus verdadeiros sentimentos, depressa o louvou como
um dos seus, 28 enquanto os grupos pró-escravatura voltaram a de-
nunciá-lo discretamente, como sempre o faziam quando o curso dos
acontecimentos forçavam Dom Pedro a sair de sua posição, normal-
mente neutra.
Antes da dissolução da Câmara e das novas eleições, uma co-
missão nomeada para dar opinião sobre o Projeto Dantas apresentou
suas averiguações à Câmara. Escrito por Rui Barbosa e assinado
por sete outros deputados, todos eles de fora da área do café, o
relatório constituiu um impressionante ataque à escravatura, tendo
como intenção explicar a posição reformista ao público eleitor. *
Um membro dissidente dessa comissão, Sousa Carvalho, da Pa-
raíba, expôs as opiniões da maioria pró-escravatura na Câmara em
outra mensagem com um fraseado muito forte. Refletindo, eviden-
temente, as opiniões dos 619 constituintes na Paraíba que não tarda-
riam a reelegê-lo, 3º Sousa Carvalho condenou tanto o movimen-
to abolicionista quanto o governo que permitia que esse movimento
funcionasse nas ruas, nas escolas, em edifícios públicos e até mesmo
nos quart éis e acade mias milita res. Não enco ntra ndo quais quer ra-
zões para apressar a libertação, a não ser “nuro sentimentalismo, vã
popularidade, prete xto para agita ção, revol ução e subve rsão social ,”

25 Ver “A Exposição de Motivos sôbre a Dissolução do Parlamento,”


Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. XI, Tomo I, páginas 351-358.
28 Jornal do Commercio, 11 de setembro de 1884.
27 Ibid., 31 de julho de 1884.
de 1884: Annaes da Camara (1884), IV, 98.
28 Ibid., 11 de setembro
22 Ver “Emancipação dos escravos, parecer formulado pelo Deputado Ruy
Comi ssõe s reuni das de orça ment o e justi ça civil, ”
Barbosa como relator das
Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. XI, Tomo I, páginas 49-235.
30 Organizações e programas ministeriais, página 384.

265
Sousa Carvalho rejeitou a emancipação de sexagenários como “um
princípio comunista”. O Projeto Dantas era “a encarnação do pen-
samento da... nova situação abolicionista, exclusivamente criada
pela coroa para fazer triunfar idéias contrárias à opinião dominante
no Conselho de Estado, na Câmara dos Deputados, no Senado, nos
dois grandes partidos em que se divide a nação brasileira.” 31 Esta
foi, na realidade, uma avaliação quase exata das posições dessas orga-
nizações depois de mais de quatro anos de propaganda abolicionista.

A QUEDA DE DANTAS

À MAIORIA dos brasileiros elegíveis para votar para uma nova


Câmara de Deputados em 1 de dezembro de 1884 (140 mil de uma
população de cerca de 12 milhões) não eram muito favoráveis ao
emancipacionismo. Todavia, a eleição provou que, até mesmo entre
esses poucos escolhidos, havia muitas pessoas já dispostas a aceita-
rem uma nova reforma, incluindo a abolição da escravatura antes do
fim do século. Depois de se ter sabido que 67 liberais, 55 conservado-
res e 3 republicanos haviam sido eleitos para a Câmara dos Depu-
tados, a Gazeta da Tarde anunciou uma vitória abolicionista, infor-
mando que 38 deputados que favoreciam o projeto e 18 que se ha-
viam oposto a ele tinham sido reeleitos. Uma análise usando o voto
de falta de confiança no governo de 28 de julho como padrão reve-
lou, contudo, que os defensores de Dantas e os seus oponentes ha-
viam regressado à Câmara em números mais ou menos iguais. José
do Patrocínio, candidatando-se num distrito da capital, obteve ape-
nas 160 votos e foi completamente derrotado. 32 Rui Barbosa, um
dos principais defensores do projeto, perdeu sua cadeira, na Bahia,
por uma estreita margem. Joaquim Nabuco, que ganhou, numa luta
muito dura, sua candidatura no Recife, foi barrado de sua cadeira,
mas, depois, obteve outra vitória, por uma pequena margem, em
outro distrito da capital pernambucana. Os escravocratas Moreira
de Barros e Antônio Prado, que viriam a votar consistentemente em
oposição aos abolicionistas, foram vitoriosos em São Paulo, tal como
o foram seus aliados pró-escravatura, Lacerda Werneck e Andrade
Figueira, no Rio de Janeiro. João Penido, autor da medida de falta

Sl A. A. de Souza Carvalho, “Voto em separado” AR o:


Rui Barbosa, Vol. XI, Tomo 1, páginas 249.270, "4! p
2 Gazeta da Tarde, 5 e 15 de dezembro de 1884,

266
de confiança de 28 de julho, foi eleito por seus constituintes no dé-
cimo distrito eleitoral de Minas Gerais, 33
Os três republicanos vitoriosos, Prudente de Morais e Campos
Sales de São Paulo e Andrade Botelho de Minas Gerais, tinham-se
candidatado numa plataforma política de neutralidade cautelosa,
aceitando as “ideas capitaes” do Projeto Dantas, embora reservando
vagamente o direito de apoiar emendas não especificadas a certas
provisões. ** Apesar de terem votado numa harmonia geral com o
elemento abolicionista na Assembléia Geral, em 1885, Prudente de
Morais, num importante discurso no mesmo ano, revelou claramen-
te sua oposição a uma reforma rápida. O problema da escravatura,
disse ele, voltando a declarar uma velha posição republicana, seria
solucionado melhor pelas províncias individualmente, mais ou me-
nos de acordo com suas diferentes circunstâncias, permitindo que as
províncias que pudessem dispensar seus escravos o fizessem imedia-
tamente sem esperarem por províncias como São Paulo, Minas Ge-
rais e Rio de Janeiro, províncias estas forçadas por suas circunstân-
cias a demorarem a sua solução. Um sistema de responsabilidade
provincial, pensava Prudente de Morais, excluiria o perigo de que
uma maioria na Câmara, composta por representantes das províncias
emancipadas, impusesse a abolição na totalidade do país. 3 Apesar
de serem defensores da imigração, os republicanos paulistas ainda
não se encontravam, em 1885, numa posição que lhes permitisse
advogar uma rápida libertação dos escravos de sua província e
além do mais, refletiam inteiramente o medo de seus constituintes
de que outras províncias lhes pudessem forçar uma solução rápida. 38
Os resultados práticos da eleição podem ser determinados melhor
pelo registro dos votos dos vencedores. Um estudo dos votos im-
portantes em questões relacionadas com a escravatura (ver Tab
e-
la 25) indica que a maioria dos membros da recentemente eleita C&-
mara eram moderados a conservadores no que se referia à escrava-
tura. De todos os resultados das votações, apenas 28 mostravam
uma
disposição consistente para aceitar a reforma, enquanto pelo men
os
outros 50 eram sólidos oponentes de qualquer mudança. As dife-
renças regionais, embora menos evidentes do que em 1871, ainda

88 Nabuco, Cartas a amigos, I, 138; Organizações e programas ministeriais,


páginas 384-388.
34 Prado Jr., Circular, páginas 34-39.
5 Annaes da Camara (1885), I, 249-254.
8º Dunshee de Abranches descreveu os par ;
tidos políticos do Brasil como
“Conservadores escravistas, liberais escravocratas, republicanos escravagistas.”
Ver O captiveiro, página 226.

267
eram aparentes. Quase dois terços dos deputados das províncias do
café eram decididos oponentes da mudança e metade dos restantes
16 eram inconsistentes, mas, nas outras províncias, em conjunto, ape-
nas um terço podia ser classificado como consistindo em fortes opo-
nentes do abolicionismo com base nos seus votos.
Com a abertura da sessão especial da Assembléia Geral em mar-
ço de 1885, tornou-se logo evidente que o Projeto Dantas seria a
maior preocupação e que o debate, se se desenvolvesse, viria a foca-
lizar-se na questão da indenização. A imprensa do Rio dedicou mui-
to espaço às questões legais e filosóficas envolvidas na libertação de
escravos sem compensação. Cerca do final de março, o Jornal do
Commercio publicou um artigo não só hostil à libertação de sexa-
genários sem compensação, mas também à indenização através de
contratos de trabalho, uma solução já aceita em muitas partes do
país. Até mesmo a Lei Rio Branco, alegou o jornal, com sua pro-
visão para a indenização através de trabalho, violara os direitos de
propriedade, já que os proprietários com um direito permanente ao
trabalho de seus escravos não podiam ser indenizados por um con-
trato garantindo serviços durante um período limitado. Só havia uma
forma de indenizar, concluía o artigo, que era “pagar o dinheiro”.
No mesmo número desse jornal, ironicamente, “Clarkson” (o pseu-
dônimo de Gusmão Lobo, antigo deputado de Pernambuco) criti-
cava aquilo que ele considerava medidas tímidas de emancipação no
Projeto Dantas: o estabelecimento dos preços de escravos segundo
a idade, o imposto gradativo, a indenização através de contratos de
trabalho e um período fixo para a abolição. 37
Se ainda havia qualquer dúvida sobre que provisões do Projeto
Dantas mais ofendiam os proprietários de escravos, essa dúvida foi
desfeita quando o debate sobre o projeto foi iniciado em 13 de abril.
Moreira de Barros, de São Paulo, sempre apressado em liderar a
oposição, informou a Câmara de que os dissidentes liberais se ha-
viam separado do governo Dantas em 1884 devido a oporem-se à
emancipação sem indenização. Em seguida, propôs uma resolução,
assinada por ele próprio e nove outros liberais (seis de Minas Gerais
e três do norte), para negar o apoio da Câmara com base na mesma
razão. Dantas contra-atacou esta nova ameaça a seu governo sugé-
rindo que os seus oponentes reconhecessem francamente que aquilo
que desejavam, na realidade, era indenização monetária para a liber-
tação de escravos idosos, um princípio que seu governo não aceita-

87 Jornal do Commercio, 29 de marco d : in é 20


12 de abril de 1885. e 1885. Para mais críticas
projeto, ver Brasil,

268
ria. A votação que se seguiu produziu um empate (cinguenta votos
a favor e cinquenta contra), salvando temporariamente o ministério
e permitindo que a discussão continuasse, mas eliminando pratica-
mente qualquer esperança de o Projeto Dantas poder vir a passar
pela Câmara sem ser revisto e sofrer emendas. 28
Apesar disso, esta trégua nem mesmo durou três semanas. Outra
resolução de falta de confiança no governo causou a queda do mi-
nistério Dantas em 4 de maio por cingiienta e dois votos contra cin-
quenta. A votação seguiu de um modo geral as linhas dos partidos,
com apenas três conservadores apoiando Dantas e nove liberais díssi-
dentes votando contra ele — com cada voto dissidente sendo viia!.
contudo, e dado com o conhecimento de que provocaria a queda de
seu governo. *º Tal como o Jornal do Commercio comentou no dia
seguinte, os conservadores haviam obtido uma vitória parlamentar,
votando meramente contra o regime. Os dissidentes liberais haviam
liderado a oposição, preparado e assinado as resoluções de falta de
confiança e dado os votos vitais que haviam causado a segunda crise
ministerial em menos de um ano. 4 Procurando salvar seu governo,
Dantas apelou de novo para Dom Pedro, pedindo-lhe que dissol-
vesse a Câmara e convocasse novas eleições. Desta vez, porém, o
Imperador aceitou os resultados das recentes eleições e chamou um
liberal menos comprometido, José Antônio Saraiva, para formar
um novo ministério e tornar o Projeto Dantas mais aceitável pelos
conservadores e os liberais dissidentes. A primeira tentativa séria
para assegurar uma reforma moderada da escravatura, em treze anos,
fora detida por uma oposição determinada.

O GABINETE SARAIVA
E O PROJETO CORRIGIDO

Uma SEMANA depois do voto de falta de confiança, o novo Pre-


sidente do Conselho — um forte oponente da reforma da escrava-
tura na sua administração anterior — informou a Assembléia de que
insistiria sobre a libertação dos escravos o mais rapidamente possível,
embora concedesse à agricultura o tempo de que precisasse para ad-

88 Annaes da Camara (Sessão Extraordinária) (1885), II, 313-327.


80 Ibid., III, 6-11; ibid., “Histórico”, página 5.
4 Jornal do Commercio, 14 de abril de 1885.
“41 Lyra, História de Dom Pedro II, III, 21-23.

269
quirir novos trabalhadores. Mais amigável para com os fazendeiros
do que seu antecessor, Saraiva chegou a prometer ajudar a Teorga-
nização do sistema de trabalho, concedendo aos lavradores “uma
parte do valor do escravo.” * O que isto significava depressa foi re-
velado. Durante a semana anterior, o Projeto Dantas fora corrigido
e revisto radicalmente pela nova administração e, assim, quando fo;
de novo apresentado à Câmara, em 12 de maio, os oponentes do pro-
jeto anterior receberam esta nova versão com entusiasmo. Os aboli-
cionistas, por outro lado, ficaram fora de si e não tardaram a ali.
nhar-se contra as mudanças e o novo governo liberal. Analisando
o Projeto Saraiva, artigo por artigo, perante uma multidão que enchia
o Icatro Polytheama, Rui Barbosa demonstrou que este projeto se
afastava significantemente do espírito e dos objetivos do Projeto
Dantas, que, enquanto este constituíra um passo na direção da li-
bertação, “uma transacção abolicionista,” o projeto preparado pelo
novo ministério era uma “capitulação escravista.” 43
Uma comparação dos dois projetos depressa explicará as rca-
ções que eles motivaram. O Projeto Dantas propusera que os escra-
vos que alcançassem sessenta anos fossem libertados ipso facto, mas
o projeto de Saraiva, por outro lado, declarava que os escravos
assim libertados deveriam, como uma forma de compensação para
seus senhores, conceder-lhes trabalho de graça por mais três anos (ou
até alcançarem a idade de sessenta e cinco anos). “4 O Projeto Sa-
raiva (e a lei final, sancionada em 28 de setembro de 1885) estabe-
lecia os valores dos escravos em níveis mais elevados do que o fizera
o Projeto Dantas, apesar de uma provável queda dos preços de es-
cravos durante os meses que separaram a preparação dos dois pro-
jetos. + No Projeto Saraiva (tal como na lei final) os fazendeiros
que concordassem com uma conversão rápida e total para o trabalho
livre teriam o direito de vender todos os seus escravos por títulos
a cinco por cento valendo metade do valor oficial de seus escravos.

&2 Organizações e programas ministeriais, página 217.


“3 Duque-Estrada, 4 abolição, página 165; Rui Barbosa, Confederação Abo-
licionista. Homenagem ao patriotico ministerio Dantas; Sessão publica e
solemne realizada no dia 7 de junho de 1885 no Theatro Polytheama (Rio
de Janeiro, 1885), página 41. O Projeto Saraiva foi publicado em Annaes
da Camara (Sessão Extraordinária) (1885), III, “Histórico”, páginas 16-19.
“4 A legislação final (Ver Apêndice III) permitia que os sexagenários evi-
tassem este trabalho adicional se pagassem 1008000 a seus senhores.
é O Projeto Saraiva estabeleceu as avaliações mais elevadas (para escravos
com menos de 30 anos) em 1:000$000, enquanto o Projeto Dantas apresen-
tava um máximo de 8008000. Na lei final este valor máximo ficou em
9008000.
DJ Á cgi dg

270
Os trabalhadores que fossem libertados dessa forma teriam de perma-
necer ao serviço de seus antigos donos por mais cinco anos em
troca de seu sustento e de um salário de cinco reis por dia. Conforme
Rui Barbosa salientou, os donos podiam receber mais de 60 reis por
dia em juros dos títulos que lhes eram concedidos para “libertarem”
seus escravos, doze vezes a remuneração diária a ser paga aos “li-
bertos” por seu trabalho. O juro dos títulos a ser recebido por liber-
tar até mesmo os escravos mais idosos seria mais do que duas vezes
o salário diário e seria pago durante trinta anos, presumivelmente
até muito depois dos antigos escravos terem morrido 48
Os projetos Dantas e Saraiva (e a lei final) previam uma
sobre-
taxa em todas as formas de receita do governo exceto os direitos de
exportação, mas no projeto revisto havia uma diferença na for
ma
como este dinheiro seria usado. ” O projeto original dispunha que
toda a receita dessa sobretaxa seria usada para libertar escravos,
mas
o Projeto Saraiva (e a lei final) dividia a receita em três par
tes
iguais. Um terço seria usado para libertar os escravos mais
idosos
e menos valiosos (os que já estivessem perto dos sessenta anos
de
idade), um terço seria para libertar escravos cujos donos se conver
-
tessem completamente para o trabalho livre (em troca de
títulos e
mais cinco anos de trabalho forçado) e o último terço ser
ia usado
para importar colonos para trabalhar nas fazendas. O Pro
jeto Dantas
teria imposto uma sobretaxa para o benefício principalmente
de
escravos, mas segundo os termos do Projeto Saraiva aqu
eles que
mais ganhariam com essa sobretaxa seriam os donos dos
escravos.
A cláusula mais objetável do Projeto Saraiva, que Rui Bar
bosa
comparou. com a Lei do Escravo Fugitivo dos Estado
s Unidos, “8
previa multas de 500 a 1.000 mil-reis a quem ajudasse ou
abrigasse
fugitivos, uma provisão emendada na lei final para colocar
o crime
de auxiliar os fugitivos ao abrigo do Artigo 260 do Código Crimin
al.
Esta mudança reduziu a multa para entre cinco e vinte
por cento
do valor do escravo ajudado, mas fazia
com que as pessoas que
ajudassem esses fugitivos pudessem ser presas por um
período de
até dois anos. 4º Tanto José do Patrocínio quanto Rui
Barbosa disse-

46 Ver Barbosa, Confederação Abolicionista. Homenagem, páginas 33-35.


47 Esta sobretaxa era de seis por cento no Projeto Dantas e de
cento no Projeto Saraiva e na legislação final. cinco por
“8 Barbosa, Confederação Abolicionista. Homenagem, páginas
49 Artigo 260 do Código Criminal de 39-40.
1830, contido sob o Título HI,
“Crimes contra a Propriedade.” Esse artigo definia a
negligência em re-
gistrar uma descoberta de qualquer objeto perdido dentro
de um prazo de
quinze dias como “furto” e declarava que as pessoas consider
adas culpadas

271
ram a públicos abolicionistas que o novo registro de escravos per.
mitiria que os donos registrassem homens livres como escravos, Am-
bos eles viam esta mudança no projeto como uma razão para a dis-
posição de Andrade Figueira (da província do Rio de Janeiro) de
aceitar esta parte da legislação. *º
Todas as três versões da “reforma” continham provisões para
forçar os antigos escravos a viverem e trabalharem durante cinco
anos nos municípios no qual fossem libertados. Os libertos que saís-
sem de seus distritos, disse a lei final, deviam ser considerados va-
gabundos, presos pela polícia e obrigados a trabalhar em colônias
agrícolas ou em obras públicas. Um escravo liberto tinha de encon-
trar trabalho ou, então, ser preso por quinze dias, com os ociosos
incorrigíveis sendo enviados para uma das várias colônias agrícolas
administradas sob disciplina militar, que o governo estabeleceria
em vários pontos do país.
Às poucas provisões da legislação final que os abolicionistas
poderiam ter acolhido favoravelmente, se elas não tivessem sido
sombreadas pelas provisões menos aceitáveis, incluíam a abolição do
comércio interprovincial de escravos (os cativos levados de uma
província para outra seriam considerados livres) e uma escala de
valores decrescentes que tinha por objetivo acabar com a escravatura
em treze anos. A nova legislação deveria, nas palavras do Imperador,
trazer a tranquilidade aos fazendeiros da nação, mas milhares de
abolicionistas desiludidos viram-na como uma rendição aos interes-
ses desses fazendeiros. 51

O DEBATE

O ProseTo Saraiva criou um alinhamento inteiramente novo na


Câmara dos Deputados. Dantas fora oposto pela maioria dos conser-
vadores, mas Saraiva teve o apoio da maior parte dos membros do
partido da oposição. Dois pequenos grupos de conservadores opuse-
ram-se a Saraiva. Estes incluíam alguns que rejeitavam qualquer mu-

de tal crime
das leis do
estavam
Imperio
sujeitas
(1830), às190, acim a mencionadas penas. Ver Colecção
Co
50 Gazeta da Tarde, 17 de maio de 1885; Barbosa,
Confederação Abolicio-
nista. Homenagem, página 21; Nabuco, Cartas
61 An na es da Ca ma ra
a ami I, 149
ra u R sb os (18 85)
fvairiação ob , I, 10. Para fortes crític
nsas ao ao Projet
Ê o Sa raiva,
olicioni i da 5,
15 de maio de 1885. lonista (Rio de Janeiro, 1885); Rio New
272
dança nas leis que governavam a escravatura — nomeadamente An-
drade Figueira, da província do Rio de Janeiro, e Barros Cobra, de
Minas Gerais — e uma facção conservadora algo maior, predomi-
nantemente das províncias do norte, que considerava o projeto dema-
siado moderado. A maioria dos dissidentes liberais que se tinham
oposto a Dantas apoiaram Saraiva, enquanto os abolicionistas líbe-
rais formaram uma facção antigovernamental, nova e mais ampla,
dentro do Partido Liberal.
Saraiva ficara, de fato, tão enfraquecido depois do projeto ter
passado pela Câmara em meados de agosto e o projeto dependera
tanto, para sua aprovação, da minoria conservadora que ele e seu
ministério se sentiram obrigados a demitir-se. Incapaz de encontrar
um líder liberal que pudesse voltar a unir o fragmentado Partido
Liberal, Dom Pedro preferiu desfechar outro “golpe imperial”, pe-
dindo ao conservador preeminente, o Barão de Cotegipe, que for-
masse um governo de minoria. Para desespero dos liberais radicais,
foi sob a liderança deste velho fazendeiro-político pró-escravatura
— que tinha o apoio de muitos liberais moderados — que o projeto
foi aprovado rapidamente, sem emendas, pelo Senado, a tempo de
o Imperador poder sancioná-lo no décimo quarto aniversário da Lei
Rio Branco. º2
Durante o longo debate, os liberais, em ambas as câmaras, criti-
caram amarga e repetidamente o Projeto Saraiva. Joaquim Nabuco,
que regressara recentemente à Câmara após uma longa ausência.
encontrava-se entre os críticos mais diretos, rejeitando o projeto pelo
fato de acreditar que o Brasil já estava pronto para uma legislação
muito melhor e, também, por prever um ritmo muito mais rápido
de mudança social. O Projeto Saraiva, acreditava ele, ameaçava bar-
rar a reforma mais radical de que a nação precisava. 53
Os críticos atacaram provisões específicas da legislação. Um
deputado do Rio Grande do Sul indicou que a sobretaxa seria de
difícil aceitação por uma população que já pagava impostos pesados,
particularmente no que se referia aos cidadãos que já haviam liber-
tado seus escravos e seriam forçados a ajudar a emancipar os escra-
vos de proprietários menos generosos. Souza Dantas, da Bahia, não
encontrava qualquer razão que justificasse um imposto que era apli-
cado a todos os cidadãos, mas que tinha por fim, principalmente,
beneficiar um número muito limitado de fazendeiros abastados. Os

52 Lyra, História de Dom Pedro II, III, 23-29: Rio News, 14 de agosto
de 1885.
58 Annaes da Camara (1885), II, 160-161, 206.

273'
críticos consideravam injusto e até mesmo absurdo que escravos com
menos de sessenta anos pudessem ser libertados pelo fundo de eman.
cipação, enquanto os de sessenta anos ou mais teriam de trabalhar,
para obter sua liberdade, por mais três anos. Já com mais de sessenta
anos ele próprio, Cristiano Otoni, de Minas Gerais, observou que,
quando um escravo alcançava essa idade “começa... a obrigação de
servir, ao mesmo tempo que desapparece a esperança de libertar-se
pelo fundo de emancipação.” 5*
Os abolicionistas deploraram o parágrafo que tornava um crime
dar asilo a um escravo fugitivo. O Senador Dantas opôs-se à con-
cessão de subsídios — a serem pagos pela nação como um todo —
para serem usados para importar colonos destinados a trabalharem
nas fazendas. Os oponentes afirmavam que a obrigação dos libertos
de viverem cinco anos nos municípios onde haviam sido libertados
os reduzia a uma escravidão temporária, 55
A nova tabela de preços para a libertação de escravos através
do fundo de emancipação atraiu repetidas críticas. Um senador de
Minas Gerais queixou-se de que os níveis de preços do projeto eram
muito mais elevados do que o preço do mercado e previu que até
os inválidos seriam vendidos aos altos preços estabelecidos pela legis-
lação. O Senador Otoni previu um fim para todo o movimento de
libertação até o governo pagar aos proprietários aquilo que garan-
tira. Os donos de escravos, forçados por circunstâncias pessoais a
venderem seus cativos, afirmou ele, encontrariam especuladores dis-
postos a pagarem um preço abaixo dos níveis estabelecidos pelo go-
verno, esperando obterem o lucro que o governo parecia prometer.
Os preços criados pelo projeto eram tão elevados, disse Nabuco, que
os escravos, em muitos lugares, deixariam de ser libertados aos preços
correntes. Onde, perguntou Pedro Salgado, do Rio Grande do Sul,
é que os escravos valiam 900$000, exceto no Rio de Janeiro, Minas
Gerais ou São Paulo? 58 <A lei dirá aos particulares,” comentou O
Senador Escragnolle Taunay, “Não liberteis mesmo nenhum escravo
por 2008000 ou 300$000, porque o Estado vos garante 6654000.” e
Se as avaliações dos escravos estabelecidas pelo Projeto Saraiva tI-
vessem existido em lei de 1883, disse Nabuco à Câmara, os grandes
movimentos de libertação do Ceará, Amazonas e Rio Grande do
Sul não poderiam ter ocorrido. 58

54 Ibid., II, 214, 442; III, 351, 512.


66 Ibid., II, 211; Annaes do Senado (188 É
ES, Ibid IN, 43,92; Annoesdo o am Seda Vo. 100-105.
57 Annaes do Senado (1885), IV ie USA) HI, 128, 352.
08 Annaes da Camara (1885), III, 123. “Mas o que torna esses preços
tão
274
As opiniões dos oponentes do projeto refletiram-se nas emen-
das que recomendaram. Estas incluíram propostas para libertar os
escravos idosos sem que eles precisassem de trabalhar mais, para
acabar com o castigo corporal, para libertar todos os escravos nas-
cidos na África com mais de cinquenta e quatro anos e seus filhos,
para eliminar a provisão sobre os escravos fugitivos, para conceder
educação a ingênuos e para abolir as vendas e aluguéis de escravos.
Houve também propostas para libertar escravos usados em profissões
imorais, libertar os escravos de clérigos, professores, estrangeiros
e juízes, para conceder a liberdade imediata a todos os escravos do
Brasil (com a obrigação de servirem seus senhores por mais cinco
anos). 5º Estas propostas foram todas rejeitadas, com apenas emen-
das menores tendo temperado o projeto, sem por isso o tornar mais
aceitável para os abolicionistas. No Senado, apesar de incessantes
críticas, nem uma vírgula foi mudada, visto que o Barão de Cote-
gipe estava ansioso por evitar uma perigosa demora. A questão
repousava sobre um ponto, disse ele ao Senado em setembro. O
projeto passava como estava ou, então, a questão ficaria em aberto,
para “agitar o espírito público...” 8º
Os discursos dos poucos legisladores que viram o projeto como
demasiado radical foram como se um eco do debate Rio Branco,
particularmente quando a discussão se voltou para as provisões que
ameaçavam os direitos de propriedade. Andrade Figueira considerou
a indenização prevista no projeto como “ridicula”, a eliminação da
escravatura através de diminuições anuais nos valores dos escravos
como uma “negação da indemnização”, a compensação através do
trabalho como nenhuma compensação, o conceito dos preços fixos
dos escravos como uma violação da lei econômica. A agricultura
não poderia suportar o custo da abolição sem uma indenização, ad-

escandalosos,” escreveu Nabuco a Charles H. Allen, da Sociedade Britânica


e Estrangeira Anti-Escravatura, “é o fato de representarem o dobro e, em
muitas províncias, até três vezes os preços correntes. O Governo avalia de
modo tão elevado o valor dos escravos que será impossível que qualquer
província faça, a partir de agora, o que o Ceará e o Amazonas fizeram
— quero dizer, libertarem-se através da diminuição do valor dos escravos —
já que os escravos têm, agora, um preço que impedirá que as pessoas os
cedam e que fará com que cada proprietário de escravos espere sua vez
para vender seus escravos ao Estado a um preço mais elevado do que
poderia obter no mercado.” Citado pelo South American Journal, 17 de
outubro de 1885.
59 Annaes da Camara (1885), II, 116, 298; III, 546-549; IV, 42: Annaes
do Senado (1885), V, 41, 135, 188.
60 Annaes do Senado (1885), IV, 157-159; Rio News, 15 de setembro
de 1885.

275
vertiu Valadares, de Minas Gerais, recordando à Câmara que tanto
a França quanto a Inglaterra haviam indenizado. º!
Os oponentes advertiram sobre as consegiiências de libertar “uma
grande massa de população semi-barbara,” deixando-a à solta no
país, previu que os escravos migrariam para as cidades, que os liber-
tos se entregariam ao vício e ao crime. Os escravos libertos não
permaneceriam nas fazendas, insistiu Andrade Figueira, num debate
pessoal contra Saraiva, na Câmara. “... Não conte com serviço de
libertos: não há maneira de os obrigar ao trabalho,” advertiu Mar.
tinho Campos, de Minas Gerais. 82
Apesar de mais discretas do que durante o debate de 1871, as
diferenças regionais sobre a escravatura também emergiram em 1885
de maneira significante. Era óbvio, conforme Saraiva disse à Câma-
ra, que a escravatura não tinha importância para o Amazonas, onde
as poucas centenas de negros existentes já tinham sido libertadas
e os “pobres indios” continuavam trabalhando. 8 Era óbvio, também,
que os proprietários de escravos nas províncias em que os preços dos
escravos eram elevados poderiam ver a tabela do governo dos valores
de escravos como injusta, enquanto, em outros lugares, os preços
apresentados no projeto teriam inspirado uma certa alegria entre
os senhores. Reconhecendo a grande variação nos preços dos escra-
vos de província para província, Prudente de Morais afirmou preferir
tabelas de preços diferentes para as diversas províncias. O paulista
Delfino Cintra pensava que os preços para o Rio de Janeiro, Minas
Gerais e São Paulo deveriam ser vinte e cinco por cento mais eleva-
dos do que os da tabela, que nas principais províncias do norte de-
veriam ser os da tabela e que, em outras partes do país, deveriam
ser vinte e cinco por cento menos. Andrade Figueira demonstrou
que, no Ceará e no Rio Grande do Sul, os preços do governo seriam
injustos para os escravos com economias suficientes para comprarem
sua liberdade ao preço do mercado, enquanto, nas províncias do
café, seria o proprietário quem estaria sujeito a prejuízo.
As mais significantes diferenças regionais, no entanto, foram
as que começaram desenvolvendo-se entre São Paulo e Rio de Ja-
neiro, o resultado. de novo, de diferenças econômicas entre essas
duas províncias. São Paulo, com sua rica indústria do
café, em
grande expansão, já atraía alguns europeus (6.500 em 1885 ou, seja,

61 Annaes da Camara (1885), 1, 140, 216.


de Jbid., 1, 142-143, 219, 241; Amnaes do Senado (1885), V, Apêndice,
página 79.
68 Annaes da Camara (1885), I, 243,
6 Ibid., I, 216, 250: II, 147,

276
18,3) por cento do número total de imigrantes europeus que entra-
ram no Brasil nesse ano), com esforços já estando sendo rea-
lizados para trazer mais. Mais rica do que a província do Rio de
Janciro, além do mais, a província de São Paulo estava melhor
preparada para aceitar a emancipação de escravos sem compensação
ou até mesmo a abolição da escravatura se esta lhe fosse imposta.
Por outro lado, muitos fazendeiros insolventes da província do Rio de
Janeiro e seus representantes não se encontravam em posição para
aceitarem um compromisso na questão da indenização e estavam
muito menos preparados para verem o final da escravatura. No de-
bate de 1885, os representantes de ambas as províncias encontraram-
se, como habitualmente, na vanguarda da defesa da instituição, mas
os paulistas revelaram uma maior disposição para o compromisso
do que seus aliados do Rio de Janeiro. As diferenças só apareciam
na superfície muito raramente, mas, quando isso sucedia, emergiam
muito claramente.
Particularmente significante durante o debate de quatro meses
foi a nova e diferente atitude do fazendeiro paulista conservador.
Antônio Prado, um dos mais famosos membros de talentosa família
de São Paulo. % Prado iniciara o debate como forte oponente da
reforma. Como um dos membros de uma comissão da Câmara en-
carregada de escrever uma opinião sobre o Projeto Saraiva, ele tor-
nara-se dissidente, em maio, da posição da maioria, rejeitando o
projeto com base no fato deste não garantir os direitos de proprie-
dade. 9º Menos de dois meses mais tarde, contudo, Prado mudara da
oposição para um apoio qualificado do projeto. A indenização não
era a principal necessidade dos proprietários de escravos, disse ele
à Câmara, em julho. Em vez disso, os fazendeiros só pediam que lhes
permitissem conservar seus escravos até que pudessem substituí-los
por novos trabalhadores. Um complemento necessário do Projeto
Saraiva, pensava Prado, seria uma provisão para auxiliar a impor-
tação de trabalhadores livres, pois os imigrantes europeus poderiam
tornar-se numa força mais poderosa para a eliminação da escrava-
tura do que todas as provisões do projeto.
Em agosto, Prado, já então um forte defensor de Saraiva e de
seu projeto de lei, declarou que os fazendeiros de São Paulo já não

66 Smith, Brazil, página 122.


66 Para um breve esboço da carreira de Prado como fazendeiro de café,
banqueiro e político conservador, ver Morse, From Community to Metropolis,
página 170. não
67 Annaes da Camara (Sessão Extraordinária) (1885), III, 250.
68 Annaes da Camara (1885), II, 86-91.

277
viam a Lei Rio Branco como a solução final para o problema da
escravatura. Apesar dos interesses vitais que ligavam sua província
à escravatura, São Paulo, disse ele, possuia uma compreensão: prática
das vantagens do trabalho livre e estava tomando medidas para a
transformação do seu sistema de trabalho. Os trinta ou quarenta
mil colonos europeus que até então já tinham chegado à província
preferiam trabalhar como apanhadores de café e, assim, os fazendei-
ros paulistas continuavam usando os escravos para limpar a terra. 6º
Recentemente, contudo, com o aumento das estradas de ferro para
o centro da província de São Paulo, os fazendeiros também já esta-
vam usando os europeus na limpeza da terra. *º O mais duro traba-
lho podia ser feito pelos brancos da Europa, disse Prado a seus co-
legas legisladores, e os europeus já estavam, finalmente, chegando
em números importantes, pelo menos em São Paulo. O óbvio fim
da escravatura e a riqueza dos novos fazendeiros do café haviam
começado, finalmente, a gerar “abolicionismo” entre os fazendeiros
de São Paulo. A mudança de Prado para o emancipacionismo foi
modesta e cautelosa em 1885, pouco mais, na verdade, do que uma
disposição para aceitar as provisões muito conservadoras da Lei
Saraiva-Cotegipe e para reconhecer a importância potencial da imi-
gração como um fator na transformação para um sistema de traba-
lho livre. A significação das atitudes, em evolução, de Prado veio
a ser mais aparente em 1887, contudo, quando, sob sua liderança, a
província de São Paulo se moveu decididamente para o campo aboli-
cionista, condenando a escravatura, por fim, a uma rápida extinção.

co As estatísticas de T. Lynn Smith revelam que cerca de 26 mil imigrantes


chegaram à província de São Paulo durante os onze anos decorrentes entre
1874 e 1884, inclusive. Ver Brazil, página 122,
TO Annaes da Camara (1885), III, 515-520.

276
Ninguém está obrigado
a respeitar a escravidão; pelo contrário,
é dever de cada cidadão
combatê-la por todos
os meios.

JOSE DO PATROCÍNIO
in Gazeta da Tarde, 22 de junho de 1886.

15

PRELÚDIO AO COLAPSO

RESULTADOS DA LEI SARAIVA-COTEGIPE

SE A LEI dos sexagenários tinha por intenção libertar os escravos


idosos, seu sucesso foi apenas parcial. As estatísticas oficiais colo-
cavam o número de cativos de sessenta anos ou mais em 90.713,
mas
apenas 18.946 pessoas foram registradas como sexagenárias em
1886
e 18871 (ver Tabela 6). Alguns, é claro, tinham morrido antes do
registro ter sido aberto seis meses antes da lei ser aprovada
ou antes
desse registro ser encerrado um ano mais tarde. Alguns dos
africa-
nos que haviam sido registrados como sendo mais velhos do que
eram, na década de 1870, para evitar as consegiiências da lei de
7 de novembro de 1831, talvez tenham recebido idades mais próxi-
mas da realidade, em 1886 e 1887, a fim de evitar as conseguências
da lei de 28 de setembro de 1885. Um número significativo, contudo,
nunca chegou a ser registrado por seus senhores e, assim, esses
escravos eram legalmente livres, enquanto outros foram “libertados”

Il Gazeta da Tarde, 13 de abril de 1885: Correio Paulistano, São Paulo,


l6 de setembro de 1887; Relatorio do Ministerio da Agricultura, 13 de
maio de 1887, página 38.

279
eri ore s à ap ro va çã o da lei co m a co nd iç ão de con -
nas semanas ant
tinuarem prestando seus serviços por períodos mais longos do que
os requeridos pela Lei Saraiva-Cotegipe, em alguns casos por ter-
mos de sete anos. 2 A maioria dos sexagenários registrados estavam
localizados nas três principais províncias do café. Todavia, até mes-
mo nessa região, o número registrado era apenas uma pequena mi-
noria de todas as pessoas registradas como tendo cinquenta e um
anos de idade ou mais durante a década de 1870, as quais, se ainda
vivas, poderiam ter-se beneficiado da lei de 1885 (comparar Tabe-
las 5 e 6).
Ainda mais significante do que o surpreendentemente baixo re-
gistro de sexagenários foi o aparente fracasso no que se refere aos
proprietários de escravos registrarem muitas pessoas mais jovens em
certas regiões do país. A queda de mais de 400 mil pessoas na popu-
lação escrava registrada entre junho de 1885 e maio de 1887 (ver
Tabela 11) foi indubitavelmente o resultado de um elevado índice
de mortalidade, atos individuais de emancipação e, teoricamente, pelo
menos, a eliminação automática de mais de 90 mil escravos, regis-
trados antes como tendo mais de sessenta anos. Todavia, o maior
declínio na população escrava do Nordeste durante aqueles dois
anos (42 por cento) e das províncias do oeste e do sul (54,3 por
cento) sugere que muitos dos proprietários nessas áreas ignoraram
o novo registro e, assim, libertaram seus escravos por omissão. Em
comparação, a população escrava de São Paulo diminuiu no mesmo
período por cerca de 30 por cento e, na região do café como um
todo, incluindo o Município Neutro, onde a perda de população es-
crava era de longe a mais elevada na nação, a perda total foi de
menos de 34 por cento. Os proprietários das províncias do café re-
gistraram uma percentagem maior de seus escravos do que os pro-
prietários de qualquer outra região e, provavelmente, também com-
praram uma parte significante da população escrava do Município
Neutro.

2 O Paiz, 4 de maio de 1887; Novidades, 21 de março de 1887; Fonseca,


A escravidão, o clero e o abolicionismo, páginas 581-586. Esta decisão foi
invertida por Antônio Prado, que, como Ministro da Agricultura, declarou
em fevereiro de 1887 que qualquer contrato que violasse o espírito e a
letra da lei de 1885 seria anulado e ficaria sem efeito.

280
NOVOS RESSENTIMENTOS ABOLICIONISTAS

SE A LEGISLAÇÃO tivera a intenção, em parte, de silenciar os crí-


ticos da escravatura, a verdade é que foi apenas moderadamente
bem sucedida. A lei “eclipsou” o abolicionismo por um breve pe-
ríodo, conforme Nabuco afirmou, mas, ao surgir de novo, o movi-
mento não se mostrou menos impressionante do que antes. Se com-
parada com o passado, escreveu Nabuco pouco depois da promulga-
ção da lei, a nação estava tranquila. O abolicionismo provincial, tão
eficaz no Ceará, Amazonas e Rio Grande do Sul, fora detido e
regredira, talvez um resultado dos preços máximos dos escravos es-
tabelecidos pela lei, que o governo parecia prometer, preços esses
muito mais elevados do que os pagos por abolicionistas nas suas cam-
panhas de emancipação. Os artigos abolicionistas antes publicados
no Jornal do Commercio sob pseudônimos como Clarkson, Grey e
Garrison já não estavam aparecendo. ? A opinião abolicionista em
todos os lugares, escreveu Nabuco, “está sendo resfriada por uma
forte corrente glacial” que vem do palácio imperial. Dois ou três
anos de abolicionismo, pensava Nabuco, gastaram, “reserva moral
da nação, a sua capacidade de ressentir.” *
O eclipse, contudo, foi parcial e curto. Na realidade, logo depois
da lei ter sido aprovada, a imprensa antiescravatura renovou seus
ataques, deplorando a ameaça aos abolicionistas contida na cláusula
sobre os escravos fugitivos, denunciando a aparente aliança da Coroa
com os interesses da escravatura e a facilidade com que os proprie-
tários podiam, alegadamente, registrar escravos importados depois
de 7 de novembro de 1831. º “A mão de Sr. D. Pedro II não tremeu,
quando assignou esse ukase,” publicou a Gazeta da Tarde, num edi-
torial, um dia depois do projeto se tornar lei. “Não há ofensa ou
erro do proprietário de escravos que (a lei) não desculpe e perdoe,”
escreveu Lamoureux no jornal The Rio News, “enquanto não há,
por outro lado, qualquer possível falta do liberto que ela não coloque
sob supervisão policial e correção judicial. E de esperar, natural-
mente, que uma legislatura de proprietários de escravos faça leis nos

3 Estes três ingleses eram Gusmão Lobo, Rui Barbosa e Joaquim Nabuco,
respectivamente. Ver Nabuco, 4 Vida de Joaquim Nabuco, páginas 151-152.
4 Joaquim Nabuco, O eclypse do abolicionismo (Rio de Janeiro, 1886),
páginas 31-32.
5 A Monarchia Brasileira se agarrando á taboa da escravidão (Bahia, 1885),
páginas 65-66; Gazeta de Tarde, 14 de agosto de 1884.

261
seus próprios interesses, mas até mesmo nisto há um limite além
do qual não é decente ir.”$
Os abolicionistas não tardaram a ter mais razões de queixa,
No final de outubro, a agência de notícias portuguesa Havas infor-
mara o mundo de que a escravatura brasileira fora abolida. No iní-
cio de dezembro, essa informação já circulara amplamente no es-
trangeiro, segundo abolicionistas irados, mas o governo brasileiro,
conforme foi alegado, nada fizera para corrigir o erro. Em contraste
com a informação recebida nos países estrangeiros, os jornais brasi-
leiros publicavam anúncios ameaçando processar pessoas que abri-
gassem escravos e a polícia, procurando fugitivos, já começara revis-
tando casas particulares ao abrigo da autoridade que lhe era con-
ferida pela lei de emancipação. ?
A eleição nacional de 15 de janeiro de 1886 alimentou ainda

at
mais o ressentimento abolicionista. Realizada sob o regime de Cote-

A a
gipe, seu resultado foi uma Câmara dominada pelos conservadores
que parecia ainda menos simpática para com a reforma da escrava-
tura do que sua antecessora. º* A reação liberal e abolicionista a
esta burla eleitoral tomou a forma de uma censura ao próprio sis-
tema eleitoral. Num país de doze milhões de habitantes, queixavam-
se os editores abolicionistas, em que menos de duzentas mil pessoas,
principalmente proprietários de escravos e funcionários do governo,
eram elegíveis para votar, não se podia dizer que a legislatura re-
presentava a opinião nacional. A nação era abolicionista, disse um
jornal de Santos, como prova de sua acusação, mas a escravatura era
defendida na Assembléia. “Quando virmos uma autêntica medida
abolicionista tendo sua origem no Barão de Cotegipe,” escreveu o
jornal The Rio News em fevereiro, “acreditaremos, então, que se
pode esperar uma boa omelete feita com ovos estragados.” Nenhuma
nova medida abolicionista se poderia esperar deste governo ou
da nova Câmara de Deputados, previa esse jornal americano, “a não
ser que qualquer poderoso movimento popular force a adoção de

6 Gesela da Tarde, 29 de setembro de 1885: Rio News, 5 de outubro


de 1885.
7 Rio News, 24 de outubro e 5 de dezembro de 1885: Gazeta da Tarde,
26 de outubro de 1885. Segundo Fonseca, 4 escravidão, o clero e o aboli-
cionismo, página 341, a provisão dos escravos fugitivos foi usada pela primeira
vez na cidade de Cachoeira, Bahia, em 1885, contra o abolicionista Cesario
Ribeiro Mendes.
8 Nabuco, 4 Vida de Joaquim Nabuco, páginas 201-202; Organizações e
programas ministeriais, página 398. A eleição de 1886 foi uma reversão ao
sufrágio controlado, normal antes da reforma eleitoral de 1881. A nova Câ-
mara compunha-se de 103 conservadores e de apenas 22 liberais.

262
novas medidas progressivas,”? Lamoureux, como já era costume,
parecia mais consciente do potencial explosivo da sociedade brasi-
leira do aque muitos brasileiros, embora jamais tivesse tido quais-
quer dúvidas sobre as inclinações dos políticos governantes. Na rea-
lidade, em menos de dois anos e meio, esta mesma Câmara de Depu-
tados seria forçada por circunstâncias grandemente alteradas a aca-
bar inteiramente com a escravatura.

O MINISTÉRIO COTEGIPE
E O “REGULAMENTO NEGRO”

A ATITUDE pró-escravatura do ministério Cotegipe — aparente


na sua interpretação da nova lei — talvez tenha sido o mais poderoso
fator no rápido reflorescimento do abolicionismo. 1º Sob a direção
do Ministro da Agricultura de Cotegipe, Antônio Prado, a nova
lei foi implementada com pouca consideração pela opinião pública.
Cada nova decisão parecia favorecer os interesses dos proprietários
de escravos. José do Patrocínio criticou as regras que governavam
o novo registro de escravos e que foram promulgadas em 4 de no-
vembro de 1885, particularmente o fato de não requerer informação
sobre as origens familiares dos escravos a serem matriculados. “Ds
modo que, tendo morrido um escravo mulato, do Sr. Antônio Pra-
do,” escreveu o editor da Gazeta da Tarde com um humor sardô-
nico, “escravo que tivesse pouco mais ou menos a idade do mulato
que escreve estas linhas, e eu por infelicidade passasse pela fazenda
do illustre ministro no dia em que S. Exa. levasse o seu gado huma-
no à ferra ignominiosa da lei negra; se ao glorioso ministro désse a
phantasia para obrigar-me a entrar na manada, eu não teria meio de
provar que, por misericórdia de Deus, não sou escravo de tão grande
senhor.” Patrocínio criticou Antônio Prado pelas instruções que
ele enviou, alegadamente, aos presidentes do Amazonas e do Ceará,
ordenando-lhes que realizassem os registros de escravos nas suas
províncias conforme determinado na Lei Saraiva-Cotegipe, uma or-
dem que o editor abolicionista interpretou como uma extensão do

O Diário de Santos, Santos, São Paulo, 23 de novembro de 1886; Gazeta


da Tarde, 18 de janeiro de 1886; Rio News, 5 e 24 de fevereiro de 1886.
10 Tm decreto de 4 de novembro de 1885, regulamentando o novo registro,
parecia refletir a tendência de seu autor com suas repetidas referências aos
sexagenários como “escravos”, Ver Relatorio do Ministerio da Agricultura,
4 de maio de 1886, “Annexo N”, páginas 4-5.

263
' Ri
ã O =
E q !
x E ! homo
o af a
sistema da escravatura a áreas em que ele já fora considerado per-
manentemente eliminado. !! Como resultado desta decisão, 108 es-
cravos foram registrados no Ceará, durante 1886 e 1887 (ver Tabela
11), embora nenhum fosse encontrado nos confins do Amazonas.
Muito mais ofensivos, contudo, foram os regulamentos da lei emiti-
dos por Antônio Prado em 12 de junho de 1886, apelidados coleti-
vamente de “Regulamento Negro” por abolicionistas indignados, em
novos e enormes comícios no Rio de Janeiro. Apesar de grande parte
dessas diretrizes legais servir para salientar o caráter retrogressivo
da lei, duas das decisões de Prado foram particularmente ofensivas.
A primeira destas ampliou diretamente a vida da escravidão por
mais de um ano ao determinar que as diminuições anuais dos valo-
res dos escravos só começariam a contar a partir da data do registro
dos escravos e não da data da lei.
A interpretação de Prado quanto à proibição do comércio de
escravos interprovincial provocou ainda mais críticas. O escravo envia-
do de uma província para outra, dizia a Lei Saraiva-Cotegipe, seria
considerado livre, mas, segundo Prado, o Município Neutro, no que
se referia à implementação desta cláusula, seria considerado parte
da província do Rio de Janeiro. Assim, quase 30 mil escravos do
Município Neutro tornaram-se elegíveis para cruzarem uma fron-
teira provincial e irem para uma área onde persistia a procura de
novos escravos. “O infamante regulamento... manda recrutar na
capital brazileira victimas para as fazendas da provincia,” comentou
a Gazeta da Tarde no seu habitual estilo vitriólico. O regulamento,
escreveu Nabuco, era “uma conspiração baixa e sordida contra o
vislumbre de decencia que havia nesta capital em relação a escra-
vos...” 12 Na realidade, a queda de 74,9 por cento na população
escrava do Município Neutro, de 1885 a 1887, de longe a queda
percentual maior em qualquer das vinte e uma unidades políticas
do Império (ver Tabela 11), foi provavelmente o resultado. pe'o
menos em parte, da continuação do comércio de escravos entre a
cidade do Rio e a província vizinha do Rio de Janeiro, sendo intei-
ramente possível que escravos transportados do Município Neutro
também tenham ido narar nas províncias de São Paulo e de Minas
Gerais, embora a ilegalidade de um tal movimento impedisse a
comp'lação de estatísticas correspondentes.
Como se sua intenção fosse despertar a ira dos abolicionistas,
o decreto de Prado também regulava uma das mais criticadas partes

11 Gazeta da Tarde, 19 de novembro de 1885: ; 26


26
12 Ibid., 22 de junho de 1886. de março de 1886.

264

soá a Hr
da Lei Saraiva-Cotegipe. Referindo-se à cláusula dos escravos fugi-
tivos, a diretriz declarava que o castigo para “furto”, descrito no
Artigo 260 do Código Penal (até dois anos de prisão), seria apli-
cado a qualquer pessoa que, conscientemente, escondesse, empregas-
se ou aceitasse em sua casa ou estabelecimento um escravo pertencen-
te a outra pessoa. O público tinha a responsabilidade de informar so-
bre fugitivos ao Juiz local ou inspetor de polícia, no prazo de quinze
dias, e não fazê-lo poderia significar a prisão. Qualquer pessoa que
ajudasse um escravo que tivesse sido severamente punido por seu
dono ou que fugisse de seu lugar de emprego sob uma séria ameaça
de castigo também tinha a obrigação de levar esse escravo ao fun-
cionário público mais próximo o mais rapidamente possível, de ma-
neira a que as autoridades pudessem agir segundo a lei. 12
A fim de protestarem contra o “Regulamento Negro”, parti-
cularmente sua incorporação da capital na província do Rio de Ja-
neiro, mais de duas mil pessoas reuniram-se no Teatro Polytheama
em 29 de junho de 1886. O governo estava enganado, disse João
Clapp a este grande público, se pensava que poderia intimidar o
movimento abolicionista por meio de uma campanha de calúnias e
por uma força policial repressiva. A escravatura brasileira era uma
instituição difícil de matar, disse Nabuco na mesma reunião. “Ago-
ra, marca-se um prazo e (a escravidão) prolonga-o; isolam-se as
circunscripções e ella confunde-as.” O público adotou por unanimi-
dade uma resolução protestando “cheio de indignação e vergonha
contra o acto do governo que restabeleceu o commercio de escravos
entre a capital do império e a provincia do Rio e igualmente con-
tra o acto do mesmo governo elevando de treze annos a quatorze
e meio o prazo da escravidão segundo a lei Saraiva.” Os cidadãos
também apelaram “para os sentimentos de humanidade do Povo
Brazileiro, para que esse duplo e infame attentado contra a honra
nacional não se torne um facto consummado.” 14
A vitória de José do Patrocínio numa corrida eleitoral para
vereador, na capital, apenas dois dias depois, ofereceu mais provas
de que o “Regulamento Negro” fizera rolar o pedregulho abolicio-
nista uma vez mais. O próprio jornal de José do Patrocínio viu sua
vitória como um protesto enérgico contra o “regulamento indigno,
que tentou fazer desta Corte um mercado de escravos.” Houve ce-
lebrações durante grande parte do dia da eleição diante da redação

18 “Actos do Poder Executivo, 1886,” Colecção das leis do Imperio (1886),


Parte II, tomo XLIX, páginas 313-323.
lá Gazeta da Tarde, 30 de junho de 1886.

285
do editor vitorioso, que conseguiu, contudo, publicar três edições do
seu jornal no mesmo dia. A Gazeta comentou: “Seria interminavel,
se a tentassemos publicar, a lista das pessoas, de todas as classes
sociaes, que vieram abraçar ou trazer felicitações ao nosso amigo.
Não faltaram, entre elles, os representantes do exército e da armada,
que sempre têm olhado com sympathia para os esforços incessantes
do nosso director, em pról da liberdade dos escravos.” Os votos para
Patrocínio tinham vindo de trinta e sete dos quarenta distritos elei-
torais da cidade, um fato interpretado como significando que a idéia
da liberdade penetrara em todos os lugares, “até nos proprios em-
porios da escravidão, até nas proprias casas desses senhores, e tal-
vez no coração de seus filhos.” 15
A irada reação ao “Regulamento Negro” surgia, na verdade,
nas ocasiões mais formais e entre a mais seleta sociedade. O regula-
mento de 12 de junho era uma violação da autonomia territorial
do Município Neutro, acusou o presidente da Câmara Municipal na
presença do Imperador e da família real. A diretriz, disse ele, rea-
brira o comércio interprovincial de escravos, anulando os esforços
da Câmara Municipal, que, num só ano, libertara 560 escravos. 18
Tal como o governo Cotegipe, a Câmara dos Deputados também
parecia querer despertar a indignação dos sensitivos abolicionistas.
Por um voto de sessenta contra vinte e sete, a câmara baixa, domi-
nada pelos conservadores, decidiu, em julho, negar ao único aboli-
cionista popular que, então, havia entre eles, José Mariano, de Per-
nambuco, seu direito à sua cadeira da Câmara, estabelecendo uma
nova e quase sem precedentes explosão de atividade abolicionista em
vários pontos do país. Em 13 de julho, um público enorme, de mais
de oito mil pessoas, encheu o Teatro Polytheama do Rio a fim de
protestar contra a ação da Câmara, enquanto, na distante cidade
do Recife, cerca de três mil pessoas se reuniam diante da redação
de 4 Provincia, órgão do Partido Liberal de Pernambuco. Ambas
as reuniões denunciaram a decisão da Câmara de rejeitar as cre-
denciais de José Mariano, devidamente eleito no segundo distrito da

15 Ibid., 2 de julho de 1886.


16 Ibid., 4 de agosto de 1886. A ocasião foi uma reunião da Câmara no
aniversário da Princesa Isabel para a libertação de escravos através do
Livro de Ouro. Para mais sobre estas reuniões, ver Arquivo do Distrito
Federal. Revista de Documentos para a História da Cidade do Rio de
Janeiro (Rio de Janeiro, 1954), V, 337-338: Emancipação pelo Livro de
Ouro da Illma, Camara Municipal no dia 29 de Julho de 1885 (Rio de Ja-
neiro, 1885); DPHAG, 6-1-15; 6 1-16; 6-1-42, Uma pequena pintura contem-
porânea de uma dessas reuniões pode ser vista no vestíbulo do Palácio
Imperial em Petrópolis, um presente da Câmara Municipal ao Imperador.

286
capital pernambucana, e a decisão fraudulenta de conceder sua ca-
deira a um político conservador. As atividades abolicionistas nas
duas cidades, tão distantes uma da outra, foram coordenadas por
telégrafo. Uma mensagem recebida em Pernambuco, enviada da ca-
pital, informou os constituintes de José Mariano de que o homem
que eles prestigiavam estava defendendo sua causa na Câmara na-
cional, apoiado por uma multidão de simpatizantes. 1”
Derrotado na sua tentativa de conservar sua cadeira, José Ma-
riano, no final de julho, embarcou de vapor para Pernambuco, che-
gando três dias mais tarde à Bahia, onde era esperado por uma mul-
tidão abolicionista calculada em cinco mil pessoas. No início de
agosto, esse abolicionista liberal, já então um herói nacional, alcan-
çou a capital da sua própria província, sendo recebido com uma
manifestação extraordinária. “A cidade apresentava um aspecto fes-
tivo,” relatou a Gazeta da Tarde, “com as ruas engrinaldadas e os
navios embadeirados em arco.” Recebido por organizações comer-
ciais, acadêmicas, maçônicas e abolicionistas, José Mariano foi fes-
tejado numa procissão de cinco horas que começou nos cais da ci-
dade e terminou nas ruas do centro. Com as celebrações tornando-se
cada vez mais exuberantes, as guarnições locais foram postas de pron-
tidão. A totalidade da comunidade comercial fechou, alegadamente,
suas portas em honra do legislador que a cidade enviara para a capi-
tal da nação e que fora rejeitado. 18

A ABOLIÇÃO DO AÇOITE

O sucesso mais significante da reflorescência do movimento nos


meses finais de 1886 talvez tenha sido a revogação das partes das
várias leis brasileiras que legalizavam os açoites como castigo para
escravos em estabelecimentos públicos. Aquilo que inspirou esta ines-
perada reforma foi um acontecimento que envolveu a morte de dois
de quatro escravos condenados a 300 açoites por um júri na Paraíba
do Sul, uma comunidade de café a cerca de setenta quilômetros da
capital. Apesar de inúmeros incidentes deste tipo já terem ocorrido
antes, sempre despercebidamente, este foi discutido por Joaquim
Nabuco em O Paiz e a história foi divulgada sensacionalmente por

17 Gazeta da Tarde, 22 de julho de 1886.


18 Ibid., 24 e 28 de julho e 5 de agosto de 1886.

267
outros jornais. !º Levado à atenção do Senado por Dantas, o inci.
dente foi calorosamente debatido até que o Ministro da Justiça
propôs a eliminação do castigo corporal dos estatutos da nação.
Apressado, talvez, pela abolição total da escravatura em Cuba, de-
cretada em 7 de outubro, o projeto de lei (aprovado pelo Senado
em 4 de outubro) entrou na Câmara em 11 de outubro e foi trans-
formado em lei cinco dias mais tarde. 20
Numa Câmara que tinha a fama de ser quase inteiramente Opos-
ta a qualquer mudança na legislação da escravatura, o projeto en-
controu, notavelmente, pouca resistência, embora vários deputados
tivessem reconhecido que acabar com a ameaça do castigo físico
era quase equivalente à própria abolição da escravatura. Coelho
Rodrigues, do Piauí, informou coloridamente a Câmara de que uma
lei para abolir os açoites “traz no seu bojo a abolição...” Usando
uma retórica pró-escravatura mais convencional, Lacerda Werneck
fez a previsão de que a abolição dos açoites causaria o desastre, a
consternação, a desorganização da mão-de-obra. Os estabelecimentos
agrícolas não poderiam ser mantidos, declarou este experiente fa-
zendeiro, sem “o regimen severo do castigo.” Lourenço de Albu-
querque, de Alagoas, dirigiu suas dúvidas diretamente ao ministério:
“No caso de se realizarem os receios... dos lavradores,” perguntou
ele, “dispõe o governo de meios suficientes, de força publica bas-
tante e bem disciplinada para garantir-lhes a vida e a propriedade?”
Prevendo uma rápida emancipação, resultante dessa lei, o mesmo
legislador fez uma previsão: “Veremos em pouco tempo quem tem
razão, si eu que annuncio este facto, ou os nobres deputados que
agora O querem negar.” 2! |
Antônio Prado, defendendo o projeto em nome do governo,
negou que a lei pudesse trazer os resultados previstos, embora tives-
se razões para duvidar de seus próprios argumentos. A degradação,

19 Ver Nabuco, 4 Vida de Joaquim Nabuco, páginas 204-205, e Gazeta


da Tarde, agosto de 1886.
20 Annaes da Camara (1886), V, “Histórico”,
2 Para o debate sobre o projeto de lei, ver Annpág ina 7.
aes da Camara (1886), V,
páginas 452-482. Esta não fora a primeira vez em que a abolição dos
açoites havia sido proposta ou em que fora rejeitada com base no fato de
que outras formas de castigo não controlariam os escravos. Em resposta
uma proposta para acabar com os açoites, discutida pelo Conselho de Estadoà
em 1868, o Barão do Bom Retiro argumentara: “Abolida a (pena) de
e de prisão com trabalho, e penso que nenhuma
lação ao escravo. Para muitos, a de priprisã
são co m
trabalho, sendo este, como reg ular, tornar-se-há até um melhora-
incentivo e ” co,
O Abolicionismo, página 131.um
para o crime,” Ver Nabu

266
o exílio, os longos termos de prisão e até mesmo o trabalho forçado
—. castigos que restringiam os homens livres — pouco efeito produ-
ziriam entre os escravos, a quem a sociedade, de todos os modos,
concedia pouca dignidade, nenhum lar ou região certa e um mínimo
de liberdade pessoal. Os escravos sempre tinham continuado a tra-
balhar nas terras de seus senhores principalmente por medo do cas-
tigo físico. Sem esta restrição, conforme alguns deputados explica-
ram, a escravidão não funcionaria. Um ano depois, de fato, outro
senador de São Paulo viria a dizer à câmara alta que a mão-de-obra
escrava fora completamente desorganizada e que os escravus se ha-
viam tornado inteiramente incontroláveis desde o dia em que o cas-
tigo corporal fora abolido e os carcereiros locais já não eram auto-
rizados a infligir maus tratamentos aos fugitivos. 22 Contudo, a As-
sembléia Geral, sob pressão dos abolicionistas e o exemplo de Cuba,
aboliu o castigo corporal, a chave para o sistema da escravidão. Com
esta ação, conforme alguns tinham advertido, quase aboliram a pró-
pria escravatura.

22 Godoy, O elemento servil, página 44.

289
Alguns trabalhadores
entrando nos alojamentos dos escravos,
fechados com cadeados, em algumas fazendas,
e dizendo aos escravos quão facilmente poderiam
obter a liberdade, se se revoltassem,
poderiam incendiar o país inteiro...
O escravo não sabe
quão facilmente a
coisa poderia
ser feita.

A. SCOTT BLACKLAW, Slavery in Brazil,


The South American Journal, Londres, 20 de julho de 1882.

Contra a escravidão
todos os meios são legitimos e bons.
O escravo que se submette, attenta contra Deus
e contra a civilisação;
o seu modelo, o seu
mestre, o seu apostolo
deve ser Spartaco...

JOSE DO PATROCÍNIO
na Gazeta da Tarde, 22 de junho de 1886.

16

A CONVERSÃO DE SÃO PAULO

O ABOLICIONISMO NO PORTO DE SANTOS

Pouco depois da promulgação da lei que proibia o açoiteo de


escravos, o conflito nacional tornou-se, - dede fato, radical
escravatura
e a própria
começou desmoronando. Incitados por abolicionistas,
os
cativos começaram subitamente aban donando as
fazendas em gran-
290
des números. Unidades policiais, acusadas de agirem como mercená-
rios pagos, foram enviadas para recapturá-los e, no processo, entra-
ram em direto € violento conílito com os fugitivos e seus prote-
tores. Um governo desesperado voltou-se para meios inconstitucio-
nais para refrear o movimento de liberdade e agitou-se num ninho de
marimbondos de irados cidadãos. Igualmente exasperados, os fa-
zendeiros recoreram à violência e ao terror, enquanto outros come-
çaram libertando seus escravos para poderem salvar suas safras, suas
fortunas e sua sociedade. Nabuco já tinha previsto, em 1883, que
a abolição seria conseguida por um ato do parlamento, não por
meio de agitação nas ruas das cidades ou pelo incitamento à revolta
nas fazendas. 1! Todavia, os métodos pacifistas haviam falhado no que
se referia a trazer os resultados que os abolicionistas tinham ante-
cipado. A Assembléia aprovara uma lei inaceitável e, assim, no
ano seguinte, os oponentes da escravatura recorreram à ação não
legal. Um plano para rebeliões simultâneas de escravos nas fazendas
paulistas, a serem iniciadas na Noite de Natal de 1886, fracassou,
mas os escravos, apesar disso, começaram abandonando as fazendas
e não havia força no Brasil que os pudesse deter. 2
O palco da primeira cena de violência importante nesta última
fase da luta para abolir a escravatura foi a cidade de Santos, na
província de São Paulo. Apesar de Santos e as comunidades vizinhas
conterem menos de trezentos escravos em 1886, a Sociedade Eman-
cipadora 27 de Fevereiro dessa cidade ainda não conseguira, em ou-
tubro desse ano, convencer os residentes a separarem-se de um núme-
ro significante de seus cativos. * Este porto tropical no sopé da Serra
do Mar, com suas ligações econômicas com a produção das fazen-
das do interior, seus grandes depósitos de café e sua nova estação
ferroviária, construída para o transporte do café, dificilmente teria
parecido o local indicado, na realidade, para um choque decisivo
na luta da escravatura. Todavia, foi aí, no centro urbano de um
distrito já privado da maioria de seus escravos, que um dos mais
importantes movimentos abolicionistas locais se desenvolveu e foi
bem sucedido, embora por pouco tempo, no final de 1886 e início
de 1887, desencadeando toda uma série de acontecimentos local-
mente e, depois, regional e nacionalmente, conduzindo a um rápido
fim da escravatura.

1 Nabuco, O Abolicionismo, páginas 25-26.


2 Frank Vincent, Around and about South America (Nova York, 1890),
páginas 263-264.
8 Diário de Santos, 29 de julho, 25 de setembro e 17 de outubro de 1886.

291
Poucos dias depois da Assembléia Geral ter abolido o castigo
corporal, o demagogo mais eficiente do Brasil, José do Patrocínio
fez uma curta visita a Santos, dando aos simpatizantes locais úina
oportunidade para demonstrarem seu entusiasmo com discursos, fo-
gos de artifício, saúdes e entretenimento musical. * Deflagrada pelas
atenções de Patrocínio e a morte, uma semana mais tarde, de um
notável abolicionista paulista, José Bonifácio de Andrada e Silva,
o mais jovem, º a cidade foi transformada no mero espaço de uma
semana num centro estratégico e vital da luta abolicionista.
Depois da partida de Patrocínio, cuja presença, sem dúvida, aju-
dou a fortalecer o movimento local, conforme fizera quatro anos
antes no Ceará, os abolicionistas reuniram-se no Teatro Guarany
para prestarem homenagem a José Bonifácio e para adotarem um
programa para a rápida libertação de Santos. Em apenas cinco dias,
os escravos da cidade foram todos libertados e os fugitivos, já co-
nhecedores da abolição do açoite, começaram procurando refúgio
na região. Em 3 de novembro, numa aparente resposta ao súbito


aparecimento de um importante e já desenvolvido movimento aboli-


cionista em Santos, uma força de vinte soldados chegou da capital
provincial por trem e, durante a noite, começou patrulhando as ruas
nas proximidades da prisão, onde cinco fugitivos capturados esta-
vam presos. A atitude destes intrusos, disse o jornal abolicionista
Diário de Santos, era “ameaçadora, feia, hostil.”8
Durante as semanas seguintes, Santos ficou rapidamente conhe-
cida como um paraíso para os fugitivos das fazendas do interior e
os membros da polícia local começaram servindo como caçadores de
escravos, remunerados pelos fazendeiros. As tensões foram aumen-
tando até que, em 20 de novembro, o primeiro sangue foi vertido.
No dia anterior, o chefe da polícia da província de São Paulo, Dr.
Lopes dos Anjos, chegara a Santos com dezoito homens armados,
sob ordens do Ministro da Agricultura, Antônio Prado, no sentido
de prender fugitivos. Bem cedo na manhã seguinte, Lopes dos
Anjos, já com quarenta homens armados, conduzia quatro fugitivos
recapturados para a estação ferroviária quando sua força foi ataca-
da subitamente por uma multidão de abolicionistas, incitados, segun-
do foi alegado, pelos maus tratamentos que os guardas dispensavam

4 Ibid., 21, 22 e 23 de outubro de 1886.


6 Tratava-se do brilhante neto do “Patriarca da Independência Brasilei
Como professor na escola de direito de São Paulo,
ra.”
anties cravat ura ajudara a inspirar O
movimento de estuda ntes
Capítulo 5 deste livro. no final da década de 1860. Ver
6 Diário de Santos, 31 de outubro e 5 e 6 de novembro de 1886.

292
aus escravos. Na luta, os policiais dispararam suas armas, ferindo
várias pessoas, enquanto um dos escravos, aproveitando-se da con-
fusão, fugiu para as docas vizinhas, saltou para as águas da baía e
começou nadando para a margem oposta. Aplaudido pelos especta-
dores no cais, o nadador foi perseguido por dois pequenos botes.
Para delícia da polícia, um deles passou na dianteira do escravo,
mas o desconhecido barqueiro puxou o negro para dentro do bote e
começou remando vigorosamente em direção à outra margem, inci-
tado pelos entusiásticos abolicionistas. Frustrado pela reviravolta dos
acontecimentos, impotente no que se referia a recapturar seu pri-
sioneiro, Lopes dos Anjos ordenou que seus homens dispersassem a
multidão pela força. *
A crise em Santos durou mais quatro dias. No dia seguinte ac
do incidente nas docas, duas dúzias de policiais chegaram de São
Paulo e, três dias mais tarde, rumores de um ataque iminente aos
escritórios do Diário de Santos (um perigo real à luz da destruição
da redação da Gazeta da Tarde no ano anterior por cerca de cin-
quenta “capoeiras” que a invadiram) trouxe uma multidão de mais
de mil pessoas para sua defesa. Com esta demonstração de deter-
minação popular, a crise esvalu-se, mas tornara-se aparente que a
população de Santos estava compromissada com o abolicionismo.
Esta informação depressa chegou aos escravos do interior e estes não
tardaram a encaminharem-se às centenas para as vizinhanças do
porto do café. º

ANTÔNIO BENTO, OS CAIFAZES E


O MOVIMENTO DOS FUGITIVOS

Nos DEMAIS pontos da província, outros abolicionistas exerciam


uma ação direta para acabar com a escravatura. Estes revolucioná-
Trios eram encabeçados por Antônio Bento, líder do movimento pro-
vincial desde a morte de Luiz Gama, em 1882. Membro renegado
da classe dos fazendeiros, fanático do abolicionismo, inspirado pela
fé cristã, que Nabuco e o jornal The Rio News compararam com

7 Ibid., 21 e 23 de novembro de 1886: Gazeta da Tarde, 22 de no-


vembro de 1886.
8 Gazeta da Tarde, 5 de janeiro de 1885; Diário de Santos, 23 e 26 de
novembro de 1886.
9 Moraes, 4 campanha abolicionista, páginas 267-268.

293
John Brown, Bento era uma figura pouco ortodoxa com uma ten-
dência para usar chapéus de aba larga e longas capas negras, 10
Os ativistas que seguiam Bento eram chamados “caifazes”, um
termo derivado, provavelmente, através de uma complexa associação
religiosa ou mística, de Caifaz, o alto sacerdote que entregou Jesus
a Pôncio Pilatos. A chave para o uso dessa palavra por Bento, talvez
se encontre em João 11:50, no qual Caifaz, numa profecia incons-
ciente, afirma que Jesus “deveria morrer pelo povo e que, assim,
a nação inteira não pereceria.” Seja qual for o significado exato
lo termo usado por Bento, que parece ter sido inspirado pelo sim-
bolismo de Cristo o Redentor, ele e seus seguidores viam-se como
os instrumentos da redenção do Brasil. Já não satisfeitos com os
métodos legais, com os comícios, os desfiles e os fundos de emanci-
pação, tinham montado, em 1886, uma organização eficaz e muito
ramificada que se especializava em incitar os escravos a abandona-
rem as fazendas de seus donos, com ênfase, inicialmente, nas fazendas
em que os escravos eram notoriamente maltratados. 11
Instalado em algumas salas amplas emprestadas pela confraria
negra de Nossa Senhora dos Remédios, no centro de São Paulo,
Bento publicou um jornal, produzido rudimentarmente, que tinha
o nome simbólico de 4 Redempção, uma “folha” de propaganda na
qual, segundo as palavras de Evaristo de Moraes, “os factos e os
homens eram... expostos como em um pelourinho, e a nú...” De
gramática muito débil, este jornal paulista dirigia-se principalmente
ao “Zé Povinho”, mas não tardou a ser lido tanto nas “casas gran-
des” quanto nas senzalas. Em São Paulo, Bento mantinha uma casa
de alojamentos para negros desabrigados, assinalada no exterior por
um bandeira branca. Na sacristia de Nossa Senhora dos Remédios,
quartel-general dos caifazes, Bento reuniu uma coleção de instru-
mentos que, antigamente, haviam sido usados em escravos: chicotes

10 TIbid., páginas 261-262; Rio News, 5 de maio de 1888. Para uma des-
crição de Bento por um de seus seguidores, ver Bueno de Andrada, “A abo-
lição em São Paulo”, páginas 265-266.
11 Ibid., página 266. Há certas provas de que, em meados de 1887, uma
decisão para empregar métodos ilegais já havia sido comunicada a abolicio-
nistas em mais do que apenas uma parte da nação, talvez por
Bento ou
Patrocínio. O “abolicionismo subversivo” apareceu no Paraná em junho
de 1887 com o estabelecimento nessa província de uma “sociedade
secreta
antiescravagista,” chamada significantemente Ultimatum. Os membros desta
organização deviam usar pseudônimos, fazer qualquer
sacrifício, obedecer
todas as ordens de seus líderes e empregar a força se isso fosse necessário
para alcançar os objetivos da organização. Ver Ianni, As metamorfoses do
escravo, páginas 228-229.

294
de couro, coleiras, correntes, cangas e gargalheiras de ferro. Nesta
casa de religião, Bento era olhado como “uma espécie de Papa que
ouvia diariamente, em audiencia solemne, os seus ministros.” 12
Os homens que se juntavam a Bento vinham de todas as classes
e de todos os partidos políticos, incluindo os membros negros da
confraria de Nossa Senhora dos Remédios e a elite intelectual da
província, ex-escravos e antigos donos de escravos e seus filhos. Par-
ticipando na causa antiescravatura, havia homens que ganhavam
fama em outros campos e outros que talvez tivessem permanecido
desconhecidos, não fora uma breve descrição de suas atividades, que
um seguidor aristocrata de Bento, Antônio Manoel Bueno de An-
drada, publicou cerca de trinta anos mais tarde num jornal de São
Paulo. 1º
Bento atraiu para sua causa um proprietário liberal de uma loja
de louças, um pintor de altares e santos chamado “Chico Dourador”,
os fabricantes de charutos de uma loja de São Paulo e seus proprie-
tários, “um ninho de caifazes”, nas palavras de Bueno de Andrada,
sempre disponível quando chamado a proteger escravos abrigados
na sua casa ali perto. Esses seguidores incluíam o editor de um jor-
nal abolicionista, O Grito do Povo, e uma brilhante equipe de es-
critores. O movimento também contava com estudantes da academia
de direito, nomeadamente o escritor Raul Pompéia, que se especia-
lizou em incitar os republicanos esquivos a viverem abertamente
segundo suas alegadas crenças. Os seguidores de Bento também in-
cluífam comerciantes, padres, estudantes do ensino superior, oficiais
do exército, funcionários de casas comerciais, tipógrafos, conduto-
res ferroviários e até mesmo alguns membros da força policial da
província. |
Os caifazes recebiam tarefas correspondentes a seus talentos.
Um homem cujo apelido era Antônio Paciência tinha a prática de
trabalhar em fazendas até poder encontrar uma forma de colocar
todo um grupo de cativos no caminho da liberdade. A especialidade
de um homem chamado Antonico era infiltrar-se nos alojamentos

IZ2 Affonso A. de Freitas, 4 imprensa periódica de São Paulo desde seus


primórdios em 1823 até 1915 (São Paulo, 1915), páginas 315-316. (O autor
deste estudo da imprensa de São Paulo era um dos colaboradores de
A Redempção e um membro da organização secreta de Bento, que ele
descreveu.) Ver também, Cidade do Rio, 17 de fevereiro de 1888: Moraes,
4 campanha abolicionista, página 261; Antonio Gomes de Azevedo Sampaio,
Abolicionismo. Um paragrapho. Considerações geraes do movimento anti-
esclavista e sua história limitada a Jacarehy (São Paulo, 1890), páginas 9-10.
183 Bueno de Andrada, “A abolição em São Paulo”, páginas 261-272.

295
cs escravos altas horas da noite e convencer seus ocupantes a fu-
girem, uma prática que, finalmente, lhe custou a vida. Com rami-
ficações em muitas partes da província, com membros em institui-
ções particulares, na burocracia do governo e até em áreas rurais,
o movimento parecia invadir a sociedade paulista, embora conti-
nuasse secreto e conspiratório. “Da igreja dos Remédios,” escreveu
Bueno de Andrada, “a trama revolucionária ramificou-se para mui-
tas cidades do interior. Dos centros rurais mais importantes, Antô-
nio Bento e os redatores da “Redenção”, recebiam informações e
propostas para remessa de escravos. Em Campinas, no Amparo, Casa
Branca e outros pontos de aparente predomínio escravagista exis-
tiam grupos de pessoas que, sob muita reserva, conspiravam como
verdadeiros “caifazes”.” 14
Pelo menos uma descrição de uma reunião entre fugitivos e
abolicionistas foi registrada. Numa noite escura, em agosto de 1887,
um tal Antônio Sampaio encontrou um grande grupo de homens
reunindo-se misteriosamente numa estrada do interior e decidiu que
estavam roubando escravos. “A multidão veio para a rua cercando
o número de 10 creaturas humanas, mulheres com creanças no colo
e homens sujos, mal vestidos, trazendo nas mãos umas pequenas
trouxas de roupa.” Velas foram acesas e Sampaio reconheceu a
maioria dos homens livres.
“— Sois todos escravos? — perguntou alguém.
“— Somos, sim senhores — responderam.
“— Quereis ser livres? — tornaram diversos.
“— Queremos, sim senhores.”
A última pergunta convenceu Sampaio de que os misteriosos
homens não eram ladrões de escravos e sim abolicionistas, “pois que
se restituía a cousa furtada ao seu próprio dono.” 15
Convencer os escravos a abandonarem as fazendas foi apenas a
primeira e talvez mais perigosa iniciativa dos caifazes. Uma vez que
os fugitivos já se encontravam a caminho, os abolicionistas costu-
mavam escoltá-los até um local de refúgio. A capital provincial e O
porto de Santos eram os principais objetivos dos fugitivos, que via-
Javam a pé ou, ajudados pelo pessoal ferroviário, partiam para a
liberdade nos trens de passageiros. Chegados a seus destinos, encon-
travam abrigo em casas particulares, armazéns, fazendas e estabe-
lecimentos comerciais. Em Santos, onde chegavam com pou
tá Ibid., pág ca pu-
inas 264-270; Moraes, 4 campanha abolicionista, páginas 266-

276; Freitas, Á imprensa periódica, páginas 315-316.


I3 Sampaio, Abolicionismo, páginas 29-31. Grifo no original,

296
blicidade durante os primeiros cinco meses de 1887, construíram
uma cidade-favela, o quilombo de Jabaquara, em terras altas, não
ocupadas, entre o mar e as montanhas — uma imensa constelação
de cabanas de madeira, palha e barro, com folhas de zinco como
telhados, onde não tardaram a plantar jardins e a ganhar dinheiro
como carregadores de café nas docas ou através da manufatura de
carvão.” 16
Antônio Bento era tão espetacular quanto José do Patrocínio.
Para impelir a sociedade provincial a apoiar o crescente movimen-
to abolicionista, apelou para poderosas tendências místicas que atin-
giram até a vida urbana sofisticada da capital provincial. Um exem-
plo, relatado por Bueno de Andrada, sugere que o líder dos caifa-
zes era por si próprio motivado por uma religiosidade inflexível e
psicótica, o que o tornou um líder particularmente eficaz durante
a última e caótica fase do abolicionismo. Tendo recebido um negro
torturado, que lhe fora enviado por seguidores rurais, um escravo
que (foi afirmado) havia sido pendurado pelo pescoço numa cor-
rente de ferro, com seus pés mal tocando o chão e cujas palmas
da mão haviam sido furadas por uma faca, Bento decidiu apresen-
tar a vítima numa procissão religiosa, expondo teatralmente os mais
implacáveis aspectos da escravidão e identificando, ao mesmo tem-
po, o destino do homem torturado e os escravos da nação com o
martírio de Cristo.
Bueno de Andrada descreveu a procissão fantástica e tão ela-
boradamente apresentada:

Entre os andores dos santos, suspensos em longas hastes, aparec


iam ínstru-
mentos de tortura: goltilhas, grilhões, cangas, relhos, etc.
Na frente, debaixo
da imagem lívida de Cristo crucificado, caminhava trópego
e vacilante o
infeliz cativo. Nunca assisti a uma cerimônia tão triste
e tão sugestiva.
À impressão na cidade foi profunda! A polícia não ous
ou impedir a marcha
da massa popular. A multidão seguia silenciosa. Todos se sentiam profunda-
mente comovidos, menos o infeliz preto martirizado,
que às dores enlou-
quecera.

| Segundo a mesma testemunha, esta exibição emoc


ional “enti-
biou a força moral e o ânimo dos mais sanhudos escravagistas,”
e,

Iê Moraes, 4 campanha abolicionista, páginas 263-276: Sant


os, Os republi-
canos paulistas, páginas 182-183: Viotti da Costa, Da senzala à colônia
página 316; Morse, From Community to Metropolis, página
de Andrada, “A abolição em São Paulo,” página 266. 160: Bueno

297
desse dia em diante, os lares da cidade abriram-se a hordas de fu-
gitivos. 1º

ESCRAVOS ABANDONAM AS FAZENDAS


DE SÃO PAULO

As FUGAS das fazendas, uma característica que sempre fora co-


mum na vida brasileira, começaram ocorrendo com fregiência pou-
co habitual em 1886, tendo-se acelerado durante os primeiros meses
de 1887 e criado em junho desse ano uma ampla crise na província
de São Paulo. Os proprietários de escravos, vendo suas forças de
trabalho reduzidas pelas fugas em massa, começaram apelando para
o governo provincial, que respondeu com ordens aos funcionários
locais no sentido de garantirem o controle dos fazendeiros sobre sua
propriedade humana. Frustradas por um “abolicionismo cego e apai-
xonado”, nas palavras do jornal de Antônio Prado, o Correio Pau-
listano, as autoridades de São Paulo informaram o governo central,
no início de junho, sobre a deterioração da situação e pediram au-
xílio militar. IS Telegramas enviados misteriosamente a muitas pes-
soas e jornais, numa aparente tentativa de justificar a intervenção
de forças nacionais, afirmavam que três mil negros rebeldes mar-
chavam sobre a cidade de São Paulo. Os jornais dessa cidade refe-
riam-se a levantes maciços em Campinas e relatavam, com mais exa-
tidão, que dois mil fugitivos haviam encontrado refúgio em
Santos. 1º
Os desmentidos das rebeliões não tardaram a seguir-se, mas O
governo de Cotegipe enviou os reforços pedidos para São Paulo. O
navio de guerra Primeiro de Março, transportando uma força naval
de desembarque de cingiienta homens partiu do Rio com destino
ao porto de Santos e cingiienta e quatro oficiais e soldados do 10.º
Batalhão de Infantaria foram enviados por terra para a agitada área
de São Paulo, apesar da aversão que os soldados profissionais tinham
pelo papel de “sabujos”. As forças nacionais foram colocadas sob o
comando do presidente provincial, que foi autorizado a fazer uso
total de seus poderes executivos para devolver os fugitivos a seus

17 Ibid., página 267.


18 Correio Paulistano, 12 de junho de 1887.
eee azeta da Tarde, 13 de junho de 1887; Rio News, 15 de junho de

2968
Gonos. *º Poucas horas depois, uma vasta força de fazendeiros e de
capangas contratados, segundo foi informado, começara
os detendo
trens na cidade de Jundiaí e, com a autoridade co
ncedida pelo pre-
sidente provincial, fazia com que todos os passag
eiros pretos e mu-
latos descessem das carruagens para inspeção. 21
Em 12 de junho, o Correio Paulistano abrandou
um pouco a
crise com o desmentido das rebeliões de escravos, mas
acrescentou
agourentamente: “Deram-se, simplesmente, com mais frequencia,
casos de fugas de escravos que, em bandos, procuravam refugio no
municipio de Santos, onde contam com o acoutamento, mais dif-
ficil de ser alli descoberto e punido por motivos já conhecidos do
publico...” 22 O Diário de Santos também revelou relutantemente
que a população da cidade já se habituara à constante chegada de
refugiados e que grandes números destes se encontrava
m, de fato.
acampados nas vizinhanças. O jornal negava, contudo,
que tivesse
havido um súbito levante que justificasse o envio de um
a força na-
val para o porto. A vasta população fugitiva de Santos
era o resul-
tado, afirmou, de “uma lenta emigração feita surdam
ente aos pou-
cos, sem abalos e sem ruido.” 28
Queixas da imprensa contra o uso de soldados como
caçadores
de escravos e um pedido aberto para informação no
Senado causa-
ram explicações sobre a ação do governo, em meados
de junho, por
parte do novo Ministro da Agricultura, Rodrigo
da Silva. Muitos
proprietários de escravos de São Paulo, disse ele
à Câmara, haviam
concedido liberdade condicional a seus cativos,
mas a transformação
pacífica do sistema de trabalho fora interrompi
da subitamente por
uma “verdadeira gréve.” “Alliciados” por ab
olicionistas, os escravos
estavam abandonando as fazendas em massa.
“Fogem em todas as
direcções e, transportando-se nas estradas de
ferro,” disse o Minis-
tro, “vão homisiar-se na cidade de Santos,
onde consideram-se im-
munes e livres de qualquer coacção legal
por parte de seus senho-
res.” Não só o trabalho estava sendo desorg
anizado, mas a concen-
tração de fugitivos em Santos também re
presentava um “grave e

Diário de Santos, 14 de Junho de 1887; Correio


e Paulistano, 12 de junho
1887.
2l A Redempção, São Paulo, 14 de junho e 4 de ago
22 sto de 1837.
Correio Paulistano, 12 de junho de 1887.
2º Diário de Santos, 11 e 14 de junho de 1887.
não estava inteiramente pacífico. O Correi Santos, provavelmente,
o Paulistano de 2 de junho
de 1887, referindo-se especificamente a essa
cidade, falou dos “attaques de
hordas de vagabundos impellidos pela fome
quando não por maus ine-
tinctos...”

299
imminente perigo para a ordem publica e a propriedade.” Tendo
recebido pedidos de ajuda de conhecidos cidadãos de Campinas, o
governo enviara forças militares e navais “com o Intulto exclusivo
de manter a ordem publica e de tranquillizar os grandes interesses
agricolas e commerciaes ora em sobresalto.” 2*
As forças armadas, no entanto, já não eram capazes ou estavam
dispostas a deter os fugitivos. Os escravos fugitivos eram muitos e
grande parte dos soldados e oficiais já não acreditavam na legitimi-
dade da escravatura. Acima de tudo, na realidade, os cativos já co-
meçavam sentindo que sua escravidão terminara, que já podiam
abandonar seus senhores com impunidade e que outros estavam
abandonando as fazendas, não só nas redondezas ou no município
vizinho, mas também, talvez, nas fazendas de Pernambuco, Bahia
e Maranhão e, ainda, em outros locais do norte, onde muitos deles
haviam vivido. Nem mesmo a totalidade do exército brasileiro po-
deria ter forçado os escravos a permanecerem nas fazendas, disse
um membro da Assembléia Provincial de São Paulo alguns meses
mais tarde, inspirados, como estavam, em fugir e procurar a liber-
dade pela “clandestina propaganda dos emissários abolicionistas nos
centros de maior agglomeração de escravatura...” 2
Os escravos sempre haviam fugido, mas, de um modo geral,
individualmente ou em pequenos grupos, para se juntarem a grupos
maiores nas florestas ou em quilombos. Agora, porém, com uma
súbita consciência do novo estado de coisas, forças de trabalho de
fazendas, na sua totalidade, partiam para alguma floresta próxima,
para uma cidade distante ou para um destino inteiramente desco-
nhecido. A medida que iam fugindo cada vez mais, iam ganhando
poder sobre os proprietários cujos planos dependiam de seu traba-
lho. Com sua decisão de fugir das fazendas e a incapacidade dos
soldados e da polícia de detê-los, os proprietários não tinham outra
alternativa senão aceitarem uma mudança drástica no seu relacio-
namento com os escravos.
Os jornais e políticos do período atribuíram a fuga em massa
aos esforços dos abolicionistas. Fora a “ousada e astuta liderança de
Bento nesta iniciativa de fazer fugir os escravos das fazendas,” afir-
mou The Rio News, que colocara os fazendeiros de São Paulo “face
a face com a alternativa de providenciarem trabalhadores livres €
de libertarem voluntariamente seus escravos ou de não tardarem em

24 Annaes da Camara (1887), TI, 105.


Z> Annaes da Assembleia Legislatiy Praias » ,
EM So Po isso pás do) A HE São! Paulo. Sessão dE

300
ficar sem um só homem.” 26 No entanto, mesmo sem esse encora-
jamento. os escravos teriam abandonado as fazendas em vastos nú-
meros depois do castigo corporal ter sido banido no final de 1886,
já que a tradição da fuga estava bem estabelecida e o principal obs-
táculo à fuga fora eliminado. Os escravos eram ajudados por aboli-
cionistas, que viram a deserção em massa das fazendas como a única
forma de acabar rapidamente com a escravatura, mas muitos escra-
vos abandonaram seus senhores sem o incentivo abolicionista, fazen-
do, na realidade, o que dezenas de milhares já haviam feito antes
deles e sendo encorajados por um novo clima de opinião, que deve
ter penetrado até mesmo nas fazendas mais isoladas. Bento e seus
seguidores tiveram influência no processo, mas foi a decisão pessoal
do escravo individual, multiplicada muitas vezes, que trouxe o rá-
pido fim do cativeiro brasileiro.

O FENÔMENO FAZENDEIRO-EMANCIPACIONISTA
EM SÃO PAULO

Assim, o abandono das fazendas do café da província de São


Paulo causou uma mudança fundamental no sistema de mão-de-obra.
Enfrentando a perda de seus escravos e sentindo que a escravatura
não tardaria a ser abolida, alguns fazendeiros decidiram, antes da
crise de junho, seguir o exemplo dos proprietários do Rio Grande
do Sul e conceder a liberdade provisória através de contratos de
trabalho. Em junho e julho, houve uma verdadeira onda de tais
manumissões em São Paulo. Um dos eminentes cidadãos que reco-
nheceu, desse modo, o fim da escravatura foi Manuel Campos Sa-
les, antigo deputado, líder do Partido Republicano no sétimo distri-
to de São Paulo e, mais tarde, presidente da República. Em 2 de
junho, Campos Sales já dera um exemplo à sua comunidade com
a libertação de todos os seus escravos com a condição de que o
servissem por mais quatro anos,?” e dúzias de outros fazendeiros
não tardaram a fazer o mesmo.
“A primeira vista, isto parecerá ser um autêntico caso de con-
versão à causa emancipacionista,” comentou o jornal The Rio News,
que sempre suspeitava do pior por parte dos fazendeiros, “mas, quan-
do os fatos são conhecidos, verifica-se que esse impulso não é nem

260 Rio News, 15 de maio de 1888.


2" Diário de Santos, 2 de junho de 1887.

301
?
mais nem menos do que o do medo.” Apesar da ansiedade do fa-
zendeiro paulista típico já ter sido reduzida pela chegada de muitos
trabalhadores imigrantes, “ele ainda se mostra em favor de obter
tudo o que puder de seu escravo.” No entanto, um novo movimento
surgira “entre os jovens em várias partes da província,” prosseguia
o jornal americano do Rio, “que não constitui nada menos do que
ajudar os escravos a fugir. Os dois mil e tal fugitivos em Santos e
em volta da cidade são o resultado de seu trabalho e raro é o dia em
que não ajudam outros a escaparem.” Estes emancipacionistas
eram jovens de posição e influência “que não se assustam com
ameaças ou a interferência da polícia...” Eram tão numerosos
quanto bem organizados e, assim, os proprietários de escravos tinham
concluído que a melhor solução seria “comprarem a imunidade, li-
bertando seus escravos sob condições de serviço por um período
limitado.” São Paulo, pensava Lamoureux, seria uma província livre
“antes de ter tempo para considerar a ousadia do plano que está
sendo realizado.” 28
Os fazendeiros da comunidade do café de Campinas, que não
se haviam mostrado dispostos a juntarem-se ao movimento de liber-
tação até que muitos de seus escravos já os tinham abandonado, re-
uniram-se, finalmente, no final de agosto e início de setembro, para
discutirem a libertação. Um dos resultados dessas reuniões foi uma
declaração publicada que incitava à libertação provisória de escra-
vos. O problema da extinção da escravatura, dizia essa declaração,
seria melhor solucionado e mais rapidamente pelos próprios fazen-
deiros. 4 primeira preocupação da agricultura era a estabilidade da
jorça de trabalho, que estava sendo rapidamente induzida a fugir.
Se não fossem feitas concessões imediatamente, os escravos e os li-
bertos continuariam abandonando seu trabalho, visto que, com a
mudança do clima moral, a polícia já não os podia deter. Os pro-
prietários já não contavam com o apoio da opinião pública e as
pessoas que não possuíam escravos olhavam com indiferença
a fuga
dos cativos. Se os escravos fossem libertados com a condição de tra-
balharem por mais algum tempo, seria possível confiar nas autori-
dades locais no que se referia a fazê-los trabalhar. Um espírito de
ordem pública não permitiria que intrusos induzissem homens “li-
vres” a fugir.
Concordando com estes princípios, os fazend
eiros de Campinas
resolveram, em 4 de setembro, concede T a liberdade condiciona
l a

2º Rio News, 15 de julho de 1887.

302
E
.
ta

doa
1

Se
Ewe

seus escravos com a obrigação de que estes os servissem até o final
de 1890, um período de mais de três anos. Além disto, prepararam
uma petição à Câmara Municipal no sentido de legislar regulamen-
tos impondo termos de prisão de um ou dois meses a pe que
induzissem os libertos a esquecer suas obrigações de trabalho.2º
Enquanto os fazendeiros de toda a província de São Paulo con-
tinuavam concedendo a emancipação condicional e os escravos per-
sistiam em ganhar a liberdade total, os principais líderes políticos
da província convertiam-se subitamente ao abolicionismo. A mais
espetacular mudança de coração foi a do próprio Antônio Prado,
incessante alvo dos insultos abolicionistas e autor do infamante “Re-
gulmento Negro”, um “novo Jefferson Davis” não muitos meses
antes, nas palavras do jornal abolicionista Gazeta da Tarde.* O
mergulho de Prado no movimento de libertação, que, segundo Na-
buco, quebrou a sólida resistência que o sul opunha à abolição, *
ocorreu no Senado em 13 de setembro. Nesse dia, Prado denunciou
uma petição à Câmara, assinada pelos fazendeiros de Campinas,
pedindo medidas enérgicas para forçar o regresso de muitos dos es-
cravos da comunidade que se haviam refugiado em Santos. Tendo
prometido algumas semanas antes libertar todos os seus escravos no
final de 1889, Prado comparou a continuação das dificuldades de
alguns fazendeiros de Campinas, que haviam sido relutantes em l-
bertarem seus escravos, com a situação, muito melhor, de outros
fazendeiros de São Paulo que já o haviam feito e estavam contra-
tando trabalhadores livres, concluindo que a agitação na sua pro-
víncia só poderia acabar com a manumissão provisória. O próprio
governo, advertiu ele, teria de considerar eventualmente uma nova
reforma da escravatura ou, então, perderia seu apoio. º2
O Barão de Cotegipe respondeu-lhe com elogios aos fazendeiros
que concediam a liberdade provisória, mas recordou a seu novo
oponente que nem todos os proprietários de escravos se encontra-
vam nas mesmas circunstâncias. Quatro dias mais tarde, o Senador
João Alfredo Correia de Oliveira, um conservador preeminente de
Pernambuco juntou-se à defecção de Prado. Qualquer projeto para
abolir a escravatura, anunciou ele no Senado, “especialmente se

29 Godoy, O elemento servil, páginas 45-49; South American Journal, 15


de outubro de 1887.
80 Gazeta da Tarde, 6 de março de 1886.
81 Nabuco, Minha formação, página 169.
82 Annaes do Senado (1887), V, 145-147; South American Journal, 6 de
agosto de 1887.

303
fosse a ultima palavra sobre o assunto”, teria seu sincer
o e dedicado
apoio. *? a .
O Partido Conservador, quase monolítico na questão da escra-
vatura desde os tempos de Rio Branco, fora, finalmente, dividido
de um modo muito severo — tal como o Partido Liberal o fora
antes dele — por diversidade de circunstâncias nas províncias. Con-
forme a Gazeta da Tarde comentou, Cotegipe não podia concorda
r
com seus dois amigos de ontem (Prado e João Alíredo)
porque fazer
isso perder-lhe-ia o importante apoio de Paulino de Souza e outros
líderes políticos da província do Rio de Janeiro. 34 Havia, até, um
certo humor na situação. Comentando sobre as atitud
es tão rapi-
damente cambiantes de políticos como Antônio Prado,
um jornal
do Rio Grande do Sul fez a previsão, no final de setemb
ro, de que
“qualquer dia, veremos o Sr. Andrade Figueira faz
er conferências
no Polytheama, ao lado dos Srs. José do Patrocinio, Ruy Barbosa
e Joaquim Nabuco.” 8 Assim, a nova situação
em São Paulo trou-
xera Antônio Prado, antigamente um dos mais
notórios políticos
pró-escravatura das províncias do café, para
as fileiras dos eman-
cipacionistas. Mas Prado não estava só, As nov
as atitudes dos fa-
zendeiros paulistas refletiram-se num projeto
legislativo que outro
senador dessa província, Floriano de Godoy, int
roduziu na câmara
alta no final de setembro. Este projeto “radical”
teria abolido ime-
diatamente a escravatura em todo o Império, mas
obrigava os liber-
tos a trabalharem para seus senhores por mais
três anos. Certas
cláusulas adicionais tinham por objetivo impor
a obrigação de tra-
balho por meio de sentenças de prisão e de pesada
s multas aplicadas
aos libertos que não cumprissem com seu dev
er e a pessoas que
os encoraja ssem a abandonar seus locais de trabalho

uma solução
muito semelhante à decidida pelos fazendeir
os de Campinas. 38
O emancipacionismo dos fazendeiros, no ent
anto, não satisfez
os escravos, que continuaram abandonando
as fazendas em busca
de uma liberdade imediata, conscientes de que
ção era “apenas
a prometida liberta-
um logro para demorá-los na escravidão”
do em que as circunstâncias já os teriam num perío-
libertado dessa condição. 3%
O êxodo em massa, inevitavelmente,
concessões ainda maiores por par
tro uxe violência, seguida por
te dos fazendeiros de São Paulo,
38 Barão de Cotegipe, Fuga de escravos em
1887), páginas 5-6: Annaes do Campinas (Rio de Janeiro,
Senado (1887), V RE ado
34 Gazeta da Tarde, 21 de setembro de 1887 * 229. Grifo acrescenta
5 Correio Mercantil, Pelota
36 Godoy, O elemento servils, 23 de setembro de 1
, páginas 33-34, eai
87 Bastide e Fernandes, Br E
ancos e negros, página
51,

304
cujo interesse em restaurar a ordem era uma consideração muito
poderosa nos últimos meses de 1887.
Em meados de outubro, cerca de 150 homens, mulheres e crian-
ças, armados com pistolas, facas e machados, fugiram de uma fa-
zenda no município de Capivarí, perto da cidade de Itu, chefiados
por um negro chamado Pio. A batalha que se seguiu contra a polí-
cia, que causou a morte de um dos perseguidores e muitos feridos
de ambos os lados, terminou com uma vitória para os escravos, que
dominaram seus oponentes, os despiram e espancaram. Relatórios
telegráficos frenéticos sobre o incidente convenceram o governo cen-
tral da necessidade de enviar mais uma unidade do exército para
a turbulenta província de São Paulo e, assim, cingiienta homens fo-
ram destacados para a sitiada cidade de Itu. Contudo, antes dos solda-
dos terem alcançado a cena do incidente, o bando de fugitivos já
deixara a cidade, a caminho de Santos, atravessando-a calmamente
e sem ofensa a seus assustados habitantes. Tendo recebido ordens
para capturar os fugitivos, vivos ou mortos, e para bloquear seu
acesso a Santos por quaisquer meios, uma força armada colocou-se
numa posição em Cubatão na estrada que conduzia ao porto. Alguns
dias mais tarde, tendo perdido pelo menos um de seus homens, o
destacamento regressou à capital provincial com treze dos fugitivos
,
que se haviam rendido devido à falta de alimento. A maioria
dos
outros, porém, “caçados como feras”, haviam sido mortos “sem pie-
dade” ou tinham-se refugiado nas florestas vizinhas, e um telegr
ama
de Santos informou que trinta escravos de Capivarí haviam
chegado
à cidade “sãos e salvos” e que “um grande banquete abolicionista”
fora realizado no vizinho quilombo de Jabaquara. * Também se
verificou um surto de violência na cidade de São Paulo em out
ubro
quando a polícia teve um choque com negros reunidos para
um
festival na igreja de São Francisco. No dia seguinte, várias
pessoas
brandindo cacetes atacaram a polícia, enquanto negros,
gritando
“Morte aos escravagistas!” e louvando a liberdade, apedrejaram
os
soldados que guardavam a entrada do palácio governamental. 3º
Os acontecimentos em São Paulo fizeram com que mais um
poderoso grupo político retirasse seu apoio ao sistema escravocrata,
um apoio que, de resto, só fora dado com relutância. O Paiz infor-

“8 Cidade do Rio, 19 e 20 de outubro de 1887; Gazeta da Tarde, 20, 21,


22 e 25 de outubro de 1887; Bueno de Andrada, “A abolição em São Paulo”,
páginas 271-272. ANA
39 Viotti da Costa, :
Da senzala à colônia, páginas 320-321.

305
mou, em 25 de outubro, poucos dias após o Incidente em Itu, de
que o Marechal Deodoro da Fonseca, presidente do poderoso Club
Militar, apresentaria uma petição ao General Comandante do Exér-
cito para entrega à Princesa Isabel, então atuando como Regente,

E
durante a ausência de seu pai na Europa. A mensagem, publicada
nesse mesmo dia em O Paiz, pedia à princesa que poupasse o exér-
cito da humilhante tarefa de perseguir escravos fugitivos. Sancio-
nada pelos membros do Club Militar, a petição salientava a boa
vontade do exército em manter a ordem no caso de revoltas de es-
cravos, mas pedia respeitosamente que os soldados não fossem des-
tacados para capturar escravos que fugiam pacificamente dos hor-
rores da escravidão. “0
O General Comandante recusou-se a entregar a petição à Prin-
cesa devido a razões técnicas, mas a posição dos oficiais foi ampla-
mente divulgada. Os soldados continuaram sendo enviados para lo-
cais onde os escravos andavam fugidos, mas não receavam manifes-
tar sua má vontade em capturar fugitivos. O comandante de uma
unidade do exército enviada para uma comunidade da província de
são Paulo no início de 1888 concordou com manter a ordem, mas
declinou abertamente capturar escravos. Uma força destacada para
a cidade de Araras, na mesma província, também no início de 1888,
juntou-se aos caçadores de escravos e capangas armados, que blo-
queavam as estradas e detinham trens em busca de fugitivos, mas
os soldados deram a conhecer sua repugnância por uma tal missão. “!
Alguns oficiais não simpatizvam com o abolicionismo, mas o papel
do caçador de escravos era perigoso, pouco popular, inglório e cres-
centemente fútil; assim, qualquer esperança de que os militares
apolassem vigorosamente o sistema escravocrata já se esvaíra nos
meses finais de 1887. &2
No final de novembro e início de dezembro, a agitação parecia
aumentar em São Paulo. Os jornais publicavam relatos cotidianos
de escravos abandonando fazendas, alguns deles armados. Em cer-
tos pontos, os fugitivos saqueavam e assaltavam nas estradas, re-
cusando trabalhar. As unidades do exército enviadas para controlá-
E,

40 O Paiz, 25 de outubro de 1887.


41 Cidade do Rio, 30 de outubro e 1 de dezembro de 1887: 23 de janeiro
de 1888; O Pirassinunga, São Paulo, 5 de fevereiro de 1888.
42 Para uma análise da posição do exército nos últimos meses da escra-
vatura, ver Toplin, “The Movement”, páginas 186-189. Para a opinião de
que a participação de antigos escravos na Guerra do Paraguai minara a
ideologia da escravatura, particularment
] e entre os militares, ver Ianni,
As metamorfoses do escravo, páginas 217-218.

306 a =]$P ts
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psi) dh
Jos nada fizeram. Em 22 de novembro, o Barão de Serra Negra li-
bertou mais de quatrocentos escravos com contratos de três anos,
esperando, sem dúvida, que isto contentasse suas exigências e os
conservasse pacificamente no trabalho, mas três semanas mais tarde
esses escravos estavam cercando a “casa de morada” e o próprio ba-
rão só conseguiu escapar com vida devido à ajuda de “escravos
fiéis”, que repeliram o ataque dos rebeldes. “8
Em resposta à crescente agitação, os líderes políticos de São
Paulo começaram planejando uma transformação completa do sis-
tema de trabalho nos últimos meses de 1887. As mudanças previstas
incluíam melhorias nas condições de trabalho e de vida, bem como
a concessão de salários — tudo para o propósito de manter os es-
cravos no trabalho. O Correio Paulistano tomou a iniciativa em 11
de novembro, recomendando que os fazendeiros se ajustassem às
novas condições, para seu próprio benefício. Seria melhor. pergun-
tou o jornal de Prado, que os fazendeiros conservassem o sistema
de trabalho não remunerado e vissem suas fazendas vazias de es-
cravos ou que concedessem salários a seus trabalhadores e assegu-
rassem sua presença? * Dois dias depois deste artigo ser publicado,
cerca de vinte plantadores de café preeminentes, incluindo Tepresen-
tantes dos três principais partidos políticos, donos de um total de
2.500 escravos, concordaram com estabelecer uma sociedade de fa-
zendeiros para o propósito específico de promover a emancipação
de todos os escravos na província até dezembro de 1890. Tendo-se
reunido na capital provincial, nomearam uma comissão de cinco
membros, incluindo Antônio Prado, para que preparasse os estatu-
tos da nova organização, com um comício público tendo sido mar-
cado para 15 de dezembro para o estabelecimento definitivo “da
grande associação libertadora da província.” 4
A medida que os dias passavam, ia-se tornando mais aparente
que a sociedade de emancipação dos fazendeiros tencionava efetuar
mudanças significantes nas condições dos trabalhadores das fazen-
das. Em 27 de novembro, o Correio Paulistano propôs um curso de
ação que incluía não só a liberdade condicional (com o período de
trabalho não excedendo três anos), mas também a “fixação
de um
salário módico, desde já” a ser pago aos libertos que permaneces-
sem pacificamente no trabalho durante a totalidade do período de

43 Correio Paulistano, 22, 27 e 28 de novembro e 13 de dezembro de 1887.


44 Ibid., 11 de novembro de 1887.
é Gazeta da Tarde, 14 de novembro de 1887; South American Journal,
10 de dezembro de 1887. Os organizadores incluíam Leôncio de Carvalho
(liberal), Rafael de Barros (republicano) e Antônio Prado (conservador).

307
serviço adicional. Pedindo um sistema de trabalho compatível com
a condição do trabalhador livre, o órgão do Partido Conservador
advertiu que as reformas teriam de vir depressa “antes que o exem-
plo das fugas bem succedidas possa influir no animo dos escravos
das fazendas dos municipios vizinhos.” “8
Conforme programado, em 15 de dezembro, mais de 50 fazen-
deiros e os representantes de pelo menos outros 156 — os proprie-
tários de quase 7 mil escravos — reuniram-se em São Paulo. O
jornal de Prado deu uma lista de 199 nomes de pessoas que assina-
ram o livro de inscrição como membro da sociedade, 24 dos quais
tinham um total de 2.755 escravos. A lista incluía muitos repre-
sentantes das poderosas famílias Souza Queiroz, Prado e Barros. £
Um dos principais objetivos do comício era tornar o público e tal.
vez até os próprios escravos conscientes de que os senhores se esta-
vam reunindo para discutir a emancipação e, assim, as conferências
foram abertas ao público. A nova sociedade tinha dois objetivos pri-
mordiais, segundo o principal orador, Antônio Prado: a emancipa-
ção de todos os escravos da província de São Paulo até o final de
1890 e a modificação do sistema de mão-de-obra agrícola nas fazen-
das, a fim de assegurar que os libertos permanecessem no trabalho
pelo menos durante o período de transição da escravidão para o
trabalho livre incondicional.
A única fonte de conflito entre os proprietários presentes era
se a emancipação seria total e imediata ou provisória. Campos Sales
e alguns de seus seguidores favoreciam a emancipação imediata.
Prado, contudo, argumentou que obrigar os escravos a trabalharem
durante um período adicional constituía uma política flexível. Se as
circunstâncias econômicas ou outras mudanças imprevistas exigis-
sem um período mais curto ou até a emancipação imediata e sem
condições, “os nossos esforços convergerão para esse objectivo.” Um
dos propósitos mais importantes da organização era, de fato, pro-
mover a liberdade de todos os escravos da província através do ins-
trumento da propaganda organizada.
Segundo Prado, conservar os libertos nas fazendas e evitar a
desordem pública geral eram as principais preocupações dos fazen-
deiros de São Paulo e os mais importantes objetivos da nova associa-
ção, recomendando as maneiras de alcançar essas metas. A mera
concessão de liberdade, condicional ou absoluta, não resolvia só

46 Correio Paulistano, 2] de novembro de 1887.


47 Ibid., 17 de dezembro de 1887.

308
por si os problemas econômicos dos fazendeiros, disse Prado. A liber-
tação sem concessões adicionais “não assegura a permanência do
trabalho do liberto.” O desejo de direitos de homens livres, que os
trabalhadores manifestavam por meio de sua fuga, era natural e a
razão, por conseguinte, aconselhava a conceder essas prerrogativas:
“Retribuindo-lhe o trabalho pelo salario e modificando o regimen,
e diminuindo-lhe as horas de trabalho, abolindo completamente os
castigos, dando-lhe melhor alimentação e melhor vestuario, deixan-
do-o, enfim, de considerar como uma simples machina de trabalho.”
Para obter a necessária reforma econômica e social sem de-
sordem e sacrifício econômicos, advertiu Prado, seriam necessárias
prudência e firmeza. A alternativa para esta ação seria mais desor-
dem e talvez até dificuldades insuperáveis. Nas circunstâncias, seria
uma loucura, advertiu ele, para o fazendeiro

cruzar os braços para assistir ao triste espectaculo do abandono das fazendas,


do aniquilamento das colheitas e, talvez, da destruição das propriedades...
E para lastimar que á iniciativa patriotica dos fazendeiros da província de
São Paulo, a esta eloquente demonstração da pujança dos seus esforços
em vencer as difficuldades da situação, se opponham os perturbadores da
ordem, ou os especuladores da sorte dos infelizes escravos, que, illudidos,
deixam o trabalho das fazendas, onde podiam gozar em paz das vantagens
e regalias da sua nova condição, para serem abandonados nas estradas
publicas entregues á miseria e á fome, primeiros castigos de sua negra
ingratidão para com os seus ex-senhores.”

Uma pequena facção de fazendeiros, chefiados por Campos Sales,


declinou apoiar o movimento com base no fato de que a única ma-
neira de alcançar a emancipação total e, ao mesmo tempo, conser-
var os libertos no trabalho seria a libertação imediata e sem con-
dições. Contudo, a maioria dos fazendeiros presentes na reunião jun-
taram-se à associação, colocando a mais rica província do Brasil
firmemente no lado de uma rápida solução para a questão da es-
cravatura com a cooperação de muitos dos seus mais poderosos e
influentes cidadãos. * à
Imediatamente após a reunião, muitos fazendeiros tomaram me-
didas para converter seus estabelecimentos para o trabalho livre. Dois
dias depois, a poderosa família Souza Queiroz já anunciaraa liber-
tação de todos os seus escravos, enquanto Campos Sales, afirmou-se
de novo, já fizera o mesmo. Os fazendeiros que ainda não haviam

48 “Reunião dos proprietários de escravos em S. Paulo para tratar da


libertação dos mesmos em 15 de Dezembro de 1887”, in Godoy, O elemento
servil, páginas 621-632.

309
inscrito seus nomes no livro da sociedade de emancipação apressa-
ram-se a fazê-lo. Muitos dos fazendeiros da região oeste da provín-
cia de São Paulo concordaram com aquilo que fora estabelecido pela
sociedade e todos os proprietários do município de Jaú, no nordeste
da província, decidiram imediatamente libertar todos seus escravos
em 1889. Nos dias seguintes à reunião, os jornais do Rio publicaram
muitos telegramas de São Paulo, relatando o rápido progresso do
movimento de libertação. “º
Apesar da campanha para a emancipação ter provocado críticas
e até divisões dentro do Partido Conservador paulista, a emergência
converteu até mesmo teimosos como Moreira de Barros à solução
de Antônio Prado. Como os escravos persistiam em abandonar
as
fazendas, os proprietários começaram dando instruções aos capata-
zes para que lhes permitissem mover-se em liberdade, esperando
que
os trabalhadores, já sem restrições, regressariam ou que os
escravos
de outras fazendas, famintos e cansados de caminhar, apareceriam
em busca de emprego remunerado. Nas semanas que se seguiram
à
reunião de 15 de dezembro, os trens continuavam sendo
detidos e
revistados, com os escravos fugitivos sendo procurados,
mas, em
certos casos, apenas para lhes oferecer trabalho remunerado
em
fazendas.
Desesperados por trabalhadores, os fazendeiros estavam até dis-
postos a negociar com Antônio Bento “para o emprego de fugitivos
a um preço justo”. Bueno de Andrada descreveu esse arranjo, que
foi concebido depois das cidades de Santos e de São Paulo est
arem
invadidas por fugitivos desempregados:

Antônio Bento, então, enveredou por um caminho revolucionário,


mais ori-
ginal. Combinou com alguns fazendeiros, dos quais havia já desp
ovoado
as roças, para receberem escravos retirados de outros donos. Cada traba-
lhador adventício receberia de seus novos patrões o salário de 400 réis diá-
rios. O processo, sem perturbar completamente a lavoura, libertou turmas
e turmas de escravizados e interessou muitos fazendeiros na vitória das
nossas idéias... Foi uma bela idéia!

Segundo este participante, que conduziu ele mesmo os proprietá


rios
a Bento para as negociações, na data da abolição mais de um terço
das fazendas da província de São Paulo já estavam sendo trabalhad
as
por escravos” que haviam abandonado outras propriedades. *º Para

49 Cidade do Rio, 16 e 17 de dezembro de 1887;


dezembro de 1887.
Gazeta da Tarde, 17 de
dO TIbid., 31 de janeiro e 9 de março de 1888; Cidade do Rio, 5 de janeiro
de 1888; Gazeta do Povo, São Paulo, 9 de janeiro de 1888; Rio News,

310

Ps ess fuf*
= ea

dagilale
trad
Da É,
os plantadores de café, é claro, este arranjo era vantajoso
, já que,
a 400 reis por dia, talvez mesmo uma escala temporária de
salário,
a renda anual do trabalhador recentemente libertado era mai
s ou
menos o equivalente do valor de três sacas de café, talvez um
oitavo
da sua capacidade produtiva.
Durante algumas semanas em dezembro e janeiro, houve razões
para duvidar do sucesso do emancipacionismo dos fazendeiros, mas,
em fevereiro, já era aparente que estava funcionando conforme pre-
visto. Muitos dos libertos e fugitivos estavam regressando ao tra-
balho ou encontrando emprego assalariado em fazendas de outros
lugares, com um município, segundo foi alegado, tendo feito a tran-
sição para o trabalho livre sem a perda de um só trabalhador. Os
fazendeiros, na sua maioria, haviam aceito a solução de Prado, mas
aqueles que não o fizeram encontraram-se com suas roças inteira-
mente desertas. 51
Muitos dos proprietários libertaram seus escravos com a condi-
ção de que eles só ajudariam durante a próxima colheita e alguns
não estabeleceram condições algumas. Numa fazenda de Campinas,
os proprietários libertaram seus escravos incondicionalmente, ofere-
cendo-lhes vantagens iguais às dos novos trabalhadores italianos. Isto,
segundo o novo jornal diário de José do Patrocínio, Cidade do Rio,
trouxe manifestações de alegria por parte de todos os libertos, que
declararam imediatamente sua decisão de ficarem na fazenda e pedi-
ram a autorização para adotarem o nome Carvalho, “em signal de
eterna gratidão para com os ex-senhores.” Seguiu-se uma festa e
os fazendeiros, Leôncio e o Dr. França Carvalho, “foram muito
victoriados pelos libertos e immigrantes italianos.” 52
Apesar de tais exemplos de cordialidade, a província de São
Paulo não foi poupada de violência nos últimos meses da escrava-
tura. *%º No começo de janeiro de 1888, quando um grupo de liber-
tos fugitivos estavam sendo levados para a cidade de Piracicaba.
depois de terem sido retirados de um trem, foram salvos no seu
destino por uma multidão de simpatizantes e seus guardas foram

S de maio de 1888; Bueno de Andrada, “A abolição em São Paulo”,


página 267; Viotti da Costa, Da senzala à colônia, página 323.
61 JIbid., página 324; Rio News, 5 de fevereiro de 1885; Correio Paulistano,
21 de fevereiro de 1888.
62 Cidade do Rio, 13 de fevereiro de 1888.
58 Para uma descrição excitante dos distúrbios em São Paulo durante este
período, ver Robert Brent Toplin, “Upheaval, Violence, and the Abolition of
Slavery in Brazil,” HAHR, RLIX (novembro de 1969), 639-655. Ver também
seu livro, recentemente publicado, The Abolition of Slavery in Brazil (Nova
York, 1972).

31!
muito maltratados na luta. No dia seguinte, mais de mil negros
percorreram as ruas da cidade, provocando desordens. Houve troca
de tiros € algumas pessoas foram feridas. Em Campinas, os abolicio-
nistas que perturbavam o trabalho dos caçadores de fugitivos foram
dispersados pela polícia, mas atacaram, depois, uma prisão local e
trocaram tiros com a polícia até altas horas da noite. >!
Um dos piores incidentes envolveu dois norte-americanos, James
Ox Warne e John Jackson Clink, veteranos do Exército Confedera-
do dos Estados Unidos, que haviam emigrado para o Brasil, como o
tinham feito muitos sulistas depois da Guerra Civil. Em meados de
fevereiro de 1868, Warne e Clink convenceram os fazendeiros da
cidade de Penha do Rio do Peixe a vingarem-se de um delegado da
polícia local que se recusara a capturar fugitivos, incitando-os com
insinuações de superioridade do norte. Os brasileiros têm “sangue
de barata”, foi o que, segundo uma acusação, mais tarde, Clink dis-
sera à multidão. Pedindo “rios de sangue,” esse norte-americano
afirmou que “ em qualquer outro paiz”, os acontecimentos como
os que estavam ocorrendo no Brasil teriam provocado uma revolu-
ção. Incitados por esta invectiva, cento e quarenta fazendeiros e
capangas invadiram a casa do funcionário da polícia depois da noite
cair e “mataram-no a sangue frio.” Uma testemunha afirmou, mais
tarde, que Warne “parecia tomado de furia louca... chegando até,
depois de inanimada a victima, a esporeál-a com phrenesi...” 5
Tais atrocidades foram excepcionais. Uma certa violência acom-
panhou a libertação de mais de cem mil escravos na província de
São Paulo, mas essa libertação foi realizada com alguma boa vontade
e tolerância de ambos os lados. Um importante levante social trans-
formara o sistema de trabalho da província em poucos meses com
pouca perda de vidas e de propriedade, em parte devido à oportuna
chegada dos imigrantes italianos. Sua chegada, contudo, foi menos
importante como uma causa do emancipacionismo dos fazendeiros
do que como uma solução feliz para a súbita crise de mão-de-obra,
que não se esperara ocorrer antes de mais cinco ou dez anos. Apesar
dos dois acontecimentos estarem ligados entre si, foi a fuga dos
escravos, mais do que a chegada dos italianos, que convenceu, final-

54 Coreio Paulistano, 12 de janeiro de 1888: Cidade do Rio, 24 de janeiro


de 1888.
dS Jornal do Commercio, 21 de fevereiro de 1888: Cidade do Rio, 25 de
fevereiro de 1888: O Pirassinunga de 19 de fevereiro afirmou que o presi
dente da província (mais tarde presidente do Brasil), Francisco de Paula
Rodrigues Alves, ordenara especificamente ao delegado da polícia que caçasse
fugitivos e que a sua recusa de fazê-lo provocara o ataque e o assassinato.

312
mente, os senhores de São Paulo de que o momento da libertação
já chegara. 8 Os proprietários de escravos ainda não estavam pron-
tos para efetuar uma rápida transição para o trabalho livre e hesi-
taram ou concederam liberdade condicional, enquanto, ao mesmo
tempo, pediam a ajuda do governo central para restauração da
ordem e do sistema de trabalho. Só quando compreenderam — e
chegaram a essa conclusão muito relutantemente — que nada, a
não ser a libertação total, solucionaria seu problema é que se con-
verteram inteiramente ao abolicionismo. Este, contudo, foi um tipo
de abolição muito diferente daquele que fora imaginado por Luiz
Gama, Antônio Bento ou Joaquim Nabuco. Tal como um autor
brasileiro moderno explicou, o emancipacionismo dos fazendeiros
de São Paulo não foi um ato de generosidade, mas sim uma tentativa
de defender interesses econômicos ameaçados, um esforço (e, sem
dúvida, bem sucedido) para apanhar as migalhas de um sistema em
desintegração. º*

OS ITALIANOS NAS FAZENDAS


DA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO

ANTES de a escravatura brasileira ser abolida nacionalmente, a


conversão para um sistema de trabalho livre já ocorrera, portanto,
na província de São Paulo e as perspectivas eram boas no que se
referia à rápida recuperação de uma economia estropiada apenas
superficialmente pela perturbação. Os fazendeiros haviam sucumbi-
do ante a nova realidade, em grande parte devido à liderança de
Antônio Prado, mas um seu irmão mais jovem, Martinho Prado,
um preeminente fazendeiro republicano, fizera muito para suavizar
o há muito esperado golpe na agricultura por meio da promoção
ativa da imigração italiana.
Em 1884, a riqueza de São Paulo já gerara uma migração por
terra de trabalhadores brasileiros para as zonas do café, induzidos
pelas oportunidades que Martinho Prado esperava que também mo-
tivassem os europeus. *º Entre 1885 e 1887, preparando-se para o

56 Para a opinião de que a mudança de Prado para o abolicionismo foi


motivada principalmente pelo sucesso da imigração, ver Beiguelman, For-
mação do povo, páginas 67-68.
57 Luiz Luna, O negro na luta, página 115.
58 Prado Jr., Circular, páginas 14-15, 23-24.

313
inevitável fim da escravatura, o jovem Prado ajudara a organizar a
Sociedade Promotora de Immigração. Esta era uma associação bem
financiada que se beneficiava da cooperação do presidente provin-
cial e cuja intenção era solucionar a crise vindoura de mão-de-obra
através de um esforço sério na promoção da imigração. Cerca do
final de 1886, Martinho Prado já se estava preparando para publicar
sessenta mil exemplares de um folheto em italiano, alemão e por-
tuguês que tinha por fim dar aos possíveis imigrantes da Europa
algum conhecimento de São Paulo e de seus atrativos, um projeto
amplamente subsidiado pelo Tesouro Nacional através de uma verba
autorizada por Antônio Prado. 5º Tendo viajado para a Europa, Mar-
tinho Prado convencera o governo italiano das intenções
sérias da
Sociedade Promotora e incitara pessoalmente os italianos a viaja-
rem para São Paulo. %º Os diretores da nova sociedade de imigração
usaram sua influência para obter um contrato do governo provin-
cial para transportarem imigrantes para o Brasil e a Companhia
Paulista de Estradas de Ferro (uma companhia da qual Martinho
Prado era sócio) concordou com dar-lhes transporte de graça, por
terra, até às comunidades das fazendas. 81
Em agosto de 1886, sem quaisquer facilidades no porto de San-
tos para os recém-chegados, os italianos tinham de dormir nas ruas
mas, em junho de 1887, novos imigrantes, estes mais afortunados,
Já eram alojados numa hospedaria do governo construída para esse
fim, onde mais de mil imigrantes encontraram um abrigo tempo-
rário durante as duas semanas após sua inauguração. Mais ou me-
nos nessa época, o governo brasileiro ordenou a construção de ou-
tra hospedaria para imigrantes em Ribeirão Preto, no extremo norte
da província, perto do terminal da estrada de ferro paulista. Em
meados de 1887, quando os escravos fugitivos desciam das terras
altas da província de São Paulo para procurarem refúgio na cidade-
favela de Jabaquara, junto a Santos, os imigrantes italianos estavam

9 Diário de Santos, 18 de agosto de 1886; South American Journal, 21 de


agosto e 27 de novembro de 1886; Morse, From Community to Metropolis,
páginas 161, 171. Prado também conseguiu que os vistos dos imigrantes
fossem concedidos de graça. South American Journal, 14 de
maio de 1887.
S Diário de Santos, 16 de fevereiro de 1886; Correio Paulista
no, 24 de
junho de 1887. O historiador Caio Prado Jr., neto de Martinho
Prado Jr.,
informou o autor, em 1966, de que seu avô falava
o italiano fluentemente
e até fizera discursos em praças públicas da Itália para
gração italiana para São Paulo. promover a imi-
61 Jornal do Commercio, 14 de fevereiro de
1887;
17 de setembro de 1887; Diário de Santos, 16 de feverCorr eio Paulistano,
eiro de 1887.

314
partindo de sua moderna hospedaria para fixarem residência nas
fazendas abandonadas recentemente pelos fugitivos negros.
Enquanto a crise da escravatura piorou, o número de italianos
que chegavam para trabalhar nas fazendas aumentava. A fim de
apressar sua rápida absorção na economia, a Sociedade Promotora
começou, em julho de 1887, a publicar anúncios diários no Correio
Paulistano para informar os plantadores de café de sua concessão
e pedir-lhes que apresentassem seus pedidos de trabalhadores direta-
mente à organização, com suas necessidades sendo servidas pela
ordem da recepção dos pedidos. Estes anúncios eram assinados por
Martinho Prado Jr., Nicolão de Souza Queiroz e Raphael A. Paes
de Barros, representantes de três poderosas famílias paulistas. A mui-
to bem sucedida Sociedade Promotora ajudou a aumentar o nível
da imigração para São Paulo de 6.500 em 1885 para mais de 32 mil
imigrantes em 1887, tornando mais aceitável para os plantadores de
café, sem dúvida a drástica solução para o problema da escravatura.
Em março de 1888, a Assembléia Provincial de São Paulo concedeu
um monopólio de quinze anos à Companhia Nacional de Navegação
a Vapor entre o Brasil e a Europa para contratar e transportar imi-
grantes da Europa para São Paulo. Nesse mesmo ano, mais de 90
mil europeus entraram na província, um número que não estava
muito longe dos 107.329 escravos que haviam sido registrados nessa
província em 1887. Com esta chegada de imigrantes, a produção de
café depressa voltou aos seus níveis anteriores e, depois, aumentou
muito de maneira a criar um problema de produção excessiva. 8

A EXPERIÊNCIA É BEM SUCEDIDA

Em FEVEREIRO e março de 1888, São Paulo já se colocara na


vanguarda do abolicionismo e exudava otimismo ante suas reali-
zações e suas perspectivas econômicas. Em resposta a declarações
pessimistas publicadas no jornal pró-escravatura Novidades referen-
tes ao movimento paulista de libertação, o Correio Paulistano traçou
uma imagem quase idílica das condições na província. A escravidão

62 Ibid., 25 de agosto de 1886; Correio Paulistano, 11 e 18 de junho


de 1887; South American Journal, 14 de maio de 1887.
63 Annaes da Assemblea Legislativa Provincial de São Paulo. Sessão
de 1888, página 75; Correio Paulistano, 14 de março de 1888; Taunay,
Pequena história do café, páginas 548-549; Smith, Brazil, páginas 122-124:
Relatorio do Ministerio da Agricultura, 14 de maio de 1888, página 24,

315
fora erradicada em municípios inteiros e, em outros, o número de
escravos que ainda era insignificante. A agricultura quase não fora
perturbada; a confiança era grande. Os libertos estavam trabalhando
e, ao contrário do que se afirmara, não haviam invadido as cida-
des. $! Os fazendeiros estavam morando nas suas fazendas, com suas
famílias, numa segurança completa, enquanto as safras de café e de
cereais cresciam e amadureciam em sua volta. As estradas de ferro
estavam funcionando normalmente e novas linhas estavam sendo
planejadas. Novos bancos eram abertos e concediam crédito. Os imi-
grantes chegavam aos milhares e encontravam trabalho. A tarefa
da emancipação não detera a marcha do progresso em São Paulo. %
Observando os resultados da transformação, até mesmo os mais
persistentes escravagistas Iam-se tornando propagandistas da liberda-
de. Em março, um fazendeiro de São Paulo que, antes, fora muito
teimoso declarou numa carta a um amigo que, ao contrário do que
julgara, a emancipação não causara escassez de trabalhadores nas
propriedades agrícolas. O mês de fevereiro fora um período de amar-
gura e terror em São Paulo, já que quatro quintos das fazendas
estavam abandonados, “procurando os negros as cidades, ou allicia-
dores malévolos.” Lentamente, contudo, os antigos escravos haviam
voltado ao trabalho e, em março, já estavam todos “mais ou menos
arrumados.” As perdas materiais não seriam grandes, afirmou ele,
não sendo de esperar que houvesse escassez de mão-de-obra.

Deves lembar-te que o meu grande argumento de escravista era que o corpo
escravo era o unico com que podiamos contar para o trabalho constante e
indispensavel do agricultor, (prosseguiu este fazendeiro otimista), e que se
este pudesse contar sempre com trabalhadores livres, de boa vontade sacri-
ficaria o escravo... Pois bem, os teus patricios que percam este receio.
Trabalhadores não faltam a quem os sabe procurar. Primeiramente, temos
os proprios escravos, que não se derretem e nem desapparecem, e que
precisam de viver e de alimentar-se, e, portanto, de trabalhar, cousa que
elles comprehendem em breve prazo. Depois, temos um corpo enorme
de trabalhadores, com que não contavamos. Não alludo ao imigrante que
felizmente hoje nos procura com abundancia, alludo ao brazileiro, preguiçoso
hontem e vivendo das aparas do serviço escravo e da benevolencia do pro-
prietario rural, ao qual fazia a corte na qualidade de aggregado, capanga
ou outra qualquer cousa. Este brazileiro lança-se hoje valentemente ao tra-
balho, ou porque este se nobilitasse com a liberdade, ou porque lhe tivessem
faltado aquelles recursos anteriores. E o que aqui estamos vendo... Muita

64 A maioria dos libertos estavam trabalhando, afirmou O Pirassinunga


em 8 de março, mas outros estavam nas cidades e nas tavernas, havendo
assaltos e roubos nas estradas.
65 Correio Paulistano, 21 de fevereiro de 1888.

316
gente, que vivia de quatro pés de feijão e de uma quarta de milho, entra
hoje no serviço do cafezal e do terreiro com satisfação, e os que tenho
recebido accomodam-se perfeitamente nas antigas salas dos eseravos.

Suas salas eram boas, reconheceu o fazendeiro, mas haviam sído


construídas em forma de quadrado, “uma forma repugnante até aqui.”
Nada fora mudado nos velhos alojamentos dos escravos, a não ser
por já não terem “fechadura, e elles hoje até acham preferível o
quadrado, porque nelle recolhem os seus mantimentos sem receio
do damno dos animaes. Meu quadrado é um grande pateo, cercado de
casas brancas e limpas, cujas portas pretendo agora abrir para o
lado de fóra.” O mesmo fazendeiro mostrava-se impressionado com
o baixo custo do trabalho livre, que “não é tão caro, como a prin-
cipio parece. Este ponto foi a minha maior sorpreza na transforma-
ção por que passamos.” 86
Com o sucesso de sua experiência, a jubilante classe governante
de São Paulo apressou-se em acabar com a escravatura através de
uma ação legislativa e em instigar a abolição na totalidade da nação.
Em 25 de fevereiro, o aniversário de Antônio Prado, o novo herói
do abolicionismo, a capital provincial foi declarada livre de escra-
vos e, dois dias mais tarde, um projeto para aplicar um imposto
de 400 mil-reis em cada escravo existente na província foi introdu-
zido na Assembléia Provincial, debatido rapidamente e passado em
7 de março, mas nunca sancionado pelo presidente provincial, Ro-
drigues Alves. Em menos de uma semana, contudo, a assembléia
paulista decidira unanimemente submeter uma petição à Assembléia
Geral para que esta agisse rapidamente, por razões sociais, morais
e econômicas, no sentido de abolir a escravatura no país inteiro. %
A conversão de São Paulo, tão dramática e inesperada quanto a
do santo a que a província devia seu nome, fora completa.
Uma súbita e inesperada transformação ocorrera numa das mais
ricas e influentes províncias do Brasil. Fortemente opostos à re-
forma até 1887, os proprietários de escravos da província encontra-
ram-se subitamente diante de um abandono maciço de suas fazen-
das, promovido e ajudado por abolicionistas inteligentes e dedicados,
enfrentando a perda de suas safras, o desastre econômico e a anar-
quia nas áreas rurais, mas tendo a felicidade de possuírem líderes
flexíveis e condições econômicas favoráveis, os fazendeiros de São

66 A Provincia de São Paulo, 8 de abril de 1888.


67 Annaes da Assemblea Legislativa Provincial de São Paulo. Sessão de
1868, páginas 412-414; Correio Paulistano, 8 de março de 1888; A Provincia
de São Paulo, 22 de março de 1888.

317
Paulo fizeram os ajustes necessários e, com grande surpresa sua,
verificaram que haviam sido bem sucedidos, facilmente, em resta-
belecer o controle sobre sua força de trabalho e sua economia. Os
milhares de escravos que tinham fugido e, depois, regressado ao tra-
balho em troca de pagamento ou uma parte da safra, os abolicio-
nistas, especialmente Antônio Bento e os caifazes, os fazendeiros e
seus líderes, nomeadamente Antônio Prado, todos eles foram res-
ponsáveis, embora por razões diferentes, pelo súbito colapso da
escravatura em São Paulo e, assim, pelo seu rápido fim em todo
o Brasil. São Paulo foi tardia, entre as províncias, em juntar-se às
fileiras abolicionistas, mas sua súbita mudança significou a rápida
conversão da maioria das outras províncias retardatárias. O colapso
começou, então, nessas outras províncias: na Bahia, Pernambuco,
Minas Gerais e, em graus diferentes, em todas as províncias onde
ainda havia escravos, incluindo a do Rio de Janeiro. Deste modo,
quando os políticos se voltaram a encontrar de novo na capital,
a 3 de maio de 1888, para a inauguração da nova sessão legislativa,
sua primeira e mais importante tarefa foi aprovar um projeto de
lei que confirmasse a queda de facto do sistema da escravatura e
restaurasse a ordem na nação.

Ma
es
.—-—

318
Áristocracia territorial e Plutocracia;
riqueza e prestigio; tudo foi vencido pela Propaganda,
sem outras armas alem da palavra e da Imprensa...
Fizemo-nos emprezarios de espectaculos para o publico
a 500 réis por pessoa; varremos theatros e pregamos cartazes;
eramos simultaneamente redactores, reporters, revisores e
distribuidores; leiloeiros nas kermesses;
propagandistas por toda a parte,
nas ruas, nos cafés, nos theatros,
nas estradas de ferro e até nos cemiterios,
junto aos tumulos de Paranhos, de Ferreira de
Menezes, de Luiz Gama e de
José Bonifacio.

ANDRÉ REBOUÇAS, ABOLIÇÃO DA MISÉRIA,


Revista de Engenharia, Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1888.

Quem se encarrega de quebrar as cadeias da escravidão


tem também o dever de quebrar as da ignorancia.

ARISTIDES CESAR ZAMA


"na Câmara de Deputados, 13 de junho de 1888.

17

ABOLIÇÃO

UM SISTEMA ESCRAVOCRATA DESMORONANDO-SE

Com o fim da escravidão em São Paulo, restavam poucos obs-


táculos significantes à abolição total e as facções que exigiam esta
reforma foram fortalecidas. Os únicos defensores importantes da
escravatura eram o ministério Cotegipe e os fazendeiros da província
do Rio de Janeiro, apoiados por alguns proprietários de distritos

319
vizinhos, nas províncias de São Paulo e Minas Gerais, e mais alguns
retardatários espalhados por grande parte do país. A principal ques-
tão ainda aberta a debate em março de 1888 era a indenização, que
seria pedida, por certo, por muitos senhores que mantinham seu
direito legal aos escravos e ainda esperavam salvar alguma coisa
das ruínas do sistema. Estes poucos problemas e controvérsias, con-
tudo, viriam a ser varridos pelo colapso da escravatura e pelo desejo
generalizado de uma solução sem compromissos para toda a questão.
Desde a passagem da lei proibindo o castigo corporal em esta-
belecimentos públicos, o regime Cotegipe tivera uma ação desele-
gante na questão da escravatura. Auxiliado pelo chefe da polícia do
Rio de Janeiro, o Dr. João Coelho Bastos, o governo realizara uma
campanha de repressão tanto contra os escravos fugitivos quanto
contra o movimento abolicionista. Recusando-se revogar o “Regu-
lamento Negro”, o governo permitira que os agentes de Coelho Bas-
tos enviassem abertamente fugitivos, da capital, para seus senhores
na província do Rio de Janeiro.! Em agosto de 1887, o Ministro
da Agricultura, Rodrigo da Silva, sucessor de Antônio Prado, che-
gara a uma decisão sobre os registros de escravos que, alegadamente,
reescravizaram 13 mil pessoas na região de Campos, na província
de Rio de Janeiro, provocando uma onda de protestos que causou
a proibição ilegal de reuniões públicas e violências nas ruas e pra-
ças do Rio.
Pouco depois do público ter tomado conhecimento desta pouco
popular decisão, um comício de protesto foi organizado no Teatro
Polytheama, mas foi sabotado por bombas explosivas e “capoeiras
contratados”, usando camisas da polícia, brandindo navalhas e cace-
tes e vacilando, rodopiando e pulando no tradicional estilo ameaça-
dor da capoeira. No dia seguinte, Coelho Bastos publicou uma or-
dem policial, proibindo reuniões e comícios em edifícios públicos de
noite, tendo ameaçado impedir essas reuniões pela força. Um dia
mais tarde, verificou-se um choque entre os abolicionistas e a polícia
no Campo da Acclamação, quando as autoridades tentavam impedir
um comício abolicionista que tinha por objetivo desafiar a ordem
do governo. Nessa mesma noite, outro choque ocorreu diante da reda-
ção da Gazeta da Tarde e vários outros atos de brutalidade pela po-
lícia foram registrados em outros pontos da cidade. Apesar do Se-
nado ter repelido a decisão que criara esta explosão de indignação
pública, o ministério de Cotegipe recusou-se a deixar-se influenciar

1 Gazeta da Tarde, 22 de dezembro de 1886.

320 pio)
por um voto adverso €, depois, fez o necessário para obter um voto
de confiança da condescendente Câmara dos Deputados. 2
Cerca do final de agosto, perto de dois mil abolicionistas desa-
fiaram de novo a proibição de comícios públicos com uma reunião
no Teatro Polytheama, onde o regime de Cotegipe foi denunciado
como “um ultraje á dignidade do poder publico e á honra da nação
brazileira.” 3 Apesar de abandonado pelo sentimento nacional e até
mesmo por poderosos membros do seu próprio partido, o ministério
Cotegipe permaneceu desafiador. O mais sério abuso de direitos
públicos verificou-se em outubro e novembro na região de cana-de-
açúcar de Campos, na parte leste da província do Rio de Janeiro,
onde atos de violência e terror foram levados a cabo por autoridades
provinciais com a aparente aprovação do governo nacional.
Uma reunião abolicionista fora dissolvida violentamente em Cam-
pos no início de 1887 e, pouco depois disso, campos de cana-de-
açúcar haviam sido queimados, talvez como represália. * Isto foi
apenas um prelúdio à violência de outubro e novembro, causada por
greves dos escravos e fugas maciças para Campos, onde, segundo
se alegou, encontravam refúgio aos milhares. º Para impedir as gre-
ves e o abandono das fazendas de cana-de-açúcar, uma grande força
policial foi enviada para as propriedades da região em medos de
outubro, a fim de acompanhar os cativos durante todas as atividades
do dia. $ Não muito depois disto — em 25 de outubro — a polícia
provincial, sob o comando de um tal Capitão Fernando, iniciou uma
campanha de repressão violenta do movimento abolicionista de Cam-
pos com um ataque à redação do jornal Vinte e Cinco de Março, o
porta-voz do movimento antiescravatura em Campos, editado por
Carlos de Lacerda. Sob ordens do chefe da polícia provincial, ho-
mens mascarados venceram a resistência armada, destruíram a im-
pressora e os móveis e lançaram o equipamento pelas janelas. No
mesmo dia, vários abolicionistas foram detidos em suas casas e fica-
ram presos, incomunicáveis, enquanto o Capitão Fernando anuncia-
va sua intenção de liquidar o movimento antiescravatura local. Te-
legramas sensacionais de Campos, pubicados sem comentários na
Gazeta da Tarde, referiram-se a soldados saqueadores disparando suas

2 Ibid., 3, 6,8 e 9 de agosto de 1887; Rio News,


vii? 15 de agosto de 1887
e 15 de janeiro de 1888.
3 Gazeta da Tarde, 29 de agosto de 1887.
4 Ibid., 31 de janeiro e 1 de fevereiro de 1887; Cidade do Rio, 29 de
outubro de 1887.
5 O Paiz, 15 de outubro de 1887; Annaes da Camara (1888), II, 400-401.
6 Cidade do Rio, 26 de outubro de 1887.

321
armas e atacando pessoas com suas espadas, Carlos de Lacerda es-
condera-se e, depois, apareceu no Rio, mas a polícia provincial pro-
curava-o, com ameaças a sua vida. Na manhã de 26 de outubro, a
redação do Vinte e Cinco de Março, demolida e abandonada, foi cer-
cada por uma força de cavalaria, por policiais e capangas, que, se-
gundo uma descrição na imprensa, tencionavam levantar o assoalho
em busca de esconderijos de escravos fugitivos. 7 Na manhã seguinte,
os policiais apareceram diante da redação do jornal republicano Ga-
ceta do Povo para provocar os ocupantes do edifício e, pouco depois,
invadiram a oficina, destruindo sua impressora. Tendo fechado tem-
porariamente, a Gazeta do Povo depressa voltou a ser publicada com
equipamento emprestado, mas a perseguição policial a seu pessoal
continuou até novembro. 8
No segundo dia desse mês, de madrugada, um grupo de cerca
de sessenta escravos aproximou-se da cidade de Campos, vindo da
margem norte do Rio Paraíba, com a intenção alegada de cruzar a
ponte e entrar na cidade para atacar o quartel da polícia e a prisão
da cidade. Com as comunicações telegráficas cortadas a norte, uma
patrulha da polícia fora estacionada na extremidade sul da ponte.
Assim, quando os escravos foram vistos atravessando a ponte,
o
alarme foi dado e a maioria deles foi dispersada, com oito sendo
levados para a prisão. O novo incidente provocou acusações de cum-
plicidade abolicionista nesse ataque dos escravos e, também, causou
novas prisões, com os soldados tendo sido enviados para o norte da
cidade, a fim de capturar fugitivos. ?
A perseguição continuou em Campos durante a maior parte
desse mês, mas o incidente mais grave verificou-se em 20 de novem-
bro, quando a polícia interrompeu uma reunião abolicionista duran-
te o dia e desencadeou um conflito sangrento que durou mais de
um dia. Quando uma multidão começava a reunir-se no Teatro
Empyrio para uma conferência abolicionista, um contingente da po-
lícia apareceu e exigiu que todas as pessoas que entrassem no teatro
se submetessem a uma inspeção. Em resposta a este incômodo, a
reunião foi transferida para a residência do orador anunciado,
Dr.
Alvaro de Lacerda, que denunciou os métodos da polícia,
falando
de uma janela de sua casa a um público que enchia
a rua. Enquanto
Lacerda falava, uma unidade de cavalaria chefiada
pelo Capitão
Fernando, de pistola em punho, apareceu na rua. Disparando suas

T Gazeta da Tarde, 27 de outubro de 1887.


8 Gazeta do Povo, Campos, 28 de outubr
o e 10 elid
º Gazeta da Tarde, 8 de novembro de 1887. e novembro de 1887.

322
armas é fazendo estalar chicotes, a polícia montada atacou a indefe-
sa multidão e feriu pelo menos três pessoas. Uma onda de repulsa
espalhou-se pela cidade e a violência continuou pela tarde adiante
e até o dia seguinte, com a polícia escolhendo suas vítimas e fa-
zendo repetidos ataques a multidões iradas e derrisórias. Um con-
tador com sentimentos abolicionistas conhecidos foi ferido gravemente
e uma negra, atingida por um tiro na rua, morreu de seus ferimen-
tos. 1º A ação policial do Capitão Fernando continuou em Campos
por mais uma semana com a aparente aprovação do governo nacio-
nal, até que, perto do final do mês, o odiado comandante e seus ho-
mens foram substituídos, finalmente, por uma nova e mais numerosa
guarnição, com a paz tendo regressado à cidade. ** Estes e outros
atos impopulares, incluindo o quase simultâneo envio de unidades
navais e militares para São Paulo, rotularam o regime Cotegipe de
repressivo e de um obstáculo para ser afastado como contrário aos
anseios nacionais.
O outro importante obstáculo à abolição, os fazendeiros da pro-
víncia do Rio de Janeiro, chefiados por Paulino de Souza no Se-
nado e Andrade Figueira na Câmara, era o resultado, em grande
parte, de dificuldades econômicas. Enquanto, por um lado, a linha
dura pró-escravatura se esvaíra e, depois, se desintegrara totalmente
em São Paulo com a fuga em massa dos escravos, a resistência
na província do Rio de Janeiro, por outro lado, persistiu até sema-
nas após a abolição. Fortalecida pela relativa estabilidade do siste-
ma de trabalho das fazendas, a oposição à cruzada nacional só come-
cara cedendo em março, quando a queda de Cotegipe privou os
fazendeiros de sua última esperança de proteção. A situação em
São Paulo fora modificada pela prosperidade e a entrada maciça
de imigrantes, mas a do Rio pouco era afetada pela imigração e
tornava-se ainda mais difícil devido ao declínio econômico. Em
janeiro de 1888, Paulino de Souza ainda prometera aos fazendeiros
de sua província mais cinco anos de escravidão e, no mês de março
seguinte, os fazendeiros da comunidade do Vale do Paraíba, de Vas-
souras, reagiram iradamente a uma proposta de libertarem todos os
seus escravos antes da emancipação oficial, para evitar a desorga-
nização do trabalho. 12

10 Ibid., 22 de novembro de 1887; Cidade do Rio, 21 e 22 de novembro


de 1887. Os relatos da violência de Campos foram publicados em muitos
jornais do Rio. É s =
11 Cidade do Rio, 5 de dezembro de 1887; O Progressista, São João da
Barra, Rio de Janeiro, 1 de dezembro de 1887.
12 Stein, Vassouras, páginas 253-254.
A província do Rio de Janeiro resistiu mais do que qualquer
outra província pelo fato dos escravos nessa região ainda serem em
grande número e, também, porque os fazendeiros tinham empobre-
cido. Os 162.421 escravos registrados na província do Rio de Ja-
neiro em 1887 (ver Tabela 3) representavam mais de um quinto de
todos os que haviam sido registrados na totalidade da nação. Seu
“valor contábil” (baseado na escala artificial de idades da Lei Sa-
raiva-Cotegipe) era de quase 106 mil contos (equivalente nessa época
a 10.600.000 libras esterlinas), o que representava quase as dívidas
totais dos fazendeiros da província, calculadas em 120 mil contos. 13
O valor nominal dos escravos, na realidade, excedia o valor das
terras e, assim, a abolição ameaçava os fazendeiros, particularmente
os do Vale do Paraíba, da ruína financeira. Em defesa de suas ati-
tudes pró-escravatura, os fazendeiros do Rio de Janeiro afirmavam,
portanto, que seus escravos pertenciam mais aos bancos da capital
do que a si próprios. !* Até mesmo o próprio Rio News, que estava
longe de ser amigo da escravatura, reconheceu que “enquanto São
Paulo se encontra numa condição florescente, (Rio de Janeiro) está
crivado de dívidas e não pode, sem desonestidade, libertar escravos
que pertencem a seus credores...” 15 Afirmando falar pelos fazen-
deiros dessa província, a Gazeta da Tarde declarou em fevereiro que
os fazendeiros tinham o direito a uma indenização ou a um período
adicional de trabalho garantido por parte de seus escravos para que
pudessem pagar suas esmagadoras dívidas. 16
Apesar de alguns proprietários de escravos em quase todos os
pontos do país terem conservado seus cativos até o fim, os fazendei-
ros da maioria das províncias já estavam seguindo o exemplo de
São Paulo no início de 1888. “O espantoso número de Saulos,”
disse o jornal Cidade do Rio, de José do Patrocínio, em janeiro, numa
alusão à súbita conversão de São Paulo, “ennobrece e glorifica o
coração brazileiro.” 17? O emancipacionismo dos fazendeiros, imitado
pelos habitantes das cidades, espalhou-se ao Paraná, Santa Catarina
e províncias nordestinas, com até mesmo o relativamente pouco afe-

13 Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa Provincial do Rio de


Janeiro... em 12 de Setembro de 1887... (Rio de Janeiro, 1887);
Gazeta da Tarde, 21 de fevereiro de 1888.
14 Rio News, 15 de novembro de 1887.
16 Ibid., 24 de dezembro de 1887.
16 Gazeta da Tarde, 21 de fevereiro de 1888. Em agosto de 1887, Patrocínio
desistira da Gazeta da Tarde para se tornar proprietário e editor de 4 Cidade
do Rio, a partir de então o principal jornal abolicionista.
17 Cidade do Rio, 7 de janeiro de 1888.

324
tado regime escravocrata de Minas Gerais tendo começado a desmo-
ronar-se no início do ano, quando os cativos começaram abando-
nando as fazendas em vários distritos para se dirigirem pacificaments
para a capital provincial de Ouro Preto. 18 Cerca do final de feve-
reiro, os escravos chegavam à velha cidade mineira todos os dias,
muitos ajudados no caminho por abolicionistas e, no início de março,
os fazendeiros de Minas Gerais já tinham começado a conceder a
liberdade incondicional. *º Os fazendeiros de uma comunidade de
Minas, Itajubá, que era fronteiriça da província de São Paulo, reu-
niram-se em meados de março para declararem a libertação de todos
os seus cativos com a condição de que eles serviriam até o Dia da
Independência, 7 de setembro, sem salário, e, desde então até o
Natal, o dia de sua liberdade total, com salários a serem fixades por
seus ex-senhores. 2º
Telegramas de cidades de todo o Império publicados no Jornal
do Commercio em março e abril davam a conhecer um colapso na-
cional geral da escravidão, acompanhado por alguns atos individuais
de desafio. Muitos dos proprietários estavam concedendo liberdade
e salários; em contraste, alguns continuavam empregando capangas
para perseguir fugitivos e outros, em meados de março, ainda ofere-
ciam recompensas pela devolução de escravos, com anúncios até
mesmo em jornais tão respeitáveis quanto o Jornal do Commercio.
Um relato de 18 de março, de Ouro Preto, expôs duas atitudes con-
flituosas referentes à crise da escravatura: um proprietário e seus
capangas haviam capturado um escravo fugitivo, à luz do dia, na
praça central da cidade (hoje, a Praça Tiradentes), mas a vítima
depressa fora libertada por abolicionistas, que lançaram foguetes,
alegremente, para celebrarem seu sucesso. Havia desaíio por parte de
alguns fazendeiros, mas de um tipo inteiramente fútil. O desejo
quase universal do fim da instituição já em desintegração era uma
força muito maior.
Em 18 de fevereiro, o emancipacionismo dos fazendeiros deu
um passo em frente na província do Pará, quando o Barão e a Baro-
nesa de Guajará, “solemnisando mais um aniversário do seu con-
sórcio,” deram a liberdade a todos os seus escravos — com seu exem-
plo não tardando a ser seguido por outras famílias provinciais. *! Da

18 Ibid., 13 de janeiro e 15 e 28 de fevereiro de 1866.


19 Jornal do Commercio, 1 e 4 de março de 1888.
20 Cidade do Rio, 18 de março de 1888.
21 Ver Ernesto Cruz, Procissão dos séculos. Vultos e episódios da história
do Pará (Belém, Pará, 1952), páginas 9-10.

325
capital de Alagoas, um comunicado de 26 de março, informou que
o até então inflexível Senador Cansansão de Sinimbu concedera a
liberdade incondicional aos escravos de sua plantação de cana-de-
açúcar no município de São Miguel. Cerca do final de março, uma
confederação abolicionista foi estabelecida na capital do Paraná com
o objetivo manifesto de libertar rapidamente todos os escravos da
cidade. O Barão de Vargem-Alegre anunciou sua decisão, no final
de março, de comemorar a Sexta-Feira Santa e o aniversário de sua
mulher com a libertação de mais de trezentos escravos e a concessão
de salários. No início de abril, um telegrama de Juiz de Fora infor-
mou sobre um levante de escravos na plantação do Barão de Juiz
de Fora e a alarme local quanto a seus possíveis resultados. No dia
seguinte, em Ouro Preto, cinquenta e oito escravos que tinham de-
sertado de uma companhia de mineração britânica apresentaram-se
ao presidente da assembléia provincial e foram acolhidos caloro-
samente. 22
Em meados de março, partes até mesmo da província do Rio
de Janeiro já haviam sido afetadas. Um movimento de fazendeiros
emancipacionistas aparecera subitamente na atormentada região de
Campos e depressa tivera “magníficos resultados” em todas as ci-
dades da área. Em 17 de março, alguns importantes fazendeiros co-
meçaram concedendo a liberdade incondicional em São Fidélis, uma
comunidade de café na parte leste da província, e a cidade foi des-
crita como num estado de “indiscriptivel regozijo”. Uma reunião de
fazendeiros para a libertação da vizinha cidade de Macaé, notória
como um porto para o desembarque de escravos até quarenta anos
antes foi convocada para 22 de março. Cinco dias depois, metade dos
6 mik escravos do distrito de Campos já havia sido libertada e uma
vasta parte do nordeste da província do Rio de Janeiro encontrava-se
em revolta aberta contra a liderança pró-escravatura do Senador
Paulino de Souza. 23 Durante março e abril, cerca de 25 mil escravos,
segundo foi afirmado, já haviam sido libertados na província, com
esse número representando quase um sexto dos que tinham sido re-
gistrados na província em 1887. Quando o final da escravatura já
se tornara inevitável, dois irmãos, o Conde de São Clemente e o
Conde de Nova Friburgo, libertaram todos os seus 1.900 escravos,

22 Jornal do Commercio, 15, 19, 26, 28, 29 e 31 de março e 5 e 6 de


abril de 1888; Ianni, As metamorfoses do escravo, páginas 227-228.
“ Cidade do Rio, 16, 18, 20 e 22 de março de 1888.

326
constituindo, já então, provavelmente, cerca de um em cada duzen-
tos e cinquenta escravos na totalidade do país. 24
A medida que se aproximava a data da abertura da Assembléia
Geral, a escravatura ía sendo abandonada num número crescente
de lugares. Numa rápida sucessão, cidades e municípios iam sendo
declarados sem escravos, incluindo as capitais de Minas Gerais e
Santa Catarina e a cidade de Petrópolis, onde o movimento de liber-
tação era realizado sob os auspícios da Princesa Isabel. 2 No come-
ço de abril, uma Liga de Redenção foi estabelecida na capital do
Pará com o propósito confesso de libertar a cidade e à província
e, durante abril e os primeiros dias de maio, verificou-se uma repe-
tição em Belém das cenas que haviam ocorrido quatro anos antes,
mais acima do Amazonas, em Manaus. À medida que os quarteirões
dessa antiga cidade fluvial iam sendo libertados um a um, os cida-
dãos afixavam letreiros nas esquinas das ruas para anunciar que
estavam livres de escravos e sob a direção de seus habitantes. 28
No início de março, o estado da nação era crítico. Em grande
parte do país, tanto a norte quanto a sul, os escravos encaminha-
vam-se para centros urbanos e, embora os senhores estivessem, em
todos os pontos, rendendo-se a novas exigências, ainda havia o perigo
de um conflito aberto. Se, por um lado, a economia das fazendas de
São Paulo já estava quase normalizada, a verdade é que, nas pro-
víncias de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, bem como em
certas
partes do norte, a situação econômica deteriorara-se seriamente.
Con-
forme Nabuco disse pouco depois, a abolição da escravatura
já fora
obtida pelo trabalho de Antônio Bento em São Paulo, pelo
fato de
que aquilo que havia no Brasil pouco antes da abolição já
não ser
escravatura, mas sim “uma massa de escravos fugidos”,
perseguidos
e desempregados, sofrendo mais dificuldades do que
tinham sofrido
quando cativos. Uma rápida mudança tornava-se
essencial, tanto
para os fazendeiros quanto para os escravos, visto
que a continuação
da incerteza com respeito a sua situação poderia
significar mais
miséria e perigo para os ex-escravos e dificuldades
imprevisíveis para
a Classe dos fazendeiros, talvez até mesmo a destruição de seu
modo de vida aristocrático. 2

2 “Carta de Gough ao Marquês de Salisbury”, Rio de Janeiro, 7 de maio


de 1888, BFSP (1888-1889), LXXXI, 187.
“> Jornal do Commercio, 17, 25 e 29 de abril de 1888: Rebouç
as, Diario
e notas, página 311; Cidade do Rio, 26 de março de 1888; Gaz
eta Mineira,
São João d'El-Rei, Minas Gerais, 12 de abril de 1888.
“6 Provincia do Pará, Belém, 4, 5,7, 8, 13 e 28 de abril e 8 de mai
o
de 1888. |
27 Para análises da situação, pouco antes da abolição, apresentadas
na

327
Um incidente de menos importância — a prisão de um mari-
nheiro indisciplinado no Rio de Janeiro, no começo de março —
provocou um conflito entre as orgulhosas forças armadas brasileiras
e o gabinete de Cotegipe, que terminou numa luta de ruas entre a
polícia e marinheiros, com quase uma semana de distúrbios durante
os quais o exército patrulhou as ruas. Depois de cinco dias de inação,
o desacreditado ministério Cotegipe demitiu-se, abrindo caminho
para o estabelecimento de um governo que poderia encontrar um
remédio para a crise nacional. O homem que D. Isabel, a Princesa Re-
gente, escolheu para essa tarefa foi João Alfredo Correia de Olivei-
ra, o senador conservador de Pernambuco que apoiara Antônio Pra-
do quando este se desligara de Cotegipe no ano anterior e que,
nessa época, pedira uma solução radical para o problema da escra-
vatura. Sem hesitação, João Alfredo chamou Prado para se juntar
a seu governo como Ministro das Relações Exteriores e Prado veio
a representar um papel ativo nas conferências que levaram à formação
de um novo gabinete em 10 de março. 8 Em menos de dois meses
— com esses líderes no poder — a terceira sessão da Vigésima Le-
gislatura seria inaugurada, com excelentes perspectivas para a pas-
sagem de um projeto de abolição sério. Eleita sob Cotegipe em ja-
neiro de 1886 e apenas ligeiramente liberalizada por eleições subse-
quentes, a Câmara dos Deputados fora convertida pelas circunstân-
cias críticas num instrumento de ação radical.

ABOLIÇÃO

UMa GRANDE e entusiástica multidão acolheu a Princesa Regente


quando ela chegou ao edifício do Senado em 3 de maio para a inau-
guração da Asembléia Geral, mas havia sérias dúvidas sobre o tipo
de projeto de lei que emergiria da nova sessão. Um projeto prepa-
rado por Antônio Prado, o mais cauteloso membro da nova aliança
antiescravatura do Partido Conservador, propunha a libertação ime-
diata de todos os escravos, mas com condições. Estas incluíam com-
pensação monetária para os proprietários, a obrigação dos ex-escra-
vos de servirem durante três meses de maneira a assegurarem a co-

Câmara por João Alfredo e Joaquim Nabuco, ver Ann aces da Camara (1888),
IX, 400-401; ibid. (1889), I, 97.
28 Carta de Jarvis a Bayard, Petrópolis,
Related to the Foreign I2 de março de 1888 Papers
Relations of the United Stalates,
de 1888, I, 57-59. 3 de dezembro

326
lheita da safra de café já madura e, também, a obrigação dos liber-
tos de permanecerem mais seis anos nos municípios onde tinham
sido emancipados, em empregos remunerados. 2? Refletindo indubita-
velmente estas considerações, a Princesa Isabel, na sua Fala do Trono
de 3 de maio, apelou para a eliminação da escravatura das leis da
nação, mas também recomendou melhorias na legislação para a re-
pressão de vagabundagem através do trabalho compulsório. Nenhum
projeto poderia passar de todo, contudo, sem a cooperação da maio-
ria do Partido Liberal no Senado e, em 7 de maio, durante as nego-
ciações sobre o projeto, João Alfredo foi informado de que a maioria
liberal recusaria apoiar qualquer projeto de abolição a não ser que
este proclamasse o imediato e incondicional fim da escravatura. Um
projeto dessa natureza fora preparado por André Rebouças em 30
de março e apresentado a João Alfredo em 7 de abril. Desse modo,
o Presidente do Conselho já sabia há um mês que os abolicionistas
procurariam uma solução sem compromissos. %º
Preferindo não ver sua legislação rejeitada, João Alfredo optou
por uma abolição incondicional e, no mesmo dia, 7 de maio, ante
uma sala repleta e depois de breve referência a sua aliança anties-
cravatura, oito meses atrás, com Antônio Prado, anunciou sua de-
cisão de propor a imediata e incondicional extinção da escravatura
no Brasil. A referência a Antônio Prado ajudou, sem dúvida, a
identificar o senador de São Paulo com a legislação radical, mas há
razões para duvidar do entusiasmo de Prado. Em 13 de maio de
1888, o dia em que o Senado passou o projeto de lei, Prado estava
ausente da sessão sem qualquer explicação. *2

29 South American Journal, 26 de maio de 1888.


80 Annaes da Camara (1888), I, “Histórico,” página 4; Rebouças, Diário
e notas, página 311; André Rebouças, 4 questão do Brasil: cunho escravo-
crata do attentado contra a familia imperial (Lisboa[2], 1889-1890). O pro-
jeto de abolição de Rebouças, que fora apenas modificado ligeiramente por
Antônio Ferreira Vianna, o Ministro da Justiça, foi seguido por um segundo
projeto, também da autoria de Rebouças. Este segundo projeto, escreveu
Rebouças amargamente do exílio, na Europa, menos de um mês depois da
queda do Império (13 de dezembro de 1889), era um “Projecto de Lei de
Serviços Ruraes, dando golpe de morte ao Landlordismo, e preparando o
advento da Democracia Rural Brazileira.”
SL Annaes da Camara (1888), “Histórico,” página 4; Rio News, 3 de maio
de 1888, 14 de janeiro de 1889; Organizações e programas ministeriais,
páginas 231-232; Carta de Jarvis a Bayard, 12 de março de 1888, Papers
Related to the Foreign Relations of the United States, 3 - de dezembro de
1888, 1, 58-59.
82 Extincção da escravidão no Brasil, página 74.

329
Aleitura do projeto abolicionista em 8 de maio causou uma
longa aclamação dentro e fora do edifício da Câmara e desencadeou
celebrações na capital brasileira que duraram quase duas semanas.
A simplicidade do projeto — a escravatura era declarada extinta
e todas as leis que dissessem o contrário eram revogadas — revelou
o clima ao tempo. Os muitos anos de demoras e compromissos pa-
reciam ter impelido o governo e a assembléia diretamente para o
fim. Os complexos artigos e subartigos, regulamentos e diretrizes
das Leis Rio Branco e Saraiva-Cotegipe, obra de advogados e poli-
ticos hesitantes, eram todos anulados por aquelas curtas e simples
afirmações. Nomeada para considerar o projeto, uma comissão de
cinco deputados, incluindo Joaquim Nabuco, aprovou-o imediata-
mente e a Câmara concordou com dispensar a habitual impressão
gráfica para permitir sua consideração no dia seguinte. Andrade
Figueira foi o único que se opôs a estas irregularidades. 33
Na Câmara dos Deputados, a oposição ao projeto veio quase
exclusivamente, na realidade, de deputados do Rio de Janeiro, o
último baluarte da escravatura. Chefiados por Andrade Figueira,
denunciaram o projeto pelo fato de este não conceder indenização,
por sua falta de referências à condição dos ingênuos, pela ausência
de medidas relacionadas com o trabalho dos libertos e antigos escra-
vos libertados obrigando-os a mais trabalho, por sua revogação de
provisões contidas nas leis de 1871 e 1885. Os oponentes do projeto
mostraram-se fora de si pelo fato dele não proporcionar medidas
“para garantir a sociedade contra essa classe de cidadãos novos que
a ella são atirados, sem os meios, siquer, de proverem a sua subsis-
tencia.” Das nove pessoas que votaram contra o projeto, oito re-
presentavam a província do Rio de Janeiro e um era de Pernam-
buco. “é
No Senado, onde o projeto chegou em 11 de maio, só o Barão
de Cotegipe e Paulino de Souza fizeram longos discursos em opo-
sição e até mesmo eles compreendiam a futilidade do que estavam
fazendo. Cotegipe chefiou a resistência com uma denúncia de An-
tônio Prado e suas políticas, que haviam trazido o fim da escrava-
tura mesmo antes de Prado o desejar. Apesar de condenar o pro-
jeto, Cotegipe concedeu que este reconhecia a situação real do país
e que poria um fim à anarquia e aos ataques à propriedade. Contu-
do, a lei, afirmou ele, era uma violação dos direitos de propriedade.
Anunciava que, no Brasil, a propriedade já não existia, “que tudo

98 Ibid., páginas 7-15.


84 Ibid., páginas 8-51.

330
pode ser destruído por meio de uma lei.” “Daqui a pouco,” previu
Cotegipe, “se pedirá a divisão das terras... e o estado poderá de-
cretar a expropriação sem indemnização! E, senhores,” concluiu ele,
“a propriedade sobre a terra tambem não é de direito natural.” %
Pelo menos dois fortes defensores da escravatura explicaram
durante o debate ou pouco depois dele por que razão haviam votado
em favor da lei da abolição, manifestando também, sem dúvida, as
opiniões de outros membros da Assembléia que legislou o fim da
escravatura. Lourenço de Albuquerque, um liberal de Alagoas com
um passado de apoio inflexível à escravatura, declarou que ao lan-
car seu voto pela abolição “não fiz mais do que render homenagem
ao inevitavel, submetter-me á fatalidade dos acontecimentos.” “Vo-
tei,” disse Coelho e Campos, um conservador de Sergipe, “porque
a própria lei o diz, não se tratava sinão de declarar um facto já quase
existente. Votei porque não havia outra solução... porque em geral
o que restava era a insubordinação, a perturbação, a desordem no
trabalho e por toda a parte, e membro do partido da ordem não
me era licito recusar o meu voto a uma lei de ordem.” $º A lei fora
aprovada pelo fato de a escravatura se ter desmoronado. No auge
de quase uma década de agitação, milhares de escravos haviam to-
mado sua própria liberdade e tinham sido autorizados a fazê-lo por
uma sociedade que já não acreditava mais, sinceramente, na neces-
sidade da escravatura. O número e a qualidade dos escravos já ti-
nham diminuído a ponto de os pequenos benefícios da instituição
não parecerem mais justificar seus muitos perigos, humilhações e
desvantagens.
“Felizmente os paranaenses não precizam do braço escravo,”
afirmou uma declaração apresentada em nome de uma organização
antiescravatura que emergiu poucas semanas antes da abolição e que
poderia perfeitamente ter falado por muitas outras como ela.

É diminuta a escravatura pelas fazendas; (prosseguiram os novos convertidos


ao abolicionismo) nos imos acostumando ao trabalho digno, do homem livre;
portanto, com a liberdade dos poucos escravos que ha entre nós, não havendo
abalo algum a temer, só temos a lucrar nos vendo livres dessa instituição
que tem envilecido os nossos costumes e a nossa educação, que nos faz
suspeitos e isolados perante os povos, que por tal modo nos embaraça que
sem a sua extincção completa não poderão os brazileiros cuidar dos serios
interesses que clamam pela sua attenção e pelo seu patriotismo. 8º

35 Ibid., páginas 59-73.


36 Ibid., página 46; Annaes da Camara (1888), II, 461 s
87 Citado por Ianni, As metamorfoses do escravo, página 208.

331
no TR
AS CELEBRAÇÕES

O ato que reconheceu o colapso da escravatura brasileira e


declarou a liberdade sem condições de centenas de milhares de es-
cravos e ingênuos foi aprovado pelo Senado e sancionado pela Prin-
cesa Isabel em 13 de maio, mas as celebrações já haviam começado
quando o projeto fora introduzido na Câmara em 8 de maio e acom-
panharam-no a cada passo, a caminho da sua passagem, com pro-
cissões, música e demonstrações públicas. A aprovação final e a rá-
pida sanção da Princesa Isabel trouxeram “uma explosão de alegria
popular,” com o povo “decorando a cidade com flores e bandeiras...
enchendo as ruas até transbordarem e inundando-as com uma onda
de felicitações...”
A imprensa do Rio decidiu patrocinar as festas que durariam
de 17 a 20 de maio e estes dias foram repletos de festividades sem
precedentes no Rio e em outros pontos por toda a nação. As festas
do primeiro dia, na capital, incluíram uma missa solene a que com-
pareceram a Princesa Regente, seu marido o Conde d'Eu, os mem-
bros do gabinete e uma verdadeira multidão. No segundo dia, houve
corridas no Derby Club e passeios de graça na Estrada de Ferro
D. Pedro II e, de noite, os teatros foram abertos a todos os que
desejassem assistir a seus espetáculos. Os acontecimentos de 19 de
maio incluíram procissões com estandartes e música e, de tarde,
uma regata na Baía de Botafogo — em tempos, o local de desem-
barques ilegais de escravos. No último dia, foi realizado um grande
desfile em que estavam representados o exército, a marinha, a im-
prensa e as “sociedades de todos os tipos”, “sendo impossivel cal-
cular que comprimento esse desfile teve.” Sua organização, contudo,
foi “um fracasso completo”, afirmou o exultante Rio News, “de-
vido a chegadas atrazadas, uma grande falta de organizadores e a
constante quebra das linhas do desfile...” Depois de uma longa de-
mora diante da estação dos bombeiros da cidade, a procissão foi ini-
ciada, por fim, passando e serpeando pelas velhas ruas do Rio, até
alcançar o Campo da Acclamação, cerca das sete horas da tarde.
A princesa Regente e o Conde d'Eu ficaram no palácio da cidade,
nessa noite, recebendo as homenagens da população.
“A vitória foi tão esmagadora e inesperada,” escreveu A, J
Lamoureux,

que o entusiasmo do povo excedeu todos os limites e foi o puro


cans
no dia 20, mais do que o esgotamento da alegria, que o findou. As aço,
ruas
têm estado continuamente apinhadas, com o comércio quase
inteiramente

332
to q
Mm
suspenso, as repartições públicas fechadas por três dias, a estrada de ferro
D. Pedro II fechada ao tráfico de mercadorias pelo mesmo período, os
correios parcialmente fechados e a correspondência sem ser distribuída, os
pedidos de dinheiro incessantes, mais de cem mil pessoas nas ruas no do-
mingo — e, durante tudo isto, nada a não ser uma entusiástica alegria,
boa disposição e boa ordem. 88

RESTOLHO E CONCLUSÃO

Pouco depois das celebrações, o país começou voltando a algo


de mais parecido a sua condição normal. Em pouco mais de um
mês, o Presidente do Conselho de Ministros, João Alfredo, já podia
dizer à Câmara dos Deputados que os ex-proprietários e os antigos
escravos haviam estabelecido um novo relacionamento baseado em
trabalho remunerado, no qual os proprietários não eram privados
de sua dignidade e os libertos não eram humilhados. Os fazendeiros
já estavam de novo vivendo nas suas terras sem receios e seus co-
lonos, como os libertos passaram a ser chamados, trabalhavam me-
lhor do que antes. Os antigos escravos, segundo foi afirmado. ti-
nham-se mostrado surpreendentemente generosos para com seus an-
tigos senhores, aceitando, por vezes, servi-los sem salários e acorren-
do prestavelmente para colher as safras de café ameaçadas pelo mau
tempo. Os antigos proprietários de escravos, por outro lado, já com-
preendiam que “o seu interesse d'ora em diante estava em tratar
bem o seu antigo escravo, em conserval-lo como um elemento for-
mador da sua fortuna, e não um elemento componente della.”3º
Antes da lei da abolição ter restaurado uma relativa calma no
Brasil rural, contudo, os fazendeiros já estavam fazendo novas exi-
gências ao governo central e manifestando ressentimentos que não
tardariam a ajudar a destruir o sistema imperial. Em 21 de abril, o
autor de um panfleto já advertira que os oponentes dos abolicionis-
tas planejavam, então, propor uma lei para a organização do tra-
balho livre o, em 4 de junho, um projeto de lei para “a repressão
da ociosidade” foi introduzido na Câmara dos Deputados com a afir-
mação de que o “trabalho é um dever” e a “ociosidade não pode
ser um direito.” Um projeto semelhante proposto à Câmara pelo
Ministro da Justiça em 20 de junho, mas barrado por seus oponen-
tes, tinha por objetivo criar estabelecimentos penais para vários

88 Rio News, 26 de maio de 1888.


Bo Annaes da Camara (1888), II, 401.

333
grupos de pessoas, incluindo aqueles que abandonavam seus empre-
gos ou ocupações ou, ainda, que recusavam “trabalho honesto” ofe-
recido ou obrigado por contratos. As penalidades por segundas ofen-
sas deveriam incluir a prisão com trabalho forçado de um a três
anos. *º
Alguns fazendeiros e seus representantes em comunidades de
toda a nação também pediram indenização por sua propriedade per-
dida e seu porta-voz, o Barão de Cotegipe, respondeu a seus pedi-
dos com a introdução de um projeto no Senado, em 19 de junho,
pedindo-lhe que autorizasse a emissão de títulos no valor de 200
mil contos (o equivalente, então, de cerca de 20 milhões de libras)
para reembolsar os antigos proprietários de escravos. 4 Como resul-
tado disto, os abolicionistas pediram à Câmara dos Deputados, por
intermédio de Joaquim Nabuco, “que os livros das matriculas de es-
cravos de todos os municipios do Imperio sejam cancellados ou inu-
tilisados, para que em tempo algum possam servir de base ás indi-
cadas pretenções.” “2 O projeto de Cotegipe e outro semelhante pro-
posto à Câmara também receberam a oposição de João Alfredo, mas
a indenização foi debatida repetidamente na Assembléia em 1888,
despertando o interesse e o ressentimento de antigos donos de es-
cravos, cujas muitas petições foram lidas na Câmara e no Senado
com uma amargura adequada pelos seus representantes preferidos.
A situação no interior, além do mais, não era tão idílica quanto
João Alfredo a descrevera. Mais de um ano após a abolição, André
Rebouças ainda deplorava a persistente existência de relações rurais
muito semelhantes àquelas que haviam sido conhecidas por gerações
de brasileiros. Antigos escravos ainda continuavam sendo fechados
nos seus alojamentos durante a noite, ainda eram açoitados e colo-
cados no tronco e seu pagamento eram uns meros 100 reis por dia.
A realização abolicionista, na realidade, ainda não fora terminada
e estava ameaçada por “uma reacção escravocrata... militante”, in-
sinuou ele com uma amargura que foi característica de seus últimos
anos, tendo dado o que ele pensava serem explicações: A escravatu-
ra nos Estados Unidos fora destruída pela guerra, mas, no Brasil,
o problema fora resolvido “entre flores.” Assim, tornara-se um
“Ideal Brasileiro” de que seria “pela propaganda, pela convicção,

40 Ibid., TI, 3, 311.


41 Annaes do Senado (1888), II, 109-111. Trata-se de cerca de metade do
valor oficial dos escravos. Para um cálculo deste valor, ver South American
Journal, 21 de julho de 1888.
42 Annaes da Camara (1888), III, 262.

334
pelo estimulo, pelos enthusiasmos nobres” — através de um processo
de evolução — que os sistemas da exploração humana herdados do
passado seriam eliminados. Um tal processo, acreditava ele, obvia-
mente, seria demasiado lento e demasiado dispendioso em termos
humanos. *
Para acelerar os processos da mudança, na verdade, havia abo-
licionistas que ainda estavam apresentando seus próprios pedidos,
face à poderosa reação dos fazendeiros republicanos que ameaça-
vam dominar a sua ainda sobrevivente organização. Os pedidos abo-
a
licionistas incluíam, conforme Cotegipe dissera que aconteceria,
divisão das grandes propriedades, “a democratização do solo,” como
Rebouças, Nab uco e out ros mem bro s da Con fed era ção Abo lic ion ist a
se referiam a ela, a “consequencia logica” da lei de 13 de maio de
1888. Defendida pelo popular Senador Dantas, uma reforma do sis-
tema agrári o foi inc luí da no pro gra ma do Par tid o Lib era l de 1888 ,
jun tam ent e com a fed era ção das pro vín cia s, uma amp lia ção do su-
frágio e out ras pro pos tas de gra nde alc anc e. Pou cos mes es ant es de
sua queda do poder, até mesmo D. Pedro, que se encontrava gran-
demente sob a influência dos imigracionistas e dos proponentes da
Democracia Rural, nomeadamente o onipresente André Rebouças,
pediu publicamente a expropriação dos “terrenos marginaes das es-
tradas de ferr o, que não são apr ove ita dos pel os pro pri etá rio s, e po-
dem servir para núcleos coloniaes.” *
Para os abolicionistas, na realidade, para Nabuco, Patrocínio,
Rebouças, Dantas e outros, que reconheciam as causas dos males pro-
fundamente enraizados de sua nação, a abolição da escravatura fora
apenas um muito importante primeiro passo para à democratização
do Brasil. Tal como já o vinham dizendo há anos, ainda havia muito
a fazer se a nação quisesse libertar-se dos efeitos de quase quatro
séculos de desigualdades e de trabalho forçado. Os sistemas agrário
e educacional pouco haviam mudado, os valores e os privilégios de
classes quase não tinham sido afetados. Uma série de costumes e
“hábitos tinham sobrevivido à escravatura, para condenarem a maio-
ria dos libertos e seus descendentes a uma condição social e econô-
mica inferior.

43 Veríssimo, André Rebouças, páginas 208-211.


44 Annaes do Senado (1888), V, 226-227; Annaes da Camara (1889), I, 16.
45 Para a condição de antigos escravos e seus descendentes em São Paulo,
depois da abolição, ver Fernandes, 4 integração do negro, I, 3-50 passim;
Bastide e Fernandes, Brancos e negros, páginas xiii, 54-55. Para um debate
sério em mesa-redonda do amargo “restolho” da escravatura por um grupo
de intelectuais brasileiros modernos, ver 80 Anos de Abolição (Rio de

335
A escravatura fora abolida por meio de uma dura e complexa
luta na qual os abolicionistas tinham parecido Davids enfrentando
Golias de tradição e de vasto poder econômico. Libertar Os escravos,
contudo, fora o mais fácil dos objetivos que os reformistas se ha-
viam dado, já que a escravatura, na verdade, fora destruída por
for-
ças que a tinham minado durante a maior parte do sécul
o XIX: O
repúdio internacional da escravatura, que acabara com o
tráfico afri-
cano e eliminara a principal fonte de trabalhadores das fazendas;
o declínio gradual da população cativa depois de 1850, principal-
mente devido a um excesso de mortes sobre nascimentos;
o comér-
cio interprovincial de escravos que concentrara escr
avos e defenso-
res da escravatura nas províncias do café; a
abolição da escravatura
nos Estados Unidos, que ajudou a inspirar a política nacional de
lenta emancipação através do “ventre livre”;
uma lenta, mas persis-
tente erosão da opinião pró-escravatura, em
especial nas cidades e
nas províncias mais pobres; e, finalmente, a
não divulgada resistên-
cia dos próprios escravos, que reduziu a eficiência
do sistema escra-
vocrata e culminou no movimento de fugas
em massa de 1887 e
1888. Auxiliados por este constante declínio da Insti
tuição, os aboli-
cionistas haviam apressado seu fim por meio
de uma brilhante e
inspirada liderança, mas foram detidos inteiramente,
então, na sua
busca de novas reformas, por uma poderosa e
indignada reação dos
antigos senhores e de seus aliados. Enfrentando exigênci
as de mais
mudança social, a elite tradicional conservou seu poder
e autorida-
de e, depois, varreu o movimento democrático no
golpe de estado
militar que provocou o desaparecimento do Império de
D. Pedro II
e estabeleceu uma república conservadora.
Nos últimos anos do século xrx, depois de caos, ditadura
de uma insensata guerra civil, a sociedade brasileira e até
reverteu às
normas que haviam sido ameaçadas pela curta experiência
aboliício-
nista e milhões de brasileiros, particularmente
aqueles cujas peles
escuras os marcavam como descendentes de
escravos, continuaram
vivendo de uma forma muito semelhante
aquela em que viviam sob
a escravatura — já legalmente livres, mas incapazes
liberdade devido a sua classe e cor, com
de competir em
poucas alternativas além
de trabalharem as terras de outro homem, na
lismo ou migrando para um ambiente urba
pobr eza e no servi-
no precário, onde as
oportunidades se limitava m normalmente ao mais humilde e mais
Janeiro, 1968). Para as o
pouco depois da abolição, cupver
açõesR meniais de afrTic
i anos na i ade da Bahia
cid
nas 172-173. odrigues, e
Bues, Os africanos no Brasil, pági

336
e.
e
duro dos trabalhos. Apesar de ter sido uma grande vitória para
os brasileiros, apesar de lhes ter dado uma medida de orgulho e um
breve sentido de grandeza, a abolição da escravatura não criou um
ambiente em que os antigos escravos pudessem erguer-se rapida-
mente ao nível de prósperos participantes na vida nacional. Quase
um século mais tarde — mais de cem anos, na realidade, desde a
libertação dos recém-nascidos — milhões de seus descendentes ainda
se vêem negada a igualdade de oportunidades, imaginada, para eles,
pelos líderes abolicionistas.

337
Apêndices
APÊNDICE 1

UMA NOTA SOBRE ESTATÍSTICAS

AS TABELAS que apresentamos neste apêndice estão divididas em


cinco grupos. Estes incluem recenseamentos gerais da população, al-
guns dados sobre o movimento de escravos entre as províncias de
1849 a 1884, estatísticas sobre o crescimento e o declínio das popu-
lações escravas, sobre a alfabetização e o analfabetismo entre os es-
cravos, informação sobre sexo, estado civil e ocupações entre popu-
lações escravas e, finalmente, tabelas variadas sobre a votação das
Leis Rio Branco e Saraiva-Cotegipe, produção de café e a capaci-
dade de produção dos escravos nas fazendas do café.
A exatidão dos dados quantitativos reunidos por governos lati-
no-americanos tem sido questionada com freqiiência e, assim, a fi-
dedignidade destas tabelas e outras estatísticas citadas mesta obra
encontra-se, naturalmente, aberta a dúvidas. Existem diferenças, por
certo, de várias grandezas entre alguns destes dados e as quantida-
des desconhecidas de pessoas e coisas que elas representam, com
isto sendo particularmente verídico quanto à informação registrada
antes do recenseamento de 1872, quando a maioria das estatísticas
populacionais se baseavam em conjetura ou evidência fragmen-
tária. 1
Para propósitos históricos, contudo, a exatidão absoluta nem
sempre é essencial. Aquilo que, normalmente, se requer das esta-
tísticas, por certo num estudo deste tipo, é que elas sejam suficien-

1 Joaquim Norberto de Souza e Silva, Investigações sôbre os recenseamentos


da população geral do Império (Rio de Janeiro, 1951), página 151; Herbert S.
Klein, “The Colored Freedman in Brazilian Slave Society,” Journal of Social
History, Vol. 3 (1970), página 31.

341
temente exatas para permitir que o pesquisador extraia delas con-
clusões válidas. 2? Uma das garantias de tal segurança é a consistên-
cia e os dados são particularmente convincentes quando revelam de
um modo regular padrões que, normalmente, não seriam de esperar.
Uma análise das tabelas dadas adiante revela desvios signifi-
cantes e consistentes dos padrões “normais” de população, resultan-
tes das condições anormais da escravidão, e, assim, sua fidedignidade
geral pareceria estar confirmada, já que estatísticas completamente
inexatas não apresentariam, com certeza, tais padrões. A Tabela 17,
por exemplo, indica que menos de um escravo em cada mil era
alfabetizado, o que não é de surpreender dadas as condições brasi-
leiras na época; mas, ainda mais importante, revela que este índice
não variava muito de região para região e que os homens alfabeti-
zados eram em quase todos os pontos do país mais numerosos que
as mulheres alfabetizadas, padrões esses que indicam ainda mais
exatidão. A Tabela 18 revela que, em todas as províncias, só uma
pequena minoria de escravos adultos estavam registrados como ca-
sados ou viúvos, um fato confirmado por muitos relatórios anterio-
res sobre o estado civil dos escravos. As Tabelas 19 e 20 dizem-nos
aquilo que teríamos esperado: que a maioria dos escravos brasilei-
ros eram trabalhadores agrícolas ou criados domésticos, que as mu-
lheres, geralmente, eram preferidas para o serviço doméstico e que
os homens eram encontrados, de um modo mais comum, nos cam-
pos.
As tabelas também revelam tendências demográficas lógicas. O
rápido declínio da população escrava nas províncias do norte, oeste
e sul entre 1874 e 1884 (ver Tabela 10) e o declínio relativamente
pequeno da população escrava nas províncias do café durante o
mesmo período são consistentes com aquilo que sabemos sobre os
movimentos da população escrava durante grande parte desse pe-
riodo. Da mesma forma, o excesso de escravos do sexo masculino
sobre os do sexo feminino nas províncias e municípios do café (mos-
trado nas Tabelas 4 e 16) é razoável pelos mesmos motivos, como
também sucede com os aumentos e as perdas das populações escra-
vas provinciais registradas devido ao comércio interprovincial
de
escravos indicado na Tabela 9. Outras tendências e características
lógicas semelhantes são reveladas em outras tabelas e nos
corpos
mais amplos de estatísticas de onde foram extraídas, dando crédito
aos dados e proporcionando vislumbres sobre a natureza da esc
rava-
tura brasileira.

2, Ver Curtin, The Atlantic Slave Trade, páginas xix, 93,

342
As fontes das estatísticas e as circunstâncias em que elas foram
reunidas são relevantes, é claro, para a questão da exatidão. As ta-
belas populacionais são quase todas baseadas no recenseamento de
1872 ou, então, em dados subsegiientes sobre populações de escra-
vos e de ingênuos publicadas nos relatórios do Ministério da Agri-
cultura. O recenseamento, iniciado em 1 de agosto de 1872 e ter-
minado e publicado na sua totalidade entre 1873 e 1876, constituiu
uma bem organizada contagem da população, que tinha a intenção
de assegurar resultados proveitosos. Desde então, já foi descrito por
autoridades como um verdadeiro recenseamento contendo informa-
ção exata sobre a composição humana de todo o país, tanto escrava
quanto livre.º As estatísticas sobre os escravos incluídas no recen-
seamento (e em relatórios subsegientes do Ministério da Agricui-
tura) foram o resultado dos registros nacionais de escravos ordena-
dos pelo Artigo VIII da Lei Rio Branco e pelo Artigo I da Lei
Saraiva-Cotegipe, com ambos assegurando uma exatidão razoável
devido a terem estipulado que as pessoas não registradas seriam con-
sideradas livres. Um decreto de 1 de dezembro de 1871, além do
mais, ordenou que quaisquer alterações no estado e condição de es-
cravos e ingênuos deveriam ser registradas por funcionários locais
a intervalos regulares,* sendo desta fonte que os relatórios ministe-
riais preparados mais tarde sobre as populações escravas foram ex-
traídos.
Conforme indicamos várias vezes neste estudo, o descuido e a
fraude eram tão características destas contagens de escravos quanto
a diligência e a boa-fé. Todavia, até mesmo os efeitos da desones-
tidade são revelados como singularidades demográficas, parecendo
proporcionar uma prova adicional da fidedignidade geral das esta-
tísticas e até mesmo defender interessantes hipóteses históricas. O
falso Tegistro das idades de africanos para evitar os efeitos da lei
antitráfico de escravos de 1831, por exemplo, reflete-se claramente
no recenseamento dos escravos (ver Tabela 5), tal como sucede com
a concentração de africanos nas províncias onde eram importados
principalmente antes de 1852. Para citarmos outro exemplo, a Tabe-
la 9 mostra que a perda líquida de escravos devido ao comércio in-
terprovincial de escravos registrada entre 1874 e 1884 pelas provín-

Directoria Geral da Estatistica, Recenseamento do Brazil reali


I de Setembro de 1920. Introducção (Rio de Janeiro, 1922), E AO
Giorgio san Ra Studies in Brazil,” in Philip M. Hauser é
Otis Dudley (editores), The Study of Population, An I t 7
(Chicago, 1959), páginas 235-236. TUTO GUBDE ppt
4 Veiga, Livro do estado servil, páginas 38-39.

343
cias exportadoras de escravos (46.626 pessoas) foi apenas um pouco
mais do que a metade do aumento líquido registrado pelas provín-
cias importadoras de escravos (89.425 pessoas). A discrepância pode
ser explicada em parte, provavelmente, pelo fato de os proprietá-
rios e negociantes não terem registrado escravos exportados para
evitarem pagar os impostos provinciais de exportação.
Sem exagerarmos a exatidão de estatísticas do século xIx sobre
a escravatura brasileira, que eram, sem dúvida, distorcidas por prá-
ticas como as mencionadas e por outros fatores incontroláveis, po-
derá ser concluído que, de um modo geral, os dados aqui usados são
historicamente válidos e de suficiente fidedignidade para apoiar as
conclusões contidas neste estudo.

TABELA 1

ESTIMATIVAS DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

1798 1817/18 1864

Brancos 1.010.000 1.043.000

Livres de cor 406.000 585.500

Total de livres, exceptuando índios 1.416.000 1.628.500 8.330.000


Índios 250.000 259.400 200.000

TOTAL DE LIVRES 1.666.000 1.887.900 8.530.000

Escravos mulatos 221.000 202.000


Escravos negros 1.361.000 1.728.000
Total de escravos 1.582.000 1.930.000 1.715.000
POPULAÇÃO TOTAL
3.248.000 3.817.900 10.245.060
CC
———————
e

Fonte: Agostinho Marques Perdigão Malheiro, 4


(2 vols.; 2.º edição: São Paulo, escra vidão no Brasil
1944), II, 26, 197-198 ,

344
TABELA 2

POPULAÇÕES LIVRES E ESCRAVAS DO BRASIL, 1874


À À

Percentagem
aproximada
Província Livres Escravos Total escravizada

Extremo Norte
Amazonas 56.631 1.545 58.176 2,1
Pará 232.622 31.537 264.159 11,9
Maranhão 284.101 74.598 358.699 20,8

573.354 107.680 681.034 15,8

Nordeste
Piauí 178.427 23.434 201.861 11,6
Ceará 686.773 31.975 718.748 4,4
Rio Grande do Norte 220.959 13.634 234.593 5,5
Paraíba 341.643 25.817 367.460 7,0
Pernambuco 752.511 106.236 858.747 12,4
Alagoas 312.268 36.124 348.392 10,3
Sergipe 139.812 33.064 172.876 19,1
Bahia 1.120.846 165.403 1.286.249 12,8
3.753.239 435.687 4.188.926 10,4
Oeste e Sul
Mato Grosso 53.750 1.054 60.804 11,6
Goiás 149.743 8.800 158.543 5,5
Paraná 116.162 11.249 127.411 8,8
Santa Catarina 144.818 15.250 160.068 9,5
Rio Grande do Sul 364.002 98.450 462.452 21,3
828.475 140.803 969.278 14,5
Centro-Sul
Minas Gerais 1.642.449 311.304 1.953.753
Espírito Santo 59.478 22.297 81.775 Ze
Rio de Janeiro 456.850 301.352 758.202 397
Município Neutro 226.033 47.084 273.117 172
São Paulo 680.742 174.622 855.364 20.4
3.065.552 856.659 3.922.211 21,8
TOTAIS 8.220.620 1.540.829 9.761.449 15,8
Fontes: Directoria Geral da Estatistica, Relatorio e Trabalhos Estati
-
- s 46-62; Relato
(Rioi de Janeiri o, 1875), página rio do Ministeri À stiticos
Stalis
10 de maio de 1883, página 10. inisterio da Agricultura,

345
TABELA $

POPULAÇÕES ESCRAVAS, 1864-1887



Província 1864 1674 1884 1887
Extremo Norte

Amazonas 1.000 1.545


Pará 30.000 31.537 20.849 10.535
Maranhão 70.000 74.598 49.545 33.446
101.000 107.680 70.394 43.981
Nordeste o
Piauí 20.000 23.434 16.780 8.970
Ceará 36.000 31.975
Rio Grande 108
do Norte 23.000 13.634 7.209
Paraíba 3.167
30.000 25.817 19.165 9.448
Pernambuco 260.000 106.236 72.709 41.122
Alagoas 50.000 36.124 26.911 15.269
Sergipe 55.000 33.064 25.874 16.875
Bahia 300.000 165.403 132.822 76.838

774.000 435.687 301.470 171.797


Oeste e Sul | |
Mato Grosso 5.000 7.054 5.782 3.233
Goiás 15.000 8.800 7.710 4.955
Paraná 20.000 11.249 7.768 3.513
Santa Catarina 15.000 15.250 8.371 4.927
Rio Grande do Sul 40.000 98.450 60.136 8.442

95.000 140.803 89.767 25.070


Centro-Sul
| |
Minas Gerais 250.000 311.304 301.125 191.952
Espírito Santo 15.000 22.297 20.216 13.381
Rio de Janeiro 300.000 301.352 258.238 162.421
Município Neutro 100.000 47.084 32.103 7.488
São Paulo 80.000 174.622 167.493 107.329
745.000 856.659 779.175 482.571
TOTAIS 1.715.000 1.540.829
nas oa io 6 1.240.806
1.240.806 723.419
723,419
Fontes: Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II é 198; Rela
da Agricultura, 10 de maio de 1883, página 10 torio do Ministerio
página 372; ibid., 14 de maio de 1888, » ibid., 30 de abril de 1885,
página 24.

346
TABELA 4

POPULAÇÃO ESCRAVA POR SEXOS, 1884

Província Homens Mulheres Totais

Extremo Norte
Pará 10.130 10.719 20.849
Maranhão 21.981 27.564 49.545

32.111 38.283 70.394

Nordeste
Piauí 8.031 8.749 16.780
Rio Grande do Norte 3.601 3.608 7.209
Paraíba 8.941 10.224 19.165
Pernambuco 36.344 36.365 72.709
Alagoas 13.119 13.792 26.911
Sergipe 12.469 13.405 25.874
Bahia 65.281 67.541 132.822

147.786 153.684 301.470


Oeste e Sul
Mato Grosso 2.881 2.901 5.782
Goiás 4.252 3.458 7.710
Paraná 4.383 3.385 7.768
Santa Catarina 4.598 3.773 8.371
Rio Grande do Sul 30.658 29.478 60.136
46.772 42.995 89.767

Centro-Sul
Minas Gerais 160.931 140.194 301.125
Espírito Santo 11.005 9.211 20.216
Rio de Janeiro 140.751 117.487 258.238
Município Neutro 15.783 16.320 32.103
São Paulo 96.737 10.756 167.493
425.207 353.968 779.175
TOTAIS 651.876 588.930 1.240.806
SETE E E a ea mea O TO

Fonte: Relatorio do Ministerio da Agricultura, 30 de abril de 1885, pá-


gina 372.

347
TABELA 5
ESCRAVOS DE NATURALIDADE AFRICANA E ESCRAVOS REGISTRADOS COMO TENDO
51 ANOS OU Mais, 1872

Escravos
Total de registra- Percenta- Africanos
Província escravos dos de 51 gem de 51 registra-
registra- anos e anos e dos
dos mais mais

Extremo Norte
Amazonas 1.545 87 5,6 13
Pará 31.537 2.362 1,9 552
Maranhão 74.598 7.786 10,4 1.741 |
107.680 10.235 9,5 2.306
Nordeste |
Piauí 23.434 3.885 16,6 242 |
Ceará 31.975 2.014 6,3 99 |
Rio Grande do Norte 13.634 1.614 11,8 421 |
Paraíba 25.817 1.367 5,3 185
Pernambuco 106.236 9.472 8,9 3.084
Alagoas 36.124 2.402 6,6 2.377
Sergipe 33.064 3.012 9,1 1.395
Bahia 165.403 24.349 14,7 10.281

435.687 48.115 11,0 18.084


Oeste e Sul
Mato Grosso 7.054 928 13,1 360
Goiás 8.800 878 10,0 140
Paraná 15.250 830 7,4 738
santa Catarina 11.249 1.332 8,7 1.128
Rio Grande do Sul 98.450 15.423 15,6 5.104

140.803 19.391 13,8 7.470


Centro-Sul
Minas Gerais 311.304 64.401 20,7 28.148 1
Espírito Santo 22.297 3.109 13,9 2.262
Rio de Janeiro 301.352 66.259 22,0 56.262
Município Neutro 47.084 4.656 9,9 10 973
São Paulo 174.622 20.512 11,7 13.055
856.659 158.937 18,6 110.700
Torais
rr 1.540.829 236.678 15,4 138.560 r
ses ds mempreo
an SE
Fonte: Compilado de Directoria Geral dás Estatistica, Recenseamento da
população, 1872, passim.

348
Alcdart Tt

atadas F8
TA Ata
TABELA 6

LIBERTOS SEXAGENÁRIOS REGISTRADOS EM 1886 E 1887

Província Libertos Província Libertos

Extremo Norte Oeste e Sul


Pará 26 at Grosso es
Maranhão oa Pariná 10
478 Santa Catarina 10
Nordeste Rio Grande do Sul 6

ne
Piauí 39 "66
Rio Grande do Norte 7 Centro-Sul
Paraíba 34 Minas Gerais 4.121
Pernambuco 259 Espírito Santo 361
Alagoas 202 Rio de Janeiro 9.496
Sergipe 204 Município Neutro 125
Bahia 1.001 São Paulo 2.553

1.746 16.656
TOTAL 18.946
mi et EO es E psp sa
Fonte Relatorio do Ministerio da Agricultura, 14 de maio de 1888, pá-
gina 27.

TABELA ?7

ESCRAVOS IMPORTADOS PELO RIO DE JANEIRO DE OUTRAS PARTES IMPÉ-


RIO, 1849-1852 é E

Ano Circunstâncias Número

1849 Tráfico africano, grande e sem restrições


1850 Tráfico africano, tolerado mas em declínio
1851 1 74
Tráfico africano suprimido 3.088
1852 Apenas primeiros três meses e meio 1.473
TOTAL
6 575
SE SETA
E De Te qa SR sa
F Relatorio apresentado... da oit 3 E potidatara
Quico. dr na quarta sessãos da Justiça
pelo Ministro e Secretario d'Estado dos Negocio
neiro, 1852), página 9.

349
TABELA 8

ESCRAVOS IMPORTADOS PELO RIO DE JANEIRO ATRAVÉS DO COMÉRCIO INTER-


PROVINCIAL, 1852-1862

—— Dl

Ano “Do Norte Do Sul Total

1852 3.461 340 3.801


1853 2.743 658 3.401
1854 4.201 198 4.399
1855 3.156 215 3.371
1856 3.495 496 3.991
1857 | 3.480 619 4.099
1858 1.304 276 1.580
1859 933 183 1.116
1860 3.132 156 3.288
1861 4.502 162 4.664
Até julho de 1862 857 101 958

TOTAIS 31.264 3.404 34.668


E Em e

Fonte: Carta de Christie ao Conde Russel


l, Rio de Janeiro, 30 de setembro
de 1862 (Incluso N.º 1), Class B 1862,
página 112. -

350
Elma
La
dA
a

Me
TABELA 9

AUMENTOS E PERDAS REGISTRADOS DE ESCRAVOS ATRAVÉS DO COMÉRCIO


INTERPROVINCIAL, 1874-1884
E

Total por região

Aumento Perda
Província líquido líquida Aumento Perda

Extremo Norte

Amazonas 344
Pará 663
Maranhão 4.157

1.007 4.157 3.150

Nordeste
Piauí DIA)
Ceará 7.104
Rio Grande do Norte 1.876
Paraíba 3.412
Pernambuco 4.426
Alagoas 2.082
Sergipe 2.342
Bahia 4.041

28.008 28.008
a ie ae ema oa o e aa 1 SE ni op
Oeste e Sul É
Mato Grosso 311
Goiás 360
Paraná 212
Santa Catarina 905
Rio Grande do Sul 14.302
e

o 15.779 15.468
sa A
Centro-Sul
Minas Gerais 5.936
Espírito Santo 3.187
Rio de Janeiro 31.941
Município Neutro 7.353
São Paulo 41.008

89.425 89.425.
pi a o ai o ti a SE
TOTAIS | 89.425
——————ee.o. NT 46.626
SSD
Fonte: Compilado do Relatorio do Ministerio da Agricultura 7 de maio
de 1884, página 191.

351
TABELA 10

DECLÍNIO DE POPULAÇÕES ESCRAVAS, 1874-1884

sei pm
Declínio de Hi
Província 1874 1884 percentagem

Extremo Norte

Amazonas 1.545 100,0


Pará 31.537 20.849 33,5 ,
Maranhão 14.598 49.545 33,6
107.680 70.394 34,6
Nordeste

Piauí 23.434 16.780 28,4


Ceará 31.975 100,0
Rio Grande do Norte 13.634 7.209 47,1
Paraíba 25.817 19.165 25,8
Pernambuco 106.236 72.709 31,6
Alagoas 36.124 26.911 25,5
Sergipe 33.064 25.874 21,4
Bahia 165.403 132.822 19,7

435.687 301.470 30,8


Oeste e Sul

Mato Grosso 7.054 5.782 16,6


Goiás 8.800 7.710 12,4
Paraná 11.249 7.768 30,9
Santa Catarina 15.250 8.371 44,9
Rio Grande do Sul 98.450 60.136 38,9

140.803 89.767 36,2


Centro-Sul

Minas Gerais 311.304 301.125 3,3


Espírito Santo ,
22.297 20.216 9,3
Rio de Janeiro 301.352 258.238 14,3
Município Neutro 47.084 32.103
São Paulo 31,8
174.622 167.493 4,0 |
856.659 779.175 20 |
ToTAIS 1.540.829 1.240.806 19,5 , /
Fontes: Relatorio
A

do Ministerio
E

da Agricultura,
ee mm

10 de . A
gina 10; ibid. 30 de abril de 1885, página 372. maio de 1883, p

352

assistido
TABELA 11

DECLÍNIO DE POPULAÇÕES ESCRAVAS, DE JUNHO DE 1885 ATÉ MAIO DE 1887

Percentagem do
Província Junho de 1885 Maio de 1887 declínio

Extremo Norte

Pará 20.218 10.535 47,9


Maranhão 31.901 33.446 0,0

52.119 43.981 15,6

Nordeste

Piauí 15.498 8.970 42,1


Ceará | — 108 0,0
Rio Grande do Norte 7.209 3.167 26,0
Paraíba 18.824 9.448 49,8
Pernambuco 72.370 41.122 43,1
Alagoas 25.046 15.269 39,0
Sergipe 24.325 16.875 30,2
Bahia 132.822 76.838 421

296.094 171.797 420


Oeste e Sul
Mato Grosso 4.816 3.233 32,8
Goiás - 7.788 4.955 36,4
Paraná 6.836 3.513 48,9
Santa Catarina 8.221 4.927 40,0
Rio Grande do Sul 27.242 8.442 69,0
54.903 25.070 43
Centro-Sul E
Minas Gerais 276.275 191.952 30,5
Espírito Santo 19.762 13.381 32,2
Rio de Janeiro 250.896 162.421 35,2
Município Neutro 29.909 7.488 74,9
São Paulo 153.270 107.329 29,9
730.112 482.571 3,
= —

TOTAIS 1.133.228 123.419 36,1


ET DT E eee TE o

Fontes: Relatorio do Ministerio da A gricultura, 14 de maio de 1886; ibid.,


4 de maio de 1888, página 24.

353
TABELA 12

AUMENTOS E DECLÍNIOS REGISTRADOS DE POPULAÇÕES ESCRAVAS EM MINAS GERAIS


1874-1883 (PRINCIPAIS MUNICÍPIOS)
—m 101001110
1
Município 16/4 1883 Aumento Declínio

Municípios do café
(Sudeste de Minas)
Juiz de Fora 14.368 21.808 1.440
Leopoldina 15.253 16.001 748
Mar de Hespanha 12.658 15.183 2.525
Pomba 7.028 6.392 636
Rio Novo 6.957 7.336 379
Rio Preto 6.313 6.120 193
São Paulo do Muriaí 6.938 TAIS 837
Ubá 7.149 6.020 1.129
76.664 86.635 11.929 1.958
Municípios do café — Aumento líquido 9.971
Município de mineração
(Minas Central)
Bomfim 5.824 2.919
Bom Sucesso -— 2.905
2.324 1.919 - 405
Caeté “2.798 1.310
Curvelo 1.488
1.429. 3.217 1.788
Diamantina 2.036 7.510 5.474
Formiga 3.625 3.352 273
Grão Mogol 3.701 2.604
Itabira 1.097
7.464 5.305 2.159
Januária 1.115 “997
Lavras
118
8.380 6.322 2.058
Mariana 8.422 6.389
Minas Novas 2.033
4.312 3.368 944
Montes Claros 4.046 3.249 797
Oliveira 7.889 5.630
Ouro Preto 5.632
2.259
2.539 3.093
Paracatu 2.638 1.638
Pitangui 1.000
6.590 3.189 3.401
Queluz . 13.998 4.322 9.676
Rio Pardo 6.722 3.667
Sabará 8.982 3.055
3.123 5.859
Santa Bárbara 7.610 3.379
Santa Luzia 5.953 2.399
4.231
Santo Antônio do Monte 3.554
1.842 1.512 330
São João del Rei e =
São João del Rei 10.827 10.281
Serro 9.420 4.473
546
4.947
Sete Lagoas 2.295 2.527
Tamanduá 232
4.764 2.851 1.913
150.638 99.991 7.494 58.141
Declínio líquido dos municípios de mineração 50.647
Fontes: Recenseamento da população, TX (2), 1074-1078:
Laérne, Brazil and Java. Report on Coffee € ulture in A C. F. Van Delden
Africa (Londres, 1885), páginas 117-118. n America, Asia, and
TABELA 13
AUMENTOS E PERDAS REGISTRADOS DE ESCRAVOS NA PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO
ATRAVÉS DE TRANSFERÊNCIAS INTERMUNICIPAIS, 1873-1882
minimo e a e sa
População População
escrava escrava
30 de set. Líquido 31 de julho
de 1873 Aumento Perda de 1882

Municípios do café
Barra Mansa 11.397 2.416 11.246
Cantagalo 17.562 8.251 21.621
Nova Friburgo 4.576 1.459 4,937
Paraíba do Sul 18.801 436 15.369
Piraí 13.386 506 11.360
Resende 9.185 1.041 8.240
S. Maria Madalena 10.003 5.122 12.891
São Fidélis 15.693 5.325 18.994
Sapucaia | — 8.145 7.377
Valença 27.099 4.454 25.344
Vassouras 21.093 1.538 18.630
148.795 38.693 156.009
Outros municípios
Angra dos Reis 3.807 593 2.199
Araruama 7.470 681 5.370
Barra de São João 3.534 191 2.693
Cabo Frio - 6.318 706 4.383
Campos 35.668 1.222 29.387
Capivari 3.608 365 3.268
Estrela 2.613 169 1.684
Iguaçu 7.350 286
Itaboraí |. 5.467
6.964 45 5.639
Itaguaí 5.430 622
Macaé 3.511
.. -9.:094 - 631
Magé 7.374
8.268 2.903 3.009
Mangaratiba 1.513 297 930
Maricá 5.775 342
Niterói 4.218
10.743 1.402 9.063
Parati 2.025 262 1.184
Petrópolis 674 105 626
Rio Claro 2.398 456
Rio Bonito 1.544
6.621 573 4.917
3. Ana de Macacu 4.090 268
S. João da Barra 2.732
5.145 84 4.125
S. João do Príncipe 7.810 423 5.705
Saquarema 5.639 658 3.794
À a ça E2 So A a
152.557 3.094
——————a N10.1 I
90 112.822
ToTAISs 301.352 41.787 10.190 268.831
Fonte: Compilado de C. F. Van Delden Laérne, Brazil
on Coffee Culture in America, Asia, and África (Londrand Java. Report
es, 1885), pági-
nas 120-121.
TABELA 14 .

AUMENTO E DECLÍNIO REGISTRADOS DE POPULAÇÕES ESCRAVAS NA PROVÍNCIA DB


São PAULO, 1874-1883 (PRINCIPAIS MUNICÍPIOS DO CAFÉ)
E bi
Municipios 1874 1882 Aumento Declinio

Norte e Oeste
(Mogiana Paulista) à
Ribeirão Preto 857 1.386 529 |
São Simão 777 1.194 417 ,
Casa Branca 2.093 3.915 1.822 |
Descalvado 1.339 2.860 1.521
Araraquara 1.626 2.247 621
São Carlos 1.568 3.465 1.897
Pirassinunga 1.376 3.550 2.174
Jaú 887 1.876 989
Brotas 1.634. 1.214 420
Rio Claro 3.935 4.852. 917
Mogimirim 5.006 3.429 1.577
Limeira 3.054 3.624 570
Amparo 2.130 4.630 2.500
26.282 38.242 13.957 1.997
Aumento líquido 11.960
Central
Campinas 13.685 - 15.665 1.980
Capivari 3.189 3.612 423
Bragança 2.522 2.157 365
Tatui 1.059 1.110 51
Porto Feliz 1.547 1.124 423
Itu 3.498 2.878 620
Jundiaí 1.852 1.631
Atibaia 221
1.066 936 130
Itapetininga 1.823 1.787
São Roque 36
1.107 650 457
31.348 31.550 2.454 2.252
Aumento líquido 202

Este e Vale do Paraibaé


Mopi das: Cruzks 1.496 1.048 448
Jacarei 1.574 1.478 96
S. José dos Campos 1.390 1.618 228
Caçapava 1.602 2.609 1.007
Taubaté 4.122 5.195 1.033
Pindamonhangaba 3.718 4.177 459
São Luís 2.089 2.072
Guaratinguetá 4.352
17
5.312 960
Lorena 1.338 2.464 1.126
Queluz 2.198 2.255 57
Areas 1.898 2.293. 395
Bananal 8.281 7.168 1.113
34.058 37.649 5.265 1.674
Aumento líquido
Te
3.591
Fontes: Recenseamento da população,
Brazil and Java,
XIX, 429-430; Van Delden Laêrne,
páginas 115-116.
o As divisões geográficas usadas a
n,
do Roteiro
in Lowrie, “O elemento ne café (São Paulo, 193 9), páginas 10-12; e
é gro”, páginas 14 -56. O “Norte” desses
autores é dado aqui como
Este e EVVa
: le do EPa Araíba.”
TABELA 15 |

POPULAÇÕES ESCRAVAS DA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO (ESTIMATIVAS)


Norte e Oeste
Ano Este e Vale Litoral Central (Mogiana- Totais
do Paraíba Paulista)

1836 24.460 12.317 38.497 3.584 78.858


1854 33.823 15.445 47.574 20.143 116.985
1874 — m— — — 174.622
1886 43.361 4.148 53.545 67.036 0 ()
168.090

Fontes: Adaptado de “O elemento negro” de Samuel Lowrie, página 1414,


e Relatorio do Ministerio da Agricultura, 10 de maio de 1883, página 10.
(*) Inclui ingênuos.
TABELA 16
POPULAÇÕES ESCRAVAS POR SEXOS EM SÃO PAULO, 1872 (PRINCIPAIS MUNICÍPIOS
DO CAFÉ)

Municípios Homens Mulheres Totais

Norte e Oeste
Ribeirão Preto 566 291 857
Descalvado 784 455 1.239
São Carlos 926 642 1.568
Jaú 521 366 887
Brotas 1.024 610 1.634
Rio Claro 2.314 1.621 3.935
Mogimirim 2.954 2.052 5.006
Limeira 1.810 1.244 3.054

10.899 7.281 18.180

Central
Campinas 8.806 4.879 13.685
Capivari 1.826 1.363 3.189
Porto Feliz 925 - 622 1.547
Jundiaí je 158 694 1.852
Indaiatuba 1.168 540 - 1.708
13.883 8.098 21.981

Este e Vale do Paraíba


Caçapava 966 636 1.602
Pindamonhangaba 2.147 1.571 3.718
Lorena 782 556 1.338
Queluz 1.243 955 2.198
Bananal A 714 3.567 8.281

TT
E 852 7.285 “17.137
TT

Fonte: Recenseamento da Do pula XIX. 429-430.

357
TABELA 17

ALFABETIZAÇÃO E ANALFABETISMO ENTRE ESCRAVOS, 1872


e

Homens Mulheres. Totais


Província -
Alfabe- Anal. Alfabe- Anal. Alfabe- Anal.
tizados Jfabetos tizados fabetos tizados fabetos

Extremo Norte É
Amazonas — 487 — 492 — 979
Pará 68 13.840 21 13.529 89 27.369
Maranhão 51 36.838 21 - 38:029: 72 74.867

119 51.165 42 52.050 161 | 103.215

Nordeste

Piauí 6 11.939 — 11.850 6 23.789


Ceará 55 14.906 12 16.960 47 31.866
Rio Grande do Norte 4 6.567 3 6.446 7 13.013
Paraíba 26 10.655 35 10.810 61 21.465
Pernambuco 105 49.918 52 41.953 157 88.871
Alagoas 32 17.881 21 17.807 53 35.688
Sergipe = 10.840 — 11.783 = 22.623
Bahia 49 89.045 15 78.715 64 167.760

257 208.751 138 196.324 395 405.075


Oeste e Sul , E

Mato Grosso ma 3.632. — 3.035 — 6.667


Goiás 7 5.365 — 5.280 7 10.645
Paraná 6 5.500 2 5.052 8 10.552
Santa Catarina 26 8.043 20 6.895 46 14.938
Rio Grande do Sul 63 35.623 37 32.068 100 67.691

102 58.163 59 52.330 161 110.493


Centro-Sul ,

Minas Gerais 99 199.335 46 170.979 145 370,314


Espírito Santo 1 11.858 — 10.800 1 22.658
Rio de Janeiro 79 162.315 28 130.215 107 292.530
Município Neutro 220 24.666 109 23.944 329 48.610
São Paulo 81 87.959 23 68.549 104 156.508
480 486.133 206 404.487 686 890.620
ToraIs 258 804.212 445 705.191 1.403 1.509.403
e

Fonte: Recenseamento da população, XIX, 2.

356
TABELA 18
SEXO E ESTADO CIVIL DE ESCRAVOS (DE DEZESSEIS ANOS DE IDADE OU MAIS),
MAIO DE 1888
Percen-
tagem
aproxi-
Província Sexo Estado Civil mada
casados
|
ou
Homens Mulheres Total Solteiro Casado Viúvo viúvos

Extremo Norte
Pará 5.196 5.339 10.535 10.415 104 16 1,1
Maranhão 15.991 17.455 33.446 32.052 1.131 263 41

21.187 22.794 43.981 42.467 1.235 279 3,

Nordeste
Piauí 4.317 4.653 8.970 8.447 500 PEDIR
Ceará 54 54 108 81 22 5 250
Rio Grande À
do Norte 1.584 1.583 3.167 2.938 211 18 FED
Paraíba 4.210 5.238 9.448 8.697 587 164 7,9
Pernambuco 20.531 20.591 41.122 36.734 3.480 908 10,7
Alagoas 7.449 7.820 15.269 13.700 1.322 247 10,0
Sergipe 8.147 8.728 16.875 14.541 1.872 462 13,8
Bahia 37.966 38.872 76.838 72.856 3.477 505 5,2

84.258 87.539 171.797 157.994 11.471 2.332 8,0

Oeste e Sul
Mato Grosso 1.642 1.591 3.233 3.011 166 56 6,9
Goiás 2.430 2.525 4.955 4.582 307 66 7,6
Paraná 1.770 1.743 3.513 3.320 162 31 5,5
S. Catarina 2.769 2.158 4.927 4.875 46 6 1,1
Rio Grande
do Sul 4.591 3.851 8.442 8.344 91 7 12

13.202 11.868 25.070 24.132 772 166 3,7

Centro-Sul
Min. Ger. 104.748 87.204 191.952 158.983 27.713 5.256 172
Esp. Santo 7.112 6.269 13.381 12.232 953 196 8,6
Rio de Jan. 87.767 74.654 162.421 149.677 10.604 2.140 7,8
Mun. Neutro 3.653 3.835 7.488 7.432 38 18 0,8
São Paulo 62.688 44.641 107.329 79.293 24.018 4.018 261

265.968 216.603 482.571 407.617 63.326 11.628 15,5 %

TOTAIS 384.615 338.804 723.419 632.210 76.804 14.405 10,4

Fonte: Relatorio do Ministerio da Agricultura, 14 de maio de 1888, página 24.


TABELA 19

OCUPAÇÕES DOS ESCRAVOS, 1872


SS

Ocupações Homens Mulheres Total

Artistas 1.517 341 1.858


Marinheiros 1.788 1.788
Pescadores 1.262 1.262
“Costureiras 40.766 40.766
Mineiros e trabalhadores de pedreiras 769 769
Trabalhadores metalúrgicos 1.075 1.075
Carpinteiros 5.599 5.599
Trabalhadores têxteis 842 12.354 13.196
Trabalhadores da construção 4.013 4.013
“Trabalhadores do couro 560 3 563
“Tintureiros 40 4 44
“Alfaiates 1.379 1.379
Fabricantes de chapéus 216 50 266
Fabricantes de sapatos 2.163 2.163
Trabalhadores agrícolas 503.744 304.657 808.401
Servidores e jornaleiros 49.195 45.293 94.488
Serviço doméstico 45.561 129.816 175.377
Sem profissão 185.447 172.352 357.799

ToraIs 805.170 705.636 1.510.806


“e = -
TT a a a

Fonte: Recenseamento da população, XIX, 5.

360
TABELA 20

OCUPAÇÕES DOS ESCRAVOS POR PROVÍNCIA E REGIÃO, 1872

Trabalhadores Criados e
Província agrícolas jornaleiros Outros (2) Totais (P)

Extremo Norte
Amazonas 233 281 475 979
Pará 10.956 5.271 11.231 27.458
Maranhão 36.694 12.390 25.855 74.939

47.873 17.942 37.561 103.376

Nordeste —

Piauí 6.264 6.631 10.900 23.795


Ceará 7.375 11.363 13.175 31.913
Rio Grande do Norte 2.353 3.057 7.610 13.020
Paraíba 9.125 5.982 6.419 21.526
Pernambuco 38.714 20.480 29.834 89.028
Alagoas 11.628 13.462 10.651 35.741
Sergipe 11.907 3.291 7.425 22.623
Bahia 82.954 33.073 51.797 167.824

170.320 97.339 137.811 405.470

Oeste e Sul
Mato Grosso 3.907 968 1.792 6.667
Goiás 4.523 1.926 4.203 10.652
Paraná 3.167 4.693 2.700 10.560
Santa Catarina 6.231 3.598 5.155 14.984
Rio Grande do Sul 48.736 2.386 16.669 67.791

66.564 13.571 30.519 110.654


Centro-Sul
Minas Gerais 278.767 30.989 60.703 370.459
Espírito Santo 12.917 3.493 6.249 22.659
Rio de Janeiro 141.575 52.806 98.256 292.637
Município Neutro 5.695 28.815 14.429 48.939
São Paulo 88.620 29.889 38.103 156.612

527.574 145.992 217.740 891 306

TOTAIS 812.331 274.844 423.631 1.510.806


E .2.00.20020020000000000202022052225520555 555

Fonte: Compilado de Recenseamento da população, passim.


(a) Inclui escravos sem ocupações.
(») Os totais diferem dos da Tabela 2 devido aos dados do recenseamento
estarem incompletos.

361
TABELA 21

Voros NA LEI Rio BRANCO

Província Câmara Senado


A favor Contra A favor Contra

Extremo Norte
Amazonas 1 l
Pará 3 1
Maranhão 2 2 2

6 3 3 0

Nordeste
Piauí 3 ]
Ceará 6 1 2
Rio Grande do Norte 2 1
Paraíba 3 1
Pernambuco 8 2 5
Alagoas 4 1
Sergipe 3 1 1
Bahia 10 2 3 2

39 6 15 2
Oeste e Sul
Mato Grosso 2 1
Goiás 1 1 1
Paraná 1 1
Santa Catarina 2
Rio Grande do Sul 2 4 3

8 6 5

Centro-Sul
Minas Gerais 6 13 5 3
Espírito Santo 2 1 1
Rio de Janeiro 1 7 3
Município Neutro 3
São Paulo 5 5 1 1

12 30 10 5
TOTAIS 65 45 33 7
[DD
EE

Fonte: Discussão da reforma do estado servil, 1I, Apêndice, páginas 128-150.

362
ad
=

En
a

tg
=
*
do

o om
,
TABELA 22
O FUNDO DE EMANCIPAÇÃO, 1878
E

Recolhido nos Anos Fiscais de


1871/72 a 1877/78 8.034.9703196
Gastos:
Em livros, gratificações e outros 525.917$661
Pago por Manumissões 2.880.467$001
Para ser Aplicado 744.7288182 4.151.1125344

Saldo Sujeito a Liquidação 3.883.857$352

Fonte: Relatorio do Ministerio da Agricultura, 27 de dezembro de 1878,


páginas 12-15.

TABELA 23
CUSTO MÉDIO DE LIBERTAÇÕES PELO FUNDO DE EMANCIPAÇÃO, 1875-1885

Extremo Norte Oeste e Sul

Amazonas 683$000 | Mato Grosso 6728000


Pará 6563000 | Goiás 5998000
Maranhão 6088000 | Paraná 6728000
Média 6558666 | Santa Catarina 4798000
Rio Grande do Sul 631$000
Nordeste Média 6108600

Piauí 411$000 | Centro-Sul


Ceará 174$000
Rio Grande do Norte 455$000 | Minas Gerais 909$000
Paraíba 430$000 | Espírito Santo 7095000
Pernambuco 5548000 | Rio de Janeiro 880$000
Alagoas 611$000 | Município Neutro 5758000
Sergipe 557$000 | São Paulo 8558000
Bahia 5763500 | Média 785$600
Média 5338500
Fonte: Jornal do Commercio, IN debiulho de TES:
TABELA 24
ANÁLISE DO VOTO DE NÃO-CONFIANÇA CONTRA O REGIME DE DANTAS, 28 DE
JULHO DE 1884, NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Províncias Apoiando Dantas Opondo-se a Dantas


Conser- * Conser-
Províncias Liberais vadores Total Liberais vadores Total
Minas Gerais 3 0 3 6 6 12
Espírito Santo 2 0 2 0 0 O
Rio de Janeiro 2 O 2 1 ) 10
São Paulo 3 0 3 3 3 6

Outras Províncias 38 4 42 7 24 31

TOTAIS 52 Es E A so
=—--— .uõ umõ..m.m.W<888t=ueucecíiãõãõÕO SS

Fonte: Compilado de Annaes da Camara (1884), III, 362-363.


TABELA 25

REGISTRO DOS VOTOS NA QUESTÃO DA ESCRAVATURA, CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1885


er — — [e

Opositores
Província Rejformistas Inconsistentes da reforma

Extremo Norte

Amazonas 2 0 0
Pará 1 0 3
Maranhão 0 6 0

3 6 3
Nordeste
Piauí 0 3 0
Ceará 3 2 3
Rio Grande do Norte 2 0 0
Paraíba 1 1 3
Pernambuco 2 3 7
Alagoas O Z 3
Sergipe 0 1 2
Behia 5 4 4

13 16 22
Oeste e Sul
Mato Grosso O 1 0
Goiás 1 1 0 |
Paraná 0 1 0
Santa Catarina O 2 0
Rio Grande do Sul 3 3 0
4 8 0
Totais para Províncias não de café 20 30 25
Centro Sul
Minas Gerais 5 5 9
Espírito Santo 0 1 1
Rio de Janeiro e
Município Neutro 1 1 9
São Paulo 2 1 6

ê 8 25
ToTAIS 28 38 50
g
e

Fonte: Compilado de Annaes da Camara (1885), II, 343-344; III 66-67;


III, 68: III, 163; III, 170-171.

364

nf
: o a 1
ADELA

PRODUÇÃO BRASILEIRA DE CAFÉ, 1850/51-1890


Produção anual
Valor da de um bom
Sacas de produção Valor escravo tra-
Anos 60 quilos total dó por saca balhando 2.000
(en milhares) café (em reis) árvore de
(em contos) café ,
(em reis)
1850/51 2.485 32.604 138120 3285000 *
1851/52 2.337 32.954 148100 3525500
1852/53 2.430 33.897 138950 3488750
1853/54 2.130 35.445 168640 416$S000
1854/55 3.190 48.491. 155201 3805025
1855/56 2.853 48.013 165830 4208750
1856/57 3.189 54.107 165967 4248175
1857/58 2.380 43.503 185280 4578000
1858/59 2.13) 50.138 185332 4588300
1859/60 2.524 60.238 238866 5968650

Década 26.253 439.390 168737 4185425

1860/61 3.97 79.664 225310 5578750


1861/62 2.420 58.747 245276 6055900
1862/63 2.136 56.575 263486 6628150
1863/64 2.004 54.131, 275012 6755300
1864/65 2.645 64.134 "245247 6065175
1865/66 2.436 61.203 258125 6285125
1866/67 SEd5do 69.743 225092 5525300
1867/68 3.561 83.611 238480 5875000
1868/69 3.602 90.518 235808 5955200
1869/70 3.115 77.026 248728 6185200

Década 28.847 "695.352 248105 6025625


1870/71 3.827 84.504 225081 5525025
1871/72 4.060 71.646 175647 4415175
1872/73 3.497 115.285 325967 8248175
1573/14 2.774. 110.173 398716 9925900
1874/75 3.853 125.812 3258653 8165325
1875/76 3.407 118.286 345718 8678950
1876/77 3.553 111.707 318440 7865000
1877/78 3.843 110.447 288740 7185500
1878/79 4.904 134.029 278331 6835275
1879/80 2.618 126.260 485230 :2058750
Década 36.336 108.149 308497 7628425
1880/81 3.660 126.134 34S463 8618575
1881/82 4.081 104.753 255669 6415725
1882/83 6.687 122.643 188341 4585525
1883/84 5.316 130.083 248470 611S750
1884/85 6.238 152.434 248436 6108900
1885/86 5.436 124.792 228957 5738925
1886/87 6.075 186.925 308770 7695250
1887 1.694 74.411 435926 0988150
1888 3.444 103.205 295967 7498175
1869 5.586 172.258 305888 7725200
1890 5.109 189.894 378168 9295200
Década 53.326 1:487.532 278895 6975375
Fonte: Compilado de Affonso de E. Taunay, Pequena história do café,
página 548.
APENDICE II

A LEI RIO BRANCO

LEI N.º 2.040 — DE 28 DE SETEMBRO DE 1871

Declara de condição livre os filhos de mulher


escrava que nascerem
desde a data desta lei, libertos os escravos da
Nação e outros, e
providencia sobre a criação e tratamento daquel
les filhos menores e
sobre a libertação annual de escravos.

A Princeza Imperial Regente, em Nome de Sua Magestade


o Imperador
o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os subd
itos do Imperio que a
Assemblea Geral Decretou e ella Sanccionou a Lei
seguinte:
Art. 1.º Os filhos da mulher escrava, que nascerem no Imperio desde
a data desta lei, serão considerados de condição
livre.
S 1.º Os dictos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade
dos senhores de suas mãis, os quaes terão obrigação de crial-os e tratal-os
atê a idade de oito annos completos.
Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãi terá a
opção, ou de receber do Estado a indemnização de 6008000,
ou de utilisar-se
dos serviços do menor até a idade de 21 annos completos.
No primeiro caso o Governo receberá o menor, e lhe dará destino,
em conformidade da presente lei.
=,

A indemnização pecuniaria acima fixada será paga em titulos de renda


com o juro annual de 6%, os quaes se considerarão exti
nctos no fim de
30 annos.
A declaração do senhor deverá ser feita dentro de 30 dias
, a contar
daquelle em que o menor chegar á idade de oito annos e,
se a não fizer
então, ficará entendido que opta pelo arbitrio de
utilisar-se dos serviços do
mesmo menor.
S 2.º Qualquer desses menores poderá remir-see do
mediante previa indemnização pecuniaria, que onus de servir,
Teça ao senhor de sua mãi, procedendo-se 4
Por si ou por outrem offe-
avaliação dos serviços pelo

366
Ea
tempo que lhe restar a preencher, se não houver acordo sobre o quantum
da mesma indemnização.
8 3.º Cabe tambem aos senhores criar e tratar os filhos que as
filhas de suas escravas possam ter quando aquellas estiverem prestando
Serviços.
Tal obrigação, porem, cessará logo que findar a prestação dos serviços
das máis. Se estas fallecerem dentro daquelle prazo, seus filhos poderão
ser postos á disposição do Governo.
$ 4.º Se a mulher escrava obtiver liberdade, os filhos menores de
oito annos, que estejam em poder do senhor della por virtude do 3 1.5,
lhe serão entregues, excepto se preferir deixal-os, e o senhor annuir a
ficar com elles.
8 5.º No caso de alienação da mulher escrava, seus filhos livres, me-
nores de 12 annos, a acompanharão, ficando o novo senhor da mesma
escrava subrogado nos direitos e obrigações do antecessor.
$ 6.º Cessa a prestação dos serviços dos filhos das escravas antes do
prazo marcado no $ 1.º, se, por sentença do juizo criminal, reconhecer-se
que os senhores das máãis os maltratam, infligindo-lhes castigos excessivos.
$ 7.º O direito conferido aos senhores no $ 1.º transfere-se nos casos
de sucessão necessaria, devendo o filho da escrava prestar serviços á pessoa
a quem nas partilhas pertencer a mesma escrava.
Art. 2.º O Governo poderá entregar a associações por elle autorizadas
os filhos das escravas, nascidos desde a data desta lei, que sejam cedidos
ou abandonados pelos senhores dellas, ou tirados do poder destes em virtude
do, art. 1: 9.465.
$ 1.º As ditas associações terão direito aos serviços gratuitos dos me-
nores até a idade de 21 annos completos e poderão alugar esses serviços,
mas serão obrigados: |
1.º A criar e tratar os mesmos menores.
2.º A constituir para cada um delles um peculio, consistente na quota
que para este fim fôr reservada nos respectivos estatutos.
3.º A procurar-lhes, findo o tempo: de serviço, apropriada collocação.
S 2.º As associações de que trata o paragrapho antecedente serão
sujeitas á inspecção dos juizes de Orphãos, quanto ao menores.
$ 3.º A disposição deste artigo é applicavel ás casas de expostos, e
ás pessoas a quem os Juizes de Orphãos encarregarem a educação dos
ditos menores, na falta de associações ou estabelecimentos creados para
tal fim.
$ 4.º Fica salvo ao Governo o direito de mandar recolher os refe-
ridos menores aos estabelecimentos publicos, transferindo-se neste caso para
o Estado as obrigações que o $ 1.º impõe ás associações autorizadas.
Art. 3.º Serão annualmente libertados em cada Provincia do Imperio
“tantos escravos quantos corresponderem á quota annualmente disponivel
do fundo destinado para a emancipação.
$ 1.º O fundo da emancipação compõe-se:
1.º Da taxa de escravos.
2.º Dos impostos geraes sobre transmissão de propriedade dos escravos.
3.º Do produto de seis loterias annuaes, isentos de impostos, e da
decima parte das que forem concedidas d'ora em diante para correrem
na capital do Imperio.
4.º Das multas impostas em virtude desta lei.
5.º Das quotas que sejam marcadas no Orçamento geral e nos provin-
ciaes e municipaes.
6.º De subscripções, doações e legados com esse destino.

367
S 2.º As quotas marcadas nos Orçament
os provinciaes e m Unic
assim como as subscripções, doações e legados com ipaes,
destino lo cal, serão
applicadas á emancipa ção nas Provincias, Comarcas,
Municipios e Fregu
zias designadas. o e.
.
|
Art. 4.º E permitido É ao escravo a formação
de um peculio
e heranças, e com o que, porcomcon-o
que lhe provier de doações, legados
sentimento do senhor, obtiver
do se
providenciará nos regulamentos sobr u trabalho e economias, O Governo
e a collocação e segurança do me
peculio. smo
$ 1.º Por morte do escravo,
metade do seu peculio pertencerá ao
conjugue sobrevivente, se o houver
, e a outra metade se transmit
seus herdeiros, na forma da lei civil. irá aos
Na falta de herdeiros, o peculio
pação de que trata o art. 3.º.
será adjudicado ao fundo de emanci-
8$ 2º O escravo que, por

a
meio de seu peculio, obtiver me
indemnização de seu valor, tem ios para
direito a alforria. Sea indemnização não
fôr fixada por acordo, o

a
será por arbitramento. Nas ve
ou nos inventários o preço da alforria será o da avaliação. ndas Judiciaes

e
S 3.º É, outrosim, permittido
contractar com
ao
escravo, em favor da sua li
terceiro a prestação de futu berdade,
não exceda de sete annos, me ros serviços por tempo que
diante O consentimento do
vação do Juiz de Orphãos. senhor e appro-
$ 4º O escravo que pertence
r a condominos, e fôr libe
um destes, terá direito 4 sua rtado por
alforria, indemnizando os outr
da quota do valor que lhes os senhores
pertencer. Esta indemnização
Paga com serviços prestados poderá ser
Por prazo não maior de sete annos, em
conformidade do paragrapho
antecedente.
$ 5.º A alforria com a clausula
ficará annullada pela falta de de serviços durante certo tempo
implemento não
liberto será compellido à cumpril- da mesma clausula, ma
a por meio de trabalhos nos es s o
mentos publicos ou por cont tabeleci-
ractos de serviços a particul
S 6.º As alforrias, quer gratuitas, ares.
de quaesquer direitos, emolumento
quer a titulo oneroso, serão isentas
s ou despezas.
S 7.º Em qualquer caso de aliena
prohibido, sob pena de nulidade ção em transmissão de escravos é
, separar os con jugues, e os
de 12 annos, do pae ou filhos menores
mãi.
S 8º Se a divisão de
a reunião de uma familia, bee ns entre herdeiros ou socios não comportar
nenhum delles preferir conserva
seu dominio, mediante reposição da la sob O
será a mesma familia ve quota parte dos outros interessados
ndida e o seu producto ,
S 9.º Fica derogada à Ord. rateado.
alforrias por ingratidão. liv. 4º tit. 63, na parte qu
e revoga as
Art. 3.º Serão sujeitas á inspecção
dos

$ 1.º Os escravos pertencentes 4 naci


occupação j gar convenieÉnte, açã
Ê o, dadan
que jul do-l Governo a
S 2.º ndo-lh es o
Os escravos dados em us
8 3.º Os escravos das heranças ufvarubitoa 4 Coroa.
Os escravos abandonados
salvo o caso de penuria, nválidos, serão obrigados a alimenta
sendo Os alimentos taxa
dos elo Juiz de Or
l-os,
phãos.
8 5.º Em geral, os escravos libertados em virtude desta Lei ficam
durante cinco annos sob a inspecção do Governo. Elles são obrigados a
contractar seus serviços sob pena de serem constrangidos, se viverem vadios,
a trabalhar nos estabelecimento publicos.
Cessará, porem, o constrangimento do trabalho sempre que o líberto
exhibir contracto de serviço.
Art. 7.º Nas causas em favor da liberdade:
$ 1.º O processo será summario.
S 2.º Haverá appellações ex-offício quando as decisões forem contrarias
à liberdade.
Art. 8.º O Governo mandará proceder á matricula especial de todos
os escravos existentes no Imperio, com declaração do nome, sexo, estado,
aptidão para o trabalho e filiação de cada um, se fôr conhecida.
S 1.º O prazo em que deve começar e encerrar-se a matricula será
annunciado com a maior antecedencia possivel por meio de editaes repe-
tidos, nos quaes será inserta a disposição do paragrapho seguinte.
$ 2.º Os escravos que, por culpa ou omissão dos interessados, não
forem dados á matricula até um anno depois do encerramento desta, serão
por este facto considerados libertos.
S 3.º Pela matricula de cada escravo pagará o senhor por uma vez
somente o emolumento de 500 réis, se o fizer dentro do prazo marcado,
e de 1$000 se exceder o dito prazo. O producto deste emolumento será
destinado ás despezas da matricula e o excedente ao fundo de emancipação.
S 4.º Serão tambem matriculados em livro distincto os filhos da mulher
escrava que por esta lei ficam livres.
Incorrerão os senhores omissos, por negligencia, na multa de 1008
a
2008, repetida tantas vezes quantos forem os individuos omittidos,
e, por
fraude, nas penas do art. 179 do codigo criminal.
8 5.º Os parochos serão obrigados a ter livros especiaes para o registro
dos nascimentos e obitos dos filhos de escravas, nascidos desde a
data desta
lei. Cada omissão sujeitará os parochos 4 multa de 1008000.
Art. 9.º O Governo em seus regulamentos poderá impôr multas
até
100$ e penas de prisão simples até um mez.
Art. 10.º Ficam revogadas as disposições em contrario.
Manda portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e
execução da referida lei pertencer, que a cumpram
e façam cumprir e
guardar tão inteiramente como nella se contém. O Secretario de Estado
dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas
a faça imprimir,
publicar-se e correr. Dada no Palacio do Rio de Janeiro,
aos vinte e oito
de Setembro de mil oitocentos setenta e um, quinquagesimo
da Indepen-
dencia e do Imperio.

PrINCEZA IMPERIAL REGENTE

Theodoro Machado Freire Pereira da Silva.

Fonte: Collecção das Leis do Imperio do Brasil de 1871, Tomo


Parte I (Rio de Janeiro, 1871), páginas 147-151. XXXI,

369
APÉENDICE HI

A LEI SARAIVA-COTEGIPE

LEI N.º 3270 — DE 28 DE SETEMBRO DE 1885

Regula a extincção gradual do elemento servil

D. Pedro II, por graça de Deus e Unanime Acclamação dos Povos,


Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brazil: Fazemos saber
a todos os Nossos subditos que a Assembléa Geral Decretou e Nós Quere-
mos a Lei seguinte:

DA MATRICULA

Art. 1.º Proceder-se-ha em todo o Imperio a nova matricula dos es-


cravos, com declaração do mome, nacionalidade, sexo, filiação, si fôr
co-
nhecida, occupação ou serviço em que fôr empregado, idade e valor
, cal-
culado conforme a tabella do $ 3.º.
$ 1.º A inscripção para a nova matricula far-se-ha á vista das relações
que serviram de base á matricula especial ou averbação effectuada em
virtude da Lei de 28 de Setembro de 1871, ou á vista
das certidões da
mesma matricula, ou da averbação, ou á vista do titulo do domino, quando
nelle estiver exarada a matricula do escravo.
$ 2.º Á idade declarada na antiga matricula se
addicionará o tempo
decorrido até o dia em que fôr apresentada
na Repartição competente a
relação para a matricula ordenada por esta Lei.
A matricula que fôr effectuada em contravenção
88 1.º e 2.º será nulla, e o Collector ou Agente fiscal ás quedisposições dos
a effectuar
Incorrerá em uma multa de cem mil réis
a tresentos mil réis, sem pre-
Juizo de outras penas em que possa incorrer.

370
$ 3.º O valor a que se refere o art. 1,º será declarado pelo senhor
do escravo, não excedendo o maximo regulado pela idade do matriculando,
conforme a seguinte tabella:

Escravos menores de 30 annos ............... Decara (o 9008000


» de 30 4 40 ANhOS acao esmens aa Aa asa RES 8008000
”» » 404 50 ”? eba Eco Ta tata Aa dr ii asd. A 6008000
= » SO DO, psedetdos us DS a Es es 4005000
” ” 55 8260 ps vioVENDE A E is Ns 2008000

$ 4.º O valor dos individuos do sexo feminino se regulará do mesmo


modo, fazendo-se, porém, o abatimento de 25% sobre os preços acima
estabelecidos.
8 5.º Não serão dados á matricula os escravos de 60 annos de idade
em diante; serão, porém, inscriptos em arrolamento especial para os fins
dos 88 10 a 12 do art. 3.º.
$ 6.º Será de um anno o prazo concedido para a matricula, devendo
ser este annunciado por editaes affixados nos logares mais publicos com
antecedencia de 90 dias, e publicados pela imprensa, onde a houver.
4 7.º Serão considerados libertos os escravos que no prazo marcado
não tiverem sido dados á matricula, e esta clausula será expressa e inte-
gralmente declarada nos editaes e mos annuncios pela imprensa.
Serão isentos de prestação de serviços os escravos de 60 a 65 annos
que não tiverem sido arrolados.
9 8.º As pessoas a quem incumbe a obrigação de dar á matricula
escravos alheios, na forma do art. 3.º do Decreto n.º 4835 de 1 de Dezembro
de 1871, indemnizarão aos respectivos senhores o valor do escravo que, por
não ter sido matriculado no devido prazo ficar livre.
Ao credor hypothecario ou pignoraticio cabe igualmente dar á matricula
os escravos constituidos em garantia.
Os Collectores e mais Agentes fiscaes serão obrigados a dar recibo
dos documentos que lhes forem entregues para a inscripçção da mova
matricula, e os que deixarem de effectual-a no prazo legal incorrerão nas
penas do art. 154 do Codigo Criminal, ficando salvo aos senhores o direito
de requerer de novo a matricula, a qual, para os effeitos legaes, vigorará
como si tivesse sido effectuada no tempo designado.
$ 9.º Pela inscripçção ou arrolamento de cada escravo pagar-se-ha 1S
de amolumentos, cuja importancia será destinada ao fundo de emancipação,
depois de satisfeitas as despezas de matricula.
$ 10.º Logo que fôr anunciado o prazo para a matricula, ficarão
relevadas as multas incorridas por inobservancia das disposições da Lei de
28 de Setembro de 1871, relativas á matricula e declarações prescriptas
por ella e pelos respectivos regulamentos.
A quem libertar ou tiver libertado, a titulo gratuito, algum escravo
fica remittida qualquer divida á Fazenda Publica por impostos referentes
ao mesmo escravo.
O Governo no Regulamento que expedir para execução desta Lei
marcará um só e o mesmo prazo para a apuração da matricula em todo
o Imperio.
Art. 2.º O fundo de emancipação será formado:
I. Das taxas e rendas para elle destinadas na legislação vigente.

371
Il. Da taxa de 5% addicionaes a todos os impostos geraes, excepto
ação.
os pg aa cobrada desde já livre de despezas de arrecadação, e
annualmente inscripta no orçamento da receita apresentado á Assembléa
Geral Legislativa pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da
FL De titulos da divida publica emittidos a 5%, com amortização
annual de 1/2%, sendo os juros e amortização pagos pela referida taxa de 5%.
$ 1.º A taxa addicional será arrecadada ainda
depois da libertação
de todos os escravos e até se extinguir a divida proveniente da emissão
dos titulos autorizados por esta Lei.
S 2º O fundo de emancipação, de que trata o
n.º I deste artigo,
continuará a ser applicado de conformidade ao disposto
no art. 27 do
Regulamento approvado pelo Decreto n.º 5135 de 13
de Novembro de 1872.
S 3.º O producto da taxa addicional será dividido
iguaes:
em tres partes
A 1.º parte será applicada á emancipação dos escravos
conforme o que fôr estabelecido em regulamento de maior idade,
do Governo.
A 2º parte será applicada á libertação por metade ou
metade de seu valor, dos escravos de lavoura menos de
e mineração cujos senhores
quizerem converter em livres os estabelecimentos
mantidos por escravos.
A 3.º parte será destinada a subvencionar a coloniz
do pagamento de transporte de colonos que forem ação por meio
effectivamente collocados
em estabelecimentos agricolas de qualquer natureza.
8 4.º Para desenvolver os recursos empregados
na transformação dos
estabelecimentos agricolas servidos por escravos
em estabelecimentos livres
e para auxiliar o desenvolvimento da colonização
agricola, poderá o Go-
verno emittir os titulos de que trata o n.º 3
deste artigo.
Os juros e amortização desses titulos não poderão absorver mais dos
dois terços do producto da taxa addicional consignada n.º 2 do mesmo
artigo.

DAS ALFORRIAS E DOS LIBERTOS

Art. 3.º Os escravos inscriptos na matricula serão lib


indemnização de seu valor pelo fundo de emanci ertados mediante
pação ou por qualquer
outra forma legal.
$ 1.º Do valor primitivo com que fôr matriculado o escrav
duzirão: o se de-

No primeiro anno .......... dar crecire voe ee - 2%


No; Segundo Sposa Sp E 3%
No terceiro ........ E SR ATgre Ss 4%
No quarto ...... ds ela faia Dinda do aca joao cane oro Eca
NO QUINLO as o eiojiooeo amo 5%
isre Diana acao ass PraSETá 6%
NONSeXLO sic ces pl aiog ds ara solo seba a (eo AS
No setimo ..... Rfsie lola jo nino ovatois Cia aa oa ai To
DIO MOMAVO NE sum 8%
o mc es 9%
No nono ....... Mani aaa Rd leis e
NO decimo cesar ess disio lotes ais e 10%
E ti 10%
No undecimo ........ FONDO DI ER
R - 12%
No decimo segundo ..........
..i 12%
No decimo terceiro ................
ea Eá Sao 12%
372
Contar-se-na para esta deducção annual qualquer prazo decorrido, seja
feita a libertação pelo fundo de emancipação ou por qualquer outra
forma legal.
$ 2.º Não será libertado pelo fundo de emancipação o escravo invalido,
considerado incapaz de qualquer serviço pela Junta classificadora, com re-
curso voluntario para o Juiz de Direito.
O escravo assim considerado permanecerá na companhia de seu senhor.
$ 3.º
Os escravos empregados nos estabelecimentos agricolas serão lIi-
bertados pelo fundo de emancipação indicado no art. 2.º, 8 4.º, segunda
parte, si seus senhores se propuzerem a substituir nos mesmos estabele-
cimentos o trabalho escravo pelo trabalho livre, observadas as seguintes
disposições:
a) Libertação de todos os escravos existentes nos mesmos estabeleci-
mentos e obrigação de não admittir outros, sob pena de serem estes decla-
rados libertos;
b) Indemnização pelo Estado de metade do valor dos escravos assim
libertados, em titulos de 5%, preferidos os senhores que reduzirem mais
a indemnização;
c) Usufruição dos serviços dos libertos por tempo de cinco annos.
$ 4.º Os libertos obrigados a serviço nos termos do paragrapho an-
terior, serão alimentados, vestidos e tratados pelo seus ex-senhores, e go-
zarão de uma gratificação pecuniaria por dia de serviço, que será arbi-
trada pelo ex-senhor com approvação do Juiz de Orphãos.
9 5.º Esta gratificação, que constituirá peculio do liberto, será divi-
dida em duas partes, sendo uma disponivel desde logo, e outra recolhida
a uma Caixa Economica ou Collectoria, para lhe ser entregue, terminado
o prazo da prestação dos serviços a que se refere o $ 3.º, ultima parte.
S 6.º As libertações pelo peculio serão concedidas em vista das cer-
tidões do valor do escravo, apurado na forma do art. 3.º, $ 1.º, e da
certidão do deposito desse valor nas estações fiscaes designadas pelo Governo.
Essas certidões serão passadas gratuitamente.
S 7.º Enquanto se não encerrar a nova matricula, continuará em vigor
o processo actual de avaliação dos escravos, para os diversos meios de
libertação, com o limite fixado no art. 1.º, 8 3.º.
S 8.º São válidas as alforrias concedidas, ainda que o seu valor exceda
ao da terça do outorgante e sejam ou não necessarios os herdeiros que
porventura tiver.
S 9.º E permittida a liberalidade directa do terceiro para a alforria
do escravo, uma vez que se exhiba preço deste.
$ 10.º São libertos os escravos de 60 annos de idade, completos antes
e depois da data em que entrar em execução esta Lei; ficando, porem,
obrigados, a titulos de indemnização pela sua alforria, a prestar serviços
a seus ex-senhores pelo espaço de tres annos.
8 11.º Os que forem maiores de 60 e menores de 65 annos, logo
que completarem esta idade, não serão sujeitos aos alludidos serviços, qual-
quer que seja o tempo que os tenham prestado com relação ao prazo
acima declarado.
$ 12.º É permittida a remissão dos mesmos serviços, mediante o valor
não excedente á metade do valor arbitrado para os escravos da classe de
55 a 60 annos de idade.
8 13.º Todos os libertos maiores de 60 annos, preenchido o tempo
de serviço de que trata o S 10, continuarão em companhia de seus
ex-senhores, que serão obrigados a alimental-os, vestillos, e tratalos em

373
suas molestias, usufruindo os serviços compativeis com as forças delles,
salvo si preferirem obter em outra parte os meios de subsistencia, e os
Juizes de Orphãos os julgarem capazes de o fazer.
$ 14º É domicilio obrigado por tempo de cinco annos, contados da
data da libertação do liberto pelo fundo de emancipação, o municipio
onde tiver sido alforriado, excepto o das capitaes.
$ 15.º O que se ausentar de seu domicilio será considerado vagabundo
e apprehendido pela Policia para ser empregado em trabalhos publicos ou
colonias agricolas.
$ 16.º O Juiz de Orphãos poderá permitir a mudança do liberto no
caso de molestia ou por outro motivo attendivel, si o mesmo liberto tiver
bom procedimento e declarar o logar para onde pretende transferir seu
domicilio.
S 17.º Qualquer liberto encontrado sem occupação será obrigado a
empregar-se ou a contratar seus serviços no prazo que lhe fôr marcado
pela Policia.
S 18.º Terminado o prazo, sem que o liberto mostre ter cumprido
a determinação da Policia, será por esta enviado ao Juiz de Orphãos, que
o constrangerá a celebrar contrato de locacão de serviços, sob pena de
l5 dias de prisão com trabalho e de ser enviado para alguma colonia
agricola no caso de reincidencia.
S 19.º O domicilio do escravo é intransferivel para Provincia diversa
da em que estiver matriculado ao tempo da promulgação desta Lei.
A mudança importará acquisição da liberdade, excepto nos seguintes
casos:
1.º Transferencia do escravo de um para outro estabelecimento do
mesmo senhor.
2.º Si O escravo tiver sido obtido por herança ou por adjudicação
forçada em outra Provincia.
3.º Mudança de domicilio do senhor.
4.º Evasão do escravo.
S$ 20.º O escravo evadido da casa do senhor ou d'onde estiver em-
pregado não poderá, enquanto estiver ausente, ser alforriado pelo fundo
de emancipação.
S 21.º A obrigação de prestação de serviços de escravos, de que trata
o 8 3.º deste artigo, ou como condição de liberdade, não vigorará por
tempo maior do que aquelle em que a escravidão fôr considerada extincta.

DISPOSIÇÕES GERAES

Art. 4.º Nos regulamentos que expedir para execução desta Lei o
Governo determinará:
1.º Os direitos e obrigações dos libertos a que se refere o $ 3.º do
artigo 3.º para com os seus ex-senhores e vice-versa.
2º Os direitos e obrigações dos demais libertos sujeitos á prestação
de serviços e daquelles a quem esses serviços devam ser prestados.
3.º A intervenção dos Curadores geraes por parte do escravo, quando
este fôr obrigado á prestação de serviços, e as attribuições dos Juizes de
Direito, Juizes Municipaes e de Orphãos e Juizes de Paz nos casos de
que trata a presente Lei.
Lg

och ê ci [4

374
8 1.º A infracção das obrigações a que se referem os n.º 1 e 2
deste artigo será punida conforme a sua gravidade, com multa de 2008000
ou prisão com trabalho até 30 dias.
8 2.º São competentes para a imposição dessas penas os Juizes de
Paz dos respectivos districtos, sendo o processo o do Decreto n.º 4824 de
29 de Novembro de 1871, art. 45 e seus paragraphos.
$ 3º O acoutamento de escravos será capitulado no art. 260 do Co-
digo Criminal.
8 4,º O direito dos senhores de escravos á prestação de serviços dos
ingenuos ou á indemnização em titulos de renda, na forma do art. 1.º,
8 1.º, da Lei de 28 de Setembro de 1871, cessará com a extincção da
escravidão.
8 5.º O Governo estabelecerá em diversos pontos do Imperio ou nas
Provincias fronteiras coloniais agricolas, regidas com disciplina militar, para
as quaes serão enviados os libertos sem occupação.
8 6.º A occupação effectiva nos trabalhos da lavoura constituirá legi-
tima isenção do serviço militar.
$ 7.º Nenhuma Provincia, nem mesmo as que gozarem de tarifa especial,
ficará isenta do pagamento do imposto addicional de que trata o art. 2.º.
8 8.º Os regulamentos que forem expedidos pelo Governo serão logo
postos em execução e sujeitos á approvação do Poder Legislativo, conso-
lidadas todas as disposições relativas ao elemento servil constantes da Lei
de 28 de Setembro de 1871 e respectivos Regulamentos que não forem
revogados.
Art. 5.º Ficam revogadas as disposições em contrario.
Mandamos, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e
execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e
guardar tão inteiramente, como nella se contém. O Secretario de Estado
dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas a faça imprimir,
publicar e correr. Dada no Palacio do Rio de Janeiro aos 28 de Setembro
de 1885, 64.º da Independencia e do Imperio.

IMPERADOR com rubrica e guarda.

Antonio da Silva Prado.

Carta de lei, pela qual Vossa Magestade Imperial Manda executar o


Decreto da Assembléa Geral, que Houve por bem Sancionar, regulando a
extincção gradual do elemento servil, como nelle se declara.

Para Vossa Magestade Imperial Ver,

João Capistrano do Amaral a fez.

Fonte: Collecção das leis do Imperio do Brazil de 1885, Parte I, Tomo XXXII
(Rio de Janeiro, 1886), páginas 14-19,
Bibliografia
I. DOCUMENTOS INÉDITOS

ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO


Caixa—Tráfico de negros.
Arquivo HistórICO DO ITAMARATI, RIO DE JANEIRO
235-7-19 Homens livres reduzidos a escravidão.
Arquivo DO MUsEU IMPERIAL, PETRÓPOLIS, RIO DE JANEIRO
29-1025, V.
113-5634, Carvalho, Antônio Pedro de, Projeto de lei para regular a es-
cravidão no Brasil.
148-7179, Gomes Veloso de Albuquerque Lins, Francisco, Ensaio sobre a
emancipação do elemento servil.
ARrquIVO NACIONAL, RIO DE JANEIRO
I G 1-428, Mappa dos fogos, pessoas livres e escravos comprehendidos nas
freguezias da cidade e provincia do Rio de Janeiro, Comdº das armas ao
ministro da guerra e estrangeiro, 1821.
Codex 397, Termos de exames e averiguações feitas nos escravos vindos de
varias localidades, 1852.
Codex 572, Oficios e outros papeis da casa imperial, 1801-1868.
Codex 622, Documentos relativos a escravatura, 1815-1880.
Codex 807, Vol. 16, Memoria sobre a emigração chineza para o Brasil,
1855.
Codex 817, Vol. 19, Memorandum em que são expostas as vistas do Go-
verno Imperial a respeito da colonisação e imigração para o Brasil.
Memoria sobre a segurança das estradas, 1822, Colecção de memorias e
outros documentos sobre varios objectos, VII.
Suprimentos de escravos, Livro I, 1826.
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE
Documentos intitulados “Escravos.”
BIBLIOTECA INACIONAL, SEÇÃO DE MANUSCRITOS, RIO DE JANEIRO
1-3, 17, 31. Título de renda anual concedido aos senhores de escravos em
virtude da lei n.º 2040 de 28/set./1871.
[-17, 12, 4, N.º 22.
132, 14, 22. Sobre a questão da escravatura (Por Thomaz Antonio da
Villanova Portugal).
135, 32, 20. Relação das despesas com os escravos das quintas da Bôa Vista
e Cajú, até Julho de 1831.
11-34, 26,26. Requerimento dos negociantes desta praça, pedindo a S.M.I.
declare ser uma determinada postura da Câmara Municipal relativa apenas
aos traficantes de escravos e não aos negociantes de grosso trato que, sem
serem especialistas no tráfico negro, recebem escravos de outras provincias
para vendê-los aqui, Rio de Janeiro, 13 de Março de 1847.
II-34, 27, 15. Representação dos negociantes de escravos do Rio de Janeiro,
pedindo a S.A.R. levantasse a proibição de desembarcarem os escravos
chegados a ficar de quarantena ..., Rio de Janeiro, s.d.

379
Divisão DO PATRIMONIO HisTÓRICO E ARTÍSTICO, ESTADO DA GUANABARA
6-1-1. Escravidão, 1884.
6-1-10. Avaliadores de escravos, 1777-1819.

ESSE
6-1-15. Cartas de libertação de escravos, 1886.
6-1-16. Cartas de libertação de escravos, 1886-1887.
6-1-39. Escravos. Junta qualificadora para libertação, 1873-1886.
6-1-41. Documentos sobre escravos, 1881-1887.

SSIS
6-1-42. Escravos, 1882-1888.
40-3-74. Capitão-do-mato, Freguesia de N. Sra. da Guia de
1823. Pacopaiba,
Instituto Histórico E (GEOGRÁFICO BRASILEIRO, RIO
Officio do Conde da Ponte ao Visconde d'Anandia, CopiaDE JANEIRO
Archivo do Conselho Ultramarino, XX.
s extrahidas do
PusLic REcorDp OrricE, LONDON
FO 84/1244.
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA, DEPARTAMENTO
CULTURAL, DE DirusÃo
BIBLIOTECA PÚBLICA, NITERÓI, RIO DE
Documentos JANEIRO
sôbre a repressão ao tráfico de africanos no litoral fluminense,
N.º 33 e documentos avulsos não numerados.

II. DocuMENTOS DO GOVERNO PUBLICADOS

A, Brasileiros
Ácta da conferencia das secções reunid
as dos negocios da fazenda, justiça
imperio do Conselho do Estado. e
Rio de Janeiro, 1884,
Annaes da Assemblea Legislativa Provin
cial de São Paulo. São Paulo, 1880,
1881, 1888.
Annaes do Parlamento Brasileiro. Camara dos Senhores Deputados.
Janeiro. Rio de
Sessões de 1826, 1827, 1830, 1848-1857, 1865,
1879-1889. 1869-1871,
Ánnaes do Parlamento Brasileiro. Senado. Rio de Janeiro, Sessões de 1871,
1883-1885, 1888.
“nnaes do Parlamento Brasileiro. Ássemblea
Constituinte. 1823, 6 vols. Rio
de Janeiro, 1876-1884.
Árquivo do Distrito Federal. Revista de Documentos para a Historia
Cidade do Rio de Janeiro. Rio de da
Janeiro, 1954.
Colecção das leis do Imperio do Brasil
dos anos 1830, 1832, 1837, 1854,
1855, 1859, 1865, 1866, 1869, 1870, 187
2, 1879, 1885.
Colecção de leis e posturas municipaes pr
omulgadas pela Assemblea Legis-
lativa Provincial de São Paulo no ann
o de 1881. São Paulo, 1881.
Directoria Geral da Estatistica. Relatorio e Trabal
hos Estatisticos apresenta-
dos ao Illm. e Exm. Sr. Conselheiro Dr. João
Alfredo Correia de Oliveira,
Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios do
Imperio. Rio de Janeiro,
1874.
» Recenseamento do Brazil Realizado em 1 de Setembro de 1920.
Vol. IT. Rio de Janeiro, 1922.
» Recenseamento da população do Imperio do Braz
cedeu no dia 1.º de Agosto de 1872, 21 vols. Rio de il a que se pro-
Discussão da reforma do estado ser Janeiro, 1873-1876.
vil na Camara dos Deputados e no
2 vols. Rio de Janeiro, 1871. Senado.

360
Documentos para a história do açucar. 3 vols. Rio de Janeiro, 1954, 1956,
1963.
Emancipação pelo Livro de Ouro da Illma, Câmara Municipal no dia 29 de
Julho de 1885. Rio de Janeiro, 1885.
Extincção da escravidão no Brasil, Lei n.º 3353 de 13 de Maio de 1888.
Discussão na Camara dos Deputados e no Senado desde a apresentação
da proposta do Governo até sua sancção. Rio de Janeiro, 1889.
Organizações e programas ministeriais. Regime parlamentar no Imperio. 2.º
ed. Rio de Janeiro, 1962.
Pernambuco. Leis, decretos, etc. Pernambuco, 1854.
Recenseamento geral da Republica dos Estados Unidos do Brazil em 31 de
Dezembro de 1690. Districto Federal. Rio de Janeiro, 1895.
Relatorio apresentado á Assemblea Geral Legislativa na terceira sessão da
tecima-quarta legislatura pelo Ministro e Secretario de Estado dos Ne-
gocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas Theodoro Machado
Freire Pereira da Silva. Rio de Janeiro, 1871. E Relatorios do Ministerio
da Agricultura subsequentes até 1888.
Relatorio da repartição dos negocios estrangeiros apresentados á Assemblea
Geral Legislativa na terceira sessão da oitava legislatura pelo Respectivo
Ministro e Secretario de Estado Paulino José Soares de Souza. Rio de
Janeiro, 1851.
Relatorio apresentado á Assemblea Geral Legislativa... pelo Ministro e
Secretario d'Estado dos Negocios da Justiça. Os Titulos dos Relatorios
do Ministerio da Justiça variam. Os volumes usados são os datados de
1832, 1850-1853, 1865-1867.
Relatorio do Ministerio da Marinha. Rio de Janeiro, 1845.
Souza e Silva, Joaquim Norberto de. Investigações sobre os recenseamentos
da população geral do Imperio. Rio de Janeiro, 1951.
Toledo Piza, Antônio de. Relatorio do anno de 1897 apresentado em 30 de
Setembro de 1898. São Paulo, 1899.
- Relatorio do anno de 1900 apresentado em 13 de Janeiro de 1902.
São Paulo, 1903.
Veiga, Luiz Francisco da. Livro do estado servil e respectiva libertação.
Rio de Janeiro, 1876.
Relatórios
de Presidentes Provinciais
Alagoas
Falla dirigida à Assemblea Legislativa da provincia de Alagoas... em o
1º de Março de 1855. Recife, 1855.
Amazonas
Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa Provincial do Amazonas...
em 25 de Março de 1683, pelo Presidente José Lustosa da Cunha Para-
naguá. Em Amazonas, 2 de Maio de 1883.
Relatorio com que o presidente da provincia do Amazonas, Dr. José Lustosa
da Cunha Paranaguá, entregou a administração da mesma provincia ao
1.º vice-presidente Coronel Guilherme José Moreira em 16 de F evere
iro
de 1884. Manaus, 1884. :
Exposição apresentada á Assemblea Legislativa Provincial do Ámazones
na
abertura da primeira sessão da decima setima legislatura em 25 de Março
de 1884. Manaus, 1884.
Ceará
Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa Provincial do Ceará -
1.º de Outubro de 1862. Fortaleza, 1862. orteard no sda

361
qa pd allaqueno odia Exm.
2 de Julho de 1877. Fortaleza, 1877.
Sr. Commendador Dr. Sanch
o Barros Pi. de
mentel passou a administração da provincia do Ceará ao 2.º Vice-Presi
dente
«no dia 31 de Outubro de 1882. Fortaleza, 1882.
Relatorio com que o Exm. Sr. Dr. Satyro de Oliveira
Dias passou a admi-
nistração da provincia ao 2.º Vice-Presidente
Exm. Sr. Commendador À
Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly no dia 31 de Maio de 1884.
Forta-
leza, 1884.
Pará
Falla com que o Exmo. Sr. General Visconde
da Maracajú... pretendia
abrir a sessão da respectiva assemblea no dia 7
de Janeiro de 1884,
Pará, 1884.
Falla dirigida... pelo Presidente da Provincia
do Gram Pará á Assemblea
Provincial... do dia 1.º de Outubro de 1849.
Pará, 1849,
Discurso da abertura da sessão extraordinária da Assemblea
Provincial do Pará. Em 7 de Abril de 1858 Legislativa
pelo Presidente Dr. João da
Silva Carrão. Pará, 1858.
Paraíba
Exposição feita pelo Doutor Francisco Xavier
Paes Barreto na qualidade de
presidente da provincia da Parahyba do Nor
te. Em 16 de Abril de 1855.
Paraíba, 1855.
Rio de Janeiro
Relatorio apresentado é Assemblea Legislativa
Provincial do Rio de Janeiro
na primeira sessão da vigesima legislatura no
dia 22 de outubro de 1876
pelo Presidente Conselheiro Francisco Xavier
Pinto Lima. Rio de Ja-
neiro, 1876.
Relatorio da provincia do Rio de Janeiro para
o anno de 1839 a 1840.
Relatorio do presidente da provincia do Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro,
1863.
Relatorio do presidente da provincia do Rio de Jan
eiro o Conselheiro
Paulino José Soares de Souza ... para o anno de 184
0 a I841. 2.º ed.
Niterói, 1851.

Maio de 1853. Rio de Janeiro, 1853.


Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa Prov :
incial do Rio de Janeiro
-«-.- em I2 de Setembro de 1887...
Rio de Janeiro, 1887.
São Paulo a
Jaguaribe Filho, Dr. Domingo José Nogueira. Assemblea Provincial de São
Paulo. Discurso pronunciado na sessão ordinaria de 22
de Março de 1882.
São Paulo, 1882.
Sergipe ,
Relatorio com que foi aberta no dia 21 de
Janeiro de 1867 a segunda sessão
da decima sexta legislatura da 4ssemblea Provin
cial da provincia de
Sergipe. Aracaju, 1867.
Relatorio com que o Illm. Snr. Dr. José Pereira da Silva Moraes entregou
a administração da provincia de Sergipe ao
Antonio de Araujo Aragão
Ilm. e Exm. Snr. Dr.
Bulcão. Aracaju, 1867.
Relatorio com que o Hlm. Snr. Dr

Relatorioá da presiden
: É
cia da
|
provincia
de Sergipe
de Sergipe em
em 1872. Aracaju, 1872.
1876. Aracaju, 1876.
a
B. Britânicos e Norte-Americanos
British and Foreign State Papers. Vols. KLIV (1853-1854), XLV (1854.
1855), XLIX (1858-1859), LIIX (1862-1863), LVII (1866-1867), LVIII
(1867-1868), LXXKVII (1885-1886), LXXXI (1888-1889).
Class A. Correspondence with the British Commissioners Relating to the
Slave Trade. Londres, 1827.
Class B. Correspondence with Foreign Powers Relating to the Slave Trade,
Os Volumes usados incluem os datados de 1829, 1830; De 11 de maio
a 31 de dezembro de 1840; De 1 de abril de 1850 a 31 de março de
1851; De 1 de abril de 1852 a 31 de março de 1853; De 1 de abril
de 1854 a 31 de março de 1855; De 1 de abril de 1855 a 31 de março
de 1856; De 1 de abril de 1856 a 31 de março de 1857; De 1 de abril
de 1857 a 31 de março de 1858; De 1 de abril de 1860 a 31 de dezembro
de 1860; 1862; 1865; 1866; 1867.
A Complete Collection of the Treaties and Conventions and Reciprocal
Regulations, at Present Subsisting between Great Britain & Foreign
Powers ... so far as they relate to Commerce and Navigation, to the
Repression and Abolition of the Slave Trade; and to the Privileges and
Interests of the Subjects of the High Contracting Powers. 3 vols. Londres
1827.
Foreign Office. Diplomatic and Consular Reports on Trade and Commerce.
Brazil. Report for the Years 1887-1888 on the Finances, Commerce, and
Agriculture of the Empire of Brazil. Londres, 1889.
Kennedy, Joseph C. G. Preliminary Report on the Eighth Census, 1860.
Washington, 1862.
Manning, Willam R., ed. Diplomatic Correspondance of the United States.
Inter-American Affairs, 1831-1860. Vol. II. Washington, 1932.
Message of the President of the United States to the Two Houses of Con-
gress at the Commencement of the Third Session of the Thirty-Seventh
Congress. Vol. I. Washington, 1862.
Papers Related to the Foreign Relations of the United States. Transmitted
to Congress. Washington, 1885, 1889.
Report from the Select Committee of the House of Lords. Appointed to
Consider the Best Means which Great Britain can adopt for the final Ex-
tinction of the African Slave Trade... Session 1849. Londres, 1849.

III. I[irerRATURA POLÊMICA E DA CRISE

O abolicionismo perante a historia ou o dialogo das tres provincias. Rio de


Janeiro, 1888.
Ácia da sessão magna que celebrou a associação Perseverança e Porvir em
20 de Maio de 1888 pela extincção do elemento servil no Brazil. For-
taleza, 1890.
Alencar Araripe, Tristão de. O Ceará no Rio de Janeiro, Discurso historico
na grande festa da Sociedade Cearense Abolicionista no Rio de Janei
ro
Fortaleza, 1884. 7
. O elemento servil. Artigos s Dacã
Rio de Janeiro, 1871. gos sobre a emancipação. Paraíba do Sul,

383
pspes, deSerafim Antonio.
Emancipadora Rela torio apresentado na Sessão Magna da Ásso-
Club Abolicionista em 21
de Agosto de 1682.
Pelotas, 1882.
Americus. Cartas politicas extrahidas do Padre Amaro. 2 vols. Londres,
1825-1826.
Analyse e commentario da proposta do Governo Imperial ás câmaras legis-
lativas sobre o elemento servil por um magistrado. Rio de Janeiro, 1871.
Andrada e Silva, José Bonifacio de. Memoir Addressed to the General Con-
stituent and Legislative Assembly of Brazil
Slavery. on
- Representação à Assembléia Geral Constituinte e Londres, 1826.
Legislativa do
Império do Brasil sôbre a escravatura,” in Octavio Tarquinio
de Sousa, ed.
O pensamento vivo de José Bonifacio. São Paulo, 1944,
Associação Commercial do Rio de Janeiro. Elemento
servil; 1.º representação
da commissão especial nomeada, em assemblea
geral extraordinaria de
2 de Maio de 1884. Rio de Janeiro, 1884.
Barbosa, Rui. Confederação Abolicionista. Homenagem ao patriotico mi-
nisterio Dantas: Sessão publica e solemne
realizada no dia 7 de Junho
de 1885 no Theatro Polytheama. Rio de Janeiro,
1885.
————. Obras Completas. Vols. I (Tomo
D, X, XI (Tomo D. Rio de
Janeiro, 1951, 1946-47, 1945.
- Reforma do ensino primario: Parecer e projec
to. Rio de Janeiro,
1883.
- À situação abolicionista; conferencia do Conselheiro
Ruy Barbosa
em 2 de Agosto de 1885 no Theatro Polytheama.
Rio de Janeiro, 1885.
Beaurepaire Rohan, Henrique de. O futuro da gra
nde lavoura e da grande
propriedade no Brasil: memoria apresentada ao
Ministerio da Agricultura,
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Bocayuva, Quintino. 4 crise da lavoura. Rio de
Janeiro, 1868.
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5. Bruxelas, 186
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Burlamaque, Frederico L. C. Analytica acerca do com
mercia d'escravos e
acerca dos malles da escravidão domestica. Rio de Jan
eiro, 1837.
Camara Leal, Luiz Franisco da, Considerações e
projecto de lei para a
emancipação dos escravos sem prejuizo de seus senhores,
onus para o estado. grande nem
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“Cartas de um cego.” Correio Mercantil (Rio de Janeiro), 25 e 29 de
maio de 1867.
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no Brasil. Bahia, 1885.
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Demonstração das conveniencias e pantagens europea. Rio de Janeiro, 1887.
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Manifesto da Confederação Abolicionista do Rio de Janeiro. Rio de Ja-
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perador sobre a questão do elemento servil. Rio de Janeiro, 1884.
Mendonça, Salvador de. A imigração chinesa. Rio de Janeiro, 1881.
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Moniz Barreto, Domingo Alves. Memoria sobre a abolição do commercio
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Bernardino de Moura na conferencia do dia 2 de Julho corrente no
Theatro de S. Pedro ...sobre o assumpto da emancipação do estado
servil. Rio de Janeiro, 1871.
Nabuco, Joaquim. O Abolicionismo. Londres, 1883.
- Campanha abolicionista no Recife (Eleições de 1884): Discursos
de Joaquim Nabuco. Rio de Janeiro, 1835.
- Cartas a amigos. 2 vols. São Paulo, 1949.
- Cartas do Presidente Joaquim Nabuco e do Ministro Americano
H. W. Hilliard sobre a emancipação nos Estados Unidos. Rio de Ja-
neiro, 1880.
- Conferencia a 22 de Junho de 1884 no Theatro Polytheama. Rio
de Janeiro, 1884.
: opteciypas o abolicionismo. Rio de Janeiro, 1886.
CE . “A Rad escravidão.” Revista do Institut o Histór
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fi Bro-

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colonisação dos europeus, e pretos da Africa no Imperio do Brazil.
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Pimenta Bueno, José Antônio, Marquês de São Vicente. Trabalho sobre
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Pimentel, F. L. da C. Estatutos da Companhia Libertadora ou Reparadora
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Prado, Marinho, Jr. Circular de Prado Junior, candidato republicano á
Assembléa Geral pelo 9.º districto da Provincia de S. Paulo. São Paulo,
1884.
Rebello, Henrique Jorge. “Memoria e considerações sobre
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Brasil.” Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Vol. 30
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Rebouças, André. “Abolição da miseria” Revista de Engenh
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Janeiro, 22 de novembro de 1888.
- Agricultura nacional. Estudos economicos. Propaganda abolicio-
nista e democratica. Rio de Janeiro, 1883.
- Diário e notas autobiográficas. Rio de Janeiro, 1938.
- À questão do Brasil: cunho escravocrata do attentado contra a
familia imperial. Lisboa (2), 1889-1890,
Rebouças, Antonio Pereira. Recordações da vida parlamentar do advogado
Antonio Pereira Rebouças. 2 vols. Rio de Janeiro, 1870.
Reflexões sobre a emancipação em relação á lavoura patria e sobre a mes
ma
lavoura. Bahia, 1871.
Reis, Fabio Alexandrino de Carvalho. Breves considerações sobr
e a nossa
lavoura. São Luiz de Maranhão, 1856.
Representação da lavoura de Sergipe aos altos poderes do estado. Rio de
Janeiro, 1877.
Representation of the Brazilian Merchants Against the Insults Offe
red to
the Portuguese Flag, and Against the Violent and Oppressi
ve Capture
of Several of Their Vessels by Some Officers Belonging to the English
Navy. Londres, 1813.
“Reunião dos proprietarios de escravos em S, Paulo para tratar da liber-
tação dos mesmos em 15 de Dezembro de 1887,” in Joaquim
de Godoy. O elemento servil e as camaras
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S. Paulo. Rio de Janeiro, 1887.
Ribeiro da Rocha, Padre M. Ethiope resgatado, empenhado, sustentado,
corrigido, instruído e libertado. Lisboa,
1758.
Rodrigues de Brito, João. Cartas economico-politicas sobre a agricultura
e commercio da Bahia. Bahia, 1924.
Sampaio, Antonio Gomes de Azevedo.
Considerações geraes Abolicionismo. Um paragrapho.
do movimento a nti-esclavista e sua
tada a Jacarehy. São Paulo, 1890. historia limi-

366
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Soares, Dr. Caetano Alberto. Memoria para melhorar a sorte dos nossos
escravos. Rio de Janeiro, 1847.
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ministro americano Henry Washington Hilliard, a 20 de Novembro de
1880. Rio de Janeiro, 1880.
Sousa, Carvalho, A. A. “Voto em separado.” Obras Completas de Rui
Barbosa. Vol. XI (Tomo DL.
Tavares Bastos, A. C. Cartas do Solitario. 3.º ed, São Paulo, 1938.
- Os males do presente e as esperanças do futuro. São Paulo, 1939.
NA Provincia 2º ed. São Paulo, 1937.
Werneck, Luis Peixoto de Lacerda. Idéas sobre colonisação precedidas de
uma succinta exposição dos principios geraes que regem a população,
Rio de Janeiro, 1855.
Werneck, Manoel Peixoto de Lacerda. Questão grave. Artigos a proposito
do annunciado projecto do Sr. Deputado Joaquim Nabuco, fixando
prazo fatal á existencia do elemento servil, publicados no Jornal do
Commercio. Rio de Janeiro, 1880.

IV. DESCRIÇÕES DE VIAJANTES

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1868.
Andrws, C. C. Brazil, Its Condition and Prospects. Nova York, 1887.
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9. Uma turma encadeada parada d iante de uma loja de fumo. (J. B. Debret, Voyage
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Janeiro. (J B. Debret, Voyage pittoresque et h ISt orique au Br ési !, 3 volumes, Pari
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11. Escravos no tronco, uma forma de castigo usada mais frequentemente nas proprie-
dades rurais. (J. B. Debret, Voyage pittoresque et historique au Brésil, 3 volumes,
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12. Capatazes castigando escravos numa fazenda. (J. B. Debret et


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Museu Imperial, Petrópolis).
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17. Francisco José do Nascimento, talà COMO r etratado por so


.
Revista Ilustrada. “A cabeça dos jangadeiros do Ceará,
de escravos vendidos para o sul pela província do Ceará:” o ia
o bloque A o tráfico
Twentieth Century Impressions of Brazil, Londres, 1913). : (Reginald Lloyd, ed.,
OS ULTIMOS ANOS
DA ESCRAVATURA NO BRASIL

Posto que o tema haja provocado


. uma
prodigiosa bibliografia de debate na época,
as obras de análise do mevimento abolicio-
nista em geral são relativa nente poucas no
Brasil.
Entre as antigas contam-se as de Evaristo
de Morais e Osório Duqu.: Estrada. Entre
as modernas as de Octavio Ianni, Viotti da
Costa e Henrique Cardoso. Mas os estudio-
sos estrangeiros têm apresen ado ultimamen-
te valiosa contribuição.
Já a monografia de Lesl> Bethell (The
abolition of the Brazilian sleve trade. Cam-
bridge, Ingl., 1970) aliou a sistematização
britânica a uma riquíssima pesquisa de fon-
tes. Mas a pesquisa de Bethel: enquadrou-se
no período 1807-1869, para; do exatamen-
te nas vésperas da lei Paranh.s, que muitos
contemporâneos consideraram zomo o golpe
de morte na instituição conder ada. E o foi.
Daí por diante as leis são an':s golpes de
misericórdia do que lances dec sivos. A es-
cravidão já estava estancada em suas fontes.
As condições sociais conduzid:; por uma
consciência eletrizada apressara: : a agonia.
A obra de Conrad abrange m período
diverso da de Bethell. Parte do ombate ao
tráfico e vai até a lei Áurea. Ms: se revela
profundamente informado nas fz es antece-
dentes. As consequências da lei é: 7 de no-
vembro de 1831 (tão injustament conheci-
| da como lei Feijó, pela circunstân ia foriui-
ta de ser este o referendário da 1 :i no mo-
mento da sanção), lei hipócrita q :e o Go-
kº verno não tinha realmente condiçõe de exe-
- cutar, mas que, malgrado os seus utores,
e“ veio a fer sérias consequências tan os anos
depois, são analisadas como raramente se dá
em obras dessa especialidade. O e. me da
teia malograda de Dantas está i7ito co-
mo em nenhuma outra obra nacional ou es-
trangeira. A verdadeira importância da lei
E Pestava, em) dois pontos: primeiro, na xigên-
Coleção
RETRATOS DO BRASIL

Volume 90

Conrad, Robert. .
C764u Os Últimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888; tradução de
Fernando de Castro Ferro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira; -
Brasília, INL, 1975.
394p. ilust. 21cm (Retratos do Brasil, v.90)

Do original em inglês: The destruction of Brazilian slaver,


1850-1888.
Apêndices.
Bibliografia.

1. Brasil — História — Abolição da escravidão, 1888. 2. És-


cravidão no Brasil. 3. Negros — Brasil. I. Brasil. Instituto Na-
cional do Livro, co-ed. II. Título. III. Série.

CDD — 981.03
301.44930981
301.45196081
CDU — 981%1850-1888”
(811)“
3266(8 8500-1888”
)“1185
CCF/SNEL/RJ-75-0256
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“A reunião quinzenal dos. escravos na Casa-Grande, Morro Velho”. (Richard F. Burton


Explorations of the Highlands of the Brazil, Londres, 1869, Volume 1.)
Robert Conrad

Os Ultimos Anos da
Escravatura no Brasil
1850 - 1888

Tradução de
Fernando de Castro Ferro

Em convênio com o Instituto Nacional do Livro


Ministério da Educação e Cultura

a
civilização
brasileira
1975
Traduzido do original em inglês:
THE DESTRUCTION OF BRAZILIAN SLAVERY
— 1850-1888
Copyright O 1972, by
The Regents of the University of California

Desenho de capa:
SANDRA PASSOS

Diagramação:
CIVBRAS

Direitos para a língua portuguesa adquiridos pela


Eprrora Civrização BRASHERA S.A.
Rua da Lapa, 120 — 12º andar
RIO DE JANEIRO — RJ,
que se reserva a propriedade desta tradução.

1975

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
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SUMÁRIO

PREFÁCIO A EDIÇÃO BRASILEIRA — XV


UMA EXPLICAÇÃO... — XIX
AGRADECIMENTOS — XX
NOTA DO TRADUTOR — XXII
ABREVIATURAS USADAS NAS NOTAS AO PE-DE-PÁGINA — XXIH

PARTE UM: 1850-1879

1. INTRODUÇÃO: As FUNDAÇÕES DA ESCRAVATURA BRASILEIRA — 3


A Escravatura e a Economia Brasileira — Resistência dos Escravos: Rebel-
des e Fugitivos — A Escravatura e a Sociedade Brasileira — O Consenso
Pró-Escravatura
2. A ABOLIÇÃO DO COMÉRCIO DE EScrAvOS AFRICANOS E O IníciO DO DEcrf-
NO — 30
A Supressão do Comércio de Escravos Africanos — “Uma População de
croRo Diminuindo Naturalmente” — A Escravatura Conserva Sua Impor-
tância

3. A Crise DA MÃo-DE-OBRA — 42
A Escassez da Mão-de-Obra — Párias Brasileiros — O Infeliz Negro
4. O Comércio DE Escravos INTERPROVINCIAL — 63
O Tráfico Interno — Causas e Repercussões Econômicas do Tráfico Inter-
provincial — Reações Políticas
5. A ORIGEM DO EMANCIPACIONISMO — 88
Emancipacionismo Imperial — Emancipacionismo Popular — A Véspera da
Reforma
6. A EMANCIPAÇÃO DOS RECÉM-NAscIDOS — 112
A Lei Rio Branco — Região Contra Região — O Debate Nacional —
A Oposição — Os Defensores da Lei
7. A Lei Rio Branco — 132

O Governo Aplica a Lei — O Fracasso do Fundo de Emancipação — Os


Recém-Nascidos — O Significado Mais Amplo da Lei

PARTE DOIS: 1379-1888

8. As PROVÍNCIAS NA VÉSPERA DO ÁABOLICIONISMO — 149


O Norte — As Províncias do Café
9. O MoOviIMENTO ÁABOLICIONISTA: PRIMEIRA FASE — 166
Os Inícios do Abolicionisno — O Incidente Hilliard — Compromissos Variados
Para Com o Abolicionismo
10. Ação E REAÇÃO — 185
Os Abolicionistas — Os Objetivos do Abolicionismo — A Reação Pró-Es-
cravatura

11. O Movimento NO CEARÁ — 207


O Fim do Comércio Interprovincial de Escravos — A Seca e o Emancipacio-
nismo no Ceará — A Ascensão do Abolicionismo no Ceará
12. O MoviMENTO ABOLICIONISTA: SEGUNDA FASE — 222
Uma Calma Constrangida — A Destruição da Escravatura no Ceará —
O Movimento Espalha-se — O Movimento é Reavivado no Rio de Janeiro
13. (ONDAS REFLEXAS DO CEARÁ: AMAZONAS E Rio GRANDE DO SUL — 241
O Fim da Escravatura no Amazonas — Compromisso no Rio Grande do Sul
14. A “LIBERTAÇÃO” DOS IDOsos — 255
O Projeto Dantas — A Oposição ao Projeto Dantas — A Queda de Dantas --
O Gabinete Saraiva e o Projeto Corrigido — O Debate
15. PreLÚDIO AO COLAPSO — 279
Resultados da Lei Saraiva-Cotegipe — Novos Ressentimentos Abolicionistas
— O Ministério Cotegipe e o “Regulamento Negro” — A Abolição do Açoite
16. A ConvERSÃO DE SÃO PAULO — 290
O Abolicionismo no Porto de Santos — Antônio Bento, os Caifazes e o
Movimento dos Fugitivos — Escravos Abandonam as Fazendas de São Paulo
— O Fenômeno Fazendeiro-Emancipacionista em São Paulo — Os Italianos
nas Fazendas da Província de São Paulo — 4 Experiência é Bem Sucedida
17. ABOLIÇÃO — 319
Um Sistema Escravocrata Desmoronando-se E — ição
AbolQUO — As s Cele brações
e Conclusão Cetevras
— Restolho

x
APÊNDICES

I. UMA NOTA SOBRE ESTATÍSTICAS — 341


IH. A LEI RIO BRANCO — 366
HI. A LEI SARAIVA-COTEGIPE — 370
BIBLIOGRAFIA — 371
a
SUMÁRIO DAS ILUSTRAÇÕES

(Entre páginas IV e V)

“A reunião quinzenal dos escravos na Casa-Grande, Morro Velho a

(Entre páginas 200 e 201)

Um mercado de escravos na Rua do Valongo, Rio de Janeiro


O regresso de um proprietário rural à cidade
Oficina de sapateiro
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A gargalheira, um castigo para fugitivos


Carregadores negros
Escravos movendo um carro usado para transportar cargas pesadas
Prensa pequena de cana-de-açúcar numa loja do Rio de Janeiro
Escravos serrando tábuas perto do Rio de Janeiro
Uma turma encadeada parada diante de uma loja de fumo
Uma sessão de açoite público, ocorrência diária na Praça de Sant'Ana,
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no Rio de Janeiro
Escravos no tronco, uma forma de castigo usada mais frequentemente
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nas propriedades rurais


Capatazes castigando escravos numa fazenda
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Luiz Gama
José Ferreira de Menezes
José do Patrocínio
André Rebouças
Francisco do Nascimento, tal como retratado por Ângelo Agostini na
capa da Revista Ilustrada.
PREFÁCIO
À EDIÇÃO BRASILEIRA

Desde sua implantação, no século xvIr, até suas décadas finais, a escrava-
tura foi uma instituição extraordinariamente vital e profundamente enraizada
na maioria das áreas colonizadas do Brasil. Como um dos resultados de sua
grande importância, durante os primeiros sessenta e cinco anos do século xIx,
o Brasil não desenvolveu um movimento vigoroso antiescravatura. Até
mesmo durante a década de 1860 e a seguinte, a oposição a esta instituição
foi sempre fraca, esporádica, emancipacionista (ao contrário de abolicionista)
e, de um modo geral, inspirada do exterior. Por que razão, então, surgiu,
finalmente, um verdadeiro movimento abolicionista em 1880, que emergiu
triunfantemente da luta contra a escravatura, apenas oito anos depois?
Este estudo, abrangendo o período decorrente entre 1850 e 1888, oferece
uma narrativa dos acontecimentos que levaram ao desaparecimento da escra-
vatura no Brasil, bem como, ainda, uma análise das forças sócio-políticas,
econômicas e abolicionistas envolvidas no processo. Uma ampla pesquisa
do período que se seguiu à supressão do comércio de escravos na África,
em 1852, revelou que, apesar de os esforços dos abolicionistas terem sido
Importantes para a destruição da escravatura, certos desenvolvimentos econô-
micos e demográficos também agiram fortemente contra a sobrevivência da
Instituição,
Sem uma poderosa oposição do exterior e o exemplo moral de outras
nações, afetando as mais altas esferas do governo brasileiro, o Brasil dificil-
mente teria agido para se privar das suas duas fontes de escravos. A su-
pressão do comércio de escravos da África no início da década de 1850
e a libertação de crianças recém-nascidas de escravas, em 1871, foram decisões
que, na realidade, condenaram o sistema de escravatura à extinção, apesar
de sua enorme importância para a economia e a sociedade brasileira. A abo-
lição do comércio de escravos, decretada depois de mais de quarenta anos
de uma pressão titânica por parte da Grã-Bretanha, só por si, condenou a
escravatura brasileira à inevitável extinção, já que os escravos, no Brasil,
não eram capazes de manter seus números por meio de reprodução natural
e o sistema, portanto, dependia de uma fonte permanente de novos trabalha-
dores africanos. A decisão de 1871 no sentido de libertar os recém-nascidos
(tornada aceitável, então, pelo declínio da escravatura em grande parte do
país) apressou a conversão para um sistema de trabalho livre. Todavia, só
no início da década de 1880 é que esta conversão atingiu o ponto em que

XY
um movimento abolicionista poderoso, popular e generalizado podia, final.
mente, surgir.
As razões para esta ausência de oposição à
escravatura não são difíceis
de localizar. Estão relacionadas com a sobrevivê
ncia, ainda muito depois da
independência, de uma sociedade essencialmente
colonial. A escravatura, no
Brasil, ainda era considerada necessária para o bom
funcionamento do mais
respeitado e lucrativo setor da economia, embora
, na realidade, isto já não
fosse verdade. Havia uma classe de fazendeiros que
dominavam a terra e
as próprias vidas de uma grande parte da população ativa,
no que se refere
tanto aos escravos quanto aos homens livres. Essa mesm
a classe controlava
as instituições políticas e a maioria das oportunidades econômicas, inc
luindo
as dos comerciantes, magistrados, burocratas e uma pequena e depend
ente
classe intelectual, os próprios grupos dos quais se esperaria
uma oposição
mais forte à escravatura. Além disto, o Brasil não contava com uma ampla
classe média educada e politizada. Durante o período do Império (1822-
1889), Jamais se instituiu qualquer educação popular efetiva e, na década
de 1870, os analfabetos, incluindo os escravos, ainda representavam oitenta
e seis por cento da população. Estes analfabetos, na sua maioria, não tinham,
sem dúvida, qualquer voz ou influência política e, assim, eram fracos candi-
datos às fileiras de um movimento de protesto que tivesse força. O protesto,
quando surgiu, foi quase sempre um ato individual do escravo, que tomava
a forma de fuga, revolta ou ataque pessoal aos representantes visíveis do
sistema, o capataz ou o senhor. id .
Ao contrário dos Estados Unidos, outra das principais nações escravo-
cratas das Américas, até a escravatura ter sido quase derrotada, o Brasil
não proporcionou abrigos, em províncias em que a escravidão não existiu,
onde os escravos pudessem encontrar refúgio ou onde o abolicionismo pudesse
florescer sem ser prejudicado por interesses econômicos locais. Até o apareci-
mento de Castro Alves, o poeta dos escravos, em meados da década de 1860,
não havia qualquer escola brasileira de escritores abolicionistas, apenas vozes
individuais manifestando sentimentos pessoais. Antes de 1880, nem mesmo a
imprensa se aproveitava de seu estado de liberdade sob o governo benevolente
do Imperador Pedro II para atacar a instituição econômica dominante da
nação, exceto por breves períodos, quando as questões do comércio de
escravos e da liberdade dos recém-nascidos estavam sendo “debatidas. Da
mesma forma, a Igreja Católica jamais desenvolveu uma missão antiescrava-
tura e os padres que se opunham individualmente à instituição eram casos

O NostiEistados Unidos, para sugerirmos um contraste útil, um público


culto e independente reagiu fortemente contra a escravatura cem anos antes
disso ter ocorrido no Brasil e os oponentes da escravatura nos Estados Unidos
continuaram atacando o sistema até ajudarem a desencadear uma guerra
trágica e de grandes proporções. Em contraste, de novo, a violência genera-
lizada e prolongada foi evitada no Brasil durante a conversão final para
um sistema de trabalho livre. Nos Estados Unidos, onde as contradições
entre escravidão e democracia eram mais óbvias, a escravatura foi atacada
no seu auge pelo setor da nação que já a abandonara, enquanto, no Brasil,
por outro lado, a instituição desmoronou-se num estágio tardio de desinte-
gração. Quando a escravatura foi atacada, finalmente, durante a década de 1880,
a maior parte do Brasil já progredira muito para um sistema de trabalho
livre. Não obstante, um grupo pequeno, mas poderoso, de fazendeiros e
de seus representantes defenderam seus direitos “legais” até o final, inteira-
mente conscientes de que a escravatura não poderia ser conservada por
um longo período de tempo, mas determinados a obter lucro dos
trabalha-

XVI

LOG i
dores que ainda lhes restavam, até que os processos da idade e da
morte
reduzissem sua importância econômica à insignificância.
As diferenças regionais na questão dos escravos não foram muito bem
definidas no Brasil, mas foram muito importantes. Conforme foi indicado
por todo este estudo, um dos fatores significantes no processo abolicionista
foi a variação no grau de compromisso para com a escravatura nas diversas
regiões do país. Apesar da escravatura brasileira ter sido sujeita a pouca
oposição organizada até seus últimos anos, algumas brechas regionais na
fachada do consenso nacional pró-escravatura já eram aparentes nas décadas
de 1860 e 1870, brechas essas que se alargaram rapidamente durante à
década de 1880, ameaçando a estabilidade de toda a estrutura. Os mais
ávidos defensores da instituição, por certo durante os últimos trinta anos
de sua existência, concentravam-se nas províncias produtoras de café —
Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo — enquanto, nas regiões do
nordeste, produtoras de açúcar e de algodão, e em outras regiões menos
prósperas, o interesse da escravatura já se dissipava rapidamente, durante
o mesmo período, como um resultado da pobreza relativa e da mudança
consegiuente de dezenas de milhares de escravos para as zonas do café.
Um amplo corpo de fatos derivados do estudo do Brasil como um todo
e não meramente das suas províncias produtoras de café, onde a escravatura
era mais forte e seu colapso foi mais dramático, nega a teoria de que, como
um grupo, os plantadores de café do norte e do oeste de São Paulo estavarn
na vanguarda da oposição à escravatura. Apesar dos proprietários das planta-
ções de café dessa parte do Brasil terem revelado indícios de estarem mais
dispostos do que os plantadores de outros lugares a adotarem soluções mo-
dernas para seus problemas econômicos, poucos deles, na realidade, mos-
traram alguma tendência para adotar um sistema de trabalho livre até
apenas meses antes da abolição da escravatura. Os plantadores de café de
São Paulo, na verdade, constituíram um dos mais poderosos e obstinados
grupos pró-escravatura no Brasil até a segunda metade de 1887, quando
a situação nacional e local, mudando rapidamente, os forçou a realizar de
Uma só vez a conversão para o sistema de trabalho livre, que já estava
sendo efetuada há décadas em outras regiões do país. A elucidação do
papel de São Paulo no processo da abolição é um dos principais objetivos
desta obra, já que, na realidade, esse papel foi importante. Conforme disse
Joaquim Nabuco, o principal abolicionista, anos depois dos escravos terem
sido libertados: “O último dos apóstolos pode vir a ser o primeiro de todos,
como São Paulo, em serviços e em proselitismo.”
Preocupei-me sempre, ao longo deste estudo, com as atitudes da classe
dos plantadores que possuíam escravos e, também, com suas opiniões no
que se refere ao trabalho, à escravidão, às relações entre classes e à orga-
nização econômica e social. Convencido de que o tradicionalismo é um
fator que ainda hoje contribui para o subdesenvolvimento da América Latina,
prestei muita atenção à variedade de argumentos fascinantes, embora nem
sempre lógicos, que a classe proprietária de escravos empregava na defesa
da escravatura durante este período de extraordinário desafio a seus privi-
légios econômicos e sociais. Mostrei bem, creio, o desrespeito geral que
muitos dos membros dessa classe tinham pela lei, as obrigações internacionais
e até mesmo as éticas de sua própria sociedade quando estas não estavam
em harmonia com seus interesses. |
Os objetivos dos abolicionistas também foram objeto de alguma análise.
Esses objetivos foram grandemente variados, desde ardentes e consistentes
compromissos para com a Justiça e a mudança social até a rendição tardia
e relutante ao inevitável. Quando a luta se aproximou do seu ponto culmi-

XVII
nante, em 1887 e 1888, os brasileiros informados sentiram, na sua maioria,
um forte desejo de libertar seu país de uma instituição injusta e humi.
lhante, mas poucas eram as pessoas que tinham a consciência da necessidade
de reformas colaterais, que os líderes do movimento já tentavam obter havia
anos: o estabelecimento de um sistema de educação popular, representação
política mais ampla e alterações no sistema da propriedade das terras. O abo-
licionismo, contudo, significava mais do que libertação, como Joaquim Nabuco
e outros líderes preeminentes afirmaram. A abolição, segundo eles esperavam,
seria a primeira de uma série de reformas nacionais tendo por inte
nção
acabar com o domínio da classe tradicional dos proprietários de escravos
sobre as instituições da nação. Os trágicos resultados da escravatura
não
constituem um dos temas deste livro, mas o estudo seria incompleto se não
revelasse que os reformadores da era consideraram não só a liberdade para
os escravos, mas também a transformação do Brasil numa democracia socia
l
e política na qual os antigos escravos e a população rural empobrecida
seriam preparados para participar mais amplamente na vida nacional
.
O livro foi dividido em duas partes. A primeira, tanto tópica quan
to
cronológica, lida com o período decorrente entre a supressão do
comércio
de escravos da África, em meados do século, e o início do movimento aboli
-
cionista, trinta anos mais tarde. Contém, ainda, um estudo do comércio
interprovincial de escravos e seus efeitos sobre o equilíbrio da escravat
ura
na nação como um todo, bem como uma análise do debate nacional
sobre
a libertação dos recém-nascidos e as consegiiências dessa reforma vital, O
prin-
cipal objetivo da primeira parte é revelar tanto a importância da escravat
ura
para a sociedade brasileira durante o período decorrente entre 1850 e
1880
quanto as causas do rápido declínio dessa instituição durante esses trinta anos.
Sua intenção é, ainda, preparar o palco para a segunda parte d a obra, que
trata do fenômeno do abolicionismo nas diversas regiões do país e das
ações decisivas dos próprios escravos, que ajudaram a destruir a instituição.

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UMA EXPLICAÇÃO...

Como os leitores brasileiros poderão querer saber como é que um norte-


americano veio a escrever sobre um tema de importância tão fundamental
para a história do Brasil, uma breve explicação será útil, por certo. Desde
a década de 1950 que tenho um grande interesse pelos países da América
Latina, especialmente o México, a Colômbia e o Brasil, onde tenho vivido
por longos períodos. Como também me tenho preocupado com as inigui-
dades impostas tanto aos negros norte-americanos quanto às populações “não-
brancas” da América Latina, foi natural que me concentrasse no tópico da
escravatura no Brasil quando iniciei um estudo intensivo da história latino-
americana na Universidade de Colúmbia em 1962. O resultado é este livro.
Na edição em língua portuguesa, algumas revisões de menor importância
foram feitas no texto, notas ao pé-de-página e bibliografia. A única alteração
importante foi o acréscimo de um subcapítulo sobre a “resistência dos
es-
cravos” no Capítulo 1, que foi escrito em resposta à crítica de José Honório
Rodrigues à edição em língua inglesa, crítica essa publicada no
Jornal do
Brasil em 1.º de dezembro de 1973.

Robert C onrad
Rio de Janeiro, abril de 1974.

XIX
AGRADECIMENTOS

Houve muitas pessoas e organizações que ajudaram a tornar possível este


estudo ou que contribuíram com seu tempo e conhecimentos para seu aper-
feiçoamento. Em primeiro lugar, estou grato a minha mulher, Ursula, que
leu o manuscrito várias vezes e ofereceu sugestões valiosas.
Estou grato, também, ao pessoal de vários arquivos e bibliotecas onde
trabalhei, incluindo a Biblioteca Nacional e arquivos e bibliotecas ministeriais
no Rio de Janeiro, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Arquivo
Nacional, os arquivos públicos da Bahia, Pará, São Paulo, Sergipe, Guanabara
e o Estado do Rio de Janeiro, o Museu Britânico e o Serviço de Arquivos
Públicos em Londres, a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, a Bi-
blioteca Pública de Nova York, as bibliotecas da Universidade de Illinois e
da Universidade de Chicago e o sistema de bibliotecas da Universidade da
Colúmbia. Estou particularmente grato a Dona Constança Wright e ao
pessoal do arquivo e da biblioteca do Ministério dos Assuntos Exteriores
do Brasil, ao Professor Manoel Cardozo e ao pessoal da Biblioteca Oliveira
Lima na Universidade Católica da América, em Washington, D.C., à Pro-
fessora Thalita de Oliveira da Biblioteca Pública do Estado do Rio de Ja-
neiro em Niterói, aos Professores José Luiz Werneck da Silva e Ondemar
Ferreira Dias da Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da
Guanabara, a Francisco Marques dos Santos e ao pessoal do Museu Imperial
em Petrópolis e a Lourenço Lacombe, diretor da Divisão de Documentação
Histórica da mesma instituição. Os distintos eruditos brasileiros Caio Prado,
Jr., Sergio Buarque de Holanda e Octavio Ianni também me concederam
graciosamente seu valioso tempo e assessoria.
Estou agradecido, também, aos Professores Marvin Harris, Dwight C.
Miner, Raymond S. Sayers e Ronald Schneider, que me auxiliaram, num
estágio inicial, mo desenvolvimento deste estudo. Devo muito, também, aos
E,

Professores David Brion Davis, Peter d'A. Jones, Franklin W. Knight, Ro-
bert M. Levine, John V. Lombardi, Joseph L. Love, Peter McKeon, Gilbert
Osofsky, Max Savelle e Stanley J. Stein, que leram parte ou a totalidade
do manuscrito e ofereceram conselhos úteis. Naturalmente, também estou
muito agradecido ao Sr. Fernando de Castro Ferro por sua excelente e sen-
sitiva tradução.
O auxílio financeiro veio de várias fontes. Uma Bolsa NDFL-Fulbright-
Hays permitiu-me viajar para o Brasil na primavera de 1965 e aí ficar durante
cerca de quinze meses. ; Uma assistência de pesquisa diplomada do Instituto
de Estudos Latino-Americanos na Universidade da Colúmbia, organizada pelo

XX
Professor Charles Wagley, tornou possível a rápida realização de um estuda
preliminar da abolição do comércio de escravos no Brasil, que me propor-
cionou uma visão do problema mais amplo do declínio do sistema de escra-
vatura no Brasil. As subvenções recebidas da Sociedade Filosófica Americana
e da Universidade de Illinois, em Chicago Circle, também ajudaram a financiar
a pesquisa no Brasil durante o verão de 1969.
Finalmente, estou particularmente grato ao Professor Lewis Hanke, cujos
conselhos, assessoria e encorajamento durante um longo período tornaram
este estudo possível. Sou, naturalmente, o único responsável pelas opiniões
apresentadas — e quaisquer erros de fato ou julgamento são apenas de mínha
autoria.

R. €.
NOTA DO TRADUTOR

NÃo é muito habitual — infelizmente — o tradutor poder


contar com
a colaboração e a critica construtiva do Autor da obra que
tem em mãos.
A presença de Robert Conrad no Brasil quando esta traduç
ão estava sendo
feita permitiu-me, portanto, trabalhar assiduamente com ele e,
principalmente,
nas alterações que foram feitas para a edição em língua port
uguesa, todas
elas no sentido de enriquecer ainda mais este valioso estudo.
Seu perfeito
conhecimento do português permitiu-lhe uma “lida” final da trad
ução e
sugerir-me certos refraseamentos que só vieram melhorar meu
texto.
Estou particularmente grato ao Autor no que se refere à contribu
ição
muito especial e trabalhosa que deu a esta edição ao localizar e confia
r-me
as versões originais, na ortographia da época, de todas as cita
ções e pará-
grafos que o leitor encontrará entre “aspas” nas páginas deste
livro. Em
minha opinião, este contraste entre o complicado e, por vezes,
algo confuso
estilo da época e a maneira de escrever tão atual e límpida do Aut or também
poderá, de certo modo, com benefício, acentuar o vasto abismo de men
ta-
lidade que nos separa do “tempo dos escravos”. Neste aspecto, pedimos ao
leitor que atente para os textos originais das Lei Rio Branco
e Lei Saraiva-
Cotegipe, como À pêndices, em final da obra
.
Aqui ficam, assim, meus agradecimentos a Robert Conrad por
sua cola-
boração, que tornou esta tradução tão fidedigna quanto possível
, pedindo-lhe
desde já que me perdoe por quaisquer limitações do meu trabalho que
possam vir a lume.

Fernando de Castro Ferro


Rio de Janeiro, abril de 1974.
Edy

xxil
ABREVIATURAS
usadas nas notas ao pé-de-página

AESP Arquivo do Estado de São Paulo, São Paulo


AHI Arquivo Histórico do Itamarati, Rio de Janeiro
AMIP Arquivo do Museu Imperial, Petrópolis
AN Arquivo Nacional, Rio de Janeiro
APS Arquivo Público do Estado de Sergipe, Aracaju
BFSP British and Foreign State Papers
BNSM Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, Rio de Janeiro
DPHAG Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico, Estado da
Guanabara
HAHR Hispanic American Historical Review
IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro
PRO Public Record Office, Londres
SECRJ Secretaria de Educação e Cultura, Departamento de Di-
fusão Cultural, Biblioteca Pública do Estado, Niterói.

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Porto Alegre
Pelotas
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OS ÚLTIMOS ANOS DA
ESCRAVATURA NO BRASIL
é obra das mais completas em torno dos fatos sociais, políticos e
econômicos que marcaram as lutas entre escravagistas e abolicionistas
e culminaram na libertação dos escravos.

ROBERT CONRAD

— Professor da Universidade de Illinois — analisa nesta obra, mo-


delar como método e exposição, o período histórico compreendido
entre os anos de 1850 a 1888, ou seja, parte do combate ao tráfico
e vai até a lei Áurea.

CR$ 35,00

— ag a
Este preço só se tornou possível devido à participação
do Instituto Nacional do Livro, que, em regime de co-edição,
permitiu o aumento da tiragem e consegiiente redução do
custo industrial.

Mais um lançamento de categoria da


CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

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