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Para que a paginação ficasse correta,
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O índice está na página 409
Parte Um
1850-1879
“A resolução tardia
dos Quakers da Pensilvânia
de libertar todos seus escravos negros
poderá confirmar-nos que seu número
não deve ser muito elevado.”
ADAM SMITH
A Riqueza das Nações
O Negro não só é
o trabalhador dos campos, mas também o mecânico;
não só racha a lenha e vai buscar a água,
mas também com a habilidade de suas mãos contribui
para fabricar os luxos da vida civilizada.
O brasileiro usa-o em todas as ocasiões
e de todos os modos possíveis: — desde cumprir a função
de mordomo e cozinheiro até servir os propósitos do cavalo;
desde fabricar vistosos berloques
e fazer a roupa com que
se vestir e adornar sua pessoa
até executar o mais vil
dos deveres servis.
THOMAS NELSON
KRemarks on the Slavery and
Slave Trade of the Brazils
(Londres, 1846)
INTRODUÇÃO:
AS FUNDAÇÕES DA ESCRAVATURA
BRASILEIRA
3
sociedade de escravos no Novo Mundo para resistir a este ataque
à escravatura estava em proporção aproximada para com a impor-
tância da instituição para a sua economia. Como as condições geo-
gráficas favoreciam a produção de safras ou de minérios com bons
mercados, como já havia uma vasta população escrava disponível e
não se dispunha de uma força trabalhadora alternativa, então, a
escravatura persistiu até um período adiantado do século dezenove
ou até ganhou uma nova importância em resposta a novas circuns-
tâncias e oportunidades. 1 Em tais sociedades, a escravatura era con-
siderada essencial e a filosofia antiescravatura foi rejeitada. Em
certos países — especialmente a Cuba e o Brasil — onde os escra-
vos não conseguiam manter seus números através da reprodução
natural, o comércio de escravos africanos permaneceu quase tão sa-
crossanto quanto a própria escravatura. 2
De todos os países da América Latina, o Brasil era aquele em
que as condições econômicas, geográficas e sociais favoreciam mais
uma rejeição da cruzada antiescravatura, pois nem mesmo a Cuba
possuiu a mesma inflexível fidelidade para com a escravatura até
o século xIx. Rico em minérios e quase inteiramente tropical, o
Brasil podia produzir pedras preciosas e metais, açúcar, café, algo-
dão, fumo e outras matérias-primas valiosas e, no começo da era
colonial, sua economia fora orientada para a produção de tais ex-
portações. O sistema de plantação em grande escala estabelecido ao
longo da costa brasileira nos séculos xvi e xvm requerera trabalha-
dores dóceis e que não fossem dispendiosos, pouco tendo sido feito
no sentido de contratar camponeses europeus para trabalharem sob
as condições que existiam nas plantações. De início, foram encon-
trados e usados índios e, depois, africanos, com estes sendo mais
caros, mas, supostamente, também mais resistentes. Ao contrário
dos europeus, estes povos escuros, com suas religiões e costumes
“bárbaros” podiam ser escravizados sem afetar proibitivamente a
moralidade e a tradição européias e, além disso, sua escravidão podia
ser justificada pela oportunidade que havia no ambiente do Novo
Mundo para a conversão ao Cristianismo e a um modo de vida mais
4
civilizado. * Os índios do sertão brasileiro podiam ser arrebanhados
por meio de Incursões ou, então, eram atraídos para um estado
servil, 4 e, por outro lado, na costa da África, à distância de apenas
uma pequena viagem, havia um fornecimento aparentemente ines-
gotável de seres humanos negros. Foi esta força trabalhadora que
produziu a maioria das exportações tropicais e minerais do Brasil
durante cerca de trezentos anos.
Quando o período colonial se aproximou do seu fim, a escrava-
tura era a instituição mais característica da sociedade brasileira e,
à medida que a independência se aproximava, a emergência do culti-
vo do café ia fortalecendo o domínio da escravatura sobre a econo-
mia. º Plantado no Maranhão, no norte do Brasil, durante a primei-
ra metade do século xvriI, o café foi levado para o Rio de Janeiro
na década de 1770 e, nos anos que se seguiram ao estabelecimento
do governo real português no Rio (1808), o café tornou-se na mais
importante safra do interior montanhoso vizinho. De 1817 a 1820.
a exportação do café brasileiro alcançou uma média de 5.500 tone-
ladas por ano e, de 1826 a 1829, a exportação anual média atingiu
quase 25 mil toneladas, um aumento de quase quatrocentos por
cento. º Durante os vinte anos seguintes, a produção de café conti
nuou aumentando e a safra veio a ser um baluarte do sistema da
escravatura, proporcionando os meios para importar escravos apesar
da ilegalidade do tráfico de escravos depois de 1831. Uma vez que
o tráfico africano foi, finalmente, suprimido em meados do século,
a produção de café continuou absorvendo a maior parte da popula-
ção escrava, tirando escravos de regiões menos prósperas do país
e levando-os para as regiões produtoras de café. Assim, os plantado-
res de café desenvolveram o maior interesse pessoal na sobrevivên-
cia do sistema de escravos, um interesse que durou, em certas áreas,
até os últimos dias da escravatura.
* Ibid., p. 162.
* Ver Alexander Marchant, “Do escambo à escravidão” (São Paulo, 1943);
Richard M. Morse, The Bandeirantes (Nova York, 1965); Poppino, Brazil,
páginas 57-60, 78-83.
ô Caio Prado Jr., Formação do Brasil Contemporâneo (São Paulo, 1942),
páginas 267-278: Celso Furtado, Formação econômica do Brasil (5.º edição.
São Paulo, 1963), páginas 136-137; Emilia Viotti da Costa, Da Senzala à
colônia (São Paulo, 1966), p. 19 ff.
6 Sebastião Ferreira Soares, Notas estatísticas sobre a producção agricola e
carestia dos generos alimenticios no Imperio do Brazil (Rio de Janeiro,
1860), p. 209. No que se refere à quantidade e valor da produção do café
brasileiro de 1850 a 1890, ver Tabela 26 no Apêndice I. Para dados mais
completos sobre a produção do café, ver Affonso de E. Taunay, Pequena
história do café no Brasil, 1727-1937 (Rio de Janeiro, 1945), páginas 547-549.
5
Mesmo sem o café, contudo, a escravatura teria sobrevivido por
mais tempo no Brasil do que no resto da América Latina, já que
era de extraordinária importância econômica e social até
mesmo
em áreas onde não havia café. Uma das características importantes
da escravatura brasileira durante grande parte do século xIix foi
sua onipresença. Na década de 1870, todos os 643 municípios do
Império dos quais havia estatísticas ainda continham escravos, desde
48.939 no Município Neutro (o distrito da capital) até três escra-
vos registrados no município baiano de Vila Verde. 7 Os escravos
não só eram um elemento quase universal na população, mas tam-
bém eram usados em quase todos os tipos de trabalho (ver Tabela
19, no Apêndice 1). Além dos principais produtos, os escravos tam-
bém produziam uma vasta variedade de exportações menores em
quase todas as regiões do país. Um escritor brasileiro defendeu a
continuação do comércio de escravos africanos em 1826 com a apre-
sentação de uma lista das exportações médias anuais do Brasil para
os anos entre 1815 e 1821. Estas incluíam importantes quantidades
de açúcar, café, algodão, fumo, peles de boi, pau-brasil, arroz, cacau,
salsaparrilha, canela, óleo de copaíba (um estimulante indígena),
cúrcuma (uma raiz amarela corante), baunilha, anil, ouro, diaman-
tes e vários corantes extraídos de madeiras, além da construção e
da produção de móveis — tudo isso, alegadamente, sendo produzido
pela mão-de-obra escrava.
As estatísticas sobre a população, no que se refere ao início do
século xix, são de uma exatidão duvidosa, mas qualquer uma das
existentes poderá ser usada para mostrar que os escravos do Brasil
representavam um imenso investimento. As estatísticas sobre a po-
pulação livre e de escravos que Perdigão Malheiro deu para os anos
de 1798, 1817-18 e 1864 (Ver Tabela 1) talvez sejam tão dignas de
confiança quanto quaisquer existentes antes do censo de 1872. Estas
estatísticas mostram que, nos primeiros tempos, mais de metade dos
habitantes do Brasil (excluindo índios, que se encontravam em gran-
de parte à margem da vida nacional) eram escravos e que apenas
6
uma pequena percentagem de pessoas de cor foi libertada após quase
três séculos de escravatura no Brasil. º Em 1864, os escravos já eram
menos de um quinto da população brasileira, devido a um rápido
crescimento da população livre que não teve paralelo entre os es-
cravos. Todavia, o número de escravos pouco diminuíra desde os
primeiros tempos e eles ainda constituíam um enorme investimento
de capital. 1º
Em certas partes do país, os escravos eram quase sempre mais
numerosos do que as pessoas livres. 1! Um mapa militar de 182]
colocou as populações escrava e livre da província do Rio de Ja-
neiro respectivamente em 173.775 e 159.271, com proporcionalmen-
te percentagens mais amplas de escravos nas áreas rurais e, em
1840, a população total da mesma província, onde a indústria do
café, então, se concentrava principalmente, já aumentara para 400
mil pessoas, incluindo 225 mil escravos. !2 Na década de 1870, a po-
pulação livre do Rio de Janeiro já excedia em 200 mil a população
escrava, mas os escravos de quatro municípios produtores de café
(São Fidélis, Vassouras, Valença e Piraí) ainda excediam a popula-
ção livre por mais de 10 mil (71.954 escravos e 61.205 pessoas Ii-
vres). Na província de São Paulo, o município de Campinas, pro-
dutor de café, contava com 13.685 escravos e apenas 6.887 pessoas
livres cerca de 1872, enquanto, no vizinho Bananal, viviam 8.281
escravos entre 7.325 pessoas livres. 18
Os escravos também abundavam nas principais cidades, parti-
cularmente durante a primeira metade do século xrx, quando o
tráfico africano ainda mantinha seu preço relativamente baixo. Em
1849, pouco antes da importação dos africanos ter terminado, a
população do Município Neutro, em grande parte urbano, a cidade
do Rio de Janeiro e arredores, incluía cerca de 156 mil pessoas
ê
substitutos e uma ou duas mucamas ou servas que tinham por fun-
ção manter as cortinas do palanquim discretamente fechadas se se
tratasse de uma passageira. Contudo, estas cenas típicas de escravos,
com seu uso ostensivo de mão-de-obra, foram ficando mais raras
nas cidades do Brasil durante as últimas décadas da escravatura, à
medida que os trabalhadores cativos, já em menor número, iam sen-
do transferidos para as áreas rurais a fim de realizarem o trabalho
produtivo prático para o qual haviam sido destinados na sua origem.
Em 1887, a cadeirinha já quase desaparecera das ruas da Bahia, ho-
mens livres estavam realizando a maior parte dos serviços mecânicos
da cidade e os escravos, na sua maioria, eram usados como servos
nas casas. 1º
Uma grande percentagem das pessoas consideradas como tendo ocu-
pações eram escravas. De cerca de 46 mil pessoas creditadas com
ocupações num relatório do Maranhão em 1799, quase 40 mil eram
cativos. 2º Aproximadamente no mesmo período, os escravos da ci-
dade de Curitiba, no sul brasileiro, constituíam metade da popula-
ção ativa, embora fossem apenas dezesseis por cento da população
total. 2 No censo de 1872, quase quatro quintos da população es-
crava, incluindo as crianças, foram classificados como tendo ocupa-
ções. Mais de 800 mil eram trabalhadores agrícolas, 270 mil trabalha-
vam como servos ou trabalhadores ao dia e outros 20 mil tinham
ocupações nas indústrias e nos comércios ou, então, como pescado-
res, mineiros e marinheiros. Quase 54 mil, na sua maioria mulheres,
eram costureiras e trabalhadoras têxteis (Ver Tabela 19).
Podemos ter uma boa idéia do valor dos escravos em compara-
ção com outros bens da plantação nas quantias do capital investido
na indústria agrícola em vários períodos e lugares durante o século
xx. Em 1833, os 48.240 escravos de 603 plantações de açúcar da
Bahia foram avaliados em 14.472 contos (14.472:000$00) 2 em
comparação com 17.823 contos, computados como o valor da terra,
edifícios, cavalos, bois, florestas, motores a vapor, sistemas de irri-
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24 The South American Journal and Brazil and River Plate Mail, Londres,
20 de julho de 1882; Stein, Vassouras, páginas 225-226. As nove plantações
de café do Visconde de Nova Friburgo, na província do Rio de Janeiro,
foram avaliadas, em 1883, numa quantia de 2.570 contos. O valor total da
terra, edifícios, maquinaria e animais foi calculado em 943 contos: os 1.627
escravos foram avaliados em 1.627 contos. Ver C.F. van Delden Laêrne,
Brazil and Java. Report on Coffee Culture (Londres e Haia, 1885), pá-
ginas 332-333, 339-342.
25 Representação dos negociantes de escravos, BNSM, II, 34, 27, 15.
IH
recebera a sanção dos anos, fosse modificada ou alterada sem que
se corresse o risco de uma grande inconveniência.” Essa captura de
navios pelos britânicos na costa da África já havia resultado na
perda de fortunas, numa paralisia do comércio africano, num de-
clíinio da navegação e numa decadência da agricultura devido à
falta de trabalhadores, bem como, ainda, numa diminuição das re-
ceitas reais. 26
Em 13818, um funcionário superior português salientou a im-
portância do comércio de escravos numa mensagem de assessoria ao
Rei João VI. “Uma quantidade muito grande de operários” era ne-
cessária para trabalhar nas minas, escreveu ele, e muitos mais, ainda,
para proporcionar o sustento dos mineiros. Os engenhos de açúcar
precisavam de trabalhadores (braços) para a colheita, o plantio “e
mais trabalhos de uma grande fábrica”. Esse funcionário comparou
uma plantação de açúcar brasileira a uma cidade ou aldeia em que
havia a necessidade de um capelão, um médico, uma enfermaria,
oficinas de carpintaria e de ferreiro, manadas de animais, jardins,
um moinho de farinha e outro equipamento. O cultivo do fumo
exigia muitos trabalhadores “occupados em uma cultura continua
da
planta, numa colheita muito vagaroza e no preparo muito cuidadoso
e de muitos dias”. O serviço doméstico e as obras públicas urbanas
precisavam de escravos “porque não ha um homem de trabalho como
na Europa, nem homens brancos que queiram ser criados e mossos
da soldada.” 27
e
ge
Um engenheiro de minas alemão usou argumentos semelhantes
e
para justificar a escravatura e o tráfico de escravos. O escravo, es-
creveu Wilhelm von Eschwege, que conhecia perfeitamente o Brasil,
fora sempre o “lavrador, fabricante de açúcar e de aguardente, ani-
mal de transporte, máquina de britagem e de pulverização, cozinheiro,
pajem, palafreneiro, sapateiro, alfaiate, correio e carregador”. O es-
cravo era a única propriedade do homem livre. Sem sua ajuda, o
homem livre podia considerar-se pobre, mesmo com uma abundân-
cia de dinheiro. Sem os escravos, a mineração e a agricultura deixa-
riam de existir. O escravo produzia o sustento de seu dono, o qual,
de outro modo, teria de emigrar ou viver na miséria. A pessoa que
tivesse sido libertada recentemente evitava todo o trabalho e todos
12
os patrões, trabalhando apenas para evitar morrer de fome. Nestas
circunstâncias, acreditava Eschwege, os fazendeiros brasileiros não
tinham outra solução, a não ser alugar ou comprar escravos. 2º
A propriedade de escravos, entretanto, não se limitava a uma
pequena classe dominante. Apesar dos ricos fazendeiros terem sido
sempre os donos da maioria dos escravos brasileiros, particularmente
nos últimos anos, havia muitas pessoas pobres que viviam do traba-
lho de um ou mais cativos. Para muitas pessoas, os escravos eram
a única fonte de renda. O brasileiro livre, escreveu Eschwge, possuia
normalmente um só escravo que lhe proporcionava seu sustento. Até
mesmo quando pobre, “não move uma palha, pois até na vadiagem
encontra com que viver.” 2? Um viajante inglês, Jonh Mawe, notou
que os africanos encontravam-se entre os primeiros bens adquiridos
por pessoas que faziam fortunas novas. ºº Outro inglês observou, em
1828, que uma grande parte da riqueza do Rio estava “investida nes-
ta propriedade e os escravos formam a receita e o sustento de um
vasto número de indivíduos, que os alugam da mesma forma como,
na Europa, se alugam cavalos e mulas.” A escravatura impediu a
adoção de maquinaria que economizasse a mão-de-obra, “já que tan-
tas pessoas têm interesse em que o trabalho seja realizado apenas
por escravos.” Isto é um fato no que se refere à alfândega do Rio
de Janeiro, onde um guindaste inglês capaz de permitir que dois
escravos fizessem o trabalho de vinte foi introduzido, “mas isto foi
recebido com oposição violenta e uma resistência efetiva, pois cada
pessoa no estabelecimento possuía um número de negros, até mesmo
os funcionários mais baixos. que tinham cinco ou seis cada, por
cujo trabalho eram pagos.” 31
Da mesma forma, os escravos pertencentes a funcionários das
minas de diamantes em Minas Gerais tinham seu emprego garanti-
do nas minas nos contratos de seus donos. O aluguel de negros para
as minas de diamantes na cidade de Tejuco era “a ocupação pre-
ferida de todas as classes... ricas e pobres... Muitas pessoas,” es-
creveu Mawe, “são induzidas, assim, a residir em Tejuco sob vários
pretextos, mas sem outra intenção do que a de alugar seus negros
e viver preguiçosamente com seus salários ou com o que eles po-
diam esconder ou encontrar.” $ Algo de muito semelhante se pode
13
dizer a respeito do proprietário típico de escravos na cidade mineira
de Ouro Preto:
14
direito à liberdade.” 3? Um dos poucos oponentes brasileiros da abo-
lição da importação de escravos africanos deu a seguinte explicação:
15
também o escravo É oferece ao senhor
- um certo gozo de domínio e império,
que está no coração humano, não sabemos se bem ou mal, 4
17
balho agricola, emprega-se em todas as artes liberaes, enfim o escravo é
uma parte integrante da sociedade brasileira, cuja organização tem assim
atravessado o longo espaço de mais de três seculos. b1
Jô
cesso contínuo, permanente e não esporádico... A fuga e a forma-
ção dos quilombos começam em 1559 e vêm até à Abolição.” 73
Na esperança de tornarem suas vidas um pouco mais fáceis, mui-
tos escravos tinham, obviamente, o hábito de trabalhar, obedecer e
satisfazer os desejos de seus senhores. Inúmeros outros, entretanto,
particularmente aqueles que eram obrigados a trabalhar excessiva-
mente, que eram mal alimentados ou tratados cruelmente, recusa-
vam a submissão permanente. º* Os registros da polícia, relatórios
provinciais e as declarações de viajantes indicam que muitos escravos
procuraram a libertação do cativeiro pelo suicídio, que outros se
vingavam violentamente em seus capatazes ou senhores e que mui-
tos outros, ainda, recorriam à revolta. 5º As rebeliões dos escravos
tornavam-se particularmente prováveis durante guerras internacio-
nais ou quando membros da classe dominante se envolviam em dispu-
tas entre si, como nos casos do movimento pela independência, dos
levantes regionais que se seguiram à separação de Portugal ou da
luta abolicionista. *%º Além disso, onde havia grandes concentrações
de escravos, os senhores temiam sempre a revolta. Certas rebeliões
localizadas podiam ocorrer e ocorreram com certa fregiência nas
grandes cidades, como a Bahia, ou, ainda mais frequentemente, em
19
plantações isoladas onde poucos brancos se encontravam por vezes
cercados por centenas de escravos hostis e rebeldes. 57
Mais comum do que as revoltas, que eram perigosas, difíceis
de organizar e de sucesso improvável, era a simples alternativa de
fugir da presença do senhor. Enquanto a escravatura durou, o pro-
a
blema dos fugitivos impôs um desgaste permanente das energias e
bens da classe proprietária de escravos. A perda do trabalho de um
gg
escravo durante semanas, meses ou até permanentemente era apenas
o primeiro e mais óbvio prejuízo sofrido pelo dono em virtude de
E
sua fuga. Os anúncios e as recompensas pela sua captura e devolu-
ção, os salários dos policiais, dos caçadores de escravos e dos juízes
pagos pelos fundos públicos, os honorários pelo castigo e a cura
ou o alojamento na prisão local, os gastos com armas, a perda de
animais e de outros bens nos assaltos por bandos de fugitivos e um
imenso tributo em insegurança e vidas humanas eram um constante
sorvedouro de bens, paciência e conforto da classe proprietária de
escravos. Poucos eram os proprietários ricos que não tinham fugi-
tivos assinalados no rol de seus escravos e até mesmo os escravos
do Estado e da Família Imperial, presumivelmente em melhor si-
tuação do que a maioria, procuravam a salvação na fuga. 58 Milha-
res de ofertas de recompensa a quem capturasse e devolvesse fugi-
tivos que apareceram em centenas de jornais brasileiros durante um
período de seis décadas são prova convincente de que a fuga era
a solução mais comum dos escravos para seu predicamento. No seu
estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro, Mary Karasch escreveu
o seguinte: “O jornal O Diário do Rio de Janeiro, cujas páginas es-
tavam repletas quase exclusivamente de anúncios referentes a escra-
vos, dá alguma indicação da grandeza do problema dos fugitivos.” 59
As prisões do Império eram pontos de reunião dos fugitivos re-
capturados, bem como lugares de castigo e de detenção de crimi-
nosos. Em 1826, apenas, 922 escravos fugitivos foram levados para
massa de escravos nessa mesma província chefiada pelo rebelde negro Cosme
Bento, ver João Dunshee de Abranches, O captiveiro, memórias (Rio de
Janeiro, 1941), páginas 67-69, 89-96.
67 Para revoltas na Bahia, ver Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil
(2.º edição, São Paulo, 1935), p. 67 ff.
68 De quarenta e sete escravos, incluindo crianças, inscritos nos róis da
Plantação Imperial de Santa Cruz e na Fundição de Ferro Imperial de
são João de Ipanema, em 1844, doze Ou, seja, um pouco mais de vinte e
cinco por cento, já haviam desertado. Ver Ofícios e outros papéis da casa
imperial, 1801-1868, AN, 572.
99 Ver Gilberto Freyre, O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do
século XIX (Recife, 1963); Karasch, “Slave Life”, p. 362.
20
a prisão do Rio de Janeiro de distritos vizinhos, para aí serem con-
servados até seus donos os irem buscar, com alguns deles sendo
capturados em grupos nas florestas, outros sozinhos e alguns, ainda,
afirmando serem livres. ºº Esta era uma situação permanente, não
limitada a um lugar específico ou a um determinado período. Um
relatório do chefe da polícia da província do Rio de Janeiro, para
1863, por exemplo, indicou o número de fugitivos existentes na casa
de detenção de Niterói como sendo de 147 durante os primeiros seis
meses desse ano. %
Os escravos abandonavam seus senhores em troca de uma rida
precária e difícil em selvas distantes ou em regiões pouco populc.as,
perto de aldeias, cidades e plantações, onde pudessem obter seu sus-
tento através de compra, troca, roubo ou pilhagem armada. No sé-
culo x1x, algumas das principais cidades brasileiras eram infestadas
por tais grupos de refugiados, que importunavam, por necessidade
absoluta, as plantações e os viajantes. Um documento de 1822, por
exemplo, narra constantes roubos e crimes de morte a todas as horas
do dia e da noite entre o Rio de Janeiro e as povoações vizinhas de
Irajá e Penha cometidos por ciganos, vagabundos, desertores e ban-
dos de escravos fugitivos. Tendo-se já então tornado invulgarmente
arrojados, esses bandos de fugitivos começaram invadindo casas, ata-
cando plantações e sítios, roubando animais e libertando escravos.
Em 1823, um membro da Assembléia Constituinte queixou-se a essa
Assembléia de um clamor geral na cidade do Rio de Janeiro devido
à presença de incontáveis escravos fugitivos, alguns já muito perto,
até mesmo nos arredores do Catumbi, na orla da cidade. Que ele
soubesse, afirmou o mesmo deputado, não havia uma única casa
entre as de seus amigos de que não tivessem fugido escravos e, além
disso, também havia, na região, quilombos que, segundo se acredi-
tava, continham até mil fugitivos. No mesmo debate, o Marquês de
Baependy confirmou o desaparecimento diário de escravos, acrescen-
tando que alguns chegavam mesmo a serem levados contra sua pró-
pria vontade. Em resposta a estes protestos, a Assembléia Cons-
tituinte depressa aprovou uma resolução pedindo que o governo
usasse medidas fortes para destruir o quilombo do Catumbi. A res-
21
posta do Ministro da Justiça, dada uma semana mais tarde, salientou
as dificuldades envolvidas na eliminação de quilombos nas monta-
nhas e florestas perto do Rio, onde os fugitivos se podiam espalhar
por pistas desconhecidas ao primeiro alarme de espiões e sentinelas, 64
As montanhas perto do Rio eram, de fato, um refúgio natural
e conveniente. Segundo Robert Walsh, os escravos fugitivos da cida-
de iam, normalmente, para o Corcovado ou outras colinas próximas
e aí, armados com lanças, atacavam os viajantes e viviam da pilha-
gem. A estrada sinuosa que corria ao longo do aqueduto estava
infestada de fugitivos, muitos dos quais viviam em condições de
grandes dificuldades e privações. Quando capturados e levados para
a cidade, eram vergastados. Mais tarde, um grande colar de ferro
era “firmemente rebitado nos seus pescoços, com uma longa barra
projetando-se em ângulos quase retos e terminando, na outra extre-
midade, por uma cruz ou um anel largo, de maneira a assemelhar-se
a um flor de lis.” (Ver ilustração 4.) A finalidade deste dispositivo,
disse Walsh, era estigmatizar esses escravos como desertores e, “tam-
bém, impedi-los na sua fuga, já que, quando a barra de ferro se
emaranhasse nos arbustos, isso depressa faria com que o colar os
estrangulasse, se tentassem forçar a passagem pelo mato.” A grande
quantidade de escravos “vistos, assim, com os pescoços presos, nas
ruas das cidades” foi uma prova, para Walsh, tanto do grande nú-
mero de escravos que procuravam fugir quanto da intolerabilidade
de sua existência. % Bandos semelhantes de escravos fugitivos exis-
tiam em volta da Bahia e de outras cidades. 88 Segundo o relato de
um velho escravo, dentro dos confins da pequena ilha que continha
a cidade de São Luís “houve quilombos que longos annos existiram,
sem ser descobertos. Os que eram, porem, capturados,” disse a mes-
ma testemunha, “soffriam taes surras que não raras ocasiões pere-
ciam. A malvadez chegava a tal ponto que nem mesmo mandavam
sepultal-os; jogavam-nos ao mar com uma pouta amarrada ao pes-
coço.” 87
Conforme esse relato sugere, as autoridades brasileiras, seguindo
os princípios estabelecidos, desencadearam uma campanha de terror
contra os fugitivos, a qual foi tão persistente quanto os esforços
dos próprios fugitivos. Fregiientemente descritos nos relatórios pro-
22
vinciais anuais, as batidas aos quilombos tinham por objetivo libertar
a vizinhança de marginais que perturbavam a ordem e, também,
voltar a usar os fugitivos (e, por vezes, seus descendentes) no sistema
de trabalho das plantações. Um relatório da província de Rio de
Janeiro, por exemplo, narra a fuga em massa para as montanhas
dos escravos de um tal Capitão Major Manoel Francisco Xavier, do
distrito de Paty do Alferes, a sua perseguição, captura e, mais tarde,
castigo. *º Relatórios de Sergipe registram uma longa e persistente
campanha para destruir as muitas concentrações de fugitivos da pro-
víncia. Os ataques aos quilombos continuaram, em Sergipe, desde
1867 até pelo menos 1876, quando o presidente provincial informou
de sua destruição e da captura de um tal João Mulungu, o mais arro-
jado e temido líder fugitivo da região. A descrição de Mulungu que
se seguiu foi como um epitáfio. O líder rebelde, segundo o presidente
provincial, tinha cerca de vinte e cinco anos de idade, sendo um
crioulo de estatura média, “um pouco astuto e insinuante, já resig-
nado, agora, a seu destino e preferindo, contudo, ser enforcado na
praça pública a ter de regressar para a casa de seu dono.” 8º
Os relatórios provinciais de outras províncias oferecem crônicas
semelhantes da luta entre fugitivos e seus perseguidores. Em 1858,
o presidente do Pará revelou que até mesmo trabalhadores que não
eram escravos, tentando evitar o programa de trabalho forçado do
governo, haviam procurado refúgio no sertão, em quilombos fora do
alcance da autoridade. Além disso, o exemplo dado pelos quilombo-
las e a certa segurança que se acreditava existir nas povoações esta-
belecidas pelos fugitivos contra quaisquer esforços realizados para
reescravizar seus habitantes haviam tornado a disciplina impossível
nas plantações. Segundo se sabia, havia um quilombo particularmente
grande em Amapá, a vasta região entre o Amazonas e a Caiena
francesa. Outro estava localizado no Rio Trombetas, no município
23
de Óbidos, bem mais acima do sistema do Amazonas e outro, ainda,
fora estabelecido na ilha de Marajó. Havia outros fugitivos que se
haviam instalado nas margens do Rio Tabatinga, não muito longe
de Belém e outros nas margens do Rio Guamá. Os últimos quatro
quilombos, no conjunto, segundo se calculou, continham cerca de
dois mil escravos, eram vulneráveis a um ataque, conforme o pre-
sidente acreditava, mas a temporada das chuvas dificultara e adiara
as expedições enviadas para destruí-los. *º
Em 1883, apenas cinco anos antes da abolição da escravatura,
a luta entre escravos e homens livres ainda continuava no Pará,
bem como em outras partes do Império. Uma investigação empre-
endida após um ataque a uma plantação no distrito de Igarapé-Miri,
perto de Belém, revelou a existência de cinco quilombos em volta
de um lago, cada um deles com seu governo separado, mas todos
eles prestando fidelidade a um líder escravo chamado Sebastião. Um
informante afirmou que sua população total era de quinhentas pes-
soas, que estavam habituadas a comunicar-se com casas comerciais
em Belém, onde faziam compras e vendas. 71
Ocasionalmente, os quilombos eram bem descritos pelos res-
ponsáveis por sua destruição. Em 1876, na província do Rio de Ja-
neiro, uma força policial chefiada por um negro chamado Tibúrcio
conseguiu penetrar por trilhas infestadas de armadilhas e defesas
para alcançar o local das povoações de escravos de Quilombo Gran-
de e Quilombo do Gabriel, onde capturaram vinte e três dos trinta e
três habitantes. Estes quilombos, que se afirmava serem muito anti-
gos, consistiam numa área “insignificante” de cana-de-açúcar, um
pequeno cemitério com três sepulturas e oito cabanas com paredes
de paus amarrados e telhados feitos com palha de árvores de cacau,
uma delas estando vazia e servindo como túmulo de um antigo chefe
chamado Joaquim Bunga. Estes quilombos, segundo o relatório,
estavam localizados num vasto pântano de mangues com uma saída
para o mar, facilitando a comunicação com o Rio de Janeiro e um
mercado dessa cidade para lenha de mangue, que ali crescia em
abundância. As florestas, as defesas, o sertão quase deserto e os in-
teresses dos comerciantes de lenha há muito asseguravam aos habi-
tantes destes quilombos uma segurança relativa e um abastecimento
25
perigoso, enquanto o movimento entre as pr
ovíncias limitava-se prin-
cipalmente à navegação costeira, incluindo
o traslado de grandes
números de escravos de região para região.
As classes sociais eram
estratificadas, tal como já o haviam sido
sob o domínio português,
e as origens de classe dos indivíduos dete
rminavam quase sempre o
lugar que eles ocupavam na sociedade. A ed
ucação era elitista, não
científica, pouco prática e reservada a poucos.
A maioria dos bra-
sileiros, portanto, continuavam sendo analfabe
tos, embora uma pe-
quena minoria adquirisse uma educação que
concedia prestígio e
poder ao indivíduo e a uma classe governante, ma
s que proporcio-
nava poucos resultados à maioria. Em 1872, só ha
via ainda um quin-
to detodos os brasileiros livres considerados alfabe
tizados num re-
censeamento nacional e nem mesmo um escr
avo em mil sabia ler e
escrever (ver Tabela 17).73 O governo revelava certa
grandeza no
aparelho de uma monarquia constitucional, incluindo um pre
stigio-
so Imperador e uma legislatura de duas câmaras, mas
grande parte
do verdadeiro poder nas províncias estava nas mãos da
classe dos
senhores de escravos. 74
Nos anos que se seguiram a 1850, os lentos passos da
evolução
brasileira foram apressados um pouco, mas os estilos de vida
foram
alterados principalmente nas cidades e entre a elite, enquanto
o bra-
sileiro médio na terra e nas cidades isoladas do interior pouco teste-
munhava que fosse novo. As mudanças, além disso, eram mais cul-
turais do que sociais e econômicas, com muitos dos melhoramento
s
estruturais tendo por objetivo promover setores econômicos tradi-
cionais. Apesar da introdução de equipamento e métodos modernos
na segunda metade do século xrx, o Brasil continuava sendo “um
país essencialmente agrícola”, como os políticos e os proprietários
26
de terras afirmavam em defesa da escravatura. As cidades foram re-
novadas depois de 1850, linhas de bondes foram construídas e lam-
piões de gás instalados. Foram construídas, também, estradas de
ferro para ligar os distritos ricos das plantações aos portos costeiros
a industrialização foi iniciada e um público crescentemente informa-
do, influenciado por idéias e filosofias estrangeiras, começou ques-
tionando a validez de alguns conceitos tradicionais. Todavia, todos
estes sintomas de progresso foram tolhidos e comprometidos pela so-
brevivência de instituições, condições e valores econômicos, sociais
e culturais profundamente enraizados: a escravatura, a monocultu-
ra, os grandes latifúndios agrícolas mal e apenas parcialmente traba-
lhados, a economia orientada para a exportação, um mercado interno
muito limitado, as relações tradicionais entre os patrões e os em-
pregados mesmo entre as pessoas livres, o preconceito contra o tra-
balho braçal, as barreiras raciais e de classe que impediam oportuni-
dades de desenvolvimento e as antiquadas atitudes aristocráticas
para com a educação. º Conforme Richard Graham salientou, as
mudanças que se verificaram no Brasil nas décadas seguintes a 1850
nem sempre eram facilmente identificáveis e só em 1914 é que o
Brasil começou verdadeiramente a modernizar-se. *8
O CONSENSO PRO-ESCRAVATURA
7% O Brasil não era o único país nessa situação. Para declarações infor-
madas sobre as sobrevivências coloniais na América Latina, ver Woodrow
Borah, Charles Gibson e Robert A. Potash, “Colonial Institutions and Con-
temporary Latin America” em Lewis Hanke (ed.), Readings in Latin Ame-
rican History (2 vols.; Nova York, 1966), II, 18-37.
76 Graham, Britain and the Onset, páginas xi, 23, 47-48.
27
nuação da importação de centenas de milhares de negros € negras
.
Dada a natureza do sistema de escravos, a determinada oposição dos
ingleses e o prestígio e influência das idéias estrangeiras, alguma
oposição brasileira ao comércio de escravos e até à própria escrava-
tura era inevitável, embora os que se opunham à escravatura conti
nuassem constituindo uma pequena minoria até a década de 1880.
Em 1823, sob pressão da Grã-Bretanha no sentido de acabar com o
comércio de escravos em troca do reconhecimento diplomático, uma
minoria liberal entre os membros da Assembléia Constituinte brasi-
leira procurou iniciar um processo que conduzisse ao estabelecimento
de um sistema de trabalho livre, com liberais preeminentes conti-
nuando sua oposição ao comércio de escravos sempre que tiveram
oportunidades para fazê-lo nos vinte e cinco anos seguintes. 77 AI-
guns livros ou panfletos escritos por brasileiros durante a primeira
metade do século xix continham mensagens antiescravatura 78 e;
durante um breve período, iniciado em 1848, certos órgãos da impren-
sa brasileira, alguns deles subvencionados pelo governo britânico, rea-
lizaram uma campanha contra o comércio de escravos. 7º Na Assem-
bléia Geral brasileira, além disso, também se escutaram algumas de-
clarações antiescravatura de tempos a tempos antes de 1865, 8º em-
bora a maioria dos membros ficasse calada sobre o assunto ou, então,
26
se apressasse a defender a escravatura quando esta era atacada do
estrangeiro. Houve quase sempre algumas pessoas, entretanto, que
se opunham à escravatura por razões morais, religiosas ou mesmo
econômicas, mas essa oposição pouco efeito tinha e, muitas vezes.
nem mesmo se fazia escutar. Até 1880, por exemplo, o agora famoso
apelo antiescravatura de José Bonifácio de Andrada e Silva, prí-
meiro-ministro do Brasil, que foi publicado em Londres, em 1826,
era, ao tempo, quase desconhecido no Brasil. 8! Os textos antiescra-
vatura eram tão pouco comuns no Brasil, antes de 1865, que os his-
toriadores e os oponentes mais tardios da escravatura afirmavam,
por vezes, encontrar oposição onde ela mal existia. Estes mal-enten-
didos talvez fossem o resultado do hábito brasileiro, muito comum,
de prefaciar argumentos pró-escravatura com breves denúncias de
uma instituição que até mesmo no Brasil era condenada em prin-
cípio, mesmo que não o fosse na prática. 2
29
No processo do Brasil
um milhão de testemunhas hão de
levantar-se contra nós, dos sertões da África,
do fundo do oceano, dos barracões da praia,
dos cemitérios das fazendas,
e esse depoimento mudo há de ser
mil vezes mais valioso
para a história
do que todos os protestos de
generosidade e nobreza
d'alma da nação inteira.
JOAQUIM NABUCO
O Abolicionismo
A ABOLIÇÃO DO COMÉRCIO
DE ESCRAVOS AFRICANOS
E O INÍCIO DO DECLÍNIO
30
forço britânico, finalmente, veio
a representar um papel predomi-
nante na abolição do tráfico de es
cravos no Brasil. 1
Durante a sua cruzada de quarenta
anos contra o comércio de
escravos no Brasil, a Grã-Bretanha ne
gociou uma série de tratados
com os governos do Brasil e de Port
ugal entre 1810 e 1826, tendo
sido todos eles recebidos com grande re
lutância por parte dos go-
vernantes brasileiros, que sempre tive
ram consciência da amarga
oposição da maioria de seus cidadãos ma
is poderosos a quaisquer
concessões na questão dos escravos. Em 18
10, com o governo por-
tuguês no Rio de Janeiro virtualmente sob
a proteção britânica, o
Príncipe Regente João concordou, num tr
atado de aliança, cooperar
com o monarca britânico na abolição gradua
l do comércio de escra-
vos e tornar imediatamente ilegal o tráfico
em territórios não por-
tugueses da África. Esse tratado deu ao gove
rno britânico uma débil
Justificativa para a sua primeira campanha na
val contra os navios
negreiros portugueses, despertando a ira dos im
portadores e fazen-
deiros portugueses e brasileiros. Em 1815,
de novo sob coerção,
o governo de João VI concordou com proibir
o tráfico ao norte do
equador e, em 1817, o mesmo rei cometeu seu
regime a medidas
que tinham por objetivo fazer vigorar a proi
bição parcial do comér-
cio de escravos. Estas concessões legalizara
m, finalmente, a aborda-
gem britânica de navios mercantes portugue
ses suspeitos de trans-
portarem escravos comprados ilegalmente e
criaram tribunais inter-
nacionais ou comissões mistas no Rio de Jane
iro e em Sierra Leone,
para onde os navios deviam ser enviados para
julgamento. O mesmo
acordo entre britânicos e portugueses também
estipulava que os na-
vios condenados pelas comissões mistas fossem
vendidos para bene-
fício das duas nações e que os escravos en
contrados a bordo fossem
libertados e colocados sob a proteção do
governo português ou,
então, do britânico. 2 O resultado destes acor
dos não foi uma redu-
ção ou limitação do tráfico de escravos, mas sim
um súbito surto no
seu volume, bem como o aparecimento de um contraba
cravos que se desenvolveu até atingir proporçõ ndo de es-
es enormes. 3
! Para descrições do papel da Grã-Bretan
ha na supressão do comércio de
escravos no Brasil, ver Bethell, The Ab
olition; Conrad, “The Struggle”:
Verger, Flux et reflux, páginas 287-319,
373-397; e Alan K., Manchester,
British Preêminence in Brazil (Chapel Hill,
Carolina do Norte, 1933).
2 Bethell, The Abolition, páginas 8-19: A Co
mplete Collection of the Treaties
and Conventions and Re ciprocal Regulations, at Present Subsisti
Great Britain & Foreign Powers... so ng between
far as they relate to Commerce and
Navigation, to the Repression and Abolit
ion of the Slave Trade... (3 vols.;
Londres, 1827), II, 73-107.
3 Conrad, “The Struggle”, páginas 122-126, 189-206.
DBIBIÇTENÃA 31
1
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Em 1826, a Grã-Bretanha conseguiu obter mais um compromis-
so do governo no Rio de Janeiro depois de quatro anos de negocia-
ções difíceis em Londres e no Rio, após a independência brasileira.
Este tratado, praticamente imposto ao novo governo brasileiro, tor-
ng?
32
colocam, de um modo moderado, o número de escravos ilegalmente
importados pelo Império durante esses anos em quase meio milhão. ?
Legalmente, todos eles eram livres, conforme a lei brasileira de
1831 o declarava claramente no seu artigo primeiro, mas poucos
deles conseguiram, de fato, obter sua libertação e até mesmo seus
descendentes foram mantidos ilegalmente na escravidão.
A proibição do tráfico foi eficaz, contudo, nas províncias do
extremo sul e ao longo da costa norte entre o Cabo de São Roque
e o Amazonas, mas esta cessação parcial do tráfico de escravos não
foi o resultado de funcionários conscienciosos ou de uma população
respeitadora da lei. Ocorreu, sim, em virtude do aumento do preço
dos escravos causado pelos esforços britânicos de policiamento. Con-
forme um nordestino escreveu na década de 1850 em referência ape-
nas com a província de Maranhão, o comércio de escravos termi-
nara “porque a baixa no preço do algodão tinha empobrecido e
quebrantado o ânimo dos nossos lavradores, a ponto de não poderem
pagar os negros importados ilegalmente, de mais em mais encare-
cidos pela perseguição dos cruzeiros ingleses.” 1º Os plantadores de
algodão e de açúcar do norte não podiam competir, na compra de
escravos, com os fazendeiros do café, no sul, e, assim, os plantado-
res ao norte da Bahia cessaram na sua grande maioria de procurar
trabalhadores no mercado internacional de escravos. A indústria do
café na província do Rio de Janeiro e áreas vizinhas de Minas Ge-
rais e São Paulo, por outro lado, estava expandindo-se e prospe-
rando nos anos do maior envolvimento britânico contra o comércio
de escravos, com a elevada receita dos plantadores de café permi-
tindo-lhes pagar pelos escravos de que precisavam, apesar dos na-
vios de guerra britânicos, do alto custo do suborno e de outras des-
pesas causadas pela natureza ilegal do tráfico. Assim, nessa parte do
Brasil, o tráfico mantinha sua vitalidade e os negociantes de escra-
vos continuaram seu negócio com desprezo quase completo pela lei.
Em 1849 e 1850, contudo, o governo britânico tomou uma ati-
tude drástica contra os traficantes de escravos nas águas territoriais
brasileiras com o mais completo desrespeito pela soberania brasi-
33
leira, com a intenção de obter um compromisso do governo
brasilei-
ro no sentido de que este promulgasse lei eficaz contra
o comércio
de escravos e fizesse com que ela fosse cumprida. 1! Comple
tamente
humilhado pelas incursões britânicas nos portos do Império e a
cap-
tura e destruição de navios negreiros brasileiros até mesmo
em águas
ter ritoriais brasileiras, enfrentando ameaças à navegação legal do
Império, com conflitos militares e mesmo um bloqueio de portos
brasileiros, o governo do Império foi obrigado, em julho de 1850, a
ceder ante as exigências britânicas em troca da promessa de suspen-
der os ataques navais. 12 Mesmo então, contudo, o governo brasilei-
To mostrou-se relutante em agir contra o comércio de escravos e
mais uma ameaça, feita em janeiro de 1851, de enviar navios de
guerra britânicos para os portos brasileiros foi
necessária para ativar
a já há muito adiada supressão do tráfico de afr
icanos. Uma vez ini-
ciada, contudo, a campanha brasileira antitráfico
foi eficaz e séria. 1
34
era “uma população de escravos diminuindo naturalmente”, 14 de-
pendendo do tráfico africano para sua existência permanente. Uma
variedade de condições e políticas contribuíram para um excesso
de mortes sobre os nascimentos entre os escravos do Brasil e sua
consequente incapacidade para manterem seus números através da
reprodução natural. Essas condições incluíam uma proporção baixa
de mulheres em relação para os homens, escassez de casamentos e
de vida familiar (ver Tabela 18, para estatísticas de casamentos
entre os escravos), a desatenção habitual para com a prole dos
escravos, o uso frequente de severo castigo físico, trabalho esgo-
tante tanto para mulheres quanto para homens, roupas inadequa-
das, alimentação e habitação deficientes e pouco higiênicas, jun-
tamente com cuidados médicos pouco eficientes, epidemias e (para
os africanos importados recentemente) um novo ambiente pouco
saudável. 15
Todas estas condições e o resultante excesso de mortes sobre
nascimentos entre os escravos foram confirmados, muitas vezes,
durante o século x1x. Em 1823, José Bonifácio de Andrada e Silva
afirmou que 40 mil escravos haviam entrado no país durante os cin-
co ou seis anos anteriores sem causarem aumento significante na
população de escravos, com a maioria deles morrendo “ou de mi-
séria ou de desesperação. ..” 18 Um cirurgião britânico que vivia no
Rio na década de 1840 afirmou que a população escrava brasileira
estava “diminuindo e seria reduzida à insignificância, exceto pelos
carregamentos de africanos que eram trazidos anualmente da costa
oposta par substituir os mortos.” Os brasileiros, segundo ele pensava,
não estavam dispostos “a submeterem-se a todas as despesas e ris-
cos inerentes à infância e à adolescência, quando... podem ir à
35
rua ao lado e obterem qualquer idade ou sexo de que precisem” 17
O Senador Cristiano Otoni disse à Câmara Superior brasileira em
1883 que, enquanto o comércio de escravos durara, os pr
oprietários
de escravos haviam sido “indiferentes à duração
da vida dos seus
escravos”. Os senhores de escravos acredita
4
vam “que o escravo
trabalhando um anno, alem de plantar e col
——
her para o sustento, dava
=
produto liquido que cobria, pelo menos, o
seu valor; do 2.º ano
em diante tudo era lucro. Portanto, para que
se preocuparem muito
com tlles, quando era tão fácil obter novos
por preço baixo?” 18
Em 1849, um cidadão britânico, testemunhand
o ante uma comissão
da Câmara dos Lordes, declarou: “No Brasil, os
escravos estão sendo
trazidos continuamente para o país e morrem.
O índice de mortali-
dade nos primeiros dois ou três anos depois da
importação, por uma
ou outra razão, é enorme.” Aqueles que entr
am no Brasil “pouco
mais fazem do que ocupar o lugar de gerações qu
e morrem.” 19
Apesar da melhoria das condições depois de me
ados do sé-
culo, 2º os escravos do Brasil foram incapazes, até mesm
o durante
as últimas décadas de escravidão, de manter seus núme
ros através
de meios naturais. Em 1868, Richard Burton, explorador britân
ico,
orientalista e cônsul no porto de Santos, ainda afirmava que o ex-
cesso de mortes sobre os nascimentos entre os escravos brasileiros
seria o mais importante fator na extinção da escravatura brasilei-
ra.“ Em 1870, numa era em que o tratamento dos escravos melho-
rara definitivamente e suas vidas estavam ficando mais longas, o futu-
ro abolicionista, Joaquim Nabuco escreveu o seguinte: “a população
negra, nós o confessamos, não se reproduz como a branca: uma
serie longa de causas deprimem-na, aviltão-na, suffocão-na, dema-
siado para que ella tenha o poder de crescer em sua posteridade.” 22
17 Thomas Nelson, Remarks on the Slavery and Slave Trade of the Brazils
ndres, 1846), páginas 29-32.
ai Citado no ns do Senado (1884), II, 30.
19 Report from the Select Committee of the House of Lords. A ppointed to
Consider the Best Means which Great Britain can adopt for the final Extinction
of the African Slave Trade, Session 1849 (Londres, 1849), páginas 22-23.
20 Ver Joaquim Floriano de Godoy, O elemento servil e as camaras muni-
cipaes da provincia de São Paulo (Rio de Janeiro, 1887), p. 500; Perdigão
Malheiro, 4 escravidão, II, 65; Antonio Joaquim Macedo Soares, Campanha
—
páginas 40-41. -
E
36
E, em 1871, um deputado nacional da Bahia afirmou que a estima-
tiva de cinco por cento de diminuição anual da população de es-
cravos no Brasil era uma condição anormal, com suas raízes nas
precárias condições sociais e higiênicas da população escrava. Obser-
vando que a população negra livre se estava expandindo através de
meios naturais, esse deputado negou que o declínio da população
escrava fosse uma consegiiência da raça, atribuindo-o de preferén-
cia à própria escravatura. 23
As estatísticas existentes sobre a escravidão no Brasil confir-
mam os numerosos relatórios contemporâneos sobre a incapacidade
dos escravos brasileiros aumentarem seus números através de meios
naturais durante o século x1x. O número de escravos no Brasil em
1798, segundo afirmado, era de 1.582.000 (ver Tabela 1). Entre
1800 e 1850, foram importados, provavelmente, 1.600.000 escravos
pelo Brasil. “ Se, por conseguinte, a população tivesse sido mantida
pela reprodução natural (o que era difícil, é claro, devido ao baixo
número de mulheres em relação com o número de homens), os escra-
vos do Brasil deveriam ter sido aproximadamente 3 milhões em
1871, o ano da Lei Rio Branco, que libertou todas as crianças nas-
cidas desde esse momento em diante. Contudo, só havia 1.540.829
escravos registrados ao abrigo das provisões dessa legislação (ver
Tabela 2).
Em contraste, a população escrava dos Estados Unidos, também
sofrendo um elevado índice de mortalidade, embora menos chocan-
te, cresceu de cerca de 700 mil para quase 4 milhões entre 1790 e
1860, enquanto a população negra livre dos Estados Unidos também
se expandiu durante o mesmo período de 60 mil para quase meio
milhão. 25 Estas estatísticas são ainda mais reveladoras se comparar-
mos as importações totais de escravos para os dois países. A impor-
tação total de escravos pela América do Norte britânica foi calcula-
da em 399 mil (entre 1701 e 1870), enquanto o número que, segun-
do tem sido afirmado, foi transportado para o Brasil é de 3.646.800. 28
Por outras palavras, o Brasil recebeu talvez dez vezes mais escravos
do que a América do Norte britânica durante um período de tempo
a
36
tituições norte-americanas quase meio século antes. Nos Est
ados Uni-
dos, a escravatura podia expandir-se mesmo depois do
tráfico ter
sido eliminado, mas a população escrava brasileira diminuiu rapida
-
mente depois de 1850 (ver Tabelas 3, 10, 11). Contudo, com talvez
dois milhões de escravos em existência, durante mais quinze anos,
a escravatura ainda conseguiu manter seu lugar dominante na vida
econômica e social do Império quase totalmente sem obstáculos.
Quando o tráfico africano terminou, uma sociedade complacente
ajustou-se à nova realidade com um vasto e espontâneo aumento
no movimento interno dos escravos, consegiiência da procura cons-
tante de mais escravos na região do café e de atitudes imutáveis no
que se refere à própria instituição da escravatura. 2º
Depois da dissolução voluntária, em 1852, da Sociedade contra
o Tráfico de Africanos e Promotora da Colonização dos Indígenas,
que tinha dois anos de idade, e da extinção simultânea de seu órgão
de propaganda de tão curta vida, O Philantropo, não houve qualquer
organização antiescravista de qualquer porte ou popularidade no Bra-
sil até a década de 1860 e não existiu, também, qualquer jornal bra-
sileiro que defendesse a abolição da escravatura. Os brasileiros es-
tavam convencidos, escreveu um observador britânico em Pernam-
buco, em 1852, da necessidade de manter a escravatura. Alguns
opunham-se ao tráfico de escravos africanos, agora que esse tráfico
já fora suprimido eficazmente, mas “nenhum” era contra a escrava-
tura. Os brasileiros defendiam seu sistema de trabalho, escreveu o
mesmo observador, “não por razões políticas, mas... por razões
de religião e moralidade.” Tanto nos Estados Unidos quanto no Bra-
sil, segundo a previsão desse observador, a escravatura seria destruí-
da, um dia, mas somente, em ambos os países, pela força das armas. 3º
Em meados do século, o sistema de escravos no Brasil já não
se encontrava em qualquer perigo imediato, embora estivesse desti-
nado à extinção final devido à perda de sua principal fonte de reno-
vação. Para o período de vida de mais uma geração, sua importância
parecia assegurada. Foram investidas fortunas em escravos e os va-
29 Conforme Alvin Martin escreveu: “Os mesmos homens que mais vocife-
raram contra as injustiças do tráfico em escravos nada encontravam de re-
preensível no fato de manter milhões de africanos na escravidão.” Ver
“Slavery and Abolition in Brazil”, HAHR, Vol. XIII (1933), p. 162.
So Carta do Cônsul Britânico ao Conde de Malmesbury, Pernambuco, 6 de
maio de 1852, Class B., From April 1, 1852, to March 31, 1853, p. 280.
Para opiniões semelhantes, ver Class B. From April 1, 1857, to March 37
1858, páginas 126-128; British and Foreign State Papers (de ora em diante
BFSP) (1853-1854), XLIV, 1243-1244.
39
lores, assim, aumentaram. As complexas disposições soc
iais e eco-
nômicas continuavam baseando-se no sistema e à legitimidade
da
escravatura nos Estados Unidos e o desejo, nesse país, de conservar
a instituição onde ela ainda existia proporcionou um baluarte detrás
do qual os brasileiros senhores de escravos podiam repousar, seguros
e virtuosos. No início da década de 1840, na verdade, quando a Grã-
Bretanha ameaçou a escravatura tanto no Texas quanto no Brasil,
chegou a pensar-se que havia uma “aliança informal” entre os Es-
tados Unidos e o Império sul-americano, sendo esta comunidade de
interesses prolongada, provavelmente, até as vésperas da Guerra Civil
norte-americana. $! O costume, a conveniência, uma persistente es-
Cassez de mão-de-obra e até mesmo a necessidade, juntamente com
o apoio tácito de um poderoso vizinho ao norte — tudo isso ditava
que fosse mantida a instituição no Brasil.
Em maio de 1862, apenas semanas antes da Batalha de Shiloh
na Guerra entre os Estados, o Ministro britânico no Rio ainda não
podia encontrar quaisquer indícios no Brasil de uma “disposição
para preparar a abolição da escravatura ou para mitigar seus males.”
Os brasileiros educados estavam satisfeitos pelo fato do tráfico de
escravos africanos ter terminado, mas havia má vontade geral para
considerar o problema da própria escravatura, devido a receios da
escassez de mão-de-obra e à preocupação com a inviolabilidade da
propriedade privada. 2 Todavia, estavam ocorrendo importantes mu-
danças que viriam a enfraquecer decisivamente o domínio da escra-
vatura sobre a nação. A população de escravos estava diminuindo e
os escravos sobreviventes estavam sendo concentrados em regiões
limitadas da nação como areia numa ampulheta. Estes fatos, junta-
mente com a inaceitabilidade de uma escravatura permanente, reco-
nhecida teoricamente até mesmo no Brasil, fomentou uma lenta re-
jeição do sistema escravocrata tradicional nos trinta anos que se se-
«0
guiram a 1850, enquanto muitas inst
ituições complementares herda-
das da era do domínio português, inst
ituições essas menos vulnerá-
veis à crítica estrangeira, continuaram
sobrevivendo quase comple-
tamente sem obstáculos e sem mudanças.
41
me
mm
Sempre ouvi dizer e aprendi,
que nos lucros de qualquer industria
influe principalmente a taxa dos salarios; os salarios
fazem parte dos gastos de producção,
e quanto
menores forem estes maiores serão os 1
ucros;
seja pois o salario barato e vereis
augmentando o lucro; e pelos
mesmos principios, quando o salario
for caro,
vereis esse lucro diminuir até
desapparecer, e acarretar
a ruina dos industriosos.
A CRISE DA MÃO-DE-OBRA
A ESCASSEZ DA MÃO-DE-OBRA
42
fazendeiros brasileiros. A preocupação constante do governo pelos
produtores agrícolas era causada, em parte, pelos graves problemas
que a agricultura enfrentava. Um dos mais sérios era a escassez per-
manente de mão-de-obra. Esta escassez de trabalhadores foi uma
característica geral da sociedade brasileira enquanto a escravatura
existiu, já que o trabalho escravo repelia o trabalho livre, tanto
nacional quanto estrangeiro, criando exigências quase constantes dos
fazendeiros de auxílio por parte do governo na aquisição de novos
e pouco dispendiosos trabalhadores. Os proprietários das plantações
das ricas regiões do café, que haviam comprado africanos quando
eles ainda abundavam, não sentiram esta escassez, provavelmente,
tão depressa quanto os plantadores do norte. Seus estabelecimentos
rurais encontravam-se entre os que dispunham de mais “braços” e o
comércio interno de escravos ajudava a satisfazer suas incessantes
necessidades. Os fazendeiros que contavam com abundância de es-
cravos viram seus investimentos aumentarem de valor com o aumen-
to do preço dos escravos causado pela supressão do tráfico africano.
Juntamente com o aumento no valor de sua propriedade, houve uma
grata expansão da capacidade dos plantadores de café para obter
crédito. 1 Para outros fazendeiros, entretanto, particularmente os das
províncias do norte, o término do comércio de escravos piorou ainda
mais a escassez de mão-de-obra, pois esta aumentou os preços e ini-
ciou um movimento para o sul de escravos sobre os quais pouco
controle eles tinham. Contudo, em quase todas as regiões agrícolas
importantes do Brasil, incluindo o Vale do Paraíba, muito rico em
café, a escassez de trabalhadores rurais era uma queixa constante
depois de 1850. 2
A medida que o problema do trabalho se ia Intensificando, os
brasileiros começaram considerando várias soluções, incluindo a “re-
produção” sistemática dos escravos. Enquanto os fazendeiros haviam
tido assegurado um fornecimento regular de africanos, pouco inte-
resse houvera na reprodução natural. º Cerca de dois terços ou mesmo
mais dos escravos transportados para o Brasil eram homens e
assim, estes continuaram excedendo em muito o número de mulhe-
43
res nas Aprovíncias do café
, DO Sul e no norte, particularmente nos
municípios que mais café produziam, até
o final da escravatura. “
udo, os brasileiros olharam esperançosamente
para a bem sucedida “reprodução” de escravos
nos Estados Unidos
e pensaram que o Brasil poderia seguir seu exempl
o. O Deputado
Silveira da Mota, de São Paulo, afirmou, em 1854, que a
“indústria
de reprodução de escravos” nos Estados Unidos ainda nã
o se desen-
volvera no Brasil. ? No ano seguinte, um fazendeiro da prov
íncia do
Rio de Janeiro observou que a facilidade que houvera em adquirir
escravos da África “constituiu um embaraço à propagação da raça
escrava entre nós”. Todavia, o sucesso da “reprodução” dos escravos
norte-americanos oferecia a esperança de que o Brasil também pu-
desse aumentar sua população escrava existente, se os fazendeiros
prestassem “mais solicitude pela gravidez, mais zelo e cuidado para
com os recém-nascidos e as crianças.” Os plantadores, pensava ele,
deveriam promover o aumento dos escravos por todos os meios com-
patíveis com a moralidade e a religião. Roupas melhores, habitação
e alimentação mais convenientes, mais cuidados com os doentes “e
outros alvitres que são em geral desprezados entre nós” resultariam
na sobrevivência de muitos escravos “que hoje se sacrificarão pelo
desleixo e incuria...”8
Um deputado do Maranhão, cujo breve tratado sobre a agri-
cultura de sua província natal foi publicado em 1856, duvidava de
que o Maranhão pudesse ser bem sucedido, seguindo o exemplo
da Virgínia, um papel que se esperava dessa província:
4 Ver Tabelas 4, 16, 18. Durante a década de 1820, 77 por cento dos
escravos nas fazendas de um município de café da província do Rio de
Janeiro eram do sexo masculino; no final da década de 1880, já eram
apenas 56 por cento do total. Ver Stein, Vassouras, páginas 76-77.
5 AnnãEs da Camara (1854), IV, 246.
6 Lacerda Werneck, Ideas sobre colonisação, páginas 22.97.
44
nossos lavradores dispostos a empregar todo esse desvelo, todo esse cuidado
crianças, e communicação entre os dois sexos? Não o cremos, nem devemos
que alli dá a alimentação, vestuario e habitação dos negros, tratamento das
ambicional-o. *
45
que, embora os homens fossem em número
consideravelmente mais
elevado do que as mulheres, em São Paulo e
Minas Gerais, os casa-
mentos eram mais comuns nessas províncias
do que em outras, onde
a proporçã o entre os sexos era mais natural. º
Uma solução possível para o problema da mão-de
-obra, que re-
cebeu mais atenção do que a reprodução planejad
a, foi a promoção
da imigração chinesa, européia e africana. Os trabal
hadores chineses
jamais foram levados para o Brasil em grande nú
mero, mas sua
introdução foi proposta muitas vezes e chegou, de
vez em quando,
a ser tentada. Em 1807, um economista baiano
Já sugerira que os
brasileiros importassem trabalhadores chineses e das
Índias Orien-
tais; *º pouco depois disso, o Ministro dos Assuntos Ext
eriores de
Portugal, no Rio, considerou a importação de dois
milhões de chi-
neses para o Brasil. 11 Todavia, nenhum esforço sério
foi realizado
para embarcar trabalhadores chineses para o Brasil enquanto
a tra-
dicional fonte de “braços” para os campos persistia; mas. depois de
meados do século, verificou-se um novo interesse pela importação de
trabalhadores chineses. 12
46
Apesar de pouco ter sido realizado nas décadas de 1850 e 1860,
a importação de trabalhadores chineses voltou a ser debatida seria-
mente com o declínio da população escrava e a ameaça da abolição
nas décadas de 1870 e 1880. “Achar novos braços que substituam
o do escravo,” escreveu Salvador de Mendonça no seu ensaio Traba-
lhadores asiáticos, em 1879, “tão baratos como o deste, porem mais
peritos e intelligentes, de modo que beneficiem o nosso café para
concorrer no mundo inteiro como producto similar de outras proce-
dências, é o unico meio de conjurar a crise por que passamos... É
um fato reconhecido em todo o Brasil que a primeira necessidade
é trabalho barato.” 1º Com os europeus ainda não parecendo dispos-
tos a entrarem no Brasil em grandes números, acreditava-se que os
chineses apresentavam várias vantagens. Eram, segundo se sabia,
mais baratos e mais fáceis de dirigir do que os europeus. Os imi-
grantes da China não ofereciam as perigosas pretensões políticas dos
europeus. Ansiando sempre por voltar a sua terra natal, argumen-
tavam os promotores do plano, os chineses não se prenderiam per-
manentemente ao solo brasileiro para “mestiçar” a população. O
“coolie” viria e partiria, “um agente produtor temporário”, deixan-
do atrás dele os produtos de seu forte braço — o barato e dócil ins-
trumento de trabalho, semelhante ao dos escravos, que ajudaria a
transpor o abismo entre a escravidão e a liberdade, revivendo a eco-
nomia brasileira que estava em declínio e preparando o terreno para
o europeu, que seria o verdadeiro povoador do solo brasileiro. 1* Os
vários esforços para encontrar uma solução chinesa para o problema
47
do trabalho também foram frustrados, contudo, em parte pelos de-
terminados argumentos racistas dos oponentes da imigração chinesa.
A imigração européia, conforme Emília Viotti da Costa demons-
trou, estava intimamente relacionada com a questão da emancipa-
ção e do problema da mão-de-obra. Desde o momento em que o
comércio de escravos africanos pareceu ameaçado pela ofensiva di-
plomática britânica, depois das Guerras Napoleônicas, os brasileiros
recorreram aos trabalhadores europeus para substituir os escravos
negros e, à medida que o problema do trabalho se tornava mais se-
vero, depois de 1850, o interesse pela imigração européia foi aumen-
tando. Os plantadores do Brasil, em especial os de São Paulo, dese-
javam estimular a imigração da Europa, principalmente como um
meio de adquirir camponeses europeus para substituir os ocupantes
das suas senzalas. O Governo Imperial, por outro lado, propôs perio-
dicamente uma política tendo por objetivo criar núcleos de colonos
europeus, “centros de atracção”, através de concessões ou vendas
de pequenos lotes de terra em regiões ricas e saudáveis com acesso
a transportes. 1º O principal objetivo desta política era o enriqueci-
mento e a civilização do Império através da criação de comunidades
independentes com acesso a terras e mercados, mas a organização
social e econômica do Brasil, especialmente o sistema dos latifúndios,
excluía o desenvolvimento robusto de tais núcleos. 168 Na realidade,
até pouco antes da abolição da escravatura, a imigração européia
jamais conseguiu desenvolver-se suficientemente, no que se refere
seja a instalar muitos lavradores na terra ou, então, a satisfazer as
necessidades de mão-de-obra das plantações. 1” Até mesmo durante
a última década da escravatura, quando o movimento abolicionista
e o declínio da população escrava já causavam uma ansiedade invul-
46
gar com referência às necessidades de mão-de-obra, os fazendeiros.
de São Paulo foram os únicos capazes de organizar um movimento
maciço de europeus para suas fazendas. Contudo, isto também não:
ocorreu antes do sistema de escravos já se ter desmoronado quase
completamente nessa província. 18 Os europeus, de um modo geral,
não consideravam o Brasil um lugar muito atraente para se insta-
larem. Desapontados pelo contraste entre a realidade brasileira e as
promessas dos agentes brasileiros, esses imigrantes europeus depressa
descobriram que, no Brasil, não podiam competir com o trabalho:
escravo ou adquirir terras perto de transportes e mercados. 1º Algu-
mas colônias foram criadas por ação do governo, particularmente
nas províncias do extremo sul, mas, fora algumas exceções, mesmo:
essas não serviram como centros irresistíveis de atração para os eu-
ropeus. A imigração, além disso, também não constituiu uma solu--
ção para o problema da mão-de-obra até que a crise do final da
década de 1880 forçou os fazendeiros a tomarem medidas de emer-
gência para aumentar o fluxo de europeus para as fazendas produ-
toras de café.
A importação de “colonos” africanos também foi recomendada.
frequentemente, tanto antes quanto depois da abolição do tráfico de
escravos africanos. Em 1826, o ano em que o governo brasileiro con-
cordou acabar com o tráfico, já fora apresentada uma proposta para
estabelecer uma companhia monopolística para negociar em “colo-
nos negros”, proposta essa que foi bem recebida pela Câmara dos
Deputados, mas qualquer ação nesse projeto foi desencorajada pelo:
governo britânico e, depois, pelo advento do tráfico ilegal. 20
Quando, porém, a ameaça britânica ao tráfico africano se tor-
nou mais séria, houve novas propostas para importar “colonos”
africanos. 2! No auge da crise de 1850, quando oficiais e marinheiros
49
britânicos eram atacados na capital brasileira em represálias aos ata-
ques navais a portos brasileiros e à navegação, um tal Antônio Pe-
dro de Carvalho preparava uma proposta para legalizar a importa-
ção de “colonos” africanos pelo Brasil. O projeto de Carvalho, que
talvez tenha chegado às mãos do próprio Imperador, era uma medida
de emergência que tinha por objetivo fornecer mão-de-obra suficien-
te para o trabalho de construção e para as tarefas agrícolas mais
pesadas, realizadas a pelo menos três léguas ou mais de distância de
povoações importantes e de cidades. Segundo ele, o governo brasi-
leiro deveria negociar tratados com as nações interessadas na aboli-
ção do tráfico de escravos (presume-se, a Grã-Bretanha) para per-
mitir que os navios brasileiros fossem autorizados a transportar todos
os “colonos” africanos necessários. 22
Em 1855, um jornal brasileiro apresentou os seguintes comen-
tários e sugestões sob o título de “Agricultura e Escassez de Tra-
balhadores”:
relos ou brancos...” 24
22 Antônio
a Pedro 113
de .56Carv
4, alho, Projeto de lei p para reeu l r
gula a idãão
escravid
23 O Popular, Porto das Caixas, 17 de março de 1855.
24 F. L. da €C. Pimentel, Estatutos da Companhia
Libertadora ou Repara-
«dora dos direitos da humanidade (Rio de Janeiro, 1858), p. vii.
de 1860, muitos
Na década
fazendeiros e mesmo alguns estadistas ainda acreditavam
0
Uma série de leis referentes à locação de serviços, promulgadas
em 1830, 1837 e 1879, pouco contribuíram, provavelmente, para solu-
cionar o problema da mão-de-obra, mas revelam, contudo, os desejos
constantes dos fazendeiros brasileiros de manter o controle de sua
força trabalhista mais pela obrigação legal do que pela concessão de
incentivos. À primeira dessas leis, aprovada pela Assembléia Geral
poucos meses depois do tráfico de escravos se tornar ilegal, autori-
zava os fazendeiros a contratar estrangeiros para trabalho agrícola
por períodos de tempo não especificados. Os trabalhadores assim
empregados só poderiam romper seus contratos se pagassem salários
não ganhos e indenizassem seu patrão em metade da receita que eles
teriam ganho se completassem seus contratos. Os empregados que
não cumprissem seus contratos estavam sujeitos à prisão ou até a
trabalhos forçados até que suas dívidas fossem pagas. A contratação
de “africanos barbaros” sob estes termos era ilegal, “á exceção da-
quelles que actualmente existem no Brazil.” 2
Sete anos mais tarde, uma segunda lei de locação de servicos
foi aprovada. Esta lei, que permitia que indivíduos ou sociedades
de colonização concluíssem contratos com trabalhadores brasileiros
ou estrangeiros, dava uma vantagem decisiva aos usuários da mão-
de-obra. Os empregadores podiam despedir os trabalhadores por vá-
rios motivos, mas os empregados despedidos ainda eram obrigados
a pagar as dívidas que haviam contraído no processo de seu empre-
go e embarque para o Brasil. As pessoas contratadas que não cum-
priam com suas obrigações podiam ser condenadas a trabalhos for-
cados. Os trabalhadores que abandonavam seus patrões sem justa
causa antes de terminarem seus contratos podiam ser detidos e fica-
rem presos até pagarem a seus patrões o dobro da quantia de suas
dívidas ou até terem trabalhado duas vezes a duração de seus con-
tratos. As pessoas que ajudavam os colonos a fugir também estavam
sujeitas à prisão ou ao pagamento de duas vezes as dívidas dos fu-
gitivos. Os trabalhadores que terminavam seus contratos recebiam
certidões de liberação e a falta de um tal documento seria a prova
legal da violação de contrat o de um homem contrat ado. 28
Em 1879, nas vésperas da luta abolicionista, uma terceira lei de
locação de serviços foi promulgada para proporcionar um sistema
de meeiros ao abrigo de contratos de longa duração. Segundo esta
PÁRIAS BRASILEIROS
52
maiores obstáculos do que os envolvidos em adquirir novos escravos
de outras partes do Brasil ou até trabalhadores chineses, que tinham
a reputação de serem mais ambiciosos do que os brasileiros mar-
ginais. 2º Havia milhões de brasileiros que nada faziam, afirmou uma
delegação de fazendeiros ao Congresso Agricola de 1878, num pe-
ríodo em que o declínio da escravatura despertara um novo interesse
pelos brasileiros indigentes e desempregados. Havia milhões que vi-
viam num barbarismo parcial ou completo, raramente trabalhando,
devido a estarem habituados às privações e à miséria. *º “Seis mi--
lhões de pessoas”, escreveu um francês inquisitivo, defensor da es-
cravatura brasileira, cerca de 1881, “nascem, vegetam e morrem sem
terem servido seu paiz.Ӽ%1 A gente do interior era completamente
desempregada, disse outro estrangeiro, em 1883, falando com um
toque de desdém, “além de possuir 'ponchos” com linhas vermelhas e
armas para massacrar pequenos passaros”. O lar dessa gente do
interior era “um simples telhado de arbustos, com um pequeno es-
paço debaixo dele e com as paredes feitas de paus e ripas, sendo
tudo amarrado junto por meio de trepadeiras secas...” º A popula-
ção do Brasil, testemunhou um escritor em 1878, “é pobre de san-
gue, não se alimenta, não sabe o que é higiene, não sabe o que é
civilização.” 33
Numa sociedade em que o trabalho era servil, mal pago € iden-
tificado com a escravidão, o pária brasileiro preferia, em muitos casos,
sua precária existência rural ao emprego regular nas fazendas. O
campo estava infestado com vagabundos — inúteis, não por serem
preguiçosos, mas porque, conforme disse Joaquim Nabuco, “não
tinham em torno de si o incentivo que desperta no homem pobre
avista do bem-estar adquirido por meio do trabalho...” 3 As prin-
cipais causas deste dilema, como Nabuco e outros abolicionistas vie-
53
ram a afirmar durante os últimos anos da escravatura, eram a pró-
pria escravatura e o sistema das fazendas. Os fazendeiros, com suas
grandes propriedades, acreditavam eles, monopolizavam a vida eco-
nômica da nação, impedindo o desenvolvimento de mercados e de
pequenas propriedades. Sem receberem pagamento por seu trabalho,
os trabalhadores desapareciam. %5
O fato de a escravatura ser uma causa importante desse desem-
prego dos brasileiros livres foi tornando-se mais óbvio à medida que
, a escravatura declinava e que mais gente indigente do interior e
até antigos escravos eram atraídos pela agricultura, como assalaria-
dos, meeiros ou rendeiros. Tais soluções foram particularmente co-
muns no nordeste, onde a escravatura declinou mais rapidamente do
que nas províncias do café durante as três décadas que se seguiram
a 1850. Até mesmo na região centro-sul, contudo, os fazendeiros que
haviam duvidado de sua capacidade para atraírem trabalhadores Ji-
vres, brasileiros ou estrangeiros, começaram descobrindo em 1887
e 1888, com o colapso da escravatura, que havia toda espécie de
trabalhadores disponíveis para os fazendeiros dispostos a lhes paga-
rem, embora em São Paulo, pelo menos, os trabalhadores brasileiros
continuassem sendo considerados a classe menos desejável de tra-
balhadores. $º Contudo, até serem realmente necessários para o sis-
tema de fazendas, os brasileiros livres pobres apenas representaram
um papel marginal na economia dominante, com os plantadores de
café continuando a duvidar de que eles pudessem proporcionar um
substituto satisfatório para os escravos até as vésperas da abolição. 37
O INFELIZ NEGRO
54
ticularmente favorecidos pelo estado. Poucas ou nenhumas provas
existiam para sugerir, por exemplo, que o Governo Imperial ou
qualquer ministério viesse jamais a tomar medidas para libertar as
centenas de milhares de africanos (e sua prole) transportados para
o Brasil depois de 7 de novembro de 1831, todos eles legalmente li-
vres segundo o artigo primeiro da lei antitráfico dessa data. O go-
verno brasileiro, na verdade, jamais tomou quaisquer medidas para
devolver a liberdade a esses africanos escravizados legalmente. O
número de pessoas mantidas ilegalmente como escravas era de quase
meio milhão, segundo calculou o Ministro britânico no Brasil em
1862, mas ele advertiu seu governo de que o regime brasileiro “DOT
razões semelhantes âquelas que os impedem de procurar lidar com
a questão geral da escravidão, receberiam provavelmente qualquer
representação do Governo de Sua Majestade com forte repugnância
e oposição.” 38 Antes de 1872, no Brasil, não havia qualquer neces-
sidade de registrar os escravos e os proprietários não tinham recibos
para os escravos importados ilegalmente. Contudo, a posse de tais
escravos raramente era questionada, até mesmo quando suas idades
e origens africanas eram prova convincente de seu direito à liber-
dade. $º O sistema escravocrata brasileiro baseou-se nessa legalidade
dúbia durante quase meio século de sua existência. Todavia, durante
a maior parte desse tempo, os governos, os tribunais, o Imperador
e a maioria da imprensa do Brasil ignoraram o destino dessas cen-
tenas de milhares de pessoas. A lei de 1831 jamais foi revogada
ou rejeitada pelos tribunais e, na realidade, sua validez foi afirmada
pelo Conselho de Estado em 1856. 4º Nas décadas de 1870 e 1880.
alguns advogados abolicionistas, nomeadamente Luiz Gama e An-
tônio Joaquim Macedo Soares, libertaram muitos escravos com base
nesta velha lei, “supostamente revogada pelo... desuso.”4 No en-
tanto, a maioria dos juízes e tribunais ignoravam essa inconveniên-
cia legal e apenas uma pequena minoria dos africanos importados
ilegalmente ou seus descendentes puderam beneficiar-se de suas prin-
55
cipais provisões. Em 1883, um tribunal brasileiro ainda chegou a |
inverter a decisão de um juiz de libertar africanos presumivelmente
importados depois de 1831, não com base no fato de a lei não estar
em vigor, mas sim porque o tribunal “não estava satisfeito com a +!
evidência produzida no que se refere a provas de idade e de nacio-
nalidade”.42 O fracasso em aplicar a lei tinha uma causa muito
simples: fazê-lo teria significado a libertação de uma grande parte
da população escravizada, quase o equivalente prático da abolição,
o que, até os meses finais da escravatura, dificilmente poderia ter
sido realizado com a tolerância da elite brasileira, proprietária de
terras. O melhor indicador da fé dos fazendeiros na boa vontade
das autoridades para com. eles eram os anúncios que os senhores de
escravos colocavam nos jornais para a devolução de africanos fugi-
tivos demasiado jovens para terem entrado no Brasil antes de 1831
e, por conseguinte, manifestamente livres se a lei fosse respeitada.
Os governos do Brasil foram descuidados, de um modo geral,
quanto ao direito à liberdade desses negros. Exemplo particularmente
escandaloso de negligência envolveu uma categoria de africanos co-
nhecidos como os “emancipados”, os quais, durante a primeira me-
tade do século xIx, haviam sido retirados dos navios negreiros, li-
bertados pela comissão mista britânico-brasileira no Rio de Janeiro
e colocados sob a custódia do Governo Imperial. Nos tratados de
1817 e 1826 com a Grã-Bretanha, o Brasil comprometera-se a asse-
gurar a liberdade desses africanos livres com eles trabalhando como
criados e trabalhadores livres, mas a verdade é que, durante quase
meio século, os funcionários e os governos brasileiros desdenharam
aflitivamente essas obrigações. “*
Em 1826, juízes britânicos no Rio de Janeiro informaram que
os registros dos emancipados já estavam num tal estado de confusão
e negligência que “aqueles cuja liberdade havia sido garantida pelo
governo tinham sido perdidos de vista.” 4 Em 1832, o Ministro da
Justiça do Brasil, o Padre Feijó, revelou a situação precária da liber-
dade dos emancipados. Os proprietários dos navios negreiros, disse
56
ele à Assembléia Geral, conseguiam, em muitos casos, recuperar
seus escravos através da emissão de certidões de óbito
falsas durante
o período em que seus navios aguardavam a sent
ença do tribunal
da comissão mista. O tratamento dos negros livres, alugad
os a pessoas
físicas, disse Feijó, “impondo-lhes talvez um trabalho
excessivo ou
negando-lhes o sustento estritamente necessário para a cons
ervação
da vida, podia encurtar excessivamente suas existências e tornar
suas
condições mais precárias e desesperadas do que as dos pr
óprios
escravos.” 4%
Segundo Perdigão Malheiro, os africanos livres eram tratados
pior do que os escravos. Destacados para o serviço de agentes par-
ticulares ou para estabelecimentos do governo, eles eram maltrata-
dos, sendo-lhes negadas a educação moral e religiosa e a proteção
que a lei lhes garantia. º Vários escritores afirmaram que eram co-
locados grandes obstáculos no caminho da verdadeira emancipação
dos “africanos livres”. O Ministro Britânico no Rio, James Hudson,
descreveu os libertos colocados na custódia do governo brasileiro
como “muito infelizes... maltratados, mal alimentados, espancados
sem misericórdia e sem razão, vendidos, com certidões falsas afir-
mando sua morte e, em resumo, as mãos de todos os homens pare-
cem levantar-se contra eles; não têm a menor possibilidade de
uma autêntica liberdade no Brasil.” 4 Um informante disse a William
Christie, em 1861, que as dificuldades encontradas pelos africanos li-
vres na obtenção de suas certidões definitivas de emancipação eram
“tão grandes que eles não podem, de modo algum, somente através
de seus próprios esforços, obter esses documentos.” 4º O autor bra-
sileiro Tavares Bastos descreveu vinte obstáculos burocráticos colo-
cados no caminho dos africanos livres que requereram sua emanci-
pação final, tendo concluído que aqueles que se beneficiam dos
serviços de um liberto “não cahem na asneira de facilitar-lhes a
emancipação...” 50
A pressão diplomática britânica foi decisiva, aparentemente, nas
várias ocasiões em que os governos brasileiros agiram para libertar
“emancipados”. A disputa entre os ingleses e os brasileiros sobre o
estado dos africanos livres ferveu durante décadas, contribuindo, fi-
nalmente, para uma crise importante nas relações entre os dois paí-
57
ses, o Caso Christie. 9! William Christie levantou
pela primeira vez
a questão dos libertos africanos em
maio de 1867 e, alguns meses
mais tarde, recebeu uma mensagem de Lo
ndres ordenando-lhe vir.
tualmente que exigisse a libertação de tod
os os africanos livres ainda
mantidos ao serviço tanto do governo
brasileiro quanto de pessoas
particulares. *” Em março de 1863, Christie ainda estava repreen-
dendo o governo brasileiro com referência
aos africanos livres e até
mesmo à libertação de todos os escravos
importados depois de 1830
quando o Brasil cortou as relações com
a Grã-Bretanha como um
resultado das “represálias” britânicas contra
a navegação brasileira
e um bloqueio naval de seis dias do Rio de
Ja neiro. 53
Em Notes on Brazilian Questions, Christie
observou que um dos
efeitos da suspensão das relações em
1863, pelo que seus próprios
processos não muito diplomáticos haviam
sido evidentemente res-
ponsáveis, foi a aceleração da emancipa
ção dos africanos livres.
Christie afirmou que o governo brasileiro
seguira políticas de de-
mora quando lidando com a questão dos afri
canos Ii vres que podiam
ser comparadas com as antigas políticas usadas
em toda a questão
do comércio de escravos. “Só por si”, o gove
rno brasileiro “nada
fez”. Ignorou durante muito tempo as notas britân
icas sobre o assun-
to. “Quando obrigado a responder, protestava que sua
dignidade
não lhe permitia agir sob pressão por um Governo estran
geiro...”
Os regimes brasileiros ressentiam-se da interferência estrangeira e
exigiam terem liberdade na execução das leis brasileiras. “Finalment
e”,
concluiu Christie, “depois da força ter sido usada e que se compre-
endeu que o governo britânico estava sendo sério, parecendo nada
mais haver a fazer, (o governo brasileiro) fez o que já deveria ter
feito há muito tempo; e afirma, agora, que isso foi feito esponta-
neamente e que as críticas foram injustas”, 54
Enquanto as relações estiveram cortadas, o governo brasileiro.
finalmente, concedeu de fato a libertação de todos os africanos
58
livres por um decreto de 24 de setembro de 1864,
mas a verdade
é que, em março de 1865, um funcionário britân
ico ainda descobriu
emancipados “usados nos Departamentos Publicos deba
ixo dos olhos
das Autoridades Supremas do Estado”, que ainda se encont
ravam em
escravidão. “Parece evidente que”, acrescentou o mesm
o funcioná-
rio, “se não houver mais alguma pressão exercida sobre
os funcio-
nários encarregados da execução do Decreto, a maioria des
ses Eman-
cipados e de seus descendentes morrerão na escravidão” 56
Os africanos “emancipados” não eram as únicas pessoas cuj
o
direito à liberdade não era inteiramente respeitado. A es
cravidão
dos índios fora declarada ilegal em 1831, mas os relatório
s sobre
Sel Uso como escravos não foram incomuns em anos pos
teriores. 57
Na província amazonense do Pará, muitos índios, mestiç
os e negros
foram alistados no corpo de trabalhos forçados provincial
em 1835.
com base na sua “minoridade intellectual e perpetua
.” Em 1858, o
presidente dessa província informou que muitos dos ha
bitantes dos
quilombos da província eram homens livres que tinham
fugido para
as florestas para evitar o trabalho forçado. 58 No Cea
rá, as auto-
ridades governamentais forçaram pessoas livres a trabal
harem de gra-
ça nas plantações de algodão e de açúcar. Em certas províncias, as
assembléias legislativas, procurando aliviar o problema
da mão-de-
obra, começaram “prescrevendo regras mais ou menos
rigorosas” com
o objetivo de forçar a população ociosa a trabalhar. 59
Pouco depois
da abolição do tráfico de escravos africanos, bandos de brasileiros
da província do Rio Grande do Sul cruzavam muit
as vezes a fron-
teira com o Uruguai para raptar pessoas de cor
e as entregar aos
mercados de escravos brasileiros. Famílias uruguaias int
eiras, segun-
59
do o Consul Britânico, eram raptadas, separadas e vendidas no Bra-
sil com uma facilidade que só podia ser prova da ineficiência da lei
brasileira, como protetora da liberdade pessoal. Em contraste, me-
nos de três anos mais tarde, o governo brasileiro deu provas de
me
suas preocupações quanto à propriedade de senhores de escravos, ao
mm
TT
concluir um tratado com a Confederação Argentina para a devolu-
e
ção de escravos fugitivos que encontram refúgio no país vizinho. 8º
AT
=
Durante os anos em que a escassez de mão-de-obra se tornou
mais severa, a mera posse de uma pele negra, acompanhada por um
estado civil incerto, podia ser uma base para a suposição da situa-
ção de escravo. Um decreto imperial de 1859 regulamentou o uso de
uma classe de “propriedade” não reclamada, conhecida como bens
do evento, bens esses definidos como “escravos, gado ou bestas, acha-
dos sem se saber do senhor ou dono a quem pertenção.” Tais ho-
mens e animais, dizia o decreto, deviam ser avaliados e leiloados se
seus “donos” não respondessem a editais públicos. Este decreto, ao
contrário de regulamentos semelhantes para os bens do evento em
Pernambuco, dava à variedade humana o privilégio de comprar sua
própria liberdade se oferecessem uma quantia de dinheiro igual a
suas avaliações oficiais, mesmo que outros candidatos oferecessem
mais dinheiro, mas nada dizia sobre seu direito a provar que eram
homens livres. 61
Tal como estes fatos sugerem, as atitudes de governos brasi-
leiros para com as pessoas escravizadas e escravizáveis nem sempre
foram favoráveis à liberdade durante os primeiros doze a quinze
anos depois da supressão do tráfico de escravos africanos. Pertencen-
tes, como geralmente o eram, à classe dos fazendeiros, os políticos
e estadistas brasileiros eram pouco motivados para com a reforma
ou a aplicação de leis que tinham por objetivo proteger a popula-
ção escrava ou assegurar a liberdade daqueles que eram escraviza-
dos ilegalmente. Alguns homens ocupando cargos eletivos durante
esses anos falaram em defesa dos escravos ou chegaram mesmo a
advogar a abolição, mas suas propostas foram sempre mal recebidas.
Em 1850, Pedro Pereira da Silva Guimarães, do Ceará, propôs a li-
bertação dos filhos recém-nascidos de escravas, a libertação obriga-
60
tória de escravos que oferecessem seu preço e uma proibição à sepa-
ração de casais casados, mas suas medidas foram consideradas ina-
dequadas para debate. Em 1853, quando o mesmo deputado propôs
uma lei semelhante, quatro colegas do norte mostraram-se dispostos
a debater o projeto, mas a maioria discordou, com alguns dos mem-
bros, indignados, gritando e fazendo interrupções. *º Durante a dé-
cada que se seguiu à abolição do tráfico africano, houve outras medi-
das, propostas ocasionalmente, para melhorar as difíceis condições dos
escravos ou para transferi-los de zonas urbanas para zonas rurais, a
fim de diminuir a escassez de mão-de-obra, mas os legisladores e a
nação ainda não estavam dispostos a alterar o status quo. &
Enquanto a Assembléia Geral nada fazia, o ramo executivo do
governo, por seu lado, tomava decisões consistentemente adversas
à mudança. Em 1852, o governo opôs-se fortemente à alteração do
status dos africanos importados depois de 7 de novembro de 1831,
embora sua situação de escravos fosse ilegal. No mesmo ano, o
Conselho de Estado, o corpo assessor do Imperador, opôs-se à legis-
laçã para permitir que um escravo abusado exigisse sua venda a
outro dono. Era preferível, pensavam os membros desse corpo, evi-
tar o debate na Assembléia Geral de qualquer medida referente à
população escrava, “quando já se tinha feito quanto se podia e con-
vinha fazer na efetiva repressão do tráfico.” Da mesma forma, em
1855, o Conselho do Estado decidiu que um escravo não poderia
compelir legalmente seu dono a libertá-lo da escravidão através de
uma oferta de seu valor, já que a Constituição Imperial garantia o
direito de propriedade e nenhuma exceção fora feita no caso do
escravo que oferecera seu valor em troca de sua liberdade. Em 1857,
em resposta a uma sugestão britânica, o mesmo corpo opôs-se a rea-
lizar um recenseamento dos escravos com base em que uma tal con-
tagem de cabeças não serviria qualquer propósito útil e apenas en-
corajaria mais exigências por parte dos ingleses.
A classe dos fazendeiros, protegidos pela falta de interesse do
governo pelo bem-estar de seus escravos, esperava e recebia, na rea-
lidade, ajuda direta das autoridades. Os governos, por exemplo, es-
6J
tavam muito interessados nos esforços para fomentar a imigração
européia, para patrocinar a construção de linhas telegráficas e estra-
das de ferro para facilitar a exportação do café e de outros produ-
tos, para estabilizar a moeda nacional, para reformar o sistema
bancário, para proporcionar um ambiente favorável à agricultura e
ao comércio, “essas duas fontes perenes da riqueza nacional”. & Os
regimes brasileiros da década de 1850 mostraram-se pouco dispostos,
entretanto, a agirem em defesa dos escravos ou a salvarem as cen-
tenas de milhares de pessoas que eram escravizadas ilegalmente.
O Brasil era um país agrícola governado por uma classe de senhores
de escravos cujos interesses não podiam, nesse tempo, ser promo-
vidos por uma mudança da política vigente na questão da escrava-
tura. À abolição do tráfico africano foi seguida, por conseguinte,
por mais de uma década de quase silêncio sobre o problema dos
escravos. O Brasil aprendeu a viver sem o tráfico de escravos da
África, mas a escravatura, já há muito extinta na maioria dos paí-
ses latino-americanos, tendo terminado na Venezuela e na Colômbia,
e prestes a causar um desastre sem paralelos nos Estados Unidos,
ainda era uma poderosa instituição no Brasil. Poucas foram as pes-
soas que pensaram seriamente na sua abolição até que tais pensa-
mentos lhes foram impostos por condições diferentes surgidas tanto
no Brasil quanto no exterior.
62
Os escravos, senhores,
não têm o estimulo da recompensa,
nem segurança em seu estado, e o temor do castigo
não pode supprir a estas faltas.
fios Add 4
O COMERCIO DE ESCRAVOS
INTERPROVINCIAL
O TRÁFICO INTERNO
63
tadores e até em reprodutores de escravos. 1 No Brasil, a safra que
iniciou estes processos foi a do café, mas os desenvolvimentos fo-
ram muito parecidos com os que se verificaram no sul dos Estados
Unidos. 2 Os preços dos escravos aumentaram devido à procura e
aos lucros. Os escravos eram obrigados a migrar e, por vezes, seus
donos vendiam tudo o que tinham e partiam com todos os seus tra-
balhadores para regiões mais promissoras. Novas áreas foram abertas
c o cultivo de novos e ricos solos expandiram a produção, aumen-
tando o compromisso para com a escravatura. A declaração atri-
buída ao Senador Silveira Martins — “O Brasil é O café, e
o café pe
64
movimento de escravos para as regiões mineiras, muitos escravos.
negros foram enviados para as lavagens de ouro em Minas Gerais
,
Goiás e Mato Grosso, causando escassez de mão-de-obra nas plan-
tações de açúcar do Nordeste. * Com o declínio da mineração em
Minas Gerais, no final do século xym, e o subsegiente desenvol-
vimento da indústria do café, parte da população do centro-sul do
Brasil, escravos e pessoas livres, mudou-se para as novas regiões do
calé. *
Até mesmo antes do tráfico africano ter terminado, pequenos
números de escravos do nordeste brasileiro já estavam entrando nos
mercados de escravos do Rio de Janeiro para irem ao encontro da
procura criada pelo cultivo do café. Em 1842, o movimento de es-
cravos entre as províncias já era suficientemente amplo para preci-
sar de regulamentos e, em 1847, uma grande seca, na província do
Ceará e em sua volta, já aumentara grandemente o fluxo espontã-
neo dos escravos do norte para o sul. Nesse ano, os negociantes do
Rio com ligações comerciais no norte do Brasil já recebiam “casual-
mente” escravos em consignação para satisfazer as necessidades fi-
nanceiras dos proprietários em áreas atacadas pela seca. Da mesma
forma, a seca no Ceará também estimulou um tráfico em índios,
que eram forçados pela fome a venderem seus filhos. &
Com a abrupta supressão do tráfico africano, o fluxo de escra-
vos do norte para o sul transformou-se numa autêntica torrente e
começou sendo considerado vital para os interesses dos fazendeiros
da região do café. Os preços dos escravos no Rio aumentaram des-
medidamente nos meses que se seguiram à supressão do tráfico afri-
cano, fazendo com que os fazendeiros do sul procurassem fora dos
mercados locais, para satisfazer suas necessidades de mão-de-obra,
chegando mesmo a irem comprar escravos na província do Rio Gran-
de do Sul, no extremo sul do país. 7 Quase no início desse movimen-
65
to, o governo e os membros da Assembléia Geral consideraram o
tráfico de escravos entre as províncias algo de vital e inatacável. 8
Em maio de 1852, um relatório do Ministério da Justiça usou
a palavra “fabuloso” para descrever a alta nos preços dos escravos
no Rio. O custo dos escravos dobrara em pouco tempo, de maneira
que até mesmo os que tinham “vícios” e “defeitos”, antes indesejá-
veis, encontraram compradores. º? Não só os preços eram altos, mas
o volume de escravos entrando no Rio de Janeiro, vindos das pro-
víncias do norte e do extremo sul, também aumentava rapidamente.
Num dos artigos de uma série protestando contra o crescente
tráfico interno de escravos, em abril de 1852, o jornal antitráfico
de escravos, O Philantropo, afirmou que o novo comércio era tão
escandaloso quanto aquele que viera substituir. 1º Nesse mês, pelo
menos 345 escravos entraram no mercado do Rio: 245 dos portos
do norte, 48 do Rio Grande do Sul e os restantes 52 de portos vi-
zinhos. De um total de 1.660 escravos registrados como tendo che-
gado ao porto do Rio, vindos de outras partes do Brasil durante os
primeiros quatro meses de 1852, 1.376 eram oriundos de portos do
norte (691 somente do porto da Bahia, onde havia grande quanti-
dade de africanos) e 114 das províncias do extremo sul. 11
Em abril, O Globo, jornal da província do Maranhão, referiu-se
a uma grande exportação de escravos para o Rio de Janeiro, reali-
zada apesar de um novo imposto de exportação de 500 mil-reis que
os exportadores tinham de pagar por cada escravo embarcado. 12 A
crescente procura de escravos aumentou o seu roubo nas cidades;
um carregamento ilícito chegou mesmo a ser desembarcado numa
praia da província do Rio de Janeiro em 1851 e, sob a proteção da
polícia. nem mesmo assim foi imune aos ladrões de escravos. 13 A
situação estava despertando o sentido do negócio de muitas pessoas
nas novas regiões do café de São Paulo. No início de 1853, o presi-
dente provincial foi informado por um juiz local, em Campinas, um
crescente centro de produção de café, de que “comboios” de escra-
vos haviam chegado recentemente para serem vendidos “por preço
66
muito exagerado”. Um negociante de escravos chegara havia pouco
tempo com um grupo “composto por 23 escravos de ambos os SEXOS
e de diversas idades, todos crioulos e ladinos”, tendo sido dito que
outro negociante de escravos estava prestes a regressar de Santa Ca-
tarina com quinze escravos, todos eles ladinos. “Presentemente”, di-
zia o mesmo relatório, “faz conta ir comprar escravos em lugares
ainda longinguos, para revendel-os neste municipio — por causa dos
preços exagerados, a que têm elles aqui chegado, e é o que ultima-
mente têm feito diversas pessoas indo compra-los até em Goyaz.”
O primeiro grupo de escravos a que o juiz se referira era composto
“em quasi sua totalidade de crioulos da Bahia, Alagõas, e Sergipe,
c forão por elle escolhidos e comprados no Rio de Janeiro.” 14 As
regiões do norte e do extremo sul do Império e até do interior mais
longinquo, conforme O Globo relatara em referência com o Mara-
nhão, tinham-se transformado na “costa da África” no que se referia
ao Rio de Janeiro. 1º O novo tráfico era legal, embora o governo
brasileiro tivesse examinado, durante algum tempo, os carregamen-
tos interprovinciais para impedir uma renovação do tráfico africano
sob outro disfarce. 16
O tráfico interno de escravos nunca foi descrito com fregiiência,
mas as raras descrições existentes sugerem que ele conservava muitas
das características práticas e brutais do tráfico africano. /” Os jovens
e os mais fortes tinham uma procura maior; os homens eram nume-
TOsos nos carregamentos, mas as mulheres jovens também eram pro-
curadas se fisicamente atraentes ou se fossem úteis como amas-de-
leite. 18 As relações familiares não eram garantia contra a separação;
os maridos, suas mulheres e crianças eram separados, embora as
crianças menores viajassem muitas vezes com suas mães e fossem
vendidas com elas. Em 1880, um jornal do Ceará referiu-se a uma
67
escrava local chamada Raymunda que, com cingiienta e seis anos,
já tivera vinte filhos. Oito destes tinham sido “libertados” pela mor-
te, e os doze irmãos e irmãs sobreviventes haviam sido enviados para
o sul. *º
O tráfico interno de escravos criou novas companhiasde nego-
ciação de escravos e uma nova profissão: a de comprador de escra-
vos viajante, que percorria as províncias, convencendo os fazendei-
ros mais pobres ou os residentes das cidades a venderem um ou dois
escravos por metal sonante. Os compradores de escravos iam de sítio
em sítio, de porta em porta, disse um membro baiano da Câmara
de Deputados em 1854, oferecendo aos proprietários mais pobres
setecentos ou oitocentos mil-reis por um escravo que talvez estivesse
produzindo para seu dono uma renda anual de trinta a quarenta
mil-reis. 2º “De repente, um negociante de escravos, vindo do Rio
de Janeiro, chega ao mercado,” escreveu um funcionário inglês na
Bahia, no mesmo ano, “compra de proprietários necessitados ou ávi-
dos todos os escravos que pode obter e, na maioria dos casos, é a
causa da separação de um pai de sua mulher e filhos...” 21
Em 1852, o Consul Britânico em Pernambuco, um Sr. Cowper,
relatou que o tráfico interno “era realizado com todos os horrores
de seu protótipo...” Cenas muito dolorosas eram testemunhadas no
Recife com a partida de cada navio. 22 O tráfico entre as províncias
do norte e o Rio de Janeiro, escreveu ele quatro anos mais tarde,
envolvia milhares de pessoas anualmente. Os negociantes faziam visi-
tas periódicas ao porto de Pernambuco, regressando ao Rio com
suas “vítimas que não ofereciam resistência”. Muitas das escravas
jovens eram
66
e deteria o esvaziamento da mão-de-obra das províncias do norte, o que
não se deixará de ser sentido dentro em breve, 23
69
ES
=
Não há muito atravessava eu, ao calor do meio dia, uma dessas regiões
desertas da minha provincia; o sol abrazava: de repente, ouvi um clamor
confuso de vozes que se approximavam, era uma immensa caravana de
escravos com destino aos campos de São Paulo. Entre alguns homens de
gargalheira ao pescoço, caminhavam outras tantas mulheres, levando sobre e-
os hombros seus filhos, entre os quais se viam crianças de todas as idades, À
sendo toda essa marcha a pé, ensanguentando a areia quente dos caminhos.
rd
Em torno de uma grande fogueira jazem estendidos os miseros escravos sem
distincção de sexo nem de idade, e entre o tinir dos ferros, os lamentos
das mulheres e das crianças, ouvem-se os gritos dos guardas que experimentam
as correntes, impondo silêncio áquelles que ousam queixar-se. (Sensação.)
Mas, alem na penumbra, tripudia o vicio o mais infrenne. E si acontece
que durante a noite alguma dessas miseras escravas torna-se mãe, no dia
seguinte a marcha da caravana não se interrompe, e o fructo querido de
suas entranhas é condemnado a morrer no primeiro ou segundo dia da jor-
nada si antes não é lançado em algum canto, ignorado a expirar pelo aban-
dono.. É o tráfico na sua mais horrenda forma...
70
sido treinados num ofício ou numa profissão. 2? Entre os homens ,
que, geralmente, tinham entre dezoito e trinta anos de idade, havia
Quanto às mulheres:
a mais velha tinha vinte e seis anos e a mais jovem entre sete e oito —
lavadeiras, costureiras, cozinheiras, duas modistas. Outras faziam camisas,
penteavam os cabelos de suas patroas, etc. Duas eram amas de leite, com
muito leite bom e cada uma delas com uma vitela ou um potro e, portanto:
“N.º 61, 1 Rapariga, com muito bom leite, com cria.”
LEILÃO DE ESCRAVOS
Hoje, sabbado 1.º de julho, na rua do Ouvidor N.º 90, ás 10%4 horas.
J. Bouis fará leilão na sua casa de diversos escravos de ambos os sexos e
differentes idades, sendo pretos de officios, ditos da roça, pretas mucamas,
ditas de todo serviço, ditas com filhos, moleques, negrinhas, etc., etc.
Os Srs. compradores os poderão examinar antes do leilão, os que forem
desconhecidos darão um signal de 1008000 no acto de arrematarem o pri-
meiro escravo. Todos os escravos são afiançados de boa saude. 31
/7T
“Nas províncias do norte, agentes ou companhias colocavam re-
gularmente anúncios na imprensa diária oferecendo para comprar
escravos para embarque para o sul. Os anúncios mais típicos foram
aqueles que apareceram em vários números do jornal 4 Ordem do
Ceará, em que a firma Olympio & Irmãos afirmava que “pagam
melhor do que outros quaisquer” por escravos entre doze e vinte
anos de idade para embarque para São Paulo. O Bazaar Primeiro
de Dezembro, de São Luiz do Maranhão, preparando um carrega-
mento para o Rio no final de 1879, anunciou em vários números de
O Paiz que estava comprando escravos. Em 1880, um agente esta-
belecido no Hotel da Europa, em São Luiz, ofereceu-se para com-
prar escravos de ambos os sexos e de qualquer cor, incluindo filhos
ingênuos (filhos livres de mulheres escravas) e, mais tarde, no mes-
mo ano, O Paiz publicou anúncios afirmando que estavam sendo pa-
gos bons preços no Hotel Porto por escravos de ambos os SEXOS,
entre doze e vinte anos de idade; e que a firma Melchor & Cia. com-
praria cativos sem especializações e até cinquenta anos de idade. 3?
todo o mundo sabe que a lavoura do café occupa muitos braços, e com
a crescente necessidade e alto valor dos escravos que se empreguem nesse
serviço, explica-se muito bem o grande numero dos que vêm da Bahia!
por uma lei economica, em virtude da qual o objecto que tem menos valor
em um lugar passa-se para outro, onde o preço é maior, sejão quaes forem
os obstaculos que lhe opponhão. 33
12
O sr. Webb, da Legação dos Estados Unidos no Rio
, chegou à mes-
ma conclusão em 1862:
/3
diais do açúcar. 3º Quatro anos mais tarde, William Christie atri-
buiu o tráfico à irregularidade das estações do ano no norte e à
resultante pobreza dos fazendeiros locais, juntamente com uma crise
financeira nacional e os preços elevados dos escravos no Rio de
Janeiro. $º Quando os mercados para os produtos do nordeste brasi-
leiro melhoraram no exterior, o movimento de escravos começou
diminuindo. Segundo dados coletados em 1862, 34.668 escravos che-
garam ao porto do Rio das províncias do norte e do extremo sul
entre janeiro de 1852 e julho de 1862 — entre três e quatro mil
anualmente (ver Tabela 8).37 Durante 1862, contudo, quando a
Guerra Civil norte-americana ofereceu perspectivas favoráveis para
o algodão brasileiro nos mercados mundiais e reduziu o mercado
norte-americano de café (ver Tabela 26), a exportação de escravos
do norte para as províncias do café diminuiu drasticamente.
Depois da Guerra Civil dos Estados Unidos, a média anual ele-
vou-se de novo e. com um novo período de seca no nordeste bra-
sileiro em 1877, o tráfico interprovincial expandiu-se de novo tão
rapidamente que chegou a pôr em perigo o equilíbrio do próprio
sistema de escravos. 88 Os preços caíram drasticamente no norte,
em especial na empobrecida província do Ceará, e os proprietários
de escravos, incapazes de alimentar seus escravos ou talvez mesmo
a si próprios, aceitavam tudo o que lhes fosse oferecido. %º Uma
74
indicação da amplitude da exportação de escravos do Ceará duran-
te a seca dos últimos anos da década de 1870 é-nos dada
pelo invul-
garmente elevado tributo que o governo provincial recolh
eu em
1879 dos impostos cobrados pelos escravos que eram embarcados
no
porto de exportação. Nesse ano, a receita da província, no
que se
refere a este item, foi de quase três vezes o que fora quatro anos
antes. Em 1880, contudo, a receita desta fonte foi reduzida quase
a metade e, em 1881, com a emergência do movimento abolic
io-
nista radical nessa província, o item deixou de ser registrado. 4º
O domínio econômico do centro-sul do Brasil, que inflacionou
os preços dos escravos na capital do Império, não foi um fenômeno
temporário. O valor do café exportado do Brasil de 1840 a 1862
alcançou 925.000 contos, enquanto o valor do açúcar, a principal
receita das províncias do norte, foi de apenas 372.000 contos du-
rante os mesmos vinte e três anos. Produzindo metade do café do
mundo em 1868, o Brasil já há muito perdera a supremacia na pro-
dução de açúcar. Nesse ano, as exportações do café brasileiro va-
liam mais nos mercados do mundo do que todas as suas outras ex-
portações combinadas, enquanto o valor do açúcar era apenas cerca
de um sexto do valor total das exportações brasileiras, “ Mesmo
nos anos em que a Guerra Civil norte-americana estava estimu
lan-
do a produção do algodão brasileiro, o valor das exportaçõe
s do
café permaneceu sempre mais elevado do que o valor conjun
to das
exportações do açúcar e do algodão. * Com o término da
Guerra
Civil, é claro, a parte do Brasil no mercado mundial do alg
odão
diminuiu e o abismo entre o valor das exportações do nor
te e do sul
voltou a aumentar. O café produzido no Brasil no ano fiscal de
1872/73 foi avaliado em mais de 115.000 contos; o valor
conjunto
das safras de açúcar e do algodão foi menos de 49.000
contos. Em
75
1873, o valor total da produção nacional das mesmas três safras foi
de quase 170.000 contos, dos quais mais de dois terços foram pro-
duzidos nas quatro províncias do centro-sul. 4º
O crescimento ou o declínio da população escrava nas várias
regiões do Brasil dependiam de seu sucesso econômico relativo. No
sul, uma grande indústria, a produção do café, desenvolvia-se e
prosperava, sendo de extraordinária importância econômica para a
nação como um todo. Se, por um lado, as atitudes tradicionais for-
taleciam a escravatura em todas as províncias, a verdade é que, na
região do café, a importância da escravatura ainda era mais refor-
çada por sólidas considerações econômicas. Conforme as páginas se-
guintes demonstrarão, esta importante indústria, requerendo os mais
produtivos elementos da mão-de-obra disponível e financeiramente
capaz de adquiri-los, preferia os homens às mulheres e os jovens aos
idosos.
Como uma consegiiência da desproporcionadamente grande par
-
te da riqueza nacional produzida no Rio de J aneiro, quase um qui
nto
de todos os escravos registrados no Império, num recenseament
o
nacional realizado na década de 1870, estava localizado nessa peq
ue-
na província: 301.352 de um total de 1.540.829 escravos registrad
os
(ver Tabela 2). Com a produção de café da província de São Pau
lo
tendo aumentado depois de meados do século e prosperado muito
nas décadas de 1860 e 1870, sua população de escravos tam
bém
aumentou, embora, já então, a população nacional de escravos es-
tivesse um rápido declínio. (Ver Figuras 2 e 3.) Em 1874, os esc
ravos
de São Paulo, em número superior a 174 mil, uma população que
aumentara fenomenalmente desde 1864, só eram excedidos pelo
nú-
mero de escravos que havia no Rio de Janeiro e em Minas Ger
ais,
apesar de São Paulo, cerca de vinte anos antes, ter estado atrás
de
outras oito províncias, no que se refere a sua população escrav
a. 4º
Os perdedores de escravos foram a maioria das províncias do Nor-
deste, Goiás, Paraná e o Município Neutro, com as importantes pro-
víncias nordestinas de Pernambuco e Bahia tendo perdido uma pro-
porção espetacular (ver Tabela 3). Durante os dez anos seguin
tes,
com a população escrava do Império diminuindo quase vinte
por
cento, o número de escravos de São Paulo e de Minas Gerais
quase
não se alterou, visto que os mortos eram substituídos pelos migran-
76
tes forçados, necessários para abrir novas áreas do cultivo do café.
Em contraste, durante esses mesmos anos, a população escrava da
província do Rio de Janeiro, economicamente em declínio, dimi-
nuiu quase tão rapidamente quanto a média nacional. Em 1874, mais
de metade de todos os escravos do Brasil estavam localizados nas
quatro principais províncias da produção do café e apenas cerca de
um terço dos escravos estavam vivendo nas onze províncias do norte.
Dez anos mais tarde, quase dois terços dos escravos já se encontra-
vam nas quatro províncias do centro-sul e a porção da população
escrava nas onze províncias do norte fora reduzida para cerca de
um quarto do total.
População (milhares)
1.800 ' População (milhares)
330 — =
1,600]- Hi
|e
NACIONAL 300 |—
1,4004- -
1,2C0]- fada
|
60º oe a ao :N |
ir
Li; a N 100
400/- DU ça 4
PROVINCIAS DO NORDESTE ear
a
200-- a Ri S
77
passaram a ser um elemento quase insignifican
te na população total.
Entre 1855 e 1874, por exemplo, a população escrava
da província
a
de Paraíba diminuiu de um pouco mais de treze por
apenas sete cento para
por cento da população. Nesses mesmos anos, a po-
pulação escrava de Pernambuco caiu de um
pouco mais de 20 por
cento da população total (693.450 pessoas
livres e 145.000 escravos)
para pouco mais de doze por cento. “&
(Para proporções entre es-
cravos e popula ções livres nas províncias, em 1874, ver
Em comparação com o que estava aconte Tabela 2)
cendo nessas províncias do
norte, a mudança na proporção de escrav
os para as populações livres
na província do Rio de Janeiro não er
a tão surpreendente. Entre
1840 e 1874, a população livre do Rio
de Janeiro cresceu rapida-
mente de 183.200 para 456.850 pessoas,
mas a verdade é que, du-
rante esses mesmos anos, a população
escrava dessa província de
caté também se expandiu consideravel
mente, de 224.012 para
301.352. * Conforme a Tabela 2 indica,
em 1874, a população es-
crava em muitas das províncias do norte
e algumas do extremo sul
constituía uma percentagem relativamente
insignificante da popula-
ção total, enquanto, nas províncias produt
oras de café, era um fator
muito mais importante.
A relativa disposição das províncias do
norte para aceitarem
a emancipação (que começou sendo mani
festada na década de 1860
e ainda mais na década de 1880) resu
ltou não só de uma redução
no número de escravos nessas províncias
, mas também de um declí-
nio na “qualidade” relativa dos escravos do
norte. As mulheres, os
doentes, os não especializados e os idosos
tinham menos procura no
sul e, assim, ficaram nas suas regiões de
origem, enquanto os mais
produtivos eram exportados. As mães vi
am muitas vezes seus filhos
partirem, ficando com seus antigos dono
s. Um relatório britânico
sobre os escravos exportados de Pe
rnambuco em 1856 não oferecia
qualquer informação sobre a saúde ou
as especializações dos escra-
vos envolvidos, mas sugeria que a proporção
de mulheres para ho-
mens no tráfico interprovincial era mais ou
menos O mesmo do que
O fora no tráfico africano, aproximadame
nte dois homens para uma
* A população escrava da Paraíba caiu de
em 1874. Nesse mesmo período, sua popu
laçã
para 341.643. Exposição feita pelo Doutor Francisc
na qualidade de presidente da o Xavier Paes
de Abril de 1855 (Paraíba, 1855pr ovincia da Parahyba do Nort
), p. 18: Tabela 6. e. Em 16
*6 Cl ass B., From April 1, 1855, to March
é Relatorio do Presidente da Provin 31, 1856, p. 239.
ci
de 1840 a 1841 (2.º edição: Niterói, 1 a do Rio de Janeiro,
cultura, 30 de abril de 1885, p. 37
851). Relatorio d ni ge oiibpe ;
& O Ministério da Á gri-
78
mulher. Além disso, a mesma estatística sugeria que os idosos e os
muito jovens tinham menos procura do que os escravos de uma ida-
de mais produtiva, *º com isto sendo confirmado pelo número, invul-
garmente grande, de escravos de idade mais produtiva que havia
nas províncias do café durante a década de 1870. (Ver Mapa 4.)
Segundo o recenseamento de 1872, os escravos que havia em Minas
Gerais com idades entre onze e vinte anos excediam por mais de
30 mil os que tinham menos de onze anos, embora, num plano na-
cional, o grupo mais jovem excedesse o mais idoso por mais de
45 mil. *º |
A preferência pelos homens jovens e altamente produtivos nas
províncias do café é refletida claramente pela maioria de homens
nessa região durante um período (1851-1871) em que a reprodução
natural e o tráfico interno de escravos estavam criando uma pro-
porção mais normal entre homens e mulheres nas outras províncias.
O recenseamento de 1872 mostrou perfeitamente que a maior parte
do excesso de 100 mil homens sobre as mulheres estava concen-
trada nas quatro províncias do café, com os homens excedendo em
81 mil as mulheres nessas quatro províncias. 5º Em certos distritos
dentro da área do café, os homens excediam as mulheres em pro-
porções invulgarmente elevadas. Em São Paulo, como a Tabela 16
mostra, este predomínio de homens era característico tanto nas mais
antigas áreas de café no Vale do Paraíba e na zona central da
província de São Paulo quanto nos novos municípios de café, mais
a norte, onde o duro trabalho de abater florestas virgens e de esta-
belecer novas fazendas já havia resultado numa margem particular-
mente grande de predomínio de homens durante a década de 1870.
Em 1884, os escravos do sexo masculino nas quatro províncias cen-
trais produtoras de café (ver Tabela 4) representavam cerca de 55
por cento de sua população escrava total, ainda excedendo as mu-
lheres em 70 mil. Nesse ano, por outro lado, as escravas já excediam
os homens em mais de 12 por cento nas onze províncias do norte,
embora, no Império, como um todo, as mulheres ainda fossem meros
de 48 por cento da população cativa. (Ver Figura 5.)
79
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Evidentemente, os escravos mais produtivos também estavam
concentrados nas províncias do centro-sul. O Brasil era “um país
essencialmente agrícola”, afirmavam repetidamente
os defensores da
escravatura, mas a verdade é que, na década de 1870,
isso já não
era um argumento muito convincente para conservar a escravatura
em grandes áreas do país. Em sete das maiores divisõ
es políticas do
Impé rio (Paraná, Alagoas, Rio Grande do Norte, Pia
uí, o Município
Neutro, Amazonas e Ceará) os criados e os diaris
tas eram em maior
número do que os trabalhadores agrícolas (ver
Tabela 20). Em con-
traste, quase 62 por cento da população escrava
total das quatro
províncias do café, incluindo os velhos, as mulheres
e os muito jo-
vens, eram classificados como trabalhadores agrícolas,
enquanto ape-
Oe
nas I4 por cento dos escravos nessas províncias
——
eram criados ou
diaristas. Quando contrastamos os aproximadamente 170 mil
escra-
vos das províncias nordestinas que eram trabalhadores agríco
las com
as 3.750.000 pessoas registradas como residentes nessas mesmas pro-
víncias, a pequena importância da escravatura para a agricultu
ra
da maioria do Nordeste torna-se aparente. Por outro lado, os 52
1.879
trabalhadores agrícolas nas províncias do café (excluindo o Muni
cípio Neutro) eram um fator mais formidável quando comparados
com as 2.839.519 pessoas livres das mesmas províncias. Apresen-
tando estes fatos de outro modo, a província de Minas Gerais só
por si (ver Tabela 20 e Mapa 1) continha quase tantos trabalhadores
agrícolas (278.767) quanto as dezesseis províncias fora da região do
“café, conjuntamente (284.757). Além disso, se recordarmos que
os
escravos nas províncias do café estavam concentrados, na sua maio
r
parto, num número relativamente pequeno de municípios nessas pro
-
víncias, torna-se aparente que, nas décadas de 1870 e 1880, o valor
«dos escravos não estava disperso por todo o país, mas que se
con-
-centrava em poucos áreas. A propriedade, é claro, também estava
grandemente concentrada. Em 1883, por exemplo, cerca de um em
cada 762 escravos do Brasil era de propriedade do Conde de No
va
Friburgo, um rico plantador de café da província do
Rio de Ja-
neiro. 51
A conclusão a extrair desta abundância de fat
os e estatísticas
é que a elite agrícola de certas províncias, particul
armente do norte
e do oeste, tinha menos razões do que
os fazendeiros de Minas Ge-
ais, Rio de Janeiro e São Paulo ou até me
smo do Espírito Santo
S1 Van Delden Laérne, Brazil and Java, páginas 339.3
de vida extraordinariamente luxuoso do Conde, ver aa Rabo o modo
mento servil — a abolição”, Terceiro
de Janeiro, 1941), Congresso de História
IV, 124-125, N dê
acio nal E (Rio
ce j
52
O desafio, na realidade, veio em parte das regiões que ti
nham per-
dido grande parte de seus trabalhadores para o sul
e haviam sido
obrigadas, como resultado disso, a efetuarem uma transi
ção prema-
tura para um sistema de trabalho livre.
REAÇÕES POLÍTICAS
63
pelo mesmo deputado baiano, João Mauricio Wanderley, o futuro
Barão de Cotegipe. Tendo a intenção de proibir o comércio inter-
provincial de escravos por infração da lei antitráfico de escravos de
4 de setembro de 1850, este projeto levantou um debate na Câmara
que revelou que um conflito de interesses já se desenvolvera, em
1854, entre os fazendeiros do norte e os do sul. 54
O projeto de lei de Wanderley foi defendido por deputados de
Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Bahia, todas elas províncias que
estavam perdendo escravos para o sul, mas foi oposto fortemente por
José Inácio Silveira da Mota, de São Paulo, uma província impor-
tadora. Os principais argumentos de Silveira da Mota foram de or-
dem econômica. O valor dos escravos variava de província para pro-
víncia, disse ele, pelo fato de os escravos usados na produção de
café ganharem mais para seus senhores do que os escravos empre-
gados no cultivo da cana-de-açúcar. Negar o direito de um proprie-
tário a mover seus escravos em resposta a este fato econômico seria
negar seu direito a esta diferença de valor — uma violação dos di-
reitos de propriedade. Silveira da Mota advertiu de que a proibição
do tráfico interno criaria um novo tráfico ilegal de escravos, sim-
plesmente porque os escravos continuariam a ser mais valiosos nas
regiões onde o café era produzido. 55
O projeto de lei de Wanderley foi recebido calorosamente pelo
Deputado Araújo Lima, da província de Alagoas, cujas declarações
revelaram claramente seu propósito. Este deputado falou amarga-
mente sobre o despovoamento e a deterioração econômica do norte,
insinuando que os compradores do sul tinham elevado os preços dos
escravos de modo a estes ficarem fora do alcance dos plantadores
de cana-de-açúcar e advertiu de que a região que ele representava
estava “ameaçada de ruína, de perfeita decadência”. O despovoamento
e o declínio de uma parte do Império, afirmou ele, criaria “graves
males” para toda a nação, incluindo o próspero sul. Não seria a pros-
peridade da região do café comprometida se a maioria dos escravos
lá se concentrassem? “Ficai certos,” disse o deputado, “de que fereis
interesses oppostos, províncias de escravos, provincias sem escravos,
tereis o antagonismo, as lutas que se dão por este motivo na Ame-
64
rica do Norte, que têm posto em tão imminente perigo a União
Americana.” 96
Em defesa de seu próprio projeto, Wanderley argumentou que
os fazendeiros do norte não podiam competir com os das províncias
do sul na aquisição de trabalhadores. Quase nenhum dos plantadores
dó norte se desfizera ainda de seus escravos, “porque perderião os
capitais fixos empregados na cultura”. Contudo, uma pesada mor-
talidade anual de pelo menos cinco por cento forçaria os plantado-
res do norte a comprarem escravos urbanos ou os de fazendas me-
nores, cujo trabalho poderia ser realizado por homens livres. Se,
porém, essas fontes de escravos fossem perdidas para os compradores
do sul, o norte depressa seria “reduzido a criadores de bois”! Tal
como seu colega de Alagoas, Wanderley advertiu sobre uma desas-
trosa divisão regional de interesses:
ó5
ménto antiescravatura no Brasil tinham alertado este antigo depu- ||
tado de São Paulo, já então representando Goiás no
Senado, para |
Os perigos inerentes a um conflito de interesses regionais.
No começo da década de 1860, já era demasiado
tarde para deter
o processo. Às provas de mudanças econômicas import
antes e irre-
versíveis no norte já eram evidentes, sendo confirmada
—
s pelo recen-
E
seamento nacional de 1872. Pouco depois da Guer
ra Civil dos Es- |
tados Unidos ter sido desencadeada, um deputado da provín
cia nor- |
destin a de Alagoas, Aureliano Cândido Tavares Bastos, come
çou pu-
blicando artigos no jornal liberal do Rio, Correio Mercantil, sob o
pseudônimo de Solitário. Estas Cartas do Solitário
incluíam vários
estudos da escravatura brasileira que refletiam uma pr
eocupação sin-
cera no que se referia à terrível situação dos escrav
os e uma com- |
preensão esclarecida dos interesses de seus constituintes do nor
te. O
tráfico interprovincial de escravos era prejudicial aos in
teresses agrí-
colas do norte, afirmou Tavares Bastos, mas seria reco
nhecido, em
última análise, como benéfico para essa região e prejudic
ial para o
sul. Suas consegiiências morais e a revolução econômica que
pro-
vocara já eram evidentes. Em Pernambuco, na Paraíba e no Rio
Grande do Norte, já havia homens livres encontrando emprego re- |
munerado nas plantações de cana-de-açúcar, enquanto, no Ceará,
já se verificava uma transformação semelhante na sua nova indús-
tria do café. Nas províncias do norte, o trabalho livre já fora con
-
siderado mais produtivo do que o realizado pelos escravos. Apesar
das epidemias de cólera e da perda de trabalhadores para o sul, a
agricultura nordestina fora melhorada, com arados e motores a va
por
sendo introduzidos, e, em certas regiões, o senhor de engenho já se
transformara num mero processador das safras de açúcar, plan
tadas
por rendeiros livres. 5º
Em 1863, este político e economista nordestino, um dos primei-
ros abolicionistas, estava convencido de que a escravatura já
não
era indispensável, pelo menos em certas partes do Império. Para
apressar seu fim e aliviar a escassez da mão-de-obra
rural, propôs
uma série de reformas que incluíam a emancipação de todos os
es-
cravos em certas províncias selecionadas com base nas suas
peque-
66
nas populações cativas. Estas eram províncias do norte, especi
fica-
mente o Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Pe
rnam-
buco, cuja população escrava fora reduzida, em grande
parte devido
ao tráfico interprovincial de escravos. %º Conforme as próprias opi-
niões de Tavares Bastos sugeriram, o norte, já menos compromissa-
do com a escravatura, viria a ser visivelmente mais receptivo a me-
didas cujo resultado desejado era uma eliminação gradual do
siste-
ma de escravos, o que, pouco depois, seria recomendado à nação
pelo próprio Imperador.
67
A última guerra dos Estados Unidos...
repercutiu no Império como um imenso e medonho trovão;
era a voz de Deus, falando pela boca dos canhões,
que nos avisava de que era chegado o derradeiro
dia dessa bárbara
e fatal instituição...
A
ORIGEM DO
EMANCIPACIONISMO
EMANCIPACIONISMO IMPERIAL
69
uma tal instituição no seu país e o partido liberal, agora no poder.
confessou que ela era incompatível com seus princípios políticos.”
Os acontecimentos nos Estados Unidos tinham “inspirado no Brasil
um sentimento de isolamento e de vergonha pelo fato de ser o últi-
mo país no continente a limpar uma tal mancha das suas institui-
ções e estão produzindo uma pressão moral a que seu Governo terá
dificuldade em resistir.” 2 O Brasil, escreveu Perdigão Malheiro não
muito depois na sua obra monumental sobre a escravidão, não po-
deria resistir à corrente da opinião mundial sobre a questão da escra-
vatura. A resistência era impossível e seria até do maior perigo.3
O próprio Imperador, talvez depois de prolongada meditação
sobre as dificuldades e os riscos envolvidos, tomou a decisão de agir
contra a escravatura — e Dom Pedro constituiu de longe a mais
importante influência singular na aprovação da lei da reforma da
escravatura de 1871. Seu poder para responder à opinião mundial,
entretanto, não era ilimitado, pois a classe dos fazendeiros, que eram
aqueles que mais se beneficiavam da escravatura, encontrava-se na
base do sistema político brasileiro e só com o apoio dessa classe ou
com o consentimento passivo de alguns de seus setores é que qual-
quer reforma poderia ser adotada e realizada.
Desafiar a escravatura era um terrível empreendimento, até mes-
mo para um Imperador, numa sociedade ainda dominada por po-
tentados rurais. O que era preciso era uma mudança no sistema da
escravidão suficientemente importante para satisfazer os críticos es-
trangeiros e nacionais sem excessiva ofensa imediata ou prejuízo
para os poderosos da nação. Como resultado disto, a solução que o
cauteloso e estudioso Dom Pedro e seus conselheiros adotaram e, de-
pois de anos de esforços e hesitações, conseguiram forçar na Assem-
bléia Geral, foi moderada, mas muito importante: a libertação das
90
crianças recém-nascidas de escravas. Este “método muito justo e mais
gradual”, conforme um liberal preeminente, José Antônio Saraiva,
o caracterizou para o Ministro Britânico em 1865, “conteria um
grau de consideração para com os direitos de propriedade e encon-
traria um mínimo de oposição por parte dos atuais proprietários de
escravos.” £
Contudo, até mesmo esta solução moderada, que Lincoln havia
proposto para Delaware em 1861 e que fora rejeitada pela legisla-
tura desse estado no mesmo ano, dificilmente teria sido imposta no
Brasil se não fosse a cooperação das províncias do norte e de seus
representantes na Assembléia Geral, os quais, como veremos, apro-
varam a reforma contra a vontade conjunta das províncias produ-
toras de café. A verdade é que, na década de 1860, ainda não havia
qualquer onda irrepressível de sentimento emancipacionista entre a
elite agrícola em qualquer parte do Brasil ou mesmo entre a popu-
lação em geral. Havia, no entanto, uma disposição maior em quase
todas as províncias fora da região do café (que se aproximava do
entusiasmo entre alguns fazendeiros e políticos de Pernambuco)
para ceder ante a vontade do Imperador e a opinião mundial no
sentido de aceitar uma legislação cuidadosamente planejada para
preparar para o inevitável, embora prejudicando o menos possível os
interesses estabelecidos. Conforme um erudito brasileiro afirmou re-
centemente, a resistência à reforma concentrava-se nas províncias do
centro-sul, “enquanto para o Norte-Nordeste, progressivamente ex-
portador (de escravos), um programa que afetava apenas remota-
mente o volume da força de trabalho, parecerá menos crucial.” 5
Sendo um homem de reputação liberal fora de seu Império,
Dom Pedro II identificara-se cuidadosamente com a emancipação
desde a década de 1850 e, assim, quando pessoas em altos cargos
começaram falando em favor da emancipação no auge da Guerra
Civil norte-americana, poucos foram os brasileiros informados que
não pensaram que o Imperador estava envolvido nesse movimento. €
91
Em setembro de 1863, quando Dom Pedro já tivera quase nove
meses para ponderar o significado do Caso Christie e a Proclama-
ção da Emancipação, um advogado preeminente com relações ínti-
mas com a Coroa propôs publicamente a solução para a questão da
escravatura que não tardaria a ser adotada pelo governo. “A eman-
cipação do ventre”, disse Perdigão Malheiro, advogado do Conselho
de Estado e pajem da Casa Imperial, era a melhor solução para o
problema da escravatura. A nova geração seria livre, afirmou ele
numa reunião do prestigioso Instituto dos Advogados, enquanto os
escravos existentes continuariam servindo seus senhores “até que
pela morte e pelas manumissões regulares se extinguisse esse cancro
O
da sociedade brasileira.” O escravo era uma forma especial de pro-
TOO TTT——————
priedade, “tolerada pela lei civil por motivos especiais”, acrescentou
elo, mas essa mesma lei poderia ser modificada ou até extinta, em
TST
obediência “nisto, à lei mais poderosa do Autor da Natureza”. Difi-
E
cilmente uma voz mais autorizada poderia ser escutada sobre uma
questão legal no Brasil e os brasileiros informados devem ter sus-
peitado de que Perdigão Malheiro fizera esta franca declaração a
pedido do Imperador ou, pelo menos, com a aprovação tácita de
Dom Pedro. ? Nesse mesmo ano, além do mais, Perdigão Malheiro
começou escrevendo seu admirável estudo sobre a escravatura no
Brasil, a ser publicado em três volumes em 1866 e 1867 pela Impren-
sa Nacional.
93
não representou um papel dominante em fazer com
que Dom Pedro
decidisse agir. Com as relações sendo restabelecidas, o Foreign
O ffice
ordenou a Thornton que averiguasse sobre um possível refloresci-
mento do tráfico de escravos, sobre o estado dos escravos e dos
eman-
cipados e, ainda, sobre quaisquer tentativas para adqu
irir novos tra-
balhadores através da imigração, mas esse Ministro também foi in-
formado de que “não era desejo do Governo de Sua
Majestade que
entrasse no reatamento de Relações Diplomáticas com
o Brasil, em
quaisquer assuntos da antiga controvérsia relacionados
com a ques-
tão”. Thornton, por sua vez, aconselhou se
u governo em Dezembro
de 18 65:
94
Tendo decretado, em 1864, a libertação há muito devida dos eman-
cipados, decidiu também, em junho do ano seguinte, acabar com
o uso do chicote nos escravos condenados a trabalhos forçados, como
sendo uma violação do Artigo 179 da Constituição, que proibia o
chicote e todos os castigos cruéis e, no início de 1866, o governo
baniu o emprego de escravos em obras governamentais. Mais tarde,
nesse mesmo ano, Dom Pedro revelou de novo sua simpatia pela
emancipação ao conceder ao prior do mosteiro de São Bento uma
caixa de rapé de diamantes como seu apreço pela decisão do monge
de libertar todas as crianças de escravas da propriedade do mostei-
ro. Os beneditinos, donos de cerca de 2 mil escravos, eram muito
influentes e esperava-se que seu exemplo fosse seguido por outras
ordens religiosas e até mesmo por particulares. 14
Pouco depois, a nação recebeu provas ainda mais chocantes da
determinação de Dom Pedro em agir. Em julho de 1866, uma pres-
tigiosa sociedade abolicionista de Paris (o Comité pour I' Abolition
de VEsclavage) pediu ao Imperador que usasse seu poder e prestígio
para abolir a escravatura brasileira. Sem dúvida para surpresa e
desilusão dos proprietários de escravos, a resposta oficial do governo
insinuava que o novo gabinete de Zacarias de Góis estava forte-
mente interessado em acabar com a escravatura, embora a liberta-
ção dos escravos não pudesse ser obtida de uma só vez. A emanci-
pação no Brasil, escreveu o Ministro dos Assuntos Estrangeiros em
nome do Imperador, “não passa de uma questão de forma e de oppor-
tunidade.” Quando as circunstâncias o permitissem, o governo con-
sideraria a abolição como um assunto da maior importância. 1: Des-
ta declaração, depreendia-se que o obstáculo à emancipação era a
guerra com o Paraguai e que o governo estava determinado a agir
depois da conclusão dessa luta.
Tanto o esforço de guerra quanto a emancipação dos escravos
foram alvo de um benefício por um decreto de novembro de 1866
concedendo a liberdade aos escravos de propriedade do governo
que quisessem servir no exército. Os proprietários particulares e as
ordens religiosas, especialmente as carmelitas e os beneditinos, que
se calculava possuírem, em conjunto e em diversas províncias, um
total de cerca de quatro mil escravos, foram fortemente pressiona-
95
dos para seguirem o exemplo do governo e o próprio Imperador Nbers.
tou 190 de seus escravos para serviço no Paraguai. 1º Durante essa
longa guerra, na realidade, cerca de vinte mil pessoas (incluin
do as
mulheres dos soldados libertados) encontraram seu caminho para a
liberdade como um resultado de alistamento voluntário ou pela
subs-
tituição de seus donos na Guarda Nacional; o governo chegou mes-
mo a conceder títulos de nobreza a proprietários que forn
eciam es-
cravos para serviço no exército. Ainda não satisfeito
com o volume
do recrutamento, Dom Pedro ofereceu, em 1867, 100 contos
(ao tem-
po, cerca de 10 mil libras) de sua própria fortuna para
comprar a
liberdade de escravos que fossem lutar na guerra contra o Para
guai.”
Apesar do sangrento conflito, por certo, o preocupasse mais do
que a questão dos escravos, Dom Pedro continuou associ
ando-se
com o emancipacionismo. Em fevereiro de 1867, talvez por
sua ins-
tigação, Zacarias de Góis apresentou o projeto de reforma
do gover-
no, preparado no ano anterior pelo Visconde de São Vicent
e, e vá-
rias outras reformas relacionadas com a escravatura ao Cons
elho de
Estado, para sua consideração. Estas propostas incluíam, agora,
além
das medidas originais esbocadas pelo Visconde, a completa aboliç
ão
da escravatura com compensação total para os proprietários no
últi-
mo dia do século xrx, uma proposta que, inevitavelmente, causaria
receio e hostilidade. As perguntas formuladas ao Conselho de Esta-
do eram corajosas e muito diretas: “Seria desejável abolir direta-
mente a escravatura e, se assim fosse, quando e com que salva-
guardas?” 18
O Conselho de Estado, reunindo-se com o Imperador no início
de abril de 1867, refletiu o alarme dos fazendeiros. Pressionados
pelo monarca, os conselheiros, na sua maioria, concederam a neces-
sidade de uma reforma, mas manifestaram-se contra qualquer pre-
cipitação, advertindo do perigo de desordens públicas, guerras ra-
pe. —
96
ciais, a escassez de mão-de-obra e grandes prejuízos para a econo-
mia. A abolição imediata, disse Nabuco de Araújo, pai do futuro
abolicionista Joaquim Nabuco, “precipitaria o Brazil em um abysmo
profundo e infinito.” Pelo menos meio milhão de pessoas seriam per-
didas para o força do trabalho nacional. Alguns escravos libertados
trabalhariam por salários, mas muitos outros tornar-se-iam vagabun-
dos ou iriam para as cidades, com suas mulheres passando a dedi-
car-se a tarefas domésticas.
- A maioria dos membros do Conselho aceitou o conceito de nas-
cimento livre como um passo para a emancipação, mas houve muitos
que o fizeram com relutância. O Visconde de Abaeté, por exemplo,
estava disposto a aceitar a reforma, mas não antes da Espanha. O
Visconde de Rio Branco — líder parlamentar do movimento eman-
cipacionista apenas quatro anos mais tarde — vaticinou que a liber-
tação dos recém-nascidos causaria perturbação nas fazendas, uma es-
cassez de crédito e uma diminuição da produção, mas manifestou
a opinião da maioria do Conselho, contudo, devido à pressão direta
do Imperador. O governo, pensava ele, devia preparar sua reforma
de maneira a ela poder entrar em vigor depois da guerra com o
Paraguai, quando houvesse forças militares disponíveis para enfren-
tar a inevitável ameaça à ordem pública. 1º
Não houve qualquer divisão regional definida no Conselho de
Estado quanto ao tópico debatido, mas os três membros mais clara-
mente emancipacionistas tinham ligações com províncias do norte.
O liberal Francisco de Montezuma (Visconde de Jequitinhonha), da
Bahia, favorecia fortemente a libertação imediata dos recém-nasci-
dos. 2º Souza Franco, do Pará, era “francamente emancipador”, de-
sejando estabelecer uma data para a eliminação da escravatura. 2!
E, finalmente, foi José Tomás Nabuco de Araújo, representando a
Bahia, que apresentou os argumentos e imaginou as propostas que
vieram a receber aceitação geral em 1871.
96
do estado e problemas estrangeiros, ousara fazer valer sua autori-
dade em desafio aos interesses da classe dos fazendeiros, mas tam-
bém tivera a precaução de explicar seus objetivos e de tranqúilizar
os proprietários de escravos no sentido de que não tinha a intenção
de impor soluções demasiado rápidas. Pouco depois desta mensagem
histórica, a imprensa do governo publicava o terceiro volume de
A escravidão no Brasil, de Perdigão Malheiro, contendo recomenda-
ções para a reforma da escravatura quase idênticas às propostas por
São Vicente e Nabuco de Araújo e debatidas no Conselho de Esta-
do. O Brasil teria a emancipação, escreveu Perdigão Malheiro no
seu capítulo final, mas ela não seria brusca e imprudente. O tesouro
não teria o fardo da indenização devida por uma emancipação ime-
diata. A imigração seria promovida. O Brasil deveria preparar-se
para um futuro digno do século e do respeito do mundo, mas deve-
ria, também, progredir com moderação e com consideração pela
ordem estabelecida. 26
Apesar da atitude cautelosa do governo para com a reforma,
os proprietários de escravos ficaram alarmados. Os jornais e os polí-
ticos conservaram-se quase silenciosos, mas os fazendeiros não tar-
daram a dar a conhecer sua amargura e oposição a seus associados
de negócios nas cidades a fim de consolidar a oposição rural-urbana. 27
A crescente reação contra as políticas do governo revelou-se em dois
artigos publicados no Correio Mercantil pouco depois da Fala do
Trono do Imperador. Na segunda destas “Cartas de um Cego”, um
autor anônimo criticava O regime por sua resposta à sociedade abo-
licionista francesa, advertia contra a interferência governamental na
questão da escravatura e atacava o Imperador por sua intervenção
pessoal. A resposta do governo à sociedade francesa fora “temerária,
porque despertou esperanças exageradas sem definir as promessas...”
Os valores referentes à propriedade haviam caído e os escravos co-
meçavam tendo pensamentos aventurosos. ?º A escravidão era um
erro, uma limitação contra a natureza, disse este irado autor, mas
99
era “um erro, uma violência, sanccionados, tolerados e legalizados”.
“O governo”, advertiu ele, “não conhece o perigo que corre, pondo-
se à frente da ideia, como apostolo.” 2º
Apesar de tais críticas, Dom Pedro continuou seguindo seu cur-
so emancipacionista durante mais um ano, tentando cautelosamente
acomodar as irreconciliáveis aspirações de um crescente movimento
emancipacionista e da opinião estrangeira com as exigências da agri-
cultura brasileira. Na questão da escravatura, Dom Pedro foi, de
fato, uma figura central, por vezes recomendando medidas progressi-
vas, mas evitando qualquer ação demasiado rápida, chegando mes-
mo, ocasionalmente, a abandonar sua posição emancipacionista em
favor de outras considerações. A 3 de maio de 1868, por exemplo,
em ouíra Fala Co Trono, informou à nação de que a questão da
escravatura fora objeto de um “assíduo estudo” e de que uma pro-
posta seria submetida à Assembléia, para sua consideração, “opor-
tunamente”. *º Pouco depois, contudo, a guerra com o Paraguai, que
já justificara o adiamento da reforma da escravatura por mais de
dois anos, motivou Dom Pedro para ações que implicavam um quase
abandono de sua política de emancipação. Enfrentando uma dispu-
ta sem solução entre seu Primeiro Ministro, o liberal Zacarias de
Góis, e o comandante das forças armadas no Paraguai, o Duque
de Caxias, Dom Pedro decidiu, em julho, aceitar a demissão de Za-
carias e pedir a um conservador que formasse um gabinete. 3! Esta
decisão arbitrária, mas legal, enraiveceu os liberais, que detinham
a maioria na Câmara, e foi tomada como uma ofensa ao crescente
número de pessoas que simpatizavam com o emancipacionismo.
Enquanto Zacarias estava comprometido com as propostas do gover-
no, o novo gabinete, por seu lado, identificava-se com a oposição à
reforma da escravatura. Com um tal governo no poder, não era
provável que um projeto de lei emancipacionista alcançasse a Câma-
ra dos Deputados. A Câmara liberal, na realidade, foi dissolvida
em 20 de julho e, em eleições subsegiientes, foi substituída por uma
Câmara composta quase unanimente por membros do Partido Con-
servador.
100
EMANCIPACIONISMO POPULAR
I0T
mente pela compra de seus escravos. Em contrapartida, os distri-
tos do sul da Bahia e as províncias do Rio de Janeiro e de São
Paulo estavam mantendo a instituição “com uma teimosia típica
da Carolina do Sul.” 33
O inexperiente movimento emancipacionista da década de 1860,
que viria a surgir de novo, já mais sólido, na década de 1880, pro-
duziu uma série de textos polêmicos na forma de projetos, artigos e
livros, alguns deles aparentemente instigados pela Coroa, mas outros
refletindo as opiniões de reformadores independentes. Tais publica-
ções incluíam frequentemente propostas para reforma ou mesmo para
a eventual eliminação da escravatura; Tavares Bastos resumiu essas
propostas em 1865 numa carta à Sociedade Anti-Escravatura da
Grã-Bretanha. As propostas mais comuns apresentadas subitamente
ao país, após muitos anos de apatia, não pediam a abolição da es-
cravatura, mas recomendavam a proibição da venda pública de escra-
vos ou a separação das famílias escravas, a libertação de cativos
de propriedade do governo, do clero ou de estrangeiros, além da abo-
lição do tráfico interprovincial de escravos. Estas medidas e outras
semelhantes tinham a intenção, talvez, de tornar a escravatura me-
nos ofensiva no que se referia aos estrangeiros, de deter a perda
de escravos pelas províncias do norte e de concentrar as populações
escravas nas plantações, onde ela era mais necessária. Outras pro-
postas, apresentadas à nação mesmo antes de o Imperador e seus
conselheiros terem revelado seu próprio plano de reforma, tinham
por objetivo acabar com a escravatura ainda durante a vida de ge-
rações existentes, fosse pela libertação dos recém-nascidos ou, então.
pelo estabelecimento de uma data final (geralmente, de trinta a cin-
quenta anos no futuro). 34
Algumas das sugestões eram mais radicais. Apenas uma semana
depois da rendição de Lee em Appomattox, por exemplo, o já idoso
Francisco de Montezuma, da Bahia, propôs ao Senado a abolição
total da escravatura dentro dos próximos quinze anos e, pouco de-
pois disso, este membro do Conselho de Estado do Imperador pu-
blicou uma série de artigos propondo a emancipação sem indeniza-
ção. *%º Em contraste, um autor do Maranhão, consciente de que
a
88 Codman, Ten Months in Brazil, páginas 154-155, 184.
84 Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 356-361. Tavares Bastos
a essas propostas a abolição gradual por província acrescentou
s, começando pelas que
tivessem fronteiras com territórios estran Selros e
aqueles onde o trabalho
livre já fora adotado em grande escala » repetindo,
apresentara em Cartas do Solitário.
assim, as propostas que
Sb Evaristo de Moraes, 4 lei do Ventre Liv i
p. 8; Perdigão Malheiro, 4 escravidão, II, 101. nu Janeiro, 1917),
102
guerra nos Estados Unidos desfechara um golpe fatal
na escravatura
brasileira, defendeu abertamente uma nova forma de servidão
que
tinha a importante vantagem de impedir a venda dos trabalhad
ores
do Maranhão aos plantadores de café do sul A escravatura já aca-
bara, acreditava ele, mas os escravos não tinham instrução e a von-
tade de trabalhar, exceto quando levados pelo medo do chicote. Sua
solução para este dilema seria uma lei declarando que os escravos
brasileiros eram servos do solo (escravos da gleba), com sua venda
sendo proibida. Assim, os descendentes “livres” dos escravos brasi-
leiros ficariam sujeitos a seus antigos donos como colonos que lhes
pagassem tributo, “pela sua incapacidade de dirigirem-se por si
mesmos.” 36
Um apoio generalizado à reforma da escravatura, inspirado nos
brasileiros em parte pela liderança do Imperador, tornou inaceitável
sua inversão de política em 1868. É provável que, desde 1848, ne-
nhuma crise política tivesse levantado tantas críticas contra o monar-
ca e o sistema imperial, vindas, agora, de uma nova força na socie-
dade brasileira: um liberalismo renovado e identificado com refor-
mas democráticas, incluindo a libertação dos escravos. A destituição
do gabinete liberal e a nomeação de um ministério conservador pelo
Imperador despertou fortes sentimentos reformistas entre estudantes,
escritores, políticos liberais e uma parte da população urbana in-
formada.
Foi Nabuco de Araújo quem, em 1868, se colocou à cabeça da
oposição ao ministério conservador, defendendo a causa do eman-
cipacionismo. Num discurso no Senado, feito no dia seguinte ao do
golpe imperial, Nabuco denunciou a escolha pelo Imperador do
Visconde de Itaboraí, um idoso líder conservador, para chefiar o
novo gabinete. Tal como a escravatura, reconheceu ele, o ministé-
rio era legal. O Imperador possuía o direito para nomear e demitir
ministros do estado. Todavia, também como a escravatura, a legiti-
midade do ato do Imperador estava aberta a debate. A escravatura,
disse Nabuco de Araújo, era “um fato autorizado por lei”, mas era
“yum fato condenado pela lei divina... pela civilização... pelo mun-
do inteiro.” 37 O discurso de Nabuco foi um arrojado ataque aos
poderes constitucionais do Imperador e à instituição da escravatura
por um dos mais respeitados estadistas brasileiros.
103
F
J04
particularmente nas Faculdades de Direito de Recife e São Paulo.
Em 1865, um estudante de dezoito anos, da Faculdade de Direito
do Recife, Antônio de Castro Alves, já celebrava em verso a liber-
tação dos escravos na América do Norte, insistindo para que os
brasileiros seguissem o seu exemplo. Pouco depois, o jovem nordes-
tino começou descrevendo o sofrimento e os infortúnios pessoais de
escravos romantizados, lamentando o destino de uma jovem vendida
para província distante ou o de uma escrava com saudades da Áfri-
ca. 4 Depressa se tornando famoso, o jovem poeta juntou-se a uma
sociedade emancipacionista do Recife, que incluía entre seus mem-
bros o estudante de direito Rui Barbosa. Em Recife, Castro Alves
escreveu um drama antiescravatura, Gonzaga, * que foi recebido
com um entusiasmo público que já anunciava as “meetings” aboli-
cionistas que, alguns anos mais tarde, seriam realizadas regularmente
no Rio e em outras cidades brasileiras.
Em 1868, Castro Alves inscreveu-se na Faculdade de Direito de
São Paulo, onde se juntou com Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e
outros estudantes que já haviam manifestado suas opiniões anfti-
escravatura. Os jovens liberais, cada um deles um líder por si pró-
prio, eram conduzidos e inspirados pelo poeta e professor José Bo-
nifácio de Andrada e Silva, neto e homônimo do líder da indepen-
dência. ** Todavia, o abolicionismo da Academia de São Paulo, que
atraía estudantes de todo o país e até do estrangeiro, não refletia
as atitudes dos principais cidadãos, políticos e proprietários de São
Paulo. Um “corpo estranho” no coração de uma comunidade de
plantadores em que a defesa da escravatura crescia em importância
no final da década de 1860, a Faculdade. de Direito era um centro
de fermento intelectual “sempre pronto (segundo Richard M. Morse)
a perturbar os estreitos padrões da vida provincial”; a introduzir
“idéias e paixões políticas que transcendiam as questões locais...” “£
Foi neste ambiente acadêmico, cercado por uma população reprova-
dora, que Castro Alves escreveu e recitou seu poema O Navio Ne-
greiro, “sonho dantesco” de um navio negreiro carregado de homens
e mulheres dançando ao estalar ameaçador do chicote.
A queda do gabinete liberal em 16 de julho de 1868 radicalizou
os jovens liberais da Faculdade de Direito de São Paulo, já compro-
J05
missados, como estavam, com o emancipacionismo. Juntando forças
com oponentes mais idosos da escravatura, criaram o Clube Radical
e uma voz jornalística, O Radical Paulistano, com um time editorial
que incluía Rui Barbosa e o poeta, advogado e antigo escravo Luiz
Gama. ** Apoiando todo o programa do Centro Liberal, O Radical
Paulistano era um equivalente acadêmico do jornal 4 Rejorma de
Nabuco de Araújo. Num ensaio publicado no seu primeiro número,
os editores deste novo jornal afirmavam que seriam essenciais refor-
mas decisivas para que a catástrofe fosse evitada. “Só uma política
radical, verdadeiramente definida, que tenha em sua bandeira as ur-
gentes reformas, pelas quais o país já não pode esperar,
conseguirá
nos salvar, abortando o grande cataclisma, que para nós caminh
a
a passos precipitados,” afirmava o novo jornal no mesmo estilo alar
-
mista usado antes pelo 4 Reforma. 4º Nesse jornal radical e em con
-
ferências públicas, os membros da recentement e formada loja “Amé
-
Tica” * dirigiram sua ira contra o sistema imperial, culpan
do-o pela
perigosa condição da nação e pela deserção do governo no que
se
referia ao programa emancipacionista. Que estava o gov
erno fazen-
do, perguntava o entusiástico e ainda juvenil Rui Barbos
a num
artigo publicado em 1869, face a uma revolução social iminente?
O governo desertara a causa da emancipação, afirmava ele, enq
uan-
to as províncias erguiam a bandeira da liberdade. Só um sistem
a
federativo, só a iniciativa provincial e a emancipação poderiam rea-
bilitar a nação. A abolição da escravatura estava próxima, con
cluía,
fosse esse ou não o desejo do governo. * Pela primeira vez na
his-
tória do Brasil, na realidade, surgira um verdadeiro movimento ant
i-
escravatura e, em 1870, já havia muitos indícios de ativid
ade sem
precedentes: a proliferação de clubes emancipacionistas, o início do
jornalismo antiescravista e fregiientes reuniões antiescra
vagistas. 48
A situação desenvolvera-se a um ponto, na verdade, em que
a ne-
cessidade para deter o crescente radicalismo veio a ser
um impor-
tante argumento para a reforma em 1870 e 1871.
107
encarregado do caso poderia conceder-lhes certidões de emanci-
pação. º0
Com o fim de Guerra do Paraguai à vista, em 12 de setembro,
o Governo Imperial deu mais provas de seus objetivos emancipa-
cionistas. No seu quartel-general em Asunción, o Conde d'Eu, genro
do Imperador e comandante das forças armadas brasileiras no Pa-
raguai, incitou o governo provisório do Paraguai a abolir a escrava-
tura nesse país, uma tarefa fácil que foi realizada quase imediata-
mente. O jovem comandante tinha a consciência, obviamente, de
que a libertação de uns poucos escravos paraguaios, se é que havia
ainda alguns escravos depois de cinco anos de guerra e de uma
extraordinária perda de população, não seria o mais importante re-
sultado de sua ação. Não só tinha por intenção apaziguar os movi-
mentos brasileiro e internacional antiescravatura, como também
obrigaria o governo brasileiro a tomar uma medida semelhante no
território nacional. 51
Em março de 1870, com a morte do presidente paraguaio, Fran-
cisco Solano López, a guerra terminou e, com sua conclusão, os
pensamentos dos brasileiros voltaram-se para a promessa do governo
no sentido de se dedicar à causa da emancipação. Na abertura da
nova sessão legislativa, em maio, vários membros da Assembléia re-
cordaram ao governo esse seu compromisso. Um dos resultados da
guerra, contudo, fora a implantação de um ministério conservador
que se opunha fortemente à reforma da escravatura e esse governo
recusou-se a emprestar sua autoridade à causa antiescravista. Em
Tesposta aos pedidos de uma legislação emancipacionista por parte
da Câmara dos Deputados, o Visconde de Itaboraí lembrou aos Je-
gisladores a existência de grandes interesses econômicos e nacionais
associados com a escravatura, a necessidade de progredir lenta e
cautelosamente para evitar ofender os proprietários rurais e
os in-
teresses legítimos associados com eles. Nada poderia ser feito
sem
reilexão e preparação, disse o Presidente do Conselho, particular-
mente pelo fato de o Império ter acabado de sair de uma guerra
muito destrutiva. 52
Pouco depois, contudo, uma importante reforma dos regimes
escravocratas de Cuba e de Porto Rico fort
aleceram a voz do Ss eman-
106
cipacionistas brasileiros e sublinharam a necessidade de mudanças
semelhantes no Brasil. No verão de 1870, com a Cuba num estado
de rebelião e sob a crescente ameaça da intervenção de forças norte-
americanas do lado dos rebeldes, a legislatura da Espanha aprovou
uma lei concedendo a liberdade tanto aos recém-nascidos quanto aos
escravos idosos de Cuba e de Porto Rico, 53
Influenciada pelo exemplo espanhol, em meados de agosto de
1870, uma comissão especial da Câmara dos Deputados pediu que se
ativasse um projeto de reforma como o que fora elaborado no Con-
selho de Estado em 1867 e 1868, recomendando também a introdu-
ção de trabalhadores livres “que possam substituir gradualmente o
actual instrumento de producção agricola...” Um dos membros da
comissão, Rodrigo Silva, de São Paulo, opôs-se, contudo, à opinião
da maioria, usando o pretexto habitual da necessidade econômica
da escravatura. O Brasil, afirmou ele, estava nas mesmas circunstân-
cias que sua província, onde a escravatura era essencial. “Os in-
teresses da agricultura são os interesses da nossa sociedade; ella não
pode ter outros mais importantes porque toda a sua vitalidade ahi
está.” O menor choque, a menor perturbação desses interesses po-
deria fazer desmoronar este “bello edifício” e transformá-lo em
ruínas. 5*
O Visconde de Itaboraí, obviamente, tinha as mesmas opiniões
desse deputado de São Paulo e, assim, nada poderia ser feito até
que seu ministério fosse substituído por outro que estivesse mais
disposto a conduzir o projeto de reforma pela Assembléia. O fato
disto ter de ocorrer brevemente foi, na realidade, antecipado no
Rio de Janeiro, onde, no final de agosto, houve rumores de que
Dom Pedro estava “determinado a que a questão da escravatura
fosse levantada nesta sessão” e que substituiria o ministério gover-
nante se este não quisesse agir. A questão mais grave que o Im-
perador enfrentava, no entanto, era se nomear um regime liberal
para defender a legislação reformista ou, então, se evitar a crise po-
lítica, que ocorreria pela certa como resultado de outra súbita mu-
dança da liderança nacional, indicando um conservador mais coope-
rativo para guiar o projeto através dos canais da Assembléia.
Foi Nabuco de Araújo quem ajudou a solucionar o problema,
quem, na realidade, foi identificado publicamente com a queda do
109
Visconde de Itaboraí e a nomeação de um ministério conservador
mais conciliatório. Consciente dos sentimentos emancipacionistas de
muitos dos membros do Partido Conservador na Assembléia e opon-
do-se por princípio à ascensão do Partido Liberal ao poder através
de outro golpe de estado imperial, Nabuco mostrou-se disposto a
permitir que a ala mais compreensiva do Partido Conservador apre-
sentasse a legislação antiescravista. Mais do que o poder, dissera
Nabuco num importante discurso em julho, o Partido Liberal dese-
java as reformas que, então, somente a liderança de um setor do
Partido Conservador poderia realizar. >6
Acausa imediata da demissão do gabinete do Visconde de Tta-
boraí foi a proposta de Nabuco para aplicar 1.000 contos do espe-
rado excedente do orçamento na libertação de escravos. Assinada
por nove senadores, esta emenda foi defendida na Assembléia por
seu autor. O Partido Liberal aguardara pacientemente uma solução
governamental, disse ele, mas nada fora feito. O Partido Liberal, por
conseguinte, não poderia presenciar o término da sessão da Assem-
bléia “sem um protesto contra o procedimento do governo a respei-
to de assunto tão importante.” Agora, que a Espanha decretara a
emancipação gradual dos escravos em Cuba, o Brasil passara a ser
a única nação americana, a única nação cristã, a manter o status quo
da era colonial. Somente o ministério do Visconde de Itaboraí im-
pedia a reforma, afirmou Nabuco de Araújo, enquanto a Câmara
dos Deputados, as assembléias provinciais, o Conselho de Estado, o
povo e até mesmo os proprietários de escravos estavam prontos para
uma legislação que fosse prudente. 57 Já perto do final de setembro,
com o Conselho de Ministros dividido sobre a questão dos escravos.
o ministério do Visconde de Itaboraí demitiu-se, sendo substituído
por um governo do Partido Conservador chefiado pelo Visconde de
São Vicente, um senador intimamente ligado ao emancipacionismo
desde que preparara o projeto de reforma de 1866.
Convocado pelo Imperador para dirigir a legislação através da
Assembléia, compromissado com seu próprio programa de uma “so-
lução prudente”, o Visconde de São Vicente não estava muito segu-
To, entretanto, sobre sua capacidade para oferecer a liderança ne-
cessária para realizar uma obra tão importante. 58 Contra à vont
ade
do Imperador, demitiu-se cinco meses mais tarde em favo
r do Vis-
conde do Rio Branco. Senador conservador da Bahia, membro do
TIO
Conselho de Estado, editor e diplomata, o Visconde do Rio Branco
regressara recentemente de uma missão especial ao Uruguai e à
Argentina, onde, segundo foi alegado, se convenceu de que a refor-
ma no Brasil já não podia ser adiada por mais tempo.
Apesar de pouco se ter conseguido de concreto para a reforma
da escravatura durante os cinco anos que se seguiram à Guerra
Civil dos Estados Unidos, a verdade é que se verificara uma impor-
tante mudança nas atitudes nacionais. Um liberalismo sincero en-
globando no seu programa o projeto de reforma do governo fizera-se
sentir. Entretanto, muitos escravos também haviam sido libertos
para combater no Paraguai, alguns para lá morrer, mas outros para
regressar para a liberdade, com sua contribuição para o esforço de
guerra tendo talvez alterado sutilmente as opiniões de seus compa-
nheiros nas forças armadas. ºº Os líderes nacionais, como o Visconde
do Rio Branco, que ainda poucos anos antes não viam justificativa
para mudanças, haviam sido influenciados pelo Imperador, por suas
experiências no exterior e por crescentes exigências internas. Qual-
quer reforma, contudo, mesmo uma que tivesse por intenção dar
ao sistema escravocrata mais algumas décadas de vida sem pertur-
bações, teria a oposição, por certo, de alguns políticos, particular-
mente daqueles que representavam regiões da nação onde os es-
cravos se haviam concentrado grandemente até 1871.
III
Eu sei, por mim...
quantias vezes a permanencia
desta instituição odiosa no Brasil
nos vexava e nos humilhava
ante o estrangeiro.
A EMANCIPAÇÃO DOS
RECEM-NASCIDOS
r
h.
negue la,
+
112
O projeto apresentado na Câmara dos Deputados em 12 de maio
de 1871 e transformado em lei, quase sem modificações, em 28 de
setembro do mesmo ano, continha muito mais, contudo, do que uma
mera provisão de nascimento livre. A lei era complexa, já que se
esperava dela que alterasse o status quo de um modo satisfatório
para os críticos da escravatura, embora defendendo, ao mesmo tem-
po, os direitos dos donos de escravos. Sua intenção era estabelecer
um estágio de evolução para um sistema de trabalho livre sem cau-
sar grande mudança imediata na agricultura ou nos interesses eco-
nômicos. Esperava-se, assim, que remendasse uma instituição em
declínio, enquanto eliminava sua última fonte de renovação; que
protegesse os interesses da geração viva dos senhores, enquanto res-
gatava a geração seguinte de escravos. Anunciada como uma grande
reforma, essa lei era, realmente, um compromisso intrincado. Toda-
via, contribuiu significantemente para o colapso da escravatura, de-
zessete anos mais tarde.
Aprovada sob a administração conservadora de Rio Branco, a
legislação libertava as crianças recém-nascidas das mulheres escra-
vas, obrigando seus senhores a cuidar delas até a idade de oito anos.
Em troca de qualquer gasto ou inconveniente envolvido em tais res-
ponsabilidades, os donos dos escravos puderam escolher entre rece-
berem do Estado uma indenização de 600 mil-reis em títulos de
trinta anos a 6 por cento ou usarem o trabalho dos menores (ingê-
nuos) até eles alcançarem a idade de vinte e um anos. A lei criou
um fundo de emancipação para ser usado na manumissão de escra-
vos em todas as províncias. Pela primeira vez na história do Impé-
Tio, O escravo teve concedido o direito legal de guardar as econo-
mias (pecúlio) que tivesse reunido através de presentes e heranças e,
além disso, com o consentimento do seu dono, do produto de seu
próprio trabalho. Com suas economias assim garantidas, o escravo
viu-se assegurado o privilégio de comprar sua própria liber-
dade quando tivesse uma quantia em dinheiro igual a seu “valor”.
A lei também libertou os escravos de propriedade do Estado, in-
cluindo aqueles mantidos em usufruto pela Família Imperial. Liber-
tava, ainda, pessoas incluídas em heranças não reclamadas ou aban-
donadas por seus donos. Colocava os escravos libertados sob a super-
visão governamental durante cinco anos, com a obrigação de con-
tratar seus serviços ou, se vivessem como vagabundos, de fazê-los
trabalhar em estabelecimentos públicos. Finalmente, a nova lei or-
denava um registro nacional de todos os escravos, incluindo seus
nomes, idades, estado civil, aptidão para trabalho e ascendência, se
ETs
conhecida. Os escravos cujos senhores não os registrassem dentro
do prazo de um ano seriam considerados livres. 3
=
APESAR disso raramente ter sido reconhecido na oratória do
tempo, o debate sobre a Lei Rio Branco lançou região cont
ra re-
gião. As províncias produtoras de café, como um todo, não estavam
preparadas, em 1871, nem mesmo para mudanças moderadas no
sistema de trabalho e os plantadores do sul, portanto, desencadea-
ram aquilo a que Joaquim Nabuco chamou de “guerra organizada
contra o Governo e o Imperador...” * Em contraste, os líderes po-
líticos na maioria das outras províncias mostraram-se acessíveis
a
uma reforma moderada. Alguns nordestinos, dentro e fora da Assem-
bléia Geral, defenderam firmemente o status quo e, por outro lado,
as regiões do café, especialmente as cidades de Rio de Janeiro e de
São Paulo, também produziram seus ávidos reformistas. Todavia, o
debate no Senado e na Câmara dos Deputados e os votos verifica-
dos na câmara baixa sobre a legislação (ver Tabela 21) revelaram
que o âmago da resistência se localizava nas províncias do café, um
resultado lógico da concentração de escravos nessa área. Na reali-
dade, as estatísticas da população de escravos referentes a esse pe-
ríodo correspondem de um modo muito lógico ao comportamento
da votação pelos delegados provinciais na Assembléia Geral (ver
Tabelas 2, 3 e 21).º O longo debate sobre a lei também revelou essa
mesma situação. Dos vinte e cinco senadores e deputados que pro-
feriram discursos de destaque em oposição ao projeto, dezenove re-
presentavam províncias do café ou, então, o Município Neutro. º
Ocasionalmente, o caráter regional da disputa era salientado.
Perdigão Malheiro, que propusera o nascimento livre, em 1863,
mas que se opusera a essa reforma em 1871, como deputado por
JIg
Minas Gerais, declarou francamente na Câmara que o Rio de Ja-
neiro, Minas Gerais e São Paulo, com seus oitocentos ou novecen-
tos mil escravos, eram as províncias com melhores razões para se
oporem à lei. A legislação que poderia ser aplicada na Amazônia
ou no Ceará, advertiu ele, não poderia ser aplicada aquelas provín-
cias ou à Bahia e Pernambuco, com suas centenas de milhares de
escravos. * Segundo Rio Branco, alguns dos plantadores do norte
concordavam de tal maneira com a lei que já estavam cumprindo
com suas provisões. º Um senador de São Paulo afirmou que se es-
tava dando demasiada importância aos representantes do Norte
que favoreciam a reforma e que as vozes do Sul que se lhes opunham
mereciam mais influência devido à maior contribuição de suas re-
giões para a riqueza nacional. Acusados de aventurismo, os nordes-
tinos responderam apresentando-se como os cautelosos reformistas
que eram. ?
O debate de 1871 foi caracterizado por disputas dentro dos par-
tidos. O Partido Conservador controlava a Câmara, mas o minis-
tério governante não poderia depender apenas dessa vantagem para
fazer aprovar a lei na câmara baixa, devido aos interesses regionais
de muitos de seus membros tomarem a preferência sobre a lealdade
para com o partido. A divisão do Partido Conservador na Câmara
foi tão completa, na realidade, que a facção minoritária rejeitou a
liderança de Rio Branco em debate aberto, ameaçando até formar
um novo partido. 1º Na votação final do projeto de lei, quarenta e
cinco deputados (dois terços das províncias do café) opuseram-se
à lei. Em contraste, conforme a Tabela 21 mostra, o ministério con-
servador teve a possibilidade de confiar na maioria dos deputados
Hs
das províncias a norte e a oeste de Minas Gerais, de modo a obter
a aprovação da lei do nascimento livre contra a oposição da maio-
ria de seus colegas da região do café. Entre as províncias do oeste
e do extremo sul, Rio Grande do Sul foi a única a votar contra a
reforma, mas essa região, também, como se poderá ver na Tabela 2
apresentava uma grande e valiosa concentração de escravos, repre-
sentando mais do que vinte e um por cento da população total da
província.
No Senado, menos preocupado com considerações locais, o pe-
queno contingente de senadores liberais, liderados por Nabuco de
Araújo, juntou-se à maioria dos conservadores de todas as provín-
E ps
cias para que o projeto de lei do governo fosse aprovado. Todavia,
cinco dos sete senadores que votaram contra o projeto representa-
vam províncias de café e um dos dois nordestinos que também o fi-
zeram foi o liberal Zacarias de Góis, da Bahia, antigo Presidente do
Conselho, que rejeitou a lei por razões partidárias. Zacarias não se
opunha à própria lei, afirmou Rio Branco, mas ressentia-se da ini- |
ciativa do Partido Conservador e do seu apoio a uma medida que,
por direito, pertencia a ele e ao Partido Liberal. 11
em
e mom o
O DEBATE NACIONAL
EE
A LEI da reforma da escravatura de 1871 desencadeou um deba-
="
te nacional quase sem precedentes. Provavelmente, nenhuma outra
questão despertara tanto interesse popular desde a abolição do co-
mércio de escravos ou da implantação da independência. Os oponen-
tes e os defensores da reforma usaram de todos os meios razoáveis
para fazerem prevalecer suas opiniões. Os amigos da reforma defen-
deram sua causa nas câmaras legislativas, na imprensa e em reuniões
públicas nos teatros do Rio de Janeiro e de outras cidades, com
os oradores atraindo, por vezes, públicos calculados em milhares de
pessoas. '2 Enquanto a nação, despertada. aguardava a reforma com
impaciência, muitos autores publicavam suas opiniões e propostas. 18
116
Os jornais do Rio de Janeiro e das províncias voltavam crescente-
mente sua atenção para a controvérsia à medida que o debate legis-
lativo prosseguia, semana após semana. O governo, para apoiar sua
causa, subsidiou a imprensa, incluindo sólidos jornais comerciais,
como o Jornal do Commercio, e até distribuiu panfletos de propa-
ganda nas províncias. !* Os principais jornais diários da maioria das
regiões defendiam a causa do governo e alguns jornais radicais, como
O Abolicionista e a Imprensa Academica de São Paulo, pediam mui-
to mais do que essa moderada lei. Segundo um tal “Spartacus”, um
defensor do projeto, só dois jornais de menor importância e um
importante, o Diário do Rio de Janeiro, se opunham à reforma do
governo. Cinquenta e sete jornais, importantes ou não, representan-
do a maioria das províncias desde o Pará ao Rio Grande do Sul,
foram registrados como defensores da Lei Rio Branco, enquanto
outros, especialmente os de Espírito Santo e os do interior do Rio
de Janeiro, se conservaram silenciosos quando o silêncio sobre a
questão da escravatura era equivalente à oposição. 1º
As provas da resistência ao projeto são, talvez, tão abundantes
quanto os documentos favorecendo sua aprovação. Entre maio e mea-
dos de setembro de 1871, várias organizações agrícolas e comer-
ciais do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo enviaram, pelo
menos, vinte e duas petições às duas câmaras da Assembléia em
defesa do status quo, todas elas publicadas nos anais legislativos. 1º
No Rio, membros do Partido Conservador, hostis ao ministério go-
vernante, criaram o influente Clube da Lavoura e do Commercio, em
julho, para que este defendesse a escravatura contra a facção do seu
próprio partido que apoiava a reforma. 3º
A revitalização do republicanismo, que estava inativo desde a
década de 1840, foi, em parte, pelo menos, uma reação dos planta-
dores de café aos sentimentos emancipacionistas do Imperador e
aos programas dos ministérios liberal e conservador. Os proprietá-
rios de escravos receberam, indubitavelmente, as declarações de
118
A OPOSIÇÃO
UI9
Servindo-se de uma certa exatidão legal, os oponentes do proje-
to de lei compararam, por vezes, o escravo a outros bens vivos, par-
ticularmente plantas e animais capazes de reprodução ou de darem
fruto. Barros Cobra, de Minas Gerais, afirmou que o direito adqui-
rido que o proprietário tinha do fruto do ventre da escrava era tão
completo quanto o direito ao fruto da árvore ou à cria de qualquer
animal de sua propriedade. Entre estas duas formas de propriedade,
havia uma “perfeita identidade de condições”. O escravo nascido
de um escravo era capital e, também, um instrumento de trabalho. %
Libertar os filhos dos escravos por meio de legislação, disse um velho
defensor dos negociantes de escravos, J. M. Pereira da Silva, repre-
sentando o Rio de Janeiro na Câmara, era “offender o direito de
propriedade garantido em toda a sua plenitude pela Constituição do
Império e respeitado por todas as leis existentes”. Rejeitando o con-
ceito de que a propriedade de escravos era diferente de outras formas
de propriedade, conforme afirmara o Ministro da Agricultura, Pe-
reira da Silva perguntou onde é que a Constituição e as leis distin-
guiam esta nova espécie de propriedade. Não seriam o fruto da ár-
vore, o produto da terra e a safra da semeadura propriedade daque-
les a quem pertenciam a árvore, a terra e a semente? 26
Os oponentes da lei apresentaram muitas objeções não legais à
emancipação dos recém-nascidos. A indenização que o governo se
propunha pagar aos proprietários que preferissem entregar as crian-
ças quando estas alcançassem a idade de oito anos parecia inade-
quada para alguns, embora os senhores tivessem a alternativa de usar
o trabalho dessas crianças por mais treze anos. As estatísticas mais
favoráveis mostravam, disse o Barão da Villa da Barra, da Bahia,
que nem metade das crianças nascidas de escravos alcançavam a
idade de oito anos e que, por conseguinte, a indenização real para
a criação dos ingênuos (nome dado às crianças nascidas livres) era
de apenas 300 mil-reis e não de 600, conforme declarado no pro-
jeto. Barros Cobra calculou que o juro simples de seis por cento
em trinta anos seria apenas de 1.080 mil-reis, uma quantia que um
escravo poderia ganhar para seu senhor em apenas dois ou três anos.
A indenização por meio do trabalho dos ingênuos parecia-lhe ilusó-
ria, já que os proprietários não poderiam ser reembolsados com ser-
viços que já lhes eram garantidos ao abrigo da lei. O deputado Ca-
121
pode riam sobr eviv er? “Em vez de philantropia,” concluiu ele, “não
encontrareis morticidio?” 81
O exato status que os ingênuos passariam a ter também preo-
cupava os oponentes da lei. Alguns deles receavam as consegiiências
de educar num ambiente de escravidão crianças destinadas à liber-
dade e aos direitos de cidadania ou, então, preocupavam-se com a
dúvida de os ingênuos estarem ou não sujeitos aos mesmos castigos
do que os escravos. *2 Barros Cobra desenvolveu um sinuoso argu-
mento legalístico com referência ao perigoso e inconstitucional status |
que a lei do nascimento livre concederia aos filhos de escravas atra-
vés de sua designação de ingênuos. A Constituição adotara o prece-
dente romano segundo o qual um ingênuo era uma pessoa nascida
de um ventre livre e um liberto era um escravo de um ventre es-
cravo que, mais tarde, ganhava sua liberdade. Segundo esta defini-
ção, a criança nascida de uma escrava não poderia ser considerada
um ingênuo pelo fato de a lei libertar o fruto de um ventre e não
o próprio ventre. A pessoa libertada pela legislação, depreendia-se,
seria um liberto na melhor das hipóteses. inqualificado para gozar
de todos os direitos políticos que a Constituição concedia a pessoas
nascidas no Brasil de mães livres. 33
Os oponentes também advertiram de que a libertação de alguns
escravos fomentaria uma revolta geral dos escravos. José de Alencar
falou de “dias lugubres, com todo seu corteio de crimes, horrores e
scenas escandalosas...” A idéia de emancipar as crianças, disse Ca-
panema, “vai quebrar inteiramente os laços de subordinação, vai
dividir em duas classes a população servil dos estabelecimentos agri-
colas, creando a impossibilidade de marcharem debaixo do svstema
de obediencia passiva, que é o unico possível enquanto existirem
escravos em nosso paiz...” Os escravos não eram tão embrutecidos.
acrescentou ele, a ponto de não saberem que os pais deveriam ter
o mesmo direito à liberdade do que seus filhos. 34
Os oponentes da lei também deploravam as consegiiências eco-
nômicas que previam em relação com a lei. Em maio, falando em
resposta à Fala do Trono do Imperador, Paulino de Souza. do Rio
de Janeiro, já culpava o projeto de lei por uma perda de confiança
que se verificava entre os proprietários rurais. Nesse mesmo debate,
122
Pereira da Silva recordou que a receita pública e particular ainda
derivava quase exclusivamente das grandes propriedades, que depen-
diam, no que se referia à mão-de-obra, quase somente dos escravos.
Andrade Figueira advertiu de que o governo não podia perturbar
a ordem estabelecida sem que houvesse uma reação por parte dos
interesses consagrados. Foi afirmado que a mera introdução do pro-
jeto de lei na Câmara já causara grandes prejuízos à agricultura.
O valor das propriedades baixara incisivamente e o crédito já se
tornava difícil de obter. 4º
Para outros deputados, a reforma parecia ameaçar a existência
nacional. A lei agitaria os mais perigosos elementos da população
e sacrificaria os interesses mais importantes. O Brasil, foi dito. não
poderia libertar seus escravos, tal como a Grã-Bretanha não poderia
destruir suas máquinas. O maior perigo, diziam muitos dos oponen-
tes da lei, não era a perda do escravo, mas sim a perda do trabalha-
dor; não a perda de propriedade, mas sim do capital que ela repre-
sentava. O projeto de reforma chegou mesmo a ser comparado a
um imenso rochedo em equilíbrio precário sobre uma montanha,
ameaçando rolar para o vale e esmagar as pessoas inocentes que vi-
viam debaixo dele. O ministério que se dedicava a fazer tombar
esse rochedo, advertiu um deputado, era cego ou, então, esquece-
ra-se de olhar para o vale. 38
Finalmente, o Imperador era acusado com fregiiência. O pro-
jeto de lei, foi dito, repousava na sombra de “Cesarismo”. Apoiá-lo
era equivalente a um ato de subserviência à vontade imperial. D. Pe-
dro impusera suas idéias ao ministério e tanto ele quanto o Conse-
lho de Estado haviam ultrapassado seus poderes constitucionais ao
iniciarem um projeto legislativo. O Imperador, disse um deputado
de Minas Gerais, não tinha o direito de manifestar opiniões em
assuntos do Estado. José de Alencar acusou D. Pedro de ter aban-
donado a posição neutra que lhe era atribuída pela Constituição.
“Torna-se parte; perde o caráter de juiz e toma o de ditador.” Desde
1866, disse Capanema, quando o Imperador prometeu libertar os es-
cravos, muitas coisas haviam mudado, incluindo sua própria devo-
ção aos princípios monárquicos. Desde então, os “simples mortaes”
tinham perdido sua capacidade para agir e pensar em conformidade
com as necessidades e as circunstâncias, enquanto ele, que via as
123
coisas de “alturas inaccessiveis” só podia marchar para a frente, para
o seu alto lugar no panteão dos heróis. 37
Por vezes, os oponentes mostravam desejo de chegarem a um
compromisso. Alguns deles favoreciam medidas indiretas que con-
duzissem à liberdade total no fim do século. O deputado Calmon
estava disposto a aceitar a emancipação dos escravos que alcanças-
sem os sessenta e cinco anos de idade e a manumissão gradual, in-
denizada, de mulheres e crianças selecionadas. Estas medidas, racio-
cinava ele, eram melhores do que a de nascimento livre pelo fato
de respeitarem os direitos de propriedade, honrarem a vontade dos
senhores, concederem uma indenização razoável e, também, por di-
minuírem, até, a última fonte de novos escravos através da liberta-
ção de mulheres em idade de terem filhos. 38
Os argumentos da oposição foram variados, complexos e ma-
nifestados muito virtuosamente, mas não convenceram o ministério
ou a maioria dos legisladores, que viam o projeto como sendo um
compromisso razoável e necessário. Esta lei, afirmou Rio Branco,
era melhor do que mais incerteza econômica e social ou do que a
continuação da radicalização do país.
OS DEFENSORES DA LEI
124
Co
39 Discussão da reforma do estado servil, II, 22-23, 29, 47-50, 74, 274.
“0 Ibid., II, 345-349.
“1 Jbid., II, 208, 570.
125
ção. Um sistema de trabalho livre, disse o Visconde de São Vicente,
induzia uma distribuição de riqueza mais justa, enquanto a escrava-
tura retardava o crescimento da população e o desenvolvimento da
cultura. “Basta comparar,” disse ele, “o quadro da mortalidade dos
escravos com o da população livre, para deduzir as devidas conse-
quências”. A escravidão, acusou ele, era “a desigualdade moral e
legal levada ao extremo”. “2
Os defensores do projeto afirmaram que o trabalho livre era
mais produtivo do que o trabalho escravo. Os homens livres contri-
buíam mais do que os escravos para o bem-estar público. Os homens
livres proporcionavam seu capital e inteligência, além de seu traba-
lho, enquanto os escravos, motivados apenas pelo medo, contribuíam
somente com seu trabalho. Os trabalhadores livres criavam uma fon-
te de mão-de-obra útil em tempo de guerra, enquanto os trabalha-
dores escravizados constituíam uma ameaça nacional permanente.
As estatísticas mostravam que a produção aumentava em proporção
ao declínio da proporção escrava. Como prova da superioridade do
trabalho livre, um deputado de Pernambuco citou abundantes esta-
tísticas referentes ao desenvolvimento econômico dos Estados livres
e escravos da América do Norte. Alencar Araripe recordou o fato
de os europeus não emigrarem para o Brasil, apesar de esforços re-
petidos dos governos brasileiros para atraí-los através do estabeleci-
mento de colônias e da distribuição de terras férteis e acessíveis.
“A razão é que o europeu... teme o contágio da escravidão.” 43
Os defensores do projeto também explicaram as ramificações
políticas e internacionais da lei. Promulgando a reforma, o Brasil
poderia evitar uma guerra civil do tipo que os Estados Unidos e
Cuba haviam sofrido. 4 O Brasil estava quase sozinho no mundo
no que se referia a manter a escravatura. A opinião das nações
civilizadas e cristãs obrigava à reforma. “Eu sei por mim,” disse
o Visconde de Rio Branco num discurso em que recordou experiên-
cias diplomáticas no Uruguai, na Argentina e no Paraguai, “quantas
vezes a permanencia desta instituição odiosa no Brasil nos vexava
e nos humilhava ante o estrangeiro.” 45
Os proponentes da lei não esqueceram os argumentos morais e
religiosos. A propriedade baseada numa infração dos direitos huma-
126
nos, disse Alencar Araripe, não poderia ser permanente. A geração
viva, disse Junqueira, era obrigada a libertar as gerações futuras do
pesadelo da escravidão. “Poderá o Brasil,” perguntou Fernandes da
Cunha, “nação catholica... e, sobretudo, nesta America livre, fazer
excepção triste e odiosa entre todas as suas irmãs? Depois que a Eu-
ropa resolveu a questão; depois que as republicas americanas a resol-
veram e, sobretudo, os Estados Unidos... era chegada a vez, a
opportunidade de debellar o monstro.” 48
Mais de um defensor da lei diferenciou entre o direito do pro-
prietário a possuir uma coisa e seu direito a possuir uma pessoa. A
segunda forma de propriedade, foi dito, era legal, mas não legítima.
As coisas eram definidas como entidades sem direitos ou responsa-
bilidades, que podiam ser adquiridas e usadas sem restrições, enquan-
to as pessoas eram entes moraes, que têm direitos e obrigações
proprias, que lhes foram dadas pelo Creador.” O direito natural a
possuir coisas teve sua origem na ordem moral da criação e era le-
gítimo. Tal propriedade podia ser “usada e abusada”, jamais estava
sujeita a modificação pelo legislador e não ofendia a quem quer que
fosse. O direito de propriedade no que se referia a escravos, contu-
do, estava sujeito a restrições legais e podia ser revisto ou revogado
em consequência das necessidades públicas. 7
O mais brilhante e inflexível discurso proferido durante o deba-
te talvez tenha sido o do Senador Francisco Sales Torres-Homem,
um veterano da política radical que, em 1871, representava o Rio
Grande do Norte. Sales Torres-Homem, ele próprio, provavelmente,
descendente de escravos, colocou a captura e sujeição de um preto
na África no mesmo pé de injustiça do que a escravidão de um in-
fante brasileiro. Neste último caso, o senhor aguardava sua nova
propriedade na porta da própria vida. Isto era “pirataria exercida à
roda dos berços”. Refutou os principais argumentos dos oponentes.
A, propriedade de seres humanos “longe de fundar-se no direito na-
tural, é, pelo contrário, a sua violação mais monstruosa”. Os seres
humanos não podiam ser comparados “ao potro e ao novilho, ao
fructo das arvores e aos objectos animados da natureza, submettidos
à dominação do homem”. Desafiou o direito de propriedade às crian-
ças ainda por nascer das escravas com uma advertência dramática
de que a poeira de que seus corpos seriam compostos ainda estava
espalhada sobre a terra, de que as almas já exigidas por seus senho-
Tes para o inferno da escravidão ainda repousavam “no seio do poder
127
creador...” Aqueles que falavam tão alto sobre os direitos de pro-
priedade, acusou ele, já se tinham esquecido de que a mai oria
dos
escravos que trabalhavam suas terras eram os descendentes
de pes-
soas “que um trafico deshumano introduziu criminosament e
neste
paiz com affronta das leis ou dos tratados!” 48
O debate nem sempre era ordenado e disciplinado. Os
oponen-
tes interrompiam muitas vezes os defensores da lei, À medi
da que
o projeto progredia pela Câmara, exigiam votos nominais em artigo
s
sem a menor importância. Andrade Figueira (Rio de Janeiro),
An-
tônio Prado (São Paulo), Perdigão Malheiro (Minas Gerais) e ou-
tros obstruíam os trabalhos ou recorriam a interpelações para atra-
sar o andamento. Tendo por fim demorar o debate, a facção da
minoria recusava-se regularmente a entrar na Câmara até que a
maioria do governo chegasse, só por si, a formar um quorum, for-
cando cada defensor da lei a estar presente em cada sessão.º No
último mês do debate na câmara baixa, o governo só contava com
sessenta e dois defensores, o número exato para abrir uma sessão e
assegurar a passagem da legislação. Por vezes, o decoro da Câmara
era perturbado por trocas de acusações, nomeadamente no dia 2 de
agosto, depois da passagem do artigo que dava aos escravos o direito
a suas economias e sua liberdade quando pudessem pagar o seu
preço. Acusando-se uns aos outros, os deputados abandonaram seus
lugares para invadir todo o recinto, enquanto o público ficava de
a
pé, observando em silêncio. “Nem mesmo nos dias agitados da maio-
——
— D—
ridade (1840) foi o recinto da camara theatro de scenas semelhantes
e o projecto do governo só conseguiu passar depois de uma luta
sem exemplo em nossos annaes parlamentares.” 50
A sessão do Senado de 27 de setembro de 1871 foi solene. As
aA
galerias estavam apinhadas com o público que aguardava a votação
final, atrasada grandemente pelo discurso de um senador da Bahia.
Finalmente, o Presidente do Senado anunciou que o projeto fora
aprovado, motivando um prolongado aplauso e cascatas de flores
das galerias. Fora do Senado, nas ruas, demonstrações em honra do
Visconde do Rio Branco, Nabuco de Araújo, Sales Torres-Homem
e outros legisladores iniciaram vários dias de ruidosas celebrações
públicas. 51
E
ins
126
Apesar do sentido de triunfo, os efeitos imediatos da
vitória
foram pequenos. À lei era complexa, mas não trouxe qualquer mu
-
dança imediata nas vidas da maioria dos escravos e nem mesm
o as
crianças cuja liberdade fora garantida podiam obter qualquer
benefí-
cio prático de seu status até alcançarem sua maioridade legal. Quan-
do esse dia chegasse, conforme os defensores da lei tinham argumen-
tado, criados e treinados num ambiente de escravidão, os ingênuos
seriam autênticos escravos por disposição, mesmo se não pela lei,
encontrando-se mal preparados e pouco motivados para muito mais
do que uma vida de trabalho e de servidão nas lavouras dos donos
de suas mães. º2
Certos comentários portentosos sobre os efeitos da lei haviam
assinalado os últimos dias do debate. Nabuco de Araújo lamentou o
corte de uma provisão para acabar com a escravidão no final do
século. O fundo de emancipação, previu ele, distribuído magramente
pelo país, não seria suficiente, embora concentrações de seu ativo
em províncias como o Ceará e o Rio Grande do Norte tivessem po-
dido criar áreas livres das quais as províncias ocupadas pela escra-
vidão poderiam ser reduzidas gradualmente. Nabuco também previu
violações da lei. As crianças nascidas depois da promulgação da lei
seriam escravizadas pela substituição de outras, nascidas antes, e pes-
soas livres seriam registradas como escravas.
Nabuco foi acompanhado pelo historiador do Maranhão, Cân-
dido Mendes de Almeida, ao deplorar o fracasso em proporcionar
oportunidades educacionais às crianças que a lei libertaria. 53 Este
fracasso, é claro, foi deliberado. A questão da educação não havia
sido debatida, mas a história brasileira revelara pouca inclinação por
parte da classe dominante para conceder oportunidades de educação
aos trabalhadores agrícolas ou para preparar seus ex-escravos para
a cidadania. Relizar isso em 1871 teria sido realizar uma reforma
muito mais radical do que qualquer coisa que existia na Lei Rio
Branco, já que uma educação eficaz teria transformado o sistema
social e econômico do Brasil ainda mais do que a abolição da
escravatura.
Tal como as coisas se passaram, um dos resultados importantes
da Lei Rio Branco foi o adiamento do verdadeiro abolicionismo,
conforme o governo do Visconde do Rio Branco esperara. Neste
129
sentido, a legislação constituiu um sucesso mode
rado, mas apenas
moderado, pois o debate e a nova condição dos filhos
das escravas
também tiveram, indubitavelmente, efeitos libera
lizantes na opinião
pública brasileira. 5! A campanha realizada pela impren
sa em favor
da lei, 'que levou a mensagem do governo a todas as pa
rtes do país, =
Por cinco annos, de 1866 a 1871 (disse Otoni ao Senado) irradiou do throno
do Brazil para todos os cantos do Imperio a promessa da libertação dos
miseros escravos. Todos lembrão-se das viagens que neste periodo fez o
Chefe do Estado pelo nosso interior; se era dia desoccupado a escravatura
bordava as estradas em duas alas, de joelhos, abençoando o Redemptor.
Findarão-se os cinco annos destas esperanças douradas, chegou a hora da
sua realização pela lei de 28 de setembro, e a decepção dos miseros foi
triste e completa. A lei disse que libertava os que dalli em diante nascessem:
nem isso fez, que os deixou captivos de facto até 21 annos, mas ao menos
garantio-lhes a liberdade para a maioridade. Entretanto, o que fez em favor
da geração existente? Fallou de sua emancipação gradual em termos do
que se costuma dizer — para inglez ver. 66
Ex 1 ta a
da
q +
a
4
nm J31
q bu
Em nossa terra,
onde ha tanta negligencia,
tanta facilidade de indulgencia e protecção,
só uma medida rigorosa...
pode ser efficaz.
NABUCO DE ARAUJO
no Senado, 26 de setembro de 1871
- o mundo (continua)
a acreditar que a escravidão está
acabando no Brasil, sem reflectir que
isso se dá porque os escravos
estão morrendo.
JOAQUIM NABUCO
O Abolicionismo
132
Nabuco, foi “outra epocha de indifferença pela sorte do escravo, du-
rante a qual o governo poude mesmo esquecer-se de cumprir a lei
que havia feito passar.”2
Nas semanas que se seguiram ao debate, o governo adotou certas
medidas para fazer vigorar a lei. Todavia, houve indícios, logo desde
o início, que ela não seria aplicada consistentemente. O Artigo 6 da
Lei Rio Branco prometia a liberdade de todos os escravos de pro-
priedade do governo. Um decreto interpretando este artigo, promul-
gado pelo Visconde do Rio Branco em 11 de novembro, estabeleceu
a política a ser seguida na libertação desses escravos pertencentes
ao governo, incluindo os que eram usados pelo Imperador e sua fa-
mília. Os escravos da nação que estavam sendo usados em obras
públicas ou em lavouras de propriedade do Estado teriam autoriza-
ção para procurarem outros empregos e aqueles que preferiam per-
manecer ao serviço do governo receberiam salários, sendo supervis:o-
nados e protegidos pelos presidentes provinciais. Outra diretriz, con-
tudo, emitida e assinada por Rio Branco apenas dez dias mais tarde,
Tecordava a esses mesmos presidentes que, ao estabelecerem salá-
rios, deveriam ter presente a necessidade do governo de obter um
lucro suficiente das suas propriedades rurais. Os antigos escravos só
teriam o direito de procurar emprego em outros lugares se isto não
privasse os Estados de trabalhadores que fossem necessários. 2
Certos outros atos do governo pareceram providenciar uma po-
lítica de aplicação estrita da lei, embora revelando dúvidas de que
os funcionários do governo e os proprietários de escravos cumpris-
sem com suas obrigações legais. O Artigo 8 ordenava um registro
nacional de todos os escravos e ingênuos. Um decreto de 1 de de-
zembro de 1871 estabeleceu regras para estes registros. Os cobrado-
res de impostos locais ou os funcionários fiscais deveriam divulgar a
obrigação dos proprietários de registrar seus escravos e ingênuos num
recenseamento geral a ser iniciado em 1 de abril de 1872 e termi-
nando no último dia de setembro do mesmo ano. Cópias destes avi
Sos seriam enviadas para todos os padres paroquiais, que passariam
a informação a suas congregações. Os locais de registro estariam
abertos todos os dias úteis das 9 horas da manhã até as 4 da tarde
durante esse período. Os livros de registro seriam fechados e con-
feridos no dia 30 de setembro de 1872, mas os proprietários seriam
autorizados a registrar escravos por mais um ano, a partir dessa data,
sem incorrerem em multas ou perda de escravos não registrados.
2 Nabuco, O Abolicionismo, p. 3.
8 Veiga, Livro do estado servil, páginas 205-211.
133
|
Depois deste período, qualquer escravo não registrado seria consi-
derado livre, a não ser que seu proprietário pudesse provar que não
era responsável pela infração da lei. Os funcionários que fossem
destacados para realizar os registros deveriam compilar relatórios
em. e—
GF
sobre os escravos e ingênuos registrados, especificando seu Sexo, ida-
de, estado civil, profissão e lugares de residência, com quaisquer mo-
dificações devendo ser registradas de tempos a tempos para manter
as estatísticas atualizadas.
O
mesmo decreto ameaçava multas para quem não cumprisse
estas disposições. Os proprietários que não registrassem escravos ou
ingênuos ou, ainda, que não informassem sobre modificações no
seu status soireriam multas que iam até 200 mil-reis. Os funcioná-
rios encarregados de registrarem os escravos seriam multados em
um quarto dessa quantia se não cumprissem com seu dever. Os pa-
dres que não informassem suas congregações sobre os regulamentos
estavam sujeitos a multas de 10 mil-reis por cada domingo e dia
santo em que fossem remissos. Os funcionários que não impusessem
estas multas seriam, por sua vez, pesadamente multados pelos pre-
sidentes provinciais. £
O Artigo 3 previa o estabelecimento de um fundo de emanci-
pação para ser criado por meio de impostos sobre os escravos, lote-
rias nacionais, multas e contribuições. Mais de um ano após a pro-
mulgação da Lei Rio Branco, em 13 de novembro de 1872, o Minis-
tro da Agricultura decretou os regulamentos para o uso do fundo
de emancipação. As famílias teriam preferência, no que se referia
à libertação, sobre pessoas individuais, particularmente membros da
família que fossem de propriedade de senhores diferentes, com a
preferência, além do mais, sendo dada aos pais de ingênuos, de
crianças livres e de crianças escravas, nessa ordem. Na seleção de
pessoas individuais para manumissão, as mães e os pais com filhos
livres e escravos entre as idades de doze e quinze anos seriam pre-
feridos, começando com as mulheres mais jovens e os homens mais
idosos. 5 Isto libertaria as mulheres em idade de ter filhos, enquan-
to manteria os homens mais produtivos no trabalho.
O mesmo decreto ordenava a criação de juntas de classificação
em cada município. que deveriam ser compostas, se possível, pelo pre-
134
sidente da câmara municipal, pelo promotor público e o coletor de
impostos. Estas juntas teriam de se reunir todos os anos, em todo o
território nacional, no primeiro domingo de julho, para classifica-
rem e escolherem escravos para libertação, com a primeira dessas
reuniões tendo lugar em 1 de abril de 1873. Aqui, também seriam
aplicadas multas se a lei não fosse aplicada. Um membro da junta
que não comparecesse a uma reunião sem justa causa teria de pagar
de 10 a 50 mil-reis e os proprietários negligentes seriam castigados
com dez a vinte dias de prisão. Os valores dos escravos a serem
libertados seriam estabelecidos por arbitragem e as pessoas libertadas
receberiam certidões de emancipação. 8
Assim, um sistema de registro e classificação foi estabelecido
no papel, mas o governo pouco fez para assegurar que o trabalho
fosse realmente realizado nas centenas de municípios desde o Rio
Grande do Sul até a Amazonia. Em vez de conceder salários, por
exemplo, ou outros incentivos aos funcionários locais encarregados
da tarefa, o governo, prevendo alguma resistência ao dever, ame>-
çou os funcionários com castigos que dificilmente teria o poder
para impor nas distantes regiões do país.
O registro e a classificação progrediram. por conseguinte. com
uma surpreendente lentidão, apesar dos castigos ameaçados. Quase
sete meses depois da data em que o registro deveria ter sido con-
cluído, o Ministro da Agricultura anunciou que só recebera relató-
rios de municípios de onze províncias, registrando apenas 198.814
escravos, menos de um sétimo daqueles que viriam a ser incluídos
na contagem final. A lei fora cumprida, disse ele. tão rapidamente
quanto as circunstâncias o permitiam. No mês de setembro seguinte,
menos de duas semanas antes do segundo prazo, o último, para o
registro, o Ministro da Agricultura informou o Visconde de Rio
Branco de sua decisão de permitir que os portadores de hipotecas
Tegistrassem em seu nome os escravos de devedores que recusassem
cumprir com a lei e, dois meses depois do final desse último prazo
para registro. ainda estava procurando obter informação dos presi-
dentes provinciais sobre os resultados dos registros e classificações. 7
O relatório do Ministério da Agricultura de 1874 foi pessimista.
Tanto o registro quanto as classificações haviam encontrado obstá-
culos. As juntas de classificação não se haviam reunido nas datas
previstas. Um novo prazo fora dado e já vencera há muito tempo,
[35
mas só um pouco mais de um milhão de escravos tinha sido regis-
trado. º Em maio de 1875, a situação já melhorara um pouco. A
mais recente informação reunida pelo Ministério da Agricultura ness
e
mês colocava o total de escravos registrados em 1.431.300
e O re-
censeamento ainda não terminara. A primeira distribuição provin-
cial do fundo de emancipação era esperada para breve, emb
ora, até
então, só tivessem sido classificados menos de 200 mil
escravos. As
juntas de classificação de muitos distritos não haviam enviad
o s eus
relatórios, apesar de repetidos pedidos e de amea
ças de castigo. O
fracasso, pensava o Ministro da Agricultura, result
ava da falta de
salários para os funcionários que tinham essa respon
sabilidade e das
grandes distâncias que os proprie tários eram forçados
a viajar para
alcançarem os locais de registro. ?
Essas razões eram exatas, embora a apatia e o
desdém geral
pelos regulamentos também contribuíssem em muit
o para a ina-
tividade. Há muitas explicaçõ es da falta de progresso
(provavelmen-
te, características da nação como um todo) contidas
em cartas de
juntas de classificação de S ergipe para o presidente
da província.
Uma das juntas informou o executivo de que sua reuniã
o fora atra-
sada por três meses devido à falta de livros de registro.
Outra anun-
ciou a suspensão de seus t rabalhos devido à falta de um
promotor
e outra, ainda, informou que a recusa de um tabelião
de participar
atrasara o trabalho. Uma junta de classificação, também
de Sergipe,
realizara sessões regulares, mas fora incapaz de estabelecer qualquer
valor para os 524 escravos de seu município devido
a uma total
relutância dos proprietários locais no que se referia a
comparecerem
às reuniões. Alguns dos municípios de Sergipe apresentaram
seus re-
latórios em 1875, mas outros continuaram encontrando pretex
tos, no
ano seguinte, para o não cumprimento da lei. Em agosto de 1876,
uma junta atribuiu sua impossibilidade de funcionar à
falta de um
secretário, uma posição que não contava com qualquer form
a de
salário. Não era prático, explicou um funcionário local, * su
ppor
que qualquer cidadão se preste a seme
lhante serviço, fugindo de
suas occupações diarias para entregar-se a trabalhos
que privam-
nos de obter seus meios de subsistencia.” Um rel
atório do mesmo
período enviado do município de Divina Pastora
anunciou que a
junta desse município não se reunira no pri
meiro domingo de
julho, segundo instruções, “em consequencia
de m'achar doente,
em estado de não poder levantar-me...”
Uma junta de Itabaiana
137
sência de repartições fiscais e, em outros, por uma escassez de
pessoal. 1º
Em maio de 1876, quase cinco anos depois da Lei Rio Branco
ter sido passada, o governo anunciou, por fim, que os primeiros
1.503 escravos, cerca de 1 em cada mil registrados, haviam sido lIi-
bertados pelo fundo, esperando-se que mais 2.500 fossem libertados
brevemente. !* Em meados de 1877, apenas mais 755 tinham sido
libertados pelo fundo, perfazendo um total de apenas 2.258 escravos
durante um período de quase seis anos. Mais de 6 mil contos haviam
sido reunidos no fundo durante cinco anos fiscais, mas menos de
1.295 contos tinham sido aplicados diretamente na libertação de
escravos. A explicação para esses magros resultados ainda era a mes-
ma: a relutância dos funcionários do governo em aceitarem um
acréscimo de trabalho sem um acréscimo de remuneração. 15
Cerca do final de 1878, outras 1.800 pessoas já haviam sido
libertadas, com o preço médio indo de 5628630 até 3438343. Apesar
deste elevado custo, apenas uma pequena parte do fundo estava
realmente sendo aplicada na libertação de escravos. Apesar da es-
cassez de livros de registro e de pessoal persistirem, quase um quinto
do dinheiro fora gasto, até 1878, em livros de registro, “gratifica-
ções” e outras despesas não especificadas do que fora aplicado dire-
tamente na manumissão de escravos. Mais de metade do ativo to-
tal do fundo ainda não fora usada, fosse nas províncias ou na ca-
pital (ver Tabela 22). 16
Assim, enquanto a burocracia continuava inativa, milhares que
poderiam ter sido libertados continuavam escravizados. Nos quatro
meses e meio que se antecederam a maio de 1879 apenas foram
libertados uns meros 245 escravos, a um preço médio de 7428778.
Um saldo de mais de 4.182 contos acumulara-se no fundo até essa
data, mas o Ministro da Agricultura opôs-se a uma segunda dis-
tribuição de fundos pelas províncias com base no fato de muitas
mudanças na população escrava que não tinham sido registradas
terem tornado inexatas as estatísticas do governo. !” Durante todo
o ano seguinte, somente 201 escravos foram libertados pelo fundo,
não sendo realizada qualquer nova distribuição de seu ativo. 18
138
Com o novo despertar do sentimento abolicionista em 1880, o
apre ssou a sua apli caçã o do fund o. Dur ant e
over no, subi tame nte,
as realizad
de dezesseis meses, em 1880 e 1881, foram
a período
e i r a d i s t r i b u i ç õ e s , t o t a l i z a n d o 6 . 7 5 0 c o n t o s , e m a i s
a segunda e a terc
5 413 escrav os for am lib ert ado s. 1º Em 188 5, já tin ham sid o lib ert a-
das 23 mil pes soa s pel o fun do, a um cus to tota l de 14. 520 con tos ,
sem incl uir cer ca de 600 con tos con tri buí dos pelo s pró pri os esc rav os
ara sua própria liberdade. 2º O preço médio de cerca de 663 mil-reis
(ver Tabela 23), embora não particularmente elevado para um es-
cravo ativo do sexo masculino, era mais elevado do que o preço
pago normalmente no mercado aberto por mulheres e crianças, que
formavam a grande maioria das pessoas libertadas. 2! Os escravos
com mais de setenta anos foram libertados, segundo uma fonte abo-
licionista, a preços suficientemente altos para comprar meia dúzia de
escravos jovens. 22 Os preços nas províncias do café eram os mais
elevados, refletindo a maior capacidade produtiva dos escravos dessas
regiões, enquanto os preços no Nordeste eram muito inferiores,
particularmente no Ceará. Na província do Rio de Janeiro, um €s-
cravo foi libertado ao preço jamais antes imaginado de 2.900 mil-
reis. 23
O fundo foi abusado de outras formas, além do óbvio recurso
aos preços elevados. Maurilio de Gouveia salientou que o direito
dos proprietários a escolherem as pessoas que seriam libertadas lhes
dava a oportunidade para se desembaraçarem dos escravos doentes,
cegos, inúteis e perturbadores. 2* Para fazerem com que seus escra-
vos menos valiosos fossem elegíveis para venda através do fundo,
139
os seus donos, em certos casos, organizavam casamentos entre os
idosos e os muito jovens, entre escravos inúteis ou incorrigíveis e
pessoas livres, que eram induzidas a tal por dinheiro. 2º As mortes de
escravos não eram registradas, frequentemente, para que eles fossem
“libertados” pelo fundo. 2º O fundo de emancipação também serviu,
conforme foi alegado, como fonte de dinheiro para campanhas elei-
torais e, em algumas comunidades isoladas, as distribuições anuais
de fundos iam regularmente para cinco ou seis pessoas influentes. 27
Em regiões onde havia grande procura de escravos, os proprietários
mostravam-se relutantes em trocá-los, até mesmo por preços eleva-
dos. A parte que competia a São Paulo na terceira distribuição, lá
recebida em setembro de 1881, só alcançou os municípios quase um
ano depois. No município de Campinas, na zona central do café da
província de São Paulo, os escravos tinham uma tal procura que três
distribuições de fundos deixaram de ser usadas até que os planta-
dores, forçados a cumprirem com a lei, libertaram trinta e um es-
cravos a uma média exorbitante de 1.566 mil-reis. 28
Muito mais escravos foram libertados gratuita ou condicional-
mente depois de 1871 do que aqueles que haviam sido libertados
pelo fundo. A emancipação particular foi estimulada, provavelmente,
pelo exemplo dos monges das ordens beneditina e carmelita, que
libertaram seus vários milhares de escravos pouco depois da passa-
gem da Lei Rio Branco. ?? Em maio de 1880, quando o novo movi-
mento de libertação começava dando indícios de vitalidade, um
pouco mais de 35 mil escravos já haviam sido libertados por seus
proprietários, independentemente do fundo, desde a aprovação da
Lei Rio Branco, a maioria dos quais gratuitamente. 3%º Em 1885,
com a popularização da manumissão em províncias como o Ceará e
Rio Grande do Sul, o número total de libertados já subira a 131.794,
dos quais, segundo foi afirmado, 87.221 haviam sido libertados sem
compensação para seus senhores. O número de escravos mortos des-
de o início do registro especial foi calculado em 214.860. 31
140
O fundo de emancipação não conseguiu alcançar resultados no-
ráveis devido, pelo menos, a duas razões importantes. Em primeiro
lugar, O governo não proporcionou os incentivos necessários para
que a tarefa fosse realizada nas províncias. A idéia de libertar os
escravos por este meio não era genuinamente popular, na década
de 1870, e a participação, por conseguinte, era muito lenta onde as
distâncias eram muito grandes, as condições eram primitivas, os pro-
prietários eram poderosos senhores locais e os funcionários públicos
precisavam de algo mais do que a responsabilidade legal e as amea-
ças oficiais para que agissem. Em segundo lugar, o fundo nunca
chegou a ser suficientemente importante para libertar um grande
número de escravos, em especial com os preços elevados que eram
decididos localmente através de arbitragem. O dinheiro para este
fim, segundo a Lei Rio Branco, viria de impostos, loterias, multas
e contribuições, mas estas fontes de receita jamais foram suficientes
para libertar mais do que uma pequena porção da população escrava.
O fundo de emancipação não tinha a intenção de ser muito mais
do que um gesto humanitário, um instrumento de libertação menor
ou uma prova de boa vontade. Na pior das hipóteses, foi um meio
para os proprietários se desembaraçarem dos seus escravos menos
úteis a preços muito satisfatórios.
OS RECEM-NASCIDOS
141
podiam ser confiados a outro proprietário se a mãe da criança fosse
vendida ou a transferência fosse concordada na presença de um
mandatário ad hoc e aprovada pelo juiz de órfãos. Os serviços dos
ingênuos, além disso, podiam ser “alugados” legalmente a outra
pessoa. 38
Na atmosiera brasileira das décadas de 1870 e 1880, o resultado
de tais ambigiidades legais era a compra e venda aberta dos “servi-
ços” presentes e futuros de crianças livres e seu anúncio na impren-
sa pública. Africanos demasiado jovens para terem sido importados
antes de 1831 e crianças demasiado jovens para terem nascido es-
cravas eram colocados à venda abertamente, lado a lado, na provín-
cia do Rio de Janeiro e anunciados na imprensa do Rio. O Jornal
do Commercio publicou editais de vendas de escravos reguladas pelo
governo na cidade de Valença, no interior, anunciando africanos
cujas idades certificadas por tabeliães públicos provavam sua impor-
tação ilegal e a ilegalidade da sua condição de escravo de facto.
Tais anúncios continham os nomes, idades e “avaliações” de ingê-
nuos, também certificados por tabeliães públicos. Uma dessas listas,
publicada em 1881, incluía dez ingênuos cujos preços iam de 400 mil-
reis para um rapaz de nove anos até 10 mil-reis por uma criança do
sexo masculino de dois anos; outra lista, mais tarde, incluía um
riobranco chamado Luiz, que esperavam vender por uns meros 5 mil-
reis. %* Apesar de repetidos protestos da imprensa e do próprio go-
verno, a “venda” de ingênuos continuou até 1884. Em maio desse
ano, Andrew Jackson Lamoureux, o editor americano do jornal
The Rio News, chamou a atenção para um anúncio no Jornal do
Commercio para a venda de 14 ingênuos em Valença. Nesse tempo,
a questão da legalidade de tal prática já estava diante do Conselho
de Estado havia dezoito meses, uma legislação para proibir a venda
de ingênuos estava sendo considerada na Câmara de Deputados e o
Ministro da Agricultura acabara de assegurar à nação que não se-
riam permitidas mais vendas desse tipo. 35
As estatísticas que o Ministério da Agricultura reuniu com base
nos nascimentos e nas mortes de ingênuos não indicavam uma mor-
talidade infantil invulgarmente elevada ou o abandono generalizado
de ingênuos, conforme fora previsto pelos oponentes da Lei Rio
142
Branco em 1871.º%º Todavia, as estatísticas também não deixavam
de provar as previsões pessimistas. O que revelaram foi que os filhos
de mulheres escravas registrados como ingênuos eram muito menos
do que o número de crianças que essas mulheres poderiam, natural-
mente, ter dado à luz. No final do sétimo ano após a passagem da
lei, apenas 278.519 crianças tinham sido registradas, das quais
218.418 estavam registradas como vivas. O recenseamento de 1872,
contudo, registrara 439.027 escravas entre as idades de onze e qua-
renta anos, isto é, cerca de duas mulheres em idade de ter filhos
para cada ingênuo que nascera, que fora registrado e que sobrevivera
entre 1871 e 1879. 3” Da mesma forma, em 1883, havia 835 escravas
nas nove lavouras de café do Conde de Nova Friburgo, mas apenas
337 ingênuos. 38
Essas estatísticas indicam um índice de mortalidade muito ele-
vado entre os filhos das escravas, o que, por certo, seria de esperar,
ou, então, um índice baixo de natalidade — ou ambos — com estas
inferências sendo confirmadas pelo pequeno número de crianças es-
cravas de dez anos de idade ou menos registradas no recenseamento
de 1872 — apenas cerca de 365 mil numa população escrava total
de mais de um milhão e meio, que incluía mais de 375 mil mulhe-
res entre os 15 e 40 anos de idade. *º? Indubitavelmente, algumas
crianças nascidas como escravas e também muitos ingênuos, parti-
cularmente aqueles cuja vida foi breve, nunca chegaram a ser regis-
trados. Muitos, talvez, foram abndonados, conforme alguns membros
da Assembléia Geral haviam advertido que seriam, e outros confia-
dos às casas de caridade da Igreja ou, o que é menos provável, até
143
enviados “para morrer de fome em casas que, a baixo preço, se
encarregam de infanticídios sem vestígio...”, uma acusação feita
pelos abolicionistas em 1883.4º Evidentemente, também, muitas
crianças tiveram negada sua condição de ingênuo através de registros
falsos, já que, de novo, segundo os oponentes da escravidão, “apa-
rentemente, nenhumas crianças nasceram de mães escravas imedia-
tamente após o 28 de setembro de 1871, enquanto, por outro lado,
mostram (os registros das fazendas) um aumento, até então nunca
verificado, de nascimentos em 1870.” “4 Seja qual tenha sido seu des-
tino, é provável que o meio milhão de ingênuos que se pensava estar
vivo quando a escravatura foi abolida em 1888 incluísse uma peque-
na percentagem daqueles nascidos de escravas durante os dezessete
anos anteriores. *º Apesar das provisões da lei que tinham por inte
n-
ção criar estatísticas exatas sobre esta classe de crianças, apesar das
pesadas multas decretadas para o seu não cumprimento, seu dest
ino
nem mesmo podia, ao tempo, ser conhecido. 43
A maioria dos ingênuos que sobreviveram permaneceu nas fa-
zendas sob a supervisão dos donos de suas mães. Tendo o direito de
escolher entre usar o trabalho das crianças depois do seu oitavo
aniversário ou trocá-las por títulos do governo, a grande maioria
dos proprietários escolheu usar seu trabalho, em parte pelo fato desta
opção não requerer deles qualquer ação. Dos 400 mil ou mais ingê-
nuos registrados até 1885, apenas 118 haviam sido confiados
ao
governo em troca dos ornados certificados que o regime imprimira
para esse fim (ver ilustração n.º 25) e, no ano seguinte, apenas dois
ingênuos foram trocados dessa forma. Segundo o decreto de 13 de
novembro de 1872, os poucos ingênuos que o governo recebeu eram,
tal como sucedera com os “africanos livres” alguns anos antes, con-
I44
, o: Rê
fiados a pessoas físicas, que também tinham o direito de usar seus
serviços ou de alugá-los a terceiros. Em 1885, mais de 9 mil ingê-
nuos já tinham passado para uma condição de liberdade sem obs-
táculos, juntamente com suas mães, mas a grande maioria das crian-
cas sobreviventes continuava sem dúvida, em conformidade com a
lei, num estado de escravidão de facto até elas serem libertadas, ao
do que os escr avos , em 13 de maio de 1888. 44
mesmo tempo
I45
seguinte, um instrumento de proteção. Ao abrigo da sombra de suas
provisões, continuaram aumentando o número de seus escravos até
meados da década de 1880 com um desrespeito quase tradicional,
que só foi temperado pelo reconhecimento de que a solução ime-
diata a suas necessidades de mão-de-obra já não seria permanente.
Face à onda abolicionista da década de 1880, além do mais, a Lei
Rio Branco serviu como um novo e forte argumento; condenara a
escravatura à extinção e nenhuma outra medida seria necessária
para assegurar seu desaparecimento dentro do período de vida das
gerações existentes. O que era preciso, argumentavam os proprie-
rf
tários de escravos, eram soluções legislativas para os problemas eco-
nômicos causados pelo rápido envelhecimento e a morte dos indis-
pensáveis trabalhadores agrícolas — não mais limitações dos direitos
dos proprietários.
Enquanto, assim, a procura de novas fontes de mão-de-obra ba-
rata estava tornando-se mais insistente, uma nova oposição ao tra-
balho servil, fosse qual fosse sua forma, também se estava desenvol-
vendo, inclinando-se para rejeitar todos os argumentos que os pro-
prietários pudessem apresentar. Este foi talvez o efeito mais positivo
da Lei Rio Branco. Minou sutilmente a escravatura, identificando
a emancipação com os melhores interesses da nação. O debate sobre
a lei acentuara claramente a injustiça da escravidão, de modo a
todos a compreenderem. De grande importância prática também foi
a libertação de meio milhão de crianças, muitas das quais, na década
de 1880, estavam entrando na idade produtiva e, como escravos, te-
riam representado um forte incentivo para prolongamento do siste-
ma tradicional de trabalho.
146
Parte Dois
1879-1856
executar
Infelizmente, o espírito revolucionário teve que
uc os an os um a ta re fa qu e hav ia sid o des prezada
em po
durante um século.
Joaquim NABUCO
Minha formação
A esta America cofossal...
veio a raça negra e deu ao Norte
o algodão e ao Sul o café:
chegou ás nossas praias barbara, pagã, escrava,
e foi o primeiro instrumento da riqueza
dos Estados Unidos e do Brazil. Em troca
ensinamos-lhe a agricultura e o uso das roupas;
instruimo-la nas artes, nas letras,
nas sciencias; demos-lhe o nosso Deus
e os nossos templos;
agora, lhe estamos dando a liberdade.
SALVADOR DE MENDONÇA
Trabalhadores asiaticos (Nova York, 1879).
HERBERT H. SMITH
Brazil: the Amazons and the Coast
(Nova York, 1879).
AS PROVÍNCIAS NA
VESPERA DO ABOLICIONISMO
= To
valiosos e trabalhando na terra, a escravatura foi defendida com
muitos argumentos, mas onde havia poucos e “valendo” muito pouco
ou onde eram encontrados tanto nas cozinhas quanto nos campos, as
|
]
O NORTE
5!
RIUNICIPAL
BIBLICTECA PÚBLICA
para duas futuras fontes de mão-de-obra agrícola: os ingênuos, quan-
do atingissem a maioridade, já que a maioria deles permanecera,
provavelmente, nas suas fazendas de origem como resultado da Lei
Rio Branco, e as centenas de milhares de homens livres, indigentes
População (milhares)
200
MINAS GERA IS
ISO
SO
O a
vs] ]
+ "o/a f:
grande parte do litoral nordestino, os homens livres tinham pouco
acesso a boa terra agrícola na faixa costeira fértil. O fluxo de gente
pobre e de antigos escravos poderia ser dirigido para as fazendas e
os salários poderiam ser mantidos baixos. 1 Os homens livres pode-
riam ser contratados apenas para a temporada da safra e, depois,
no resto do ano, deixados a seu próprio destino. Os salários desses
trabalhadores livres, além do mais, não estariam sujeitos à influên-
cia do mercado de trabalho do sul, como o estavam os preços dos
escravos, mais móveis e negociáveis. Os homens livres não poderiam
ser obrigados a viajar para o sul e, assim, eram uma fonte de tra-
balho potencialmente mais digna de confiança. A libertação dos
escravos, na realidade, poderia ser praticamente equivalente a sua
estabilização dentro de suas províncias, acabando com a perda em
grande escala de trabalhadores úteis, perda essa que o Nordeste vinha
sofrendo há quase trinta anos, embora esta vantagem, para alguns,
ainda fosse compensada pela oportunidade que outros tinham de
obter bons preços no sul.
A atitude de, pelo menos, alguns fazendeiros do norte foi reve-
lada numa petição publicada, em 1877, de lavradores de Sergipe ao
governo central. Esta mensagem culpava a Lei Rio Branco e o co-
mércio interprovincial de escravos pela crescente escassez de mão-de-
obra e chamava a atenção para o fato de que, num importante mu-
nicípio produtor de açúcar de Sergipe, a perda de escravos capazes,
devido a várias causas, fora de trinta por cento do total de escra-
vos em menos de cinco anos. Com os trabalhadores cativos destina-
dos obviamente a uma rápida extinção, os requerentes manifestavam
sua oposição à escravatura e sugeriam reformas para que pudessem
atrair a população ociosa. Os homens livres dispostos a trabalhar por
salários ou sob contrato poderiam, por exemplo, ser isentos do ser-
viço militar. “Concessões particulares liberalisadas” poderiam ser ofe-
recidas para atrair trabalhadores, incluindo a concessão de aloja-
mentos confortáveis, um cultivo maior de cereais e de outras safras
alimentícias e o estabelecimento de aulas noturnas onde os traba-
lhadores agrícolas pudessem aprender a ler e escrever. “Movidos por
essas vantagens e pela idéia de jornal certo, os proletários procura-
rão incorporar-se às propriedades rurais e abandonarão os povoados,
ora convertidos em viveiros de ociosidade e de vícios...”2 A men-
sagem de Sergipe foi particularmente significante pelo fato de a es-
1 Furtado, ã econômica
Formação | do Brasil,Il, p páginas 163-164
2 Representação da lavoura de Sergipe aos altos poderes do estado (Rio
de Janeiro, 1877).
153
cravatura, nessa província, ainda ser forte e vital em comparação
com a instituição nas províncias vizinhas.
Assim, havia, já então, de um modo geral, um maior desejo do
norte do Brasil de ver a escravatura terminar, mas a verdade é que,
dentro dessas vastas regiões, o compromisso para com a escravatura
também variava. Na província do Maranhão, no extremo norte, onde
os escravos eram relativamente numerosos e a população de cor
era quase o dobro da branca, * os cidadãos influentes mostravam-se
menos inclinados a soltar as rédeas dos sentimentos abolicionistas.
Apesar de menos recalcitrantes do que as províncias do centro-sul,
Maranhão e até mesmo a província vizinha do Pará jamais
repre-
sentaram um papel importante no esforço abolicionista, com
ambas
permanecendo grandes regiões de escravos até às vésperas da
aboli-
ção. Em contraste, as províncias localizadas na corcunda do
nordes-
te brasileiro (nomeadamente o Ceará, Rio Grande do Norte,
Pa-
raíba. Pernambuco e até mesmo partes da Bahia) eram exporta
do-
ras de um grande número de escravos (ver Tabela 9) e esta
vasta
e importante parte do país talvez fosse a menos disposta
a defender
a escravatura. *
No norte do Brasil, o abolicionismo encontrou um solo parti-
cularmente fértil em duas províncias. O Amazonas, rico em borra-
cha e com poucos escravos pretos, viria a solucionar rapidamente
o
problema, em 1884, com grande entusiasmo público,
já que, nessa
província, onde a maior parte do trabalho era realizada por mão-de-
obra índia e cabocla, pouco havia a fazer para acabar com a escra-
vatura dos pretos e, por conseguinte, o ímpeto para fazê-lo era
grande. A província do Ceará, muito pobre devido às secas, já há
muito era uma fonte importante de escravos para o mercado do
sul, com este comércio tendo aumentado durante a década de
1870
em consegiiência da seca. Assim, em 1879, o Ceará já estava
pronto
para ser um centro de agitação, que, durante os pró
ximos cinco
anos, viria a inspirar os abolicionistas do país inteiro. Dentro das
províncias do norte, é claro, até mesmo no Ceará, havia
* a
154
tura varrida do Brasil foi notavelmente bem manifestado, apesar do
caráter atrasado das cidades regionais e de sua óbvia dependência
do setor agrícola de suas economias.
Apenas oito anos depois da aprovação da Lei Rio Branco, à
evolução para um sistema de trabalho livre, que fora particular-
mente rápida em grande parte do norte, criara indícios, nessa região,
de um novo sentimento abolicionista. Tanto na Assembléia Geral]
quanto na própria região, havia indicações de que muitas pessoas
preeminentes e influentes já não estavam satisfeitas com o siste-
ma gradual de libertação estabelecido pela legislação de 1871. No
oitavo aniversário da Lei Rio Branco, no meio de uma seca trágica,
um pequeno grupo de cidadãos da classe média de Fortaleza, a capi-
tal e porto do Ceará, criou uma sociedade emancipacionista, a qual,
em pouco mais de um ano, se transformou em poderosa organização
abolicionista. Segundo um viajante americano cujo livro foi publi-
cado em 1879, um forte movimento emancipacionista, apoiado por
cidadãos preeminentes, também surgira em Pernambuco nessa data,
um resultado da perda de escravos para as províncias do sul. As la-
vouras de café da província do Rio de Janeiro, relatou o mesmo au-
tor, eram trabalhadas freqiientemente por trezentos ou quatrocentos
escravos, enquanto as plantações de açúcar de Pernambuco e do Pará,
por seu lado, só raramente possuíam um quinto desse número. “Ago-
ra, notem o resultado”, escreveu ele, como conclusão:
6 Herbert H. Smith, Brazil: The Amazons and the Coast (Nova York,
1879), páginas 469-470.
155
ções de amizade verdadeiramente patriarchaes”. O sul, por outro
lado, “ambicioso, obstinado, aristocratico, barbaro e cruel para o
escravo, embriagado pelo jogo do café, foi comprando a fatal merca-
doria a todo o custo”. O norte era abolicionista, disse Patrocínio,
enquanto o sul, endividado junto aos bancos e aos comerciantes de
café, não conhecia outro modo de vida que não fosse o da escra-
vatura. é
AS PROVÍNCIAS DO CAFÉ
156
gta "
"aca
Ta ToR.S
movimento abolicionista surgiu na capital em 1880. Apesar de uma
forte oposição, contudo, a capital imperial foi o centro do movi-
mento nacional antiescravatura durante oito anos de luta, pois era
no Rio de Janeiro que se reuniam os políticos de todas as regiões,
que os órgãos do governo estavam estabelecidos, que os jornais, os
livros e outras obras de propaganda dos abolicionistas podiam ser
publicados mais facilmente e que um amplo e sofisticado público
podia manifestar melhor suas opiniões aos detentores da autoridade.
No Brasil, como um todo, conforme Joaquim Nabuco escreveu
em 1883, a escravatura era mais forte nos distritos do café das pro-
víncias do centro-sul, ? mas também havia, nessas províncias, vastas
áreas em que não existia essa lucrativa safra e onde, por conseguin-
te, a escravatura já não tinha raízes tão profundas quanto nos dis-
tritos do café. Isto era particularmente verdadeiro no que se referia
à ampla e populosa província de Minas Gerais, que continha uma
pequena zona de café, pró-escravatura, tendo fronteiras com áreas
semelhantes das províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo, zona
essa onde se concentrava uma grande parte da população escrava
de Minas Gerais. º Mais para o interior da província, contudo, havia
regiões mais pobres, de mineração e de gado, que, tal como o Nor-
deste, perdera escravos para as regiões do café e continuava a
perdê-los durante os últimos anos da escravatura (ver Tabela 12).º
Dentro das fronteiras de Minas Gerais, portanto, o interesse pelo
sistema servil variava tanto quanto no Império como um todo —
distritos do café defendendo o sistema de trabalho escravo, áreas
mais vastas, mas também mais pobres, sem café, demonstrando me-
nos preocupação quanto a sua sobrevivência ou até ansiosas por ver
seu fim. Joaquim Nabuco tinha plena consciência das diferentes
atitudes para com a escravatura nas várias regiões da província quan-
do escreveu a respeito da decadência das velhas cidades de minera-
ção e descreveu os distritos do café como “a parte opulenta de Mi-
nas Geraes.” 10 A mesmo situação também existia muito nas pro-
víncias de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde os municípios do
café continuavam atraindo escravos à custa dos municípios onde não
157
havia café, bem como das regiões fora dessas províncias! (ver Ta-
belas 13, 14 e 15).
Até mesmo nos distritos do café, conforme certos historiadores
indicaram recentemente, havia atitudes diferentes para com a escra-
vatura, diferenças essas causadas por diferentes níveis de desenvol-
vimento e prosperidade. A economia do café da província do Rio de
Janeiro já estava declinando em 1879. Seus fazendeiros ainda pos-
suíam muitos e valiosos escravos jovens e três quartos dos cativos
da província dedicavam-se ao trabalho agrícola. 12 Todavia, as ter-
ras da província já não podiam produzir a riqueza dos anos ante-
riores. Profundamente endividada, ameaçada com a ruína pela nova
onda de abolicionismo, com cenas de agitação a apenas alguns qui-
lômetros de distância, na capital imperial, sua resistência viria a
ser do tipo mais amargo.
A economia do café da província de São Paulo, por outro lado,
expandia-se para novas áreas e a província, como um todo, beneficia-
va-se de uma alta econômica. Para os fazendeiros de São Paulo, a
abolição poderia significar prejuízos financeiros, mas, no final, os
paulistas — particularmente os das zonas do norte da província que
ainda se estavam desenvolvendo — mostraram-se mais flexíveis pelo
fato de estarem navegando numa onda de prosperidade e por dispo-
rem dos meios para solucionar seus problemas. Ricos e otimistas,
estavam melhor preparados para se defenderem da pressão abolicio-
nista, para tomarem medidas bem sucedidas na solução do problema
da mão-de-obra e, depois, quando dominados pelo inesperado suces-
so dos métodos abolicionistas extralegais, em 1887, para se volta-
rem e se moverem em harmonia com o movimento de libertação,
apesar da existência de muitos escravos nas suas fazendas. Tanto
antes quanto depois de meados de 1887, quando o sistema escravo-
crata se desmoronou subitamente em São Paulo, com a fuga em mas-
sa dos escravos, os fazendeiros paulistas agiram para proteger seus
interesses econômicos. Antes dessa data, seu apoio determinado à
escravatura baseava-se em grandes róis de escravos, em elevados lu-
cros de investimentos em escravos e o receio de uma escassez de tra-
balhadores agrícolas para limpar e semear novas terras e, depois,
158
para a colheita das safras. Depois dessa data, como se tornará apa-
rente, os escravocratas paulistas voltaram-se temerariamente para o
emancipacionismo, tendo o objetivo manifesto de proteger seus inte-
resses econômicos em perigo e de restaurar a estabilidade de sua
sociedade.
Quando a década abolicionista teve seu início, contudo, os fa-
zendeiros paulistas e os seus vizinhos das províncias do Rio de Ja-
neiro e de Minas Gerais estavam particularmente determinados a
manter a escravatura por ainda muitos anos, talvez mesmo por mais
trinta anos. Seus trabalhadores cativos eram, em parte, gente de pri-
meira escolha, do norte, cuja importação durante a década de 1870,
segundo as palavras de um observador britânico, “correspondera com
a gradual extensão de novas lavouras de café e com o aumento das
exportações do café.” Como classe, os escravos das províncias do
café eram “robustos e saudáveis”, afirmou o mesmo autor, acrescen-
tando algumas explicações:
159
afirmado, mais tarde, que as primeiras experiências imigracionistas
fracassaram no que se refere a proporcionarem uma força de traba-
lho alternativa e que “à medida que o centro de gravidade econô-
mica do Brasil se desviava para o sul, na direção das zonas paulistas
do café, milhares de escravos iam sendo transferidos, a preços exor-
bitantes, de Minas Gerais e do norte do país”, dobrando a população
escrava provincial de 80 mil entre 1866 e 1873, 14
Richard Graham também atribuiu aos novos “empresários agTi-
colas” de São Paulo uma tendência para rejeitarem o passado senho-
rial, juntamente com a escravatura. Os novos fazendeiros, escreveu
Graham, “demonstraram seu espírito inovador, adotando uma nova
safra, usando novas técnicas para processá-la, exigindo uma fonte
de mão-de-obra mais abundante e flexível do que poderia ser propor-
cionada por escravos e acolhendo entusiasticamente as estradas de
ferro, as quais, em muitos casos, eles próprios construfam.” Junta-
mente com os modernos urbanistas e industriais, os novos fazendei-
ros paulistas, afirmou esse autor, foram um importante fator na eli-
minação do sistema escravocrata. Tanto Morse quanto Graham atri-
buíram o alegado progressismo dos novos fazendeiros paulistas a ten-
dências burguesas adquiridas como um resultado de suas origens e
de sua chegada tardia à cena econômica, defendendo esta explicação
com o argumento de que os novos fazendeiros compreendiam que a
escravatura constituía um obstáculo à imigração de europeus em gran-
de escala, imigração essa que era necessária para substituir uma po-
pulação escrava já inadequada. 15
Existem inúmeras provas que revelam, contudo, que os novos
fazendeiros de São Paulo, muitos dos quais eram, de fato, ricos mi-
grantes das mais antigas regiões de cultivo do café das províncias
de Rio de Janeiro, de Minas Gerais e até mesmo do Nordeste, ado-
taram predominantemente a escravatura como solução imediata para
suas necessidades de mão-de-obra, em vez de se voltarem imediata-
mente para o trabalho livre, não havendo razão para acreditar que
o fizeram relutante ou involuntariamente ou, ainda, com muita es-
160
perança de que houvesse, de fato, qualquer outra solução. !º O fluxo
de escravos para a província de São Paulo continuou até bem depois
de ser iniciado o período em que o cultivo do café se estendeu para
as novas áreas do norte e do oeste da província e, na realidade, foi
exatamente nessas zonas que o aumento da população escrava sc
tornou particularmente notável durante as últimas décadas da es-
cravatura, face a um rápido declínio nacional da população escrava. *”
(Ver Tabelas 14 e 15, em especial as estatísticas referentes à Casa
Branca, Descalvado, São Carlos, Pirassinunga e Amparo.) No novo
e ainda pouco explorado norte e oeste paulista, escreveu Samuel
Lowrie, “operavam no sentido da manutenção da escravatura, inte-
resses econômicos mais poderosos que os de qualquer outra região”.
A relativa importância da escravatura para as várias partes da pro-
víncia, acrescentou ele, era o resultado de condições econômicas re-
gionais durante o último quarto do século xrx: “...decadência no
litoral: relativa estabilidade no Norte e no Centro; e desenvolvimento
rápido na zona Mogiana-Paulista. Sob a influência destas condições
econômicas, foram os escravos transferidos das zonas menos pro-
gressistas para as mais prósperas.” 18
Os fazendeiros e seus representantes explicaram este acúmulo
tardio de escravos, que afetou todas as principais zonas de café da
província, em detrimento das regiões costeiras, mais pobres, afir-
mando que a rentabilidade da escravatura na produção do café ainda
continuava. Mesmo se a escravatura legal fosse limitada a três anos,
disse um membro da Câmara dos Deputados em 1880, “ainda com-
praremos escravos a dois contos de reis”, já que um escravo produ-
tor de café pagava seu preço de compra em apenas dois anos. *?
Afirmando que metade ou até mais dos escravos nas províncias de
Minas Gerais e de São Paulo haviam sido comprados do norte desde
1871, Prudente de Morais, futuro Presidente da República, colocou
a receita anual do trabalho de um escravo nas províncias do café
em 300 mil-reis em 1885. 2º A situação dos municípios paulistas do
161
norte na véspera da abolição é ilustrada pelo exemplo de Mogimirim.
No final de 1886, esse município continha setenta e quatro planta-
ções produzindo 55 mil sacas de café. O trabalho nas fazendas era
quase todo realizado por 3 mil escravos, não havendo mais de 800
trabalhadores livres no município. 2! “Havendo o recurso do escra-
vo”, como Martinho Prado Jr. disse em 1884, os plantadores de café
de São Paulo mostraram pouco interesse em usar trablhadores na-
cionais livres. ?º Em 1886, os fazendeiros do município paulista de
Limeira ainda foram vistos oferecer a enorme quantia de 1.600 mil-
reis (então, o equivalente de 160 libras esterlinas) por um só
escravo.28
A hora era tardia para a escravatura, mas uma tal especulação
não surpreenderia os negociantes de café de Santos ou do Rio de
Janeiro, que sabiam que os fazendeiros, com sua pouca confiança
nos trabalhadores livres, podiam antecipar razoavelmente uma rica
compensação de escravos usados no cultivo do café, uma receita
que, de outro modo, se poderia perder inteiramente. Ironicamente,
como a escravatura já estava moribunda na década de 1880 devido
à ameaça abolicionista, os escravos, como um investimento a curto
prazo, poderão ter constituído uma atração fora do comum para os
fazendeiros, já que o tumulto antiescravista reduzira os preços dos
escravos sem reduzir sua capacidade produtiva. 2* Se é verdade, con-
forme afirmou o historiador econômico brasileiro, Roberto Simon-
sen, que um “bom escravo masculino” podia produzir vinte e cinco
sacas de café por ano, % e sendo também verdade, como afirmou
Afonso de E. Taunay, que o preço médio de uma saca de café em
1886/87 era de 308770 (ver Tabela 26), o escravo comprado em São
162
cio de 188 6 por 1:6 00$ 000 pod eri a pro duz ir caf é que
Paulo no iní
valesse 7698250 no primeiro ano e, provavelmente, teria ganho para
nde par te do seu cus to ini cia l ant es do sis tem a esc ra-
seu senhor gra
vocrata pau lis ta co me ça r a des mor ona r-s e em mea dos de 188 7. Se,
contudo, a escravatura tivesse sobrevivido mais treze anos, confor-
me se esp era ra em 188 6, um esc rav o adq uir ido nes se ano pod eri a ter
pro duz ido seu cus to ini cia l vár ias vez es ant es de sua lib ert açã o. Co m-
prar um escravo, no Brasil, em 1886, era reconhecidamente um ato
imprudente, mas não era, por certo, inteiramente desrazoável.
A distinção entre a antiga e a nova agricultura de São Paulo é
válida, mas a verdade é que nem a situação especial dos novos fa-
zendeiros, nem sua alegada tendência para rejeitar o passado foram
de mol de a con ver tê- los em abo lic ion ist as pre coc es ou a imp edi -lo s
de comprarem mais escravos. 2º Conforme veremos mais adiante,
circunstâncias muito diferentes — especificamente, a falta de co-
ope raç ão e a hos til ida de de seu s pró pri os esc rav os — vie ram a tra ns-
formá-los em emancipacionistas. Tal como seus antecessores nas Te-
siões agrícolas brasileiras mais antigas, trabalhavam suas fazendas
com esc rav os pre tos , du vi da va m de sua pos sib ili dad e de atr air bra si-
leiros e europeus livres e, como os proprietários em qualquer lugar,
defendiam seus investimentos quando estes eram atacados.
Para compreendermos o papel de São Paulo na década abolicio-
nista, teremos de distinguir, como fez Nabuco, entre a capacidade
dos fazendeiros e sua disposição para tal, no que se referia a adotar
um novo sistema de mão-de-obra. 27 Para medirmos sua posição re-
lativa na questão da escravatura, as atitudes dos fazendeiros paulis-
tas nas diversas partes da província têm de ser comparadas não só
com as de outros produtores de café, mas também com as de brasi-
leiros representativos da totalidade da nação. A conversão paulista
ao emancipacionismo veio tarde e foi motivada não por seu desejo
de libertar os pretos ou de abrir caminho para europeus, mas sim,
paradoxalmente, para poderem manter seus escravos no trabalho
163
numa situação de emergência, mesmo se num status alterado. A
imigração européia, além do mais, foi menos uma causa de sua sú-
bita mudança para o emancipacionismo em 1887 do que uma feliz
e tardia solução para seu problema de mão-de-obra. Apesar de vá-
rios esquemas de imigração terem sido, finalmente, iniciados vigo-
rosamente em 1885 e 1886, tendo começado a fornecer grandes con-
tingentes de trabalhadores agrícolas europeus em 1887, antes dessa
data os esforços em favor da imigração haviam sido débeis e quase
inteiramente mal sucedidos. Com início na década de 1830, muitas
tentativas haviam sido realizadas para atrair europeus e alguns, na
realidade, já tinham vindo para o Brasil. Todavia, o recenseamento
de 1872 colocou a população de São Paulo nascida no estrange
iro
em apenas 29.622, dos quais 15.227 eram africanos (mais de
13 mil
ainda escravizados) e 1.132 eram italianos. 2º Em 1884, o número
de colonizadores usados nas fazendas do café da província
de São
Paulo ainda eram calculados em apenas mil famílias. 2º
Como resultado de muitos fracassos anteriores, os fazendeiros
de
São Paulo, até bem depois de iniciada a década abolicionista,
tinham
pouca fé nos europeus ou em brasileiros livres como substitutos
para
seus escravos. Em 1879, Antônio Moreira de Barros, de São Paulo,
num apelo por trabalhadores chineses, negou que os europeus pudes-
sem ser convencidos a trabalharem ao lado de escravos nas fazenda
s
do café. 3º O Senador Joaquim de Godoy, de São Paulo, enviou
um
questionário, referente ao futuro da mão-de-obra, aos municípios
paulistas em 1884. As respostas indicaram que as atitudes para com
a escravatura e a imigração pouco divergiam nas várias partes da
província. A maioria das câmaras municipais que responderam re-
Jeitou a libertação sem indenização de escravos com mais de sessen-
ta anos de idade (o que se encontrava, então, sob consideração
pela
legislatura brasileira) e favoreciam leis, na. sua maioria, para forçar
Os antigos escravos e os brasileiros livres desempregados a
trabalha-
rem nas plantações de café. Não se verificaram pedidos de imigran-
tes europeus, embora uma câmara municipal, pelo menos, tivesse
pedido trabalhadores chineses. Sem ele próprio ter feito
qualquer
referência aos europeus, o Senador Godoy afirmou na
sua mensa-
gem aos municípios que a única solução imediata para
o problema
do trabalho na província de São Paulo era o trabalhador
brasileiro,
que ainda não se conseguira acomodar “ante o estado
mental dos
164
razendeiros que entendem ser só Oo serviço escravo o unico pro-
ductivo.” *!
Assim, na véspera da luta abolicionista final, as elites das pro-
víncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais tinham um
interesse maior na sobrevivência da escravatura do que a maioria
dos outros fazendeiros brasileiros no resto da nação. “No cultivo do
café”, escreveu um correspondente do jornal The London Times em
Jundiaí, São Paulo, em 1883, “estão empregados cerca de 500 mil
escravos, que, neste trabalho, valem pelo menos 120 libras esterlinas
por cabeça, isto é, um total de 60 milhões de libras...” * Em con-
traste, grande parte do resto do Brasil já avançara muito no sen-
tido de uma transformação completa de um, sistema de escravos para
um sistema de trabalhadores livres, com a motivação econômica para
manter a escravatura já tendo sido, portanto, grandemente afasta-
da. Um certo ressentimento acumulara-se, por certo, nas provín-
cias do norte, além do mais, devido à perda de escravos para o sul
e esta migração pode perfeitamente ter ajudado a motivar as per-
turbações antiescravatura de 1879.
Nas zonas do café, por outro lado, os escravos ainda eram a
principal fonte de trabalho nas fazendas e o capital ainda fluía para
investimentos em escravos. A imigração — tanto chinesa quanto
européia — fora mal sucedida em proporcionar uma força traba-
lhista alternativa e os brasileiros marginais e vagabundos ainda eram
considerados impossíveis de usar. Confiando nas garantias contidas
na Lei Rio Branco e continuando a agir na forma tradicional e
aceita, os plantadores de café pouco tinham feito para mudar para
um sistema de trabalho livre; a maioria, por conseguinte, encontra-
va-se inteiramente despreparada para aceitar as importações do novo
movimento de reforma da década de 1880.
1óS
Não há nada mais difícil
do que avaliar a importância
relativa dos diversos fatores de um movimento que
se torna nacional. O último dos apóstolos pode
vir a ser o primeiro, como São Paulo,
em serviços e proselitismo. Tudo
na abolição prende-se, não se pode
escrever-lhe a história
suprimindo qualquer
dos seus elos.
JOAQUIM NABUCO
Minha formação
O MOVIMENTO ABOLICIONISTA:
PRIMEIRA FASE,
OS INÍCIOS DO ABOLICIONISMO
1 Joaquim Nabuco, Minha formação (São Paulo, 1947), página 170: Fon-
seca, 4 escravidão, o clero e o abolicionismo, páginas 18-19: Dornas Filho
A escravidão, página 169. , ,
166
nunciou a Lei Rio Branco como sendo uma reforma vergonhosa e
mutilada. A sociedade brasileira, declarou ele, encontrava-se sobre
um vulcão. Os liberais brasileiros eram obrigados a ir além do tra-
balho dos conservadores, a declarar à nação que todos os brasileiros
eram cidadãos, que todos eram livres. Depois de uma explosão não
parlamentar de comentários e comoção, Sodré concluiu seu discurso
histórico com um apelo para a extinção total e rápida da escra-
vatura. 2
Na sua apressada resposta a Sodré, Martim Francisco Ribeiro
de Andrada, de São Paulo, não só defendeu a escravatura, mas
também insinuou que os interesses do café preferiram desmem-
brar o Império a ver o sistema de trabalho destruído por uma
legislatura dominada pelos deputados de outras regiões. “Nós, os
representantes das províncias do sul do Império, disse este paúlista,
neto do líder da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva,
apreciamos a integridade deste vasto paiz, mas não tanto que, para
conserval-a, queiramos tolerar a liquidação geral das fortunas e a
destruição violenta da propriedade escrava, para que tanto têm con-
corrido as grandes remessas, que nos têm feito as províncias do norte,
de escravos, que nos vendem por avultada somma.”8
Joaquim Nabuco, eleito para a Câmara em 1878, por Pernam-
buco, depressa revelou uma inclinação para seguir o exemplo de
Sodré. ! Em agosto e setembro, em dois discursos, Nabuco acusou a
empresa britânica São João d'El-Rei Mining Company, de Minas
Gerais, de manter duzentas pessoas em escravidão ilegal havia já
vinte anos. º Num brilhante discurso proferido em outubro, Nabuco
juntou-se a Sodré, exigindo uma nova legislação para substituir a
167
lei que seu pai defendera tão fortemente apenas uma década
- antes 2
lei essa que, na opinião do jovem Nabuco, já não correspondia às
ta . + e
169
próxima de seu final. Em 24 de agosto, Nabuco pediu à Câmara
que concedesse urgência a um projeto emancipacionista de sua cria-
ção a fim de possibilitar ação durante a sessão corrente. Trinta e
oito membros da Câmara aceitaram permitir discussão imediata,
mas, sob pressão de representantes dissidentes, o Presidente do Con-
selho ameaçou demitir-se se o projeto fosse discutido e as sessões
da Câmara, assim, foram suspensas por vários dias. 14
Esse projeto, que tanto perturbou os processos normais da Cà-
mara, constituía um forte ataque à escravatura, tendo por objetivo
abolir a instituição até o final da década de 1880, com indenização
total para os donos dos escravos ainda existentes. A compra e venda
de cativos teria cessado imediatamente, acabando, desse modo, com
o comércio entre as províncias. Os mercados de escravos de todos
os tipos teriam sido fechados e as pessoas encontradas transportando
escravos de uma província para outra seriam castigadas ao abrigo
da lei antitráfico de escravos de 7 de novembro de 1831 (ver Capí-
tulo 2). As associações organizadas para emancipar cativos recebe-
riam terras, segundo o projeto de Nabuco, para o estabelecimento
de colônias para o benefício dos libertos. As mães deixariam de ser
separadas de seus filhos com o fim de serem alugadas como amas-
de-leite, como criadas ou para qualquer outro propósito. Muitos
————
escravos teriam sido libertados imediatamente, segundo esse projeto,
incluindo os velhos, os cegos, os doentes incuráveis e todos aqueles
nascidos na África, fosse qual fosse a data de sua importação. Os
irmãos mais velhos dos ingênuos seriam libertados dentro de um
>>
período de dois anos. O ensino primário seria estabelecido, para os
escravos, em todas as cidades e vilas, com os proprietários sendo
obrigados a enviar todos seus escravos e ingênuos para as escolas
a fim de que adquirissem um conhecimento da leitura, da escrita e
dos “principios de moralidade”. Entre as várias provisões do projeto
e
170
convicção de que é preciso caminhar
questão da emancipação... na
Na se pa ra ri a nã o só do ga bi ne te, não só
eu me
além da lei de 28 de setembro, ic a e da co ns pi ra çã o ge ra l do paiz,
iã o pu bl
do partido liberal, não só da opin
de tu do e de to dos.
mas
, pr om et eu ele , po is ni ng ué m —
Faria uma aliança com o futuro poderia
nem mesmo o Presidente do Conselho, nem o gabinete —
O pr óp ri o Im pe ra do r já co mp re en de ra
evitar a abolição. Até mesmo um mi lh ão e me io
ed er a li be rd ad e a
que era chegada a hora de conc
de escravos. !º z, de M a r t i n h o
u c o ve io , de st a ve
A resposta ao discurso de Nab nt e, qu e
de cl ar ou , mu it o fr an ca me
Campos, de Minas Gerais, que (“ Po is eu de cl a-
de “e sc ra vo cr at a”
aceitava para si mesmo O rótulo po de r se r em an -
nã o te nh o a fo rt un a de
ro muito intencionalmente, io nas
ne ce ss ár
qu e O tr ab al ho es cr av o er a
cipador”). Afirmando os ta s de Na -
os de nu nc io u as pr op
fazendas do café, Martinho Camp ad o, en tã o, de
di do de ur gê nc ia foi re je it
buco como inviáveis e o pe ze do s de-
r se te nt a e set e de pu ta do s. Qu at or
um modo esmagador po de pr ov ín -
O pe di do de Na bu co er am
zoito deputados que apoiaram
cias do norte, sete deles de Pernambuco. o s an ti-
is ta rd e, Na bu co te nt ou ac re sc en ta r ar ti go
Cinco dias ma
o do or ça me nt o, in cl ui nd o me di da s pa ra ab ol ir
escravistas ao projet
rp ro vi nc ia l de es cr av os e pa ra cr ia r fu nd os re gi on ai s
o comércio inte .
pi ed ad e) pa ra o pr op ós it o de li be rt ar es cr av os
de caridade (caixas de
da r- lh es o no me de To sé Bo ni fá ci o, o fa mo so av ô de
Propôs também
es op on en te s pau lis tas de Na bu co que , cin -
um dos mais recalcitrant
ano s ant es, pro pus tra à cri açã o de cai xas de pie dad e
quenta e sete
te s nu m dis cur so à As se mb lé ia Con sti tui nte . 1º
semelhan
de, o ab ol ic io ni sm o deu out ro pas so em fre nte ,
Três dias mais tar
com Na bu co de nov o na lid era nça . No 58.º ani ver sár io da ind epe n-
a, um peq uen o gru po ant ies cra vis ta reu niu -se na Te-
dência brasileir
ia de Nab uco , na Pra ia do Fla men go, par a org ani zar a Soc ie-
sidênc
a con tra a Esc rav idã o. Seg und o um a des cri ção con -
dade Brasileir
a, a noi te de 7 de set emb ro foi tem pes tuo sa; as ondas
temporâne
am rui dos ame nte nos vel hos e dil api dad os cais à
da baía embati
da casa, acompanhada por
beira d'água. A voz de Nabuco dentro
171
tiros de canhão que comemoravam a independência, soava acima da
salva e parecia negar, no espírito romântico de quem fez a descrição,
a mensagem dos canhões. Nabuco parecia estar dizendo nesse dra-
mático momento: “Não há liberdade nem independência em uma
terra de um milhão e quinhentos mil escravos!” 1º Três semanas mais
tarde, uma segunda reunião foi realizada na casa de Nabuco, com
a Sociedade Brasileira contra a Escravidão sendo, então, inaugurada
oficialmente. Os membros da nova organização resolveram publicar
um jornal e comunicarem-se com outras organizações antiescrava-
tura na Europa e América. 2º
A Sociedade Brasileira contra a Escravidão, segundo Carolina
Nabuco, foi criada para combater a escravatura através da propa-
ganda e esta depressa surgiu. 2! O Manifesto da sociedade, escrito por
Nabuco, foi publicado em panfletos e jornais, em inglês, francês e
português. Apesar de seu propósito ter sido convencer os brasileiros
de que a escravatura já não era necessária, também denunciou “as
crueldades infinitas” da instituição. Procurando associar o aboliício-
nismo com o patriotismo, identificou sua causa com as idéias dos
revolucionários pernambucanos de 1817, com José Bonifácio e com
uma tradição emancipacionista no Parlamento refletindo “a mais
nobre e mais esclarecida parte da consciência brasileira...” O Ma-
nifesto elogiava a Lei Rio Branco, mas denunciava seu respeito
“supersticioso” pelos interesses dos fazendeiros e sua implicada acei-
tação da escravatura por mais três quartos de século. Acusando a
Assembléia Geral e o ministério liberal de ignorarem o sofrimento
dos escravos, apelando para o brio nacional, para o Imperador e
para todas as classes, o Manifesto terminava com a afirmação de
que “o Brasil seria o ultimo dos paizes do mundo, se, tendo a escra-
vidão, não tivesse um partido abolicionista...” 22
Em 1 de novembro de 1880, o primeiro número de O Abolicio-
nista, o órgão da Sociedade Brasileira contra a Escravidão, apareceu
no Rio de Janeiro, afirmando que sua própria existência provava
até que ponto o público fora no que se referia a adquirir sentimentos
abolicionistas. Com novas denúncias do governo e da Câmara, esse
mensário iniciou sua campanha de propaganda com um ataque à
legalidade da própria escravatura, minada como estava pela colossal
172
e contínua violação da lei de 7 de novembro de 1831. O jornal ata-
cou as instituições econômicas da nação, a escravidão, “a causa úni-
ca do atraso industrial e econômico” do Brasil, a disseminação do
latifúndio por todo o país, com suas centenas de escravos enrique-
cendo seus proprietários, sem religião, moralidade ou vida de famí-
lia. O público estava enojado, afirmou O Abolicionista, com o “es-
pectaculo de uma riqueza criminosamente accumulada sobre a mise-
ria geral pela exploração de um milhão e meio de homens.” Nas
cidades do Brasil, acusava o jornal, “somos um objecto de estudo
para os estrangeiros”, intrigados pelos “annuncios para a compra e
venda de creaturas humanas, para a prisão de escravos fugidos, ver-
dadeiros lupanares, ao mesmo tempo que mercados de gente...”
Foram estes e outros abusos que O Abolicionista se comprometeu
a denunciar numa cruzada constante. 2º
O INCIDENTE HILLIARD
174
banquete abolicionista. No número de janeiro de O Abolicionista,
Nabuco escreveu que nada, além da carta de Hilliard, produzira
“tanta celeuma no campo escravista como o banquete que offerece-
mos àquele eminente homem de estado americano.” 28 A celeuma,
de fato, foi imediata. Dois dias depois da reunião no Hotel dos
Estrangeiros, Moreira de Barros, de São Paulo, aludiu, na Câmara,
a uma “clara e manifesta intervenção de um representante de uma
nação estrangeira em uma questão nossa inteiramente doméstica”,
tendo sugerido, também, que Hilliard agira segundo ordens do seu
governo, que procurava vingar-se da amizade brasileira pela Confe-
deração. **
Foi sabido, no Rio, no dia 24 de novembro, que o governo,
no dia seguinte, seria interpelado na Câmara sobre o incidente Hil-
liard e, nessa tarde, as galerias da Câmara encheram-se totalmente.
O interrogador, Belfort Duarte, do Maranhão, estava cumprindo,
disse ele, o dever de um representante de uma província “onde a
riqueza é o escravo”. Referindo-se ao abolicionismo como uma “idéia
sinistra”, exigiu saber se o governo aprovava a propaganda emanci-
pacionista exibida nas reuniões públicas e em banquetes políticos,
especificamente o “manifesto” de um diplomata estrangeiro. A estas
e outras perguntas relacionadas com ela, Saraiva, Presidente do Con-
selho, respondeu que a carta de Hilliard era uma expressão de opi-
niões pessoais. Todos os membros de seu gabinete, disse ele, acredi-
tavam que a Lei Rio Branco proporcionava a completa e segura so-
lução para o problema da escravatura, embora o ministério também
devesse respeitar todas as opiniões contrárias manifestadas legal-
mente. 30
O incidente na Câmara foi inconclusivo, mas revelou um cres-
cente interesse público pelo abolicionismo, a determinação dos escra-
vocratas para resistir e uma total indisposição do governo liberal de
José Antônio Saraiva para se mover na direção de outros atos con-
tra a escravatura.
175
COMPROMISSOS VARIADOS PARA COM
O ABOLICIONISMO
81 Florestan Fernandes,
e
176
quantia por capturar escravos fugitivos” e, além disso, “receia per-
turbar o preto, indicando-lhe os benefícios da liberdade. Sabe que
o castigo seria a morte, se fosse encontrado fazendo Intrigas.” 23
Em 1884, Joaquim Nabuco lamentou a indiferença dos pretos e dos
trabalhadores rurais quanto ao abolicionismo, afirmando que o mo-
vimento estava trabalhando para torná-los lavradores e fazendeiros
independentes *%* e, depois da sua derrota eleitoral de 1886, na qual
muitos negros livres votaram por seu oponente, Nabuco escreveu o
seguinte a um amigo:
este desinteresse dos negros livres no Brasil pela questão da Abolição logo
que deixam de ser escravos e pulam para a dignidade de cidadãos e eleitores
é outro indício de como a humilhação da escravidão penetrou tão profunda-
mente a mente e o coração dos escravos e dar-lhe-á alguma idéia da difi-
culdade que o movimento abolicionista tem de enfrentar no Brasil. Em vez
de uma sólida votação negra, como nos Estados Unidos, pelo partido que
elevou o grito de Abolição, nós vemos aqui muitos negros seguirem o
estandarte do partido de seus antigos senhores com um autêntico espírito
servil, 35
35
4 c n
Citado pelo South American
nal, 20 EGde fevereiro : de 1886.
36 Fonseca, 4 escravidão, o clero e o abolicionismo, página 143.
37 Blacklaw, “Slavery in Brazil”
17
distrito eleitoral da cidade. A eleição de 1881 foi,
de fato, um cho.
cante desapontamento para os abolicionistas, já
que os vencedores
na totalidade do país, foram defensores da
escravatura ou, então.
candidatos sem qualquer compromisso. 38 No que se refere à
aboli.
ção, escreveu A. Scott Blacklaw, numa tentativa de explicação
, “há
uma grande falta de apoio moral entre os homens
públicos do Bra-
sil. As pessoas influentes da nação parecem ignorá-la. Quas
e todos
os brasileiros que têm meios possuem escravos: quando não os pos-
suem, seus familiares e amigos têm-nos.” 3º
iá pouca razão para acreditar, além do mais, que os industriais
e os capitalistas simpatizavam com o abolicionismo. Apesar de os
nn ie
comerciantes e dos proprietários de indústrias poderem lucrar com
o fim da escravatura, a verdade é que, como um grupo de interesses,
eles não apoiaram o movimento. Na sua infância, durante a década
de 1880, a indústria, na realidade, estava melhor estabelecida nas
regiões do Brasil onde a resistência ao abolicionismo era mais tenaz
e não é de estranhar que grupos comerciais e industriais se aliassem
intimamente aos proprietários de terras e aos fazendeiros em orga-
nizações pró-escravatura como a Associação Commercial e o Club
da Lavoura e do Commercio, com sucursais nas comunidades rurais
das províncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. 4º A
maioria dos membros da classe empresarial brasileira, escreveu o
historiador americano, Warren Dean, referindo-se principalmente a
São Paulo, vinha da elite dos proprietários “ e não havia razão para
supor que sua atitude para com a escravatura diferisse muito da de
seus compadres e clientes.
Defendendo a hipótese de os industriais terem representado um
papel importante no abolicionismo, Richard Graham apontou o re-
formista compromissado, André Rebouças, como representativo dos
homens associados com a indústria que se juntaram ao movimento.
Apesar de Rebouças, como veremos mais adiante, acreditar na in-
dustrialização, isso não o tornava, representativo dos industriais. Não
se opunha à escravatura, segundo Graham conjeturou, pelo fato de
176
estar associado com interesses industriais, mas sim por ser “um mo-
ralista puritano”, conforme o próprio Graham o afirmou num ar-
tigo recente. *2 Engenheiro e professor, um intelectual sensitivo, que,
em 1874, abandonara seus esforços para organizar companhias de
construção, depois de ter encontrado uma frustrante resistência por
parte de interesses estabelecidos, Rebouças comprometera-se forte-
mente, em vez disso, com uma reorganização radical da sociedade
brasileira, incluindo uma reforma do sistema de terras. * Sua anti-
patia pela grande propriedade agrícola, um tema central de suas
obras, não pode ser explicada por uma aliança com industriais e ca-
pitalistas, muitos dos quais eram proprietários de grandes fazendas,
investidores em estradas de ferro e fábricas de têxteis. “* É verdade,
conforme escreveu Graham em defesa de sua teoria de que os indus-
triais representaram um papel importante na abolição, que os estu-
dantes e professores da escola de engenharia, onde Rebouças lecio-
nava, formaram uma sociedade abolicionista própria, “ mas deve ser
indicado, para que não se exagere o significado deste fato, que so-
ciedades como essa também foram formadas nas escolas superiores de
medicina e de direito e, ainda, na escola militar, bem como, à me-
dida que o abolicionismo ganhava forças, em outras instituições de
ensino em todo o território nacional. Além disso, se os industriais,
como um grupo de interesses, apoiaram o abolicionismo, isso não se
verificou através de amplas e fregientes contribuições, embora o
próprio Rebouças desse parte dos limitados fundos de que dispunha.
“Falta ao partido abolicionista, infelizmente,” escreveu Nabuco, de
Londres, em 1882, “uma só coisa, mas essa é o nervo da propagan-
da pela imprensa: dinheiro. Talento, coração, coragem, abnegação,
independência, temos; o que não temos é dinheiro.” ée
19
Havia, sem dúvida, muitos fatores contribuindo para uma deci-
são pessoal de aderir ao movimento abolicionista — fatores de tem-
peramento, coragem, interesse pessoal, conhecimentos casuais ou
experiências intelectuais — mas dificilmente poderia ser negado que,
para a população da cidade, o grau de compromisso para com a
vizinha área rural era frequentemente um fator importante e até do- |
minante. Por razões que já explicamos, era mais aceitável, em mui-
tas partes do Nordeste, que líderes e políticos com ligações com fa-
zendas e os interesses de proprietários de escravos se associassem
com o emancipacionismo do que seus equivalentes nas zonas do café,
como provam os registros das votações regionais e o elevado índice
de personalidades do norte na liderança nacional. Representantes de
todas as classes e profissões vieram, eventualmente, a envolverem-se
no abolicionismo — escravos e donos de escravos, trabalhadores e
proprietários de terras, atores, músicos, animadores. capitalistas e
trabalhadores das estradas de ferro, comerciantes, advogados, profes-
sores, militares e estudantes. Os setores médio e superior da socie-
dade, bem como talentosos jovens como José do Patrocínio, propor-
cionaram a maior parte da liderança, não por defenderem parti-
cularmente os interesses de suas classes sociais, mas sim por serem
qualificados para enfrentarem os detentores do poder ao seu próprio
nível.
A maior parte da imprensa do Brasil estava ligada direta ou
indiretamente aos interesses agrícolas e comerciais; assim, os aboli-
cionistas receberam pouco apoio de jornais sólidos e “responsáveis”
durante a primeira fase da luta. “ Apesar de haver e xceções notá-
veis, a tendência dos editores, tanto monárquicos qua nto republica-
nos, era 1gnorar O movimento enquanto isso lhes fosse possível e, de-
pois, atacá-lo ou até impugnar os motivos ou o caráter moral dos
180
nistas do período foi a Gazeta de Noticias de Ferreira de Araújo,
o qual, juntamente com O Abolicionista, despertou o interesse pú-
blico em 1880, mas este jornal pioneiro depressa foi ultrapassado
por um jornal mais radical, Gazeta da Tarde, sob o breve controle
de José Ferreira de Menezes. Até ser substituído como principal
iornal abolicionista em 1887 por 4 Cidade do Rio, a Gazeta da Tar-
de, de propriedade de José do Patrocínio e editado por ele depois
de meados de 1881, foi a única fonte de informação digna de con-
fiança na capital para um público ávido de notícias sobre o pro-
gresso da libertação.
Se a imprensa nacional se mostrou indecisa e vagarosa nos
primeiros anos, dois editores estrangeiros do Rio de Janeiro, peio
menos, ofereceram encorajamento imediato aos abolicionistas e con-
cederam consistentemente ao movimento a aura de prestígio e de
autoridade que a opinião estrangeira transmitia. A Revista Ilustra-
da, um semanário ao estilo do Punch, iniciada em 1876 por um ta-
lentoso caricaturista italiano, Angelo Agostini, colocou suas estimu-
lantes caricaturas e comentários ao serviço do abolicionismo desde
o começo da luta, despertando a ira dos escravistas que lhe chama-
ram “A Revista Vermelha”. 4 Quase tão eficaz, apesar da barreira
da linguagem, foi o jornal The Rio News, francamente abolicionista
desde o momento em que substituiu The British and American Mail
no Rio, em 1879. Editado por um brilhante americano, liberal, An-
drew Jackson Lamoureux, The Rio News apoiou Nabuco em 1879 e
1880, tendo sido, desde então, o constante denunciador antiescrava-
tura, encontrando índios escravizados nos lugares mais distantes do
Amazonas ou nas selvas da Colômbia, expondo a venda ilegal de
ingênuos ou de “africanos livres” nas cidades provinciais de Rio de
Janeiro ou de Minas Gerais, dissecando os sofismas dos políticos
escravistas, censurando práticas tradicionais como a dependência pa-
rasítica de muitas pessoas que viviam de alugar escravos ou conde-
nando um linchamento paulista chefiado por exilados confederados
norte-americanos, não recuperados.
As reuniões abolicionistas organizadas no Rio durante a segun-
da metade de 1880 eram encontros alegres e exuberantes, mas o com-
parecimento raramente era mencionado na imprensa ou mesmo nos
boletins abolicionistas, com os relatórios sobre as contribuições indi-
cando reuniões pequenas e íntimas ou, então, alguma pobreza ou
avareza entre aqueles que compareciam. As contribuições reunidas
em dezenove conferências semanais totalizaram apenas um pouco
I81
mais de dois contos e meio, talvez o suficiente para
comprar a
liberdade de dois ou três escravos aos preç
os do tempo. Em 1882,
por exemplo, um homem de vinte e oito anos, su
a mulher e dois
filhos foram postos à venda em Juiz de Fora, Minas
Gerais, avalia-
dos juntos em 2:6 008000, alguns mil-reis mais do que a quantia
total das contribuições durante quatro meses de re
uniões aboli-
cionistas. 50
Talento, falta de dinheiro, entusiasmo revolu ci
onário e uma
contrastante exuberância burguesa eram as qualid
ades mais em evi-
dênc ia nessas reuniões semanais. Numa conferência organizada no
início de setembro no Teatro São Luiz, os orad
ores foram aplaudidos
entusiasticamente quando pediram a “subdivisão
do solo” ou de-
monstraram matematicamente que os proprietários
de escravos no
Brasil tinham contraído uma enorme dívida para com a na
ção atra-
vés de sua violação de lei de 1831 durante o meio século
anterior.
Todavia, a coleta feita nessa reunião somou pouco mais de ce
m
mil-reis. º! As conferências continuaram, mesmo assim, desenvolven-
do uma rotina atraente que as colocavam entre os espetáculos pú-
bicos mais interessantes do Rio. Estas reuniões eram caracterizadas
por um bem intencionado entusiasmo burguês. A oratória era pre-
cedida por intervenções literárias e números musicais, despertando
o zelo dos participantes pouco a pouco. Ocasionalmente, um escravo
recebia sua liberdade, o que dava ao público uma possibilidade de
ver e aplaudir as pessoas que se beneficiavam de suas doações. õ2
Depois destes preliminares, José do Patrocínio, Nicolão Moreira ou
qualquer outro orador conhecido subia ao palco entre chuvas de
pétalas de rosa, com o público ansioso por aplaudir cada assalto des-
fechado sobre a escravatura.
Típica destas reuniões, talvez tenha sido a que foi organizada
no Teatro São Luiz no começo de 1881, uma das últimas, descrita
em pormenor na Gazeta da Tarde, durante esta primeira fase da
campanha abolicionista. O espetáculo começou com uma apresen-
tação da “esplêndida abertura do dramático Salvator Rosa de Carlos
Gomes, executada por dois professores do Conservatório. Esta peça
musical foi seguida pela execução a quatro mãos de uma valsa de
Gomes, “Paulo e Virginia”, pelas lindas irmãs América e Maria
162
Clapp, um “juvenil esforço em favor dos que gemem nos ferros do
captiveiro”, recebido com um “applauso delirante” e cascatas de
pétalas de rosas.
Os outros pontos altos do programa incluíam uma seleção mu-
sical interpretada pelo Trio Clássico Mendelsohn, uma interpretação
pela Sr.º Angelina Accioli de “uma difficil Phantasia da Aido” e,
entre bravos e explosões de aplausos, recitação dos poemas “Liber-
dade” e “Ave Cezar” por seus autores, Arthur Brazilio e Dr. Melo
Morais. 8º Os melhores oradores, proferindo suas exortações depois
destes preliminares estimulantes, deixaram o palco do São Luiz por
entre uma barragem de flores lançadas da platéia e dos camarotes.
Música e poesia eram escritas para apoiar o movimento: obras como
a “Ingenua Polka Brilhante”, composta para a Associação Central
Emancipadora pelo estudante de música Horacio Fluminense, “A
Escravidão e o Christo”, recitada para o público abolicionista por
seu autor, Ernesto Sena, e “Essencialmente Agricola”, uma carica-
tura em estilo de polca de um muito comum argumento pró-escra-
vatura, dedicada a José do Patrocínio por uma senhora abolicionista
anônima e anunciada na Gazeta da Tarde. **
A atividade abolicionista, durante seus primeiros meses, não
se limitou à capital. O movimento já começara surgindo espontanea-
mente em cidades espalhadas por todas as regiões do país. O Club
Abolicionista de Pelotas foi fundado no final de agosto na rica
região de gado de Rio Grande do Sul, perto da fronteira com o
Uruguai, com essa área depressa tendo seu próprio jornal aboliício-
nista. Ao mesmo tempo, uma Comissão Emancipacionista foi inau-
gurada em Natal, Rio Grande do Norte, com o objetivo de comprar
a liberdade de escravos. Em setembro, membros da União Literária
e Republicana desfilaram pelas ruas de Diamantina, Minas Gerais,
seguidos por uma banda e uma grande multidão, pedindo donativos
para a libertação de uma escrava. Em novembro, a Sociedade Aboli-
cionista Maranhense foi formada em São Luiz do Maranhão. No
dia 1 do mesmo mês, um jornal abolicionista da Bahia, também
intitulado Gazeta da Tarde, empreendeu o patrocínio de uma curta
série de reuniões antiescravatura. Enquanto estudantes em São Pau-
lo estabeleciam a Sociedade Abolicionista Academica, outros, no
Rio, criavam a Associação Emancipadora da Escola Polytechnica. 53
183
De importância especial para a abolição, foram, também. os
acontecimentos que se verificavam na província do Ceará, atacada
pela seca e já então possuindo poucos escravos. À Gazeta do Nort
e,
um jornal liberal de Fortaleza, algo indiferente à questão da escra-
vatura quando foi fundado, em junho, já se transformara
no final
de novembro de 1880 (juntamente com a opinião pública
nessa ca-
pital do norte) num jornal abolicionista. A mudança foi
realizada
a tempo de o jornal louvar a criação da Sociedade
Cearense Liber-
tadora, o clube abolicionista do Ceará, que teve sua reunião de orga-
nização em 8 de dezembro e depressa iniciou
uma campanha para
libertar todos os escravos da província.
184
Es + a
Aritof
. a meu ver
a emancipação dos escravos e dos ingênuos
é o começo apenas de nossa obra.
JOAQUIM NABUCO
O Abolicionismo
10
AÇÃO E REAÇÃO
OS ABOLICIONISTAS
E — —
185
finalmente, para conseguir o auxíli
o do Papa e de uma Igreja vaga-
Tosa à causa abolicionista. 1 A mais impo
rtante peça individual de
propaganda de Nabuco, O Abolicionism
o, escrito durante uma pro-
longada estada na Europa e publicado em 1883
» foi um “livro de
argumentação tranquilla”, nas palavras da ma
is demagógica Gazeta
da Tarde, um livro para ser estudado como um dever cívico. 2
Descendendo, pelo lado de seu pai, de uma
família política que, |
desde a década de 1820, fornecera constant
emente representantes à |
legislatura nacional e, pelo lado de sua mãe,
de antigas e poderosas
famílias de fazendeiros de Pernambuco, Nabuco
possuía vantagens |
muito úteis. Apesar de sua estirpe, este descende
nte de proprietários
de escravos não era menos revolucionário do
que seus associados,
descendentes de escravos: Ferreira de Menezes, An
dré Rebouças, Luiz
Gama e José do Patrocínio. Sob a influência de
seu pai, Nabuco jun-
tara-se à luta quando ainda era muito jovem, tr
aduzindo artigos abo-
licionistas do inglês para o português, servindo co
mo advogado de
um jovem assassino negro numa batalha legal diri
gida tanto contra
a escravidão quanto contra a pena de morte, é escrev
endo um inspi-
rado tratado abolicionista quando ainda estudante na Fa
culdade de
Direito do Recife, ajudando seu pai no jornal libera
l 4 Reforma.
O brilho democrático de Joaquim Nabuco diminuiu depo
is da vitó-
ria do abolicionismo, mas a verdade é que, enquanto
a luta durou,
ele advogou mais do que apenas a liberdade para os negr
os. Tal
como Rebouças, Patrocínio e outros abolicionistas, conf
orme vere-
mos, ele combateu por reformas mais amplas, destinadas
a trans-
formar o Brasil numa nação democrática. Brilhante, poss
uindo dons
oratórios fora do comum, socialmente bem situado, treinado na
advo-
cacia, “muito alto, bem proporcionado, a cabeça e o
rosto de uma
pureza de linhas esculptural, olhos magnificos, expres
são a um tem-
po meiga e viril, nobre conjuncto de força e graça” — este
era O
herói de tanto destaque que despertava o receio d os senhores
de
escravos e dos proprietários de terras. 4
I87
de palavras sobre a questão da escravatura, Patrocínio possuía a
reputação de ser um reformista incondicional. Influenciado pelas
obras de Pierre Proudhon, adotara o grito de guerra “A Escravidão
é um roubo!”?, tendo continuado a agir até 1888 como se acreditasse
verdadeiramente nesse aforismo. Com olhos salientes, barba e bigode
esparsos, TOSto e corpo amplos, cabelo castanho desgrenhado e uma
pele que foi descrita como da cor de um charuto de Havana madu-
ro, Patrocínio, nas palavras de Nabuco, era “a expressão de sua
época”. º Emotivo, tenso, teatral, romântico, ele alcançava seus pú-
3
188
da Tarde, um co-fundador da Sociedade Brasileira contra a
Escravi-
dão e co-autor, com Patrocínio, do muito fortemente frasea
do Ma-
nifesto da Confederação Abolicionista de 1883. Sendo um con
stante
participante na luta, um organizador de clubes e associações,
um
contribuinte financeiro e um “propagandista por toda a parte,” 12
Rebouças não descansou depois de os escravos terem sido hbertados.
Com essa realização já no passado, receava a ressurgência de uma
reação e, assim, serviu-se de sua reputação e influência em apoio
da Democracia Rural Brasileira, a continuação da revolução aboli-
cionista para sua “conclusão lógica”. 13 “Rebouças encarnava melhor
do que qualquer um de nós,” escreveu Nabuco anos mais tarde, “o
espirito anti-escravagista: o espirito inteiro, sistemático, absoluto...” 14
Havia pelo menos um dos principais abolicionistas que conhecera
a experiência da escravidão ilegal. Este era Luiz Gama, um homem
com um passado ainda mais estranho do que o de Patrocínio. O pai
de Gama era um membro de rica família portuguesa da Bahia,
amando os cavalos, a caça e a pesca. Sua mãe era uma africana livre
e rebelde da Costa de Mina, a bonita “pagã” Luiza Mahen, uma
vendedora de legumes e frutas, tal como a mãe de Patrocínio, que
foi acusada de envolvimento num complô revolucionário na Bahia e
exilada em 1837, supostamente para o Rio, embora seu verdadeiro
destino talvez tenha sido a Africa ocidental.
Gama nasceu livre em 1830, mas três anos depois do desapareci-
mento de sua mãe, seu pai vendeu-o como escravo, em resultado de
seu súbito empobrecimento. Enviado para o Rio e, depois, para San-
tos, Gama subiu a íngreme Serra do Mar, descalço e faminto, acom-
panhado por outros cem como ele. Foi empregado como servo em
São Paulo, onde aprendeu a ler com a ajuda de um estudante; mas
depressa fugiu da casa de seu senhor, consciente da ilegalidade de
sua escravidão em virtude de ser filho de uma mulher livre. 1 Luiz
Gama, depois de sua fuga, passou seis anos na milícia, mas, em
1854, estava de novo na cidade de São Paulo, onde trabalhou como
secretário e, mais tarde, fez uma carreira como jornalista, poeta, sá-
tiro, advogado e, também, como um dos primeiros abolicionistas,
juntamente com os dinâmicos estudantes da Academia de Direito,
189
Rui Barbosa, Castro Alves e Joaquim Nabuco. !º Como advogado,
a especialidade de Gama era a libertação de pessoas cativas, como
ele estivera, numa escravidão ilegal, particularmente africanos con-
servados como escravos em violação da lei de 7 de novembro de
1831. Em 1880, não muito antes de sua morte, o antigo escravo,
então já o líder não contestado do movimento antiescravatura «
São Paulo, já colaborara, segundo foi afirmado, na libertação de
mais de mil pessoas e ainda continuava usando seus talentos nos
tribunais provinciais para estabelecer o princípio de que todos os
africanos com menos de sessenta e dois anos eram livres. !
Entre os outros abolicionistas que alcançaram fama nacional
está incluído o paulista Antônio Bento, um rebelde bem nascido e
homem de Deus que criou “uma ordem religiosa sob a invocação de
Nossa Senhora dos Remédios e fez do culto um meio de propaganda
abolicionista.” 18 Editor de 4 Redempção, um jornal abolicionista de
São Paulo, produzido muito rudimentarmente, Bento era o líder dos
“caiphazes” radicais, ativistas insatisfeitos com os resultados da pro- |
paganda e que, em 1886 e 1887, foram para as fazendas a fim de
desenraizar a escravidão nas suas fortalezas e de desmoronar abrup-
tamente o sistema. 1º
Os abolicionistas incluíam os líderes do Positivismo religioso,
Miguel Lemos e R. Teixeira Mendes, que defendiam a causa em
panfletos e cartas, influenciando uns poucos escolhidos, mas podero-
sos. 20 Incluíam, também, Rui Barbosa, ativo como estudante em
1869 e emergindo de novo em 1884 como um dos mais dinâmicos
e eficazes líderes na imprensa, na Assembléia Geral e ante o públi-
co. Sendo um homem pequeno e magro, com um bigode escuro e um
queixo fraco — de aparência inofensiva — Rui Barbosa podia trans-
formar-se num dínamo numa conferência abolicionista, capaz de
levar o seu público a lágrimas ou a risos com uma só frase.
Os líderes do movimento na área do Rio incluíam João Clapp,
um descendente de norte-americanos — comerciante e proprietário
OS OBJETIVOS DO ABOLICIONISMO
191
esperança de que o fim da escravatura trouxesse alguns benefícios
imediatos para a totalidade da nação. A abolição, pensava-se, além
de libertar centenas de milhares de pessoas de um cativeiro injusto,
s
estimularia a imigração européia, promoveria a indústria e a agri-
cultura e elevaria o caráter moral da nação, há tanto tempo corrom-
pido pelas influências nocivas dos dependentes pretos servis. A escra-
vidão, segundo esta visão, frequentemente divulgada pela imprensa
abolicionista, era irracional e maligna, uma sobrevivência do colo-
nialismo português, não patriótica, um obstáculo ao auto-respeito
nacional, rejeitada pela comunidade internacional, incompatível com
a lei e os direitos naturais.
A maioria dos brasileiros, contudo, até mesmo os idealistas sin-
ceros cujas convicções antiescravatura eram afirmadas fortemente,
pouco pensavam, provavelmente, no tipo de sociedade que haveria
depois da escravidão ser derrotada. A necessidade de realizar novas
reformas ou de preparar os antigos escravos para a cidadania talvez
não fosse auto-evidente numa sociedade em que se esperava que os
antigos cativos continuassem trabalhando nas terras de seus antigos
senhores, onde a educação sempre fora reservada a poucos e onde
até a Constituição restringia a participação política a uma pequena
minoria. Num tal ambiente, não seria razoável esperar uma adoção
generalizada de objetivos com a intenção de criar um sistema igua-
litário. A abolição era, de fato, uma revolução “branca”, para usar
o termo de Octavio Ianni, um movimento político que não tinha a
intenção, no que se referia à maioria de seus seguidores, de transfor-
mar escravos em cidadãos, mas sim limitado à substituição da escra-
vatura por um sistema de trabalho livre. 2º
Todavia, para pelo menos alguns dos abolicionistas, a ideologia
do abolicionismo englobava muito mais do que a emancipação dos
escravos. Os seus mais preeminentes líderes, na sua maioria, identi-
ficavam sua causa com uma ampla série de metas reformistas, as
quais, juntas, eram puramente revolucionárias. A emancipação, só
por si, argumentaram os abolicionistas em muitas ocasiões, não solu-
cionaria os problemas da nação. 5 A abolição teria precedência so-
bre as outras reformas, conforme Nabuco afirmou, mas outras mu-
danças sociais teriam de ser tentadas uma vez que esse passo funda-
mental fosse dado. A escravidão significava mais do que a relação
entre o senhor e a sua propriedade humana, escreveu Nabuco em
26 nismo, págininas
O Abolicioaaa vii, 7.
lidar ele próprio com essas duas
27 Ibid., página vii Nabuco tencionava
Sancho de Barros Pimentel, um antigo
últimas dureiiEE mas pedira a
i ente
e presid do Ceará, que escrevesse uma das obras
deputado de Sergipi e rb os a es cr ev es se o
política; esperava , ta mb ém , qu e Ru i Ba
NTE a reforma fos se o au to r de uma
: : e religiosa e qu e Ro do lf o Da nt as
liberdadeO. re VerE Nabuco, Cartas a amigos, I, 103-104.
livro sobre a educa . -
193
cado em 1888, tendo mantido a organização
a promoção de novas reformas. Foi o comoum centro para
resultado, sim, de uma pode-
Tosa reação dos antigos proprietários de escravos nos meses que se
seguiram à abolição, da dispersão do ..
movimento de reforma radical
depois da queda do Império em 1889 e da reconsolidação, nos anos
seguintes, de disposições tradicionais e da conservação de grande
parte do espírito e da organização do antigo regi
Muitas vezes, contudo, durante os anos de agitação, os
cionistas incitavam o progresso e aboli-
a democrati zação de seu país
educação, então, tinha um lugar de e a
destaque no rol das necessidades
“Emancipar e instruir,” escreve u Tav .
ares Bastos em 1870, num ape-
lo pela educação popular, “ são du
as operações intimamente liga
das.” 2º André Rebouças ansi ava pelo -
dia em que não houvesse uma
só aldeia no Brasil sem esc ola. Era in
dispensável, argumentou ele,
“ensinar a ler e escrever e dar um
officio a todos os cidadãos bra-
sileiros.” 9º O primeiro projeto de le
i contra a escravatura apresen-
tado por Nabuco, em 1880, contin
ha uma provisão para o estabele-
cimento de classes primárias em toda
s as cidades e aldeias do Impé-
rio para a educação de escravos. 31 Ru
i Barbosa escreveu um estudo
maciço sobre a educação primária br
asileira, Reforma do ensino pri-
mário, publicado em 1883, que cond
enava o baixo nível do ensino
brasileiro, pedia a criação de um Mi
nistério de Educação Pública, a
frequência escolar obrigatória e um
sistema de instrução pública
independente da Igreja Ca tólica. 3 Até
mesmo depois da abolição
da escravatura, a ala reformista
do Partido Liberal e o último ga-
binete do Império, ainda sob a in
fluência do fervo r abolicionista,
aspirava criar um sistema educaciona
l melhor e livre, a ampliar o
voto eleitoral, a estabelecer autono
mia provincial e liberdade reli-
giosa e até a promover legislação
que facilitasse a aquisição de terras
-M programa que englobav a a maioria das reformas que ,
mencionou no prefácio de O Abolicionismo. Nabuco
33
Além do fim da escravatura, a ca
fendiam, provavelmente, de
us a que os abolicionistas de-
um modo mais entusiástico,
mente depois de 13 de maio particular-
de 1888, foi “a democratização
plic
Este lema impl ic ava o desmantel ament do solo”.
o de grandes propriedad
colas e a criação de pequen es agrí-
as fazendas onde os imigrant
es, os bra-
29 Tavares Bastos, 4 Provincia, páginas 256-261.
80 Rebouças, Agricultura nacional,
nac páginas 300, 375,
h
81 O Abolicionista, 1 de Janeiro
e 1 de £ evereiro d
32 Ver Rui Barbosa, Reforma
do ensin
de Janeiro, 1883); Barbosa, Obras CompleOtas, primário: S P 10
Vol. E a : o
e projet (Rioe
“8 Annaes da Camara (1889), I, 142.
194
sileiros pobres e os escravos libertados pudessem encontrar alguma
independência e prosperidade econômica e social. O fato desta idéia
emergir no Brasil era inevitável, dada a realidade do sistema tradi-
cional de propriedade de terras, e, na realidade, os pedidos por uma
reforma agrária já haviam sido escutados muito antes da década de
1880. *!
Na sua notável “Representação à Assembléia Geral” de 1823,
José Bonifácio de Andrada e Silva já propusera que todos os ho-
mens livres de cor, sem meios para ganhar a vida, recebessem do
estado “uma pequena sesmaria de terra para cultivarem”, bem como
auxílio do governo para se estabelecerem nessas pequenas proprie-
dades. 3% A grande propriedade, escreveu A. P. Figueiredo, de Per-
nambuco, em 1847, era uma barreira à prosperidade, à imigração, à
emergência de uma classe média e ao funcionamento de um gover-
no constitucional na sua província; assim, recomendava um imposto
sobre o solo para encorajar sua distribuição por uma população em-
pobrecida e em expansão. 8 Em 1861, Tavares Bastos publicou Os
males do presente e as esperanças do futuro, obra essa em que ele
propôs toda uma série de reformas que os abolicionistas e os libe-
rais adotaram como suas nos anos da década de 1880. % Em 1866, o
mesmo deputado de Alagoas introduziu legislação na Câmara no
sentido de libertar escravos pertencentes ao governo brasileiro e de
conceder-lhes terras, equipamento e gado; depois, em 1870, pediu um
imposto sobre as propriedades para promover a educação popular
e a venda e distribuição de terras que não estavam sendo usadas. “Só
o imposto territorial e a prévia desapropriação de áreas incultas, à
margem dos futuros caminhos de ferro,” escreveu ele, “podem re-
solver a enorme difficuldade que legou-nos a imprevidente politica
das prodigalisadas doações de sesmarias.” *º
196
belecimento de “fábricas centrais” em terras conservadas pelos gran-
des proprietários depois da divisão da maior parte de suas terras
em pequenas propriedades. A área central serviria como um centro
de processamento e como um núcleo de população, com uma escola,
uma igreja, lojas e “tudo o mais que pudesse tornar commoda a vida
dos lavradores.” *
Com o início da era abolicionista, a reforma agrária foi pedida
frequentemente na imprensa e até em reuniões públicas. 42 O projeto
de reforma da escravidão de Nabuco, apresentado em 1880, incluía
uma provisão para reservar terras para colônias de libertos e o pri-
meiro número de seu mensário antiescravatura, O Abolicionista, de-
nunciou o latifúndio. Em dezembro de 1880, a Gazeta da Tarde pu-
blicou uma série de artigos não assinados, escritos por André Re-
bouças, que denunciavam o “latifúndio, barões feudaes, landlords e
Landocracia,” exigindo o estabelecimento de “democracia rural”, en-
genhos centrais e pequenas propriedades agrícolas. Os artigos de
Rebouças exigiam também a libertação de um milhão e meio de
“irmãos”, uma distribuição de terras pelos antigos escravos, um im-
posto territorial e leis para encorajar a venda e subdivisão das “enor-
mes propriedades territoriais dos nefandos e fatalissimos landocrati-
cos deste Império.” “
A medida que a década abolicionista progredia, a reforma do
sistema agrário continuava sendo associada ao movimento de liber-
tação. A sociedade abolicionista refundada na Escola Polytechnica
no Rio, em 1883, onde André Rebouças trabalhava como professor,
pediu um imposto sobre as terras incultas localizadas dentro de um
raio de vinte quilômetros de linhas de comunicação, evidentemente
com o fim de apressar a venda e distribuição de grandes estados.
O Projeto Dantas de 1884, um importante projeto de reforma para
a libertação de escravos que completassem sessenta anos de idade,
estipulava que os libertos viriam, eventualmente, a serem donos das
terras em que trabalhassem. % No mesmo ano, num apelo aos elei-
tores de Recife, Nabuco associou o estabelecimento da pequena pro-
priedade com os objetivos do abolicionismo. Esse movimento, disse
197
Nabuco, assinalava “o começo da propriedade do lavrador”. Os abo-
licionistas, afirmou ele, estavam lutando para dar aos pobres rurais
“uma independência honesta, algumas braças de terra, que eles pos-
sam cultivar como próprias, protegidos por leis executadas por uma
legislatura independente e dentro das quais tenham um reduto tão
inexpugnável para a honra das suas filhas e a dignidade do seu cará-
ter como qualquer senhor de engenho.” Não havia “outra solução
possivel para o mal chronico e profundo do povo,” disse ele ao
eleitorado do Recife, “senão uma lei agraria que estabeleça a pe-
quena propriedade.” A solução para a pobreza brasileira, acreditava
ele, era “a democratização do solo.” 48
Essa mesma frase — democratização do solo — viria a ser ou-
vida de novo nos meses que se seguiram à abolição, quando os prin-
cipais liberais e abolicionistas promoveram esta nova reforma como
a “consequência lógica” da lei de 13 de maio de 1888. Dois meses
apenas após a abolição, o senador conservador Leão Veloso acusou
os abolicionistas de manifestarem repetidamente a opinião de que
era “necessário acabar com o feudalismo territorial para estabelecer
a democracia agrícola” e, no mesmo debate, o Senador Dantas decla-
rou que as pequenas propriedades viriam “pela ordem natural das
cousas.” * Dantas, na realidade, trabalhou ativamente pela reforma
agrária nos meses seguintes à abolição, tanto como líder do Partido
Liberal quanto como membro do Senado.
“Numa reunião da Confederação Abolicionista em agosto de 1888,
Dantas esboçou o programa do Partido Liberal para o futuro, o qual
deveria incluir, entre outras reformas, a divisão das grandes proprie-
dades. Apenas um mês mais tarde, o mesmo senador falou de novo
na câmara superior sobre a necessidade de proporcionar terras para
colonizadores, próximas de facilidades de transporte, e, outra vez, de
parcelar as grandes propriedades. Até mesmo o próprio Impera-
dor, muito influenciado por Rebouças e outros membros da Confe-
deração Abolicionista 4º e talvez pelos escritos de Tavares Bastos,
favoreceu uma reforma do sistema agrário como um meio para
atrair imigrantes europeus. 5º Aclamado Patriarca da Família Eman-
1968
cipacionista em celebrações realizadas em Petrópolis e no Rio, no
primeiro aniversário da abolição da escravatura, o Imperador pre-
feriu comprometer-se, a ele e a sua filha, Prince
sa Isabel, com a
continuação do movimento de reforma e, assim, pr
ovavelmente, apres-
sando sua queda do poder.
Os abolicionistas promoveram, então, reformas colatera
is depois
do dia 13 de maio de 1888, mas seu principal objetivo, até
essa data,
foi acabar com a escravatura. No início e durante vários
anos, ten-
taram alcançar seu principal objetivo por métodos legais
e pacíficos
— por meio de propaganda e ação legislativa — e continuara
m usan-
do esses métodos até sua causa ser vitoriosa. Todavia, em
1885, não
tendo conseguido obter concessões satisfatórias apenas com esses
mé-
todos e desiludidos com as soluções que os fazendeiros e O Par
la-
mento consideravam aceitáveis, também se voltaram para mét
odos
ilegais, “aparentemente tendo raciocinado que, se os proprietá
rios
não podiam ser convencidos a libertarem seus escravos, estes pode-
riam por certo, ser convencidos a abandonarem seus senhores. O
abo-
licionismo ilegal — o incitamento para que os escravos abandonas
-
sem as fazendas e partissem para lugares de refúgio previamente de-
terminados — não foi tentado em grande escala, contudo, até dep
ois
da resistência ao abolicionismo legal ter criado suficiente ira e frus-
tração para conduzir os homens a esses métodos mais perigosos.
A REAÇÃO PRÓ-ESCRAVATURA
ºl Rebouças, Diário e notas, página 335. Rebouças, que partiu com o Im-
perador den para o exílio depois da queda do Império, apelidou D. Pedro,
mais tarde, de “sublime Martir da Abolição”. Ver Nabuco, Minha formação,
páginas 173-175. a E
52 O Abolicionista, 1 de janeiro de 1881.
IS9
O ministério liberal do senador baiano José Antônio Saraiva,
comprometido com a reforma eleitoral e um orçamento equilibrado,
liderou a defesa do status quo, brandindo o voto livre numa das
mãos, nas palavras de um crítico, e o chicote da escravidão na ou-
tra. 53 Em agosto, o Ministro da Agricultura do governo de Saraiva
já apresentara sua posição com argumentos que foram usados pelos
defensores da escravatura nos anos seguintes. Os brasileiros eram
todos emancipadores, segundo sua lógica. Nenhum brasileiro gosta-
va de ter escravos e só a necessidade os forçava a tal coisa. Como
todos os brasileiros, o governo desejava
sa
ver o fim da escravatura,
mas só promoveria esse objetivo, devido a razões sociais e econômi-
O
cas, por meio da Lei Rio Branco: o pecúlio, manumissões e “pela
DS
E
acção da morte”. Acelerados rapidamente, estes processos elimina-
Tiam a escravidão em vinte anos, pacificamente, seguramente, e sem
a interferência do governo.
Com o ministério assim decidido a uma inação permanente na
questão da escravatura, parte da imprensa iniciou uma campanha
de difamação dirigida contra os principais líderes do movimento abo-
licionista. 55 Manoel Peixoto de Lacerda Werneck, do Rio de Ja-
neiro, que não tardaria a representar sua província na Câmara, res-
pondeu ao projeto emancipacionista de Nabuco com uma série de
artigos no Jornal do Commercio, acusando o “naturalmente ambi-
cioso” jovem pernambucano de um desejo de se engrandecer “peran-
te o juizo ephemero das multidões”. 58 Segundo O Corsário, do Rio
de Janeiro, Joaquim Nabuco escolhera o abolicionismo como um
meio de ganhar fama em países estrangeiros depois de sofrer desa-
pontamentos pessoais e políticos, incluindo seu fracasso em casar-se
com uma mulher rica. %” O Paiz, do Maranhão, referiu-se a Nabuco
como um homem “sem a autoridade do bom senso, sem a prudência
e o tino do estadista, sem a consciência sã do patriota”. Nabuco,
presumia esse jornal, “declama contra a escravidão por ambição de
£loria, por vaidade somente, e mais para ser applaudido do estran-
geiro do que por verdadeiro amor á liberdade”. 58 Tal como o pró-
200
prio Nabuco observou mais tarde, “a escravidão procurou por todos
os meios confundir-se com o paiz e na imaginação de muita gente
o conseguiu. Atacar a bandeira negra é ultrajar a nacional. Denun-
ciar o regimen das senzalas é infamar o Brasil todo”.5?
Em dezembro de 1880, o diário republicano, 4 Provincia de São
Paulo, denunciou a Gazeta da Tarde como a “folha que, felizmente,
só apparece aqui, trazida da Côrte como curiosidade”, enquanto ri-
dicularizava José do Patrocínio como “o orador de S. Luiz...
suppondo-se collocado em uma atmosphera superior, não attingivel
por nenhum dos mortaes deste paiz, o preclaro reformador de tudo,
o omnisciente, o omnividente, o sabio, o celebre orador festejado
pretende fazer curvar deante de seu genio todos os varões illustres
desta nação”. 8º Um aparente ataque às origens raciais foi comen-
tado numa carta de Luiz Gama publicada dois dias mais tarde na
Gazeta da Tarde. “Em nós, até a côr é um defeito, um vicio im-
perdoavel de origem, o estigma de um crime,” comentou Luiz Gama.
Mas os críticos esqueceram, disse ele, “que esta côr é a origem da
riqueza de milhares de salteadores, que nos insultam; que esta côr
convencional da escravidão, como suppõem os especuladores, á se-
melhança da terra, ao travez da escura superficie, encerra vulcões,
onde arde o fogo sagrado da liberdade”. 8!
Na Câmara dos Deputados, verificaram-se iradas reações con-
tra os abolicionistas. Em agosto, Martinho Campos, de Minas Gerais,
um dos mais ardentes membros da retaguarda parlamentar, declarou-
se um escravocrata no interesse de seus escravos. ºº Em novembro,
aplaudido e cumprimentado por uma horde de colegas, Campos pe-
diu respeito pela lei e a ordem, denunciou os “socialistas” e os
“reformistas modernos” que estavam subvertendo o mundo e deplo-
rou seus supostos exageros, falsidades e apelos abertos à rebelião.
“A esse grito de abolição,” sugeriu ele, “respondam os fazendeiros
201
de revolver em punho”. “Fallar em emancipação de escravos é não
ver um palmo adiante do nariz”, zombou o Deputado Moreira de
Barros em outra ocasião. “Brincam com fogo os taes negrophilos”
advertiu o Barão de Cotegipe, um defensor da escravatura até os
últimos dias de sua longa vida. 8
Os abolicionistas foram objeto de críticas devastadoras e até
mesmo de abuso físico. Os repórteres da Gazeta da Tarde viram-se
negados o direito, normal para os membros da imprensa, de presen-
ciarem as sessões da legislatura e os números da Gazeta enviados
para O interior eram inexplicavelmente demorados na viagem. St! A
medida que a crise aumentava nos anos seguintes e que o abolicionis-
mo se espalhava por uma centena de cidades e distritos, com as fa-
zendas já nem mesmo a salvo de, sua influência, a violência e a hos-
tilização iam-se tornando mais frequentes. Os alvos mais comuns dos
ataques antiabolicionistas eram as redações dos jornais reformistas.
com seu dispendioso e frágil equipamento.
Tal como já sucedera em 1871, os políticos e os fazendeiros
pró-escravatura institucionalizaram em 1880 sua resistência através
da formação de associações agrícolas, tanto nas cidades quanto nas
comunidades rurais. A mais importante destas foi o Centro da La-
voura e do Commercio, criado com o propósito anunciado de orien-
tar a questão da escravatura para uma solução calma. % O Cruzeiro,
do Rio, foi o órgão da imprensa escolhido do novo centro conserva-
dor, que se descrevia como “uma associação de lavradores, nego-
ciantes e representantes de outras classes solidarias, no intuito de
defender os legitimos interesses agricolas do Brasil e occorrer á re-
forma da constituição actual do trabalho, sob o influxo da lei de
28 de setembro de 1871, sem alteração da segurança publica e pri-
vada, decadencia da producção nacional e outras perturbações so-
ciaes.” Os objetivos do centro, segundo sua constituição, seriam rea-
lizados nas províncias por clubes locais, enquanto, no Rio, o traba-
lho seria delegado a uma comissão executiva permanente com a pro-
moção de propaganda pela imprensa, petições ao governo e contatos
com clubes locais. $º Mais eficaz do que o Club da Lavoura de 1871,
O
202
o Centro depressa contou com sucursais regionais em dúzias de co-
munidades nas três principais províncias do café e mais algumas no
norte e, em 1884, já era suficientemente poderoso para convocar uma
vasta reunião dos representantes provinciais na capital. ” Intima-
mente ligado à Associação Commercial do Rio de Janeiro por opi-
niões semelhantes e por grande número de membros comuns, o Cen-
tro agiu como um poderoso grupo de pressão dedicado a combater os
abolicionistas e a impedir mais medidas legislativas em favor da
libertação dos escravos.
Nem todas as organizações dos fazendeiros se opunham sem
reservas à mudança, embora o Club da Lavoura e do Commercio
paulista, de Campinas, com sua extraordinária concentração de es-
cravos (ver Tabela 16), fosse considerado um bom exemplo da maio-
ria que se opunha ao abolicionismo sem quaisquer reservas. Segundo
os abolicionistas, havia uma segunda classe de clubes agrícolas cons-
tituídos por “fazendeiros cordatos e progressistas” que só pediam
tempo e meios para efetuar uma transição para o trabalho livre. Um
dos mais representativos desta classe mais progressista era o clube
do município de Pindamonhangaba em São Paulo, localizado não
no norte ou oeste da província, mas sim no Vale do Paraíba. Em
1880, o clube dos fazendeiros dessa comunidade anunciou sua inten-
ção de estudar os meios práticos de levar trabalhadores livres para
a região e de tomar outras medidas para a inevitável abolição da
escravatura. 8?
Os argumentos pró-escravatura de 1880 eram muito semelhan-
tes aos de 1871, sendo alterados apenas por novas circunstâncias e
uma nova devoção pela Lei Rio Branco. Teoricamente, ninguém
esperava perpetuar a escravatura no Brasil, apenas prolongá-la. Nin-
guém defendia a escravidão em teoria, conforme Nabuco o disse em
1885, mas muitas pessoas defendiam-na na prática. 7º A lei de 1871,
outrora combatida furiosamente, já se transformara, em 1880, na
carta intocável da escravatura, usada até para justificar a continua-
ção do status de escravo dos africanos importados depois de 7 de
novembro de 1831. 7! Os escravos não estavam preparados, por edu-
203
cação e experiência, para uma rápida emancipação, argumentavam
os defensores da escravatura. Precisavam, primeiramente, de serem
educados, já que, embrutecidos como eram, não tinham “outra am-
bição que a de libertar-se de um trabalho que nada lhes produz
senão a fadiga.” 72 A abolição significaria perda de receita para o
estado, afirmavam os representantes da escravatura, como já o fa-
ziam há sessenta anos. A agricultura dependia do escravo e até que
uma força de trabalho livre pudesse ser recrutada, quaisquer outras
medidas em favor da emancipação seriam impensáveis. A abolição
seria ilegal e até imoral se imposta aos fazendeiros sem indenização.
A escravidão era vantajosa para o escravo, que ficaria indefeso se,
de repente, se encontrasse livre. Se a abolição fosse decretada subi-
tamente, os libertos não trabalhariam, não produziriam, seriam ape-
nas consumidores e um elemento de perturbação social. Tal como
em 1871, houve de novo a previsão, em 1880, de que, uma vez livres,
os antigos escravos se sublevariam em revolta.'*
Os defensores da escravatura recorriam ocasionalmente a argu-
mentos então quase tabus no Brasil — a um racismo que passou a
estar mais em voga depois da queda do Império. Os libertos, segun-
do uma petição da Associação Commercial, eram “incompatíveis com
um regimen qualquer de economia e de ordem, de trabalho e de
moralidade.” “* No Brasil, disse o industrial Felicio dos Santos, na
Câmara, em 1882, o negro era uma absoluta necessidade, apesar de
sua inferior “conformação cerebral”. 7º Num artigo em defesa da
escravatura publicado no jornal republicano 4 Provincia de São Pau-
lo, o filósofo positivista Luís Pereira Barreto, autor de obras abs-
trusas sobre metafísica e teologia, teorizou que, para os brasileiros
de descendência européia, cujo predomínio se fundava em “condi-
ções naturais”, a escravatura era um “mal necessário”, porque “nos
achamos deslocados do nivel de evolução da parte mais adiantada
da humanidade.” Para “os infelizes filhos da bárbara Africa”, por
outro lado, a escravidão era “incontestâvelmente um bem relativo,”
já que seu transporte da África para o Brasil garantira suas vidas
e as de seus descendentes. 78 |
204
Alguns dos mais teimosos defensores da escravatura chegavam
mesmo a mostrarem-se descontentes com a Lei Rio Branco. O Diá-
rio do Brazil não só condenava os abolicionistas como “homens in-
gratos” que elevavam suas vozes contra a mão beneficente que os
alimentava; também pedia uma contrapropaganda eficaz e um pro-
grama de ação para impedir o processo da emancipação enquanto
um sistema de trabalho livre não estivesse em funcionamento, para
pedir que a lei de 1871 não fosse executada de um modo desnecessa-
riamente prejudicial para os donos de escravos, para repelir a agres-
são dirigida contra a agricultura e para “expor a falsidade das
calumnias sediças e nojentas adrede espalhadas a fim de ferir a hon-
ra dos fazendeiros.” 77
Os defensores da escravatura no Parlamento e fora dele produ-
ziram um extraordinário número de aforismos citáveis que o pessoal
da Gazeta da Tarde reuniu durante 1880 e publicou já perto do final
da sessão legislativa :“O Brazil é o café,” disse Silveira Martins do
Rio Grande do Sul, “e o café é o negro”. “A escravidão é convenien-
te,” afirmou o senador liberal Sinimbu, de Alagoas, “mesmo em
bem do escravo”. “Amo mais a minha patria do que ao negro,” con-
fessou Saraiva, Presidente do Conselho de Ministros. “O fazendeiro
deve merecer mais cuidados dos poderes publicos do que os escra-
vos,” pensava Martim Francisco Ribeiro de Andrada. “O que se
fez a 28 de setembro,” disse Ferreira Vianna, do Rio de Janeiro,
“Já é de mais: Regresso! Regresso!” “São Paulo prefere a republi-
ca á abolição,” foi a opinião do monárquico Costa Pinto, dessa pro-
vincia, “escolha o Imperador!” “O escravo é, entre nós, um verda-
deiro fidalgo proletário,” comentou o velho escravocrata Andrade
Figueira, do Rio de Janeiro. “Medidas de rigor,” advertiu Paulino
de Souza, da mesma província, “e quanto antes para conter a insu-
bordinação nas fazendas e fazer murchar perigosas impaciências.” 78
A reação pró-escravatura não se limitou a declarações de polí-
ticos. Revelou-se também nas eleições de novembro de 1881, em
que quase todos os candidatos do partido abolicionista foram derro-
tados. O novo gabinete estabelecido no início de 1882 era chefiado,
na realidade, por Martinho Campos, o deputado de Minas Gerais
que sugerira enfrentar os abolicionistas de revólver em punho. Na-
buco, candidatando-se contra um conhecido escravocrata na capital,
foi derrotado estrondosamente e, assim, partiu para a Europa para
205
lá continuar sua luta. 7º “É claramente evidente por estes resultados,”
comentou o jornal The Rio News, “que o país não deseja a emanci-
pação e que receia até mesmo a simples discussão do assunto.” Os
escravocratas acreditavam que a agitação antiescravatura havia sido
esmagada pelo veredito das eleições. 90
Havia, então, uma poderosa reação ao abolicionismo, que se
revelava na Assembléia, na imprensa e, talvez ainda mais convin-
centemente, nas eleições de 1881. Os abolicionistas, tendo revelado
dramaticamente sua presença em 1880, abrandaram sua ação no
ano seguinte, talvez surpreendidos pela ira de seus oponentes. As
reuniões antiescravatura, organizadas semanalmente em 1880, cessa-
ram em 1881 e os clubes abolicionistas foram desbandados ou, en-
tão, continuaram agindo menos publicamente. Os defensores da
escravatura, por outro lado, também haviam sido assustados pelas
enérgicas atividades abolicionistas e a nova e inesperada ameaça
fez, então, com que os legisladores provinciais nas províncias do café
tomassem medidas para acabar com o comércio de escravos inter-
provincial a fim de fortalecer a escravatura nas províncias do norte.
Ao fazê-lo, ajudaram inadvertidamente a desencadear o mais pode-
roso dos movimentos abolicionistas provinciais, o da pobre província
nordestina do Ceará.
206
No porto do Ceará
não se embarcam mais escravos!
O POVO DE FORTALEZA
27 de janeiro de 1881
11
O MOVIMENTO NO CEARA
207
Barros, um ardente político pró-escravatura, introduziu um projeto
de lei na Assembléia Provincial de São Paulo para impor
um impos-
to proibitivo sobre todos os escravvooss que entrassem em
Sã o Paulo,
vindos de outra província. O objetivo da proposta de Mo
reira de
Barros não era limitar o influxo de escravos que iam
para São Pau-
lo. Seu propósito era, sim, fechar o mercado de escrav
os de São
Paulo para restringir o fluxo de escravos para fora de outras
pro-
víncias, especificamente daquelas, no norte, que se estavam desem-
baraçando rapidamente de suas populações escravas. O motivo
de
Moreira de Barros não era humanitário, mas sim expediente, tal
como o fora o de João Mauricio Wanderley, em 1854, quando
os
interesses da Bahia e das outras províncias do norte pareciam exigir
o fim do comércio interprovincial de escravos. Se Wanderley espe-
rara, em 1854, que a abolição do tráfico entre as províncias protege-
ria Os recursos em escravos da Bahia, Moreira de Barros, por seu
lado, raciocinara, em 1878, que a abolição desse tráfico voltaria
a
fortalecer o compromisso das províncias do norte, exportadoras de
escravos, com o sistema escravocrata e, assim, prolongaria a vida da
escravatura. A legislação passou pela Assembléia Provincial,
mas
o presidente provincial, correspondendo aos protestos de fazendeiros
que ainda estavam ansiosos por adquirir mais escravos do norte, re-
cusou sancionar a medida. 2
A divisão nacional no que se refere à questão da escravatura,
prevista em 1854 e, de novo, em 1878, já se tornara uma realidade,
de fato, em agosto de 1880, quando o mesmo legislador paulista,
Mo-
reira de Barros, já então representando sua província na Câmara
nacional, introduziu um projeto de lei com o objetivo de proi
bir o
transporte de escravos de uma província do Império para outr
a, com
as infrações da lei sendo castigadas ao abrigo de provisões penais
da
lei antitráfico de escravos de 1850, incluindo multas
pesadas e penas
de prisão.
Paula Beiguelman, argumentando a teoria de que os
fazendeiros
paulistas se encontravam entre os primeiros abolicion
istas, apresen-
tou recentemente a hipótese de que São Paulo
procurara acabar com
o comércio de escravos interprovincial pelo fat
o das mais novas
regiões de café da provín
cia já não estarem interessadas em manter
o sistema de escravos. 3 Todavia, esta teoria
é contrariada pelo pró-
2 Prado Jr., Circular, página 11; Provincia de São
1880; Annaes da Camara (1880), IV, 194.195 z Paulo, 15 de agosto de
8 Ver Beiguelman, 4 formação do povo foi : =
explicou a legislação
i paulista antico mércPoioio "a PáBinas 52-53. Warre
de es cr av os co mo um a
n De
para acabar rapidamente tentativa
com a escravatura “nara encorajar o fluxo de
206
prio Moreira de Barros, que declarou, em defesa de sua política,
que ambos seus projetos, a legislação provincial de 1878 e o projeto
de lei nacional de 1880, tinham a intenção de promover “a vanta-
gem politica de sustar o antagonismo que eu vejo com pezar desen-
volver-se entre as duas partes do Império, sobre este assumpto (da
escravidão), e collocar todas as províncias no mesmo pé de interes-
ses, para resolver, quando seja opportuno, a grande questão do ele-
mento servil.”* A tentativa para acabar com o comércio interpro-
vincial não foi realizada pelo fato de novos e mais progressistas fa-
zendeiros da província de São Paulo terem decidido rejeitar a escra-
vatura em favor do trabalho livre. Ao contrário, conforme o próprio
Moreira de Barros revelou, a legislação proposta tinha por intenção
deter esse tráfico para fortalecer o compromisso dos fazendeiros do
norte, que estava sendo corroído tão rapidamente, para com o sis-
tema escravocrata. Para o astuto A. Scott Blacklaw, um represen-
tante dos interesses do café de Ceilão, parecia “descaridoso” supor
que o verdadeiro objetivo dos legisladores era prolongar a escrava-
tura, mas havia “fortes provas circunstanciais de que assim era.” ?
Esse projeto de lei, contudo, não obteve os propósitos deseja-
dos — que, nessa data, já não eram de todo possíveis de alcançar.
A legislação, na verdade, foi detida na Câmara por uma coalizão de
deputados que incluía um significante bloco de representantes do
norte, que fez pressão sobre o governo no sentido deste arquivar o
projeto. $ Revelando a fonte da oposição e advertindo o governo e os
recalcitrantes deputados do norte, o órgão pró-escravatura do Re-
publicanismo, 4 Provincia de São Paulo, comentou: “A despropor-
ção, sempre crescente, entre o numero de escravos das provincias do
Sul e o das do Norte, cada vez mais determina a necessidade d'uma
medida prohibitiva, afim de conservar homogeneo o interesse de todo-
209
o paiz.” Se não houvesse um fim rápido desse tráfico, concluía o
artigo, a população escrava das províncias do norte depressa ficaria
tão reduzida “que os deputados do Norte, que formam a maioria da
Câmara, poderão decretar a emancipação sem compromeiter nem
mesmo affectar os interesses de suas respectivas provincias...”7
mm
Com a medida barrada na Câmara, pelo norte, as assembléias
provinciais das províncias do café eram as únicas a possuírem o poder
legislativo para erguer uma barreira ao movimento de escravos para
o sul. Em meados de dezembro, a assembléia provincial do Rio de
Janeiro, composta, segundo a Gazeta da Tarde afirmou, por “fa-
zendeiros, senhores d'escravos e seus clientes,” já criara um imposto
de 1:500$000 (aproximadamente o preço de um escravo caro)
em
cada cativo vindo de outras províncias. O objetivo da lei, explicou o
Jornal do Commercio, era “impedir que se aggrave... a anomalia
da desigualissima repartição da população escrava entre as diversas
secções do territorio nacional.” Prevendo que Minas Gerais e São
Paulo não tardariam a promulgar uma legislação restritiva seme-
lhante, o Jornal do Commercio concluiu que as três províncias mais
interessadas na escravatura tinham o dever de organizar uma resis-
tência legal à invasão de escravos do norte, já que, logo que tivessem
despachado seu último escravo, as outras províncias tornar-se-iam
:abolicionistas e, com seus votos unidos, eliminariam a escravatura
em toda a nação. 8 Assim, os membros da assembléia de São Paulo,
da Assembléia Geral e, pelo menos, dois importantes jornais da re-
gião do café, já tinham reconhecido que o comércio interprovincial
de escravos estava destruindo o equilíbrio da escravatura e que
ameaçava sua própria existência.
As províncias de São Paulo e de Minas Gerais seguiram, por-
tanto, a do Rio de Janeiro na aplicação das leis antitráfico de es-
cravos. Minas Gerais agiu quase imediatamente, no final de dezem-
bro, aplicando um imposto de dois contos a cada escravo que en-
trasse na província. ? A assembléia provincial de São Paulo,
já então
sob pressão da imprensa e dos fazendeiros, incluindo o
Club da La-
2117
nas provincias exportadoras depressa diminuirá e, então, essas
pro-
vincias ficarão fortemente em favor da abolição,
a fim de se liber-
tarem de uma instituição não lucrativa e de abrirem
caminho para
a mão-de-obra livre...” Os fazendeiros tinham-se oposto
a todas as
medidas diretas para a abolição, disse o jornal americano
, mas ti-
nham “esquecido totalmente o simples fato de que est
a repressão
obterá, por certo, o mesmo resultado.” 13
O súbito aparecimento de um poderoso movimento
abolicionis-
ta no Ceará em janeiro de 1881 depressa foi
atribuído, de fato,
tanto à quase exaustão da reserva de escravos dessa
província quan-
to à implantação, no sul, da barreira ao tráfic
o. Na Câmara dos
Deputados, em 1882, João Penido, de Min
as Gerais, acusou amar-
gamente o Ceará de só se ter voltado par
a o abolicionismo depois
de ter vendido seus escravos. 1t Walter J.
Hammond, um fregiiente
correspondente do jornal The Rio News
com fortes simpatias paulis-
tas, observou cinicamente em 1883 que
“até São Paulo ter fechado
suas portas à recepção de escravos das
províncias do norte, os ho-
mens do norte realizavam um dinâmico tráfico
em escravos com
seus mais industriosos e empreendedores
irmãos do sul.” 15 O IMpos-
to provincial, afirmou um autor pró-es
cravatura em 1888, “longe
de mitigar, mais exacerbou as cóleras abol
icionistas, e notavelmente
na província do Ceará...” 16
O surTO do abolicionismo do
norte fora precipitado tanto pela
natureza quanto pelos legisladores
das províncias do sul. De 1877 a
1880, a seca devastara a vida e
q propriedade do Nordeste. O pior
sofredor, na opinião do jornal The
British and American Mail, fora
13 Rio News, 24 de
Janeiro de 1881. Grifo
14 Annaes da Camara acrescentado.
(1882), IV, 441,
15 Carta de Walter J. Ha
mmond, Jundiaí, São Paulo, datada de 28 de
fevereiro de 1883, publicado no jornal The Rio News em
de 1883. “Deve... ser recordado,” 15 de março
escreveu outro simpatizante estrangeiro
a de 1886, “quando as províncias do
alguns anos centenas de milhares as do sul quanto à abolição, que durante
de escravos foram exportados do
e vendidos no sul.” Charles Hastings norte
1886), página 288. Dent , 4 Year in Brazil (Londres,
16 O abol
de Janei ro, icio nismo perante a historia
1888) , página s6 ou o dial] ogo das aa as (RioE
tres provinci
212
o fazendeiro nordestino, que perdera seu gado, seu algodão e uté
mesmo sua semente e que, possuindo apenas escravos, os estava
vendendo para subsistir. 7” No norte, em 1880, os escravos já se
haviam transformado, nas palavras de um sulista rico, “a única moe-
da em circulação.” 18
A seca, particularmente séria no Ceará, causara um aumento
incisivo no fluxo de escravos para fora da província. 1º Entre 1871
e 1881, mais de sete mil cativos, mais do que um quinto de toda a
população escrava, haviam sido exportados oficialmente da provín-
cia empobrecida e, sem dúvida, muitos mais foram exportados ile-
galmente. Dos deportados registrados, quase três mil haviam em-
barcado no porto de Fortaleza, a capital provincial, só em 1877,
alguns deles comprados no interior por apenas duas sacas de fa-
rinha. 2º A medida que o alimento ia escasseando, este ia ficando
mais valioso do que as pessoas a quem devia alimentar. A solução
era a venda a preços baixos. Durante a década anterior ao surto do
movimento abolicionista no Ceará, esta província exportou uma per-
centagem maior de sua população escrava do que qualquer outra
província. A província do Rio Grande do Sul foi a única a exportar
um número maior. 21
Em 1880, os escravos já constituíam para alguns cearenses a
única propriedade negociável que lhes restava. Em dezembro desse
ano — o mês das primeiras leis provinciais antitráfico de escravos —
os preços dos escravos ainda eram sustentados em Fortaleza pelu
mercado do sul, embora há uma década ou mais, a maior parte do
trabalho agrícola do Ceará já fosse realizado por trabalhadores li-
vres. 22 As recompensas oferecidas pela devolução de escravos fugi-
tivos, em 1878 e 1879, indicam que os valores haviam permanecido
muito mais elevados do que as condições econômicas locais justifica-
vam. Em abril de 1879, um anúncio oferecia 150 mil-reis pela devo-
lução de um fugitivo de vinte e cinco anos e, apenas uma semana
213
antes da passagem da lei antitráífico de escravos da província do
Rio de Janeiro, um escravo foi libertado numa reunião abolicionista
em Fortaleza pelo preço de um conto. ?? O Ceará, na realidade,
ainda era, em 1880, um empório do comércio nordestino de escra-
vos, reunindo nas suas praias os escravos tanto das províncias vizi-
nhas quanto aqueles de seu próprio interior para deportação para o
sul. 2* As leis provinciais do sul atingiram mais eficazmente esta
província, reduzindo drasticamente os bens monetários das pessoas
que ainda possuíam escravos e proporcionando um extraordinário
incentivo para o florescimento do abolicionismo.
O emancipacionismo desenvolvera-se cedo no Ceará, resultado
talvez de um uso generalizado de mão-de-obra livre numa província
onde, em 1845, os escravos já eram “relativamente escassos.” % Em
1868, a Assembléia Provincial autorizara o gasto de quinze contos
para a emancipação de cem crianças de peito, dando preferência às
do sexo feminino, e uma lei melhorada do mesmo tipo foi aprovada
em 1870. Neste mesmo ano, com o “nascimento livre” sob conside-
ração maior na capital do Império, clubes emancipacionistas apare-
ceram nas cidades provinciais de Baturité e Sobral, tal como também
havia acontecido em diversos pontos de outras partes da nação. 28
Todavia, a existência do mercado do sul e a apatia da maior
parte do Brasil sobre a questão da escravatura foram obstáculos a
um surto significante de abolicionismo no Ceará após a passagem
da Lei Rio Branco. Tal como no resto da nação, esta província do
norte manteve-se silenciosa sobre a questão da escravatura entre
1871 e 1879, enquanto, das praias de sua capital, cativos eram leva-
dos regularmente para os navios, que os aguardavam, nas primitivas
jangadas, barcos à vela com o fundo chato, usados na sua origem
pelos índios e, depois, por gerações de pescadores nordestinos —
o único meio prático de carregar mercadorias para navios ancorados
ao largo da costa. Antes de 1879, com milhares de pessoas famintas
e desesperadas migrando do interior para a capital provincial, com
dezenas de milhares morrendo de doença e de fome nas favelas
214
suburbanas, não havia quaisquer protestos significantes contra o pa-
norama familiar de escravos, todos vestidos com uma roupa unifor-
me de algodão azul e acompanhados por um “corretor”, sendo le-
vados para a baía a fim de serem carregados para os navios. 7
215
sos eram terminados no meio de aplausos gerais, unidos às harmonias
das bandas militares da Polícia e do 15.º Batalhão, que tocavam
no salão próximo.” ºº Isto não era uma conspiração revolucionária,
mas sim uma reunião pública de ricos e distintos membros da socie-
dade cearense, apoiada pela polícia, o exército nacional e as mais
altas autoridades, com todos os presentes agindo em consegiiência
da rápida mudança das condições locais e nacionais. No primeiro
dia de 1881, o primeiro número do jornal Libertador, órgão da So-
ciedade Cearense Libertadora, apareceu em Fortaleza, sendo dedi-
cado ao abolicionismo com o apoio da maioria da imprensa con-
vencional de Fortaleza. 31
A aprovação da lei de São Paulo para restringir a entrada de
escravos nessa província ajudou a provocar acontecimentos ainda
mais surpreendentes no Ceará. Na tarde de 26 de janeiro, cinco dias
depois do projeto de São Paulo ter passado e no dia seguinte à sua
transformação oficial em lei, José do Amaral, presidente da Perse-
verança e Porvir, tentou convencer um negociante de escravos a
libertar um grupo de escravos comprado recentemente do interior,
evidentemente com base no fato de seu valor ter diminuído de
certo modo devido à perda de seu principal mercado, a província de
São Paulo. Não conseguindo convencer o negociante, Amaral, en-
tão, segundo foi alegado, concebeu a idéia de fechar o porto do
216
Ceará ao tráfico de escravos de modo a diminuir ainda mais os
lucros dos negociantes. 2
Nessa mesma noite, num teatro de Fortaleza, no intervalo dos
atos de uma peça, Amaral e um companheiro ganharam a aprova-
ção do público para um plano cuja intenção era forçar uma proibi-
ção da exportação de escravos do Ceará. 3 O presidente da orga-
nização Perseverança e Porvir também obteve o apoio de dois an-
tigos escravos, líderes populares dos trabalhadores do porto, cujos
nomes não tardaram a ser publicados nos jornais do Rio de Janeiro.
Estes eram os jangadeiros Francisco José do Nascimento, o piloto
do porto, que veio a ser conhecido como “o lobo do mar” ou “o
dragão do mar”, e José Napoleão, um líder dos jangadeiros, famoso
por se ter libertado juntamente com membros de sua família. 24
Na manhã seguinte, 27 de janeiro, o navio mercante Pará che-
gou a Fortaleza, vindo do norte, para embarcar um carregamento
de escravos. Mas, antes destes poderem ser levados para bordo, José
do Amaral e seus seguidores encontraram-se com os jangadeiros na
praia, abaixo da cidade, e conseguiram convencê-los de que trans-
portar escravos para os navios era degradante para sua profissão.
Em resposta, os jangadeiros, trangiilizados por seus líderes, recusa-
ram carregar o Pará. Com esta decisão, o comércio de escravos que
durante tanto tempo florescera em Fortaleza chegou a seu fim.
A notícia da greve na praia espalhou-se pela cidade e cerca de
mil e quinhentas pessoas depressa se reuniram no porto. Enquanto
o número dos presentes aumentava, um grito ergueu-se espontanea-
mente em resposta às fúteis tentativas dos negociantes de escravos
para convencer os jangadeiros a carregar sua propriedade. “No porto
do Ceará,” começou o grito, que logo se transformou num canto,
“não se embarcam mais escravos!” 35
O jornal Libertador afirmou a completa espontarieidade do
lema. “Não se sabe mesmo quem primeiro o proferisse,” disse esse
jornal abolicionista mais de uma semana depois dos acontecimentos
217
no porto. “Era uma idea que estava em todas as intelligencias, um
sentimento que brotava em todos os corações.” Os negociantes de
escravos tinham recorrido a todos os expedientes, “offerecimentos,
promessas, suborno, ameaças”, mas tudo foi em vão. Quando lhe
pediram que ajudasse os negociantes de escravos, a polícia também
se recusou a cooperar, com base em não poderem usar da força para
obrigar os jangadeiros a realizarem um serviço que eles considera-
vam repugnante. Mais tarde, contudo, quando se soube por um pas-
sageiro do Pará que havia a bordo do navio uma mulher que afir-
mava ser livre, a polícia ajudou-a e a mais cinco escravos à desem-
barcarem, provavelmente a bordo de uma jangada. Antes do
final
do dia, o Pará partiu de Fortaleza com apenas parte de seu carre-
gamento, com a demonstração continuando na praia e uma onda
de manumissões tendo lugar na cidade, por cima do porto.
36
Com a chegada, três dias mais tarde, do vapor Esp
írito Santo,
a luta prosseguiu. Desta vez, um carregamento de
trinta e oito es-
cravos fora levado para o porto a fim de ser transpor
tado para O
sul, mas os jangadeiros, que tinham, desde então, decidi
do em reu-
niões públicas manter sua greve, recusaram-se de novo a tra
nspor-
tar escravos. Então, segundo relatado, mais de três mil
pessoas jun-
taram-se na praia, gritando o novo lema do abolicionism
o: “No por-
to do Ceará, não se embarcam mais escravos!” Os negociante
s de
escravos tentaram uma vez mais levar seu carregamento par
a bordo,
tendo mesmo comprado jangadas, mas não encontrando qu
em as
tripulasse, oferecendo subornos (chegando mesmo a um
conto para
o transporte de cada cinco escravos), apelando para
o exército, que
se limitou a enviar uma pequena força para a praia a fim de manter
a ordem. Nem um só escravo foi levado para bordo do Espírito San
to
em 30 de janeiro e, nessa mesma noite, houve festividades em For-
taleza, com os celebrantes gritando elogios aos “homens do mar.” 37
Com estes sucessos, o abolicionismo transfor
mou-se, no Ceará,
num movimento das massas, ameaçando a escr
avatura na totalida-
de da nação. Menos de dois meses ap
ós essas vitórias na praia, com
o comércio de escravos já terminado no Ceará,
uma celebração pú-
216
tração, enquanto os trinta e cinco desfilavam pela cidade até o Pas-
seio Público, uma praça frente ao mar. Um dos escravos (segundo
uma descrição no jornal Libertador) carregava uma bandeira aben-
coada pelo padre abolicionista, o Padre João Augusto da Frota. Fo-
guetes explodiam e bandas militares tocavam quando a multidão en-
trou na praça, que estava decorada com bandeiras, tapetes de flores
e arcos triunfais.
Depois de os escravos terem chegado ao interior de um teatro
vizinho, discursos e poemas foram recitados com os aplausos habi-
tuais e a execução do hino da Sociedade Cearense Libertadora por
duas bandas militares foi recebida com um verdadeiro delírio. O re-
presentante dos trinta e cinco escravos ofereceu “a bandeira da li-
berdade” aos líderes da sociedade abolicionista, com cada um dos
escravos recebendo, então, uma carta de emancipação. “Vitimas de
impetuosa sensação de alegria...” narrou o relato do Libertador,
“alguns libertandos pareciam desmaiar ao contacto deslumbrante da
liberdade.” A emancipação de trinta e cinco escravos, todos de uma
vez, foi Interpretada como um sacrifício que, até então, só os aboli-
cionistas do Ceará haviam feito. “De todas as sociedades abolicio-
nistas do Império,” foi anunciado, “nenhuma fizera tanto em pro-
víncias mais ricas: a própria côrte estava abaixo do Ceará.” 38
O sucesso do movimento cearense causou receios no governo
central e nos políticos do sul que tinham pensado poder controlar o
abolicionismo do norte ao aumentar o compromisso da região para
com a escravatura. Uma semana depois da gigantesca demonstração
abolicionista de 25 de março, o presidente provincial, Padua Fleury,
um oponente da escravatura, foi substituído pelo Senador Leão Ve-
loso, da Bahia, um político sem qualquer simpatia conhecida pela
causa abolicionista. Em 1881, o Ceará também teve um novo chefe
da polícia, Torquato Mendes Viana, que depressa provou ser um
inimigo do abolicionismo.
Todavia, o choque entre as novas autoridades e a população do
Ceará foi adiado durante meses, enquanto o movimento continuava
aumentando, e até mesmo o próprio governo provincial tomou cer-
tas medidas para controlar e limitar a escravidão dentro da pro-
víncia. Em meados de 1881, sociedades de libertação apareceram em
seis cidades provinciais, incluindo Fortaleza. No início de junho, o
presidente provincial ordenou a diminuição dos preços dos escravos
a serem libertados pelo fundo de emancipação em reconhecimento
219
do reduzido valor do mercado de escravos na província. %º Em agos-
to, Leão Veloso decretou um pesado imposto sobre cada escravo
que entrasse no Ceará e uma taxa de 50 mil-reis sobre cada escra-
vo transportado de um município para outro com o propósito de
venda, Ҽ
No início de agosto, contudo, uma nova hostilidade começou de-
senvolvendo-se entre os abolicionistas e o palácio presidencial. Nessa
data, já se tornara aparente que os baixos preços dos escravos, no
Ceará, haviam despertado a cobiça dos especuladores, que viram uma
oportunidade para obterem lucros no mercado de Belém, Pará, onde
a procura de escravos continuava forte mesmo depois de o comércio
ter terminado em outros portos do norte e para o qual todos os
vapores ainda transportaram escravos até 1882. “1
Os interessados em reabrir o porto de Fortaleza ao comércio
de escravos incluíam o novo chefe da polícia, Mendes Viana, que,
em 30 de agosto de 1881, apareceu na praia com uma ampla força
policial para assegurar o embarque de escravos no vapor Espírito
Santo, um dos dois navios envolvidos na primeira demonstração, em
janeiro do mesmo ano. Os abolicionistas responderam no seu habi-
O
-—
tual estilo dramático. Um panfleto intitulado “Corra Sangue!” apa-
— ——-
receu nas ruas da cidade, incitando os defensores do abolicionismo
a morrerem com honra de preferência a permitirem que o porto
do Ceará fosse infamado por uma nova exportação de escravos. O
governo, afirmaram os abolicionistas mais tarde, estava tentando
embarcar escravos de Fortaleza num esforço para restabelecer o
valor da propriedade escrava na província. *
Os líderes da Sociedade Cearense Libertadora fizeram mais do
que publicar panfletos. Enquanto cerca de seis mil pessoas se reu-
niam na praia, cantando seu lema, e o inspetor da alfândega tentava
convencer o chefe da polícia a desistir, face à ameaça popular, duas
jovens escravas compradas para o mercado de Belém foram “rapta-
220
das” numa carruagem por um grupo de abolicionistas, incluindo ale-
gadamente o “dragão do mar”, Francisco José do Nascimento. 42
O resultado do incidente na praia foi revelado num telegrama
de José do Amaral para Joaquim Nabuco:
221
Ceará é o herói da Abolição;
São Paulo é o castelo forte
do hediondo escravagismo.
JOSE DO PATROCÍNIO
na “Gazeta da Tarde”, 31 de maio de 1883
12
O MOVIMENTO ABOLICIONISTA:
SEGUNDA FASE
Il Rio
: News, 24 de janeiro d a aid
páginas 191-192. e 1882; Organizações e programas ministeriais,
222
gicos líderes dos movimentos foram vencidos esmagadoramente nessas eleições,
a sociedade antiescravista de que tanto se esperava deixou de existir e O
movimento foi quase totalmente esmagado. Algumas sociedades construídas
sobre bases sociais ou locais continuaram existindo, mas seu trabalho tem
sido espasmódico e de pouca influência fora das próprias organizações. Na
Assembléia Geral, onde o trabalho, em grande parte, deve ser realizado,
parece não haver um só abolicionista digno desse nome. 2
223
blicação de propaganda, conhecida pelo nome de Ça Ira, com a co-
laboração de membros locais. “
Estas ocorrências talvez estejam ligadas à grande revolta de
escravos deflagrada na província de São Paulo em novembro, um
acontecimento que provocou comentários irados por parte dos fa-
zendeiros e da imprensa de São Paulo e do Rio e que era uma indi-
cação que os abolicionistas, frustrados no seu uso de processos le-
gais, já estavam trabalhando na clandestinidade entre os escravos,
particularmente na província-chave de São Paulo. Alguns meses
antes, um agente britânico, observador a serviço dos interesses do
café do Ceilão, afirmara publicamente que os abolicionistas pode-
riam entrar facilmente nos alojamentos dos escravos, nas fazendas,
para informá-los de que não havia força alguma que pudesse
impe-
di-los de ganharem sua liberdade e de “incendiarem” toda à nação.
A polícia e o exército eram inteiramente. inadequados para domin
ar
uma revolta generalizada dos escravos, acreditava o mesmo
autor, e
o governo não se preparara para uma tal possibilidade. “Uma rebe-
lão de escravos,” acrescentou ele, “não pode acontecer se não houver
uma influência de fora das fazendas agindo sobre os espíritos dos
escravos.” 5 :
Foi, talvez, por terem a consciência destes fatos que os fazen-
deiros reagiram quase em pânico ante as notícias sobre a revolta. O
Diário do Brasil, um franco defensor da escravatura, descreveu o
levante com alarme, relatando que, depois de terem ocupado a fa-
zenda, os escravos tinham-se dirigido para a cidade de Campinas,
matando seis pessoas no caminho antes de se renderem à polícia. “A
mor parte delles ostentava o maior cynismo,” afirmou esse jornal,
“e narravam todos os factos com sangue frio admiravel.” 8 Os
gru-
pos pró-escravatura viram a revolta como um sinal para ação
e re-
pressão. O Club da Lavoura de Campinas, a cidade onde os escrav
os
se haviam rendido, fez uma petição ao presidente provincial
e ao
Ministro da Justiça no sentido de tomarem medidas para garantir
a segurança dos fazendeiros, incluindo um aumento da força de se-
gurança pública e o fornecimento de carabinas à polícia auxiliar.
“A vista do muito grave e deplorável acontecimento,” disse o Diá-
Fio do Brasil, “...não será tempo de reagir vigorosamente contra
a insensata e funesta propaganda abolicionista?” 7 O jornal
Opinião
224
Liberal de Campinas advertiu: “Já não é possivel mais illudir a opi-
nião publica... que no seio do paiz existe um grupo faccioso e dis-
posto aos maiores excessos, coberto com a sympathica bandeira da
emancipação, mas cujos fins são a destruição dos elementos conser-
vadores da sociedade.”8
Dando sua própria descrição da revolta, o editor do Rio News
também suspeitou de que os rebeldes tivessem sido influenciados por
elementos alheios à fazenda. Os escravos tinham mostrado indícios
de resistência antes da luta começar, afirmou o jornal americano,
e cerca de trinta homens armados haviam, depois disso, atacado
seus alojamentos com a intenção de capturar seus líderes. Armados
e com comunicações cavadas entre suas cabanas, os escravos tinham
repelido o ataque, matando um e ferindo vários dos assaltantes.
Conscientes de sua situação, setenta e três homens, mulheres e cri-
anças haviam marchado, então, em direção a Campinas para se
renderem, gritando saudações à emancipação e ao republicanismo no
caminho. Para o Rio News, a “revolta” pareceu ter sido deliberada
e bem organizada. Os escravos tinham combatido bem, “mesmo con-
tra números iguais da raça dominante...” Mais significante, ainda,
haviam exibido uma inesperada compreensão dos acontecimentos po-
líticos. A luz destes fatos, o jornal americano concluiu, “os fazen-
deiros poderão muito bem interrogarem-se sobre como foi possivel,
para estes escravos, prepararem-se tão bem para um levante e como
é que lhes foi dado obter essas ideias de emancipação e governo.
E talvez não seja uma perda de tempo averiguar até que ponto,
exactamente, essas ideias se estenderam entre os escravos.” ?
A revolta dos escravos perto de Campinas talvez tenha sido es-
pontânea, mas a verdade é que, para os fazendeiros e seus simpa-
tizantes, parecia ser uma prova de que os abolicionistas estavam
preparando secretamente atos de destruição ainda mais prejudiciais
para a sociedade estabelecida. Na realidade, exatamente nesse pe-
ríodo, José do Patrocínio, já então o líder nacional reconhecido de
todo o movimento abolicionista, planejava um novo ataque à escra-
vatura no seu ponto mais débil: a inquieta província do Ceará.
225
A DESTRUIÇÃO DA ESCRAVATURA NO CEARÁ
226
dos os lados,” disse a Gazeta, “forma-se logo um nucleo libertador,
e d'ahi a momentos está fundada uma nova sociedade, assignalan-
do-se o seu nascimento por um punhado de libertações.” /4 Muitos
escravos estavam sendo libertados voluntariamente e sem compensa-
ção ou, então, por subscrição popular quando seus donos pediam
pagamento. “O entusiasmo que jorra do movimento,” escreveu o
Rio News cerca do final de fevereiro, “tem sido algo de maravi-
lhoso, pois tem abrangido todas as classes e estendeu-se por todas
as partes da província. Centenas de escravos têm sido oferecidos às
várias sociedades de libertação pelo preço nominal de 50$000 e
1004000 cada e as sociedades aceitam os mesmos tão rapidamente
quanto as receitas das subscrições o permitem... Em forte contras-
te,” acrescentou o jornal americano, “lamentamos anotar os resul-
tados dilatórios verificados na província de São Paulo.” Na pobre
província do Ceará, cena de uma terrível seca e de fome apenas
alguns anos antes, “os escravos estão sendo libertados por quantias
quase nominais e, principalmente, através do trabalho voluntário e
espontâneo da própria população. Em São Paulo, não só não há en-
tusiasmo, como também parece haver uma oposição decidida à
emancipação.”15
Tal como em 1881, o governo central tentou desencorajar o
fervor abolicionista dos cearenses. Em meados de fevereiro, depois
do 15.º Batalhão do Exército, estacionado em Fortaleza, se ter de-
clarado uma sociedade abolicionista, o Ministro da Guerra ordenou
que essa unidade fosse transferida para o Pará, substituindo a guar-
nição do Ceará pelo 11.º Batalhão de Belém. O governo central to-
mou esta inusitada medida apesar da afirmação dos oficiais no sen-
tido de que um telegrama do Imperador felicitando a Sociedade Cea-
rense Libertadora pelo seu sucesso na libertação da Acarape os mo-
tivara a converter seu batalhão numa sociedade abolicionista.l8 Mais
tarde, nesse mesmo mês, os abolicionistas do Ceará enviaram tele-
gramas para o Rio contando as ameaças do governo e a desafiadora
libertação de mais 228 escravos em vários municípios. Alguns dias
227
mais tarde, foram “cercados de um apparato bellico assombroso,
Temos, na província, dois batalhões; no porto, o transporte Purus
e a corveta Trajano.” A resposta a esta “provocação” foi a liberta-
ção de 200 escravos em Icó (onde, na década de 1870, só existiam
785) e um anúncio da esperada libertação total da cidade de Batu-
rité em 25 de março. No dia 7 desse mês, os homens do 15.º Bata
-
lhão embarcaram para o Pará, tendo havido cerca de quinze
mil
pessoas na sua despedida. A ovação foi extraordinária, segund
o um
telegrama de Fortaleza, mas, contrariamente às expectativas
do go-
verno, a ordem foi mantida durante todo o dia, 17
No início de maio, a campanha para libertar Fortaleza já come-
çara, com os abolicionistas dedicando-se sistematicamente,
na cida-
de, a bairro por bairro e casa por casa, localizando
cada escravo e
seu dono e comprando sua liberdade ou persuadindo
o proprietário
a libertá-lo sem compensação — em Fortaleza, já
não se tratava de
uma grande perda financeira. Em 7 de maio, a Rua
do Major Fa-
cundo, localização do quartel-general da Sociedade
Cearense Liber-
tadora, já não tinha escravos e, em 24 de maio,
a capital estava
inteiramente livre depois de apenas algumas semanas
de esforços con-
centrados. 18 Uma importante cidade brasileira
— a primeira —
ficara inteiramente sem escravos, mas outras depressa
igualariam essa
proeza, à medida que o abolicionismo se espalhava pela
s partes mais
vulneráveis do país.
Nos meses seguintes, no Ceará, houve pouco mai
s resistência
ao movimento. Todos os jornais, com a exceção
do Cearense, “libe-
Tal”,
apoiavam o movimento, 1º tal como a maioria
da população.
Num esforço para persuadir os poucos que ain
da possuíam escravos
a aceitarem o julgamento popular, a Assembléia
Provincial aplicou
um imposto de 100 mil-reis a cada escravo ainda
existente no Ceará
e uma cobrança de um conto e meio à cada
escravo exportado. Isto,
ao que pare cia, era um reconhecimento oficial de que
o porto do
ado ao comércio de escravos e, ainda ma
is
abolição de escravatura na província, já
que
ra mais do que o preço médio que os
donos
comissões abolicionistas por seus es
cravos, 2º
17 Ibid., 22 de fevereiro, 6 e 7 de março
laç
18
ão, TV, 172 173 . ae
de 1883: R
a
eamento
cação da popu-
Gazeta da Tarde, 8 de maio e Dude
10 Annaes da Camara (1883), v, 104, oYembro de 1883.
20 Relatorio com que o Exm. Sr. Dr. Satyro
administração da provincia ao de Oliveira Dias passou a
2º Vi
Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly ce-Presidente Exm. Sr. Commendador
1884), página 28; Rio News, 15 de noNovediambro31 deHE ane maio de e 18841884 (Fort
(For ta aleza,
228
Em meados de fevereiro de 1884, vinte e cinco dos cingienta
e sete municípios do Ceará estavam já livres de escravos e à com-
pleta emancipação da província fora prevista para 1 de junho. Me-
nos de três semanas mais tarde, a data da libertação total foi adian-
tada para 25 de março, o 60.º aniversário da Constituição Imperial.
No dia 16 desse mês, o Jornal do Commercio, chamando a atenção
para essa data meta, anunciou que a população escrava do Ceará
já se limitava a apenas dezesseis municípios, dois deles só com três
escravos cada. No dia 22, quase todos os escravos do Ceará já ha-
viam sido libertados e as festividades programadas para o dia 25
já tinham começado. No dia 24, os abolicionistas do Ceará envia-
ram o seguinte telegrama para o Rio:
229
notáveis e serviram como um detonador para deflagrar uma série
de explosões abolicionistas que começariam a destruir a escravatura
desde o Amazonas até à fronteira uruguaia.
O MOVIMENTO ESPALHA-SE
230
porcionando aos fugitivos escoltas, certidões de liberdade falsifica-
das, esconderijos e até transporte ferroviário para as cidades. 2
No início de 1883, enquanto os brasileiros se tornavam crescen-
temente conscientes do exemplo do Ceará, o abolicionismo irrompia
de novo em vários pontos da nação. Em fevereiro, o presidente pro-
vincial de Pernambuco enviou um telegrama ao governo central pe-
dindo ajuda para enfrentar o desafio da propaganda abolicionista,
tão eficaz que, segundo foi afirmado, estava causando rebeliões mi-
litares locais. * Em Julho, um dos vários clubes abolicionistas de
Pernambuco, a Sociedade Nova Emancipadora, criara uma comissão
de emancipação para libertar a capital provincial por meio de mé-
todos lentos, calmos e legais. A mesma comissão, descontente com
o cauteloso programa do recentemente inaugurado ministério de
Lafayette Rodrigues Pereira, recomendou à Câmara dos Deputados
um programa mais radical, incluindo a libertação de homens com
mais de cingiienta anos e a completa aplicação da lei de 7 de no-
vembro de 1831 — uma política que teria eliminado virtualmente
a escravatura em todo o país. 2º
Em março de 1883, o abolicionismo já avançava muito na pro-
víncia de Goiás, a oeste, onde um importante proprietário anunciara
sua decisão de libertar todos os seus escravos dentro de dez anos
se eles continuassem a servi-lo bem durante esse tempo. Ҽ Sendo um
exemplo da “manutenção por contrato”, que depressa se tornou
muito popular em todo o Império, este ato implicou que a relação:
entre senhor e escravo já fora tão enfraquecida pela pressão pública
e pelo descontentamento entre os cativos que se tornava neces
sário-
um contrato suplementar, anulando quase de todo a antiga relaç
ão
23 F
irrestrita. Muitos donos de escravos viriam, pouco depois, a adotar
esta política como uma solução prática para o desafio imediato do
abolicionismo, particularmente no Rio Grande do Sul, mantendo
seu controle sobre uma força de trabalho não paga durante um
período específico de tempo, dando a seus escravos um Incentivo
para seu trabalho e ganhando um certo grau de respeito público —.
tudo isso com um só ato “humanitário”. Em julho de 1884, Goiás
Já estava a caminho da libertação total, com o vice-presidente da
província e alguns importantes proprietários de terras juntando-se
à
causa com a emancipação de seus escravos, 3!
O movimento abolicionista também desenvolveu sua presença
no Pará, onde milhares de pessoas, alegadamente, se reuniram em
Belém para aplaudir o 15.º Batalhão abolicionista na sua chegada
do Ceará em 1883.º2 No final de abril do ano seguinte, com um
poderoso movimento abolicionista prestes a surgir rio acima, em
Manaus, o Club Amazonia foi fundado em Belém com o objetivo
específico de organizar a abolição da escravatura no Vale do Ama-
zonas. ** No Rio Grande do Norte, uma poderosa organização liber-
tou o último escravo na cidade de, Mossoró antes do final de 1883. 34
A cidade de Amarração, no Piauí, foi libertada no mês de julho
seguinte e, no final de setembro, com o sistema de emancipação
geográfica sendo bem sucedido de uma ponta a outra do Império,
três cidades do Paraná — Curitiba (a capital provincial), Parana-
guá (o principal porto) e Antonina — já estavam quase livres de
escravos. *º Nesta última província, três organizações abolicionistas
foram fundadas em 1883, tendo havido “grandes festas abolicionis-
tas no Teatro São Theodoro de Curitiba. Tal como em muitos ou-
tros pontos do país, os cidadãos das classes média e superior mos-
traram-se particularmente ativos, bem como o vasto setor imigrante,
composto por alemães e italianos, que manifestaram sua oposição
à escravatura através de suas organizações e jornais de língua es-
trangeira. 38
Com o regresso de Patrocínio ao Rio no final de fevereiro de
1883, a libertação sistemática da capital imperial já fora tentada, mas
232
com tão pouco sucesso que os proprietários de escravos chegaram a
sentir-se trangiúilos e até algo divertidos. %” O coração do Império
ainda não estava pronto para as soluções radicais que tinham sido
tão bem sucedidas em outros lugares, mas a Gazeta da Tarde conti-
nuava sua solitária campanha jornalística contra a escravatura, ata-
cando suas enraizadas práticas cotidianas e incitando a população a
uma maior participação.
No final de fevereiro de 1883, a Gazeta publicou a primeira de
suas paródias aos anúncios sobre os escravos fugitivos, facilmente
reconhecíveis pelo pequeno desenho de um fugitivo, caminhando
com uma trouxa amarrada a um pau colocado sobre o ombro — o
símbolo que atraiu a atenção do captor de escravos durante déca-
das. Os anúncios-caricaturas da Gazeta eram como aqueles que apa-
reciam regularmente nos jornais do Rio de Janeiro, usando as mes-
mas grosseiras descrições físicas, embora nestes anúncios fossem os
escravos que procuravam seus senhores em busca de uma compensa-
ção por anos de cativeiro injusto. Usando nomes reais de donos é
de escravos extraídos de anúncios no Cruzeiro e outros jornais, a
Gazeta procurava criar uma consciência pública da baixeza das prá-
ticas tradicionais. O seguinte exemplo publicado em 23 de fevereiro
ilustra perfeitamente o estilo:
100$000
O cidadão João, há 30 annos expoliado de seus direitos de homem livre,
presenteia, com a quantia acima, a quem lhe entregar o negreiro Luiz Gomes
de Aguiar, que residiu ou ainda reside no Campo da Gramma, logar pre-
ferido por ter magnificos pastos.
Este sujeito é alto, bem fornecido de pés e traz, como distinctivo no
pescoço, um lobinho do tamanho de um ovo de pomba.
Costuma uzar largo chapéo de feltro e tem diversos officios, sobresahindo
entre estes o de explorar seus próprios irmãos...
233
Edital de Praça
Francisco Antonio da Silva, juiz da 3.º vara civil da córte, faz publico
que vão á praça os serviços dos seguintes negreiros.
Manoel Alves, casado, 4) annos, sem officio, abdomen desenvolvido
pernas grossas e olhos papudos. ,
Maria Antonio, mulher d'aquelle, gorda e forte, com leite para amamen.
tação, parida ha 6 mezes.
AÁcompanham o casal os menores, Manoel Junior de 8 annos e Ma
ria
de seis mezes, que por lei não são separados dos paes.
Aluga-se por 7 annos, os serviços desse casal para pagamento da
nisação do que devem ao homem livre João,
indem-
que os mesmos criminosamente
conservaram em captiveiro por 15 annos. 39
235
No início de 1884, o abolicionismo da capital do Império tomou
pela primeira vez o caráter de um movimento de massas. O novo
local de reunião era o Teatro Polytheama, cujo público se apinhava
para escutar oradores como João Clapp, queixando-se do alto custo
de libertar escravos, ou como o Deputado José Mariano, do Pernam-
buco, elogiando a cidade do Rio pelo seu crescente ambiente abo-
licionista. * Foi a emancipação do Ceará, contudo, que levou 0
movimento para as ruas com um espírito de Carnaval, que paralisou
as atividades normais do Rio durante três dias e que criou um ímpeto
que depressa resultou na libertação de partes da cidade. Os mem-
bros da Câmara Municipal foram advertidos daquilo que estava por
vir por meio de uma carta em 22 de março, da Sociedade Abolicio-
nista Cearense, pedindo a autorização para retirar algumas pedras
da calçada ao longo da Rua Gonçalves Dias e no Largo da Carioca,
no coração do Rio de Janeiro, a fim de instalar mastros para ban-
deiras e galhardetes com a finalidade de ornamentar um bazar no
Jardim da Guarda Velha. Prometendo voltar a colocar as pedras no
fim das festividades, os abolicionistas também pediram autorização
para iluminar a Praça Francisco de Paula e para colocarem letreiros
em várias partes da cidade anunciando uma regata que seria reali-
zada na Baía de Botafogo. 4º
Um dos vários centros dessa enorme celebração foi o Teatro
Polytheama, onde, ao meio-dia, a 25 de março, uma grande Ker-
messe — um misto de Carnaval e de feira — foi iniciada. O teatro
estava todo decorado, segundo a Gazeta da Tarde, com magníficos
escudos rodeados por coroas de flores, com as bandeiras das socie-
dades abolicionistas alinhadas ao longo das paredes do salão, junta-
mente com os nomes de reformistas já falecidos, como Ferreira de
Menezes, Luiz Gama e o Visconde do Rio Branco. O entretenimento
era semelhante ao oferecido nas reuniões públicas de 1880, embora
com adições muito populares: a leitura de uma carta de Joaquim
Nabuco, ainda na Europa, execuções orquestrais do Hino Nacional,
a Sinfonia do Guarani de Carlos Gomes, a “Marselheza do Escra-
vo”, composta pelo Dr. Cardoso de Menezes, solos musicais, peças
em 1 ato, cenas cômicas, um coro ao ar livre e a dança
do tango,
que surgia então. No final da tarde, a Rua do Lavradio, em
que
o Polytheama se encontrava, estava tão apinhada
com gente que
as vendas de ingressos foram suspensas por ordem oficial, já
as multidões, foi que
alegado, criavam um risco público. 4
236
Um dos pontos altos das festividades era o reconhecimento pú-
blico dos abolicionistas do Ceará. Isto foi realizado por meio de
um gigantesco desfile que atravessou a cidade antiga, desde a Rua
Primeiro de Março até o Passeio Público, um parque muito na
moda, à beira da baía, com os desfilantes parando a meio do cami-
nho para ofertar uma coroa de ouro a um representante da Sociedade
Cearense Libertadora. Tudo isto foi feito com um grau de partici-
pação pública sem precedentes em qualquer parte do Brasil, exceto
no próprio Ceará. As celebrações começaram num domingo pela
manhã e, tal como o Carnaval carioca, terminou na madrugada de
quarta-feira, com uma participação registrada de mais de 10 mil
pessoas. º O abolicionismo, finalmente, tornara-se num movimento
popular na capital do Império.
Com as festividades ainda mal tendo acabado, os líderes aboli-
cionistas do Ceará enviaram um telegrama conjunto a João Clapp,
no Rio, recomendando a exploração do entusiasmo público para ten-
tar a libertação da totalidade da população escrava da cidade e, al-
guns dias mais tarde, numa reunião da Confederação Abolicionista.
foi decidido por unanimidade realizar esse esforço. Acabar com a
escravatura no Rio era uma tarefa muito mais formidável, contudo,
do que a libertação do Ceará, pois os escravos do Município Neutro
eram mais de 32 mil e tinham um valor muito mais elevado em
termos de mil-reis do que os escravos da província do norte. Apesar
das dificuldades que enfrentavam, os abolicionistas dividiram a ci-
dade em setores, cada um deles sob a supervisão de uma comissão
de libertação, e cada comissão recebeu uma lista de cativos e seus
endereços, bem como a missão de obter sua libertação através de
persuasão calma. “º
Em 5 de abril, a Gazeta anunciou que os abolicionistas haviam
decidido concentrarem-se em duas ruas no coração do bairro comer-
cial. Estas ruas eram a Rua do Ouvidor e a Rua da Uruguaiana, esta
a localização da redação do diário abolicionista. Nesse mesmo dia,
a Gazeta prometeu que nas suas próximas edições publicaria os no-
mes dos escravos na área meta, juntamente com os de seus donos.
Dois dias mais tarde, o público teve conhecimento de que as comis-
sões abolicionistas haviam sido bem recebidas nos quarteirões indi-
cados, onde tinham encontrado apenas doze escravos. Sete destes
haviam sido alugados por donos fora daquela área, mas esses donos
237
foram encontrados e sua libertação foi realizada. Os residentes dessas
duas ruas foram convencidos a assinarem uma declaração prometen-
do nunca mais usarem escravos nas suas casas. Em 21 de abril, outra
quadra da Rua da Uruguaiana, indo da Rua 7 de Setembro ao Lar
go
da Carioca, foi libertada, com seus ocupantes prometendo
deixarem
de usar escravos nos seus estabelecimentos.
A medida que os dias iam passando, o movimento
de libertação
na capital ia criando mais força. Ajudado por estuda
ntes da Escola
Polytechnica, espalhou-se a novas ruas, com a libertação de cada
quadra sendo o pretexto para uma celebração pública —
o encontro
de cariocas felizes e alegres na rua libertada, com casa
s, varandas e
vitrinas brilhantemente iluminadas por lanternas. Foguetes exp
intermitentemente sobre as estreitas ruas,
lodiam
com bandas de música en-
corajando cantos e danças improvisadas. Perto do fina
l de abril, já se
verificavam festas nas quadras das ruas do coração
da capital quase
todas as noites. 50
Popular no Rio, finalmente, o abolicionismo alcançou
as câma-
ras do Conselho Municipal. Em 1 de maio, esta instituição
emitiu
regulamentos para o uso de um “Livro de Ouro”, um fundo
muni-
cipal de emancipação tendo por objetivo financiar a libertação anu
al
de escravos do Município Neutro. “O movimento emancipador,”
es-
creveu um membro do Conselho, reagindo aos acontecimentos na
cidade, “deve ser reflectido para ser ordeiro; os grandes interesses
nacionaes representados pela lavoura e pelo commercio... devem
ser os directores desse movimento, ante o qual é um crime qualquer
tentativa reaccionaria.” Ao criar o Livro de Ouro, explicou o
mes-
mo funcionário, a Câmara Municipal tentava dirigir a libertação
do município, para servir como um “elemento concil
iador”, a fim
de orientar as forças emancipacionistas para processos
legais e or-
deiros. 51
A campanha para libertar os escravos da cidade do Rio
de Ja-
neiro durou várias semanas, mas perdeu seu ímpeto e
foi abando-
nada, finalmente, com a população voltando sua atenção,
em maio
e junho, para um esforço promissor por par
te do Governo Imperial
90 Ibid., de 5 a 26 de abril
BO DPHAO, Cod CEIA ACam de 1884.
ari idira “cr i
Ouro em fevereiro Ri . o News. 2 Municipal decidira criar o Livro rat
foi suficientemente longe para cumprir seu propósito. A escravatura
ainda era excessivamente forte na capital do Império, rodeada como
estava pelas províncias do café, para que pudesse ser destruída ape-
nas pelo entusiasmo e as boas intenções. Em 1887, ainda havia 7.500
escravos registrados na área da cidade do Rio. 52
O abolicionismo do Ceará e da capital imperial, entretanto, es-
timularam outros movimentos de uma ponta a outra do país. No co-
meço de maio de 1884, os estudantes da Academia de Direito de
São Paulo, seguindo os estudantes da Escola Polytechnica, organi-
zaram uma Comissão Libertadora Academica para o propósito de
libertar escravos nas ruas em volta daquela instituição. Tal como no
Rio de Janeiro, contudo, a escravatura ainda era defendida adaman-
temente na cidade de São Paulo, embora os escravos da província já
estivessem, então, grandemente concentrados nas áreas rurais, reali-
zando o trabalho agrícola. Como resultado disto, os esforços dos
estudantes encontraram forte resistência na capital do café e pouco
realizaram. 3
Um movimento abolicionista mais vigoroso surgiu em maio e
junho na cidade de Campos, na região produtora de açúcar na parte
leste da província do Rio de Janeiro. Sua mais importante força
era um novo jornal abolicionista, o Vinte e Cinco de Março, que
apareceu pela primeira vez em 1 de maio. De propriedade de Carlos
de Lacerda, um inimigo radical da escravatura, que também era o
seu diretor, este novo jornal insinuou no seu primeiro número que
os abolicionistas de Campos usariam métodos violentos, se isso fosse
necessário, para servirem sua causa. 54
Em meados de junho, o Club Abolicionista Carlos de Lacerda
já estava libertando as principais ruas de Campos e alguns dos donos
de escravos, confrontados por comissões abolicionistas, estavam acei-
tando preços moderados. Todavia, a comunidade agrícola, como um
todo, reagiu fortemente a este ataque abolicionista ao coração do
rico delta, produtor de açúcar, do Paraíba. O Club da Lavoura de
Campos armou, segundo foi alegado, “sicarios disfarçados” em uni-
dades da polícia municipal, perseguiu os abolicionistas e até amea-
239
çou suas vidas, enquanto os jornais controlados pelos interesses agri.
colas exigiam uma “revolução”. Em maio, uma multidão pró-escra-
vatura reuniu-se ameaçadoramente diante da redação do Vint
e e
Cinco de Março — um prelúdio a sérios choques armados que vi-
riam a verificar-se em Campos, em 1887, entre abolicionist
as e seus
oponentes. ** Até então, os abolicionistas de Campos
continuaram
seu trabalho, rodeados por uma região rural hostil, começando,
de-
pois, a empregar os métodos violentos que Carlos
de Lacerda amea-
çara usar no primeiro número de seu jornal. Essas violências, segun-
do foi alegado, vieram a incluir o incêndio de campos
de cana-de-
açúcar e agitação entre os escravos das fazendas,
as quais, em 1887,
transformaram Campos num refúgio de fugitivos perseguidos
rante um breve período, até num campo de ba
e, du-
talha entre as duas
forças adversárias.
JOAQUIM NABUCO
O Abolicionismo
13
ONDAS REFLEXAS
DO CEARÁ: AMAZONAS E
RIO GRANDE DO SUL
24F
gistrados na província no início de 1884, com a maioria deles em.
pregados nos centros urbanos como servidores domésticos. Mana
us,
a capital da província, era, só por si, a residência de 571 escravos,
mais de um terço do total da província, e mais de metade destes
pertenciam a senhores que tinham um ou dois escravos. Na totali-
dade da cidade, havia apenas 308 donos de escravos, cuja média de
posse de escravos consistia em menos de dois cada. 2? Nas áreas
produtoras de borracha da província, havia menos de 500 escravos,
com muitos destes usados no serviço doméstico. 3
Apesar desta escassez de cativos no Amazonas, foi preciso o
exemplo do Ceará, bem como a liderança do mais alto funcionár
io
provincial, para que o Amazonas agisse. A legislatura em Man
aus
colocara de lado fundos, todos os anos, desde 1869 até 1872, para a
emancipação de escravos e, em 1882, aplicara um imposto de dois
contos a cada escravo que entrasse na província. Todavia, pouco
mais fora realizado antes de 1884. 4 Tal como outras províncias, o
Amazonas não tinha usado totalmente suas quotas do fundo de
emancipação. Seis distribuições, totalizando quase vinte e seis con-
tos, tinham alcançado a província e sido filtradas para os municí-
pios, mas só seis escravos haviam sido libertados pelo fundo durante
os sete anos anteriores a março de 1883. Havia poucos escravos
para classificar no Amazonas, mas isso não impediu que as juntas de
classificação tivessem realizado seu dever com a relutância que se
tornara comum em outras partes do país. 5
Foi o presidente provincial quem, finalmente, iniciou e chefiou
o movimento abolicionista na província. Recentemente inaugurado
no seu cargo, em 25 de março de 1884 — no mesmo dia em que o
Ceará foi declarado livre de escravos — o Presidente Teodureto
Souto informou a Assembléia Provincial de que o problema da es-
cravatura no Amazonas poderia ser solucionado legalmente e sem
muito prejuízo para os proprietários. A Assembléia não dispunha da
autoridade para abolir oficialmente a escravatura, mas contava com
242
os meios para indenizar os donos dos escravos. Com um saldo de
mais de 972 contos no tesouro, o presidente pediu a criação de um
fundo de emancipação para a libertação de toda a população escrava
da província. º
Dois dias mais tarde, um projeto de lei para reservar 500 contos
para o propósito foi apresentado à Assembléia. A oposição mani-
festou-se — até mesmo no Amazonas — mas um projeto modifica-
do passou por uma votação unânime em 24 de abril, motivando uma
cena muito semelhante à presenciada no Senado Imperial em 27 de
setembro de 1871: aplauso entusiástico, uma chuva de flores das
galerias e a execução do Hino Nacional pela banda de música do
3.º Batalhão de Artilharia. A lei concedeu 300 contos para a liber-
tação de escravos (não 500 contos, conforme pedido de início), mas
reservou 200 só para eliminar os escravos em Manaus até o dia 5 de
setembro. * No dia em que a lei foi aprovada, senhoras preeminentes
de Manaus estabeleceram uma nova sociedade, as Amazonenses Li-
bertadoras, no Palácio do Governo, na presença do presidente pro-
vincial e de outros importantes líderes civis e militares. O objetivo
da nova organização, afirmava seus estatutos, era a rápida libertação
dos escravos do Amazonas por todos os meios disponíveis. Para apres-
sar essa realização, cada uma das senhoras prometeu contribuir com
uma peça de joalheria, potencialmente uma fonte importante dos
fundos de libertação, já que os membros dessa organização eman-
cipadora pertenciam ao creme da sociedade de Manaus. 8
Com relativamente pouco para fazer, os abolicionistas do Ama-
zonas comprimiram a tarefa de libertação num breve período repleto
de acontecimentos após a passagem da legislação antiescravatura. Ta-
refas que requeriam meses e até anos em outras províncias foram
realizadas em poucos dias na província do Amazonas.
Em 1 de maio, o presidente provincial decretou regulamentos
para a execução da nova lei. O trabalho de abolição deveria ser rea-
lizado no mais curto tempo possível, esperançosamente até 5 de se-
tembro. O próprio presidente foi autorizado a nomear comissões de
libertação para a capital e outras partes da província, incluindo liber-
tadores viajantes para os lugares mais isolados. Vindos de todas as
243
classes e de todas as profissões, estas comissões teriam de iniciar o
seu trabalho o mais rapidamente possível, usando todos os meios le-
gais para libertar os escravos ao menor custo possível e sem causar
distúrbios ou ofender direitos estabelecidos. Editais contendo os no-
mes de todos os donos de escravos da província seriam publicados
na imprensa e afixados em locais públicos, com os proprietários sendo
convidados publicamente a enviarem propostas escritas ao governo,
dentro de um prazo de trinta dias, especificando as quantias que
aceitariam pela emancipação de seus escravos. *?
Três dias depois, os nomes de quarenta e um proprietários já
tinham aparecido na imprensa de Manaus e, em 16 de abril, os no-
mes de todos os donos de escravos da cidade já foram apresentados
ao público. Sob uma tal pressão, um importante proprietário da
província anunciou rapidamente que estava disposto a libertar seus
quinze escravos a 400 mil-reis cada e muitos outros depressa segui-
ram seu exemplo, alguns chegando a oferecer seus escravos por
quantias tão baixas quanto 100 mil-reis.
Tal como os abolicionistas de outras províncias, os do Amazo-
nas também organizaram clubes e sociedades. Entre 24 de abril e
14 de maio, pelo menos nove sociedades abolicionistas surgiram em
Manaus e, em 14 de maio, estas organizações juntaram-se com o
pessoal das redações de quatro jornais, com a Assembléia Provin-
cial, a Câmara Municipal, duas lojas maçônicas e outras organiza-
ções para formarem um Congresso Abolicionista, reunindo-se sob
a presidência do próprio presidente provincial no palácio da Câma-
ra Municipal. A criação de cada novo clube proporcionava nova
oportunidade para uma reunião pública, mantendo a cidade de Ma-
naus em estado de festividade durante grande parte do mês de maio.
O domingo, 11 de maio, foi dedicado quase inteiramente ao tipo
de demonstrações públicas já então identificado com as fases vito-
riosas do abolicionismo. O Largo Dom Pedro II, o Palácio Presi-
dencial, o quartel do 3.º Batalhão de Artilharia, a escola normal, a
Câmara Municipal, as casas particulares e até mesmo a prisão da
cidade foram decoradas com lanternas e bandeiras. Na manhã desse
dia, os estudantes do liceu e da escola normal criaram conjunta-
mente a Cruzada Libertadora. Mais tarde, nesse mesmo dia, a so-
ciedade Libertadora Vinte e Cinco de Março teve sua primeira reu-
nião no Palácio Presidencial. Nessa sessão, representantes dos ca-
traeiros, os barqueiros de Manaus, reagindo aos esforços para enviar
escravos pelo rio, para onde seu valor fosse mais elevado, seguiram
244
o exemplo dos jangadeiros do Ceará e declararam o porto de Mas.
naus fechado ao tráfico de escravos. Com as atividades do dia ainda
não terminadas, os abolicionistas, mais tarde, convergiram para o
Largo 28 de Setembro, desfilando pelas ruas da cidade, acompanha-
dos pela banda do 3.º de Artilharia, saudando as redações da im-
prensa antiescravatura. O movimento abolicionista de Manaus de-
senvolvera “proporções colossaes”, declarou um artigo no jornal
Amazonas. Até mesmo os presos da prisão da cidade haviam apoia-
do a causa, contribuindo com mais de quarenta e sete mil-reis para
o trabalho de libertação.
No mesmo dia, impressionados pela força do movimento, os edi-
tores do Amazonas propuseram um novo objetivo: a emancipação
total dos escravos da cidade até o dia 24 de maio, décimo oitavo
aniversário de uma importante vitória brasileira na Guerra do Pa-
raguai e primeiro aniversário da libertação da capital do Ceará. Três
dias mais tarde, na sua primeira sessão, o Congresso Abolicionista
do Amazonas aceitou a ambiciosa meta e, no dia seguinte, numa
sessão especial dos clubes combinados, a libertação sistemática dos
escravos da cidade foi planejada através de sua divisão em seis dis-
tritos, cada um deles com uma comissão de libertação.
Em 18 de maio, o movimento de libertação em Manaus já alte-
rara a vida da capital provincial. “No meio da mais profunda agi-
tação,” manumissões tinham lugar em toda a cidade, embora alguns
proprietários tentassem convencer seus escravos a contratos de ser-
viço, comprometendo-os a mais trabalho durante longos períodos —
O sistema de “libertação” que depressa varia a tornar-se comum no
Rio Grande do Sul. Também se estavam verificando manumissões
em comunidades fora de Manaus. Os residentes do município de
Teffé, onde o recenseamento de 1872 registrara a existência de ses-
senta e sete escravos, correspondeu à chegada de uma comissão de
libertação da capital, libertando todos os seus escravos em oito dias,
completando, assim, a libertação de mais um município brasileiro.
A quarta semana de maio foi memorável em Manaus. Na tarde
do dia 23, os cidadãos reuniram-se no Largo Dom Pedro II no re-
centemente construído Pavilhão da Liberdade, onde o Dr. Teodureto
Souto, o presidente provincial, distribuiu 186 certidões de liberdade
aos últimos escravos da cidade. Uma tempestade tropical adiou as
celebrações da manhã do dia 24, mas às 6 horas da manhã uma
Salva de vinte e um tiros de canhão prestigiou as principais organi-
zações abolicionistas e rodas de foguetes foram disparadas com trin-
ta minutos de intervalo durante toda a manhã. Depois da tempes-
tade, os abolicionistas, incluindo os membros da Assembléia Provin-
245
cial, desfilaram do Largo 28 de Setembro até o Pavilhão da Liber.
dade. A cabeça da procissão, marchava o presidente do Congresso
Abolicionista, acompanhado por vinte jovens a cavalo. Logo atrás,
vinha uma carruagem ricamente decorada puxada por vinte libertos
todos vestidos com roupas brancas e usando chapéus de palha. Den-
tro da carruagem, escoltada por quatro cavaleiros e dois escudeiros,
havia uma “pura índia”, que simbolizava a cidade livre de Manaus.
Reunida no Pavilhão da Liberdade, a multidão aguardava em silên-
cio, enquanto o Dr. Teodureto declarava solenemente o fim da escra-
vatura na cidade. Concertos e desfiles com a participação de toda a
população conservaram Manaus num estado de comoção durante
mm
o resto do dia e as celebrações, conforme previsto, terminaram no
e
dia 25. 4
A libertação do resto do Amazonas fora planejada para 5 de
setembro, mas a reação do governo central aos acontecimentos na-
quela província do norte apressaram sua realização. Um pouco mais
de uma semana depois da escravatura ter terminado oficialmente em
Manaus, uma ordem vinda do governo central afastou o presidente
do Amazonas de seu cargo, tal como o presidente do Ceará fora
afastado do seu depois do primeiro surto de abolicionismo nessa pro-
víncia. Atribuindo o afastamento de Teodureto Souto a seu aboli-
cionismo, a Gazeta da Tarde condenou a atitude do regime. A na-
ção compreendia, disse esse jornal abolicionista, que o governo não
queria agir em conformidade com a opinião pública, que não ten-
cionava reconhecer a autonomia das províncias. A população de
Manaus libertara os escravos da cidade por meios legais e com pa-
gamento a seus proprietários, concluiu a Gazeta, mas “Os represen-
tantes da trindade negra do sul (São Paulo, Minas Gerais e Rio de
Janeiro) não admittem que as provincias do norte pensem e resol-
vam segundo as aspirações da civilização...” 11
O jornal The Rio News registrou os acontecimentos finais do
drama abolicionista no Amazonas. “O dia 5 de setembro fora esco-
lhido como a data para a libertação total da província,” escreveu
o editor do jornal em 24 de julho, “mas quando chegou a notícia
de que o presidente, o Dr. Theodureto Souto, fora afastado pelo
governo central devido a sua ação na assinatura do ato da emanci-
pação provincial, a população organizou imediatamente uma mani-
festação popular para prestigiá-lo, no dia 10 de julho, e celebrou
esse dia, então, com a mais honrada e elogiável ação em seu poder
246
— a libertação de todos os escravos que havia na provínci
teria sido possível responder a. Não
com uma censura mais significante
digna ao governo.” 12 e
A libertação dos escravos de uma
segunda província fora apres-
sada, evidentemente, pela resistência do re
gime central a outro po
deroso avanço do abolicionismo, mas n
em mesmo essa resistência
poderia ter trazido uma solução tão súbi
ta e completa à questão dz
escravatura se essa enorme província trop
ical estivesse repleta de
escravos negros. O uso de “uma índia pu
ra” para simbolizar a cida-
de livre de Man aus foi apropriado de um modo talvez nã
rado o conside-
pelos organizadores da celebração de 24
de maio, pois fora a
mão-de-obra índia — em muitos casos, mão-de-obra índia forçad
—— que tornara os escravos negros pouc a
o mais do que luxos domés-
ticos em Manaus. 3 A súbita decisão do Am
azonas de libertar todos
os seus escravos (parafraseando Adam Sm
ith) era prova de que os
poucos que existiam eram de pouca import
ância para a economia
da província.
247
reflexas do Ceará. Impressionados pelas grandes vitórias que o abo-
licionismo tivera no norte durante a primeira metade de 1884, rea-
gindo ao pânico econômico e à queda do preço dos escravos causa-
da pelo Ceará e receando, talvez, uma perda total da futura mão-
de-obra representada pela grande população escrava da província,
os TIo-grandenses entraram num compromisso astuto com o abolicio-
nismo que lhes permitiu usar o trabalho de seus escravos, embora
dando-lhes o rótulo nominal de homens e mulheres “livres”, O cho-
que econômico foi diminuído, assim, com a província somando-se
gloriosamente às fileiras das províncias emancipadoras.
O movimento libertador, que alcançou um auge de Intensidade
no Rio Grande do Sul em agosto e setembro de 1884, não foi, por-
tanto, tão claramente idealista ou até tão completo quanto os do
Ceará e do Amazonas. Numa questão de meses, dois terços dos ses-
senta mil escravos dessa província do sul receberam a condição de
livres, mas a verdade é que a maioria foi obrigada a continuar dando
seu trabalho, sem pagamento, a seus antigos senhores durante de
um a sete anos. “O movimento no Rio Grande do Sul,” conforme
The Rio News afirmou no final de 1884, “deverá ser diferenciado
dos movimentos do Ceará e do Amazonas, pois é de natureza muito
menos liberal e generosa. Quase todas as libertações estão sendo
concedidas em condições de tempo de trabalho ou aprendizado que
se verificam, em grande parte, para um período de cinco anos.” 16
Este sistema de “libertação” baseava-se no quarto artigo da Lei
Rio Branco, que declarava que, para ganhar sua liberdade, o escravo
poderia alugar seu trabalho a uma terceira pessoa, embora só até
um limite de sete anos. A libertação de um escravo por meio de
um tal contrato de trabalho não seria anulada se ele não cumprisse
com seu contrato, mas ele poderia ser obrigado, então, a completar
seu período contratual num estabelecimento público ou sob contrato
com outro empregador privado. 17
246
A fórmula para a libertação usada no Rio Grande do Sul foi
explicada por líderes provinciais preeminentes. O Senador Silveira
Martins declarou, no Senado, que os proprietários de escravos tinham
direito a uma indenização, mas podiam renunciar a ela. Se, contu-
do, não estivessem dispostos a tal ou não pudessem fazer esse sacri-
fício, o escravo poderia comprar sua liberdade com seu trabalho.
“Dai-lhe a liberdade,” recomendou o senador aos proprietários, “com
a condição de trabalhar ainda 3, 4 ou cinco annos (nunca mais),
conforme o valor que julgaes devido. Não desorganiseis, assim, o
vosso trabalho e tereis tempo para preparar a transição para O tra-
balho remunerado...” 18
No início da campanha de libertação, o presidente do Rio Gran-
de do Sul esclareceu as questões legais envolvidas em libertar escra-
vos por meio de contratos de trabalho e sugeriu formas de forçar
os escravos a aceitarem o sistema. A mera inclusão da declaração
do proprietário na certidão de libertação, especificando a duração
do serviço, era tão válida quanto o contrato de trabalho com uma
terceira pessoa, escreveu o presidente provincial, “adquirindo o es-
cravo de um e outro modo a liberdade immediatamente, mas fican-
do o liberto sujeito em ambos os casos a prestar os serviços durante
o praso fixado dentro dos limites da lei, sob pena de ser compellido
a prestal-os em estabelecimentos publicos, ou, por contracto, a par-
ticulares...” Pouco depois, o Ministro da Agricultura deu sua total
aprovação a esta interpretação da lei. 1º
A Reforma, um importante jornal emancipacionista de Porto
Alegre, explicou em termos econômicos o sistema de libertação que
fora adotado pela província. Os proprietários que pensavam que já
haviam sido indenizados pelo trabalho de seus escravos poderiam
libertá-los incondicionalmente, mas aqueles que consideravam me-
recer maior compensação restituíam “sua illegitima propriedade hu-
mana á sociedade e á liberdade, mas exigiam a indemnisação do seu
capital em serviços dos ex-escravos.” Avaliando os serviços dos es-
cravos a uma média de 240 mil-reis por ano, este jornal calculou que
três anos de trabalho representavam o valor médio do escravo, “não
hoje, mas em outro tempo, quando a mercadoria ainda tinha boa
cotação na praça.” 2º Nas palavras do presidente provincial, o sis-
tema de libertação tinha o efeito de abolir a escravatura, embora
conservando o trabalhador no Rio Grande do Sul. 21
249
Assim, esta província do extremo sul adotou um sistema lógico
e cauteloso de emancipação que estava aberto às críticas dos puris-
tas de ambos os lados da questão. Os inimigos da escravatura po-
diam argumentar que a maioria dos escravos já havia dado, não
três ou cinco anos de serviço, mas sim oito ou quinze e que, por-
tanto, já tinha pago a seus senhores várias vezes seu investimento,
particularmente com os preços atuais do mercado. Os defensores da
escravatura, por outro lado, podiam argumentar que a libertação
através de um contrato de serviço era uma negação do direito do
proprietário ao trabalho de seu escravo. Como é que um escravo
|
poderia pagar a seu dono, perguntava-se, com aquilo que esse dono |
já possuía legalmente: o direito ao trabalho de seu escravo sem
quaisquer condições? Aceitando esta lógica, os editores de O
Con-
servador de Porto Alegre enviaram cartas a todos os municípios da
província em outubro de 1884 aconselhando os proprietários de es-
cravos a conservarem seus escravos com base no fato de a indeni- |
zação através do trabalho ser ilusória. Os abolicionistas haviam en- |
ganado a população, disse O Conservador, esperando “destruir a |
propriedade e deixar em miséria as pessoas que confiaram em suas
palavras.” 22 Um abolicionista, por outro lado, declarou em 1887
que aqueles que tinham ganho mais com o sistema de contrato de
trabalho haviam sido os proprietários. Apesar dos males da escra-
vatura perdurarem, salientou ele, os proprietários ganharam de vá-
rias formas. Protegeram-se da possível abolição da escravatura no
futuro imediato, esperando que esse contrato de trabalho permane-
cesse válido depois da abolição. Privaram os abolicionistas de seus
argumentos. E, finalmente, satisfizeram suas vaidades, beneficiando-
se dos elogios da imprensa. 28
A libertação através de contratos de serviço era um compromis-
so intrincado. Todavia, o sistema despertou desde o seu início O
mesmo entusiasmo das práticas mais liberais usadas nas províncias
do norte. Na realidade, apesar dessa semi-solução, houve um autên-
tico idealismo antiescravatura no Rio Grande do Sul e o movimento
adotou o programa de espetáculos e as táticas que já haviam sido
usadas em outras províncias. Assim, por exemplo, o Club. Abolicio-
nista de Pelotas, fundado em 1881, proporcionou aulas educacionais
250
diárias aos ingênuos. O Club Nihilista Carnavalesco, fundado na ci-
dade de Itaqui em fevereiro de 1884, parecia manifestar um radica-
lismo bem humorado na escolha de seu nome. Em abril, o jornal
A Reforma de Porto Alegre já informava sobre libertações em
massa na cidade de gado de Pelotas e previa a rápida manumissão
de todos os escravos da província. Nesse mesmo mês, um Club Abo-
licionista foi organizado em Porto Alegre para esse propósito e, em
maio, a população da cidade de Uruguaiana já estava libertando
suas ruas e praças. 2º
No começo de agosto, o movimento no Rio Grande do Sul Já
desenvolvera o mesmo ímpeto que se vira, antes, no Ceará e Ama-
zonas. Em 6 de agosto, os membros do Club Abolicionista reuniram-
se em Porto Alegre a fim de nomear comissões para libertar os
escravos em três partes da cidade e, meados do mês, a imprensa de
Porto Alegre começou imprimindo os nomes de centenas de pessoas
que haviam concordado com libertar seus escravos, com a maioria
sendo proprietária de um ou dois servos pessoais. Várias ruas no
centro da cidade foram libertadas rapidamente e os abolicionistas,
indo de casa em casa, celebravam seus sucessos nas mesmas ruas,
tal como a população do Rio fizera alguns meses antes.
Na terceira semana de agosto, o sucesso de Porto Alegre já
parecia mais amplo do que o de Manaus. Já não havia um só es-
cravo na cidade, afirmou 4 Reforma, cuja liberdade não pudesse
ser comprada até 7 de setembro, a data marcada para a manumissão
do último escravo na cidade. Aquilo que parecera impossível uma
semana antes, fora realizado: uma grande cidade com mais de dois
mil escravos fora libertada em poucos dias. As comissões de liber-
tação só raramente tinham encontrado resistência e os fundos ne-
cessários para pagar os proprietários que pediam indenização mone-
tária existiam. O movimento espalhara-se a outras cidades: a Via-
mão. Rio Grande, à comunidade alemã de São Leopoldo, São Se-
bastião de Cahy, esta última tendo proclamado a libertação de todos
os seus escravos em meados de agosto. 25
As celebrações em Porto Alegre em 6 e 7 de setembro de 1884
foram descritas como sendo mais esplêndidas do que quaisquer ou-
tras que até então se tinham verificado na história da cidade. Tal
251
como já sucedera em Fortaleza e Manaus, as festividades para cele-
brar a libertação dos últimos escravos da cidade absorveram as ener-
gias de grande parte da população, incluindo dos funcionários pú-
blicos e de membros das classes mais prósperas. O principal desfile
do dia 6, presenciado por grandes e entusiásticas multidões, consis-
tiu num “luzido cortejo formado de senhoras e cavalheiros, em carro
e a cavallo, acompanhados de todas as bandas de musica desta ci-
dade.”
Na manhã seguinte, as comissões de libertação do Club Aboli-
cionista reuniram-se no Palácio Municipal, onde, depois de vários
discursos e da execução de hinos, Porto Alegre foi proclamada for-
malmente livre de escravos. A Assembléia Municipal aprovou, então,
uma moção de louvor pelos líderes do movimento, o Coronel Joa-
quim Pedro Salgado e o Dr. Joaquim de Sales Torres-Homem e, em
resposta, um livro contendo os nomes de todos os antigos proprie-
tários de escravos de Porto Alegre e a bandeira dos abolicionistas
foram entregues ao presidente da Câmara. Depois destas cerimô-
nias, durante as quais os próprios escravos foram lançados na som-
bra da liberalidade de seus senhores, seletas organizações militares
e cívicas reuniram-se na catedral, onde o Bispo celebrou um Te-
Deum, louvando a extinção da escravatura na cidade. 26
No fim da tarde, uma grande quermesse teve início no Largo
Dom Pedro II, onde todos os edifícios do governo ficaram ilumina-
dos e várias bandas de música distraíam o público reunido. Muitos
e dispendiosos objetos, oferecidos como contribuição nas semanas
anteriores, foram leiloados a bons preços. Os quiosques receberam
nomes em honra dos líderes dos movimentos abolicionistas, tanto
provinciais quanto nacionais. No quiosque José do Patrocínio, que
se especializava em flores, a mercadoria foi grandemente disputada,
dando um lucro de 800 mil-reis. No quiosque dedicado a Luiz Gama,
um abolicionista bebeu champagne, quebrou a taça e leiloou cada
fragmento por 15 mil-reis, com o resultado da venda, supomos, indo
para a causa da libertação. Um conhecido político pagou o extra-
ordinário preço de 20 mil-reis por uma edição especial do Jornal do
Commercio. Charutos e até rifas foram vendidas a preços exorbi-
tantes, escreveu 4 Reforma, “enquanto que ao mesmo tempo obje-
tos identicos eram comprados pelos preços marcados pelas classes
menos abastadas que também queriam guardar uma lembrança da
grande festa de caridade.” 27
252
Nas semanas que se seguiram, cidade após cidade na província
do extremo sul do Brasil informava sobre o estabelecimento de clu-
bes de emancipação, a libertação de centenas de escravos ou à erra-
dicação completa da escravatura. No décimo terceiro aniversário da
Lei Rio Branco, onze cidades, dezessete vilas e seis municípios já
haviam sido declarados inteiramente livres. Em 17 de outubro, a
importante cidade de Pelotas, na região do gado, proclamou a liber-
tação do último de seus cinco mil escravos, com o presidente da
província, José Júlio de Albuquerque Barros, presente para verifi-
car o sacrifício que isso representava para seus proprietários de es-
cravos. Os mais afetados haviam sido os donos de charqueadas, as
fábricas de carne-seca, que constituíam a mais importante indústria
da cidade. Dos cinco mil escravos que a cidade tivera, dois mil eram
servidores domésticos ou trabalhadores do porto e mil eram usados
na agricultura. Os outros dois mil, segundo o presidente, trabalha-
vam nas charqueadas, onde, todos os anos, 300 mil cabeças de gado
(150 por escravo) eram mortas e produtos de carne no valor de dez
a doze mil contos eram produzidos — um produto médio anual por
escravo de cinco a seis contos. 28
O número de libertações no Rio Grande do Sul diminuiu no final
de 1884 e no começo de 1885, tal como sucedeu em todo o resto
do país durante esse período, enquanto os proprietários de escravos
aguardavam para saber se o Projeto Dantas seria posto em vigor,
com suas provisões para libertar escravos idosos e para estabelecer
avaliações dos escravos a serem libertados pelo fundo de emancipa-
cão. Ao contrário do movimento no Amazonas, além do mais, o do
Rio Grande do Sul não alcançou seu objetivo declarado de libertar
todos os escravos da província até 1885. 2? O movimento no sul fora
menos eficaz, evidentemente, pelo fato de o Rio Grande do Sul ter
um interesse mais elevado pela escravatura do que o Amazonas. Por
outro lado, o movimento de libertação nesta província do sul rea-
lizou muito mais do que foi possível realizar, pelos movimentos
abolicionistas, nas províncias do café durante o mesmo período. O
nível de sucesso estava relacionado, obviamente, com a importância
dos escravos nos vários lugares.
Pouco antes da abolição da escravatura brasileira em 1888, ainda
havia 8.442 escravos no Rio Grande do Sul — de um total de 60
mil em 1884 — a maioria deles jovens e quase todos nas áreas ru-
rais. Em meados de 1887, um jornal da cidade de Pelotas — cidade
253
que se afirmara livre de escravos — ainda publicava anúncios para
o aluguel de cozinheiras negras e até de uma ama-de-leite sem
“cria”. Até mesmo Porto Alegre, proclamada livre em 1884, ainda
contava com cingiienta e oito escravos em 18883 além dos “liber-
tos” que ainda trabalhavam sem salário para compensarem seus se-
nhores por sua generosidade.
254
O projecto, dando solução definitiva
ao problema servil, desarma a opinião abolicionista
e assegura á lavoura dias de
tranquillidade e de paz.
JOAQUIM NABUCO
na Câmara dos Deputados, 6 de Julho de 1885
14
A “LIBERTAÇÃO”
DOS IDOSOS
O PROJETO DANTAS
255
bléia Geral com a introdução de um projeto de lei reformista conhe.
cido pelo nome de Projeto Dantas. O debate resultante, mais furio-
so do que qualquer outro que se verificara no parlamento brasileiro
desde a aprovação da Lei Rio Branco, terminou, finalmente, em 28
-
h
Fado
de setembro de 1885. O resultado de dezessete meses de controvér-
|
|
sia foi a legislação conhecida como a Lei Saraiva-Cotegipe, uma lei
complexa e retrógrada. Sob pressão severa de organizações escravo-
cratas e de uma poderosa facção da Assembléia, o Projeto Dantas
fora posto de lado e ministérios mais conservadores haviam emen-
dado o projeto de modo a produzirem uma lei ofensiva para os au-
tênticos abolicionistas. A Lei Saraiva-Cotegipe, sancionada no déci-
mo quarto aniversário da Lei Rio Branco, era uma distorção do
Projeto Dantas, aceita e até elogiada pelos representantes pró-escra-
vatura, condenada pelos abolicionistas. Todavia, tratava-se de uma
mudança no status quo e, assim, quebrou o ímpeto do movimento
de libertação, fazendo com que este se imobilizasse no final de 1885
e início de 1886 antes da arrancada final para o triunfo.
Os agricultores das províncias do centro-sul, ameaçadas como
jamais o haviam sido, haviam começado a reagir fortemente a seus
inimigos abolicionistas mesmo antes da subida ao poder do Senador
Dantas em junho de 1884. As vitórias do abolicionismo — em espe:
cial a libertação do Ceará — tinham causado um pânico econômico.
Os preços dos escravos caíram. Os negócios, a indústria e o crédito
diminuíram. Com a lavoura ameaçada, os preços das fazendas tam-
bém caíram. Em 1884, a Associação Commercial do Rio deplorou
as divisões nacionais sobre a questão da escravatura, denunciou os
“irresponsáveis” abolicionistas e anunciou uma baixa de valores das
safras e das terras calculada em 1 milhão de contos, o que foi atri-
buído à agitação abolicionista. 1 Enquanto os proprietários do Rio
Grande do Sul estavam adotando uma solução astuta para a crise
abolicionista, os fazendeiros das províncias do café, por seu lado,
atacavam violentamente quaisquer indícios de lealdades abolicio-
nistas.
Nas semanas que antecederam a subida ao poder do ministério
Dantas, vários grupos de fazendeiros de Minas Gerais e da Asso-
256
ciação Comercial pediram à Assembléia Geral que adotasse medidas
fortes. Estas incluíam a repressão de excessos abolicionistas e uma
legislação para forçar os antigos escravos a trabalhar, bem como o
estabelecimento de “penitenciárias” em lugares distantes do país
para onde pudessem ser banidos os indigentes e os libertos que esti-
vessem desempregados. ?
Depois do estabelecimento do ministério de Dantas, tais petições
começaram chegando mais frequentemente à Assembléia, vindo até
mesmo das províncias do norte. Um pedido do Instituto Baiano de
Agricultura e da Associação Comercial dessa província para medi-
das fortes que evitassem a destruição da lavoura e do comércio pa-
receram, para um autor pró-escravatura, negar a afirmação de que
as províncias do café eram as únicas ainda não conquistadas pelo
abolicionismo. Uma petição de fazendeiros do norte, reunidos no
Recife, no mês de julho, denunciou o abolicionismo revolucionário,
advertiu sobre levantes em fazendas e informou o governo de que
antigos escravos invadindo as cidades estavam ameaçando a lavoura
e a moralidade pública. Centenas de fazendeiros de Macaé, na pro-
víncia do Rio de Janeiro, pediram proteção do ameaçador paroxismo
social e pediram também medidas para obrigar os libertos e os in-
gênuos a “cooperar” com seus antigos senhores em troca de paga-
mento e de uma vida confortável. As associações agrícolas, parti-
cularmente nas províncias do café, funcionavam como poderosos
grupos de pressão, dirigindo suas petições vitriólicas contra o “anár-
quico movimento abolicionista” enquanto defendiam a Lei Rio
Branco como a única solução para a questão da escravatura. *
A coerção e a violência eram uma parte da reação. Cerca do
final de abril de 1884, uma multidão de perto de quinhentos homens
armados atacaram uma prisão municipal da província do Rio de Ja-
neiro para linchar três escravos acusados de terem assassinado seus
senhores, que foram arrastados para uma praça pública e tiveram
seus corpos mutilados de um modo brutal como demonstração de
força para conter o abolicionismo. Certos juízes que julgavam con-
trariamente aos interesses dos proprietários de escravos haviam sido
expulsos de suas casas por bandos de homens armados. Os respon-
sáveis por esses crimes, protegidos por autoridades locais, não eram
257
reconhecidos, alegadamente, e não sofriam qualquer castigo. “ Vários
municípios da província do Rio de Janeiro tinham criado forças
policiais especiais para ajudar os lavradores cuja segurança estava
ameaçada e um representante de Minas Gerais advertiu a Câmara
dos Deputados, em maio, de que dentro de um prazo de três mes
es
as três principais províncias do café teriam ligas antiabolicionis
tas.
Os estatutos já notórios da Sociedade Agrícola de São
José do Além
Paraíba, na província do Rio de Janeiro, autorizavam o uso
dos fun-
dos dessa organização para combater atividades abolicionistas locais,
incluindo qualquer surto de uma imprensa abolicionista. 5
Apesar da crescente tensão nacional, a Fala do Trono
pelo Im-
perador, em 5 de maio de 1884, não deu, praticamente,
qualquer
indicação de que D. Pedro estava considerando a inicia
ção de uma
nova reforma da escravatura. O inócuo discurso ignorou
a erradica-
ção da escravatura no Ceará, uma surpreendente omissã
o naquelas
circunstâncias, tendo insinuado meramente que novas med
idas tal-
vez fossem tomadas. $ Colocado entre forças opostas, o
Imperador
pouco fizera, oficialmente, para apoiar a causa abolicionista
durante
cinco anos de conflito. Todavia, ponderara obviamente o problema
e, em meados de 1884, já se decidira a acabar com o perigoso im-
passe. Com a queda do ministério de Lafayette Rodrigues Pereira,
D. Pedro escolheu um novo Presidente do Conselho que se compro-
meteria a si próprio e a seu governo a uma reforma moderada com
o apoio total da Coroa. 7
258
A subida de Dantas ao poder foi aparentemente o resultado de
D. Pedro ter reconhecido que o governo brasileiro já não podia
oferecer à nação paliativos do tipo proposto pelo ministério La-
fayette em agosto de 1883. Com uma crescente desintegração social
e econômica, era preciso mais do que a expansão de um fundo de
emancipação ineficaz ou do que uma proibição nacional de um co-
mércio interprovincial de escravos, que já fora paralisado eficiente-
mente pelos impostos provinciais. 8 A concessão de títulos e honra-
rias aos senhores que libertassem seus escravos, uma medida de
emergência tentada alguns meses antes, não podia satisfazer nem
os proprietários de escravos nem os abolicionistas, embora o editor
do Rio News tivesse reconhecido que, se o proprietário pudesse ser
levado a libertar seus escravos “pela recompensa barata de um título
ou uma comenda ou de um resplandecente berloque para usar no
peito, do lado esquerdo,” não havia razão para esta vaidade não ser
satisfeita, desde que escravos fossem libertados. º?
Já era tempo, disse o Senador Dantas à Assembléia Geral na
sua primeira mensagem como Presidente do Conselho, de se verifi-
car uma franca e séria intervenção do governo a fim de alcançar
uma solução progressiva para o problema dos escravos. Salientando
tanto a moderação de seu ministério quanto a sua determinação para
agir, anunciou sua decisão — aparentemente, também a decisão do
Imperador — de avançar “até onde a prudência nos permite e a
civilização nos impõe chegar; sendo que assim se habilitará a coibir
desregramentos e excessos que comprometem a solução do proble-
ma, em vez de adiantá-la.” O governo apoiaria três alterações bási-
cas nas leis da escravatura, das quais só uma era realmente nova:
o fim do tráfico humano entre as províncias, ampliação do fundo
de emancipação e a libertação de todos os escravos que alcançassem
a idade de sessenta anos. 10
A idéia de emancipar os escravos idosos foi rejeitada por quase
todos os membros do Conselho do Estado numa reunião subsegiien-
te, mas o projeto do governo, no entanto, chegou à Câmara dos
Deputados a 15 de julho, tendo a assinatura de vinte e nove repre-
sentantes, todos eles, exceto dois, de províncias fora da recalcitrante
região do café. 11 As propostas contidas no novo projeto de lei eram
8 Para pormenores sobre o projeto Lafayette, que não chegou a ser posto
em vigor, ver Jornal do Commercio, 13 de abril de 1885.
9 Rio News, 24 de janeiro de 1884.
10 Organizações e programas ministerias, páginas 211-214.
11 Cinco representavam as províncias do extremo norte (1 do Amazonas e
4 do Maranhão); dezesseis eram do Nordeste (3 do Piauí, 1 do Rio Grande
259
quase tão complexas quanto as da Lei Rio Branco. A provisão mais
importante e controversa era a cláusula dos sexagenários. Esta tinha
por objetivo libertar todos os escravos que alcançassem a idade de
60 anos e obrigar os proprietários a sustentar os libertos que prefe-
rissem ficar na sua companhia em troca de seus serviços gratuitos.
Os escravos transferidos de uma província para outra seriam liber-
tados. Verificar-se-ia um novo registro nacional e aqueles que não
fossem registrados dentro do prazo de um ano seriam considerados
livres. Os valores máximos a serem atribuídos a todos os escravos
para efeitos de libertação pelo fundo de emancipação seriam os
seguintes:
800 mil-reis por escravos com menos de 20 anos,
700 por aqueles entre 30 e 39 anos,
600 por aqueles entre 40 e 49 anos e
400 por aqueles que tivessem mais de 49 anos.
Impostos gradativos seriam aplicados aos proprietários de escra-
vos mantidos em capitais, cidades e áreas rurais (mais baixos nestas
áreas) com a intenção de concentrar os escravos em áreas rurais.
Para aumentar o fundo de emancipação, uma sobretaxa de seis por
cento seria imposta em todas as fontes diretas e indiretas da receita
do governo com a exceção dos direitos de exportação. Pesados im-
postos seriam aplicados na transferência de escravos, por venda ou
herança. Refletindo, talvez, o longo e persistente interesse do Sena-
dor Dantas pelo estabelecimento de pequenas propriedades agrícolas,
o projeto estipulava que os libertos e os ingênuos viriam, eventual-
mente, a ser donos da terra que trabalhavam.
Entre as provisões progressistas do Projeto Dantas, havia outras
que não eram tão liberais. Cada escravo emancipado pelo fundo
deveria permanecer regularmente empregado por cinco anos no mu-
nicípio onde vivera previamente. As violações resultariam nos cas-
tigos habituais que os legisladores brasileiros costumavam impor aos
infratores, neste caso multas, prisão e trabalho forçado em obras
públicas. Os contratos de serviço seriam legais, mas limitados a três
anos. O governo central seria autorizado a criar colônias agrícolas
para libertos e ingênuos que não encontrassem trabalho em esta-
belecimentos particulares. 12
260
As reações dos abolicionistas ao Projeto Dantas foram menos.
do que jubilantes. Antes de seus pormenores se tornarem conhecidos,
o jornal Rio News condenara apressadamente a libertação dos sexa-
genários como a legislação de seu abandono na velhice. As propos-
tas do governo, disse Joaquim Nabuco no Teatro Polytheama em
22 de junho, representavam muito pouco, mas ninguém poderia cal-
cular os possíveis efeitos de até mesmo restrições limitadas ao sis-
tema da escravatura. O que mais perturbava os proprietários de
escravos, afirmou ele, não eram as propostas do governo, mas sim
a franca linguagem de Dantas. Quase um ano mais tarde, Nabuco
descreveu o projeto como “uma solução demorada, illogica e insuf-
ficiente, a um problema que quizeramos acabar por medidas prom-
ptas, rapidas e efficazes...” Todavia, o projeto também “não é ou-
tra cousa senão a conversão do partido liberal aos princípios nacio-
naes que os abolicionistas proclamam ha seis annos.” 13
O Projeto Dantas, na realidade, era potencialmente mais pre-
judicial para os proprietários do que as suas moderadas provisões
pareciam sugerir e, assim, foi fortemente resistido. Não só libertava
os idosos e os débeis sem reembolso para seus donos, como também,
conforme foi indicado frequentemente, libertava muitos jovens e
robustos africanos que haviam sido registrados com idades falsas
para evitar as consequências da lei de 7 de novembro de 1831. 1* O
fato de muitos proprietários de escravos terem registrado africanos
fraudulentamente, matriculando-os como muito mais velhos do que
Tealmente o eram, foi provado pelo Recenseamento de 1872. Essas
estatísticas revelam que, onde os africanos se concentravam pesada-
mente (nomeadamente as províncias do Rio de Janeiro e de Minas
Gerais), havia um número desproporcionalmente grande de escravos
cujas idades foram declaradas como 51 anos e mais — o grupo que,
na verdade, seria elegível, em 1884, para liberdade ao abrigo das
provisões do Projeto Dantas (ver Tabela 5, particularmente as esta-
tísticas para as províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia,
onde a maioria dos africanos importados ilegalmente entre 1831 e
1851 se encontravam). *º
261
A ameaça de perder muitos escravos mais jovens era, na reali.
dade, uma razão para a oposição à libertação dos sexagenários, razão
essa que, aliás, não poderia ser facilmente usada como um argumen-
to contra o projeto de lei. A maioria dos proprietários de escravos,
reconhecera o Deputado Moreira de Barros em 1881, “no intuito
de evitar duvidas que de futuro pudessem dar a respeito, trataram
de dar os escravos á matricula como tendo sido importados antes
de 1831” e, conforme um jornal de Pernambuco afirmou, foi para
o propósito de manter as piores consegiiências deste “crime” que os
interesses agrícolas do sul, liderados por homens como Moreira de
Barros, rejeitaram o Projeto Dantas. 1! Conforme Le Brésil, um
jornal de língua francesa do Rio de Janeiro, lamentou:
taria quase com cinquenta anos de idade em 1873. Muitos, é claro, eram
mais novos. Um escravo de dez anos importado em 1850 teria 33 anos
em 1873, mas para que fosse registrado como escravo teria sido necessário
acrescentar cerca de vinte anos a sua verdadeira idade.
16 Citado pelo Jornal do Commercio, 30 de março de 1885. Os pernam-
bucanos, é claro, pouco tinham a perder. Dos 138.560 escravos africanos
registrados no recenseamento de 1872, 110.700 encontravam-se nas províncias
do café ou DL no Município Neutro (ver Tabela 5) e fora, principalmente,
nessas Tegioes que os proprietários haviam tido a necessidade de registrar
escravos com idades falsas. Em Pernambuco, só se tinham registrado 3.084 es-
cravos africanos e os “idosos”, portanto, constituíam uma parte menor da
população de escravos da provínci a,
17 Citado pelo South American Journal, 14 d
18 Ibid., 27 de junho de 1885. o RsonO de toda.
262
A OPOSIÇÃO AO PROJETO DANTAS
263
no dia em que o projeto apareceu. Os impostos aplicados aos fazen-
deiros para ampliação do fundo de emancipação era “uma loucura
financeira”. Quando a escravatura deixasse de existir no Brasil, um
“cubdito fiel”, assim proclamado por si próprio, advertiu publica-
mente o monarca alguns dias mais tard — numa
e ameaça, entre um
crescente número delas, ao próprio sistema político — já não have.
ria razão para a sua humilde postura ante seu Imperador. 22
A oposição impediu uma consideração séria do Projeto Dantas.
Imediatamente após sua primeira leitura em 15 de julho, um liberal
dissidente de São Paulo, Moreira de Barros, anunciou sua decisão
de demitir-se de seu cargo como Presidente da Câmara em protesto
contra esse projeto. A Câmara aceitou sua demissão por uma pe-
quena margem de 55 para 52, constituindo, para Dantas, um voto
algo débil de confiança. O projeto, no entanto, perdera para Dan-
tas o apoio de dez membros de seu próprio partido, todos, menos três,
de Minas Gerais e São Paulo. 2º
De resto, nem mesmo esta precária maioria durou muito. Em
28 de julho, a Câmara aprovou, por 59 contra 52 votos, a moção
de outro dissidente liberal, João Penido, de Minas Gerais, que con-
denou o projeto e negou a confiança da Câmara ao ministério de
Dantas. Dezessete liberais, dez deles das três principais províncias do
café, rejeitaram o ministério do seu partido, enquanto quatro con-
servadores, todos de fora da região do café, votaram pelo governo
liberal (ver Tabela 24). Só dez deputados, das províncias do café,
todos eles de Minas, apoiavam Dantas, enquanto vinte e oito outros
deputados dessa região o rejeitaram. Assim, as quatro províncias do
café, como um grupo, rejeitaram a administração reformista, embo-
ra deputados das outras províncias tivessem apoiado Dantas por ami”
pla margem. O projeto de emancipação dividira o Partido Liberal
nas províncias do café, com dez deputados defendendo Dantas e dez
outros manifestando sua lealdade para com os interesses econômicos
de seus constituintes. 2º
No dia da votação, Dantas pediu formalmente a Dom Pedro que
msasse seu poder constitucional para dissolver a Câmara e para con-
264
vocar novas eleições. * Dantas serviu-se deste expediente, escreveu
Nabuco, como sendo o único meio prático de evitar a queda de seu
governo. Enfrentando a escolha entre a Câmara anti-Dantas e o
ministério Dantas, Dom Pedro apoiou este último. ?8
O resultado foi o engrandecimento tanto de Dantas quanto do
Imperador junto dos abolicionistas. Na sessão da Câmara de 30 de
julho, o público ouviu em silêncio as explicações oficiais para a dis-
solução da Câmara e, depois, espontaneamente, começou aplaudindo
Dantas, criando uma impressão entre os presentes de que estavam
testemunhando o ponto máximo de um importante acontecimento
histórico. 27 Apesar do longo silêncio de Dom Pedro sobre a questão
da escravatura, um público abolicionista, que já lho perdoava, tal-
vez percebendo seus verdadeiros sentimentos, depressa o louvou como
um dos seus, 28 enquanto os grupos pró-escravatura voltaram a de-
nunciá-lo discretamente, como sempre o faziam quando o curso dos
acontecimentos forçavam Dom Pedro a sair de sua posição, normal-
mente neutra.
Antes da dissolução da Câmara e das novas eleições, uma co-
missão nomeada para dar opinião sobre o Projeto Dantas apresentou
suas averiguações à Câmara. Escrito por Rui Barbosa e assinado
por sete outros deputados, todos eles de fora da área do café, o
relatório constituiu um impressionante ataque à escravatura, tendo
como intenção explicar a posição reformista ao público eleitor. *
Um membro dissidente dessa comissão, Sousa Carvalho, da Pa-
raíba, expôs as opiniões da maioria pró-escravatura na Câmara em
outra mensagem com um fraseado muito forte. Refletindo, eviden-
temente, as opiniões dos 619 constituintes na Paraíba que não tarda-
riam a reelegê-lo, 3º Sousa Carvalho condenou tanto o movimen-
to abolicionista quanto o governo que permitia que esse movimento
funcionasse nas ruas, nas escolas, em edifícios públicos e até mesmo
nos quart éis e acade mias milita res. Não enco ntra ndo quais quer ra-
zões para apressar a libertação, a não ser “nuro sentimentalismo, vã
popularidade, prete xto para agita ção, revol ução e subve rsão social ,”
265
Sousa Carvalho rejeitou a emancipação de sexagenários como “um
princípio comunista”. O Projeto Dantas era “a encarnação do pen-
samento da... nova situação abolicionista, exclusivamente criada
pela coroa para fazer triunfar idéias contrárias à opinião dominante
no Conselho de Estado, na Câmara dos Deputados, no Senado, nos
dois grandes partidos em que se divide a nação brasileira.” 31 Esta
foi, na realidade, uma avaliação quase exata das posições dessas orga-
nizações depois de mais de quatro anos de propaganda abolicionista.
A QUEDA DE DANTAS
266
de confiança de 28 de julho, foi eleito por seus constituintes no dé-
cimo distrito eleitoral de Minas Gerais, 33
Os três republicanos vitoriosos, Prudente de Morais e Campos
Sales de São Paulo e Andrade Botelho de Minas Gerais, tinham-se
candidatado numa plataforma política de neutralidade cautelosa,
aceitando as “ideas capitaes” do Projeto Dantas, embora reservando
vagamente o direito de apoiar emendas não especificadas a certas
provisões. ** Apesar de terem votado numa harmonia geral com o
elemento abolicionista na Assembléia Geral, em 1885, Prudente de
Morais, num importante discurso no mesmo ano, revelou claramen-
te sua oposição a uma reforma rápida. O problema da escravatura,
disse ele, voltando a declarar uma velha posição republicana, seria
solucionado melhor pelas províncias individualmente, mais ou me-
nos de acordo com suas diferentes circunstâncias, permitindo que as
províncias que pudessem dispensar seus escravos o fizessem imedia-
tamente sem esperarem por províncias como São Paulo, Minas Ge-
rais e Rio de Janeiro, províncias estas forçadas por suas circunstân-
cias a demorarem a sua solução. Um sistema de responsabilidade
provincial, pensava Prudente de Morais, excluiria o perigo de que
uma maioria na Câmara, composta por representantes das províncias
emancipadas, impusesse a abolição na totalidade do país. 3 Apesar
de serem defensores da imigração, os republicanos paulistas ainda
não se encontravam, em 1885, numa posição que lhes permitisse
advogar uma rápida libertação dos escravos de sua província e
além do mais, refletiam inteiramente o medo de seus constituintes
de que outras províncias lhes pudessem forçar uma solução rápida. 38
Os resultados práticos da eleição podem ser determinados melhor
pelo registro dos votos dos vencedores. Um estudo dos votos im-
portantes em questões relacionadas com a escravatura (ver Tab
e-
la 25) indica que a maioria dos membros da recentemente eleita C&-
mara eram moderados a conservadores no que se referia à escrava-
tura. De todos os resultados das votações, apenas 28 mostravam
uma
disposição consistente para aceitar a reforma, enquanto pelo men
os
outros 50 eram sólidos oponentes de qualquer mudança. As dife-
renças regionais, embora menos evidentes do que em 1871, ainda
267
eram aparentes. Quase dois terços dos deputados das províncias do
café eram decididos oponentes da mudança e metade dos restantes
16 eram inconsistentes, mas, nas outras províncias, em conjunto, ape-
nas um terço podia ser classificado como consistindo em fortes opo-
nentes do abolicionismo com base nos seus votos.
Com a abertura da sessão especial da Assembléia Geral em mar-
ço de 1885, tornou-se logo evidente que o Projeto Dantas seria a
maior preocupação e que o debate, se se desenvolvesse, viria a foca-
lizar-se na questão da indenização. A imprensa do Rio dedicou mui-
to espaço às questões legais e filosóficas envolvidas na libertação de
escravos sem compensação. Cerca do final de março, o Jornal do
Commercio publicou um artigo não só hostil à libertação de sexa-
genários sem compensação, mas também à indenização através de
contratos de trabalho, uma solução já aceita em muitas partes do
país. Até mesmo a Lei Rio Branco, alegou o jornal, com sua pro-
visão para a indenização através de trabalho, violara os direitos de
propriedade, já que os proprietários com um direito permanente ao
trabalho de seus escravos não podiam ser indenizados por um con-
trato garantindo serviços durante um período limitado. Só havia uma
forma de indenizar, concluía o artigo, que era “pagar o dinheiro”.
No mesmo número desse jornal, ironicamente, “Clarkson” (o pseu-
dônimo de Gusmão Lobo, antigo deputado de Pernambuco) criti-
cava aquilo que ele considerava medidas tímidas de emancipação no
Projeto Dantas: o estabelecimento dos preços de escravos segundo
a idade, o imposto gradativo, a indenização através de contratos de
trabalho e um período fixo para a abolição. 37
Se ainda havia qualquer dúvida sobre que provisões do Projeto
Dantas mais ofendiam os proprietários de escravos, essa dúvida foi
desfeita quando o debate sobre o projeto foi iniciado em 13 de abril.
Moreira de Barros, de São Paulo, sempre apressado em liderar a
oposição, informou a Câmara de que os dissidentes liberais se ha-
viam separado do governo Dantas em 1884 devido a oporem-se à
emancipação sem indenização. Em seguida, propôs uma resolução,
assinada por ele próprio e nove outros liberais (seis de Minas Gerais
e três do norte), para negar o apoio da Câmara com base na mesma
razão. Dantas contra-atacou esta nova ameaça a seu governo sugé-
rindo que os seus oponentes reconhecessem francamente que aquilo
que desejavam, na realidade, era indenização monetária para a liber-
tação de escravos idosos, um princípio que seu governo não aceita-
268
ria. A votação que se seguiu produziu um empate (cinguenta votos
a favor e cinquenta contra), salvando temporariamente o ministério
e permitindo que a discussão continuasse, mas eliminando pratica-
mente qualquer esperança de o Projeto Dantas poder vir a passar
pela Câmara sem ser revisto e sofrer emendas. 28
Apesar disso, esta trégua nem mesmo durou três semanas. Outra
resolução de falta de confiança no governo causou a queda do mi-
nistério Dantas em 4 de maio por cingiienta e dois votos contra cin-
quenta. A votação seguiu de um modo geral as linhas dos partidos,
com apenas três conservadores apoiando Dantas e nove liberais díssi-
dentes votando contra ele — com cada voto dissidente sendo viia!.
contudo, e dado com o conhecimento de que provocaria a queda de
seu governo. *º Tal como o Jornal do Commercio comentou no dia
seguinte, os conservadores haviam obtido uma vitória parlamentar,
votando meramente contra o regime. Os dissidentes liberais haviam
liderado a oposição, preparado e assinado as resoluções de falta de
confiança e dado os votos vitais que haviam causado a segunda crise
ministerial em menos de um ano. 4 Procurando salvar seu governo,
Dantas apelou de novo para Dom Pedro, pedindo-lhe que dissol-
vesse a Câmara e convocasse novas eleições. Desta vez, porém, o
Imperador aceitou os resultados das recentes eleições e chamou um
liberal menos comprometido, José Antônio Saraiva, para formar
um novo ministério e tornar o Projeto Dantas mais aceitável pelos
conservadores e os liberais dissidentes. A primeira tentativa séria
para assegurar uma reforma moderada da escravatura, em treze anos,
fora detida por uma oposição determinada.
O GABINETE SARAIVA
E O PROJETO CORRIGIDO
269
quirir novos trabalhadores. Mais amigável para com os fazendeiros
do que seu antecessor, Saraiva chegou a prometer ajudar a Teorga-
nização do sistema de trabalho, concedendo aos lavradores “uma
parte do valor do escravo.” * O que isto significava depressa foi re-
velado. Durante a semana anterior, o Projeto Dantas fora corrigido
e revisto radicalmente pela nova administração e, assim, quando fo;
de novo apresentado à Câmara, em 12 de maio, os oponentes do pro-
jeto anterior receberam esta nova versão com entusiasmo. Os aboli-
cionistas, por outro lado, ficaram fora de si e não tardaram a ali.
nhar-se contra as mudanças e o novo governo liberal. Analisando
o Projeto Saraiva, artigo por artigo, perante uma multidão que enchia
o Icatro Polytheama, Rui Barbosa demonstrou que este projeto se
afastava significantemente do espírito e dos objetivos do Projeto
Dantas, que, enquanto este constituíra um passo na direção da li-
bertação, “uma transacção abolicionista,” o projeto preparado pelo
novo ministério era uma “capitulação escravista.” 43
Uma comparação dos dois projetos depressa explicará as rca-
ções que eles motivaram. O Projeto Dantas propusera que os escra-
vos que alcançassem sessenta anos fossem libertados ipso facto, mas
o projeto de Saraiva, por outro lado, declarava que os escravos
assim libertados deveriam, como uma forma de compensação para
seus senhores, conceder-lhes trabalho de graça por mais três anos (ou
até alcançarem a idade de sessenta e cinco anos). “4 O Projeto Sa-
raiva (e a lei final, sancionada em 28 de setembro de 1885) estabe-
lecia os valores dos escravos em níveis mais elevados do que o fizera
o Projeto Dantas, apesar de uma provável queda dos preços de es-
cravos durante os meses que separaram a preparação dos dois pro-
jetos. + No Projeto Saraiva (tal como na lei final) os fazendeiros
que concordassem com uma conversão rápida e total para o trabalho
livre teriam o direito de vender todos os seus escravos por títulos
a cinco por cento valendo metade do valor oficial de seus escravos.
270
Os trabalhadores que fossem libertados dessa forma teriam de perma-
necer ao serviço de seus antigos donos por mais cinco anos em
troca de seu sustento e de um salário de cinco reis por dia. Conforme
Rui Barbosa salientou, os donos podiam receber mais de 60 reis por
dia em juros dos títulos que lhes eram concedidos para “libertarem”
seus escravos, doze vezes a remuneração diária a ser paga aos “li-
bertos” por seu trabalho. O juro dos títulos a ser recebido por liber-
tar até mesmo os escravos mais idosos seria mais do que duas vezes
o salário diário e seria pago durante trinta anos, presumivelmente
até muito depois dos antigos escravos terem morrido 48
Os projetos Dantas e Saraiva (e a lei final) previam uma
sobre-
taxa em todas as formas de receita do governo exceto os direitos de
exportação, mas no projeto revisto havia uma diferença na for
ma
como este dinheiro seria usado. ” O projeto original dispunha que
toda a receita dessa sobretaxa seria usada para libertar escravos,
mas
o Projeto Saraiva (e a lei final) dividia a receita em três par
tes
iguais. Um terço seria usado para libertar os escravos mais
idosos
e menos valiosos (os que já estivessem perto dos sessenta anos
de
idade), um terço seria para libertar escravos cujos donos se conver
-
tessem completamente para o trabalho livre (em troca de
títulos e
mais cinco anos de trabalho forçado) e o último terço ser
ia usado
para importar colonos para trabalhar nas fazendas. O Pro
jeto Dantas
teria imposto uma sobretaxa para o benefício principalmente
de
escravos, mas segundo os termos do Projeto Saraiva aqu
eles que
mais ganhariam com essa sobretaxa seriam os donos dos
escravos.
A cláusula mais objetável do Projeto Saraiva, que Rui Bar
bosa
comparou. com a Lei do Escravo Fugitivo dos Estado
s Unidos, “8
previa multas de 500 a 1.000 mil-reis a quem ajudasse ou
abrigasse
fugitivos, uma provisão emendada na lei final para colocar
o crime
de auxiliar os fugitivos ao abrigo do Artigo 260 do Código Crimin
al.
Esta mudança reduziu a multa para entre cinco e vinte
por cento
do valor do escravo ajudado, mas fazia
com que as pessoas que
ajudassem esses fugitivos pudessem ser presas por um
período de
até dois anos. 4º Tanto José do Patrocínio quanto Rui
Barbosa disse-
271
ram a públicos abolicionistas que o novo registro de escravos per.
mitiria que os donos registrassem homens livres como escravos, Am-
bos eles viam esta mudança no projeto como uma razão para a dis-
posição de Andrade Figueira (da província do Rio de Janeiro) de
aceitar esta parte da legislação. *º
Todas as três versões da “reforma” continham provisões para
forçar os antigos escravos a viverem e trabalharem durante cinco
anos nos municípios no qual fossem libertados. Os libertos que saís-
sem de seus distritos, disse a lei final, deviam ser considerados va-
gabundos, presos pela polícia e obrigados a trabalhar em colônias
agrícolas ou em obras públicas. Um escravo liberto tinha de encon-
trar trabalho ou, então, ser preso por quinze dias, com os ociosos
incorrigíveis sendo enviados para uma das várias colônias agrícolas
administradas sob disciplina militar, que o governo estabeleceria
em vários pontos do país.
Às poucas provisões da legislação final que os abolicionistas
poderiam ter acolhido favoravelmente, se elas não tivessem sido
sombreadas pelas provisões menos aceitáveis, incluíam a abolição do
comércio interprovincial de escravos (os cativos levados de uma
província para outra seriam considerados livres) e uma escala de
valores decrescentes que tinha por objetivo acabar com a escravatura
em treze anos. A nova legislação deveria, nas palavras do Imperador,
trazer a tranquilidade aos fazendeiros da nação, mas milhares de
abolicionistas desiludidos viram-na como uma rendição aos interes-
ses desses fazendeiros. 51
O DEBATE
de tal crime
das leis do
estavam
Imperio
sujeitas
(1830), às190, acim a mencionadas penas. Ver Colecção
Co
50 Gazeta da Tarde, 17 de maio de 1885; Barbosa,
Confederação Abolicio-
nista. Homenagem, página 21; Nabuco, Cartas
61 An na es da Ca ma ra
a ami I, 149
ra u R sb os (18 85)
fvairiação ob , I, 10. Para fortes crític
nsas ao ao Projet
Ê o Sa raiva,
olicioni i da 5,
15 de maio de 1885. lonista (Rio de Janeiro, 1885); Rio New
272
dança nas leis que governavam a escravatura — nomeadamente An-
drade Figueira, da província do Rio de Janeiro, e Barros Cobra, de
Minas Gerais — e uma facção conservadora algo maior, predomi-
nantemente das províncias do norte, que considerava o projeto dema-
siado moderado. A maioria dos dissidentes liberais que se tinham
oposto a Dantas apoiaram Saraiva, enquanto os abolicionistas líbe-
rais formaram uma facção antigovernamental, nova e mais ampla,
dentro do Partido Liberal.
Saraiva ficara, de fato, tão enfraquecido depois do projeto ter
passado pela Câmara em meados de agosto e o projeto dependera
tanto, para sua aprovação, da minoria conservadora que ele e seu
ministério se sentiram obrigados a demitir-se. Incapaz de encontrar
um líder liberal que pudesse voltar a unir o fragmentado Partido
Liberal, Dom Pedro preferiu desfechar outro “golpe imperial”, pe-
dindo ao conservador preeminente, o Barão de Cotegipe, que for-
masse um governo de minoria. Para desespero dos liberais radicais,
foi sob a liderança deste velho fazendeiro-político pró-escravatura
— que tinha o apoio de muitos liberais moderados — que o projeto
foi aprovado rapidamente, sem emendas, pelo Senado, a tempo de
o Imperador poder sancioná-lo no décimo quarto aniversário da Lei
Rio Branco. º2
Durante o longo debate, os liberais, em ambas as câmaras, criti-
caram amarga e repetidamente o Projeto Saraiva. Joaquim Nabuco,
que regressara recentemente à Câmara após uma longa ausência.
encontrava-se entre os críticos mais diretos, rejeitando o projeto pelo
fato de acreditar que o Brasil já estava pronto para uma legislação
muito melhor e, também, por prever um ritmo muito mais rápido
de mudança social. O Projeto Saraiva, acreditava ele, ameaçava bar-
rar a reforma mais radical de que a nação precisava. 53
Os críticos atacaram provisões específicas da legislação. Um
deputado do Rio Grande do Sul indicou que a sobretaxa seria de
difícil aceitação por uma população que já pagava impostos pesados,
particularmente no que se referia aos cidadãos que já haviam liber-
tado seus escravos e seriam forçados a ajudar a emancipar os escra-
vos de proprietários menos generosos. Souza Dantas, da Bahia, não
encontrava qualquer razão que justificasse um imposto que era apli-
cado a todos os cidadãos, mas que tinha por fim, principalmente,
beneficiar um número muito limitado de fazendeiros abastados. Os
52 Lyra, História de Dom Pedro II, III, 23-29: Rio News, 14 de agosto
de 1885.
58 Annaes da Camara (1885), II, 160-161, 206.
273'
críticos consideravam injusto e até mesmo absurdo que escravos com
menos de sessenta anos pudessem ser libertados pelo fundo de eman.
cipação, enquanto os de sessenta anos ou mais teriam de trabalhar,
para obter sua liberdade, por mais três anos. Já com mais de sessenta
anos ele próprio, Cristiano Otoni, de Minas Gerais, observou que,
quando um escravo alcançava essa idade “começa... a obrigação de
servir, ao mesmo tempo que desapparece a esperança de libertar-se
pelo fundo de emancipação.” 5*
Os abolicionistas deploraram o parágrafo que tornava um crime
dar asilo a um escravo fugitivo. O Senador Dantas opôs-se à con-
cessão de subsídios — a serem pagos pela nação como um todo —
para serem usados para importar colonos destinados a trabalharem
nas fazendas. Os oponentes afirmavam que a obrigação dos libertos
de viverem cinco anos nos municípios onde haviam sido libertados
os reduzia a uma escravidão temporária, 55
A nova tabela de preços para a libertação de escravos através
do fundo de emancipação atraiu repetidas críticas. Um senador de
Minas Gerais queixou-se de que os níveis de preços do projeto eram
muito mais elevados do que o preço do mercado e previu que até
os inválidos seriam vendidos aos altos preços estabelecidos pela legis-
lação. O Senador Otoni previu um fim para todo o movimento de
libertação até o governo pagar aos proprietários aquilo que garan-
tira. Os donos de escravos, forçados por circunstâncias pessoais a
venderem seus cativos, afirmou ele, encontrariam especuladores dis-
postos a pagarem um preço abaixo dos níveis estabelecidos pelo go-
verno, esperando obterem o lucro que o governo parecia prometer.
Os preços criados pelo projeto eram tão elevados, disse Nabuco, que
os escravos, em muitos lugares, deixariam de ser libertados aos preços
correntes. Onde, perguntou Pedro Salgado, do Rio Grande do Sul,
é que os escravos valiam 900$000, exceto no Rio de Janeiro, Minas
Gerais ou São Paulo? 58 <A lei dirá aos particulares,” comentou O
Senador Escragnolle Taunay, “Não liberteis mesmo nenhum escravo
por 2008000 ou 300$000, porque o Estado vos garante 6654000.” e
Se as avaliações dos escravos estabelecidas pelo Projeto Saraiva tI-
vessem existido em lei de 1883, disse Nabuco à Câmara, os grandes
movimentos de libertação do Ceará, Amazonas e Rio Grande do
Sul não poderiam ter ocorrido. 58
275
vertiu Valadares, de Minas Gerais, recordando à Câmara que tanto
a França quanto a Inglaterra haviam indenizado. º!
Os oponentes advertiram sobre as consegiiências de libertar “uma
grande massa de população semi-barbara,” deixando-a à solta no
país, previu que os escravos migrariam para as cidades, que os liber-
tos se entregariam ao vício e ao crime. Os escravos libertos não
permaneceriam nas fazendas, insistiu Andrade Figueira, num debate
pessoal contra Saraiva, na Câmara. “... Não conte com serviço de
libertos: não há maneira de os obrigar ao trabalho,” advertiu Mar.
tinho Campos, de Minas Gerais. 82
Apesar de mais discretas do que durante o debate de 1871, as
diferenças regionais sobre a escravatura também emergiram em 1885
de maneira significante. Era óbvio, conforme Saraiva disse à Câma-
ra, que a escravatura não tinha importância para o Amazonas, onde
as poucas centenas de negros existentes já tinham sido libertadas
e os “pobres indios” continuavam trabalhando. 8 Era óbvio, também,
que os proprietários de escravos nas províncias em que os preços dos
escravos eram elevados poderiam ver a tabela do governo dos valores
de escravos como injusta, enquanto, em outros lugares, os preços
apresentados no projeto teriam inspirado uma certa alegria entre
os senhores. Reconhecendo a grande variação nos preços dos escra-
vos de província para província, Prudente de Morais afirmou preferir
tabelas de preços diferentes para as diversas províncias. O paulista
Delfino Cintra pensava que os preços para o Rio de Janeiro, Minas
Gerais e São Paulo deveriam ser vinte e cinco por cento mais eleva-
dos do que os da tabela, que nas principais províncias do norte de-
veriam ser os da tabela e que, em outras partes do país, deveriam
ser vinte e cinco por cento menos. Andrade Figueira demonstrou
que, no Ceará e no Rio Grande do Sul, os preços do governo seriam
injustos para os escravos com economias suficientes para comprarem
sua liberdade ao preço do mercado, enquanto, nas províncias do
café, seria o proprietário quem estaria sujeito a prejuízo.
As mais significantes diferenças regionais, no entanto, foram
as que começaram desenvolvendo-se entre São Paulo e Rio de Ja-
neiro, o resultado. de novo, de diferenças econômicas entre essas
duas províncias. São Paulo, com sua rica indústria do
café, em
grande expansão, já atraía alguns europeus (6.500 em 1885 ou, seja,
276
18,3) por cento do número total de imigrantes europeus que entra-
ram no Brasil nesse ano), com esforços já estando sendo rea-
lizados para trazer mais. Mais rica do que a província do Rio de
Janciro, além do mais, a província de São Paulo estava melhor
preparada para aceitar a emancipação de escravos sem compensação
ou até mesmo a abolição da escravatura se esta lhe fosse imposta.
Por outro lado, muitos fazendeiros insolventes da província do Rio de
Janeiro e seus representantes não se encontravam em posição para
aceitarem um compromisso na questão da indenização e estavam
muito menos preparados para verem o final da escravatura. No de-
bate de 1885, os representantes de ambas as províncias encontraram-
se, como habitualmente, na vanguarda da defesa da instituição, mas
os paulistas revelaram uma maior disposição para o compromisso
do que seus aliados do Rio de Janeiro. As diferenças só apareciam
na superfície muito raramente, mas, quando isso sucedia, emergiam
muito claramente.
Particularmente significante durante o debate de quatro meses
foi a nova e diferente atitude do fazendeiro paulista conservador.
Antônio Prado, um dos mais famosos membros de talentosa família
de São Paulo. % Prado iniciara o debate como forte oponente da
reforma. Como um dos membros de uma comissão da Câmara en-
carregada de escrever uma opinião sobre o Projeto Saraiva, ele tor-
nara-se dissidente, em maio, da posição da maioria, rejeitando o
projeto com base no fato deste não garantir os direitos de proprie-
dade. 9º Menos de dois meses mais tarde, contudo, Prado mudara da
oposição para um apoio qualificado do projeto. A indenização não
era a principal necessidade dos proprietários de escravos, disse ele
à Câmara, em julho. Em vez disso, os fazendeiros só pediam que lhes
permitissem conservar seus escravos até que pudessem substituí-los
por novos trabalhadores. Um complemento necessário do Projeto
Saraiva, pensava Prado, seria uma provisão para auxiliar a impor-
tação de trabalhadores livres, pois os imigrantes europeus poderiam
tornar-se numa força mais poderosa para a eliminação da escrava-
tura do que todas as provisões do projeto.
Em agosto, Prado, já então um forte defensor de Saraiva e de
seu projeto de lei, declarou que os fazendeiros de São Paulo já não
277
viam a Lei Rio Branco como a solução final para o problema da
escravatura. Apesar dos interesses vitais que ligavam sua província
à escravatura, São Paulo, disse ele, possuia uma compreensão: prática
das vantagens do trabalho livre e estava tomando medidas para a
transformação do seu sistema de trabalho. Os trinta ou quarenta
mil colonos europeus que até então já tinham chegado à província
preferiam trabalhar como apanhadores de café e, assim, os fazendei-
ros paulistas continuavam usando os escravos para limpar a terra. 6º
Recentemente, contudo, com o aumento das estradas de ferro para
o centro da província de São Paulo, os fazendeiros também já esta-
vam usando os europeus na limpeza da terra. *º O mais duro traba-
lho podia ser feito pelos brancos da Europa, disse Prado a seus co-
legas legisladores, e os europeus já estavam, finalmente, chegando
em números importantes, pelo menos em São Paulo. O óbvio fim
da escravatura e a riqueza dos novos fazendeiros do café haviam
começado, finalmente, a gerar “abolicionismo” entre os fazendeiros
de São Paulo. A mudança de Prado para o emancipacionismo foi
modesta e cautelosa em 1885, pouco mais, na verdade, do que uma
disposição para aceitar as provisões muito conservadoras da Lei
Saraiva-Cotegipe e para reconhecer a importância potencial da imi-
gração como um fator na transformação para um sistema de traba-
lho livre. A significação das atitudes, em evolução, de Prado veio
a ser mais aparente em 1887, contudo, quando, sob sua liderança, a
província de São Paulo se moveu decididamente para o campo aboli-
cionista, condenando a escravatura, por fim, a uma rápida extinção.
276
Ninguém está obrigado
a respeitar a escravidão; pelo contrário,
é dever de cada cidadão
combatê-la por todos
os meios.
JOSE DO PATROCÍNIO
in Gazeta da Tarde, 22 de junho de 1886.
15
PRELÚDIO AO COLAPSO
279
eri ore s à ap ro va çã o da lei co m a co nd iç ão de con -
nas semanas ant
tinuarem prestando seus serviços por períodos mais longos do que
os requeridos pela Lei Saraiva-Cotegipe, em alguns casos por ter-
mos de sete anos. 2 A maioria dos sexagenários registrados estavam
localizados nas três principais províncias do café. Todavia, até mes-
mo nessa região, o número registrado era apenas uma pequena mi-
noria de todas as pessoas registradas como tendo cinquenta e um
anos de idade ou mais durante a década de 1870, as quais, se ainda
vivas, poderiam ter-se beneficiado da lei de 1885 (comparar Tabe-
las 5 e 6).
Ainda mais significante do que o surpreendentemente baixo re-
gistro de sexagenários foi o aparente fracasso no que se refere aos
proprietários de escravos registrarem muitas pessoas mais jovens em
certas regiões do país. A queda de mais de 400 mil pessoas na popu-
lação escrava registrada entre junho de 1885 e maio de 1887 (ver
Tabela 11) foi indubitavelmente o resultado de um elevado índice
de mortalidade, atos individuais de emancipação e, teoricamente, pelo
menos, a eliminação automática de mais de 90 mil escravos, regis-
trados antes como tendo mais de sessenta anos. Todavia, o maior
declínio na população escrava do Nordeste durante aqueles dois
anos (42 por cento) e das províncias do oeste e do sul (54,3 por
cento) sugere que muitos dos proprietários nessas áreas ignoraram
o novo registro e, assim, libertaram seus escravos por omissão. Em
comparação, a população escrava de São Paulo diminuiu no mesmo
período por cerca de 30 por cento e, na região do café como um
todo, incluindo o Município Neutro, onde a perda de população es-
crava era de longe a mais elevada na nação, a perda total foi de
menos de 34 por cento. Os proprietários das províncias do café re-
gistraram uma percentagem maior de seus escravos do que os pro-
prietários de qualquer outra região e, provavelmente, também com-
praram uma parte significante da população escrava do Município
Neutro.
280
NOVOS RESSENTIMENTOS ABOLICIONISTAS
3 Estes três ingleses eram Gusmão Lobo, Rui Barbosa e Joaquim Nabuco,
respectivamente. Ver Nabuco, 4 Vida de Joaquim Nabuco, páginas 151-152.
4 Joaquim Nabuco, O eclypse do abolicionismo (Rio de Janeiro, 1886),
páginas 31-32.
5 A Monarchia Brasileira se agarrando á taboa da escravidão (Bahia, 1885),
páginas 65-66; Gazeta de Tarde, 14 de agosto de 1884.
261
seus próprios interesses, mas até mesmo nisto há um limite além
do qual não é decente ir.”$
Os abolicionistas não tardaram a ter mais razões de queixa,
No final de outubro, a agência de notícias portuguesa Havas infor-
mara o mundo de que a escravatura brasileira fora abolida. No iní-
cio de dezembro, essa informação já circulara amplamente no es-
trangeiro, segundo abolicionistas irados, mas o governo brasileiro,
conforme foi alegado, nada fizera para corrigir o erro. Em contraste
com a informação recebida nos países estrangeiros, os jornais brasi-
leiros publicavam anúncios ameaçando processar pessoas que abri-
gassem escravos e a polícia, procurando fugitivos, já começara revis-
tando casas particulares ao abrigo da autoridade que lhe era con-
ferida pela lei de emancipação. ?
A eleição nacional de 15 de janeiro de 1886 alimentou ainda
at
mais o ressentimento abolicionista. Realizada sob o regime de Cote-
A a
gipe, seu resultado foi uma Câmara dominada pelos conservadores
que parecia ainda menos simpática para com a reforma da escrava-
tura do que sua antecessora. º* A reação liberal e abolicionista a
esta burla eleitoral tomou a forma de uma censura ao próprio sis-
tema eleitoral. Num país de doze milhões de habitantes, queixavam-
se os editores abolicionistas, em que menos de duzentas mil pessoas,
principalmente proprietários de escravos e funcionários do governo,
eram elegíveis para votar, não se podia dizer que a legislatura re-
presentava a opinião nacional. A nação era abolicionista, disse um
jornal de Santos, como prova de sua acusação, mas a escravatura era
defendida na Assembléia. “Quando virmos uma autêntica medida
abolicionista tendo sua origem no Barão de Cotegipe,” escreveu o
jornal The Rio News em fevereiro, “acreditaremos, então, que se
pode esperar uma boa omelete feita com ovos estragados.” Nenhuma
nova medida abolicionista se poderia esperar deste governo ou
da nova Câmara de Deputados, previa esse jornal americano, “a não
ser que qualquer poderoso movimento popular force a adoção de
262
novas medidas progressivas,”? Lamoureux, como já era costume,
parecia mais consciente do potencial explosivo da sociedade brasi-
leira do aque muitos brasileiros, embora jamais tivesse tido quais-
quer dúvidas sobre as inclinações dos políticos governantes. Na rea-
lidade, em menos de dois anos e meio, esta mesma Câmara de Depu-
tados seria forçada por circunstâncias grandemente alteradas a aca-
bar inteiramente com a escravatura.
O MINISTÉRIO COTEGIPE
E O “REGULAMENTO NEGRO”
263
' Ri
ã O =
E q !
x E ! homo
o af a
sistema da escravatura a áreas em que ele já fora considerado per-
manentemente eliminado. !! Como resultado desta decisão, 108 es-
cravos foram registrados no Ceará, durante 1886 e 1887 (ver Tabela
11), embora nenhum fosse encontrado nos confins do Amazonas.
Muito mais ofensivos, contudo, foram os regulamentos da lei emiti-
dos por Antônio Prado em 12 de junho de 1886, apelidados coleti-
vamente de “Regulamento Negro” por abolicionistas indignados, em
novos e enormes comícios no Rio de Janeiro. Apesar de grande parte
dessas diretrizes legais servir para salientar o caráter retrogressivo
da lei, duas das decisões de Prado foram particularmente ofensivas.
A primeira destas ampliou diretamente a vida da escravidão por
mais de um ano ao determinar que as diminuições anuais dos valo-
res dos escravos só começariam a contar a partir da data do registro
dos escravos e não da data da lei.
A interpretação de Prado quanto à proibição do comércio de
escravos interprovincial provocou ainda mais críticas. O escravo envia-
do de uma província para outra, dizia a Lei Saraiva-Cotegipe, seria
considerado livre, mas, segundo Prado, o Município Neutro, no que
se referia à implementação desta cláusula, seria considerado parte
da província do Rio de Janeiro. Assim, quase 30 mil escravos do
Município Neutro tornaram-se elegíveis para cruzarem uma fron-
teira provincial e irem para uma área onde persistia a procura de
novos escravos. “O infamante regulamento... manda recrutar na
capital brazileira victimas para as fazendas da provincia,” comentou
a Gazeta da Tarde no seu habitual estilo vitriólico. O regulamento,
escreveu Nabuco, era “uma conspiração baixa e sordida contra o
vislumbre de decencia que havia nesta capital em relação a escra-
vos...” 12 Na realidade, a queda de 74,9 por cento na população
escrava do Município Neutro, de 1885 a 1887, de longe a queda
percentual maior em qualquer das vinte e uma unidades políticas
do Império (ver Tabela 11), foi provavelmente o resultado. pe'o
menos em parte, da continuação do comércio de escravos entre a
cidade do Rio e a província vizinha do Rio de Janeiro, sendo intei-
ramente possível que escravos transportados do Município Neutro
também tenham ido narar nas províncias de São Paulo e de Minas
Gerais, embora a ilegalidade de um tal movimento impedisse a
comp'lação de estatísticas correspondentes.
Como se sua intenção fosse despertar a ira dos abolicionistas,
o decreto de Prado também regulava uma das mais criticadas partes
264
soá a Hr
da Lei Saraiva-Cotegipe. Referindo-se à cláusula dos escravos fugi-
tivos, a diretriz declarava que o castigo para “furto”, descrito no
Artigo 260 do Código Penal (até dois anos de prisão), seria apli-
cado a qualquer pessoa que, conscientemente, escondesse, empregas-
se ou aceitasse em sua casa ou estabelecimento um escravo pertencen-
te a outra pessoa. O público tinha a responsabilidade de informar so-
bre fugitivos ao Juiz local ou inspetor de polícia, no prazo de quinze
dias, e não fazê-lo poderia significar a prisão. Qualquer pessoa que
ajudasse um escravo que tivesse sido severamente punido por seu
dono ou que fugisse de seu lugar de emprego sob uma séria ameaça
de castigo também tinha a obrigação de levar esse escravo ao fun-
cionário público mais próximo o mais rapidamente possível, de ma-
neira a que as autoridades pudessem agir segundo a lei. 12
A fim de protestarem contra o “Regulamento Negro”, parti-
cularmente sua incorporação da capital na província do Rio de Ja-
neiro, mais de duas mil pessoas reuniram-se no Teatro Polytheama
em 29 de junho de 1886. O governo estava enganado, disse João
Clapp a este grande público, se pensava que poderia intimidar o
movimento abolicionista por meio de uma campanha de calúnias e
por uma força policial repressiva. A escravatura brasileira era uma
instituição difícil de matar, disse Nabuco na mesma reunião. “Ago-
ra, marca-se um prazo e (a escravidão) prolonga-o; isolam-se as
circunscripções e ella confunde-as.” O público adotou por unanimi-
dade uma resolução protestando “cheio de indignação e vergonha
contra o acto do governo que restabeleceu o commercio de escravos
entre a capital do império e a provincia do Rio e igualmente con-
tra o acto do mesmo governo elevando de treze annos a quatorze
e meio o prazo da escravidão segundo a lei Saraiva.” Os cidadãos
também apelaram “para os sentimentos de humanidade do Povo
Brazileiro, para que esse duplo e infame attentado contra a honra
nacional não se torne um facto consummado.” 14
A vitória de José do Patrocínio numa corrida eleitoral para
vereador, na capital, apenas dois dias depois, ofereceu mais provas
de que o “Regulamento Negro” fizera rolar o pedregulho abolicio-
nista uma vez mais. O próprio jornal de José do Patrocínio viu sua
vitória como um protesto enérgico contra o “regulamento indigno,
que tentou fazer desta Corte um mercado de escravos.” Houve ce-
lebrações durante grande parte do dia da eleição diante da redação
285
do editor vitorioso, que conseguiu, contudo, publicar três edições do
seu jornal no mesmo dia. A Gazeta comentou: “Seria interminavel,
se a tentassemos publicar, a lista das pessoas, de todas as classes
sociaes, que vieram abraçar ou trazer felicitações ao nosso amigo.
Não faltaram, entre elles, os representantes do exército e da armada,
que sempre têm olhado com sympathia para os esforços incessantes
do nosso director, em pról da liberdade dos escravos.” Os votos para
Patrocínio tinham vindo de trinta e sete dos quarenta distritos elei-
torais da cidade, um fato interpretado como significando que a idéia
da liberdade penetrara em todos os lugares, “até nos proprios em-
porios da escravidão, até nas proprias casas desses senhores, e tal-
vez no coração de seus filhos.” 15
A irada reação ao “Regulamento Negro” surgia, na verdade,
nas ocasiões mais formais e entre a mais seleta sociedade. O regula-
mento de 12 de junho era uma violação da autonomia territorial
do Município Neutro, acusou o presidente da Câmara Municipal na
presença do Imperador e da família real. A diretriz, disse ele, rea-
brira o comércio interprovincial de escravos, anulando os esforços
da Câmara Municipal, que, num só ano, libertara 560 escravos. 18
Tal como o governo Cotegipe, a Câmara dos Deputados também
parecia querer despertar a indignação dos sensitivos abolicionistas.
Por um voto de sessenta contra vinte e sete, a câmara baixa, domi-
nada pelos conservadores, decidiu, em julho, negar ao único aboli-
cionista popular que, então, havia entre eles, José Mariano, de Per-
nambuco, seu direito à sua cadeira da Câmara, estabelecendo uma
nova e quase sem precedentes explosão de atividade abolicionista em
vários pontos do país. Em 13 de julho, um público enorme, de mais
de oito mil pessoas, encheu o Teatro Polytheama do Rio a fim de
protestar contra a ação da Câmara, enquanto, na distante cidade
do Recife, cerca de três mil pessoas se reuniam diante da redação
de 4 Provincia, órgão do Partido Liberal de Pernambuco. Ambas
as reuniões denunciaram a decisão da Câmara de rejeitar as cre-
denciais de José Mariano, devidamente eleito no segundo distrito da
286
capital pernambucana, e a decisão fraudulenta de conceder sua ca-
deira a um político conservador. As atividades abolicionistas nas
duas cidades, tão distantes uma da outra, foram coordenadas por
telégrafo. Uma mensagem recebida em Pernambuco, enviada da ca-
pital, informou os constituintes de José Mariano de que o homem
que eles prestigiavam estava defendendo sua causa na Câmara na-
cional, apoiado por uma multidão de simpatizantes. 1”
Derrotado na sua tentativa de conservar sua cadeira, José Ma-
riano, no final de julho, embarcou de vapor para Pernambuco, che-
gando três dias mais tarde à Bahia, onde era esperado por uma mul-
tidão abolicionista calculada em cinco mil pessoas. No início de
agosto, esse abolicionista liberal, já então um herói nacional, alcan-
çou a capital da sua própria província, sendo recebido com uma
manifestação extraordinária. “A cidade apresentava um aspecto fes-
tivo,” relatou a Gazeta da Tarde, “com as ruas engrinaldadas e os
navios embadeirados em arco.” Recebido por organizações comer-
ciais, acadêmicas, maçônicas e abolicionistas, José Mariano foi fes-
tejado numa procissão de cinco horas que começou nos cais da ci-
dade e terminou nas ruas do centro. Com as celebrações tornando-se
cada vez mais exuberantes, as guarnições locais foram postas de pron-
tidão. A totalidade da comunidade comercial fechou, alegadamente,
suas portas em honra do legislador que a cidade enviara para a capi-
tal da nação e que fora rejeitado. 18
A ABOLIÇÃO DO AÇOITE
267
outros jornais. !º Levado à atenção do Senado por Dantas, o inci.
dente foi calorosamente debatido até que o Ministro da Justiça
propôs a eliminação do castigo corporal dos estatutos da nação.
Apressado, talvez, pela abolição total da escravatura em Cuba, de-
cretada em 7 de outubro, o projeto de lei (aprovado pelo Senado
em 4 de outubro) entrou na Câmara em 11 de outubro e foi trans-
formado em lei cinco dias mais tarde. 20
Numa Câmara que tinha a fama de ser quase inteiramente Opos-
ta a qualquer mudança na legislação da escravatura, o projeto en-
controu, notavelmente, pouca resistência, embora vários deputados
tivessem reconhecido que acabar com a ameaça do castigo físico
era quase equivalente à própria abolição da escravatura. Coelho
Rodrigues, do Piauí, informou coloridamente a Câmara de que uma
lei para abolir os açoites “traz no seu bojo a abolição...” Usando
uma retórica pró-escravatura mais convencional, Lacerda Werneck
fez a previsão de que a abolição dos açoites causaria o desastre, a
consternação, a desorganização da mão-de-obra. Os estabelecimentos
agrícolas não poderiam ser mantidos, declarou este experiente fa-
zendeiro, sem “o regimen severo do castigo.” Lourenço de Albu-
querque, de Alagoas, dirigiu suas dúvidas diretamente ao ministério:
“No caso de se realizarem os receios... dos lavradores,” perguntou
ele, “dispõe o governo de meios suficientes, de força publica bas-
tante e bem disciplinada para garantir-lhes a vida e a propriedade?”
Prevendo uma rápida emancipação, resultante dessa lei, o mesmo
legislador fez uma previsão: “Veremos em pouco tempo quem tem
razão, si eu que annuncio este facto, ou os nobres deputados que
agora O querem negar.” 2! |
Antônio Prado, defendendo o projeto em nome do governo,
negou que a lei pudesse trazer os resultados previstos, embora tives-
se razões para duvidar de seus próprios argumentos. A degradação,
266
o exílio, os longos termos de prisão e até mesmo o trabalho forçado
—. castigos que restringiam os homens livres — pouco efeito produ-
ziriam entre os escravos, a quem a sociedade, de todos os modos,
concedia pouca dignidade, nenhum lar ou região certa e um mínimo
de liberdade pessoal. Os escravos sempre tinham continuado a tra-
balhar nas terras de seus senhores principalmente por medo do cas-
tigo físico. Sem esta restrição, conforme alguns deputados explica-
ram, a escravidão não funcionaria. Um ano depois, de fato, outro
senador de São Paulo viria a dizer à câmara alta que a mão-de-obra
escrava fora completamente desorganizada e que os escravus se ha-
viam tornado inteiramente incontroláveis desde o dia em que o cas-
tigo corporal fora abolido e os carcereiros locais já não eram auto-
rizados a infligir maus tratamentos aos fugitivos. 22 Contudo, a As-
sembléia Geral, sob pressão dos abolicionistas e o exemplo de Cuba,
aboliu o castigo corporal, a chave para o sistema da escravidão. Com
esta ação, conforme alguns tinham advertido, quase aboliram a pró-
pria escravatura.
289
Alguns trabalhadores
entrando nos alojamentos dos escravos,
fechados com cadeados, em algumas fazendas,
e dizendo aos escravos quão facilmente poderiam
obter a liberdade, se se revoltassem,
poderiam incendiar o país inteiro...
O escravo não sabe
quão facilmente a
coisa poderia
ser feita.
Contra a escravidão
todos os meios são legitimos e bons.
O escravo que se submette, attenta contra Deus
e contra a civilisação;
o seu modelo, o seu
mestre, o seu apostolo
deve ser Spartaco...
JOSE DO PATROCÍNIO
na Gazeta da Tarde, 22 de junho de 1886.
16
291
Poucos dias depois da Assembléia Geral ter abolido o castigo
corporal, o demagogo mais eficiente do Brasil, José do Patrocínio
fez uma curta visita a Santos, dando aos simpatizantes locais úina
oportunidade para demonstrarem seu entusiasmo com discursos, fo-
gos de artifício, saúdes e entretenimento musical. * Deflagrada pelas
atenções de Patrocínio e a morte, uma semana mais tarde, de um
notável abolicionista paulista, José Bonifácio de Andrada e Silva,
o mais jovem, º a cidade foi transformada no mero espaço de uma
semana num centro estratégico e vital da luta abolicionista.
Depois da partida de Patrocínio, cuja presença, sem dúvida, aju-
dou a fortalecer o movimento local, conforme fizera quatro anos
antes no Ceará, os abolicionistas reuniram-se no Teatro Guarany
para prestarem homenagem a José Bonifácio e para adotarem um
programa para a rápida libertação de Santos. Em apenas cinco dias,
os escravos da cidade foram todos libertados e os fugitivos, já co-
nhecedores da abolição do açoite, começaram procurando refúgio
na região. Em 3 de novembro, numa aparente resposta ao súbito
—
aparecimento de um importante e já desenvolvido movimento aboli-
—
cionista em Santos, uma força de vinte soldados chegou da capital
provincial por trem e, durante a noite, começou patrulhando as ruas
nas proximidades da prisão, onde cinco fugitivos capturados esta-
vam presos. A atitude destes intrusos, disse o jornal abolicionista
Diário de Santos, era “ameaçadora, feia, hostil.”8
Durante as semanas seguintes, Santos ficou rapidamente conhe-
cida como um paraíso para os fugitivos das fazendas do interior e
os membros da polícia local começaram servindo como caçadores de
escravos, remunerados pelos fazendeiros. As tensões foram aumen-
tando até que, em 20 de novembro, o primeiro sangue foi vertido.
No dia anterior, o chefe da polícia da província de São Paulo, Dr.
Lopes dos Anjos, chegara a Santos com dezoito homens armados,
sob ordens do Ministro da Agricultura, Antônio Prado, no sentido
de prender fugitivos. Bem cedo na manhã seguinte, Lopes dos
Anjos, já com quarenta homens armados, conduzia quatro fugitivos
recapturados para a estação ferroviária quando sua força foi ataca-
da subitamente por uma multidão de abolicionistas, incitados, segun-
do foi alegado, pelos maus tratamentos que os guardas dispensavam
292
aus escravos. Na luta, os policiais dispararam suas armas, ferindo
várias pessoas, enquanto um dos escravos, aproveitando-se da con-
fusão, fugiu para as docas vizinhas, saltou para as águas da baía e
começou nadando para a margem oposta. Aplaudido pelos especta-
dores no cais, o nadador foi perseguido por dois pequenos botes.
Para delícia da polícia, um deles passou na dianteira do escravo,
mas o desconhecido barqueiro puxou o negro para dentro do bote e
começou remando vigorosamente em direção à outra margem, inci-
tado pelos entusiásticos abolicionistas. Frustrado pela reviravolta dos
acontecimentos, impotente no que se referia a recapturar seu pri-
sioneiro, Lopes dos Anjos ordenou que seus homens dispersassem a
multidão pela força. *
A crise em Santos durou mais quatro dias. No dia seguinte ac
do incidente nas docas, duas dúzias de policiais chegaram de São
Paulo e, três dias mais tarde, rumores de um ataque iminente aos
escritórios do Diário de Santos (um perigo real à luz da destruição
da redação da Gazeta da Tarde no ano anterior por cerca de cin-
quenta “capoeiras” que a invadiram) trouxe uma multidão de mais
de mil pessoas para sua defesa. Com esta demonstração de deter-
minação popular, a crise esvalu-se, mas tornara-se aparente que a
população de Santos estava compromissada com o abolicionismo.
Esta informação depressa chegou aos escravos do interior e estes não
tardaram a encaminharem-se às centenas para as vizinhanças do
porto do café. º
293
John Brown, Bento era uma figura pouco ortodoxa com uma ten-
dência para usar chapéus de aba larga e longas capas negras, 10
Os ativistas que seguiam Bento eram chamados “caifazes”, um
termo derivado, provavelmente, através de uma complexa associação
religiosa ou mística, de Caifaz, o alto sacerdote que entregou Jesus
a Pôncio Pilatos. A chave para o uso dessa palavra por Bento, talvez
se encontre em João 11:50, no qual Caifaz, numa profecia incons-
ciente, afirma que Jesus “deveria morrer pelo povo e que, assim,
a nação inteira não pereceria.” Seja qual for o significado exato
lo termo usado por Bento, que parece ter sido inspirado pelo sim-
bolismo de Cristo o Redentor, ele e seus seguidores viam-se como
os instrumentos da redenção do Brasil. Já não satisfeitos com os
métodos legais, com os comícios, os desfiles e os fundos de emanci-
pação, tinham montado, em 1886, uma organização eficaz e muito
ramificada que se especializava em incitar os escravos a abandona-
rem as fazendas de seus donos, com ênfase, inicialmente, nas fazendas
em que os escravos eram notoriamente maltratados. 11
Instalado em algumas salas amplas emprestadas pela confraria
negra de Nossa Senhora dos Remédios, no centro de São Paulo,
Bento publicou um jornal, produzido rudimentarmente, que tinha
o nome simbólico de 4 Redempção, uma “folha” de propaganda na
qual, segundo as palavras de Evaristo de Moraes, “os factos e os
homens eram... expostos como em um pelourinho, e a nú...” De
gramática muito débil, este jornal paulista dirigia-se principalmente
ao “Zé Povinho”, mas não tardou a ser lido tanto nas “casas gran-
des” quanto nas senzalas. Em São Paulo, Bento mantinha uma casa
de alojamentos para negros desabrigados, assinalada no exterior por
um bandeira branca. Na sacristia de Nossa Senhora dos Remédios,
quartel-general dos caifazes, Bento reuniu uma coleção de instru-
mentos que, antigamente, haviam sido usados em escravos: chicotes
10 TIbid., páginas 261-262; Rio News, 5 de maio de 1888. Para uma des-
crição de Bento por um de seus seguidores, ver Bueno de Andrada, “A abo-
lição em São Paulo”, páginas 265-266.
11 Ibid., página 266. Há certas provas de que, em meados de 1887, uma
decisão para empregar métodos ilegais já havia sido comunicada a abolicio-
nistas em mais do que apenas uma parte da nação, talvez por
Bento ou
Patrocínio. O “abolicionismo subversivo” apareceu no Paraná em junho
de 1887 com o estabelecimento nessa província de uma “sociedade
secreta
antiescravagista,” chamada significantemente Ultimatum. Os membros desta
organização deviam usar pseudônimos, fazer qualquer
sacrifício, obedecer
todas as ordens de seus líderes e empregar a força se isso fosse necessário
para alcançar os objetivos da organização. Ver Ianni, As metamorfoses do
escravo, páginas 228-229.
294
de couro, coleiras, correntes, cangas e gargalheiras de ferro. Nesta
casa de religião, Bento era olhado como “uma espécie de Papa que
ouvia diariamente, em audiencia solemne, os seus ministros.” 12
Os homens que se juntavam a Bento vinham de todas as classes
e de todos os partidos políticos, incluindo os membros negros da
confraria de Nossa Senhora dos Remédios e a elite intelectual da
província, ex-escravos e antigos donos de escravos e seus filhos. Par-
ticipando na causa antiescravatura, havia homens que ganhavam
fama em outros campos e outros que talvez tivessem permanecido
desconhecidos, não fora uma breve descrição de suas atividades, que
um seguidor aristocrata de Bento, Antônio Manoel Bueno de An-
drada, publicou cerca de trinta anos mais tarde num jornal de São
Paulo. 1º
Bento atraiu para sua causa um proprietário liberal de uma loja
de louças, um pintor de altares e santos chamado “Chico Dourador”,
os fabricantes de charutos de uma loja de São Paulo e seus proprie-
tários, “um ninho de caifazes”, nas palavras de Bueno de Andrada,
sempre disponível quando chamado a proteger escravos abrigados
na sua casa ali perto. Esses seguidores incluíam o editor de um jor-
nal abolicionista, O Grito do Povo, e uma brilhante equipe de es-
critores. O movimento também contava com estudantes da academia
de direito, nomeadamente o escritor Raul Pompéia, que se especia-
lizou em incitar os republicanos esquivos a viverem abertamente
segundo suas alegadas crenças. Os seguidores de Bento também in-
cluífam comerciantes, padres, estudantes do ensino superior, oficiais
do exército, funcionários de casas comerciais, tipógrafos, conduto-
res ferroviários e até mesmo alguns membros da força policial da
província. |
Os caifazes recebiam tarefas correspondentes a seus talentos.
Um homem cujo apelido era Antônio Paciência tinha a prática de
trabalhar em fazendas até poder encontrar uma forma de colocar
todo um grupo de cativos no caminho da liberdade. A especialidade
de um homem chamado Antonico era infiltrar-se nos alojamentos
295
cs escravos altas horas da noite e convencer seus ocupantes a fu-
girem, uma prática que, finalmente, lhe custou a vida. Com rami-
ficações em muitas partes da província, com membros em institui-
ções particulares, na burocracia do governo e até em áreas rurais,
o movimento parecia invadir a sociedade paulista, embora conti-
nuasse secreto e conspiratório. “Da igreja dos Remédios,” escreveu
Bueno de Andrada, “a trama revolucionária ramificou-se para mui-
tas cidades do interior. Dos centros rurais mais importantes, Antô-
nio Bento e os redatores da “Redenção”, recebiam informações e
propostas para remessa de escravos. Em Campinas, no Amparo, Casa
Branca e outros pontos de aparente predomínio escravagista exis-
tiam grupos de pessoas que, sob muita reserva, conspiravam como
verdadeiros “caifazes”.” 14
Pelo menos uma descrição de uma reunião entre fugitivos e
abolicionistas foi registrada. Numa noite escura, em agosto de 1887,
um tal Antônio Sampaio encontrou um grande grupo de homens
reunindo-se misteriosamente numa estrada do interior e decidiu que
estavam roubando escravos. “A multidão veio para a rua cercando
o número de 10 creaturas humanas, mulheres com creanças no colo
e homens sujos, mal vestidos, trazendo nas mãos umas pequenas
trouxas de roupa.” Velas foram acesas e Sampaio reconheceu a
maioria dos homens livres.
“— Sois todos escravos? — perguntou alguém.
“— Somos, sim senhores — responderam.
“— Quereis ser livres? — tornaram diversos.
“— Queremos, sim senhores.”
A última pergunta convenceu Sampaio de que os misteriosos
homens não eram ladrões de escravos e sim abolicionistas, “pois que
se restituía a cousa furtada ao seu próprio dono.” 15
Convencer os escravos a abandonarem as fazendas foi apenas a
primeira e talvez mais perigosa iniciativa dos caifazes. Uma vez que
os fugitivos já se encontravam a caminho, os abolicionistas costu-
mavam escoltá-los até um local de refúgio. A capital provincial e O
porto de Santos eram os principais objetivos dos fugitivos, que via-
Javam a pé ou, ajudados pelo pessoal ferroviário, partiam para a
liberdade nos trens de passageiros. Chegados a seus destinos, encon-
travam abrigo em casas particulares, armazéns, fazendas e estabe-
lecimentos comerciais. Em Santos, onde chegavam com pou
tá Ibid., pág ca pu-
inas 264-270; Moraes, 4 campanha abolicionista, páginas 266-
296
blicidade durante os primeiros cinco meses de 1887, construíram
uma cidade-favela, o quilombo de Jabaquara, em terras altas, não
ocupadas, entre o mar e as montanhas — uma imensa constelação
de cabanas de madeira, palha e barro, com folhas de zinco como
telhados, onde não tardaram a plantar jardins e a ganhar dinheiro
como carregadores de café nas docas ou através da manufatura de
carvão.” 16
Antônio Bento era tão espetacular quanto José do Patrocínio.
Para impelir a sociedade provincial a apoiar o crescente movimen-
to abolicionista, apelou para poderosas tendências místicas que atin-
giram até a vida urbana sofisticada da capital provincial. Um exem-
plo, relatado por Bueno de Andrada, sugere que o líder dos caifa-
zes era por si próprio motivado por uma religiosidade inflexível e
psicótica, o que o tornou um líder particularmente eficaz durante
a última e caótica fase do abolicionismo. Tendo recebido um negro
torturado, que lhe fora enviado por seguidores rurais, um escravo
que (foi afirmado) havia sido pendurado pelo pescoço numa cor-
rente de ferro, com seus pés mal tocando o chão e cujas palmas
da mão haviam sido furadas por uma faca, Bento decidiu apresen-
tar a vítima numa procissão religiosa, expondo teatralmente os mais
implacáveis aspectos da escravidão e identificando, ao mesmo tem-
po, o destino do homem torturado e os escravos da nação com o
martírio de Cristo.
Bueno de Andrada descreveu a procissão fantástica e tão ela-
boradamente apresentada:
297
desse dia em diante, os lares da cidade abriram-se a hordas de fu-
gitivos. 1º
2968
Gonos. *º Poucas horas depois, uma vasta força de fazendeiros e de
capangas contratados, segundo foi informado, começara
os detendo
trens na cidade de Jundiaí e, com a autoridade co
ncedida pelo pre-
sidente provincial, fazia com que todos os passag
eiros pretos e mu-
latos descessem das carruagens para inspeção. 21
Em 12 de junho, o Correio Paulistano abrandou
um pouco a
crise com o desmentido das rebeliões de escravos, mas
acrescentou
agourentamente: “Deram-se, simplesmente, com mais frequencia,
casos de fugas de escravos que, em bandos, procuravam refugio no
municipio de Santos, onde contam com o acoutamento, mais dif-
ficil de ser alli descoberto e punido por motivos já conhecidos do
publico...” 22 O Diário de Santos também revelou relutantemente
que a população da cidade já se habituara à constante chegada de
refugiados e que grandes números destes se encontrava
m, de fato.
acampados nas vizinhanças. O jornal negava, contudo,
que tivesse
havido um súbito levante que justificasse o envio de um
a força na-
val para o porto. A vasta população fugitiva de Santos
era o resul-
tado, afirmou, de “uma lenta emigração feita surdam
ente aos pou-
cos, sem abalos e sem ruido.” 28
Queixas da imprensa contra o uso de soldados como
caçadores
de escravos e um pedido aberto para informação no
Senado causa-
ram explicações sobre a ação do governo, em meados
de junho, por
parte do novo Ministro da Agricultura, Rodrigo
da Silva. Muitos
proprietários de escravos de São Paulo, disse ele
à Câmara, haviam
concedido liberdade condicional a seus cativos,
mas a transformação
pacífica do sistema de trabalho fora interrompi
da subitamente por
uma “verdadeira gréve.” “Alliciados” por ab
olicionistas, os escravos
estavam abandonando as fazendas em massa.
“Fogem em todas as
direcções e, transportando-se nas estradas de
ferro,” disse o Minis-
tro, “vão homisiar-se na cidade de Santos,
onde consideram-se im-
munes e livres de qualquer coacção legal
por parte de seus senho-
res.” Não só o trabalho estava sendo desorg
anizado, mas a concen-
tração de fugitivos em Santos também re
presentava um “grave e
299
imminente perigo para a ordem publica e a propriedade.” Tendo
recebido pedidos de ajuda de conhecidos cidadãos de Campinas, o
governo enviara forças militares e navais “com o Intulto exclusivo
de manter a ordem publica e de tranquillizar os grandes interesses
agricolas e commerciaes ora em sobresalto.” 2*
As forças armadas, no entanto, já não eram capazes ou estavam
dispostas a deter os fugitivos. Os escravos fugitivos eram muitos e
grande parte dos soldados e oficiais já não acreditavam na legitimi-
dade da escravatura. Acima de tudo, na realidade, os cativos já co-
meçavam sentindo que sua escravidão terminara, que já podiam
abandonar seus senhores com impunidade e que outros estavam
abandonando as fazendas, não só nas redondezas ou no município
vizinho, mas também, talvez, nas fazendas de Pernambuco, Bahia
e Maranhão e, ainda, em outros locais do norte, onde muitos deles
haviam vivido. Nem mesmo a totalidade do exército brasileiro po-
deria ter forçado os escravos a permanecerem nas fazendas, disse
um membro da Assembléia Provincial de São Paulo alguns meses
mais tarde, inspirados, como estavam, em fugir e procurar a liber-
dade pela “clandestina propaganda dos emissários abolicionistas nos
centros de maior agglomeração de escravatura...” 2
Os escravos sempre haviam fugido, mas, de um modo geral,
individualmente ou em pequenos grupos, para se juntarem a grupos
maiores nas florestas ou em quilombos. Agora, porém, com uma
súbita consciência do novo estado de coisas, forças de trabalho de
fazendas, na sua totalidade, partiam para alguma floresta próxima,
para uma cidade distante ou para um destino inteiramente desco-
nhecido. A medida que iam fugindo cada vez mais, iam ganhando
poder sobre os proprietários cujos planos dependiam de seu traba-
lho. Com sua decisão de fugir das fazendas e a incapacidade dos
soldados e da polícia de detê-los, os proprietários não tinham outra
alternativa senão aceitarem uma mudança drástica no seu relacio-
namento com os escravos.
Os jornais e políticos do período atribuíram a fuga em massa
aos esforços dos abolicionistas. Fora a “ousada e astuta liderança de
Bento nesta iniciativa de fazer fugir os escravos das fazendas,” afir-
mou The Rio News, que colocara os fazendeiros de São Paulo “face
a face com a alternativa de providenciarem trabalhadores livres €
de libertarem voluntariamente seus escravos ou de não tardarem em
300
ficar sem um só homem.” 26 No entanto, mesmo sem esse encora-
jamento. os escravos teriam abandonado as fazendas em vastos nú-
meros depois do castigo corporal ter sido banido no final de 1886,
já que a tradição da fuga estava bem estabelecida e o principal obs-
táculo à fuga fora eliminado. Os escravos eram ajudados por aboli-
cionistas, que viram a deserção em massa das fazendas como a única
forma de acabar rapidamente com a escravatura, mas muitos escra-
vos abandonaram seus senhores sem o incentivo abolicionista, fazen-
do, na realidade, o que dezenas de milhares já haviam feito antes
deles e sendo encorajados por um novo clima de opinião, que deve
ter penetrado até mesmo nas fazendas mais isoladas. Bento e seus
seguidores tiveram influência no processo, mas foi a decisão pessoal
do escravo individual, multiplicada muitas vezes, que trouxe o rá-
pido fim do cativeiro brasileiro.
O FENÔMENO FAZENDEIRO-EMANCIPACIONISTA
EM SÃO PAULO
301
?
mais nem menos do que o do medo.” Apesar da ansiedade do fa-
zendeiro paulista típico já ter sido reduzida pela chegada de muitos
trabalhadores imigrantes, “ele ainda se mostra em favor de obter
tudo o que puder de seu escravo.” No entanto, um novo movimento
surgira “entre os jovens em várias partes da província,” prosseguia
o jornal americano do Rio, “que não constitui nada menos do que
ajudar os escravos a fugir. Os dois mil e tal fugitivos em Santos e
em volta da cidade são o resultado de seu trabalho e raro é o dia em
que não ajudam outros a escaparem.” Estes emancipacionistas
eram jovens de posição e influência “que não se assustam com
ameaças ou a interferência da polícia...” Eram tão numerosos
quanto bem organizados e, assim, os proprietários de escravos tinham
concluído que a melhor solução seria “comprarem a imunidade, li-
bertando seus escravos sob condições de serviço por um período
limitado.” São Paulo, pensava Lamoureux, seria uma província livre
“antes de ter tempo para considerar a ousadia do plano que está
sendo realizado.” 28
Os fazendeiros da comunidade do café de Campinas, que não
se haviam mostrado dispostos a juntarem-se ao movimento de liber-
tação até que muitos de seus escravos já os tinham abandonado, re-
uniram-se, finalmente, no final de agosto e início de setembro, para
discutirem a libertação. Um dos resultados dessas reuniões foi uma
declaração publicada que incitava à libertação provisória de escra-
vos. O problema da extinção da escravatura, dizia essa declaração,
seria melhor solucionado e mais rapidamente pelos próprios fazen-
deiros. 4 primeira preocupação da agricultura era a estabilidade da
jorça de trabalho, que estava sendo rapidamente induzida a fugir.
Se não fossem feitas concessões imediatamente, os escravos e os li-
bertos continuariam abandonando seu trabalho, visto que, com a
mudança do clima moral, a polícia já não os podia deter. Os pro-
prietários já não contavam com o apoio da opinião pública e as
pessoas que não possuíam escravos olhavam com indiferença
a fuga
dos cativos. Se os escravos fossem libertados com a condição de tra-
balharem por mais algum tempo, seria possível confiar nas autori-
dades locais no que se referia a fazê-los trabalhar. Um espírito de
ordem pública não permitiria que intrusos induzissem homens “li-
vres” a fugir.
Concordando com estes princípios, os fazend
eiros de Campinas
resolveram, em 4 de setembro, concede T a liberdade condiciona
l a
302
E
.
ta
doa
1
Se
Ewe
“
seus escravos com a obrigação de que estes os servissem até o final
de 1890, um período de mais de três anos. Além disto, prepararam
uma petição à Câmara Municipal no sentido de legislar regulamen-
tos impondo termos de prisão de um ou dois meses a pe que
induzissem os libertos a esquecer suas obrigações de trabalho.2º
Enquanto os fazendeiros de toda a província de São Paulo con-
tinuavam concedendo a emancipação condicional e os escravos per-
sistiam em ganhar a liberdade total, os principais líderes políticos
da província convertiam-se subitamente ao abolicionismo. A mais
espetacular mudança de coração foi a do próprio Antônio Prado,
incessante alvo dos insultos abolicionistas e autor do infamante “Re-
gulmento Negro”, um “novo Jefferson Davis” não muitos meses
antes, nas palavras do jornal abolicionista Gazeta da Tarde.* O
mergulho de Prado no movimento de libertação, que, segundo Na-
buco, quebrou a sólida resistência que o sul opunha à abolição, *
ocorreu no Senado em 13 de setembro. Nesse dia, Prado denunciou
uma petição à Câmara, assinada pelos fazendeiros de Campinas,
pedindo medidas enérgicas para forçar o regresso de muitos dos es-
cravos da comunidade que se haviam refugiado em Santos. Tendo
prometido algumas semanas antes libertar todos os seus escravos no
final de 1889, Prado comparou a continuação das dificuldades de
alguns fazendeiros de Campinas, que haviam sido relutantes em l-
bertarem seus escravos, com a situação, muito melhor, de outros
fazendeiros de São Paulo que já o haviam feito e estavam contra-
tando trabalhadores livres, concluindo que a agitação na sua pro-
víncia só poderia acabar com a manumissão provisória. O próprio
governo, advertiu ele, teria de considerar eventualmente uma nova
reforma da escravatura ou, então, perderia seu apoio. º2
O Barão de Cotegipe respondeu-lhe com elogios aos fazendeiros
que concediam a liberdade provisória, mas recordou a seu novo
oponente que nem todos os proprietários de escravos se encontra-
vam nas mesmas circunstâncias. Quatro dias mais tarde, o Senador
João Alfredo Correia de Oliveira, um conservador preeminente de
Pernambuco juntou-se à defecção de Prado. Qualquer projeto para
abolir a escravatura, anunciou ele no Senado, “especialmente se
303
fosse a ultima palavra sobre o assunto”, teria seu sincer
o e dedicado
apoio. *? a .
O Partido Conservador, quase monolítico na questão da escra-
vatura desde os tempos de Rio Branco, fora, finalmente, dividido
de um modo muito severo — tal como o Partido Liberal o fora
antes dele — por diversidade de circunstâncias nas províncias. Con-
forme a Gazeta da Tarde comentou, Cotegipe não podia concorda
r
com seus dois amigos de ontem (Prado e João Alíredo)
porque fazer
isso perder-lhe-ia o importante apoio de Paulino de Souza e outros
líderes políticos da província do Rio de Janeiro. 34 Havia, até, um
certo humor na situação. Comentando sobre as atitud
es tão rapi-
damente cambiantes de políticos como Antônio Prado,
um jornal
do Rio Grande do Sul fez a previsão, no final de setemb
ro, de que
“qualquer dia, veremos o Sr. Andrade Figueira faz
er conferências
no Polytheama, ao lado dos Srs. José do Patrocinio, Ruy Barbosa
e Joaquim Nabuco.” 8 Assim, a nova situação
em São Paulo trou-
xera Antônio Prado, antigamente um dos mais
notórios políticos
pró-escravatura das províncias do café, para
as fileiras dos eman-
cipacionistas. Mas Prado não estava só, As nov
as atitudes dos fa-
zendeiros paulistas refletiram-se num projeto
legislativo que outro
senador dessa província, Floriano de Godoy, int
roduziu na câmara
alta no final de setembro. Este projeto “radical”
teria abolido ime-
diatamente a escravatura em todo o Império, mas
obrigava os liber-
tos a trabalharem para seus senhores por mais
três anos. Certas
cláusulas adicionais tinham por objetivo impor
a obrigação de tra-
balho por meio de sentenças de prisão e de pesada
s multas aplicadas
aos libertos que não cumprissem com seu dev
er e a pessoas que
os encoraja ssem a abandonar seus locais de trabalho
—
uma solução
muito semelhante à decidida pelos fazendeir
os de Campinas. 38
O emancipacionismo dos fazendeiros, no ent
anto, não satisfez
os escravos, que continuaram abandonando
as fazendas em busca
de uma liberdade imediata, conscientes de que
ção era “apenas
a prometida liberta-
um logro para demorá-los na escravidão”
do em que as circunstâncias já os teriam num perío-
libertado dessa condição. 3%
O êxodo em massa, inevitavelmente,
concessões ainda maiores por par
tro uxe violência, seguida por
te dos fazendeiros de São Paulo,
38 Barão de Cotegipe, Fuga de escravos em
1887), páginas 5-6: Annaes do Campinas (Rio de Janeiro,
Senado (1887), V RE ado
34 Gazeta da Tarde, 21 de setembro de 1887 * 229. Grifo acrescenta
5 Correio Mercantil, Pelota
36 Godoy, O elemento servils, 23 de setembro de 1
, páginas 33-34, eai
87 Bastide e Fernandes, Br E
ancos e negros, página
51,
304
cujo interesse em restaurar a ordem era uma consideração muito
poderosa nos últimos meses de 1887.
Em meados de outubro, cerca de 150 homens, mulheres e crian-
ças, armados com pistolas, facas e machados, fugiram de uma fa-
zenda no município de Capivarí, perto da cidade de Itu, chefiados
por um negro chamado Pio. A batalha que se seguiu contra a polí-
cia, que causou a morte de um dos perseguidores e muitos feridos
de ambos os lados, terminou com uma vitória para os escravos, que
dominaram seus oponentes, os despiram e espancaram. Relatórios
telegráficos frenéticos sobre o incidente convenceram o governo cen-
tral da necessidade de enviar mais uma unidade do exército para
a turbulenta província de São Paulo e, assim, cingiienta homens fo-
ram destacados para a sitiada cidade de Itu. Contudo, antes dos solda-
dos terem alcançado a cena do incidente, o bando de fugitivos já
deixara a cidade, a caminho de Santos, atravessando-a calmamente
e sem ofensa a seus assustados habitantes. Tendo recebido ordens
para capturar os fugitivos, vivos ou mortos, e para bloquear seu
acesso a Santos por quaisquer meios, uma força armada colocou-se
numa posição em Cubatão na estrada que conduzia ao porto. Alguns
dias mais tarde, tendo perdido pelo menos um de seus homens, o
destacamento regressou à capital provincial com treze dos fugitivos
,
que se haviam rendido devido à falta de alimento. A maioria
dos
outros, porém, “caçados como feras”, haviam sido mortos “sem pie-
dade” ou tinham-se refugiado nas florestas vizinhas, e um telegr
ama
de Santos informou que trinta escravos de Capivarí haviam
chegado
à cidade “sãos e salvos” e que “um grande banquete abolicionista”
fora realizado no vizinho quilombo de Jabaquara. * Também se
verificou um surto de violência na cidade de São Paulo em out
ubro
quando a polícia teve um choque com negros reunidos para
um
festival na igreja de São Francisco. No dia seguinte, várias
pessoas
brandindo cacetes atacaram a polícia, enquanto negros,
gritando
“Morte aos escravagistas!” e louvando a liberdade, apedrejaram
os
soldados que guardavam a entrada do palácio governamental. 3º
Os acontecimentos em São Paulo fizeram com que mais um
poderoso grupo político retirasse seu apoio ao sistema escravocrata,
um apoio que, de resto, só fora dado com relutância. O Paiz infor-
305
mou, em 25 de outubro, poucos dias após o Incidente em Itu, de
que o Marechal Deodoro da Fonseca, presidente do poderoso Club
Militar, apresentaria uma petição ao General Comandante do Exér-
cito para entrega à Princesa Isabel, então atuando como Regente,
E
durante a ausência de seu pai na Europa. A mensagem, publicada
nesse mesmo dia em O Paiz, pedia à princesa que poupasse o exér-
cito da humilhante tarefa de perseguir escravos fugitivos. Sancio-
nada pelos membros do Club Militar, a petição salientava a boa
vontade do exército em manter a ordem no caso de revoltas de es-
cravos, mas pedia respeitosamente que os soldados não fossem des-
tacados para capturar escravos que fugiam pacificamente dos hor-
rores da escravidão. “0
O General Comandante recusou-se a entregar a petição à Prin-
cesa devido a razões técnicas, mas a posição dos oficiais foi ampla-
mente divulgada. Os soldados continuaram sendo enviados para lo-
cais onde os escravos andavam fugidos, mas não receavam manifes-
tar sua má vontade em capturar fugitivos. O comandante de uma
unidade do exército enviada para uma comunidade da província de
são Paulo no início de 1888 concordou com manter a ordem, mas
declinou abertamente capturar escravos. Uma força destacada para
a cidade de Araras, na mesma província, também no início de 1888,
juntou-se aos caçadores de escravos e capangas armados, que blo-
queavam as estradas e detinham trens em busca de fugitivos, mas
os soldados deram a conhecer sua repugnância por uma tal missão. “!
Alguns oficiais não simpatizvam com o abolicionismo, mas o papel
do caçador de escravos era perigoso, pouco popular, inglório e cres-
centemente fútil; assim, qualquer esperança de que os militares
apolassem vigorosamente o sistema escravocrata já se esvaíra nos
meses finais de 1887. &2
No final de novembro e início de dezembro, a agitação parecia
aumentar em São Paulo. Os jornais publicavam relatos cotidianos
de escravos abandonando fazendas, alguns deles armados. Em cer-
tos pontos, os fugitivos saqueavam e assaltavam nas estradas, re-
cusando trabalhar. As unidades do exército enviadas para controlá-
E,
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Jos nada fizeram. Em 22 de novembro, o Barão de Serra Negra li-
bertou mais de quatrocentos escravos com contratos de três anos,
esperando, sem dúvida, que isto contentasse suas exigências e os
conservasse pacificamente no trabalho, mas três semanas mais tarde
esses escravos estavam cercando a “casa de morada” e o próprio ba-
rão só conseguiu escapar com vida devido à ajuda de “escravos
fiéis”, que repeliram o ataque dos rebeldes. “8
Em resposta à crescente agitação, os líderes políticos de São
Paulo começaram planejando uma transformação completa do sis-
tema de trabalho nos últimos meses de 1887. As mudanças previstas
incluíam melhorias nas condições de trabalho e de vida, bem como
a concessão de salários — tudo para o propósito de manter os es-
cravos no trabalho. O Correio Paulistano tomou a iniciativa em 11
de novembro, recomendando que os fazendeiros se ajustassem às
novas condições, para seu próprio benefício. Seria melhor. pergun-
tou o jornal de Prado, que os fazendeiros conservassem o sistema
de trabalho não remunerado e vissem suas fazendas vazias de es-
cravos ou que concedessem salários a seus trabalhadores e assegu-
rassem sua presença? * Dois dias depois deste artigo ser publicado,
cerca de vinte plantadores de café preeminentes, incluindo Tepresen-
tantes dos três principais partidos políticos, donos de um total de
2.500 escravos, concordaram com estabelecer uma sociedade de fa-
zendeiros para o propósito específico de promover a emancipação
de todos os escravos na província até dezembro de 1890. Tendo-se
reunido na capital provincial, nomearam uma comissão de cinco
membros, incluindo Antônio Prado, para que preparasse os estatu-
tos da nova organização, com um comício público tendo sido mar-
cado para 15 de dezembro para o estabelecimento definitivo “da
grande associação libertadora da província.” 4
A medida que os dias passavam, ia-se tornando mais aparente
que a sociedade de emancipação dos fazendeiros tencionava efetuar
mudanças significantes nas condições dos trabalhadores das fazen-
das. Em 27 de novembro, o Correio Paulistano propôs um curso de
ação que incluía não só a liberdade condicional (com o período de
trabalho não excedendo três anos), mas também a “fixação
de um
salário módico, desde já” a ser pago aos libertos que permaneces-
sem pacificamente no trabalho durante a totalidade do período de
307
serviço adicional. Pedindo um sistema de trabalho compatível com
a condição do trabalhador livre, o órgão do Partido Conservador
advertiu que as reformas teriam de vir depressa “antes que o exem-
plo das fugas bem succedidas possa influir no animo dos escravos
das fazendas dos municipios vizinhos.” “8
Conforme programado, em 15 de dezembro, mais de 50 fazen-
deiros e os representantes de pelo menos outros 156 — os proprie-
tários de quase 7 mil escravos — reuniram-se em São Paulo. O
jornal de Prado deu uma lista de 199 nomes de pessoas que assina-
ram o livro de inscrição como membro da sociedade, 24 dos quais
tinham um total de 2.755 escravos. A lista incluía muitos repre-
sentantes das poderosas famílias Souza Queiroz, Prado e Barros. £
Um dos principais objetivos do comício era tornar o público e tal.
vez até os próprios escravos conscientes de que os senhores se esta-
vam reunindo para discutir a emancipação e, assim, as conferências
foram abertas ao público. A nova sociedade tinha dois objetivos pri-
mordiais, segundo o principal orador, Antônio Prado: a emancipa-
ção de todos os escravos da província de São Paulo até o final de
1890 e a modificação do sistema de mão-de-obra agrícola nas fazen-
das, a fim de assegurar que os libertos permanecessem no trabalho
pelo menos durante o período de transição da escravidão para o
trabalho livre incondicional.
A única fonte de conflito entre os proprietários presentes era
se a emancipação seria total e imediata ou provisória. Campos Sales
e alguns de seus seguidores favoreciam a emancipação imediata.
Prado, contudo, argumentou que obrigar os escravos a trabalharem
durante um período adicional constituía uma política flexível. Se as
circunstâncias econômicas ou outras mudanças imprevistas exigis-
sem um período mais curto ou até a emancipação imediata e sem
condições, “os nossos esforços convergerão para esse objectivo.” Um
dos propósitos mais importantes da organização era, de fato, pro-
mover a liberdade de todos os escravos da província através do ins-
trumento da propaganda organizada.
Segundo Prado, conservar os libertos nas fazendas e evitar a
desordem pública geral eram as principais preocupações dos fazen-
deiros de São Paulo e os mais importantes objetivos da nova associa-
ção, recomendando as maneiras de alcançar essas metas. A mera
concessão de liberdade, condicional ou absoluta, não resolvia só
308
por si os problemas econômicos dos fazendeiros, disse Prado. A liber-
tação sem concessões adicionais “não assegura a permanência do
trabalho do liberto.” O desejo de direitos de homens livres, que os
trabalhadores manifestavam por meio de sua fuga, era natural e a
razão, por conseguinte, aconselhava a conceder essas prerrogativas:
“Retribuindo-lhe o trabalho pelo salario e modificando o regimen,
e diminuindo-lhe as horas de trabalho, abolindo completamente os
castigos, dando-lhe melhor alimentação e melhor vestuario, deixan-
do-o, enfim, de considerar como uma simples machina de trabalho.”
Para obter a necessária reforma econômica e social sem de-
sordem e sacrifício econômicos, advertiu Prado, seriam necessárias
prudência e firmeza. A alternativa para esta ação seria mais desor-
dem e talvez até dificuldades insuperáveis. Nas circunstâncias, seria
uma loucura, advertiu ele, para o fazendeiro
309
inscrito seus nomes no livro da sociedade de emancipação apressa-
ram-se a fazê-lo. Muitos dos fazendeiros da região oeste da provín-
cia de São Paulo concordaram com aquilo que fora estabelecido pela
sociedade e todos os proprietários do município de Jaú, no nordeste
da província, decidiram imediatamente libertar todos seus escravos
em 1889. Nos dias seguintes à reunião, os jornais do Rio publicaram
muitos telegramas de São Paulo, relatando o rápido progresso do
movimento de libertação. “º
Apesar da campanha para a emancipação ter provocado críticas
e até divisões dentro do Partido Conservador paulista, a emergência
converteu até mesmo teimosos como Moreira de Barros à solução
de Antônio Prado. Como os escravos persistiam em abandonar
as
fazendas, os proprietários começaram dando instruções aos capata-
zes para que lhes permitissem mover-se em liberdade, esperando
que
os trabalhadores, já sem restrições, regressariam ou que os
escravos
de outras fazendas, famintos e cansados de caminhar, apareceriam
em busca de emprego remunerado. Nas semanas que se seguiram
à
reunião de 15 de dezembro, os trens continuavam sendo
detidos e
revistados, com os escravos fugitivos sendo procurados,
mas, em
certos casos, apenas para lhes oferecer trabalho remunerado
em
fazendas.
Desesperados por trabalhadores, os fazendeiros estavam até dis-
postos a negociar com Antônio Bento “para o emprego de fugitivos
a um preço justo”. Bueno de Andrada descreveu esse arranjo, que
foi concebido depois das cidades de Santos e de São Paulo est
arem
invadidas por fugitivos desempregados:
310
Ps ess fuf*
= ea
dagilale
trad
Da É,
os plantadores de café, é claro, este arranjo era vantajoso
, já que,
a 400 reis por dia, talvez mesmo uma escala temporária de
salário,
a renda anual do trabalhador recentemente libertado era mai
s ou
menos o equivalente do valor de três sacas de café, talvez um
oitavo
da sua capacidade produtiva.
Durante algumas semanas em dezembro e janeiro, houve razões
para duvidar do sucesso do emancipacionismo dos fazendeiros, mas,
em fevereiro, já era aparente que estava funcionando conforme pre-
visto. Muitos dos libertos e fugitivos estavam regressando ao tra-
balho ou encontrando emprego assalariado em fazendas de outros
lugares, com um município, segundo foi alegado, tendo feito a tran-
sição para o trabalho livre sem a perda de um só trabalhador. Os
fazendeiros, na sua maioria, haviam aceito a solução de Prado, mas
aqueles que não o fizeram encontraram-se com suas roças inteira-
mente desertas. 51
Muitos dos proprietários libertaram seus escravos com a condi-
ção de que eles só ajudariam durante a próxima colheita e alguns
não estabeleceram condições algumas. Numa fazenda de Campinas,
os proprietários libertaram seus escravos incondicionalmente, ofere-
cendo-lhes vantagens iguais às dos novos trabalhadores italianos. Isto,
segundo o novo jornal diário de José do Patrocínio, Cidade do Rio,
trouxe manifestações de alegria por parte de todos os libertos, que
declararam imediatamente sua decisão de ficarem na fazenda e pedi-
ram a autorização para adotarem o nome Carvalho, “em signal de
eterna gratidão para com os ex-senhores.” Seguiu-se uma festa e
os fazendeiros, Leôncio e o Dr. França Carvalho, “foram muito
victoriados pelos libertos e immigrantes italianos.” 52
Apesar de tais exemplos de cordialidade, a província de São
Paulo não foi poupada de violência nos últimos meses da escrava-
tura. *%º No começo de janeiro de 1888, quando um grupo de liber-
tos fugitivos estavam sendo levados para a cidade de Piracicaba.
depois de terem sido retirados de um trem, foram salvos no seu
destino por uma multidão de simpatizantes e seus guardas foram
31!
muito maltratados na luta. No dia seguinte, mais de mil negros
percorreram as ruas da cidade, provocando desordens. Houve troca
de tiros € algumas pessoas foram feridas. Em Campinas, os abolicio-
nistas que perturbavam o trabalho dos caçadores de fugitivos foram
dispersados pela polícia, mas atacaram, depois, uma prisão local e
trocaram tiros com a polícia até altas horas da noite. >!
Um dos piores incidentes envolveu dois norte-americanos, James
Ox Warne e John Jackson Clink, veteranos do Exército Confedera-
do dos Estados Unidos, que haviam emigrado para o Brasil, como o
tinham feito muitos sulistas depois da Guerra Civil. Em meados de
fevereiro de 1868, Warne e Clink convenceram os fazendeiros da
cidade de Penha do Rio do Peixe a vingarem-se de um delegado da
polícia local que se recusara a capturar fugitivos, incitando-os com
insinuações de superioridade do norte. Os brasileiros têm “sangue
de barata”, foi o que, segundo uma acusação, mais tarde, Clink dis-
sera à multidão. Pedindo “rios de sangue,” esse norte-americano
afirmou que “ em qualquer outro paiz”, os acontecimentos como
os que estavam ocorrendo no Brasil teriam provocado uma revolu-
ção. Incitados por esta invectiva, cento e quarenta fazendeiros e
capangas invadiram a casa do funcionário da polícia depois da noite
cair e “mataram-no a sangue frio.” Uma testemunha afirmou, mais
tarde, que Warne “parecia tomado de furia louca... chegando até,
depois de inanimada a victima, a esporeál-a com phrenesi...” 5
Tais atrocidades foram excepcionais. Uma certa violência acom-
panhou a libertação de mais de cem mil escravos na província de
São Paulo, mas essa libertação foi realizada com alguma boa vontade
e tolerância de ambos os lados. Um importante levante social trans-
formara o sistema de trabalho da província em poucos meses com
pouca perda de vidas e de propriedade, em parte devido à oportuna
chegada dos imigrantes italianos. Sua chegada, contudo, foi menos
importante como uma causa do emancipacionismo dos fazendeiros
do que como uma solução feliz para a súbita crise de mão-de-obra,
que não se esperara ocorrer antes de mais cinco ou dez anos. Apesar
dos dois acontecimentos estarem ligados entre si, foi a fuga dos
escravos, mais do que a chegada dos italianos, que convenceu, final-
312
mente, os senhores de São Paulo de que o momento da libertação
já chegara. 8 Os proprietários de escravos ainda não estavam pron-
tos para efetuar uma rápida transição para o trabalho livre e hesi-
taram ou concederam liberdade condicional, enquanto, ao mesmo
tempo, pediam a ajuda do governo central para restauração da
ordem e do sistema de trabalho. Só quando compreenderam — e
chegaram a essa conclusão muito relutantemente — que nada, a
não ser a libertação total, solucionaria seu problema é que se con-
verteram inteiramente ao abolicionismo. Este, contudo, foi um tipo
de abolição muito diferente daquele que fora imaginado por Luiz
Gama, Antônio Bento ou Joaquim Nabuco. Tal como um autor
brasileiro moderno explicou, o emancipacionismo dos fazendeiros
de São Paulo não foi um ato de generosidade, mas sim uma tentativa
de defender interesses econômicos ameaçados, um esforço (e, sem
dúvida, bem sucedido) para apanhar as migalhas de um sistema em
desintegração. º*
313
inevitável fim da escravatura, o jovem Prado ajudara a organizar a
Sociedade Promotora de Immigração. Esta era uma associação bem
financiada que se beneficiava da cooperação do presidente provin-
cial e cuja intenção era solucionar a crise vindoura de mão-de-obra
através de um esforço sério na promoção da imigração. Cerca do
final de 1886, Martinho Prado já se estava preparando para publicar
sessenta mil exemplares de um folheto em italiano, alemão e por-
tuguês que tinha por fim dar aos possíveis imigrantes da Europa
algum conhecimento de São Paulo e de seus atrativos, um projeto
amplamente subsidiado pelo Tesouro Nacional através de uma verba
autorizada por Antônio Prado. 5º Tendo viajado para a Europa, Mar-
tinho Prado convencera o governo italiano das intenções
sérias da
Sociedade Promotora e incitara pessoalmente os italianos a viaja-
rem para São Paulo. %º Os diretores da nova sociedade de imigração
usaram sua influência para obter um contrato do governo provin-
cial para transportarem imigrantes para o Brasil e a Companhia
Paulista de Estradas de Ferro (uma companhia da qual Martinho
Prado era sócio) concordou com dar-lhes transporte de graça, por
terra, até às comunidades das fazendas. 81
Em agosto de 1886, sem quaisquer facilidades no porto de San-
tos para os recém-chegados, os italianos tinham de dormir nas ruas
mas, em junho de 1887, novos imigrantes, estes mais afortunados,
Já eram alojados numa hospedaria do governo construída para esse
fim, onde mais de mil imigrantes encontraram um abrigo tempo-
rário durante as duas semanas após sua inauguração. Mais ou me-
nos nessa época, o governo brasileiro ordenou a construção de ou-
tra hospedaria para imigrantes em Ribeirão Preto, no extremo norte
da província, perto do terminal da estrada de ferro paulista. Em
meados de 1887, quando os escravos fugitivos desciam das terras
altas da província de São Paulo para procurarem refúgio na cidade-
favela de Jabaquara, junto a Santos, os imigrantes italianos estavam
314
partindo de sua moderna hospedaria para fixarem residência nas
fazendas abandonadas recentemente pelos fugitivos negros.
Enquanto a crise da escravatura piorou, o número de italianos
que chegavam para trabalhar nas fazendas aumentava. A fim de
apressar sua rápida absorção na economia, a Sociedade Promotora
começou, em julho de 1887, a publicar anúncios diários no Correio
Paulistano para informar os plantadores de café de sua concessão
e pedir-lhes que apresentassem seus pedidos de trabalhadores direta-
mente à organização, com suas necessidades sendo servidas pela
ordem da recepção dos pedidos. Estes anúncios eram assinados por
Martinho Prado Jr., Nicolão de Souza Queiroz e Raphael A. Paes
de Barros, representantes de três poderosas famílias paulistas. A mui-
to bem sucedida Sociedade Promotora ajudou a aumentar o nível
da imigração para São Paulo de 6.500 em 1885 para mais de 32 mil
imigrantes em 1887, tornando mais aceitável para os plantadores de
café, sem dúvida a drástica solução para o problema da escravatura.
Em março de 1888, a Assembléia Provincial de São Paulo concedeu
um monopólio de quinze anos à Companhia Nacional de Navegação
a Vapor entre o Brasil e a Europa para contratar e transportar imi-
grantes da Europa para São Paulo. Nesse mesmo ano, mais de 90
mil europeus entraram na província, um número que não estava
muito longe dos 107.329 escravos que haviam sido registrados nessa
província em 1887. Com esta chegada de imigrantes, a produção de
café depressa voltou aos seus níveis anteriores e, depois, aumentou
muito de maneira a criar um problema de produção excessiva. 8
315
fora erradicada em municípios inteiros e, em outros, o número de
escravos que ainda era insignificante. A agricultura quase não fora
perturbada; a confiança era grande. Os libertos estavam trabalhando
e, ao contrário do que se afirmara, não haviam invadido as cida-
des. $! Os fazendeiros estavam morando nas suas fazendas, com suas
famílias, numa segurança completa, enquanto as safras de café e de
cereais cresciam e amadureciam em sua volta. As estradas de ferro
estavam funcionando normalmente e novas linhas estavam sendo
planejadas. Novos bancos eram abertos e concediam crédito. Os imi-
grantes chegavam aos milhares e encontravam trabalho. A tarefa
da emancipação não detera a marcha do progresso em São Paulo. %
Observando os resultados da transformação, até mesmo os mais
persistentes escravagistas Iam-se tornando propagandistas da liberda-
de. Em março, um fazendeiro de São Paulo que, antes, fora muito
teimoso declarou numa carta a um amigo que, ao contrário do que
julgara, a emancipação não causara escassez de trabalhadores nas
propriedades agrícolas. O mês de fevereiro fora um período de amar-
gura e terror em São Paulo, já que quatro quintos das fazendas
estavam abandonados, “procurando os negros as cidades, ou allicia-
dores malévolos.” Lentamente, contudo, os antigos escravos haviam
voltado ao trabalho e, em março, já estavam todos “mais ou menos
arrumados.” As perdas materiais não seriam grandes, afirmou ele,
não sendo de esperar que houvesse escassez de mão-de-obra.
Deves lembar-te que o meu grande argumento de escravista era que o corpo
escravo era o unico com que podiamos contar para o trabalho constante e
indispensavel do agricultor, (prosseguiu este fazendeiro otimista), e que se
este pudesse contar sempre com trabalhadores livres, de boa vontade sacri-
ficaria o escravo... Pois bem, os teus patricios que percam este receio.
Trabalhadores não faltam a quem os sabe procurar. Primeiramente, temos
os proprios escravos, que não se derretem e nem desapparecem, e que
precisam de viver e de alimentar-se, e, portanto, de trabalhar, cousa que
elles comprehendem em breve prazo. Depois, temos um corpo enorme
de trabalhadores, com que não contavamos. Não alludo ao imigrante que
felizmente hoje nos procura com abundancia, alludo ao brazileiro, preguiçoso
hontem e vivendo das aparas do serviço escravo e da benevolencia do pro-
prietario rural, ao qual fazia a corte na qualidade de aggregado, capanga
ou outra qualquer cousa. Este brazileiro lança-se hoje valentemente ao tra-
balho, ou porque este se nobilitasse com a liberdade, ou porque lhe tivessem
faltado aquelles recursos anteriores. E o que aqui estamos vendo... Muita
316
gente, que vivia de quatro pés de feijão e de uma quarta de milho, entra
hoje no serviço do cafezal e do terreiro com satisfação, e os que tenho
recebido accomodam-se perfeitamente nas antigas salas dos eseravos.
317
Paulo fizeram os ajustes necessários e, com grande surpresa sua,
verificaram que haviam sido bem sucedidos, facilmente, em resta-
belecer o controle sobre sua força de trabalho e sua economia. Os
milhares de escravos que tinham fugido e, depois, regressado ao tra-
balho em troca de pagamento ou uma parte da safra, os abolicio-
nistas, especialmente Antônio Bento e os caifazes, os fazendeiros e
seus líderes, nomeadamente Antônio Prado, todos eles foram res-
ponsáveis, embora por razões diferentes, pelo súbito colapso da
escravatura em São Paulo e, assim, pelo seu rápido fim em todo
o Brasil. São Paulo foi tardia, entre as províncias, em juntar-se às
fileiras abolicionistas, mas sua súbita mudança significou a rápida
conversão da maioria das outras províncias retardatárias. O colapso
começou, então, nessas outras províncias: na Bahia, Pernambuco,
Minas Gerais e, em graus diferentes, em todas as províncias onde
ainda havia escravos, incluindo a do Rio de Janeiro. Deste modo,
quando os políticos se voltaram a encontrar de novo na capital,
a 3 de maio de 1888, para a inauguração da nova sessão legislativa,
sua primeira e mais importante tarefa foi aprovar um projeto de
lei que confirmasse a queda de facto do sistema da escravatura e
restaurasse a ordem na nação.
Ma
es
.—-—
318
Áristocracia territorial e Plutocracia;
riqueza e prestigio; tudo foi vencido pela Propaganda,
sem outras armas alem da palavra e da Imprensa...
Fizemo-nos emprezarios de espectaculos para o publico
a 500 réis por pessoa; varremos theatros e pregamos cartazes;
eramos simultaneamente redactores, reporters, revisores e
distribuidores; leiloeiros nas kermesses;
propagandistas por toda a parte,
nas ruas, nos cafés, nos theatros,
nas estradas de ferro e até nos cemiterios,
junto aos tumulos de Paranhos, de Ferreira de
Menezes, de Luiz Gama e de
José Bonifacio.
17
ABOLIÇÃO
319
vizinhos, nas províncias de São Paulo e Minas Gerais, e mais alguns
retardatários espalhados por grande parte do país. A principal ques-
tão ainda aberta a debate em março de 1888 era a indenização, que
seria pedida, por certo, por muitos senhores que mantinham seu
direito legal aos escravos e ainda esperavam salvar alguma coisa
das ruínas do sistema. Estes poucos problemas e controvérsias, con-
tudo, viriam a ser varridos pelo colapso da escravatura e pelo desejo
generalizado de uma solução sem compromissos para toda a questão.
Desde a passagem da lei proibindo o castigo corporal em esta-
belecimentos públicos, o regime Cotegipe tivera uma ação desele-
gante na questão da escravatura. Auxiliado pelo chefe da polícia do
Rio de Janeiro, o Dr. João Coelho Bastos, o governo realizara uma
campanha de repressão tanto contra os escravos fugitivos quanto
contra o movimento abolicionista. Recusando-se revogar o “Regu-
lamento Negro”, o governo permitira que os agentes de Coelho Bas-
tos enviassem abertamente fugitivos, da capital, para seus senhores
na província do Rio de Janeiro.! Em agosto de 1887, o Ministro
da Agricultura, Rodrigo da Silva, sucessor de Antônio Prado, che-
gara a uma decisão sobre os registros de escravos que, alegadamente,
reescravizaram 13 mil pessoas na região de Campos, na província
de Rio de Janeiro, provocando uma onda de protestos que causou
a proibição ilegal de reuniões públicas e violências nas ruas e pra-
ças do Rio.
Pouco depois do público ter tomado conhecimento desta pouco
popular decisão, um comício de protesto foi organizado no Teatro
Polytheama, mas foi sabotado por bombas explosivas e “capoeiras
contratados”, usando camisas da polícia, brandindo navalhas e cace-
tes e vacilando, rodopiando e pulando no tradicional estilo ameaça-
dor da capoeira. No dia seguinte, Coelho Bastos publicou uma or-
dem policial, proibindo reuniões e comícios em edifícios públicos de
noite, tendo ameaçado impedir essas reuniões pela força. Um dia
mais tarde, verificou-se um choque entre os abolicionistas e a polícia
no Campo da Acclamação, quando as autoridades tentavam impedir
um comício abolicionista que tinha por objetivo desafiar a ordem
do governo. Nessa mesma noite, outro choque ocorreu diante da reda-
ção da Gazeta da Tarde e vários outros atos de brutalidade pela po-
lícia foram registrados em outros pontos da cidade. Apesar do Se-
nado ter repelido a decisão que criara esta explosão de indignação
pública, o ministério de Cotegipe recusou-se a deixar-se influenciar
320 pio)
por um voto adverso €, depois, fez o necessário para obter um voto
de confiança da condescendente Câmara dos Deputados. 2
Cerca do final de agosto, perto de dois mil abolicionistas desa-
fiaram de novo a proibição de comícios públicos com uma reunião
no Teatro Polytheama, onde o regime de Cotegipe foi denunciado
como “um ultraje á dignidade do poder publico e á honra da nação
brazileira.” 3 Apesar de abandonado pelo sentimento nacional e até
mesmo por poderosos membros do seu próprio partido, o ministério
Cotegipe permaneceu desafiador. O mais sério abuso de direitos
públicos verificou-se em outubro e novembro na região de cana-de-
açúcar de Campos, na parte leste da província do Rio de Janeiro,
onde atos de violência e terror foram levados a cabo por autoridades
provinciais com a aparente aprovação do governo nacional.
Uma reunião abolicionista fora dissolvida violentamente em Cam-
pos no início de 1887 e, pouco depois disso, campos de cana-de-
açúcar haviam sido queimados, talvez como represália. * Isto foi
apenas um prelúdio à violência de outubro e novembro, causada por
greves dos escravos e fugas maciças para Campos, onde, segundo
se alegou, encontravam refúgio aos milhares. º Para impedir as gre-
ves e o abandono das fazendas de cana-de-açúcar, uma grande força
policial foi enviada para as propriedades da região em medos de
outubro, a fim de acompanhar os cativos durante todas as atividades
do dia. $ Não muito depois disto — em 25 de outubro — a polícia
provincial, sob o comando de um tal Capitão Fernando, iniciou uma
campanha de repressão violenta do movimento abolicionista de Cam-
pos com um ataque à redação do jornal Vinte e Cinco de Março, o
porta-voz do movimento antiescravatura em Campos, editado por
Carlos de Lacerda. Sob ordens do chefe da polícia provincial, ho-
mens mascarados venceram a resistência armada, destruíram a im-
pressora e os móveis e lançaram o equipamento pelas janelas. No
mesmo dia, vários abolicionistas foram detidos em suas casas e fica-
ram presos, incomunicáveis, enquanto o Capitão Fernando anuncia-
va sua intenção de liquidar o movimento antiescravatura local. Te-
legramas sensacionais de Campos, pubicados sem comentários na
Gazeta da Tarde, referiram-se a soldados saqueadores disparando suas
321
armas e atacando pessoas com suas espadas, Carlos de Lacerda es-
condera-se e, depois, apareceu no Rio, mas a polícia provincial pro-
curava-o, com ameaças a sua vida. Na manhã de 26 de outubro, a
redação do Vinte e Cinco de Março, demolida e abandonada, foi cer-
cada por uma força de cavalaria, por policiais e capangas, que, se-
gundo uma descrição na imprensa, tencionavam levantar o assoalho
em busca de esconderijos de escravos fugitivos. 7 Na manhã seguinte,
os policiais apareceram diante da redação do jornal republicano Ga-
ceta do Povo para provocar os ocupantes do edifício e, pouco depois,
invadiram a oficina, destruindo sua impressora. Tendo fechado tem-
porariamente, a Gazeta do Povo depressa voltou a ser publicada com
equipamento emprestado, mas a perseguição policial a seu pessoal
continuou até novembro. 8
No segundo dia desse mês, de madrugada, um grupo de cerca
de sessenta escravos aproximou-se da cidade de Campos, vindo da
margem norte do Rio Paraíba, com a intenção alegada de cruzar a
ponte e entrar na cidade para atacar o quartel da polícia e a prisão
da cidade. Com as comunicações telegráficas cortadas a norte, uma
patrulha da polícia fora estacionada na extremidade sul da ponte.
Assim, quando os escravos foram vistos atravessando a ponte,
o
alarme foi dado e a maioria deles foi dispersada, com oito sendo
levados para a prisão. O novo incidente provocou acusações de cum-
plicidade abolicionista nesse ataque dos escravos e, também, causou
novas prisões, com os soldados tendo sido enviados para o norte da
cidade, a fim de capturar fugitivos. ?
A perseguição continuou em Campos durante a maior parte
desse mês, mas o incidente mais grave verificou-se em 20 de novem-
bro, quando a polícia interrompeu uma reunião abolicionista duran-
te o dia e desencadeou um conflito sangrento que durou mais de
um dia. Quando uma multidão começava a reunir-se no Teatro
Empyrio para uma conferência abolicionista, um contingente da po-
lícia apareceu e exigiu que todas as pessoas que entrassem no teatro
se submetessem a uma inspeção. Em resposta a este incômodo, a
reunião foi transferida para a residência do orador anunciado,
Dr.
Alvaro de Lacerda, que denunciou os métodos da polícia,
falando
de uma janela de sua casa a um público que enchia
a rua. Enquanto
Lacerda falava, uma unidade de cavalaria chefiada
pelo Capitão
Fernando, de pistola em punho, apareceu na rua. Disparando suas
322
armas é fazendo estalar chicotes, a polícia montada atacou a indefe-
sa multidão e feriu pelo menos três pessoas. Uma onda de repulsa
espalhou-se pela cidade e a violência continuou pela tarde adiante
e até o dia seguinte, com a polícia escolhendo suas vítimas e fa-
zendo repetidos ataques a multidões iradas e derrisórias. Um con-
tador com sentimentos abolicionistas conhecidos foi ferido gravemente
e uma negra, atingida por um tiro na rua, morreu de seus ferimen-
tos. 1º A ação policial do Capitão Fernando continuou em Campos
por mais uma semana com a aparente aprovação do governo nacio-
nal, até que, perto do final do mês, o odiado comandante e seus ho-
mens foram substituídos, finalmente, por uma nova e mais numerosa
guarnição, com a paz tendo regressado à cidade. ** Estes e outros
atos impopulares, incluindo o quase simultâneo envio de unidades
navais e militares para São Paulo, rotularam o regime Cotegipe de
repressivo e de um obstáculo para ser afastado como contrário aos
anseios nacionais.
O outro importante obstáculo à abolição, os fazendeiros da pro-
víncia do Rio de Janeiro, chefiados por Paulino de Souza no Se-
nado e Andrade Figueira na Câmara, era o resultado, em grande
parte, de dificuldades econômicas. Enquanto, por um lado, a linha
dura pró-escravatura se esvaíra e, depois, se desintegrara totalmente
em São Paulo com a fuga em massa dos escravos, a resistência
na província do Rio de Janeiro, por outro lado, persistiu até sema-
nas após a abolição. Fortalecida pela relativa estabilidade do siste-
ma de trabalho das fazendas, a oposição à cruzada nacional só come-
cara cedendo em março, quando a queda de Cotegipe privou os
fazendeiros de sua última esperança de proteção. A situação em
São Paulo fora modificada pela prosperidade e a entrada maciça
de imigrantes, mas a do Rio pouco era afetada pela imigração e
tornava-se ainda mais difícil devido ao declínio econômico. Em
janeiro de 1888, Paulino de Souza ainda prometera aos fazendeiros
de sua província mais cinco anos de escravidão e, no mês de março
seguinte, os fazendeiros da comunidade do Vale do Paraíba, de Vas-
souras, reagiram iradamente a uma proposta de libertarem todos os
seus escravos antes da emancipação oficial, para evitar a desorga-
nização do trabalho. 12
324
tado regime escravocrata de Minas Gerais tendo começado a desmo-
ronar-se no início do ano, quando os cativos começaram abando-
nando as fazendas em vários distritos para se dirigirem pacificaments
para a capital provincial de Ouro Preto. 18 Cerca do final de feve-
reiro, os escravos chegavam à velha cidade mineira todos os dias,
muitos ajudados no caminho por abolicionistas e, no início de março,
os fazendeiros de Minas Gerais já tinham começado a conceder a
liberdade incondicional. *º Os fazendeiros de uma comunidade de
Minas, Itajubá, que era fronteiriça da província de São Paulo, reu-
niram-se em meados de março para declararem a libertação de todos
os seus cativos com a condição de que eles serviriam até o Dia da
Independência, 7 de setembro, sem salário, e, desde então até o
Natal, o dia de sua liberdade total, com salários a serem fixades por
seus ex-senhores. 2º
Telegramas de cidades de todo o Império publicados no Jornal
do Commercio em março e abril davam a conhecer um colapso na-
cional geral da escravidão, acompanhado por alguns atos individuais
de desafio. Muitos dos proprietários estavam concedendo liberdade
e salários; em contraste, alguns continuavam empregando capangas
para perseguir fugitivos e outros, em meados de março, ainda ofere-
ciam recompensas pela devolução de escravos, com anúncios até
mesmo em jornais tão respeitáveis quanto o Jornal do Commercio.
Um relato de 18 de março, de Ouro Preto, expôs duas atitudes con-
flituosas referentes à crise da escravatura: um proprietário e seus
capangas haviam capturado um escravo fugitivo, à luz do dia, na
praça central da cidade (hoje, a Praça Tiradentes), mas a vítima
depressa fora libertada por abolicionistas, que lançaram foguetes,
alegremente, para celebrarem seu sucesso. Havia desaíio por parte de
alguns fazendeiros, mas de um tipo inteiramente fútil. O desejo
quase universal do fim da instituição já em desintegração era uma
força muito maior.
Em 18 de fevereiro, o emancipacionismo dos fazendeiros deu
um passo em frente na província do Pará, quando o Barão e a Baro-
nesa de Guajará, “solemnisando mais um aniversário do seu con-
sórcio,” deram a liberdade a todos os seus escravos — com seu exem-
plo não tardando a ser seguido por outras famílias provinciais. *! Da
325
capital de Alagoas, um comunicado de 26 de março, informou que
o até então inflexível Senador Cansansão de Sinimbu concedera a
liberdade incondicional aos escravos de sua plantação de cana-de-
açúcar no município de São Miguel. Cerca do final de março, uma
confederação abolicionista foi estabelecida na capital do Paraná com
o objetivo manifesto de libertar rapidamente todos os escravos da
cidade. O Barão de Vargem-Alegre anunciou sua decisão, no final
de março, de comemorar a Sexta-Feira Santa e o aniversário de sua
mulher com a libertação de mais de trezentos escravos e a concessão
de salários. No início de abril, um telegrama de Juiz de Fora infor-
mou sobre um levante de escravos na plantação do Barão de Juiz
de Fora e a alarme local quanto a seus possíveis resultados. No dia
seguinte, em Ouro Preto, cinquenta e oito escravos que tinham de-
sertado de uma companhia de mineração britânica apresentaram-se
ao presidente da assembléia provincial e foram acolhidos caloro-
samente. 22
Em meados de março, partes até mesmo da província do Rio
de Janeiro já haviam sido afetadas. Um movimento de fazendeiros
emancipacionistas aparecera subitamente na atormentada região de
Campos e depressa tivera “magníficos resultados” em todas as ci-
dades da área. Em 17 de março, alguns importantes fazendeiros co-
meçaram concedendo a liberdade incondicional em São Fidélis, uma
comunidade de café na parte leste da província, e a cidade foi des-
crita como num estado de “indiscriptivel regozijo”. Uma reunião de
fazendeiros para a libertação da vizinha cidade de Macaé, notória
como um porto para o desembarque de escravos até quarenta anos
antes foi convocada para 22 de março. Cinco dias depois, metade dos
6 mik escravos do distrito de Campos já havia sido libertada e uma
vasta parte do nordeste da província do Rio de Janeiro encontrava-se
em revolta aberta contra a liderança pró-escravatura do Senador
Paulino de Souza. 23 Durante março e abril, cerca de 25 mil escravos,
segundo foi afirmado, já haviam sido libertados na província, com
esse número representando quase um sexto dos que tinham sido re-
gistrados na província em 1887. Quando o final da escravatura já
se tornara inevitável, dois irmãos, o Conde de São Clemente e o
Conde de Nova Friburgo, libertaram todos os seus 1.900 escravos,
326
constituindo, já então, provavelmente, cerca de um em cada duzen-
tos e cinquenta escravos na totalidade do país. 24
A medida que se aproximava a data da abertura da Assembléia
Geral, a escravatura ía sendo abandonada num número crescente
de lugares. Numa rápida sucessão, cidades e municípios iam sendo
declarados sem escravos, incluindo as capitais de Minas Gerais e
Santa Catarina e a cidade de Petrópolis, onde o movimento de liber-
tação era realizado sob os auspícios da Princesa Isabel. 2 No come-
ço de abril, uma Liga de Redenção foi estabelecida na capital do
Pará com o propósito confesso de libertar a cidade e à província
e, durante abril e os primeiros dias de maio, verificou-se uma repe-
tição em Belém das cenas que haviam ocorrido quatro anos antes,
mais acima do Amazonas, em Manaus. À medida que os quarteirões
dessa antiga cidade fluvial iam sendo libertados um a um, os cida-
dãos afixavam letreiros nas esquinas das ruas para anunciar que
estavam livres de escravos e sob a direção de seus habitantes. 28
No início de março, o estado da nação era crítico. Em grande
parte do país, tanto a norte quanto a sul, os escravos encaminha-
vam-se para centros urbanos e, embora os senhores estivessem, em
todos os pontos, rendendo-se a novas exigências, ainda havia o perigo
de um conflito aberto. Se, por um lado, a economia das fazendas de
São Paulo já estava quase normalizada, a verdade é que, nas pro-
víncias de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, bem como em
certas
partes do norte, a situação econômica deteriorara-se seriamente.
Con-
forme Nabuco disse pouco depois, a abolição da escravatura
já fora
obtida pelo trabalho de Antônio Bento em São Paulo, pelo
fato de
que aquilo que havia no Brasil pouco antes da abolição já
não ser
escravatura, mas sim “uma massa de escravos fugidos”,
perseguidos
e desempregados, sofrendo mais dificuldades do que
tinham sofrido
quando cativos. Uma rápida mudança tornava-se
essencial, tanto
para os fazendeiros quanto para os escravos, visto
que a continuação
da incerteza com respeito a sua situação poderia
significar mais
miséria e perigo para os ex-escravos e dificuldades
imprevisíveis para
a Classe dos fazendeiros, talvez até mesmo a destruição de seu
modo de vida aristocrático. 2
327
Um incidente de menos importância — a prisão de um mari-
nheiro indisciplinado no Rio de Janeiro, no começo de março —
provocou um conflito entre as orgulhosas forças armadas brasileiras
e o gabinete de Cotegipe, que terminou numa luta de ruas entre a
polícia e marinheiros, com quase uma semana de distúrbios durante
os quais o exército patrulhou as ruas. Depois de cinco dias de inação,
o desacreditado ministério Cotegipe demitiu-se, abrindo caminho
para o estabelecimento de um governo que poderia encontrar um
remédio para a crise nacional. O homem que D. Isabel, a Princesa Re-
gente, escolheu para essa tarefa foi João Alfredo Correia de Olivei-
ra, o senador conservador de Pernambuco que apoiara Antônio Pra-
do quando este se desligara de Cotegipe no ano anterior e que,
nessa época, pedira uma solução radical para o problema da escra-
vatura. Sem hesitação, João Alfredo chamou Prado para se juntar
a seu governo como Ministro das Relações Exteriores e Prado veio
a representar um papel ativo nas conferências que levaram à formação
de um novo gabinete em 10 de março. 8 Em menos de dois meses
— com esses líderes no poder — a terceira sessão da Vigésima Le-
gislatura seria inaugurada, com excelentes perspectivas para a pas-
sagem de um projeto de abolição sério. Eleita sob Cotegipe em ja-
neiro de 1886 e apenas ligeiramente liberalizada por eleições subse-
quentes, a Câmara dos Deputados fora convertida pelas circunstân-
cias críticas num instrumento de ação radical.
ABOLIÇÃO
Câmara por João Alfredo e Joaquim Nabuco, ver Ann aces da Camara (1888),
IX, 400-401; ibid. (1889), I, 97.
28 Carta de Jarvis a Bayard, Petrópolis,
Related to the Foreign I2 de março de 1888 Papers
Relations of the United Stalates,
de 1888, I, 57-59. 3 de dezembro
326
lheita da safra de café já madura e, também, a obrigação dos liber-
tos de permanecerem mais seis anos nos municípios onde tinham
sido emancipados, em empregos remunerados. 2? Refletindo indubita-
velmente estas considerações, a Princesa Isabel, na sua Fala do Trono
de 3 de maio, apelou para a eliminação da escravatura das leis da
nação, mas também recomendou melhorias na legislação para a re-
pressão de vagabundagem através do trabalho compulsório. Nenhum
projeto poderia passar de todo, contudo, sem a cooperação da maio-
ria do Partido Liberal no Senado e, em 7 de maio, durante as nego-
ciações sobre o projeto, João Alfredo foi informado de que a maioria
liberal recusaria apoiar qualquer projeto de abolição a não ser que
este proclamasse o imediato e incondicional fim da escravatura. Um
projeto dessa natureza fora preparado por André Rebouças em 30
de março e apresentado a João Alfredo em 7 de abril. Desse modo,
o Presidente do Conselho já sabia há um mês que os abolicionistas
procurariam uma solução sem compromissos. %º
Preferindo não ver sua legislação rejeitada, João Alfredo optou
por uma abolição incondicional e, no mesmo dia, 7 de maio, ante
uma sala repleta e depois de breve referência a sua aliança anties-
cravatura, oito meses atrás, com Antônio Prado, anunciou sua de-
cisão de propor a imediata e incondicional extinção da escravatura
no Brasil. A referência a Antônio Prado ajudou, sem dúvida, a
identificar o senador de São Paulo com a legislação radical, mas há
razões para duvidar do entusiasmo de Prado. Em 13 de maio de
1888, o dia em que o Senado passou o projeto de lei, Prado estava
ausente da sessão sem qualquer explicação. *2
329
Aleitura do projeto abolicionista em 8 de maio causou uma
longa aclamação dentro e fora do edifício da Câmara e desencadeou
celebrações na capital brasileira que duraram quase duas semanas.
A simplicidade do projeto — a escravatura era declarada extinta
e todas as leis que dissessem o contrário eram revogadas — revelou
o clima ao tempo. Os muitos anos de demoras e compromissos pa-
reciam ter impelido o governo e a assembléia diretamente para o
fim. Os complexos artigos e subartigos, regulamentos e diretrizes
das Leis Rio Branco e Saraiva-Cotegipe, obra de advogados e poli-
ticos hesitantes, eram todos anulados por aquelas curtas e simples
afirmações. Nomeada para considerar o projeto, uma comissão de
cinco deputados, incluindo Joaquim Nabuco, aprovou-o imediata-
mente e a Câmara concordou com dispensar a habitual impressão
gráfica para permitir sua consideração no dia seguinte. Andrade
Figueira foi o único que se opôs a estas irregularidades. 33
Na Câmara dos Deputados, a oposição ao projeto veio quase
exclusivamente, na realidade, de deputados do Rio de Janeiro, o
último baluarte da escravatura. Chefiados por Andrade Figueira,
denunciaram o projeto pelo fato de este não conceder indenização,
por sua falta de referências à condição dos ingênuos, pela ausência
de medidas relacionadas com o trabalho dos libertos e antigos escra-
vos libertados obrigando-os a mais trabalho, por sua revogação de
provisões contidas nas leis de 1871 e 1885. Os oponentes do projeto
mostraram-se fora de si pelo fato dele não proporcionar medidas
“para garantir a sociedade contra essa classe de cidadãos novos que
a ella são atirados, sem os meios, siquer, de proverem a sua subsis-
tencia.” Das nove pessoas que votaram contra o projeto, oito re-
presentavam a província do Rio de Janeiro e um era de Pernam-
buco. “é
No Senado, onde o projeto chegou em 11 de maio, só o Barão
de Cotegipe e Paulino de Souza fizeram longos discursos em opo-
sição e até mesmo eles compreendiam a futilidade do que estavam
fazendo. Cotegipe chefiou a resistência com uma denúncia de An-
tônio Prado e suas políticas, que haviam trazido o fim da escrava-
tura mesmo antes de Prado o desejar. Apesar de condenar o pro-
jeto, Cotegipe concedeu que este reconhecia a situação real do país
e que poria um fim à anarquia e aos ataques à propriedade. Contu-
do, a lei, afirmou ele, era uma violação dos direitos de propriedade.
Anunciava que, no Brasil, a propriedade já não existia, “que tudo
330
pode ser destruído por meio de uma lei.” “Daqui a pouco,” previu
Cotegipe, “se pedirá a divisão das terras... e o estado poderá de-
cretar a expropriação sem indemnização! E, senhores,” concluiu ele,
“a propriedade sobre a terra tambem não é de direito natural.” %
Pelo menos dois fortes defensores da escravatura explicaram
durante o debate ou pouco depois dele por que razão haviam votado
em favor da lei da abolição, manifestando também, sem dúvida, as
opiniões de outros membros da Assembléia que legislou o fim da
escravatura. Lourenço de Albuquerque, um liberal de Alagoas com
um passado de apoio inflexível à escravatura, declarou que ao lan-
car seu voto pela abolição “não fiz mais do que render homenagem
ao inevitavel, submetter-me á fatalidade dos acontecimentos.” “Vo-
tei,” disse Coelho e Campos, um conservador de Sergipe, “porque
a própria lei o diz, não se tratava sinão de declarar um facto já quase
existente. Votei porque não havia outra solução... porque em geral
o que restava era a insubordinação, a perturbação, a desordem no
trabalho e por toda a parte, e membro do partido da ordem não
me era licito recusar o meu voto a uma lei de ordem.” $º A lei fora
aprovada pelo fato de a escravatura se ter desmoronado. No auge
de quase uma década de agitação, milhares de escravos haviam to-
mado sua própria liberdade e tinham sido autorizados a fazê-lo por
uma sociedade que já não acreditava mais, sinceramente, na neces-
sidade da escravatura. O número e a qualidade dos escravos já ti-
nham diminuído a ponto de os pequenos benefícios da instituição
não parecerem mais justificar seus muitos perigos, humilhações e
desvantagens.
“Felizmente os paranaenses não precizam do braço escravo,”
afirmou uma declaração apresentada em nome de uma organização
antiescravatura que emergiu poucas semanas antes da abolição e que
poderia perfeitamente ter falado por muitas outras como ela.
331
no TR
AS CELEBRAÇÕES
332
to q
Mm
suspenso, as repartições públicas fechadas por três dias, a estrada de ferro
D. Pedro II fechada ao tráfico de mercadorias pelo mesmo período, os
correios parcialmente fechados e a correspondência sem ser distribuída, os
pedidos de dinheiro incessantes, mais de cem mil pessoas nas ruas no do-
mingo — e, durante tudo isto, nada a não ser uma entusiástica alegria,
boa disposição e boa ordem. 88
RESTOLHO E CONCLUSÃO
333
grupos de pessoas, incluindo aqueles que abandonavam seus empre-
gos ou ocupações ou, ainda, que recusavam “trabalho honesto” ofe-
recido ou obrigado por contratos. As penalidades por segundas ofen-
sas deveriam incluir a prisão com trabalho forçado de um a três
anos. *º
Alguns fazendeiros e seus representantes em comunidades de
toda a nação também pediram indenização por sua propriedade per-
dida e seu porta-voz, o Barão de Cotegipe, respondeu a seus pedi-
dos com a introdução de um projeto no Senado, em 19 de junho,
pedindo-lhe que autorizasse a emissão de títulos no valor de 200
mil contos (o equivalente, então, de cerca de 20 milhões de libras)
para reembolsar os antigos proprietários de escravos. 4 Como resul-
tado disto, os abolicionistas pediram à Câmara dos Deputados, por
intermédio de Joaquim Nabuco, “que os livros das matriculas de es-
cravos de todos os municipios do Imperio sejam cancellados ou inu-
tilisados, para que em tempo algum possam servir de base ás indi-
cadas pretenções.” “2 O projeto de Cotegipe e outro semelhante pro-
posto à Câmara também receberam a oposição de João Alfredo, mas
a indenização foi debatida repetidamente na Assembléia em 1888,
despertando o interesse e o ressentimento de antigos donos de es-
cravos, cujas muitas petições foram lidas na Câmara e no Senado
com uma amargura adequada pelos seus representantes preferidos.
A situação no interior, além do mais, não era tão idílica quanto
João Alfredo a descrevera. Mais de um ano após a abolição, André
Rebouças ainda deplorava a persistente existência de relações rurais
muito semelhantes àquelas que haviam sido conhecidas por gerações
de brasileiros. Antigos escravos ainda continuavam sendo fechados
nos seus alojamentos durante a noite, ainda eram açoitados e colo-
cados no tronco e seu pagamento eram uns meros 100 reis por dia.
A realização abolicionista, na realidade, ainda não fora terminada
e estava ameaçada por “uma reacção escravocrata... militante”, in-
sinuou ele com uma amargura que foi característica de seus últimos
anos, tendo dado o que ele pensava serem explicações: A escravatu-
ra nos Estados Unidos fora destruída pela guerra, mas, no Brasil,
o problema fora resolvido “entre flores.” Assim, tornara-se um
“Ideal Brasileiro” de que seria “pela propaganda, pela convicção,
334
pelo estimulo, pelos enthusiasmos nobres” — através de um processo
de evolução — que os sistemas da exploração humana herdados do
passado seriam eliminados. Um tal processo, acreditava ele, obvia-
mente, seria demasiado lento e demasiado dispendioso em termos
humanos. *
Para acelerar os processos da mudança, na verdade, havia abo-
licionistas que ainda estavam apresentando seus próprios pedidos,
face à poderosa reação dos fazendeiros republicanos que ameaça-
vam dominar a sua ainda sobrevivente organização. Os pedidos abo-
a
licionistas incluíam, conforme Cotegipe dissera que aconteceria,
divisão das grandes propriedades, “a democratização do solo,” como
Rebouças, Nab uco e out ros mem bro s da Con fed era ção Abo lic ion ist a
se referiam a ela, a “consequencia logica” da lei de 13 de maio de
1888. Defendida pelo popular Senador Dantas, uma reforma do sis-
tema agrári o foi inc luí da no pro gra ma do Par tid o Lib era l de 1888 ,
jun tam ent e com a fed era ção das pro vín cia s, uma amp lia ção do su-
frágio e out ras pro pos tas de gra nde alc anc e. Pou cos mes es ant es de
sua queda do poder, até mesmo D. Pedro, que se encontrava gran-
demente sob a influência dos imigracionistas e dos proponentes da
Democracia Rural, nomeadamente o onipresente André Rebouças,
pediu publicamente a expropriação dos “terrenos marginaes das es-
tradas de ferr o, que não são apr ove ita dos pel os pro pri etá rio s, e po-
dem servir para núcleos coloniaes.” *
Para os abolicionistas, na realidade, para Nabuco, Patrocínio,
Rebouças, Dantas e outros, que reconheciam as causas dos males pro-
fundamente enraizados de sua nação, a abolição da escravatura fora
apenas um muito importante primeiro passo para à democratização
do Brasil. Tal como já o vinham dizendo há anos, ainda havia muito
a fazer se a nação quisesse libertar-se dos efeitos de quase quatro
séculos de desigualdades e de trabalho forçado. Os sistemas agrário
e educacional pouco haviam mudado, os valores e os privilégios de
classes quase não tinham sido afetados. Uma série de costumes e
“hábitos tinham sobrevivido à escravatura, para condenarem a maio-
ria dos libertos e seus descendentes a uma condição social e econô-
mica inferior.
335
A escravatura fora abolida por meio de uma dura e complexa
luta na qual os abolicionistas tinham parecido Davids enfrentando
Golias de tradição e de vasto poder econômico. Libertar Os escravos,
contudo, fora o mais fácil dos objetivos que os reformistas se ha-
viam dado, já que a escravatura, na verdade, fora destruída por
for-
ças que a tinham minado durante a maior parte do sécul
o XIX: O
repúdio internacional da escravatura, que acabara com o
tráfico afri-
cano e eliminara a principal fonte de trabalhadores das fazendas;
o declínio gradual da população cativa depois de 1850, principal-
mente devido a um excesso de mortes sobre nascimentos;
o comér-
cio interprovincial de escravos que concentrara escr
avos e defenso-
res da escravatura nas províncias do café; a
abolição da escravatura
nos Estados Unidos, que ajudou a inspirar a política nacional de
lenta emancipação através do “ventre livre”;
uma lenta, mas persis-
tente erosão da opinião pró-escravatura, em
especial nas cidades e
nas províncias mais pobres; e, finalmente, a
não divulgada resistên-
cia dos próprios escravos, que reduziu a eficiência
do sistema escra-
vocrata e culminou no movimento de fugas
em massa de 1887 e
1888. Auxiliados por este constante declínio da Insti
tuição, os aboli-
cionistas haviam apressado seu fim por meio
de uma brilhante e
inspirada liderança, mas foram detidos inteiramente,
então, na sua
busca de novas reformas, por uma poderosa e
indignada reação dos
antigos senhores e de seus aliados. Enfrentando exigênci
as de mais
mudança social, a elite tradicional conservou seu poder
e autorida-
de e, depois, varreu o movimento democrático no
golpe de estado
militar que provocou o desaparecimento do Império de
D. Pedro II
e estabeleceu uma república conservadora.
Nos últimos anos do século xrx, depois de caos, ditadura
de uma insensata guerra civil, a sociedade brasileira e até
reverteu às
normas que haviam sido ameaçadas pela curta experiência
aboliício-
nista e milhões de brasileiros, particularmente
aqueles cujas peles
escuras os marcavam como descendentes de
escravos, continuaram
vivendo de uma forma muito semelhante
aquela em que viviam sob
a escravatura — já legalmente livres, mas incapazes
liberdade devido a sua classe e cor, com
de competir em
poucas alternativas além
de trabalharem as terras de outro homem, na
lismo ou migrando para um ambiente urba
pobr eza e no servi-
no precário, onde as
oportunidades se limitava m normalmente ao mais humilde e mais
Janeiro, 1968). Para as o
pouco depois da abolição, cupver
açõesR meniais de afrTic
i anos na i ade da Bahia
cid
nas 172-173. odrigues, e
Bues, Os africanos no Brasil, pági
336
e.
e
duro dos trabalhos. Apesar de ter sido uma grande vitória para
os brasileiros, apesar de lhes ter dado uma medida de orgulho e um
breve sentido de grandeza, a abolição da escravatura não criou um
ambiente em que os antigos escravos pudessem erguer-se rapida-
mente ao nível de prósperos participantes na vida nacional. Quase
um século mais tarde — mais de cem anos, na realidade, desde a
libertação dos recém-nascidos — milhões de seus descendentes ainda
se vêem negada a igualdade de oportunidades, imaginada, para eles,
pelos líderes abolicionistas.
337
Apêndices
APÊNDICE 1
341
temente exatas para permitir que o pesquisador extraia delas con-
clusões válidas. 2? Uma das garantias de tal segurança é a consistên-
cia e os dados são particularmente convincentes quando revelam de
um modo regular padrões que, normalmente, não seriam de esperar.
Uma análise das tabelas dadas adiante revela desvios signifi-
cantes e consistentes dos padrões “normais” de população, resultan-
tes das condições anormais da escravidão, e, assim, sua fidedignidade
geral pareceria estar confirmada, já que estatísticas completamente
inexatas não apresentariam, com certeza, tais padrões. A Tabela 17,
por exemplo, indica que menos de um escravo em cada mil era
alfabetizado, o que não é de surpreender dadas as condições brasi-
leiras na época; mas, ainda mais importante, revela que este índice
não variava muito de região para região e que os homens alfabeti-
zados eram em quase todos os pontos do país mais numerosos que
as mulheres alfabetizadas, padrões esses que indicam ainda mais
exatidão. A Tabela 18 revela que, em todas as províncias, só uma
pequena minoria de escravos adultos estavam registrados como ca-
sados ou viúvos, um fato confirmado por muitos relatórios anterio-
res sobre o estado civil dos escravos. As Tabelas 19 e 20 dizem-nos
aquilo que teríamos esperado: que a maioria dos escravos brasilei-
ros eram trabalhadores agrícolas ou criados domésticos, que as mu-
lheres, geralmente, eram preferidas para o serviço doméstico e que
os homens eram encontrados, de um modo mais comum, nos cam-
pos.
As tabelas também revelam tendências demográficas lógicas. O
rápido declínio da população escrava nas províncias do norte, oeste
e sul entre 1874 e 1884 (ver Tabela 10) e o declínio relativamente
pequeno da população escrava nas províncias do café durante o
mesmo período são consistentes com aquilo que sabemos sobre os
movimentos da população escrava durante grande parte desse pe-
riodo. Da mesma forma, o excesso de escravos do sexo masculino
sobre os do sexo feminino nas províncias e municípios do café (mos-
trado nas Tabelas 4 e 16) é razoável pelos mesmos motivos, como
também sucede com os aumentos e as perdas das populações escra-
vas provinciais registradas devido ao comércio interprovincial
de
escravos indicado na Tabela 9. Outras tendências e características
lógicas semelhantes são reveladas em outras tabelas e nos
corpos
mais amplos de estatísticas de onde foram extraídas, dando crédito
aos dados e proporcionando vislumbres sobre a natureza da esc
rava-
tura brasileira.
342
As fontes das estatísticas e as circunstâncias em que elas foram
reunidas são relevantes, é claro, para a questão da exatidão. As ta-
belas populacionais são quase todas baseadas no recenseamento de
1872 ou, então, em dados subsegiientes sobre populações de escra-
vos e de ingênuos publicadas nos relatórios do Ministério da Agri-
cultura. O recenseamento, iniciado em 1 de agosto de 1872 e ter-
minado e publicado na sua totalidade entre 1873 e 1876, constituiu
uma bem organizada contagem da população, que tinha a intenção
de assegurar resultados proveitosos. Desde então, já foi descrito por
autoridades como um verdadeiro recenseamento contendo informa-
ção exata sobre a composição humana de todo o país, tanto escrava
quanto livre.º As estatísticas sobre os escravos incluídas no recen-
seamento (e em relatórios subsegientes do Ministério da Agricui-
tura) foram o resultado dos registros nacionais de escravos ordena-
dos pelo Artigo VIII da Lei Rio Branco e pelo Artigo I da Lei
Saraiva-Cotegipe, com ambos assegurando uma exatidão razoável
devido a terem estipulado que as pessoas não registradas seriam con-
sideradas livres. Um decreto de 1 de dezembro de 1871, além do
mais, ordenou que quaisquer alterações no estado e condição de es-
cravos e ingênuos deveriam ser registradas por funcionários locais
a intervalos regulares,* sendo desta fonte que os relatórios ministe-
riais preparados mais tarde sobre as populações escravas foram ex-
traídos.
Conforme indicamos várias vezes neste estudo, o descuido e a
fraude eram tão características destas contagens de escravos quanto
a diligência e a boa-fé. Todavia, até mesmo os efeitos da desones-
tidade são revelados como singularidades demográficas, parecendo
proporcionar uma prova adicional da fidedignidade geral das esta-
tísticas e até mesmo defender interessantes hipóteses históricas. O
falso Tegistro das idades de africanos para evitar os efeitos da lei
antitráfico de escravos de 1831, por exemplo, reflete-se claramente
no recenseamento dos escravos (ver Tabela 5), tal como sucede com
a concentração de africanos nas províncias onde eram importados
principalmente antes de 1852. Para citarmos outro exemplo, a Tabe-
la 9 mostra que a perda líquida de escravos devido ao comércio in-
terprovincial de escravos registrada entre 1874 e 1884 pelas provín-
343
cias exportadoras de escravos (46.626 pessoas) foi apenas um pouco
mais do que a metade do aumento líquido registrado pelas provín-
cias importadoras de escravos (89.425 pessoas). A discrepância pode
ser explicada em parte, provavelmente, pelo fato de os proprietá-
rios e negociantes não terem registrado escravos exportados para
evitarem pagar os impostos provinciais de exportação.
Sem exagerarmos a exatidão de estatísticas do século xIx sobre
a escravatura brasileira, que eram, sem dúvida, distorcidas por prá-
ticas como as mencionadas e por outros fatores incontroláveis, po-
derá ser concluído que, de um modo geral, os dados aqui usados são
historicamente válidos e de suficiente fidedignidade para apoiar as
conclusões contidas neste estudo.
TABELA 1
344
TABELA 2
Percentagem
aproximada
Província Livres Escravos Total escravizada
Extremo Norte
Amazonas 56.631 1.545 58.176 2,1
Pará 232.622 31.537 264.159 11,9
Maranhão 284.101 74.598 358.699 20,8
Nordeste
Piauí 178.427 23.434 201.861 11,6
Ceará 686.773 31.975 718.748 4,4
Rio Grande do Norte 220.959 13.634 234.593 5,5
Paraíba 341.643 25.817 367.460 7,0
Pernambuco 752.511 106.236 858.747 12,4
Alagoas 312.268 36.124 348.392 10,3
Sergipe 139.812 33.064 172.876 19,1
Bahia 1.120.846 165.403 1.286.249 12,8
3.753.239 435.687 4.188.926 10,4
Oeste e Sul
Mato Grosso 53.750 1.054 60.804 11,6
Goiás 149.743 8.800 158.543 5,5
Paraná 116.162 11.249 127.411 8,8
Santa Catarina 144.818 15.250 160.068 9,5
Rio Grande do Sul 364.002 98.450 462.452 21,3
828.475 140.803 969.278 14,5
Centro-Sul
Minas Gerais 1.642.449 311.304 1.953.753
Espírito Santo 59.478 22.297 81.775 Ze
Rio de Janeiro 456.850 301.352 758.202 397
Município Neutro 226.033 47.084 273.117 172
São Paulo 680.742 174.622 855.364 20.4
3.065.552 856.659 3.922.211 21,8
TOTAIS 8.220.620 1.540.829 9.761.449 15,8
Fontes: Directoria Geral da Estatistica, Relatorio e Trabalhos Estati
-
- s 46-62; Relato
(Rioi de Janeiri o, 1875), página rio do Ministeri À stiticos
Stalis
10 de maio de 1883, página 10. inisterio da Agricultura,
345
TABELA $
346
TABELA 4
Extremo Norte
Pará 10.130 10.719 20.849
Maranhão 21.981 27.564 49.545
Nordeste
Piauí 8.031 8.749 16.780
Rio Grande do Norte 3.601 3.608 7.209
Paraíba 8.941 10.224 19.165
Pernambuco 36.344 36.365 72.709
Alagoas 13.119 13.792 26.911
Sergipe 12.469 13.405 25.874
Bahia 65.281 67.541 132.822
Centro-Sul
Minas Gerais 160.931 140.194 301.125
Espírito Santo 11.005 9.211 20.216
Rio de Janeiro 140.751 117.487 258.238
Município Neutro 15.783 16.320 32.103
São Paulo 96.737 10.756 167.493
425.207 353.968 779.175
TOTAIS 651.876 588.930 1.240.806
SETE E E a ea mea O TO
347
TABELA 5
ESCRAVOS DE NATURALIDADE AFRICANA E ESCRAVOS REGISTRADOS COMO TENDO
51 ANOS OU Mais, 1872
Escravos
Total de registra- Percenta- Africanos
Província escravos dos de 51 gem de 51 registra-
registra- anos e anos e dos
dos mais mais
Extremo Norte
Amazonas 1.545 87 5,6 13
Pará 31.537 2.362 1,9 552
Maranhão 74.598 7.786 10,4 1.741 |
107.680 10.235 9,5 2.306
Nordeste |
Piauí 23.434 3.885 16,6 242 |
Ceará 31.975 2.014 6,3 99 |
Rio Grande do Norte 13.634 1.614 11,8 421 |
Paraíba 25.817 1.367 5,3 185
Pernambuco 106.236 9.472 8,9 3.084
Alagoas 36.124 2.402 6,6 2.377
Sergipe 33.064 3.012 9,1 1.395
Bahia 165.403 24.349 14,7 10.281
348
Alcdart Tt
atadas F8
TA Ata
TABELA 6
ne
Piauí 39 "66
Rio Grande do Norte 7 Centro-Sul
Paraíba 34 Minas Gerais 4.121
Pernambuco 259 Espírito Santo 361
Alagoas 202 Rio de Janeiro 9.496
Sergipe 204 Município Neutro 125
Bahia 1.001 São Paulo 2.553
1.746 16.656
TOTAL 18.946
mi et EO es E psp sa
Fonte Relatorio do Ministerio da Agricultura, 14 de maio de 1888, pá-
gina 27.
TABELA ?7
349
TABELA 8
—— Dl
350
Elma
La
dA
a
Me
TABELA 9
Aumento Perda
Província líquido líquida Aumento Perda
Extremo Norte
Amazonas 344
Pará 663
Maranhão 4.157
Nordeste
Piauí DIA)
Ceará 7.104
Rio Grande do Norte 1.876
Paraíba 3.412
Pernambuco 4.426
Alagoas 2.082
Sergipe 2.342
Bahia 4.041
28.008 28.008
a ie ae ema oa o e aa 1 SE ni op
Oeste e Sul É
Mato Grosso 311
Goiás 360
Paraná 212
Santa Catarina 905
Rio Grande do Sul 14.302
e
o 15.779 15.468
sa A
Centro-Sul
Minas Gerais 5.936
Espírito Santo 3.187
Rio de Janeiro 31.941
Município Neutro 7.353
São Paulo 41.008
89.425 89.425.
pi a o ai o ti a SE
TOTAIS | 89.425
——————ee.o. NT 46.626
SSD
Fonte: Compilado do Relatorio do Ministerio da Agricultura 7 de maio
de 1884, página 191.
351
TABELA 10
sei pm
Declínio de Hi
Província 1874 1884 percentagem
Extremo Norte
do Ministerio
E
da Agricultura,
ee mm
10 de . A
gina 10; ibid. 30 de abril de 1885, página 372. maio de 1883, p
352
assistido
TABELA 11
Percentagem do
Província Junho de 1885 Maio de 1887 declínio
Extremo Norte
Nordeste
353
TABELA 12
Municípios do café
(Sudeste de Minas)
Juiz de Fora 14.368 21.808 1.440
Leopoldina 15.253 16.001 748
Mar de Hespanha 12.658 15.183 2.525
Pomba 7.028 6.392 636
Rio Novo 6.957 7.336 379
Rio Preto 6.313 6.120 193
São Paulo do Muriaí 6.938 TAIS 837
Ubá 7.149 6.020 1.129
76.664 86.635 11.929 1.958
Municípios do café — Aumento líquido 9.971
Município de mineração
(Minas Central)
Bomfim 5.824 2.919
Bom Sucesso -— 2.905
2.324 1.919 - 405
Caeté “2.798 1.310
Curvelo 1.488
1.429. 3.217 1.788
Diamantina 2.036 7.510 5.474
Formiga 3.625 3.352 273
Grão Mogol 3.701 2.604
Itabira 1.097
7.464 5.305 2.159
Januária 1.115 “997
Lavras
118
8.380 6.322 2.058
Mariana 8.422 6.389
Minas Novas 2.033
4.312 3.368 944
Montes Claros 4.046 3.249 797
Oliveira 7.889 5.630
Ouro Preto 5.632
2.259
2.539 3.093
Paracatu 2.638 1.638
Pitangui 1.000
6.590 3.189 3.401
Queluz . 13.998 4.322 9.676
Rio Pardo 6.722 3.667
Sabará 8.982 3.055
3.123 5.859
Santa Bárbara 7.610 3.379
Santa Luzia 5.953 2.399
4.231
Santo Antônio do Monte 3.554
1.842 1.512 330
São João del Rei e =
São João del Rei 10.827 10.281
Serro 9.420 4.473
546
4.947
Sete Lagoas 2.295 2.527
Tamanduá 232
4.764 2.851 1.913
150.638 99.991 7.494 58.141
Declínio líquido dos municípios de mineração 50.647
Fontes: Recenseamento da população, TX (2), 1074-1078:
Laérne, Brazil and Java. Report on Coffee € ulture in A C. F. Van Delden
Africa (Londres, 1885), páginas 117-118. n America, Asia, and
TABELA 13
AUMENTOS E PERDAS REGISTRADOS DE ESCRAVOS NA PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO
ATRAVÉS DE TRANSFERÊNCIAS INTERMUNICIPAIS, 1873-1882
minimo e a e sa
População População
escrava escrava
30 de set. Líquido 31 de julho
de 1873 Aumento Perda de 1882
Municípios do café
Barra Mansa 11.397 2.416 11.246
Cantagalo 17.562 8.251 21.621
Nova Friburgo 4.576 1.459 4,937
Paraíba do Sul 18.801 436 15.369
Piraí 13.386 506 11.360
Resende 9.185 1.041 8.240
S. Maria Madalena 10.003 5.122 12.891
São Fidélis 15.693 5.325 18.994
Sapucaia | — 8.145 7.377
Valença 27.099 4.454 25.344
Vassouras 21.093 1.538 18.630
148.795 38.693 156.009
Outros municípios
Angra dos Reis 3.807 593 2.199
Araruama 7.470 681 5.370
Barra de São João 3.534 191 2.693
Cabo Frio - 6.318 706 4.383
Campos 35.668 1.222 29.387
Capivari 3.608 365 3.268
Estrela 2.613 169 1.684
Iguaçu 7.350 286
Itaboraí |. 5.467
6.964 45 5.639
Itaguaí 5.430 622
Macaé 3.511
.. -9.:094 - 631
Magé 7.374
8.268 2.903 3.009
Mangaratiba 1.513 297 930
Maricá 5.775 342
Niterói 4.218
10.743 1.402 9.063
Parati 2.025 262 1.184
Petrópolis 674 105 626
Rio Claro 2.398 456
Rio Bonito 1.544
6.621 573 4.917
3. Ana de Macacu 4.090 268
S. João da Barra 2.732
5.145 84 4.125
S. João do Príncipe 7.810 423 5.705
Saquarema 5.639 658 3.794
À a ça E2 So A a
152.557 3.094
——————a N10.1 I
90 112.822
ToTAISs 301.352 41.787 10.190 268.831
Fonte: Compilado de C. F. Van Delden Laérne, Brazil
on Coffee Culture in America, Asia, and África (Londrand Java. Report
es, 1885), pági-
nas 120-121.
TABELA 14 .
Norte e Oeste
(Mogiana Paulista) à
Ribeirão Preto 857 1.386 529 |
São Simão 777 1.194 417 ,
Casa Branca 2.093 3.915 1.822 |
Descalvado 1.339 2.860 1.521
Araraquara 1.626 2.247 621
São Carlos 1.568 3.465 1.897
Pirassinunga 1.376 3.550 2.174
Jaú 887 1.876 989
Brotas 1.634. 1.214 420
Rio Claro 3.935 4.852. 917
Mogimirim 5.006 3.429 1.577
Limeira 3.054 3.624 570
Amparo 2.130 4.630 2.500
26.282 38.242 13.957 1.997
Aumento líquido 11.960
Central
Campinas 13.685 - 15.665 1.980
Capivari 3.189 3.612 423
Bragança 2.522 2.157 365
Tatui 1.059 1.110 51
Porto Feliz 1.547 1.124 423
Itu 3.498 2.878 620
Jundiaí 1.852 1.631
Atibaia 221
1.066 936 130
Itapetininga 1.823 1.787
São Roque 36
1.107 650 457
31.348 31.550 2.454 2.252
Aumento líquido 202
Norte e Oeste
Ribeirão Preto 566 291 857
Descalvado 784 455 1.239
São Carlos 926 642 1.568
Jaú 521 366 887
Brotas 1.024 610 1.634
Rio Claro 2.314 1.621 3.935
Mogimirim 2.954 2.052 5.006
Limeira 1.810 1.244 3.054
Central
Campinas 8.806 4.879 13.685
Capivari 1.826 1.363 3.189
Porto Feliz 925 - 622 1.547
Jundiaí je 158 694 1.852
Indaiatuba 1.168 540 - 1.708
13.883 8.098 21.981
TT
E 852 7.285 “17.137
TT
357
TABELA 17
Extremo Norte É
Amazonas — 487 — 492 — 979
Pará 68 13.840 21 13.529 89 27.369
Maranhão 51 36.838 21 - 38:029: 72 74.867
Nordeste
356
TABELA 18
SEXO E ESTADO CIVIL DE ESCRAVOS (DE DEZESSEIS ANOS DE IDADE OU MAIS),
MAIO DE 1888
Percen-
tagem
aproxi-
Província Sexo Estado Civil mada
casados
|
ou
Homens Mulheres Total Solteiro Casado Viúvo viúvos
Extremo Norte
Pará 5.196 5.339 10.535 10.415 104 16 1,1
Maranhão 15.991 17.455 33.446 32.052 1.131 263 41
Nordeste
Piauí 4.317 4.653 8.970 8.447 500 PEDIR
Ceará 54 54 108 81 22 5 250
Rio Grande À
do Norte 1.584 1.583 3.167 2.938 211 18 FED
Paraíba 4.210 5.238 9.448 8.697 587 164 7,9
Pernambuco 20.531 20.591 41.122 36.734 3.480 908 10,7
Alagoas 7.449 7.820 15.269 13.700 1.322 247 10,0
Sergipe 8.147 8.728 16.875 14.541 1.872 462 13,8
Bahia 37.966 38.872 76.838 72.856 3.477 505 5,2
Oeste e Sul
Mato Grosso 1.642 1.591 3.233 3.011 166 56 6,9
Goiás 2.430 2.525 4.955 4.582 307 66 7,6
Paraná 1.770 1.743 3.513 3.320 162 31 5,5
S. Catarina 2.769 2.158 4.927 4.875 46 6 1,1
Rio Grande
do Sul 4.591 3.851 8.442 8.344 91 7 12
Centro-Sul
Min. Ger. 104.748 87.204 191.952 158.983 27.713 5.256 172
Esp. Santo 7.112 6.269 13.381 12.232 953 196 8,6
Rio de Jan. 87.767 74.654 162.421 149.677 10.604 2.140 7,8
Mun. Neutro 3.653 3.835 7.488 7.432 38 18 0,8
São Paulo 62.688 44.641 107.329 79.293 24.018 4.018 261
360
TABELA 20
Trabalhadores Criados e
Província agrícolas jornaleiros Outros (2) Totais (P)
Extremo Norte
Amazonas 233 281 475 979
Pará 10.956 5.271 11.231 27.458
Maranhão 36.694 12.390 25.855 74.939
Nordeste —
Oeste e Sul
Mato Grosso 3.907 968 1.792 6.667
Goiás 4.523 1.926 4.203 10.652
Paraná 3.167 4.693 2.700 10.560
Santa Catarina 6.231 3.598 5.155 14.984
Rio Grande do Sul 48.736 2.386 16.669 67.791
361
TABELA 21
Extremo Norte
Amazonas 1 l
Pará 3 1
Maranhão 2 2 2
6 3 3 0
Nordeste
Piauí 3 ]
Ceará 6 1 2
Rio Grande do Norte 2 1
Paraíba 3 1
Pernambuco 8 2 5
Alagoas 4 1
Sergipe 3 1 1
Bahia 10 2 3 2
39 6 15 2
Oeste e Sul
Mato Grosso 2 1
Goiás 1 1 1
Paraná 1 1
Santa Catarina 2
Rio Grande do Sul 2 4 3
8 6 5
Centro-Sul
Minas Gerais 6 13 5 3
Espírito Santo 2 1 1
Rio de Janeiro 1 7 3
Município Neutro 3
São Paulo 5 5 1 1
12 30 10 5
TOTAIS 65 45 33 7
[DD
EE
362
ad
=
En
a
tg
=
*
do
o om
,
TABELA 22
O FUNDO DE EMANCIPAÇÃO, 1878
E
TABELA 23
CUSTO MÉDIO DE LIBERTAÇÕES PELO FUNDO DE EMANCIPAÇÃO, 1875-1885
Outras Províncias 38 4 42 7 24 31
TOTAIS 52 Es E A so
=—--— .uõ umõ..m.m.W<888t=ueucecíiãõãõÕO SS
Opositores
Província Rejformistas Inconsistentes da reforma
Extremo Norte
Amazonas 2 0 0
Pará 1 0 3
Maranhão 0 6 0
3 6 3
Nordeste
Piauí 0 3 0
Ceará 3 2 3
Rio Grande do Norte 2 0 0
Paraíba 1 1 3
Pernambuco 2 3 7
Alagoas O Z 3
Sergipe 0 1 2
Behia 5 4 4
13 16 22
Oeste e Sul
Mato Grosso O 1 0
Goiás 1 1 0 |
Paraná 0 1 0
Santa Catarina O 2 0
Rio Grande do Sul 3 3 0
4 8 0
Totais para Províncias não de café 20 30 25
Centro Sul
Minas Gerais 5 5 9
Espírito Santo 0 1 1
Rio de Janeiro e
Município Neutro 1 1 9
São Paulo 2 1 6
ê 8 25
ToTAIS 28 38 50
g
e
364
nf
: o a 1
ADELA
366
Ea
tempo que lhe restar a preencher, se não houver acordo sobre o quantum
da mesma indemnização.
8 3.º Cabe tambem aos senhores criar e tratar os filhos que as
filhas de suas escravas possam ter quando aquellas estiverem prestando
Serviços.
Tal obrigação, porem, cessará logo que findar a prestação dos serviços
das máis. Se estas fallecerem dentro daquelle prazo, seus filhos poderão
ser postos á disposição do Governo.
$ 4.º Se a mulher escrava obtiver liberdade, os filhos menores de
oito annos, que estejam em poder do senhor della por virtude do 3 1.5,
lhe serão entregues, excepto se preferir deixal-os, e o senhor annuir a
ficar com elles.
8 5.º No caso de alienação da mulher escrava, seus filhos livres, me-
nores de 12 annos, a acompanharão, ficando o novo senhor da mesma
escrava subrogado nos direitos e obrigações do antecessor.
$ 6.º Cessa a prestação dos serviços dos filhos das escravas antes do
prazo marcado no $ 1.º, se, por sentença do juizo criminal, reconhecer-se
que os senhores das máãis os maltratam, infligindo-lhes castigos excessivos.
$ 7.º O direito conferido aos senhores no $ 1.º transfere-se nos casos
de sucessão necessaria, devendo o filho da escrava prestar serviços á pessoa
a quem nas partilhas pertencer a mesma escrava.
Art. 2.º O Governo poderá entregar a associações por elle autorizadas
os filhos das escravas, nascidos desde a data desta lei, que sejam cedidos
ou abandonados pelos senhores dellas, ou tirados do poder destes em virtude
do, art. 1: 9.465.
$ 1.º As ditas associações terão direito aos serviços gratuitos dos me-
nores até a idade de 21 annos completos e poderão alugar esses serviços,
mas serão obrigados: |
1.º A criar e tratar os mesmos menores.
2.º A constituir para cada um delles um peculio, consistente na quota
que para este fim fôr reservada nos respectivos estatutos.
3.º A procurar-lhes, findo o tempo: de serviço, apropriada collocação.
S 2.º As associações de que trata o paragrapho antecedente serão
sujeitas á inspecção dos juizes de Orphãos, quanto ao menores.
$ 3.º A disposição deste artigo é applicavel ás casas de expostos, e
ás pessoas a quem os Juizes de Orphãos encarregarem a educação dos
ditos menores, na falta de associações ou estabelecimentos creados para
tal fim.
$ 4.º Fica salvo ao Governo o direito de mandar recolher os refe-
ridos menores aos estabelecimentos publicos, transferindo-se neste caso para
o Estado as obrigações que o $ 1.º impõe ás associações autorizadas.
Art. 3.º Serão annualmente libertados em cada Provincia do Imperio
“tantos escravos quantos corresponderem á quota annualmente disponivel
do fundo destinado para a emancipação.
$ 1.º O fundo da emancipação compõe-se:
1.º Da taxa de escravos.
2.º Dos impostos geraes sobre transmissão de propriedade dos escravos.
3.º Do produto de seis loterias annuaes, isentos de impostos, e da
decima parte das que forem concedidas d'ora em diante para correrem
na capital do Imperio.
4.º Das multas impostas em virtude desta lei.
5.º Das quotas que sejam marcadas no Orçamento geral e nos provin-
ciaes e municipaes.
6.º De subscripções, doações e legados com esse destino.
367
S 2.º As quotas marcadas nos Orçament
os provinciaes e m Unic
assim como as subscripções, doações e legados com ipaes,
destino lo cal, serão
applicadas á emancipa ção nas Provincias, Comarcas,
Municipios e Fregu
zias designadas. o e.
.
|
Art. 4.º E permitido É ao escravo a formação
de um peculio
e heranças, e com o que, porcomcon-o
que lhe provier de doações, legados
sentimento do senhor, obtiver
do se
providenciará nos regulamentos sobr u trabalho e economias, O Governo
e a collocação e segurança do me
peculio. smo
$ 1.º Por morte do escravo,
metade do seu peculio pertencerá ao
conjugue sobrevivente, se o houver
, e a outra metade se transmit
seus herdeiros, na forma da lei civil. irá aos
Na falta de herdeiros, o peculio
pação de que trata o art. 3.º.
será adjudicado ao fundo de emanci-
8$ 2º O escravo que, por
a
meio de seu peculio, obtiver me
indemnização de seu valor, tem ios para
direito a alforria. Sea indemnização não
fôr fixada por acordo, o
a
será por arbitramento. Nas ve
ou nos inventários o preço da alforria será o da avaliação. ndas Judiciaes
e
S 3.º É, outrosim, permittido
contractar com
ao
escravo, em favor da sua li
terceiro a prestação de futu berdade,
não exceda de sete annos, me ros serviços por tempo que
diante O consentimento do
vação do Juiz de Orphãos. senhor e appro-
$ 4º O escravo que pertence
r a condominos, e fôr libe
um destes, terá direito 4 sua rtado por
alforria, indemnizando os outr
da quota do valor que lhes os senhores
pertencer. Esta indemnização
Paga com serviços prestados poderá ser
Por prazo não maior de sete annos, em
conformidade do paragrapho
antecedente.
$ 5.º A alforria com a clausula
ficará annullada pela falta de de serviços durante certo tempo
implemento não
liberto será compellido à cumpril- da mesma clausula, ma
a por meio de trabalhos nos es s o
mentos publicos ou por cont tabeleci-
ractos de serviços a particul
S 6.º As alforrias, quer gratuitas, ares.
de quaesquer direitos, emolumento
quer a titulo oneroso, serão isentas
s ou despezas.
S 7.º Em qualquer caso de aliena
prohibido, sob pena de nulidade ção em transmissão de escravos é
, separar os con jugues, e os
de 12 annos, do pae ou filhos menores
mãi.
S 8º Se a divisão de
a reunião de uma familia, bee ns entre herdeiros ou socios não comportar
nenhum delles preferir conserva
seu dominio, mediante reposição da la sob O
será a mesma familia ve quota parte dos outros interessados
ndida e o seu producto ,
S 9.º Fica derogada à Ord. rateado.
alforrias por ingratidão. liv. 4º tit. 63, na parte qu
e revoga as
Art. 3.º Serão sujeitas á inspecção
dos
369
APÉENDICE HI
A LEI SARAIVA-COTEGIPE
DA MATRICULA
370
$ 3.º O valor a que se refere o art. 1,º será declarado pelo senhor
do escravo, não excedendo o maximo regulado pela idade do matriculando,
conforme a seguinte tabella:
371
Il. Da taxa de 5% addicionaes a todos os impostos geraes, excepto
ação.
os pg aa cobrada desde já livre de despezas de arrecadação, e
annualmente inscripta no orçamento da receita apresentado á Assembléa
Geral Legislativa pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da
FL De titulos da divida publica emittidos a 5%, com amortização
annual de 1/2%, sendo os juros e amortização pagos pela referida taxa de 5%.
$ 1.º A taxa addicional será arrecadada ainda
depois da libertação
de todos os escravos e até se extinguir a divida proveniente da emissão
dos titulos autorizados por esta Lei.
S 2º O fundo de emancipação, de que trata o
n.º I deste artigo,
continuará a ser applicado de conformidade ao disposto
no art. 27 do
Regulamento approvado pelo Decreto n.º 5135 de 13
de Novembro de 1872.
S 3.º O producto da taxa addicional será dividido
iguaes:
em tres partes
A 1.º parte será applicada á emancipação dos escravos
conforme o que fôr estabelecido em regulamento de maior idade,
do Governo.
A 2º parte será applicada á libertação por metade ou
metade de seu valor, dos escravos de lavoura menos de
e mineração cujos senhores
quizerem converter em livres os estabelecimentos
mantidos por escravos.
A 3.º parte será destinada a subvencionar a coloniz
do pagamento de transporte de colonos que forem ação por meio
effectivamente collocados
em estabelecimentos agricolas de qualquer natureza.
8 4.º Para desenvolver os recursos empregados
na transformação dos
estabelecimentos agricolas servidos por escravos
em estabelecimentos livres
e para auxiliar o desenvolvimento da colonização
agricola, poderá o Go-
verno emittir os titulos de que trata o n.º 3
deste artigo.
Os juros e amortização desses titulos não poderão absorver mais dos
dois terços do producto da taxa addicional consignada n.º 2 do mesmo
artigo.
373
suas molestias, usufruindo os serviços compativeis com as forças delles,
salvo si preferirem obter em outra parte os meios de subsistencia, e os
Juizes de Orphãos os julgarem capazes de o fazer.
$ 14º É domicilio obrigado por tempo de cinco annos, contados da
data da libertação do liberto pelo fundo de emancipação, o municipio
onde tiver sido alforriado, excepto o das capitaes.
$ 15.º O que se ausentar de seu domicilio será considerado vagabundo
e apprehendido pela Policia para ser empregado em trabalhos publicos ou
colonias agricolas.
$ 16.º O Juiz de Orphãos poderá permitir a mudança do liberto no
caso de molestia ou por outro motivo attendivel, si o mesmo liberto tiver
bom procedimento e declarar o logar para onde pretende transferir seu
domicilio.
S 17.º Qualquer liberto encontrado sem occupação será obrigado a
empregar-se ou a contratar seus serviços no prazo que lhe fôr marcado
pela Policia.
S 18.º Terminado o prazo, sem que o liberto mostre ter cumprido
a determinação da Policia, será por esta enviado ao Juiz de Orphãos, que
o constrangerá a celebrar contrato de locacão de serviços, sob pena de
l5 dias de prisão com trabalho e de ser enviado para alguma colonia
agricola no caso de reincidencia.
S 19.º O domicilio do escravo é intransferivel para Provincia diversa
da em que estiver matriculado ao tempo da promulgação desta Lei.
A mudança importará acquisição da liberdade, excepto nos seguintes
casos:
1.º Transferencia do escravo de um para outro estabelecimento do
mesmo senhor.
2.º Si O escravo tiver sido obtido por herança ou por adjudicação
forçada em outra Provincia.
3.º Mudança de domicilio do senhor.
4.º Evasão do escravo.
S$ 20.º O escravo evadido da casa do senhor ou d'onde estiver em-
pregado não poderá, enquanto estiver ausente, ser alforriado pelo fundo
de emancipação.
S 21.º A obrigação de prestação de serviços de escravos, de que trata
o 8 3.º deste artigo, ou como condição de liberdade, não vigorará por
tempo maior do que aquelle em que a escravidão fôr considerada extincta.
DISPOSIÇÕES GERAES
Art. 4.º Nos regulamentos que expedir para execução desta Lei o
Governo determinará:
1.º Os direitos e obrigações dos libertos a que se refere o $ 3.º do
artigo 3.º para com os seus ex-senhores e vice-versa.
2º Os direitos e obrigações dos demais libertos sujeitos á prestação
de serviços e daquelles a quem esses serviços devam ser prestados.
3.º A intervenção dos Curadores geraes por parte do escravo, quando
este fôr obrigado á prestação de serviços, e as attribuições dos Juizes de
Direito, Juizes Municipaes e de Orphãos e Juizes de Paz nos casos de
que trata a presente Lei.
Lg
och ê ci [4
374
8 1.º A infracção das obrigações a que se referem os n.º 1 e 2
deste artigo será punida conforme a sua gravidade, com multa de 2008000
ou prisão com trabalho até 30 dias.
8 2.º São competentes para a imposição dessas penas os Juizes de
Paz dos respectivos districtos, sendo o processo o do Decreto n.º 4824 de
29 de Novembro de 1871, art. 45 e seus paragraphos.
$ 3º O acoutamento de escravos será capitulado no art. 260 do Co-
digo Criminal.
8 4,º O direito dos senhores de escravos á prestação de serviços dos
ingenuos ou á indemnização em titulos de renda, na forma do art. 1.º,
8 1.º, da Lei de 28 de Setembro de 1871, cessará com a extincção da
escravidão.
8 5.º O Governo estabelecerá em diversos pontos do Imperio ou nas
Provincias fronteiras coloniais agricolas, regidas com disciplina militar, para
as quaes serão enviados os libertos sem occupação.
8 6.º A occupação effectiva nos trabalhos da lavoura constituirá legi-
tima isenção do serviço militar.
$ 7.º Nenhuma Provincia, nem mesmo as que gozarem de tarifa especial,
ficará isenta do pagamento do imposto addicional de que trata o art. 2.º.
8 8.º Os regulamentos que forem expedidos pelo Governo serão logo
postos em execução e sujeitos á approvação do Poder Legislativo, conso-
lidadas todas as disposições relativas ao elemento servil constantes da Lei
de 28 de Setembro de 1871 e respectivos Regulamentos que não forem
revogados.
Art. 5.º Ficam revogadas as disposições em contrario.
Mandamos, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e
execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e
guardar tão inteiramente, como nella se contém. O Secretario de Estado
dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas a faça imprimir,
publicar e correr. Dada no Palacio do Rio de Janeiro aos 28 de Setembro
de 1885, 64.º da Independencia e do Imperio.
Fonte: Collecção das leis do Imperio do Brazil de 1885, Parte I, Tomo XXXII
(Rio de Janeiro, 1886), páginas 14-19,
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Archivo do Conselho Ultramarino, XX.
s extrahidas do
PusLic REcorDp OrricE, LONDON
FO 84/1244.
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA, DEPARTAMENTO
CULTURAL, DE DirusÃo
BIBLIOTECA PÚBLICA, NITERÓI, RIO DE
Documentos JANEIRO
sôbre a repressão ao tráfico de africanos no litoral fluminense,
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Amazonas
Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa Provincial do Amazonas...
em 25 de Março de 1683, pelo Presidente José Lustosa da Cunha Para-
naguá. Em Amazonas, 2 de Maio de 1883.
Relatorio com que o presidente da provincia do Amazonas, Dr. José Lustosa
da Cunha Paranaguá, entregou a administração da mesma provincia ao
1.º vice-presidente Coronel Guilherme José Moreira em 16 de F evere
iro
de 1884. Manaus, 1884. :
Exposição apresentada á Assemblea Legislativa Provincial do Ámazones
na
abertura da primeira sessão da decima setima legislatura em 25 de Março
de 1884. Manaus, 1884.
Ceará
Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa Provincial do Ceará -
1.º de Outubro de 1862. Fortaleza, 1862. orteard no sda
361
qa pd allaqueno odia Exm.
2 de Julho de 1877. Fortaleza, 1877.
Sr. Commendador Dr. Sanch
o Barros Pi. de
mentel passou a administração da provincia do Ceará ao 2.º Vice-Presi
dente
«no dia 31 de Outubro de 1882. Fortaleza, 1882.
Relatorio com que o Exm. Sr. Dr. Satyro de Oliveira
Dias passou a admi-
nistração da provincia ao 2.º Vice-Presidente
Exm. Sr. Commendador À
Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly no dia 31 de Maio de 1884.
Forta-
leza, 1884.
Pará
Falla com que o Exmo. Sr. General Visconde
da Maracajú... pretendia
abrir a sessão da respectiva assemblea no dia 7
de Janeiro de 1884,
Pará, 1884.
Falla dirigida... pelo Presidente da Provincia
do Gram Pará á Assemblea
Provincial... do dia 1.º de Outubro de 1849.
Pará, 1849,
Discurso da abertura da sessão extraordinária da Assemblea
Provincial do Pará. Em 7 de Abril de 1858 Legislativa
pelo Presidente Dr. João da
Silva Carrão. Pará, 1858.
Paraíba
Exposição feita pelo Doutor Francisco Xavier
Paes Barreto na qualidade de
presidente da provincia da Parahyba do Nor
te. Em 16 de Abril de 1855.
Paraíba, 1855.
Rio de Janeiro
Relatorio apresentado é Assemblea Legislativa
Provincial do Rio de Janeiro
na primeira sessão da vigesima legislatura no
dia 22 de outubro de 1876
pelo Presidente Conselheiro Francisco Xavier
Pinto Lima. Rio de Ja-
neiro, 1876.
Relatorio da provincia do Rio de Janeiro para
o anno de 1839 a 1840.
Relatorio do presidente da provincia do Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro,
1863.
Relatorio do presidente da provincia do Rio de Jan
eiro o Conselheiro
Paulino José Soares de Souza ... para o anno de 184
0 a I841. 2.º ed.
Niterói, 1851.
Relatorioá da presiden
: É
cia da
|
provincia
de Sergipe
de Sergipe em
em 1872. Aracaju, 1872.
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a
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1855), XLIX (1858-1859), LIIX (1862-1863), LVII (1866-1867), LVIII
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Class B. Correspondence with Foreign Powers Relating to the Slave Trade,
Os Volumes usados incluem os datados de 1829, 1830; De 11 de maio
a 31 de dezembro de 1840; De 1 de abril de 1850 a 31 de março de
1851; De 1 de abril de 1852 a 31 de março de 1853; De 1 de abril
de 1854 a 31 de março de 1855; De 1 de abril de 1855 a 31 de março
de 1856; De 1 de abril de 1856 a 31 de março de 1857; De 1 de abril
de 1857 a 31 de março de 1858; De 1 de abril de 1860 a 31 de dezembro
de 1860; 1862; 1865; 1866; 1867.
A Complete Collection of the Treaties and Conventions and Reciprocal
Regulations, at Present Subsisting between Great Britain & Foreign
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C764u Os Últimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888; tradução de
Fernando de Castro Ferro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira; -
Brasília, INL, 1975.
394p. ilust. 21cm (Retratos do Brasil, v.90)
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Os Ultimos Anos da
Escravatura no Brasil
1850 - 1888
Tradução de
Fernando de Castro Ferro
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1975
Traduzido do original em inglês:
THE DESTRUCTION OF BRAZILIAN SLAVERY
— 1850-1888
Copyright O 1972, by
The Regents of the University of California
Desenho de capa:
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Diagramação:
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1975
Impresso no Brasil
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SUMÁRIO
3. A Crise DA MÃo-DE-OBRA — 42
A Escassez da Mão-de-Obra — Párias Brasileiros — O Infeliz Negro
4. O Comércio DE Escravos INTERPROVINCIAL — 63
O Tráfico Interno — Causas e Repercussões Econômicas do Tráfico Inter-
provincial — Reações Políticas
5. A ORIGEM DO EMANCIPACIONISMO — 88
Emancipacionismo Imperial — Emancipacionismo Popular — A Véspera da
Reforma
6. A EMANCIPAÇÃO DOS RECÉM-NAscIDOS — 112
A Lei Rio Branco — Região Contra Região — O Debate Nacional —
A Oposição — Os Defensores da Lei
7. A Lei Rio Branco — 132
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APÊNDICES
(Entre páginas IV e V)
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no Rio de Janeiro
Escravos no tronco, uma forma de castigo usada mais frequentemente
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Luiz Gama
José Ferreira de Menezes
José do Patrocínio
André Rebouças
Francisco do Nascimento, tal como retratado por Ângelo Agostini na
capa da Revista Ilustrada.
PREFÁCIO
À EDIÇÃO BRASILEIRA
Desde sua implantação, no século xvIr, até suas décadas finais, a escrava-
tura foi uma instituição extraordinariamente vital e profundamente enraizada
na maioria das áreas colonizadas do Brasil. Como um dos resultados de sua
grande importância, durante os primeiros sessenta e cinco anos do século xIx,
o Brasil não desenvolveu um movimento vigoroso antiescravatura. Até
mesmo durante a década de 1860 e a seguinte, a oposição a esta instituição
foi sempre fraca, esporádica, emancipacionista (ao contrário de abolicionista)
e, de um modo geral, inspirada do exterior. Por que razão, então, surgiu,
finalmente, um verdadeiro movimento abolicionista em 1880, que emergiu
triunfantemente da luta contra a escravatura, apenas oito anos depois?
Este estudo, abrangendo o período decorrente entre 1850 e 1888, oferece
uma narrativa dos acontecimentos que levaram ao desaparecimento da escra-
vatura no Brasil, bem como, ainda, uma análise das forças sócio-políticas,
econômicas e abolicionistas envolvidas no processo. Uma ampla pesquisa
do período que se seguiu à supressão do comércio de escravos na África,
em 1852, revelou que, apesar de os esforços dos abolicionistas terem sido
Importantes para a destruição da escravatura, certos desenvolvimentos econô-
micos e demográficos também agiram fortemente contra a sobrevivência da
Instituição,
Sem uma poderosa oposição do exterior e o exemplo moral de outras
nações, afetando as mais altas esferas do governo brasileiro, o Brasil dificil-
mente teria agido para se privar das suas duas fontes de escravos. A su-
pressão do comércio de escravos da África no início da década de 1850
e a libertação de crianças recém-nascidas de escravas, em 1871, foram decisões
que, na realidade, condenaram o sistema de escravatura à extinção, apesar
de sua enorme importância para a economia e a sociedade brasileira. A abo-
lição do comércio de escravos, decretada depois de mais de quarenta anos
de uma pressão titânica por parte da Grã-Bretanha, só por si, condenou a
escravatura brasileira à inevitável extinção, já que os escravos, no Brasil,
não eram capazes de manter seus números por meio de reprodução natural
e o sistema, portanto, dependia de uma fonte permanente de novos trabalha-
dores africanos. A decisão de 1871 no sentido de libertar os recém-nascidos
(tornada aceitável, então, pelo declínio da escravatura em grande parte do
país) apressou a conversão para um sistema de trabalho livre. Todavia, só
no início da década de 1880 é que esta conversão atingiu o ponto em que
XY
um movimento abolicionista poderoso, popular e generalizado podia, final.
mente, surgir.
As razões para esta ausência de oposição à
escravatura não são difíceis
de localizar. Estão relacionadas com a sobrevivê
ncia, ainda muito depois da
independência, de uma sociedade essencialmente
colonial. A escravatura, no
Brasil, ainda era considerada necessária para o bom
funcionamento do mais
respeitado e lucrativo setor da economia, embora
, na realidade, isto já não
fosse verdade. Havia uma classe de fazendeiros que
dominavam a terra e
as próprias vidas de uma grande parte da população ativa,
no que se refere
tanto aos escravos quanto aos homens livres. Essa mesm
a classe controlava
as instituições políticas e a maioria das oportunidades econômicas, inc
luindo
as dos comerciantes, magistrados, burocratas e uma pequena e depend
ente
classe intelectual, os próprios grupos dos quais se esperaria
uma oposição
mais forte à escravatura. Além disto, o Brasil não contava com uma ampla
classe média educada e politizada. Durante o período do Império (1822-
1889), Jamais se instituiu qualquer educação popular efetiva e, na década
de 1870, os analfabetos, incluindo os escravos, ainda representavam oitenta
e seis por cento da população. Estes analfabetos, na sua maioria, não tinham,
sem dúvida, qualquer voz ou influência política e, assim, eram fracos candi-
datos às fileiras de um movimento de protesto que tivesse força. O protesto,
quando surgiu, foi quase sempre um ato individual do escravo, que tomava
a forma de fuga, revolta ou ataque pessoal aos representantes visíveis do
sistema, o capataz ou o senhor. id .
Ao contrário dos Estados Unidos, outra das principais nações escravo-
cratas das Américas, até a escravatura ter sido quase derrotada, o Brasil
não proporcionou abrigos, em províncias em que a escravidão não existiu,
onde os escravos pudessem encontrar refúgio ou onde o abolicionismo pudesse
florescer sem ser prejudicado por interesses econômicos locais. Até o apareci-
mento de Castro Alves, o poeta dos escravos, em meados da década de 1860,
não havia qualquer escola brasileira de escritores abolicionistas, apenas vozes
individuais manifestando sentimentos pessoais. Antes de 1880, nem mesmo a
imprensa se aproveitava de seu estado de liberdade sob o governo benevolente
do Imperador Pedro II para atacar a instituição econômica dominante da
nação, exceto por breves períodos, quando as questões do comércio de
escravos e da liberdade dos recém-nascidos estavam sendo “debatidas. Da
mesma forma, a Igreja Católica jamais desenvolveu uma missão antiescrava-
tura e os padres que se opunham individualmente à instituição eram casos
XVI
LOG i
dores que ainda lhes restavam, até que os processos da idade e da
morte
reduzissem sua importância econômica à insignificância.
As diferenças regionais na questão dos escravos não foram muito bem
definidas no Brasil, mas foram muito importantes. Conforme foi indicado
por todo este estudo, um dos fatores significantes no processo abolicionista
foi a variação no grau de compromisso para com a escravatura nas diversas
regiões do país. Apesar da escravatura brasileira ter sido sujeita a pouca
oposição organizada até seus últimos anos, algumas brechas regionais na
fachada do consenso nacional pró-escravatura já eram aparentes nas décadas
de 1860 e 1870, brechas essas que se alargaram rapidamente durante à
década de 1880, ameaçando a estabilidade de toda a estrutura. Os mais
ávidos defensores da instituição, por certo durante os últimos trinta anos
de sua existência, concentravam-se nas províncias produtoras de café —
Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo — enquanto, nas regiões do
nordeste, produtoras de açúcar e de algodão, e em outras regiões menos
prósperas, o interesse da escravatura já se dissipava rapidamente, durante
o mesmo período, como um resultado da pobreza relativa e da mudança
consegiuente de dezenas de milhares de escravos para as zonas do café.
Um amplo corpo de fatos derivados do estudo do Brasil como um todo
e não meramente das suas províncias produtoras de café, onde a escravatura
era mais forte e seu colapso foi mais dramático, nega a teoria de que, como
um grupo, os plantadores de café do norte e do oeste de São Paulo estavarn
na vanguarda da oposição à escravatura. Apesar dos proprietários das planta-
ções de café dessa parte do Brasil terem revelado indícios de estarem mais
dispostos do que os plantadores de outros lugares a adotarem soluções mo-
dernas para seus problemas econômicos, poucos deles, na realidade, mos-
traram alguma tendência para adotar um sistema de trabalho livre até
apenas meses antes da abolição da escravatura. Os plantadores de café de
São Paulo, na verdade, constituíram um dos mais poderosos e obstinados
grupos pró-escravatura no Brasil até a segunda metade de 1887, quando
a situação nacional e local, mudando rapidamente, os forçou a realizar de
Uma só vez a conversão para o sistema de trabalho livre, que já estava
sendo efetuada há décadas em outras regiões do país. A elucidação do
papel de São Paulo no processo da abolição é um dos principais objetivos
desta obra, já que, na realidade, esse papel foi importante. Conforme disse
Joaquim Nabuco, o principal abolicionista, anos depois dos escravos terem
sido libertados: “O último dos apóstolos pode vir a ser o primeiro de todos,
como São Paulo, em serviços e em proselitismo.”
Preocupei-me sempre, ao longo deste estudo, com as atitudes da classe
dos plantadores que possuíam escravos e, também, com suas opiniões no
que se refere ao trabalho, à escravidão, às relações entre classes e à orga-
nização econômica e social. Convencido de que o tradicionalismo é um
fator que ainda hoje contribui para o subdesenvolvimento da América Latina,
prestei muita atenção à variedade de argumentos fascinantes, embora nem
sempre lógicos, que a classe proprietária de escravos empregava na defesa
da escravatura durante este período de extraordinário desafio a seus privi-
légios econômicos e sociais. Mostrei bem, creio, o desrespeito geral que
muitos dos membros dessa classe tinham pela lei, as obrigações internacionais
e até mesmo as éticas de sua própria sociedade quando estas não estavam
em harmonia com seus interesses. |
Os objetivos dos abolicionistas também foram objeto de alguma análise.
Esses objetivos foram grandemente variados, desde ardentes e consistentes
compromissos para com a Justiça e a mudança social até a rendição tardia
e relutante ao inevitável. Quando a luta se aproximou do seu ponto culmi-
XVII
nante, em 1887 e 1888, os brasileiros informados sentiram, na sua maioria,
um forte desejo de libertar seu país de uma instituição injusta e humi.
lhante, mas poucas eram as pessoas que tinham a consciência da necessidade
de reformas colaterais, que os líderes do movimento já tentavam obter havia
anos: o estabelecimento de um sistema de educação popular, representação
política mais ampla e alterações no sistema da propriedade das terras. O abo-
licionismo, contudo, significava mais do que libertação, como Joaquim Nabuco
e outros líderes preeminentes afirmaram. A abolição, segundo eles esperavam,
seria a primeira de uma série de reformas nacionais tendo por inte
nção
acabar com o domínio da classe tradicional dos proprietários de escravos
sobre as instituições da nação. Os trágicos resultados da escravatura
não
constituem um dos temas deste livro, mas o estudo seria incompleto se não
revelasse que os reformadores da era consideraram não só a liberdade para
os escravos, mas também a transformação do Brasil numa democracia socia
l
e política na qual os antigos escravos e a população rural empobrecida
seriam preparados para participar mais amplamente na vida nacional
.
O livro foi dividido em duas partes. A primeira, tanto tópica quan
to
cronológica, lida com o período decorrente entre a supressão do
comércio
de escravos da África, em meados do século, e o início do movimento aboli
-
cionista, trinta anos mais tarde. Contém, ainda, um estudo do comércio
interprovincial de escravos e seus efeitos sobre o equilíbrio da escravat
ura
na nação como um todo, bem como uma análise do debate nacional
sobre
a libertação dos recém-nascidos e as consegiiências dessa reforma vital, O
prin-
cipal objetivo da primeira parte é revelar tanto a importância da escravat
ura
para a sociedade brasileira durante o período decorrente entre 1850 e
1880
quanto as causas do rápido declínio dessa instituição durante esses trinta anos.
Sua intenção é, ainda, preparar o palco para a segunda parte d a obra, que
trata do fenômeno do abolicionismo nas diversas regiões do país e das
ações decisivas dos próprios escravos, que ajudaram a destruir a instituição.
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UMA EXPLICAÇÃO...
Robert C onrad
Rio de Janeiro, abril de 1974.
XIX
AGRADECIMENTOS
Professores David Brion Davis, Peter d'A. Jones, Franklin W. Knight, Ro-
bert M. Levine, John V. Lombardi, Joseph L. Love, Peter McKeon, Gilbert
Osofsky, Max Savelle e Stanley J. Stein, que leram parte ou a totalidade
do manuscrito e ofereceram conselhos úteis. Naturalmente, também estou
muito agradecido ao Sr. Fernando de Castro Ferro por sua excelente e sen-
sitiva tradução.
O auxílio financeiro veio de várias fontes. Uma Bolsa NDFL-Fulbright-
Hays permitiu-me viajar para o Brasil na primavera de 1965 e aí ficar durante
cerca de quinze meses. ; Uma assistência de pesquisa diplomada do Instituto
de Estudos Latino-Americanos na Universidade da Colúmbia, organizada pelo
XX
Professor Charles Wagley, tornou possível a rápida realização de um estuda
preliminar da abolição do comércio de escravos no Brasil, que me propor-
cionou uma visão do problema mais amplo do declínio do sistema de escra-
vatura no Brasil. As subvenções recebidas da Sociedade Filosófica Americana
e da Universidade de Illinois, em Chicago Circle, também ajudaram a financiar
a pesquisa no Brasil durante o verão de 1969.
Finalmente, estou particularmente grato ao Professor Lewis Hanke, cujos
conselhos, assessoria e encorajamento durante um longo período tornaram
este estudo possível. Sou, naturalmente, o único responsável pelas opiniões
apresentadas — e quaisquer erros de fato ou julgamento são apenas de mínha
autoria.
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NOTA DO TRADUTOR
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ABREVIATURAS
usadas nas notas ao pé-de-página
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AO DO SUL
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Porto Alegre
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OS ÚLTIMOS ANOS DA
ESCRAVATURA NO BRASIL
é obra das mais completas em torno dos fatos sociais, políticos e
econômicos que marcaram as lutas entre escravagistas e abolicionistas
e culminaram na libertação dos escravos.
ROBERT CONRAD
CR$ 35,00
— ag a
Este preço só se tornou possível devido à participação
do Instituto Nacional do Livro, que, em regime de co-edição,
permitiu o aumento da tiragem e consegiiente redução do
custo industrial.