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DIREITO CIVIL
TIAGO TOCCHETTO
LONDRINA
2022
O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PLANO DAS PLATAFORMAS
LONDRINA
2022
RESUMO
ABSTRACT
Several limitations to State interference in the private life of individuals was achieved
through the Constitution of 1988, guarantor of fundamental rights such as contradictory
and full defense. It turns out that the integrity of these principles is not only threatened by
state interference, but also by private entities with high socio-economic power, as can be
seen in the gradual breakdown of the decentralization of voice power, arising from
globalization and the advent of the internet, due to the control of social networks over
content traffic, through the removal of accounts and posts in dissonance with due process
of law. Therefore, the focus of the study is centered on illustrating the viable means to
ensure the due process in the sphere of platforms, which will take place through the
presentation of the theories of indirect and direct horizontal effectiveness of fundamental
rights in private relations, and their forms of application in the national order.
1 INTRODUÇÃO
Além disso, seus líderes não são responsáveis pelos seus usuários como
governos democráticos o são em relação aos seus eleitores. Não obstante, são
empresas gigantes de informação e sua capacidade de interferir com a
liberdade de informação e expressão é maior que a da maioria dos Estados
nacionais.
olhares devem se voltar atentamente para eventuais afrontas aos direitos fundamentais
disciplinados na Constituição da República Federativa do Brasil.
Dentro do inarredável domínio virtual tomado pelas redes sociais nas relações
interpessoais do século vigente, tidas como o meio de comunicação basilar desta
sociedade digital, não são raros os casos de exclusões de conteúdos e perfis realizados de
forma arbitrária, infundada e sem qualquer oportunização de resposta ou contra-
argumentação face a tais desarrazoadas condutas das plataformas.
Nesta toada, imprescinde trazer à tona alguns dos inúmeros eventos em que
ocorreram exclusões ou bloqueios unilaterais de publicações e contas, sem que houvesse :
prévia comunicação, esclarecimentos mínimos, ou qualquer possibilidade de
apresentação de defesa ante a remoção sumária pela qual o usuário se defronta.
Dentre tais casos, imperioso principiar pelo banimento do perfil que Felipe Rios
administra junto ao Instragram, intitulado como ˝Comédia Baiana˝, sem que houvesse
transparência suficiente da plataforma acerca do motivo de tal penalidade, muito menos
espaço para que o usuário pudesse contrarrazoar a automatizada apuração que sequer
obteve acesso, tendo o comediante assim relatado:
Segundo ele (Instagram), eu violei suas diretrizes. Não consigo mais acesso
desde a última sexta-feira (3). Eles não especificaram o motivo, apenas me
responderam que foi uma violação. O que eu acho estranho, se você reparar
bem, está acontecendo direto com os digitais influencers baianos. Só os
baianos, véi. O Instagram não explica isso de ser só a gente”, completa Felipe,
que perdeu cerca de R$ 10 mil em patrocínio com o perfil banido.
Quis reconhecer todos aqueles que me enviaram bons sentimentos pela morte
do papai mas parece que o insta achou que eu fui longe demais... Curiosos
tempos esses em que agradecer um gesto de solidariedade é motivo de
desconfiança...
Assim, como se sabe, o contraditório (visto como fenômeno jurídico) deve ser
entendido como a garantia que têm as partes de que tomarão conhecimento de
todos os atos e termos do processo, com a consequente possibilidade de
manifestação sobre os mesmos. Em outros termos, o contraditório é a garantia
de informação necessária e reação possível.
Todavia, traçando uma breve evolução histórica do devido processo legal, se tem
que o mesmo atingiu sua etapa clímax em solo norte-americano, quando da ratificação
das primeiras dez emendas constitucionais, no ano de 1791, formadoras da bill of rights.
Carta protetora de direitos individuais e limitadora do poder Federal, com especial
destaque a quinta emenda, que, contudo, somente teve seu alcance estendido a todos,
inclusos ˝ex-escravos˝, e observada por todos, insertos os estados, com a ratificação da
emenda XIV, em 1868, a qual, em parte, aduz o seguinteː
Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública
por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos
e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
À vista disto, confluindo para a dinâmica dos casos das arbitrárias exclusões e
limitações de publicações e contas por parte das plataformas, esmiuçadas no principiar
deste tópico, se notabiliza de pronto a afronta aos princípios do contraditório e da ampla
defesa, na medida em que, respectivamenteː imputaram penalidades aos usuários sem os
possibilitar a participação nos tramites que levaram a tais decisões e; por consequência
da não cientificação prévia do procedimento unilateral, inviabilizaram a apresentação de
defesa sobre os argumentos motivadores das sanções impostas.
Em sintonia com o trecho supradito e, evocando a divisão estrutural do devido
processo legal, se infere que as limitações e exclusões sumárias realizadas pelas redes
sociais ferem frontalmente a dimensão formal deste princípio, visto que não asseguraram
o contraditório e a ampla defesa aos usuários nos procedimentos que findaram em
restrições sobre tais.
Porém, ao se debruçar sobre este quadro pincelado encima de uma relação
pautada entre usuário e plataforma, ou seja, numa relação entre particulares, se levanta o
questionamento da aplicabilidade dos direitos fundamentais se estenderem para além da
defesa do indivíduo contra atos do poder público, dado que na seara das relações privadas,
impera o princípio da autonomia da vontade.
seː atreladas à dignidade da pessoa humana, para além das relações travadas entre o
particular e o Estado.
As pilastras edificantes da teoria da eficácia direta partem da ideia de unidade
do ordenamento jurídico, compreendendo que os direitos fundamentais dos indivíduos
não são oponíveis apenas contra atos do Estado, mas também contra os poderes sociais
privados, ante o enfraquecimento da dicotomia público-privado, advindo do processo de
constituicionalização do direito privado, de forma a centralizar o ser humano neste
contexto, voltando a ordem jurídica para sua dignidade.
Ademais, esta teoria prega que os direitos fundamentais devem viger
diretamente nas relações privadas, independentemente de lei que intermedeie ou
regulamente essa aplicação, frente a indiscutível presença de grupos sociais detentores de
avolumado poder, dos quais, perfilados com outros particulares, remetem fidedignamente
à relação entre cidadão e Estado, conjectura engenhosamente sumarizada por Marcelo
Schenk Duque (2019, p. 70)ː
(...) visualiza-se que a teoria da eficácia direta visa a conferir maior proteção
aos particulares em face de agressões provenientes de sujeitos ou entidades
privadas detentores de expressivo poder social. Seus pontos de apoio
destacados são a garantia de proteção da dignidade humana e a n atureza
multidirecional dos direitos fundamentais, que os qualificam como preceitos
ordenadores da vida social. Nesse passo, a teoria da eficácia direta revela
especial sensibilidade às relações sociais marcadas por visível desigualdade,
com base em uma tendência socializante da constituição (...)
Contudo, embora a aplicação seja imediata, se faz necessária uma análise do caso
concreto para que se pondere em que medida deve haver a composição dos direitos na
relação privada, visto que de um lado há o direito fundamental em jogo, e do outro a
autonomia da vontade, cabendo ao magistrado realizar tal sopesamento entre princípios,
para que ao fim indique qual prevalecerá, consoante as peculiaridades de cada caso.
Nesta vereda, impreterível elucidar que a autonomia da vontade diz respeito à
autodeterminação do particular, perpetrada no livre desenvolvimento da personalidade, o
qual escoa na liberdade contratual, traduzida na livre escolha de formalizar ou não um
negócio jurídico, e, em caso positivo, de selecionar o conteúdo, o tempo e os sujeitos do
pacto a ser celebrado.
Todavia, o princípio pormenorizado acima não é pleno, nem absoluto, pois desta
forma estaríamos tratando de imposição de vontades, dando margem a arbitrariedades e
abusos por parte do polo mais forte de uma relação privada marcada pela desigualdade
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de forças, razão pela qual existem limites à autonomia privada, com vistas a proteção da
liberdade e dignidade dos particulares, de modo coadunado à ordem de valores da
constituição, respaldando, portanto, a aplicabilidade direta dos diretos fundamentais nas
relações privadas.
a ampla defesa, frise-seː em sede judicial, ou seja, durante todo este ínterim, já houve a
sumária exclusão do conteúdo, sem a notificação do usuário titular de tal, muito menos a
oportunização de exposição de defesa e consideração de seus contra-argumentos para
formação da decisão.
Não bastasse o impedimento do usuário participar, tampouco influenciar na
decisão tomada pela rede social, atinente a remoção de conteúdo publicado por aquele, o
parágrafo único do art. 20 da Lei n⁰ 12.965/14 ainda condiciona a exposição do motivo
fundante da indisponibilização do conteúdo à solicitação do usuário destinada a
plataforma.
Ao transpor a busca pela aplicação do devido processo legal nas relações
pactuadas entre usuário e plataforma, sob o manto da teoria da eficácia horizontal indireta,
por entre os dispositivos da LGPD, se esbarra novamente em escassa e incompleta
previsão legal, haja vista os arts. 20 e 22 translucidarem um enorme vácuo legislativo que
concede as plataformas avantajado poder de condução dos processos de moderação dos
usuários por meio de seus termos de uso, senão vejamosː
Art. 20. O titular dos dados tem direito a solicitar a revisão de decisões tomadas
unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais que
afetem a seus interesses, incluídas as decisões destinadas a definir o seu perfil
pessoal, profissional, de consumo e de crédito ou os aspectos de sua
personalidade.
§1⁰ O controlador deverá fornecer, sempre que solicitadas, informações claras
e adequadas a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados para a
decisão automatizada, observando os segredos comercial e industrial.
(...)
Art. 22. A defesa dos interesses e dos direitos dos titulares de dados poderá ser
exercida em juízo, individual ou coletivamente, na forma do disposto na
legislação pertinente, acerca dos instrumentos de tutela individual e coletiva.
e perfis de seus usuários, traduzidos nas decisões sumárias e automatizadas tomadas por
aquelas, em momento anterior a abertura de processo judicial, alcança também o texto do
art. 22 da LGPD, dado que este dispositivo se atém apenas a apresentação de defesa por
parte dos usuários em sede judicial.
Destarte, levando em conta a vultuosa fenda presente na legislação vigente, a
qual propicia o atuar arbitrário das plataformas para decidir acerca da remoção ou
limitação de publicações e contas, sem que haja garantia mínima ao contraditório e a
ampla defesa dos usuários na esfera extrajudicial, arraigada na unilateralidade das
decisões, se faz essencial recorrer a teoria da eficácia horizontal imediata dos direitos
fundamentais nas relações privadas, por decorrência desta omissão legislativa, como bem
aborda Gonçalves Filho (2009. p. 45):
À vista disso, para aplicar a teoria da eficácia horizontal direta dos direitos
fundamentais, em especial no que tange ao devido processo legal nas relações tecidas
entre usuário e redes sociais, há que se estampar a tendência de remoção das barreiras
entre o direito público e o direito privado, com a consequente vinculação dos direitos
fundamentais não somente aos poderes públicos, como também à proteção dos
particulares contra os poderes privados, por força da constitucionalização do direito
privado, sem se olvidar que tais direitos, a serem ponderados no caso concreto com a
autonomia da vontade, devem guardar relação com o princípio a dignidade da pessoa
humana, o que se passa a expor abaixo.
A busca por uma precisa diferenciação entre o que se denomina por direito
público e direito privado advém desde o período do Direito Romano, quando se remetia
aos desígnios de jus publicum e jus privatum, para descrever, respectivamente, o direito
derivado do Estado com viés obrigatório, e o direito representativo das relações firmadas
entre particulares ao exercerem sua autonomia. Tentativa de distinção que segundo Hans
Kelsen atraca no seguinte panoramaː
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Ocorre que esta dicotomia existente entre o público e o privado vem se tornando
cada vez mais tênue, adentrando no que se intitula por privatização do público e
publicização do privado, diante da passagem do estado autoritário de direito para o
democrático, norteado na constitucionalização dos ordenamentos jurídicos, de modo a
direcionar os direitos fundamentais não só para o interesse público, como também para o
âmbito privado, sob a ótica da unidade do sistema normativo, frise-seː encabeçado pelo
princípio da dignidade da pessoa humana.
Neste vértice, focalizando na revitalização democrática experimentada pelo
Brasil, mediante a promulgação da CF/88, Carta que leva entre suas vigas de sustentação
a dignidade da pessoa humana, vide art. 1⁰, inciso III, se nota a transição de um período
autocrático para um momento de implementação de direitos e garantias fundamentais,
abarcando entre tais o devido processo legal, corolário do Estado Democrático de Direito.
Desta feita, partindo da premissa de que a aplicação dos direitos fundamentais
nas relações particulares forma a espinha dorsal do processo de constitucionalização do
direito privado e, tomando por base o entendimento sedimentado por Ingo Wolfang
Sarlet, precursor da teoria da eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais nas
relações privadas no Brasil, se faz crucial a demonstração da vinculação do princípio do
devido processo legal com a dignidade humana, para que se possa garantir o contraditório
e a ampla defesa no âmbito das plataformas, posto que Sarlet assim aduzː
6 CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, se torna possível concluir queː (I) houveram notórias
alterações sociais, econômicas e culturais com o avanço das tecnologias comunicacionais,
permeadas pelo processo de globalização, advento da internet e privatização dos
backbones, transfigurada no rompimento da direção informacional de um emissor a
diversos receptores, para um intercâmbio comunicativo e democratizado entre todos
usuários componentes da rede mundial de computadores.
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(II) Ocorre que, este território virtual de viés comunicacional público, possui
quase que a integralidade de seu funcionamento sobre as rédeas de pessoas jurídicas de
direito privado, amplamente conhecidas como redes sociais, as quais vêm, vorazmente,
removendo contas e publicações de seus usuários, sem os cientificar, nem possibilitar
abertura de defesa frente as decisões sumarizadas impostas, culminando no desprezo aos
princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5⁰, LV da CF/88),
intrínsecos ao devido processo legal (art. 5⁰, LIV da CF/88).
(III) Entretanto, posto que os princípios supracitados têm caráter processual, isto
significa, objetivam a proteção dos indivíduos contra agressões provenientes da atuação
estatal, se formula uma eficácia vertical dos direitos fundamentais, a qual não abrange a
salvaguarda destas garantias em face de entes privados, situação que exige a aplicação da
eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, visto que há
nítida desigualdade de poderes entre usuário e plataforma.
(IV) Dentre as teorias da eficácia horizontal, se deslinda que a indireta, a qual
imprescinde de lei infraconstitucional para que os direitos fundamentais sejam aplicados
às relações privadas, resta prejudicada, frente a lacuna legislativa pátria concernente ao
devido processo no âmbito das plataformas, clareando espaço para teoria da eficácia
horizontal direta.
(V) Portanto, com o escopo de garantir o contraditório e a ampla defesa no plano
das redes sociais, há que se recorrer ao exercício de ponderação entre princípios, para que
o magistrado pontue pela prevalência do devido processo sobre a autonomia da vontade,
na medida em que aquele possui intima relação com a dignidade humana, ponto
nevrálgico da teoria da eficácia horizontal direta, a qual se apoiou o STF para assegurar
a dimensão formal do devido processo legal defronte ameaças semelhantes oriundas do
âmbito privado, conforme se abstrai do RE 158.215/RS e RE 201.819/RJ.
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