FICHAMENTO – “À sombra da Revolução Mexicana: história mexicana
contemporânea, 1910-1989”, caps.1 e 2, de Lorenzo Meyer e Héctor Camín
Disciplina de História da América Independente II Vinicius Ellero Kimati Dias – Nº USP 10340242 O livro em questão, editado nos últimos momentos do século XX, procura traçar um panorama histórico do período que pode ser entendido como o “Breve Século XX” da história mexicana, tendo como enfoque a forma que o processo revolucionário no país seria determinante para a vida política, social e econômica, nas décadas seguintes. Os dois primeiros capítulos da obra apresentam as condições embrionárias da Revolução e o processo revolucionário em si. É apresentado, primeiramente, um resgate do período do porfiriato que, segundo os autores, marca um processo de modernização econômica do México que traz profundas transformações na dinâmica social do país. As velhas elites oligárquicas, baseadas na velha lógica do caciquismo, passaram a ter poderes minguantes tanto na esfera econômica quanto política, à medida que a parceria entre a ditadura de Porfirio Díaz e grupos econômicos estrangeiros – notadamente estadunidenses e europeus – lançou as bases de um processo de industrialização, acompanhado pela exploração da agropecuária e de recursos minerais sob o modelo empresarial, que trazia consigo maior poder econômico e político às elites e à burocracia subservientes ao porfirismo. Ao mesmo tempo, o livro traz também o impacto que tal processo de modernização econômica na esfera social das classes trabalhadoras e em sua qualidade de vida, com diminuição real dos salários, aumento dos preços dos alimentos e crescente desabastecimento, potencializado por colheitas ruins e questões climáticas. Frente a tal quadro de instabilidade e a senilidade da ditadura porfirista, surge sob a liderança de Francisco Madero – representante das oligarquias que se sentiram alijadas do poder com as transformações econômicas do fim do século XIX e da primeira década do XX - a convocatória de um levante armado nacional no início de 1911. A sublevação contou com o apoio de amplos setores da sociedade, envolvendo desde elites regionais, classes médias abastadas e militares insatisfeitos com a ditadura até trabalhadores urbanos e camponeses engajados sob a promessa de reformas sociais. Surge, neste momento inicial de rebelião, o zapatismo, movimento campesino armado sob a liderança de Emiliano Zapata mobilizado pela região sul do país, buscando sobretudo o confronto com o latifúndio e a implementação de uma reforma agrária que devolvesse terras para grupos expulsos e expropriados pelos grandes proprietários. Porfirio Diaz renuncia em 1911 e, na eleição presidencial mais livre que o México tivera até então segundo os autores, Madero é eleito presidente. Durante seu mandato, primeiramente tenta desarmar todo o aparato militar que o conduzira à vitória, em especial os grupos militares baseados no norte do país. Também mantém a existência do Exército federal, que concentrava grande parte da burocracia do regime anterior e constituía a maior ferramenta de repressão política do porfiriato. Tendo Madero realizado tais atos no governo e, ao mesmo tempo, não sendo o governo capaz de dar uma resposta a todos os setores que depuseram Porfirio Diaz – sobretudo os trabalhadores urbanos e o campesinato desejoso de reformas sociais, os grupos armados do norte, cuja dissolução muitas vezes estava sendo violentamente forçada pelo Exército nacional e os Estados Unidos – a instabilidade política e a agitação social continuaram. O grupo maderista acreditava que a mobilização realizada para colocar Madero na presidência constituiria uma revolta que culminaria numa simples mudança governamental, mas o que estava posto era um distúrbio de alterações estruturais na sociedade e no Estado mexicano. Madero é deposto e morto em 1913 e assume um novo ditador, Victoriano Huerta, num conflito que põe fim ao Exército nacional e cria novos grupos de violência política, diversos em suas localidades e fidelidades políticas. O norte do país, com lideranças políticas provenientes de setores da elite como Carranza e Obregón junto a grupos populares que iam adquirindo progressiva organização e força militar – sobretudo as tropas de Francisco Villa – deflagra a chamada revolução constitucionalista, com um programa de defesa da democracia e contra as arbitrariedades huertistas. O Sul zapatista se une a esta causa e em 1914 as diversas facções tomam a Cidade do México e retiram Huerta da presidência do México. O livro aponta que 1914 vê diversos grupos políticos em estado de equilíbrio de forças. Carranza e Obregón, considerados mais moderados e apoiados pelas oligarquias regionais junto a setores médios, assumiam um programa profundamente enraizado no liberalismo do século XIX, com amplas liberdades individuais e direitos políticos assegurados, mas com reformas sociais ausentes. Villa e Zapata, por sua vez, representavam o programa de profundas reformas sociais e defesa de transformações profundas na estrutura agrária e econômica do país, sendo lideranças sobretudo do campesinato e de setores mais à esquerda dos constitucionalistas. Este equilíbrio de forças demandava uma solução negociada, cuja tentativa se concretizou a partir da Convenção de Aguascalientes. Incapaz de conciliar os grupos políticos opostos que haviam se unido na derrubada de Huerta, a Convenção acabou por privilegiar a liderança de Villa e Zapata e, assim, não pôs fim ao conflito. Estes, integrando a facção chamada de convencialista, passaram a controlar a maior parte do território nacional, enquanto Carranza e Obregón lideravam o grupo constitucionalista num conflito que marcou a fase mais sangrenta da Revolução Mexicana. Por fim, o zapatismo e o villismo acabaram sendo vencidos e duramente reprimidos pelo constitucionalismo. O projeto de liderança do país como um todo e a noção de gestão do Estado de Carranza foi, segundo os autores, fator crucial para a derrocada dos exércitos de Villa e Zapata, que se engajaram na luta revolucionária por questões e demandas mais corporativas e específicas em vez de pegarem em armas na defesa de um projeto político totalizante. Com a vitória de Carranza, houve uma reorganização do Estado mexicano representado pela Constituição de 1917, que expressava em diversos pontos a conciliação de classes e a demanda por transformações sociais como ordem do dia e desafios para a reestruturação do Estado nacional.