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7º ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO

BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS


ATORES E AGENDAS: INTERCONEXÕES, DESAFIOS E OPORTUNIDADES
De 23 a 26 de julho
Belo Horizonte – MG.

Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa.

Poder cibernético e o espaço internacional: uma perspectiva a


partir das Teorias das Relações Internacionais

Arthur Corrêa Maziero


Universidade Federal de Santa Catarina

Danielle Jacon Ayres Pinto


Universidade Federal de Santa Catarina
RESUMO1

Um dos elementos mais discutidos e que, talvez, gere mais polêmica, no campo de estudos de
Relações Internacionais é o poder. Uma das principais razões pela qual isto ocorre é devido ao
fato de não haver uma definição aceita por todos na área. Entretanto, apesar de não haver o
consenso, há uma ideia clássica que permeia os estudos RI, de que poder é fazer com que o
ator submetido a ele faça algo a partir do desejo de quem o exerce, mesmo se isso significar que
o submetido ao poder caminhe contra as suas próprias preferências. Hodiernamente, o cenário
internacional é mais complexo do que nos séculos anteriores, devido especialmente ao
surgimento de novos atores não-estatais, novos elementos de poder e novos espaços onde é
possível exercer poder. Dentre esses avanços podemos destacar o poder cibernético. A partir
do conceito de cyberspace é possível encontrar este elemento de poder já no século passado,
porém ele ganhou mais notoriedade com o surgimento da Internet que entre outras coisas,
possibilitou que os indivíduos tivessem acesso a este espaço mais facilmente, promovendo
assim uma descentralização no seu controle. Nesse sentido, a partir do que foi exposto acima e
da comprovação da importância do tema cibernético para os estudos de segurança, reforçado
pelos eventos atuais como ataques diretos de negação de serviço, espionagens, vazamento de
informação, tornar-se de suma relevância compreender a dimensão do cyberpower a partir das
premissas das teorias de RI que acabam por ter mais destaque nas análises sobre poder e
segurança internacional como o realismo, o liberalismo e o construtivismo e através dessa
análise problematizar como podemos incorporar este novo elemento no exercício do poder
dentro do sistema internacional.

Palavras chave: Poder Cibernético; Espaço Internacional; Teorias das Relações


Internacionais.

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Este texto foi desenvolvido como parte da pesquisa vinculada ao Programa Pró-Defesa
IV: “Ciência, Tecnologia e Inovação em Defesa: cibernética e defesa nacional”. E-mail dos
autores: arthurcmaziero@hotmail.com e danielle.ayres@ufsc.br.

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1. INTRODUÇÃO
Hodiernamente, é possível ver no cenário internacional cada vez mais a questão
cibernética entre as principais notícias do dia, seja vazamentos de informações
sigilosas, sejam ataques cibernéticos perpetuados por Estados contra Estados, sejam
ativistas denunciando Estados ou atacando os mesmos ou desmantelamento de
organizações criminosas que se utilizavam de um certo anonimato no espaço
cibernético para atuar fora do radar das autoridades. O fato é que o espaço cibernético
permeia as relações internacionais cada vez mais, pois quase todo o processo passa
por esse sistema, de transações bancárias, de informações a envios de sinais para
lançamentos de mísseis, de ataques por drones não tripulados. E, com suas
características altera a maneira como concebemos conceitos vitais para nossa
existência social, por exemplo, frente a conceitos já consolidados como as fronteiras e
soberania estatal.
Com o crescimento da importância da questão cibernética para a disciplina das
Relações Internacionais, é necessário discutir conceitos essenciais para melhor
compreender os problemas atuais e nesse sentido este trabalho se propõe a apresentar
os conceitos de espaço e poder cibernético e assim analisá-los a partir das premissas
das teorias de RI que acabam por ter mais destaque nas análises sobre poder e
segurança internacional como o realismo, o liberalismo e o construtivismo.
2. PODER CIBERNÉTICO E O ESPAÇO INTERNACIONAL
O poder cibernético é exercido através do ciberespaço. Portanto, inicialmente é
essencial expormos o conceito do último para melhor entendermos o primeiro. Existem
alguns domínios nos quais os seres humanos têm capacidade para exercer algum tipo
de operação. Os dois primeiros foram o espaço terrestre e o espaço marítimo,
posteriormente agregamos o espaço aéreo, o espaço sideral e por último o espaço
cibernético. Apesar de todas as diferenças entre cada domínio, existe uma característica
similar entre todos, somente podemos operá-los a partir das tecnologias disponíveis ao
nosso tempo (KUEHL, 2009).
O conceito de espaço cibernético evoluiu de acordo com o tempo e não há uma
definição unanime sobre o mesmo. Porém para efeitos deste trabalho será adotado a
definição de KUEHL (2009, p. 28, grifo do autor)
[…] cyberspace is global domain within the information environment
whose distinctive and unique character is framed by the use of
electronics and the electromagnetic spectrum to create, store, modify,
exchange, and exploit information via interdependent and
interconnected networks using information-communication
technologies.
Esta definição tem quatro pontos importantes, o primeiro é o operacional, no qual
os atores através da tecnologia disponível atuam neste espaço e criam efeitos que não

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se limitam ao mesmo; o segundo ponto importante é a utilização dos meios eletrônicos
não apenas para entrar, mas também criar o espaço cibernético, este é o ponto que
distingue o mesmo dos outros domínios; o terceiro ponto são os fins obtidos para a
informação através dos meios eletrônicos; e, por último, o mais importante e que elevou
a importância deste domínio, é o processo de troca de informações entre redes
interdependentes e interconectadas (KUEHL, 2009).
Através desta definição é importante apontar que Internet, apesar de ser uma
grande e importante parte do espaço cibernético atual não é sinônimo do mesmo, pois
este considera outros tipos de redes, por exemplo o telégrafo é o primeiro exemplo de
utilização do espaço cibernético, já que o mesmo enviava informações, em uma
quantidade muito menor que atualmente, através de fios (AYRES PINTO, 2017).
Há duas implicações importantes que devem ser ressaltadas. A primeira é que
diferentemente dos outros domínios o espaço cibernético é o único refém do indivíduo
em dois momentos, pois depende da tecnologia inventada pelo ser-humano para existir
e os acontecimentos que se passam dentro dele também dependem exclusivamente do
indivíduo, portanto “[...] what is known as cyberspace is and will remain always man-
made, -sustained, and –enabled“ (DEMCHAK; DOMBROWSKI, 2011, p.41).
A segunda implicação é sobre os efeitos das ações realizadas dentro do espaço
cibernético, pois elas podem sim ter efeitos fora deste domínio, sejam eles causados
diretamente ou indiretamente. O malware nomeado Stuxnet demonstrou toda a
capacidade de uma ação diretamente relacionada com o espaço cibernético ao derrubar
várias centrifugas nucleares no Irã e a partir do mesmo foi alterada “[...] the notion of
vulnerability across increasingly internetted societies and critical infra structures
(DEMCHAK; DOMBROWSKI, 2011, p. 33). Um exemplo de consequências no mundo
real causadas indiretamente pelo espaço cibernético são os modos, além dos ataques
cibernéticos, os quais se enquadram na categoria dos diretamente relacionados, que os
grupos terroristas atuam na Internet. Segundo um estudo da UNODC (2012) foi possível
detectar seis modos: propaganda, financiamento, treinamento, planejamento, execução
e ataques cibernéticos. Destes os cinco primeiros não têm uma relação direta com
consequências na realidade, pois o espaço cibernético nestes casos serve como
facilitador da interação não causando um dano efetivo que espalhe o terror, que é o
mote do terrorismo.
Acerca das características do espaço cibernético, Choucri fornece sete
particularidades que podem nos auxiliar a compreender a dinâmica das ações nesse
espaço abstrato. Para tanto, a tabela abaixo exemplifica tais características e suas
significâncias:
Tabela 1.1 - Características do espaço cibernético

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Características Significância
Modifica a nossa noção de tempo, a torna
Temporalidade mais instantânea, devido a velocidade da
troca de informação;
Através do espaço cibernético é possível
Fisicalidade ultrapassar as barreiras geográficas sem
sair do seu local;
É possível se infiltrar em fronteiras e
Permeação
jurisdições;
Fluidez Está em constante alteração;
Devido ao fato de aumentar a
Participação
possiblidade de ativismos políticos;
Em alguns casos, como a Dark Web, é
Atribuição
difícil identificar os atores responsáveis;
Conectada, especialmente, com a sexta
característica, devido à dificuldade, em
Responsabilidade alguns casos, de conectar o crime com o
responsável, possibilita evitar
mecanismos de responsabilidade.
Fonte: elaboração própria a partir de Choucri, 2012

Por consequência deste novo domínio e suas características distintas, uma nova
área para a atuação política se forma, esta atuação ainda sem definições concretas e
com a possiblidade da criação de uma nova forma de fazer política. Como resultado
entra na discussão a questão do exercício de poder neste domínio (CHOUCRI, 2012).
De maneira sucinta, o exercício de poder dentro deste novo espaço foi intitulado
como poder cibernético, porém suas consequências e interações não se limitam a este
espaço. Nesse sentido sobre o conceito de poder cibernético, Kuehl (2009), defende
uma definição mais ampla para abranger a interação deste com outras formas e
instrumentos de poder. Segundo o autor, poder cibernético é “the ability to use
cyberspace to create advantages and influence events in all the operational
environments and across the instruments of power” (2009, P. 38).
O poder exercido no espaço cibernético é moldado por alguns fatores. O primeiro
é a tecnologia, pois é o que possibilita não apenas a entrada, mas também qualquer
atuação dentro do espaço. O segundo fator é a organização, pois as maneiras pelas
quais será utilizado o poder cibernético depende do objetivo de cada organização
(KUEHL, 2009).

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Acerca do poder cibernético, é necessário apontar a sua descentralização em
relação ao Estado. Visto que o baixo custo das tecnologias para atuar no espaço
cibernético, se comparado com o alto custo dos outros domínios, possibilita a difusão
do poder entre um número maior de atores, especialmente com atores não-estatais.
Contudo, esta descentralização não significa que o Estado deixa de ser importante ou
que terá menos poder que os outros atores, apenas assinala o fato de que cada vez
mais o Estado tem que dividir o poder neste domínio, diferente do que ocorre, por
exemplo, no espaço terrestre, marítimo, aéreo e espaço sideral. A difusão deste poder,
devido ao fator do baixo custo, também eleva a possibilidade de maior participação dos
Estados menores, promovendo então o fenômeno da transição do poder. (NYE JR.,
2011).
É importante, acerca do espaço cibernético, ressaltar também as ameaças
disponíveis e quem são os alvos principais das mesmas. Na tabela abaixo é possível
verificar que nem todos as ameaças são contra o Estado ou são ataques com
consequências em espaços físicos. Porém, em um cenário onde o perpetuador pode
estar em outro país será solicitado ao Estado tomar as ações cabíveis, portanto neste
novo espaço a diferença entre os objetivos públicos e privados diminuem.
Tabela 1.2 – Ameaças cibernéticas e suas definições securitárias

Fonte: AYRES PINTO; FREITAS; PAGLIARI, 2018.

Por fim, o surgimento do espaço cibernético, com suas características que


desafiam nossas antigas compreensões de tempo, espaço, limites territoriais, jurisdição,
responsabilidade e por consequência o surgimento de um novo ambiente para praticar
política e exercer poder aumentam a complexidade do cenário internacional no século
XXI, muito em conta, também, por causa do aumento das incertezas ainda geradas por
esta nova área e pelo compartilhamento do poder entre vários atores.

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3. AS TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E O PODER
CIBERNÉTICO
Conforme visto na seção anterior, o conceito do espaço cibernético além de
possibilitar um novo entendimento de conceitos centrais à disciplina de Relações
Internacionais, como território e soberania, também inaugura um novo espaço para
exercer política e poder. Porém neste espaço as delimitações não estão claras, o que
dificulta a percepção da capacidade de agência dos atores e da capacidade de
responsabilizá-los.
Neste sentido, interpretar o poder neste novo domínio, com novas
características, à luz das premissas das teorias das Relações Internacionais torna-se
imprescindível. Para fins deste artigo iremos trabalhar com três teorias: neorrealismo,
ou realismo estrutural; neo-institucionalismo; e, construtivismo.
3.1 Teoria Neorrealista
A teoria neorrealista, ou realismo estrutural, é uma das teorias mais estudadas,
utilizadas na área das relações internacionais. Dentre as correntes teóricas é uma das
mais coesas, pois, apesar de algumas variações os seus representantes teóricos se
utilizam das mesmas premissas.
Primeiramente é necessário enfatizar que esta corrente teórica entende o Estado
como o único e/ou principal atora das relações internacionais. Ela foi a primeira
interpretar as relações internacionais a partir do terceiro nível de análise, o sistema.
Segundo Waltz (1979) este sistema internacional é baseado em três pilares: a anarquia,
a autoajuda e o dilema de segurança. Na tentativa de melhor entender e prever os
acontecimentos a teoria faz algumas generalizações. Dentro deste ambiente anárquico,
onde não é possível a confiança de um ator para com os outros, o objetivo máximo dos
Estados é sobreviver e para tal fim acumulam poder. Portanto, para esta teoria a
constituição doméstica do Estado não é importante já que todos têm um objetivo em
comum. É importante ressaltar também que ela está preocupada com grandes atores,
potências, pois são os que possuem maior capacidade de agência.
Dentro desta corrente teórica, em dois de seus principais expoentes - Kenneth
Waltz e John Mearsheimer -, é possível identificar dois entendimentos complementares
sobre poder. Para Waltz (1979) poder são as capabilities dos atores do sistema, as quais
são os atributos dos mesmos. O poder é medido através da comparação entre os
participantes. Deste fato advém a posição ocupada por um ator no sistema. De maneira
complementar, Mearsheimer (2001) entende que há duas maneiras de poder: o poder
potencial e o poder real. O poder potencial é baseado na população e riqueza de um
Estado e o poder real é baseado na capacidade militar e, portanto, pode ser medido
mais facilmente e de maneira mais concreta.

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3.2 Teoria neoliberal
A corrente teórica neoliberal, tal qual a neorrealista compreende o Estado como
um ator racional e o principal, mas não o único, nas relações internacionais, também
compreende o sistema como anárquico. Porém, diferentemente do neorrealismo, foca
seus estudos no papel exercido pelas instituições, oficiais e oficiosas, em um sistema
internacional, no qual os atores, a partir do século XX são cada vez mais
interdependentes. (STERLING-FOLKER, 2013)
A interdependência entre atores ou Estados no cenário internacional ocorre
quando há efeitos custosos recíprocos, pois, ela diminui a autonomia de cada ator, ou
seja, independentemente da decisão, sempre haverá custos, desejados ou não e não
há garantias de que os benefícios superarão os malefícios. Nesse sentido a realidade é
percebida através da ideia de uma interdependência complexa. Esta possui três
características: os canais múltiplos que conectam a sociedade, incluído aqui estão os
atores não estatais; a multiplicidade dos problemas tratados nas agendas nas relações
interestatais e uma não hierarquia consistente e clara entre os assuntos; por último, a
força militar não é empregada entre estados dentro da interdependência complexa
(KEOHANE; NYE JR., 2011).
O poder é aqui pensado através da relação com o outro, com a capacidade do
ator A em fazer com que o ator B faça algo que do contrário ele não faria (KEOHANE;
NYE JR., 2011). Ademais, o poder é dividido em duas categorias, hard power e soft
power. O primeiro refere-se à capacidade de impor suas exigências através de meios
coercitivos, militares ou econômicos. O segundo refere-se à capacidade de A conseguir
o que deseja através da atração/cooptaçãoe não coerção, ou seja, moldar a visão de B,
para que ele também compartilhe do mesmo desejo (KEOHANE; NYE JR., 1998).
A partir deste conceito de poder e para melhor entender seu papel na
interdependência, é necessário o dividir em duas dimensões: sensibilidade e
vulnerabilidade. A dimensão da sensibilidade remete a capacidade de resposta de um
ator perante as decisões de outros dentro de um mesmo cenário político. A dimensão
da vulnerabilidade, por sua vez, remete as opções e custos para escolher uma rota
alternativa (KEOHANE; NYE JR., 2011). Isto é, em um mundo percebido através da
interdependência complexa todos são sensíveis as escolhas uns dos outros, porém uns
são mais vulneráveis devido à falta de alternativa para mudar aquele cenário político.
3.3 Teoria Construtivista
A teoria construtivista dentro do campo das Relações Internacionais não é um
campo homogêneo e em suas variações algumas diferenças importantes são
encontradas, porém há alguns pontos que todas as vertentes possuem em comum.

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Todas as vertentes do construtivismo estudam como os objetos e práticas,
especialmente os entendidos como naturais, foram construídos numa interação agente
e estrutura (FEARON; WENDT, 2002), sendo então quetodos retratam o mundo como
“intersubjectively and collectively meaningful structures and processes” (ADLER, 2013,
121). Portanto, a partir desta teoria as relações internacionais devem ser concebidas
como socialmente construídas, pois estão permeadas de normas e valores sociais e
não são apenas resultado de ações e significados individuais (FIERKE, 2013).
Algumas características do construtivismo são de importante destaque. A
primeira é a atenção especial dada ao papel das ideias na construção da vida social,
estas para obterem alguma relevância social necessitam ser transformadas em práticas.
A segunda característica é, ao contrário das duas teorias previamente abordadas, o
construtivismo não toma os agentes ou sujeitos como dados e, portanto, é de seu
interesse demonstrar como eles foram construídos (FEARON; WENDT, 2002).
Nesse sentido, o construtivismo de Wendt (2013) se baseia em tentar entender
as relações internacionais através da construção de identidades, interesses e
instituições. Os agentes/sujeitos constroem suas identidades a partir das relações com
os outros e estas não são únicas, pois o mesmo agente pode ter múltiplas identidades,
depende com qual instituição acontece a relação. Com base nas identidades, surgem
os interesses, que não podem existir sem elas. A partir da soma das identidades e dos
interesses obtemos as instituições, que são permeadas por regras formais e valores. A
relação entre as instituições e indivíduos não é unilateral, pois assim como as
instituições podem afetar o comportamento dos indivíduos o contrário é possível
também, especialmente tendo em vista que inicialmente as instituições só tomam forma
e sentido a partir da socialização.
Por entender que o mundo social é construído pelos indivíduos a concepção de
poder para os construtivistas não pode estar focada apenas nas capacidades materiais,
pois estas apenas só ganham sentido a partir da socialização dos atores (GUZZINI,
2013). Assim, apesar de não existir um conceito definido de poder para esta corrente
teórica, os construtivistas tendem entender “[...] power as both agential and
intersubjective (including non-intentional and impersonal power) [...]” (GUZZINI, 2005, p.
507).
3.4 As teorias e o poder cibernético
Conforme apresentado previamente o poder e o espaço cibernético são
conceitos complexos, que apresentam problemas e efeitos também complexos não só
para o cenário internacional, mas também para as teorias.
De acordo com a percepção da teoria neorrealista sobre poder, na qual o mesmo
é pensado e medido através de capabilities, recursos materiais, ou seja, exercer poder

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através da coação do outro, há uma dificuldade em entender o poder cibernético em
toda sua amplitude, pois ter poder no espaço cibernético, não necessariamente quer
dizer ter mais recursos, armas cibernéticas, pois, tal como o exemplo das ações
terroristas referidas acima, a maior parte delas não são ataques diretos de forma a ser
capaz de produzir processos coercitivos.
A teoria considera como atores principais apenas as grandes potências. Elas
alcançam este status através do tamanho do seu poder, ou seja, sua capacidade
material. Portanto, há aqui uma dificuldade do pensamento neorrealista em
compreender o movimento da difusão e da transferência do poder dentro do espaço
cibernético. Pois se comparado com o mundo físico, o surgimento e a capacidade de
ação dos atores – estatais ou não - no mundo cibernético é muito maior.
Por outro lado, a teoria neoliberal entende o poder de maneira mais ampla, como
relacional, o divide em hard e soft power, não considera apenas seu aspecto material,
e, por fim, também de traz como argumento para suas análises as instituições e atores
não estatais. Assim, essas características possibilitam entender melhor os efeitos do
poder cibernético nas relações internacionais. Por exemplo, através dos conceitos de
hard e soft power é possível compreender as ações de grupos terroristas, que utilizam
muito pouco o espaço cibernético para ataques diretos, mas sim o utilizam de maneira
efetiva e constante para exercer o soft power, principalmente nos processos de
cooptação e convencimento de novos membros para compor o grupo.
Também a partir do conceito de interdependência complexa, que com o espaço
cibernético aumentou o seu grau entre os atores, e seus dois conceitos, sensibilidade e
vulnerabilidade, é possível pensar como o poder cibernético aumenta o que é sensível
entre os Estados, ao mesmo tempo que auxilia a diminuir os aspectos vulneráveis de
Estados menores perante os maiores. Isso se dá devido ao menor custo para
desenvolver tecnologias próprias e não permanecer refém das mudanças tecnológicas
nas grandes potências.
É importante também ressaltar, principalmente, a interação entre o público e
privado no espaço cibernético, pois as empresas transnacionais, originárias de países
que são grande potência, detém uma alta parcela do know-how das tecnologias. E a
partir disto pensar o poder exercido destas em relação, especialmente sob Estados
menores e quais são as consequências para a segurança nacional destes.
Por último, a concepção mais ampla de poder é a do construtivismo. Ao não
conceber os atores como dados previamente e o mundo social como algo construído a
teoria pensa poder não apenas como algo relacional, mas também a constituição do
que é poder decorre da socialização dos atores e de suas identidades. Através desta
teoria, é possível entender a importância da questão cibernética nas práticas dos entes

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estatais, na construção de instituições e organizações que se responsabilizam
exclusivamente desta questão. Este fato também demonstra que o espaço cibernético
e sua segurança já é um assunto de caráter nacional.
Assim, para o construtivismo, tanto poder como espaço cibernético, são
elementos que podem ter significados múltiplos dependendo da relação agente e
estrutura que estará evidenciado no cenário analisado. Assim, recursos cibernéticos
podem no construtivismo ter dinâmicas tanto ofensivas como defensivas, e ser de fato
um novo espaço de poder para o ator estatal. Em alguma medida, se pode constar que
a teoria construtivista talvez seja a mais adequada para analisar esse novo recurso e
sua interação com as dinâmicas do poder no sistema internacional.
4. CONCLUSÃO
A partir do que foi exposto acima é possível identificar que a teoria neorrealista
apresenta dificuldades para lidar com o poder cibernético, pois focar apenas neste poder
utilizado pelo Estado para fins de sobrevivência não consegue lidar com toda a
amplitude e complexidade do espaço internacional atual. E, acaba por excluir as ações
e atuações que não se encaixam no seu entendimento de poder material, de ataque,
defesa. Também exclui o fator humano, que em um espaço exclusivamente dependente
dele é de suma importância que seja incluído.
As outras duas teorias apresentam, a partir de suas premissas mais inclusivas,
maiores possiblidades para o entendimento do poder cibernético. Por meio da teoria
neoliberal é possível identificar o exercício pelos atores de um poder mais sutil dentro
do espaço cibernético. E, também compreender o papel das instituições para regular
não só o poder cibernético, mas seu espaço nesta interdependência complexa cada vez
mais delicada.
O construtivismo por sua vez nos oferece a possibilidade de entender todo o
processo de formação do poder cibernético e de que maneira ele se tornou uma questão
de segurança nacional.
É importante ressaltar, também, que a diferença entre o público e privado diminui
no espaço cibernético, pois pode ocorrer de uma empresa sofrer com as ações
cibernéticas de agentes que estão fora deste país, e estes agentes serem indivíduos e
não Estados ou organizações terroristas. Portanto, teorias que não considerem atores
não estatais como relevantes e tenham o objetivo do Estado muito restrito tendem a ter
um déficit na explicação dessa nova seara digital, visto que o Estado será o requisitado
à tomar as ações cabíveis que se apresentarão quando tal recurso interferir e modificar
a realidade internacional.
Por fim, por ser um novo espaço, com desenvolvimentos constantes, com a
capacidade alterar a qualquer momento a dinâmica do cenário, não é possível realizar

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previsões futuras, porém a verdade é que o espaço e o poder cibernético são fatos
consumados e de suma relevância para melhor compreender o complexo cenário
internacional e suas implicações para a segurança nacional de cada Estado.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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