Você está na página 1de 3

Ciberespaço, globalização e soberania

*Por Fabricius Assumpção.


Macaé/RJ, 15 de agosto de 2021.

A atual sociedade vem atravessando um momento de transformação proporcionado


muito em razão da evolução e pelo que vem acontecendo no chamado ciberespaço, bem como
pela nova dinâmica do processo de globalização o que, contudo, para alguns, tornou-se uma
ameaça à soberania dos Estados. Na expressão cunhada por Zygmunt Bauman, o
ciberespaço é o “espaço dos fluxos” [1], local o qual a política não consegue interferir e onde
dados e informações conseguem fluir a grande velocidade e com um intenso volume sem um
controle prévio de censura [2].

Como destaca Cláudio Joel Brito Lóssio, a internet não nasceu para ser controlada
nem limitada ou segurada, mas como um instrumento de comunicação que busca a
independência, fluidez, e a capacidade de não se limitar a qualquer espaço e que, por essa
razão:
os Estados procuram, já há algum tempo, criar regulações direcionadas ao
ciberespaço – um mundo que, ao mesmo tempo que pretende ser “autônomo”, traz
muitas vezes a possibilidade de rastro na sua estrutura.

O espaço dos fluxos pode ser visto como uma possibilidade de liberdade pelo fato de
os Estados não poderem interceptar a comunicação entre pessoas, muito embora
possa ocorrer um controle Estatal dessa comunicação. Fica-se, então, entre um
aspecto positivo e um negativo, a depender da perspectiva de cada um [3].

O modelo do Estado soberano vem sendo substituído por um novo paradigma, o da


sociedade global e que, dessa maneira, a soberania é entendida como poder estatal ou como
qualidade desse poder. Neste contexto, para Eduardo Felipe Pérez Matias, dentre as
maneiras que o poder estatal perde efetividade está relacionada principalmente aos fenômenos
da globalização e da revolução tecnológica, pois que:
Ainda que o Estado contribua para a promoção desses fenômenos, a redução do
poder estatal nesse caso não é voluntária. Ela resulta de uma perda de controle e de
uma diminuição na capacidade de produzir certos resultados desejados [4].

Na afirmação do sociólogo espanhol Manuel Castells:


O crescente desafio à soberania dos Estados em todo o mundo parece advir da
incapacidade de o Estado-Nação moderno navegar por águas tempestuosas e
desconhecidas entre o poder das redes globais e o desafio imposto por identidades
singulares [5].

Ao mesmo tempo em que o processo de globalização permite encurtar distância entre


pessoas de Estados distintos que possuam interesses em comum, o que é acelerado pelas

1
2
3
4
5
tecnologias de comunicação, como a internet, esse processo, conforme salienta Claudio
Carneiro, pode desencadear eventos que gerem danos através de mudanças comportamentais
que ocorrem de forma veloz [6], a exemplo da fuga e violação de dados de cunho internacional
entre tais Estados, aproveitando essa velocidade do ciberespaço [ 7]. Na mesma linha, o já
citado Zygmunt Bauman, ao alertar para as consequências da globalização, informa que esse
processo tem um efeito colateral inconsciente e frágil, de modo que as fronteiras entre os
Estados são fictícias e a soberania territorial é uma ilusão diante desse novo paradigma
proporcionado pelo ciberespaço [8].

Além da possibilidade de enfraquecimento de um Estado diante de sua ineficiência no


processo de controle do seu povo diante da comunicação e troca com outros indivíduos de
outros Estados, ele também é incapaz de regular plenamente sua economia devido a conflito
de interesses quanto à efetiva implementação, descentralização, expansão e controle de
inovações como as chamadas criptomoedas [9]. Diferentemente dos tradicionais sistemas
financeiros, centralizados e coordenados pelas autoridades monetárias de cada país – que
também agem de forma integrada globalmente, visando manter a estabilidade, robustez e
segurança do sistema, com a implementação da criptomoeda, cuja modalidade mais conhecida
é o bitcoin, não há controle por parte do agente central, de tal sorte que as regras sobre qual
será a quantidade máxima dessa moeda será emitida e a velocidade com a qual irá se atingir
esse valor são predeterminados [10].

A forma como é validada uma transação que envolve bitcoin quando uma pessoa, por
exemplo, utilizando um computador ou smartphone pretende transferir uma quantidade para
uma outra, se dá por intermédio de outra tecnologia, o chamado blockchain. Explicando o
funcionamento da transação e do blockchain, de acordo com Tarcísio Teixeira:
é necessário que a cada utilizador seja atribuído duas “chaves”: uma chave privada
que é mantida em segredo com uma senha, e uma chave pública que pode ser
compartilhada com o mundo. A transferência de propriedade dos bitcoins é gravado
em uma “cadeia de blocos” (blockchain), de forma que a criptografia da chave
pública assegura que todos os computadores na rede tenham um registro
constantemente atualizado e verificado de todas as operações dentro da rede bitcoin,
o que impede duplo gastos e fraude.

(...)

Para o funcionamento da escrituração é preciso usar assinatura digitais, as quais são


certificadas pelos intitulados “mineradores”, que são programadores que realizam o
trabalho de atestar a segurança das operações. No fundo, os mineradores são os
certificadores, que pela tarefa de certificação (mineração) são remunerados com
bitcoins [11].

Assim, ao utilizar uma combinação inteligente entre criptografia e redes de ponto a


ponto (P2P), como observa Klaus Schwab:
a tecnologia do blockchain garante que as informações armazenadas e
compartilhadas entre um grupo de pessoas são precisas e transparentes – somando-

6
7
8
9
10
11
se a várias outras vantagens, como a capacidade de visualizar os estados anteriores
de um registro e a oportunidade de criar registros programáveis – chamados
“contratos inteligentes” [12].

Entretanto, o mesmo autor aponta três situações que a possibilidade da utilização da


criptografia em si não vem sendo resolvidas:
Os mesmos protocolos que permitem que os contratos inteligentes protejam os
interesses por meio da criptografia também permitem que grupos realizem
atividades ilícitas, como comércio ilegal de drogas, o tráfico humano, fraudes e
muito mais. Outra questão é a acessibilidade da tecnologia em si. Enquanto as
“carteiras” de bitcoin estão ficando mais fáceis de ser acessadas e utilizadas, existem
poucos incentivos em massa ou generalizados para que indivíduos e organizações
aceitem os custos de transição para as plataformas capazes de utilizar o blockchain.
A falta de uma grande quantidade de plataformas e aplicativos intuitivos – embora
eles não estejam longe de surgir – é outra barreira [13].

Conclui-se que o processo de globalização, acelerado pelo ciberespaço, além de criar


uma sociedade da informação e um mundo de informação sem fronteiras, acaba por acarretar
conflitos entre soberanias e dificuldades para litigar devido a esse caráter territorial,
proporcionando ao instrumento regulador social, o Direito, de consequência, especialmente o
Internacional, certa dificuldade de acompanhamento.

*Fabricius Assumpção é advogado, Master of Business Administration (MBA) em


Administração Pública, Pós-graduado em Direito Público, Pós-graduando em
Direito Digital e Diretor do CEPEDASO.

REFERÊNCIAS

[1] BAUMAN, Zygmunt. A cultura no mundo líquido moderno. (Trad. MEDEIROS, Carlos Alberto). Rio de
Janeiro: Jorge Zahr, 2013, p. 49.
[2] LÓSSIO, Cláudio Joel Brito. Proteção de dados e Compliance digital. 1 ed. São Paulo: Almedina, 2021, p.
45.
[3] LÓSSIO, Cláudio Joel Brito, ibidem, p. 45-46.
[4] MATIAS, Eduardo Felipe Pérez. A humanidade contra as cordas: a luta da sociedade global pela
sustentabilidade. 1 ed., São Paulo: Paz & Terra, p. 79.
[5] CASTELLS, Manuel. O poder da identidade: a era da informação. vol. 2 (trad.) Klaus Brandini Gerhardt. 9
ed. rev. ampl. São Paulo / Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018, p. 370.
[6] CARNEIRO, Cláudio. Compliance e a cultura da paz. Revista de Direito e Economia. Galileu, Lisboa, v. XX,
p. 37-58, jan./jun. 2019.
[7] LÓSSIO, Cláudio Joel Brito, ibidem, p. 50.
[8] BAUMAN, Zygmunt, ibidem, p. 25.
[9] LÓSSIO, Cláudio Joel Brito, ibidem, p. 51.
[10] PERELMUTER, Guy. Futuro do presente: o mundo movido à tecnologia. Jaguaré, SP: Companhia Editora
Nacional, 2019, p. 156.
[11] TEIXEIRA, Tarcisio. Direito digital e processo eletrônico. 5 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 303-
304.
[12] SCHWAB, Klaus. Aplicando a quarta revolução industrial. (prefs.) NADELLA, Satya; DORIA, João. (trad.)
MIRANDA, Daniel Moreira. São Paulo: Edipro, 2018, p. 134.
[13] SCHWAB, Klaus, ibidem, p. 138-139.

12
13

Você também pode gostar