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INTRODUÇÃO

Angela Maria dos SANTOS


Este trabalho apresenta as relações entre o sagrado feminino e dimensão
de gênero entre as mulheres negras na religião de culto aos Orixás, particularmente
na tradição religiosa yorùbá, que se reelaborou no processo de tráfico negreiro na
diáspora brasileira, nas religiões de matriz africana. Essa reflexão possui relevância
a partir a Lei 10.639/2003 que altera a LDB (Lei de Diretrizes de Base da Educação)
e, traz desafios no campo da Sociologia.
Pesquisar sobre a religiões de matriz africana, particularmente sobre a
relação religiosa e seus impactos na construção identitária das mulheres negras é
adentrar um território além de pouco estudado, fortemente marcado por tramas
psico-religiosos, culturais e raciais. A pesquisa qualitativa o ambiente natural do
foco da pesquisa é fonte direta de dado e o pesquisador deve se aproximar da
realidade e conhecer a mesma. Dessa forma para atingir os objetivos previstos
pretende-se começar por um Verificar os fatores estruturais e sociais como
construção escolar, número de alunos e de famílias que compõe os quilombos.
A última etapa prevista consiste em investigar conforme os objetivos da
pesquisa, seguida posteriormente de análise e sistematização de dados para
entender relação das interações sociais afro-religiosos no grupo. A análise será feita
a partir dos dados de observações participante e entrevistas semiestruturadas.
A religião está longe de ser um campo deslocado e neutro, ele tem
interfaces com questões culturais e práticas sociais, imprimindo no nosso
comportamento percepções e visões de mudo que podem explicitar-se nas nossas
relações com o outro. Rubem Alves (1999 p. 13), observa que:
É fácil identificar, isolar e estudar a religião como o comportamento
exótico de grupos sociais restritos e distantes. Mas é necessário
reconhece-la com presença invisível, sutil, disfarçada, que se
constitui num dos fios com que tece o acontecer do nosso cotidiano.

Da mesma forma, que o estudo da religião está longe de ser uma janela
aberta apenas para panoramas externos, ela “ë como um espelho de nós mesmos”,
o mesmo compreende a ciência da religião também como “ciência de nós mesmos”.
Pode-se dizer que não se pode ignorar a religião no contexto de pesquisa. “O
discurso religioso contém algo mais que a pura ausência de sentido, não podendo,
por isso mesmo, ser exorcizado pela crítica epistemológica” (ALVES 1999, p. 85).
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Historicamente, os homens dominam a produção do que é ‘sagrado’


nas diversas sociedades. Discursos e práticas religiosas têm a
marca dessa dominação. Normas, regras, doutrinas são definidas
por homens em praticamente todas as religiões conhecidas. As
mulheres continuam ausentes dos espaços definidores das crenças
e das políticas pastorais e organizacionais das instituições religiosas.
O investimento da população feminina nas religiões dá-se no campo
da prática religiosa, nos rituais, na transmissão, como guardiãs da
memória do grupo religioso (ROSADO-NUNES, 2005, p.363).

Em se tratando da religião de culto aos Òrìṣà (Orixás), o qual é o campo


dessa pesquisa as mulheres negras participaram intensamente na organização
religiosa, a ponto de serem intituladas como as guardiãs dos segredos e da memória
dessa organização religiosa, o que com um tempo denominou como Candomblé.
Sabe-se que as religiões de origem africanas foram reelaboradas no Brasil, pelos
africanos de diversas nações como, Nagôs, Angola, Congo, Jeje e outros. Proibidos
de manifestarem suas crenças, buscaram de artifícios para cultuarem suas
divindades, inclusive utilizando símbolos católicos, como por exemplo, o uso dos
santos católicos, correlacionando-os com alguns Orixás. As Irmandades negras 1, no
seio do catolicismo, muitas dirigidas por mulheres, tiveram papel significativo no
processo de organização no que viria ser o Candomblé, pois de forma estratégica
utilizavam esses santos para encobrirem suas verdadeiras crenças, que ocorria no
interior da organização.
As mulheres negras no Brasil assumiram um papel preponderante na
religião afro-brasileira. Burlando as normativas do período da escravidão, utilizando
das brechas no sistema societário da época, vão se tornando guardiãs da cultura
religiosa negra. Bernardo (2003, p.39), diz que as formas das mulheres negras
burlarem as leis vigentes estão nas apropriações e utilização das atividades de
trabalhos que permitiam uma certa mobilidade no ir e vir , por exemplo, como

[...] ganhadeiras-escravas ou forras anônimas, à medida que


circulavam pela cidade, faziam circular também notícias,
informações, músicas, orações...recriando, no Brasil, o papel
feminino de mediadora de bens simbólicos; porém, mais do
que isso, articulando escravos e libertos da alienação
promovida pelo sistema escravagista.

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O papel das mulheres negras constituiu-se em uma resistência na história


da população negra brasileira. Muitas aproveitavam da liberdade de circularem no
espaço público como quitandeiras, vendedoras para angariar formas de angariar
recursos para sua liberdade, conforme Soares, (1996, p. 68), a negra que trabalhava
como “ganhadeira”, com o sucesso nas vendas dos produtos, acumulava o
excedente, após a parte paga ao senhor, conseguindo dessa forma com o tempo
comprar a sua própria alforria. Sobre isso Bernardo (1986, p.32) vai dizer que, essas
negras além de comprar sua liberdade, em alguns casos “chegaram a comprar a
alforria de outros membros de sua família, inclusive a de seus companheiros”.
Também com as mulheres, circulavam informações e outras formas resistências que
acabou criando uma certa integração dos negros. Esse protagonismo e dimensão de
organização e formação familiar, vai estar presente nos espaços afro-religiosos.
Schumaher; Brazil, (2008, págs.107-108) em seus estudos, conjectura que:

As práticas religiosas agregaram e mantiveram incontáveis


agrupamentos afrodescendentes em torno dessas mulheres. A
despeito da imposição hegemônica da religião católica romana e do
extenso período de trevas do regime escravocrata, essa peculiar
centralidade significou, entre outros aspectos, a perpetuação de
algumas manifestações culturais coletivas que viriam a se tornar
marcas inconfundíveis de brasilidade. Apesar de enfrentarem
perseguições extremas durante séculos, as comunidades negras
organizadas ao redor destas sacerdotisas, as chamadas famílias de
santo, foram capazes de resistir e preservar vivas suas
cosmogonias, seus ritos e símbolos de imensurável valor.

Conforme Silva (2005), até o século XVIII os calundus era o culto africano
mais ou menos organizado que antecederam os terreiros de Candomblé no século
XIX.
O uso do mesmo espaço para a moradia dos negros e para os culto
dos seus deuses foi uma característica dos primeiros templos das
religiões afro-brasileiras e que possibilitou a existência dos calundus
sob a adversidade do regime de escravidão. Característica que a
maioria dos templos preserva até hoje. (SILVA op. cit., p. 45)

Ferreira Dias (2016, p.63) faz um importante alerta sobe os aspectos do


denominado Calundu:
[...] do ponto de vista religioso, a marca africana se inicia com o
designado Calundu colonial, termo quimbundo que estaria em voga
(ao menos) na região da Bahia do século XVII até meados do século
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XVIII, segundo Yeda Pessoa de Castro (2001). A mesma autora


alertou para o cuidado a ter com a generalização do termo a uma
manifestação exclusiva, devendo antes supor que o termo remeteria
para uma variedade de práticas religiosas de matrizes africanas, as
quais não excluiriam (parece) elementos indígenas, fruto dos
encontros afro-ameríndios nas fazendas brasileiras

O autor continua a reflexão ancorado nos estudos de Nicolau Parés, sobre o


termo Calundu e sua transição intermediara no processo de formação do
Candomblé:
[...] esses calundus, precursores do Candomblé, tivessem uma
centralização nas curas e adivinhação, mais do que em práticas
iniciáticas, foram, sem dúvida, fundamentais na consolidação de um
“princípio” religioso africano no Brasil. Não se pode, igualmente, ter
uma visão do tipo evolucionista da história dos cultos africanos no
Brasil; das senzalas para os calundus domésticos e rudimentares,
destes para calundus mais complexos e por fim para o Candomblé.
Há sempre uma necessária consciência de que lidamos com práticas
e ocorrências mais do que com uma linearidade discursiva. Desse
modo, as coisas vão acontecendo a diferentes tempos e com
diferentes casos, pois, mesmo hoje, numa altura em que o
Candomblé se considera institucionalizado, permanecem casos-tipo
de calundus, em que pais e mães-de-santo se dedicam a práticas de
cura e adivinhação, não possuindo um culto consolidado, com
templo, neófitos, celebrações e hierarquia (FERREIRA DIAS, p.64).

Para Prandi (2003) a formação das primeiras religiões afro-brasileira deu-se


no século XIX, período em que o catolicismo dominava as atividades religiosas e
tinha forte relação com o Estado.
Para se viver no Brasil, mesmo sendo escravo, e principalmente
depois, sendo negro livre, era indispensável antes de mais nada ser
católico. Por isso, os negros que recriaram no Brasil as religiões
africanas dos orixás, voduns e inquices se diziam católicos e se
comportavam como tais. Além dos rituais de seu ancestrais,
freqüentavam também os ritos católicos. Continuaram sendo e se
dizendo católicos, mesmo com o advento da República, quando o
catolicismo perdeu a condição de religião oficial” (p. 15).

Assim, as religiões de matrizes africanas no Brasil fazem parte do panteão


cultural trazido pela diáspora negra, constituindo um dos nossos elos de ligação com
a mãe África, bastante presentes na denominação religiosas: Candomblé de Ketu
(com aproximações linguísticas e cultura religiosa Yorùbá), o Candomblé Angola
(com matriz religiosa e linguística Bantú) e o Candomblé Jeje (relacionado aos
povos originários da região leste
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O Candomblé constitui a religião afro-brasileira que mais se aproxima das


práticas religiosas africanas, realizando cultos aos Orixás, as divindades africanas.
No Candomblé, a forma de cultuar os orixás 2 (seus nomes, cores,
preferências alimentares, louvações, cantos, dança e música) foi
distinguido pelos negros segundo modelos de rito chamados de
nação, numa alusão significativa de que os terreiros, além de
tentarem reproduzir os padrões africanos de culto, possuem uma
identidade grupal (étnica) como nos reinos da África (SILVA, 2005,
p. 65).

O Candomblé constitui a religião afro-brasileira que mais se aproxima das


práticas religiosas africana, realizando cultos aos Orixás, as divindades africanas.
No Candomblé, a forma de cultuar os deuses (seus nomes, cores,
preferências alimentares, louvações, cantos, dança e música) foi
distinguido pelos negros segundo modelos de rito chamados de
nação, numa alusão significativa de que os terreiros, além de
tentarem reproduzir os padrões africanos de culto, possuem uma
identidade grupal (étnica) como nos reinos da África (SILVA, 2005,
p. 65).

Sobre isso, Bastide (2001) faz a seguinte observação relativo a organização


do candomblé:
Os candomblés pertencem a “nações” diversas e perpetuam,
portanto, tradições diferentes: angola, congo, jeje (isto é, euê), nagô
(termo com que os franceses designavam todos os negros de fala
ioruba, da Costa dos Escravos), ketu, ijexá. É possível distinguir
essas nações uma das outras pela maneira de tocar o tambor (seja
com as mãos, seja com vareta), pela música, pelo idioma dos
cânticos, pelas vestes litúrgicas, algumas vezes pelos nomes das
divindades, e enfim por certos traços do ritual.(p.29)

Um aspecto importante a ser ressaltado, é o significado da matriz africana,


no que se refere a ideia da dimensão de ser humano na dinâmica da relação com o
sagrado, que permaneceu na recriação religiosa pelos negros aqui, no Brasil. Roger
Bastide, registrou muito bem o que é essa dimensão humano e sagrado na visão
africana:
As civilizações africanas são civilizações simbólicas, nas quais os
mortos e os vivos constituem uma mesma comunidade e a morte
não é considerada senão uma passagem para um estágio Superior;
assim, o ancestral poderá voltar ao mundo dos vivos, reencarnando-
se no seu bisneto. Através dos sonhos, das confrarias de máscaras,
dos relicários, a comunicação nunca é interrompida entre os dois

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Substituir a denominação deuses utilizado pelo autor, por orixás, por entender que o Candomblé é monoteísta.
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mundos. Que continuam – embora por meios diferentes a


dialogar incessantemente, a ajudar-se mutuamente, a
controlar-se para o bem comum de uns com os outros (p.
09).

É no Candomblé que essa matriz terá maior preservação,


aproximando a referida religião, na mais próxima das práticas religiosas
africanas e sua filosofia. O termo candomblé, é uma denominação utilizada
para nomear as religiões afro- brasileiras, com fortes influências dos grupos
lingüísticos yorubá e bantu. Essa reinvenção deu-se na Bahia, a partir dos
nagôs e jejes. Pois na África, cada região e/ou etnia, cultuava um orixá
especifico, com nomes diferentes. Aqui, ocorreu a junção dessas divindades.

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