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PARMENIDES
Tradução de
MARIA IO SÉ
FIGUEIREDO
E -m a il: p ia g e t .e d i t o r a @ m a i l .t e l e p a c .p t
P a g in a ç ã o :
jacinto Macau
M o n ta g e m , im p re s s ã o e a c a b a m e n to :
Stória Editores, Lda.
D e p ó s it o le g a l n .° 1 6 3 9 8 3 / 2 0 0 1
IS B N -9 7 2 -7 7 1 -3 8 9 -0
PLATÃO
Introdução de JosÉ T r in d a d e S a n to s
Tradução e notas de M a r ia JosÉ FIGUEIREDO
INSTITUTO
PIAGET
9
vem o próprio Parménides, que questiona Sócrates sobre alguns
aspectos da teoria das Formas.
Após um curto interlúdio (136c-137c), instado por todos os
circunstantes, Parménides entrega-se, na segunda parte do diá
logo, à demonstração exaustiva das consequências resultantes
primeiro da afirmação, depois da negação da hipótese do uno
(137c-166c). A demonstração termina na declaração de aporia.
O final do diálogo, com a conclusão aporética das duas hipóte
ses, deixa a estrutura narrativa em aberto. Essa abertura insere
cada leitor do diálogo na cadeia narrativa. A sua interpretação
constitui-se como mais uma versão da narrativa original, cujo
sentido se perdeu há muito, mas que em contrapartida se recons
titui a cada nova leitura.
Tal constatação é profundamente irónica, se pensarmos no
fosso que, ao longo dos séculos, se cavou entre as interpretações
que hoje competem como leituras do diálogo «original», algumas
com pretensões de abrirem para interpretações globais da filosofia
platónica.
DIFICULDADES DE INTERPRETAÇÃO:
UNIDADE DO DIÁLOGO
10
/Vs/r ponto de t’i:.hi, lyjiiiliiiculc claro é o sentido das criticas
de Parménides a Sócrates. A aceitação da hipótese das Formas
obriga ao esclarecimento das relações que estas mantêm com o sen
sível. Um primeiro problema tem a ver com a extensão das
Formas: haverá Formas para tudo, mesmo os entes mais despre
zíveis1? Sócrates responde que não, sem explicar as razões da sua
reserva2.
O segundo problema é o da participação, que liga os sensíveis
às Formas. Será essa participação no todo ou em parte da Forma
(exemplos do dia, ou da vela3)? Como se poderá explicar a unidade
dessa propriedade comum à Forma e ao sensível que dela parti
cipa? Não será necessário postular uma infinidade de Formas para
explicar a comunidade entre os três elementos da ontologia plató
nica: indivíduos, classes e propriedades4?
11
Urna solução para estas objecções residiria em considerar as
Formas puras estruturas mentais, pensamentos. Mas então - ter
ceiro problema - esse pensamento não terá de ser de alguma coisa
real, que «existe» nos entes considerados? Ou será que a realidade
não é mais que pensamento?
Também para estas dificuldades Sócrates imagina uma resposta.
As Formas seriam paradigmas inteligíveis, de que os sensíveis
seriam cópias. Mas então - quarto problema - , se há semelhança
entre umas e outros, não se tornará necessário postular outra e
outra Forma, até ao infinito, para explicar tal semelhança5?
Mas não é tudo, pois - e o quinto é o mais difícil dos proble
mas apresentados por Parménides - como poderá essa dupla
natureza das Formas e das coisas, inteligível e sensível, ser comu-
nicante? Não o sendo, as Formas serão incognoscíveis para os
homens e este mundo será incognoscível para Deus? Ou seja,
distinguir inteligível e sensível não implica postular dois conhe
cimentos6?
Pesando no seu todo o alcance das críticas de Parménides, não
é claro que delas decorra a inviabilidade da teoria das Formas.
Delas resulta apenas a necessidade de apoiar a defesa da hipótese
das Formas na capacidade de desenvolvimento do raciocínio
dialéctico. E é para apresentar um exemplo dessa prática que
Parménides se vai entregar à dedução exaustiva das consequên
cias da aceitação e rejeição da hipótese do uno.
12
Será então i'ssu e cru 1 1 1 / 1 1 1 ijiic quiTÍamos chegar 1 1 Jiiinli
iluilc desta secunda c mm:· lon^u parle do diálogo? Ou seja, as
duas hipóteses - «se 0 uno c» c "se 0 uno nuo é» - e os argumen
tos a que dão origem, constituem um mero exercício dialéctico,
destituído de qualquer outro alcance filosófico?
E precisamente esta admissão que a tradição dos comentadores
(a despeito da aceitação de alguns) se recusa afazer, pois ela impli
caria negar a unidade do diálogo7. Tal admissão, note-se, equivale
a uma desistência, pois nada se ganha rejeitando qualquer relação
entre, por um lado, as críticas de Sócrates a Zenão e as objecções
que Parménides lhes apresenta e, por outro, os problemas dialécti
cos que se manifestam ao longo dos diversos argumentos (os quais
redundam na impossibilidade tanto da afirmação, quanto da
rejeição, da hipótese do uno). Sublinhe-se ainda que tal admissão
se revela particularmente danosa para qualquer dos pensadores
envolvidos no debate, dado que nem a hipótese do uno8, nem a das
Formas, poderão sobreviver-lhe.
13
iniu, sendo todo o esquema investido de natureza divina9. Nela en
tronca recentemente a interpretação avançada pela teoria das «doutri
nas não escritas», que vê no Parménides o esboço de uma doutrina
dos princípios, a qual teria sido objecto do ensino oral de Platão e de
que se colhem sinais apenas na tradição indirecta.10.
Nestes últimos anos, têm sido feitas outras tentativas que
visam a elucidação dos nexos lógicos entre as duas partes, em par
ticular mostrando como a argumentação desenvolvida na segunda
parte, bem como a aporia final, decorrem de admissões feitas por
Sócrates na primeira parte, as quais, uma vez corrigidas (será esse
o sentido da exigência de «treino dialéctico»), não conduziriam à
consequência negativa com que o diálogo termina11.
Resta ainda referir duas outras interpretações. A primeira é a
já mencionada «interpretação analítica», segundo a qual as For
mas seriam assimiladas a conceitos, podendo, portanto, a análise
da participação ser levada a cabo pela lógica da predicação12.
A segunda explora de uma perspectiva histórica as teses e objec-
ções de Zenão e Parménides. Estas são interpretadas no contexto
das suas concepções sobre o universo, sendo elas que justificariam
a tentativa platónica de separar as Formas do sensível13.
14
ARGUMENTO 0 0 DIÁLOGO
PRIMEIRA PARTE, PRIMEIRA CONVERSA (127D-130A)
15
O debate volta-se então para o esclarecimento da natureza da
participação. Como poderá uma Forma manter-se inteira e sepa
rada e, ao mesmo tempo, disseminar-se por uma multiplicidade de
entes? Sócrates responde com o exemplo do dia. Mas Parménides
ignora a saída e prefere o de uma vela para caracterizar o «um
sobre muitos»15. A pergunta sobre o modo de participação - no
todo ou na parte - Sócrates opta pela parte, sem antever os absur
dos a que vai dar origem. No caso da grandeza em si, sendo a parte
por definição mais pequena que o todo, daí resulta que os diversos
grandes o serão e terão esse nome por «uma parte da grandeza
mais pequena que a Grandeza em si», o que é absurdo; não menos
absurda sendo a participação «em nós» do Pequeno em si, que
ficaria sendo maior que ele próprio.
Outra dificuldade resulta, se buscarmos a característica
comum a todos os objectos que participam da Forma. Se é a par
ticipação que explica essa comunidade, outra Forma será neces
sária para explicar a comunidade dos comuns à própria Forma e
outra e outra, até ao infinito.
Uma alternativa para evitar esse infinito regresso seria encarar
cada Forma como um pensamento. Mas então de «que coisa» seria
esse pensamento? Sócrates não pode deixar de responder que é «de
algo»: nomeadamente aquilo que é idêntico numa comunidade
de coisas e que «existe» como tal, com a insustentável consequên
cia de que «ou tudo é a partir de pensamentos e tudo pensa, ou as
coisas são pensamentos que não pensam».
16
enliio, se a parlicípa^U) m' i \i>litn pai emiti unia delas se asseme
lliar às outras, sen) nen^sária uma outra Forma, c outra, c outra
ainda, até ao infinito, para explicar esta semelhança.
E, pior ainda. Na medida em que cada Forma é em si, não é
«em nós», e inversamente, daqui resulta a impossibilidade da par
ticipação quer como eponímia16, quer como causação, pelo menos
entre o inteligível (a «natureza» a que Sócrates se referira atrás)
e o sensível. Poderá haver senhores e escravos, mas o senhor, em
si, será apenas senhor do escravo, em si, sem que qualquer relação
se possa estabelecer entre estes dois modos incomunicantes de ser:
o em si e o relativo.
Daqui resulta serem as Formas, em si, incognoscíveis para
nós, tal como os deuses não poderão conhecer-nos ou às coisas
deste nosso mundo, pois se há um saber em si, ele não poderá ser
de nós, tal como o nosso saber nunca poderá ser o saber em si.
Ver no final o esquema da argumentação da 1- parte.17
INTERLÚDIO
16 Ou seja, a tese de que as coisas sensíveis recebem o seu nome das Formas que
as causam, pelas quais são como são (o mesmo se afirma no Fédon 102a-b).
17 Adaptado de S. Scolnicov, op. cit.
17
✓
E, pois, por esta razão que Parménides aceita entregar-se ao
laborioso exercício, que consistirá da enumeração exaustiva das
consequências decorrentes quer da aceitação, quer da rejeição da
hipótese do uno, que será objecto da segunda parte do diálogo.
18 G. Casertano, op. cit., pp. 42-53, encara esta primeira hipótese «se o uno é
uno» com o autónoma e distinta da seguinte: «se o uno é». Considera assim
haver três e não duas hipóteses nesta parte do diálogo.
18
outro. Não participa do tempo; nem devém, nem deveio, nem
devirá, Não participa do ser, nem do ser uno. Não é, nem para
outro, nem para si próprio, não tem nome, definição; dele não há
saber, sensação ou opinião.
2 ° argumento: «se o uno é»: consequências para ele próprio,
em relação aos outros.
Participa do ser e é uno porque participa de ser uno, logo é um
todo do qual o ser e o uno são partes: «o que é» é uno, «o que é
uno» é. Se tem partes é ilimitado, tendo forma e limite pelas
partes; logo, é número, limite e ilimitado; logo, infinita multipli
cidade, limite e figura, inclusão em si e noutro, movimento e imo
bilidade, semelhança e dissemelhança, contacto e não contacto,
consigo e com os outros, igualdade e desigualdade. No tempo, será
e devirá, sendo da mesma idade, mais velho e mais novo que os
outros. Tendo determinação própria, dele haverá saber, opinião e
sensação, bem como nome e definição.
19
Sendo outros, os outros não serão o uno. Mas não estão pri
vados dele, logo são partes. Ora, só o que tem partes é um todo.
Mas o todo é unidade saída do múltiplo, de que os outros são
partes. Por outro lado, a parte só é parte de algo que é mais que
ela. Logo é parte de uma forma única, unidade do conjunto das
partes. Então, se têm partes, também os outros participam do uno,
mas como outros além do uno, este, em si. Nessa medida, os par
ticipantes do uno não diferem dele. Portanto, são múltiplos.
Serão então infinita multiplicidade, embora participem do
uno. Multiplicidade da qual o uno se acha ausente. De modo que
a ínfima parcela do uno será multiplicidade e não uno, estranha à
forma. Quando, porém, se torna parte, é limitada pelas outras.
Pelo que, como todos e partes, cada parte é ilimitada e participa do
limite. E também é semelhante e dissemelhante. Os outros serão,
portanto, idênticos e diferentes, imóveis e movidos, bem como
todos os outros contrários.
4 ° argumento: «Se o uno é»: consequências para os outros, em
relação a eles próprios.
Oposto aos outros, o uno será aparte deles e eles dele. Logo, os
outros não serão nem idênticos nem diferentes, nem nascendo
nem perecendo, nem móveis nem imóveis, nem maiores, iguais, ou
mais pequenos. E assim o uno é todos e nem sequer é um, relati
vamente a si próprio e aos outros.
2.- hipótese - «Se o uno não é»
5 ° argumento: «Se o uno não é»: consequências para ele
próprio, em relação aos outros».
Se o uno difere dos outros, falar dele é falar de algo que é
cognoscível e diferente dos outros, e é ou não é, pois o que se diz
não ser é conhecido e distinto dos outros. Logo, há saber do uno.
E nada se poderá dizer se se disser que o uno não é. Nem que os
outros são diferentes dele, porque ele tem o saber e a diferença e em
tudo - «isto», «de qualquer coisa», etc. - o uno que não é participa.
Seria, pois, impossível falar, dizer, quer do uno, quer dos outros,
se o uno não fosse.
20
Sendo dissemelhante dos outros, é semelhante a si. U não é
igual a eles, pois, se fosse igual, seria. Logo, os outros são desi
guais. Logo, o uno participa na desigualdade. Logo, tem grandeza
e pequenez. Logo, tem o termo médio, que é a igualdade. E tem ser
e não ser, pois no uno «que não é» o ser e o não ser aparecem.
Logo, não muda, não se desloca, não tem rotação, nem
translação, nem alteração, em relação a si. Logo, o uno «que não
é» é imóvel e movido. E nasce e perece e não nasce e não perece.
6 ° argumento: «Se o uno não é»: consequências para ele
próprio, em relação a si próprio.
«Não é» significa a ausência do ser: a fórmula tem sentido
absoluto. O que não é não nasce nem perece, não entra em parti
cipação, não se altera, não se move nem está imóvel. Não tem
grandeza, nem pequenez, nem igualdade. Não é semelhante nem
dissemelhante aos outros. Dele não há saber, opinião, sensação ou
nome. Dele nada ê.
7 ° argumento: «Se o uno não é»: consequências para os outros,
em relação aos outros.
Os outros são diferentes do uno: outros relativamente a outro,
mas não ao uno (que não é). Logo, são outros em relação uns aos
outros, cada um deles sendo uma infinita pluralidade, em massas.
Não têm número, cada massa igual aos múltiplos pequenos, sem
começo, meio ou fim. E apreendido como uma massa sem nada de
uno. Cada massa dos outros é limitada e ilimitada, una e múlti
pla, semelhante e dissemelhante, idêntica e diferente, em contacto
e separada, movida e imóvel, submetida e subtraída ao nascimento
e à morte, bem como a todas as oposições.
8.Qargumento: «Se o uno não é»: consequências para os outros,
em relação a si próprio.
Os outros não serão uno nem múltiplo. Não têm comunidade.
Deles não há opinião nem simulacro. Nem os outros serão: um ou
muitos, semelhantes ou dissemelhantes, idênticos ou diferentes,
em contacto ou separados, tudo o que atrás se disse. Se o uno não
é, nada é.
27
CONCLUSÃO DAS DUAS HIPÓTESES
INTERPRETAÇÃO DO DIÁLOGO
22
não escritas» talapla esta concepção hegeliana às exigências ilo aulo-
proclamado «novo paradigma» interpretaiivo do platonismo.
Começa por defender:
«uma espécie de curto circuito entre a proposta hermenêu
tica e a natureza objectiva do sistema a interpretar»21,
23
problemática tjtie a investigação dialéctica deve sei capaz de
resolver, melhor, se propõe fazê-lo24. E então à enumeração dessa
aporias que passaremos para finalizar, percorrendo de novo cada
um dos argumentos das duas hipóteses.
V ARGUMENTO
2.-ARGUMENTO
24
mim disjunção exclusiva, que opõe o «em si» no «indefinido». Mus
ii noção de «parte» introduz a aporia da sua natureza relacional:
a «diferença» é assim por sua vez introduzida (143b).
Esta aporia é resolvida no Sofista 254b ss., pela definição
da natureza do Outro em relação aos restantes Sumos Géneros.
A disjunção entre «todo» e «partes» é também resolvida no Sofista
256a ss. pela recondução da contradição à alteridade, tal como à
definição da relação do Movimento e do Repouso com os outros
Géneros.
Outra aporia introduzida adiante (152a ss.) é a que assenta na
confusão entre estado («ser novo», «velho») e processo («envelhe
cer», etc.), mas aqui Platão aponta a necessidade de revisão da
concepção puramente estática de ser, defendida por Parménides
(Sofista 248e-249d; a questão é resolvida pela definição do ser
como o activo e o passivo: 247d-e ss.).
3.-°ARGUMENTO
4.s ARGUMENTO
25
5.eARGUMENTO
6° ARGUMENTO
7.°-ARGUMENTO
8.BARGUMENTO E CONCLUSÃO
27 Como muitos a partir de C. E. Kahn («The Greek Verb 'To Be' and the
Concept of Being», Foundations of Langiiage, 1966, pp. 245-265; além de
outras obras e artigos sobre o mesmo tema), negamos que a questão da
existência venha a emergir de forma autónoma na obra platónica e antes.
Deste modo, não nos parece que o sentido existencial do verbo grego tenha
de se manifestar sempre que ele é usado na sua forma completa.
26
lista lalacia í* corrigida pcln Inludlção do nik) ser, no
sentido absoluto (sustentada ,i sua não confusão com a
leitura do não ser como alteridade) 1 1 0 Sofista 258b-c.
Significa isto que 0 Parménides deve ser lido como mais uma
introdução aporética ao Sofista? De modo nenhum, pois se assim
fosse, a aporia final - que conclui sobre a impossibilidade do uno
e do múltiplo - teria ficado perfeitamente resolvida. A conclusão a
que pretendemos chegar é a de que, mais do que a sua impossibi
lidade, a própria formulação da aporia contém a lição positiva a
extrair do diálogo.
Podemos simplesmente enunciá-la na tese de que qualquer
leitura, restritiva ou concessiva, do uno ê impossível sem 0 seu
complemento. Significa isto que qualquer ontologia, bem como a
dialéctica nela assente, necessariamente se desenvolve em dois
sentidos complementares, explorados pela perfeita articulação de
um com 0 outro. E essa leitura que cada um dos argumentos faz
das duas hipóteses. O resultado só é aporético se as duas hipóteses
e os argumentos que as lêem forem assumidos independentemente
uns dos outros. Ou seja, «uno» e «outros», «ser» e «não ser», «em
si» e «em relação uns aos outros», «tudo» e «nada» são pares inter
dependentes, que entre si mantêm uma relação de alteridade.
J o s é T r in d a d e S a n t o s
Esquem a da argum entação da 1.- parte
U n o e m ú ltip lo
o n to lo g ia o n to lo g ia
hom ogén ea h e te r o g é n e a
p a r tic ip a ç ã o
I
p a r tic ip a ç ã o p o s t e r io r a n t e r io r
to ta l p ard al
Uno
I
c o n s e q u e n c ia s c o n s e q u e n c ia s c o n s e q u e n c ia s c o n s e q u e n c ia s
p ara o u n o p a r a o m ú ltip lo p ara o u n o p a r a o m ú ltip lo
I------- 1------- ! I 1 I .
r e la tiv a m e n te r e la tiv a m e n te r e la tiv a m e n te r e la tiv a m e n te r e la tiv a m e n te r e la tiv a m e n te r e la tiv a m e n te r e la tiv a m e n te
a si p r ó p r io a o s o u tr o s ao u n o a s i p r ó p r io s a o s o u tr o s a si p r ó p r io ao u n o a s i p r ó p r io s
m IV V VI V II vni
to
A p ê n d ic e s o b r e a
p a r tic ip a ç ã o n o te m p o
n .lO .A p .
PARMENIDES *
37
dava muito bem com um certo Pitodoro, que costumava
c encontrar-se com Zenão, e que se recorda de uma conversa
entre Sócrates, Zenão e Parménides, que ouviu Pitodoro
narrar por diversas vezes.
- E verdade - disse ele.
- Nesse caso - retorqui eu - , gostaríamos de a ouvir.
- Mas isso não é difícil - disse ele quando era mais
novo, ele estudou-a muitas vezes e com grande atenção,
ainda que actualm ente dedique a maior parte do seu
tempo aos cavalos, seguindo o exemplo do avô, seu ho
mónimo. Mas, se é isso que desejas, vamos ter com ele.
Partiu agora mesmo para casa e vive muito perto daqui,
em Mélita.
12 7 a Dizendo isto, partimos e encontrámos Antifonte em sua
casa, dando ordens a um ferreiro para que fizesse um freio.
Quando terminou, os irmãos disseram-lhe ao que tínha
mos vindo; ele recordou-se de mim, da minha anterior
estadia, e cumprimentou-me cordialmente. Quando lhe
pedimos que nos expusesse a conversa, a princípio hesitou
- dizendo que era um grande trabalho - , mas depois assim
fez. Antifonte disse então que Pitodoro contava que Zenão
b e Parménides tinham vindo às Grandes Panateneias. Que
Parménides já era muito velho, teria cerca de 65 anos, o
cabelo todo branco, mas um aspecto muito elegante e dis
tinto; Zenão teria na altura 40 anos, era alto e tinha boa
figura; e dizia-se que tinha sido amante de Parménides.
Contou que tinham ficado alojados em casa de Pitodoro,
c fora de muralhas, no Cerâmico; e que Sócrates tinha ido ter
com eles, acompanhado de muitos outros, que desejavam
ouvir ler os escritos de Zenão; de facto, era a primeira vez
que os traziam consigo. Nessa altura, Sócrates era muito
novo. Foi Zenão em pessoa quem lhos leu, num momento
em que Parménides não estava em casa; e estando a leitura
dos escritos quase a terminar, disse Pitodoro, ele próprio
32
entrou em casa, acompanhado de Parménides e de Aris- d
tóteles1, que viria a ser um dos Trinta, por isso só ouviram
uma parte muito pequena dos escritos; mas já anterior
mente ele os ouvira ler a Zenão.
1 Não se trata do filósofo grego, que teria muito provavelmente uns 17 anos
no m om ento em que este diálogo foi escrito (ver Guthrie, A History of Greek
Philosophy, vol. v, Cambridge University Press, 1978, p. 36).
2 Ta onta.
3 Na ausência, em português, de um neutro que permita traduzir os neutros
plurais, decidi optar pelo habitual «coisas» (um dos substantivos mais neu
tros da nossa língua); assim, «coisas dissemelhantes» traduz ta anomoia, tal
como «muitas coisas» traduz ta polia.
4 Hôs ou polia cs ti.
33
n - Não - respondeu Zenão - percebeste bem o conteúdo
geral dos escritos.
- Estou a ver, Parménides - disse Sócrates que aqui o
Zenão não deseja apenas estar intimimamente unido a ti
na amizade, mas também através da sua obra. E que ele
escreveu, de certa maneira, o mesmo que tu; mas, virando-o
ao contrário, tenta enganar-nos completamente, levando-
-nos a pensar que está a dizer uma coisa diferente. De facto,
nos teus poemas, tu afirmas que o todo5 é uno e forneces
b muitas e excelentes provas disso mesmo. Ele, por seu lado,
diz que não há muitas coisas, e também apresenta provas
numerosas e magníficas disso. Um de vós diz que o todo é
uno e o outro que não há muitas coisas; e assim, dizendo
cada um de vós quase o mesmo que o outro mas parecendo
dizer coisas totalmente diferentes, parece-nos que aquilo
que dizeis nos confunde.
- Sim, Sócrates - respondeu Zenão -. Mas tu não com
preendeste toda a verdade acerca dos meus escritos; de
c facto, corres atrás dos argumentos e segues a sua pista como
um cão da Lacónia; mas, em primeiro lugar, não te apercebes
de que não foi de modo nenhum minha intenção, ao escre
ver as minhas obras, poder gabar-me de esconder aos ho
mens aquilo que eles mais se esforçam por encontrar; aquilo
que referiste é apenas um acidente, pois a verdade é que
estes escritos pretendem ir ao encontro do argumento de
Parménides contra aqueles que empreendem fazer dele
d uma comédia, dizendo que, se o uno é, se seguem dessa afir
mação muitas coisas risíveis e o seu contrário. Por isso, este
34
escrito opõe-se ao argumento <l<*■. i|uc atirmam que há
muitas coisas, e responde II ws c o m i .1 mesma moeda e ainda
com juros, e pretende mostrar o seguinte: que da hipótese
deles, de que há muitas coisas, se fosse suficientemente
desenvolvida, se seguiriam consequências ainda mais
risíveis do que da hipótese de que o uno é. Era por causa
desse amor pela controvérsia que eu escrevia quando era
novo; mas alguém me roubou o que escrevi, por isso nem e
sequer pude decidir se devia publicá-lo ou não. Porém, tu
não conheces estes factos, Sócrates, e pensas que isto não foi
escrito por causa do amor pela controvérsia de um homem
novo, mas para satisfazer a ambição de um homem maduro;
no entanto, tal como te disse, não percebeste mal.
35
monstruoso; mas se se provar que, através da participarão em
ambas, são afectadas por ambas, julgo que isso não sera
estranho, Zenão. Nem se alguém mostrar que todas as coisas
são unas pela participação no uno e que as mesmas coisas são
múltiplas por participarem na multiplicidade; mas se
mostrasse que aquilo que é o uno9, isso mesmo é múltiplo e,
por outro lado, que as muitas coisas também são o uno, eu
c ficaria espantado com isso. E o mesmo se aplica a todas as
outras coisas; se me mostrassem que os próprios géneros e
as próprias formas, em si próprios, são afectados por esses
estados contrários, isso seria digno de espanto; mas se me
mostrarem que eu, sendo uma certa entidade, sou uno e
múltiplo, o que haverá de espantoso nisso? Quando quiserem
mostrar que sou múltiplo, dirão que há em mim umas partes
à direita e outras partes à esquerda, e umas partes à frente e
outras partes atrás, e também umas partes em cima e outras
partes em baixo; com efeito, julgo participar da multiplici-
d dade. E, quando quiserem mostrar que sou uno, dirão que,
sendo nós sete, eu sou um único homem, que participa da
unidade. E assim mostrarão a verdade de ambas as afir
mações. Portanto, se alguém empreender mostrar que estas
coisas são múltiplas e unas, isto é, uma pedra e um pau, e ou
tras coisas assim, diremos que nos fez ver que são de facto
múltiplas e unas, mas não que o uno é múltiplo nem que o
múltiplo é uno; e não dirá nada de espantoso, mas fará afir
mações com que todos concordamos. Contudo, se alguém,
como eu dizia agora mesmo, começasse por distinguir sepa
radamente10 as formas em si e por si, como a semelhança e a
9 Ho estin hen.
10 Chôris. Como se sabe, o problema da separação das Formas é uma das cruzes
da interpretação do pensamento platónico, e particularmente um dos pro
blemas discutidos no Parménides. Tal como acontece relativamente a grande
parte do vocabulário filosófico utilizado por Platão, nem sempre é fácil dis
tinguir as ocorrências técnicas das ocorrências vulgares de chôris.
36
dissemelhança, a pluralidade e a unidade, o repouso e o o
movimento e todas estas formas, e em seguida mostrasse que
elas podem, em si próprias, ser misturadas e separadas, eu
ficaria verdadeiramente perplexo e espantado, Zenão - disse
ele -. Penso que discorreste sobre estas coisas de forma per
feitamente viril; mas, como já disse, ficaria realmente perplexo
se alguém pudesse entrever esta mesma dificuldade de todas
as maneiras nas próprias formas e, tal como a descreveste nas i30a
coisas visíveis, assim também a pudesse mostrar nas coisas a
que chegamos através do raciocínio.
37
- Muitas vezes me tenho encontrado em dificuldades a
esse respeito, Parménides - disse ele - , sem saber se devo
dizer o mesmo sobre elas, se não.
- E acerca daquelas coisas, ó Sócrates, que podem pare
cer risíveis, como o cabelo, a lama e o lixo, ou outras coisas
perfeitamente indignas e desprezíveis, não te encontras
também em dificuldades, sem saberes se deves dizer que
d há uma forma separada de cada uma destas coisas, que é
diferente daquelas outras que nós manejamos?
- De maneira nenhuma - disse Sócrates - , essas coisas que
nós vemos são como as vemos; pensar que há uma forma
dessas coisas seria excessivamente absurdo. E contudo, já
muitas vezes me senti perturbado com a possibilidade de ter
de dizer a mesma coisa acerca de todas12; porém, sempre que
penso nisso, desato a fugir, com medo de cair num abismo de
palavreado vão e de ser destruído. Por isso, regresso àquelas
coisas que dizíamos agora mesmo que tinham formas e passo
o meus tempo ocupado com elas.
e - E que ainda és novo, Sócrates - disse Parménides - , e
por isso a filosofia ainda não se apoderou de ti como, na
minha opinião, há-de apoderar-se quando não desprezares
nenhuma dessas coisas; por enquanto, ainda consideras as
opiniões dos homens, por causa da tua idade.
38
- Exactamente - disse Sócrates.
- Mas então, cada uma das coisas que participam par
ticipa de toda a forma ou apenas de uma parte dela? Ou
poderá haver outra maneira de participarem, para além
destas?
- Como poderia ser assim?
- Pensas então que a forma, sendo uma14, está toda pre
sente em cada uma das coisas que são múltiplas, ou o que
te parece?
- De facto, o que a impede de estar nelas, Parménides?
- perguntou Sócrates.
- Nesse caso, sendo uma e a mesma, e estando toda b
simultaneamente em muitas coisas separadas15, ela própria
estará separada de si própria.
- Não será assim - replicou - , se for como o dia16 que,
sendo um e o mesmo, está simultaneamente em muitos
sítios, e nem por isso está separado de si próprio; se assim
for, cada uma das formas, sendo uma, estará simultanea
mente em todas as coisas, continuando a ser ela própria.
- É agradável, ó Sócrates - observou Parménides - , a
maneira como fazes com que o uno e o mesmo esteja
simultaneamente em muitos sítios, como se cobrisses
muitos homens com a vela de um navio e dissesses que é
algo uno que está todo sobre muitos17. Ou não é isto que c
queres dizer?
- Talvez - respondeu Sócrates.
- Nesse caso, a vela estaria toda sobre cada homem, ou
estaria uma parte dela sobre cada um?
- Uma parte.
39
- Mas então, as formas também estão divididas em
partes, Sócrates - disse Parménides - , e cada uma das
coisas que participam delas só participa de uma parte, e de
modo nenhum estão todas em cada coisa que delas parti
cipa, mas apenas estará uma parte em cada uma.
- Parece ser assim.
- Estarias então disposto a afirmar, ó Sócrates, que, em
bora uma forma esteja, entre nós, dividida em partes, ainda
assim é una?
- De modo nenhum - respondeu Sócrates.
- Então pensa no seguinte - disse Parménides se
d dividires a grandeza em si em partes, e se cada uma das
muitas coisas grandes for grande por via duma parte da
grandeza que é mais pequena do que a grandeza em si, isso
não te parece absurdo?
- Certamente que sim - disse ele.
- Por outro lado, se cada coisa tiver uma pequena parte
da igualdade, poderá essa coisa, tendo uma parte da igual
dade que é menor que a própria igualdade, ser igual a
outra coisa?
- E impossível.
- Mas, se algum de nós tiver uma parte do pequeno, o
pequeno em si será maior do que ela, dado que isso é uma
parte dele; portanto, o pequeno em si será maior; mas aquilo
a que se acrescentar a parte que foi retirada será mais pe-
e queno e não maior do que anteriormente.
- Mas isso não pode ser - disse Sócrates.
- Mas então, Sócrates - perguntou Parménides - , como é
que as outras coisas hão-de participar dessas tuas formas18,
se não podem participar nem como partes nem como todos?
- Por Zeus - respondeu Sócrates - , não me parece nada
fácil determinar como será.
40
Nesse caso, o que dizes do seguinte?
- De quê?
- Parece-me que consideras que cada forma é uma pelo
seguinte: quando te parece que muitas coisas são grandes
e olhas para elas como um todo, julgas talvez que há nelas
uma e a mesma forma, o que te leva a pensar que o grande
é uno19.
s
41
- Então é um pensamento de alguma coisa?
- Sim.
- Que é ou que não é?
- Que é.
- De uma coisa una, que o pensamento pensa estar sobre
todas as coisas, embora continue a ser uma certa forma?
- Sim.
- E isso que é pensado como sendo uno, e como algo
que é sempre e que é o mesmo sobre todas as coisas, não
será isso a forma?
- Parece que é necessariamente assim.
- Mas então - prosseguiu Parménides - , se dizes que todas
as outras coisas participam das formas, não parece necessário
que, ou cada coisa seja feita de pensamentos e todas as coisas
pensem, ou que sejam pensamentos mas não pensem?
- Mas isso também não é razoável, Parménides - decla
rou Sócrates parece-me antes o seguinte: estas formas
permanecem na Natureza como modelos23, e as outras
coisas parecem-se com elas e são semelhanças24 delas; e a
participação das outras coisas nas formas não é senão
assimilarem-se a elas25.
- Nesse caso, se uma certa coisa - disse Parménides - se
parece com uma forma, como pode essa forma ser disseme
lhante daquilo que se parece com ela, na medida em que isso
foi copiado dela? Ou haverá algum engenho pelo qual o
semelhante não seja semelhante àquilo a que é semelhante26?
42
- Não há.
- E não será totalmente necessário que o semelhante
participe com o seu semelhante de uma forma que seja una e
e a mesma?
- E necessário.
- Então, aquilo por participação no qual as coisas seme
lhantes são semelhantes, isso não será a própria forma?
- Mas certamente que sim.
- Por conseguinte, algo não pode ser semelhante à forma,
nem a forma semelhante a outra coisa; é que, se assim for,
surgirá sempre outra forma para além da forma, e se essa for
semelhante a alguma coisa, surgirá depois outra, e nunca
mais haverá descanso para esta geração de formas, se a 1 3 3 a
forma for semelhante àquilo que participa dela.
- O que dizes é a maior das verdades.
- Nesse caso, não é por via da semelhança que as
restantes coisas participam nas formas, mas é necessário
procurar outra coisa por via da qual participem.
- Assim parece.
- Vês então, Sócrates - prosseguiu Parménides - , como
é grande a dificuldade de alguém que declare que as for
mas são em si e por si?
s
- E mesmo grande.
- Mas deves compreender - declarou Parménides - que,
digamos assim, de maneira nenhuma atingiste toda a b
grandeza da dificuldade resultante de afirmares que há
uma forma de cada um dos entes, que permanece separada
deles.
- Por que dizes isso? - perguntou Sócrates.
- As dificuldades são muitas e variadas - disse Parmé
nides - , mas a maior de todas é esta: se alguém dissesse que
não lhes convém serem conhecidas, sendo elas aquilo que
dizemos que as formas têm de ser, ninguém poderia provar
a quem tal afirmasse que estava errado, a não ser que lhe
43
calhasse ser um homem experiente em controvérsias e com
dotes naturais, e que gostasse de prosseguir uma discussão
c passando muitas vezes por todos os pormenores; mas
aquele que declara que elas não são cognoscíveis seria per
suasivo.
- Porquê, Parménides? - disse Sócrates.
- Porque, Sócrates, parece-me que tu e qualquer outra
pessoa, que estabeleça que há uma certa entidade27 em si
por si de cada coisa, terá de admitir, antes de mais, que
nenhuma delas está em nós28.
- De facto, se assim fosse, como poderia ser em si e por
si? - perguntou Sócrates.
- Dizes bem - retorquiu Parménides - . Deste modo,
todas aquelas formas que são aquilo que são umas em
relação às outras têm a sua entidade em relação a si
próprias, e não relativamente às coisas que estão do nosso
d lado29, sejam semelhanças, ou outra coisa qualquer, e das
quais nós, participando de cada uma, recebemos o nome;
por outro lado, as coisas que há do nosso lado, embora
sendo homónimas daquelas, são relativas a si próprias e
não às formas, e por isso são nomeadas a partir de si
próprias e não delas.
- O que estás tu a dizer? - perguntou Sócrates.
- Por exemplo - disse Parménides - , se algum de nós for
senhor de um escravo, esse escravo não é escravo daquele
e senhor que é o senhor em si, nem o senhor é senhor da
quele escravo que é o escravo em si, mas, sendo ambos
homens, serão senhores e escravos de outro homem; por
seu lado, o senhorio em si é senhorio da escravatura em si,
44
da mesma maneira que <i escravatura em si é escravatura
do senhorio em si. E os que estão do nosso lado não têm
poder relativamente àqueles nem aqueles relativamente a
nós. Mas, tal como atrás dissemos, as formas pertencem a si
próprias e são relativas a si próprias, da mesma maneira 134a
45
- Assim, nenhuma das formas será conhecida por nós,
dado que não participamos no próprio saber.
- Aparentemente não.
- Então, o belo em si e o bem em si e todas aquelas
c coisas que concebemos como formas em si são desconhe
cidas para nós.
- Arrisca-se a ser assim.
- Mas presta atenção a uma coisa ainda mais terrível.
- O quê?
- Dirias certamente que, se há um género em si do
saber, ele será muito mais rigoroso do que o saber que está
do nosso lado, e o mesmo se aplica ao belo e a todas as
coisas que são assim.
- Sim.
- Mas então, se alguma coisa participa do saber em si,
não te parece que só um deus pode possuir o saber mais
preciso de todos?
- Necessariamente.
d - E achas que esse deus pode conhecer as coisas que
estão do nosso lado, já que tem o saber em si?
- Como não?
- E que - disse Parménides - nós concordámos, ó
Sócrates, que nem as formas têm poder sobre as coisas que
estão do nosso lado, nem as coisas que estão do nosso lado
têm poder sobre as formas, mas cada uma32 só tem poder
sobre o seu próprio domínio.
- De facto, concordámos.
- Então, se senhorio em si, que tem a máxima perfeição,
e o saber que tem a máxima precisão estão do lado do deus,
nem esse senhorio poderá exercer-se sobre nós, nem o
e saber poderá conhecer-nos, nem a nada que esteja do
46
nosso lado; e, da mesma maneira, nós não temos domínio
sobre eles com o senhorio que está do nosso lado, nem
conhecemos com o nosso saber nada daquilo que é divino;
e, pelo mesmo raciocínio, eles, sendo deuses, não são nos
sos senhores nem conhecem os assuntos humanos.
- Mas não será um argumento perfeitamente espantoso
- perguntou Sócrates - , alguém privar o deus do saber?
- No entanto, Sócrates - disse Parménides - , as formas
têm necessariamente estas dificuldades, e ainda muitas
outras para além destas, se de facto estabelecermos que há
formas em si dos entes e determinarmos que cada uma é
uma forma em si. Por isso, aquele que nos ouve sente-se
perplexo e contesta que haja essas formas, ou declara que,
se houver, é totalmente necessário que sejam incognos-
cíveis pela natureza humana. E, ao dizer essas coisas, julga
ter razão e, como atrás dissemos, será espantosamente difí
cil de dissuadir. Pois só um homem com excelentes dotes
naturais seria capaz de compreender que há um género de
cada coisa e uma entidade em si e por si, e ainda seria mais
espantoso aquele que, tendo estudado estes problemas, b
pudesse ensinar outro a distinguir e a examinar todas estas
coisas.
- Concordo contigo, Parménides - disse Sócrates - ,
porque dizes coisas muito próximas daquilo que eu penso.
- Mas, por outro lado - prosseguiu Parménides - , se
alguém, tendo em conta todas estas dificuldades que agora
enumerámos e muitas outras, renunciasse às formas dos
entes, não distinguindo uma forma de cada coisa, essa pes
soa não saberia para onde voltar o seu pensamento, pois
não admitiria que há, para cada um dos entes, uma forma c
que é sempre a mesma; e assim, ficaria totalmente destruída
a possibilidade de se dedicar à dialéctica.
- O que dizes é verdade - respondeu Sócrates.
47
8 - E que farás tu relativamente à filosofia? Para onde te
voltarás, se estas coisas forem desconhecidas?
- Não estou a ver, pelo menos de momento.
- De facto, Sócrates, tentaste definir cedo demais - disse
Parménides - o belo, o justo, o bem e cada uma das formas;
ainda não te tinhas exercitado o suficiente. Percebi isso
d antes de ontem, quando te ouvi falar aqui com Aristóteles
neste mesmo sítio. Fica a saber que o impulso com que
desejas os argumentos é belo e divino; mas é necessário
que pratiques e te exercites mais frequentemente, enquanto
és ainda novo, nessas argumentações que parecem inúteis
e a que muitos chamam subtilezas engenhosas; de outro
modo, a verdade escapar-te-á.
- E de que modo devo exercitar-me, Parménides - per
guntou Sócrates.
- Do modo que ouviste a Zenão - respondeu Parmé-
e nides - . Mas houve uma coisa que fiquei encantado por te
ouvir dizer: que não te entregas à investigação nas coisas
visíveis nem às errâncias que lhes dizem respeito, mas te
orientas para aquelas que podem ser captadas pelo racio
cínio e que são as formas.
- E que me parece - respondeu Sócrates - que, dessa
maneira33, não será difícil mostrar que os entes são seme
lhantes e dissemelhantes e outras coisas assim.
- E parece-te bem - disse Parménides - . Mas é neces
sário fazer mais alguma coisa relativamente a isso; não só
pôr como hipótese que cada coisa é e investigar aquilo que
136a se segue dessa hipótese, mas também pôr como hipótese
que não é, se verdadeiramente queres exercitar-te.
- O que queres dizer? - perguntou Sócrates.
- Toma como exemplo - disse Parménides - , se quiseres,
aquela hipótese que Zenão apresentou: se há muitas coisas,
48
I
49
digno pedir-lho; pois é inconveniente falar desl.is coisas
diante de muitos, ainda mais com a idade dele; de facto, a
e multidão não sabe que, sem este percurso errante por
todas as coisas, é impossível à mente encontrar a verdade.
Por isso, Parménides, uno o meu pedido ao de Sócrates,
para que eu próprio te escute, ao fim de tanto tempo.
50
- Com certeza respondeu Zenão.
- Nesse caso - perguntou Parménides - quem me res
ponderá? Será o mais novo? Seria menos propenso a fazer
muitas perguntas e responderia mais directamente aquilo
que pensa; ao mesmo tempo, as suas respostas seriam para
mim ocasião de repouso.
- Estou preparado para isso, Parménides - disse Aristó- c
teles - , pois é de mim que falas quando falas do mais novo.
Mas pergunta que eu te responderei.
35 Ei hen estin: «se o uno é» ou «se [algo] é uno»; ambiguidade inextricável, que
estará presente em todas as versões da hipótese; Brisson, ad loc: «supposons
qu'il soit un» (tradução que mantém a conflacção dos sentidos existencial e
predicativo); Echandía, ad loc.: «si el Uno es»; Fowler, ad loc.: «if the one
exists».
36 1. Primeira afirmação da hipótese: se o uno é (que consequências se seguem
para o uno?).
37 Ver atrás, nota 3. Neste caso, «muitas coisas» traduz polia, tal como, adiante,
«outras coisas» traduzirá alia.
38 1.1. Primeira consequência: o uno não é múltiplo.
39 1.2. Segunda consequência: o uno não tem partes nem é um todo.
51
- Assim sendo, em ambas as circunstâncias, este uno
seria múltiplo, e não uno.
- E verdade.
- Porém, é necessário que ele não seja múltiplo, mas uno.
- Assim é.
- Portanto, se o uno for uno, não pode ser um todo nem
ter partes.
- De facto, não.
- E, se não tem partes, não terá princípio, nem fim, nem
meio, porque seriam partes suas40.
- Correcto.
- Ora, o fim e o princípio são os limites de cada coisa.
- Como não?
- Mas então, o uno será ilimitado, dado que não tem
princípio nem fim.
- Será ilimitado.
- Por conseguinte, não terá figura, pois não participa do
e circular nem do recto41.
- Como é isso?
- O circular é aquele cujas extremidades estão todas a
igual distância do centro.
- Sim.
- Por seu lado, o recto é aquele cujo meio barra o cami
nho de ambas as extremidades.
- Assim é.
- Portanto, se tivesse uma figura recta ou circular, o uno
teria partes e seria múltiplo.
- Certamente.
- Não é, pois, nem recto nem circular, uma vez que não
tem partes.
138a - Correcto.
52
Mas, sendo assim, náo estará em lado nenhum; j.í que
não está noutra coisa nem em si próprio42.
- Mas como é isso?
- Se estivesse noutra coisa, estaria rodeado, como por
um círculo, por aquilo em que estivesse, com o qual estaria
em contacto em muitos pontos e de muitas maneiras; mas
é impossível que aquilo que é uno, desprovido de partes e
não participa na circularidade esteja em contacto com um
círculo em muitos pontos.
- É impossível.
- Por outro lado, estando em si próprio, estaria rodeado
por si próprio e por nada mais do que si próprio, se de facto
estivesse em si próprio; pois é impossível que uma coisa b
esteja noutra sem estar rodeada por ela.
- De facto, é impossível.
- Portanto, uma coisa seria aquilo que rodeia e outra
aquilo que é rodeado; porque um todo não pode, simul
taneamente, sofrer e produzir43; e, nesse caso, o uno já não
seria um, mas dois.
- Como não, efectivamente?
- Logo, o uno não está em lugar nenhum, nem em si
próprio nem noutra coisa.
- Não está.
53
- Pois.
- Mas, se se alterasse em si próprio, o uno não poderia
continuar a ser uno.
- Era impossível.
- Portanto, o seu movimento não é de alteração.
- Parece que não.
- Então está em movimento, deslocando-se?
- Talvez.
- Mas se o uno se deslocasse, teria de andar em círculos
no mesmo sítio ou de mudar de um lugar para outro.
- Necessariamente.
- Ora, se andasse em círculos, teria necessariamente de
se apoiar num centro, e de ter outras partes que andassem
d à volta do centro. Mas através de que engenho poderá
aquilo que não tem centro nem partes ser levado a girar à
volta de um centro?
- De nenhum.
- Por outro lado, se mudasse de lugar, não estaria ora
aqui ora ali, estando assim em movimento?
- Se se movesse, sim.
- Mas não vimos já que é impossível que ele esteja
noutra coisa?
- Vimos.
- Então ainda é mais impossível que venha a ser.
- Não compreendo por quê.
- Se alguma coisa vem a ser em alguma coisa, não será
necessário que, enquanto vem a ser, não esteja ainda nela,
mas também não esteja inteiramente fora dela, visto que já
vem a ser?
- E necessário que assim seja.
e - Por conseguinte, se algo é afectado desse modo45, só
pode sê-lo aquilo que tem partes; porque uma parte estaria
já na outra coisa, ao mesmo tempo que outra estaria fora
54
dela; mas aquilo que não tem parles não pode de maneira
nenhuma estar simultaneamente e como um todo dentro e
fora de outra coisa.
- Isso é verdade.
- Mas não será ainda mais impossível que aquilo que
não tem partes nem é como um todo venha a ser em alguma
coisa, já que não vem a ser, nem segundo as partes, nem
segundo o todo?
- Assim parece.
- Portanto, não se desloca vindo a ser em outra coisa, i 3 <jn
nem alterando a sua posição, nem andando em círculos
sobre si próprio nem alterando-se.
- Parece que não.
- Logo, o uno é imóvel relativamente a todos os movi
mentos.
- E imóvel.
- Mas também dissemos que era impossível que ele
estivesse em alguma coisa.
- Dissemos de facto.
- Por conseguinte, não pode estar na mesma coisa.
- Como é isso?
- Porque já estaria naquela mesma coisa em que ele
próprio está.
- Com certeza.
- Mas não lhe é possível estar, nem em si próprio, nem
em outra coisa.
- De facto, não.
- Então, o uno nunca estará na mesma coisa. b
- Parece que não.
- Mas o que nunca está na mesma coisa não está em
repouso nem está imóvel.
- De facto, não pode.
- Nesse caso, parece que o uno não está imóvel nem em
movimento.
55
- Parece que não.
- Mas também não será idêntico a um diferente'1" nem a
si próprio, nem será diferente de si próprio nem de um
diferente47.
- Como?
- Se fosse diferente de si próprio, seria diferente do uno
e não seria o uno.
- Isso é verdade.
- Mas, se fosse idêntico a um diferente, seria esse dife-
c rente, e não seria ele próprio; e assim, não seria aquilo que
é, o uno, mas seria algo diferente do uno.
- De facto, não.
- Portanto, não será idêntico a um diferente nem dife
rente de si próprio.
- Pois não.
- Mas, sendo uno, também não será diferente de um dife
rente; pois não pertence ao uno ser diferente de certa coisa,
mas apenas pertence ao diferente ser diferente, e a mais nada.
- Correcto.
- Portanto, não será diferente por via de ser uno; não
achas?
- Pois não.
- E se não for por via disso, não o será por si próprio; e, se
não for por si próprio, também ele próprio não o será; mas,
d se de modo nenhum é diferente, não será diferente de nada.
56
- Correcto.
- Mas também nao si*rá idêntico a si mesmo.
- Como é isso?
- Certamente que a natureza48 do uno não é a mesma
que a do idêntico.
- Por quê?
- Porque, quando uma coisa se torna idêntica a outra,
nem por isso se torna una.
- Mas por quê?
- Porque aquilo que se torna idêntico a muitas coisas,
torna-se necessariamente múltiplo, e não uno.
- E verdade.
- Mas se o uno e o idêntico não diferissem de maneira
nenhuma, tudo aquilo que se tornasse idêntico tornar-se-ia
sempre uno, e tudo aquilo que se tornasse uno tornar-se-
-ia idêntico.
- Sem dúvida.
- Por conseguinte, se o uno for idêntico a si próprio, não
será uno consigo mesmo; e assim, sendo uno, não será uno; o
mas isto é impossível. Portanto, é impossível que o uno
seja, quer diferente de um diferente, quer idêntico a si
próprio.
- E impossível.
- Assim sendo, o uno não será nem diferente nem idên
tico, nem a si próprio nem a outro.
- De facto, não.
- Mas também não será semelhante a alguma coisa, nem
dissemelhante, nem de si próprio nem de um diferente49.
- Por quê?
- Porque o semelhante é de certa maneira idêntico.
48 Physis.
49 1.8. Oitava consequência: o uno não é semelhante nem dissemelhante, nem
de si próprio nem das outras coisas.
57
- Pois é.
- Mas já vimos que a natureza do uno era diferente da
natureza do idêntico.
- Vimos, de facto.
uoa - Ora, se o uno fosse afectado por algo diferente50 de ser
uno, seria, por essa afecção, mais do que uno, e isso é
impossível.
- Pois é.
- Por isso, o uno não pode de maneira nenhuma ser
afectado pelo idêntico, nem relativamente a outro, nem a si
próprio.
- Parece que não.
- E, da mesma maneira, também não é possível que seja
semelhante, nem a outro, nem a si próprio.
- Aparentemente não.
- Mas o uno também não pode ser afectado pelo dife
rente51; porque assim seria afectado de tal maneira que
seria mais do que um.
- Seria mais, de facto.
- Mas aquele que é afectado de maneira diferente, quer
b de si próprio quer de outro, deve ser dissemelhante, quer de
si próprio, quer de outro, já que aquilo que é afectado pelo
idêntico é semelhante.
- Correcto.
- Ora, parece que o uno, nunca sendo de maneira ne
nhuma afectado de forma diferente, não é de maneira nenhu
ma dissemelhante, nem de si próprio, nem do diferente52.
50 Chôris, tal como na linha anterior (e não heteron, como na passagem que ante
cede); ou seja, «se o uno fosse afectado por algo separado/distinto de ser uno».
51 Heteron, de novo. Parménides coloca o semelhante a par do idêntico e, da
mesma maneira, o dissemelhante a par do diferente, deduzindo esta con
sequência da anterior.
52 E provável que, nesta linha e na seguinte, heteron tenha o sentido de
«outro» e não de «diferente» (assim entenderam Brisson, Echandía e
Fowler, ad loc.). No entanto, dado que em toda a passagem 140a, e mesmo
58
- Com efeito, não.
- Consequentemente, o uno não será semelhante nem
dissemelhante, nem do diferente, nem de si próprio.
- Aparentemente, não.
- Mas, sendo assim, também não é igual nem desigual,
nem de si próprio nem de outra coisa53.
- Por quê?
- Se fosse igual, teria as mesmas medidas que aquele a
que é igual.
- Sim.
- E, se fosse maior ou menor, relativamente às coisas
com as quais é comensurável54, teria mais medidas do que
as mais pequenas do que ele e menos medidas do que as
maiores do que ele.
- Pois teria.
- E, relativamente às coisas com as quais não é comen
surável, teria medidas mais pequenas do que umas e
maiores do que outras.
- Como não?
- Mas então, não será impossível que aquele que não
participa no idêntico tenha medidas idênticas ou qualquer
outra coisa que seja idêntica?
- E impossível.
- Consequentemente, não será igual a si mesmo nem a
outro, já que não tem medidas idênticas.
- Parece que não.
- Mas, se tivesse mais ou menos medidas, teria tantas
partes quantas medidas tivesse; e assim, de modo nenhum
seria uno, mas seria tantos quantas as medidas que tivesse.
55 1.10. Décima consequência: o uno não é mais velho nem mais novo do que
si próprio nem do que outra coisa.
60
cujuilo i]ue v no tempo esteja sempre a tornar-se mais vellio
do que si próprio?
- É necessário.
- Ora, aquele que é mais velho é sempre mais velho do
que aquele que é mais novo.
- Claro.
- Por conseguinte, aquele que se torna mais velho b
do que si próprio torna-se, ao mesmo tempo, mais novo do
que si próprio, dado que tem de haver algo relativamente
ao qual se torna mais velho.
- O que queres dizer?
- O seguinte: sendo uma coisa diferente de outra56, não
tem de tornar-se diferente daquilo de que já é diferente, mas
já é diferente daquilo de que já é diferente, tornou-se dife
rente daquilo de que se tornou diferente, virá a ser diferente
daquilo de que será diferente; mas não pode ter sido, nem
pode vir a ser, nem pode ser diferente daquilo que está a
tornar-se diferente; apenas pode tornar-se diferente, e é tudo.
- Necessariamente.
- Mas o ser mais velho é uma diferença relativamente c
ao ser mais novo e nada mais.
- É de facto.
- Por conseguinte, aquele que está a tornar-se mais
velho do que si próprio tem necessariamente de se tornar,
ao mesmo tempo, mais novo do que si próprio.
- Parece que sim.
- Mas não pode tornar-se, nem durante mais tempo, nem
durante menos tempo do que si próprio, antes terá de tornar-
-se e de ser e de vir a ser no mesmo tempo que si próprio57.
- Também é necessário que seja assim.
61
Nosso case), pároco que ó lambem necessário i|uo Iodas
as coisas que são no tempo e que participam dele tenham a
d mesma idade do que si próprias, ao mesmo tempo que se
tornam mais velhas e mais novas do que si próprias.
- Arrisca-se a ser assim.
- Mas nenhuma destas afecções é transportada para o uno.
- Nenhuma delas é transportada.
- Consequentemente, ele não participa no tempo nem é
em nenhum tempo.
- De facto não, como mostra o argumento.
- E não te parece que «foi», «tornou-se» e «está a tornar-
-se» significam uma participação no tempo passado58?
e - Claramente.
- E «será», «virá a ser» e «terá vindo a ser» não signifi
cam uma participação no futuro, no que está para vir?
- Sim.
- E «é» e «torna-se» significam uma participação no tempo
presente?
- Como não?
- Consequentemente, se o uno não participa de ma
neira nenhuma no tempo, nem tem sido, nem foi, nem era,
nem se tornou, nem está a tornar-se, nem é, e ainda não
virá a ser, nem terá vindo a ser, nem será.
- Não há nada mais verdadeiro.
- Mas haverá outra maneira de participar da entidade59
do que através destes?
- Não há.
62
l’o r conseguinte, o nui) 11,10 participa tic· modo nenluim
da entidade.
- Parece que não.
- Mas então o uno não é de modo nenhum.
- Parece que não.
- Ora, sendo assim, também não é enquanto uno; pois,
se fosse, já seria e participaria na entidade; mas parece que
o uno nem é uno nem é, se fizermos fé neste argumento.
- Arrisca-se a ser assim. 142
63
- Sim.
- Observa então desde o princípio: se o uno é, será pos
sível que seja sem participar da entidade63?
- Não é possível.
- Portanto, a entidade do uno não será idêntica ao que
é o ser para o uno; pois, de outro modo, nem aquela seria
c a entidade daquele, nem este uno participaria daquela,
mas seria o mesmo alguém dizer «o uno é» e «o uno é uno»;
ora, a nossa hipótese não era: se o uno é uno, que coisas se
seguem necessariamente; mas: se o uno é, o que se segue
necessariamente. Não é assim64?
- Com certeza.
- Então, ser significa uma coisa e uno significa outra?
- Necessariamente.
- Mas não significará que o uno participa da entidade?
Não será isso que está a dizer alguém que diga que o uno é?
- E mesmo.
- Esclareçamos novamente, se o uno é, que coisas se
seguem; investiga, pois, se não será necessário que esta
hipótese signifique que o uno é tal, que tem de ter partes65?
- Como?
d - Do seguinte modo: se é se diz do uno que é, e se o uno
se diz do ser que é uno, e se a entidade e o uno não são
o mesmo, mas pertencem àquilo mesmo que pusemos como
hipótese, que o uno é, não será necessário que o ser e o uno
sejam um mesmo todo, de que o uno e o ser serão partes?
- É necessário.
- E havemos de chamar a cada uma destas partes ape
nas parte ou, sendo partes, terão de ser chamadas partes do
todo?
64
- Chamar-se-ão partes do todo.
- Mas, nesse caso, aquilo que é uno é um todo e tem partes.
- Certamente.
- E poderá cada uma destas partes do uno que é, o uno
e o ser, abandonar a outra, quer a parte do uno abandonar o
o ser, quer a parte do ser abandonar o uno66?
- De modo nenhum.
- Portanto, cada uma destas partes possui o uno e o ser,
e a mais pequena das partes terá sempre estas duas partes
e, de acordo com o mesmo raciocínio, qualquer parte que
se gere terá sempre estas duas partes; de facto, o uno tem
sempre ser e o ser tem sempre uno; de maneira que se 143a
geram sempre necessariamente dois e nunca um.
- E mesmo assim.
- Segue-se então que, se o uno é, será uma multiplici
dade ilimitada.
- Parece que sim.
- Mas pensa ainda no seguinte.
- Em quê?
- Dizemos que o uno participa da entidade, e que por
isso é.
- Pois dizemos.
- E foi por isso que o uno nos pareceu ser muitos67.
- Foi, de facto.
- Mas diremos então que o próprio uno - que, segundo
dissemos, participava na entidade - , enquanto é captado
exclusivamente através do pensamento, em si próprio e
por si próprio, sem aquilo de que dizemos que participa,
é apenas uno ou que também é múltiplo?
- Eu diria que é uno. b
65
- Mas então vejamos; a sua entidade terá necessaria
mente de ser uma coisa diferente dele próprio, já que o uno
não é a entidade, mas participa na entidade.
- Necessariamente.
- Nesse caso, se a entidade é uma coisa e o uno é
outra68, não é por via de ser uno que o uno é diferente da
entidade, nem é por via de ser entidade que a entidade é
outra relativamente ao uno69, mas são diferentes entre si
por via do diferente e do outro.
- Certamente.
- E assim, o diferente não é idêntico, nem ao uno, nem
à entidade.
- Como poderia ser?
- Mas então, se seleccionarmos entre eles, quer a enti-
c dade e o diferente, se quiseres, quer a entidade e o uno,
quer o uno e o diferente, não teremos escolhido em cada
caso algo a que podemos adequadamente chamar «par»?
- Como é isso?
- Da seguinte maneira: podemos dizer «entidade».
- Podemos.
- E também podemos dizer «uno».
- Também.
- O que significa que falámos de cada um dos dois?
- Pois fálamos.
- E, quando falamos da entidade e do uno, não falamos
de ambos?
- Certamente.
- E, quando falo da entidade e do diferente ou do diferente
e do uno, não estou a falar, em todos os casos, de um par?
d - Sim.
- Mas, se são correctamente chamados pares, será pos
sível que, sendo um par, não sejam dois?
66
- Não é possível.
- Ora, sendo dois, haverá algum engenho pelo qual cada
um deles não seja um?
- Não há.
- Por conseguinte, embora aconteça que estão empare
lhados, cada um deles é um.
- Parece que sim.
- Mas, se cada um deles é um, pela soma de um deles a
qualquer par, o total não será três?
- Será.
- Mas três é ímpar e dois é par.
- Como não?
- Nesse caso, não é necessário que, havendo dois, haja u
duas vezes e que, havendo três, haja três vezes, já que o dois
é formado por duas vezes um e o três por três vezes um?
- E necessário.
- Mas, havendo dois e duas vezes, não será necessário
que haja duas vezes dois? E, havendo três e três vezes, não
é também necessário que haja três vezes três?
- Como não?
- Mas então, havendo três e duas vezes e havendo dois
e três vezes, não é necessário que haja três vezes dois e
dois vezes três?
- Certamente que sim.
- Consequentemente, haverá um número par de vezes
pares, um número ímpar de vezes ímpares, um número 144h
par de vezes ímpares e um número ímpar de vezes pares.
- Assim é.
- Mas então, se essas coisas são assim, parece-te que fica
para trás algum número, cuja necessidade não esteja esta
belecida70?
67
- De modo nenhum.
- Portanto, se o uno é, o número também será neces
sariamente?
- Necessariamente.
- Mas, havendo o número, também haverá muitas
coisas, e mesmo uma pluralidade ilimitada de entes. Ou
não será o número que assim se gera uma pluralidade ilimi
tada, que participa na entidade71?
- Com certeza.
- Então, se todos os números participam da entidade,
também participará dela cada parte do número, ou não?
- Sim.
71 Ver atrás, nota 59. Repare-se contudo que, a partir de 144d8, hê ousia e to on
são utilizados intermutavelmente e com o mesmo sentido.
68
- Necessariamente.
- Mas então o uno pertence a todas e a cada uma das
partes da entidade, e não abandona, nem a parte mais
pequena, nem a maior, nem nenhuma outra.
- Assim é. b
- E poderá o uno que é estar todo simultaneamente pre
sente em toda a parte? Pensa nisso.
- Já pensei, e parece-me impossível.
- Nesse caso, se não está como um todo, estará dividido
em partes; pois de nenhum outro modo poderia estar
simultaneamente presente em todas as partes da entidade,
a não ser estando dividido em partes.
- Pois é.
- Mas aquilo que está dividido em partes será neces
sariamente tão numeroso como as partes que houver.
- Necessariamente.
- Ora, se assim é, não dissemos a verdade ao dizer que
a entidade está dividida no maior número de partes. Pois
não serão mais numerosas do que aquelas em que está divi
dido o uno, mas serão aparentemente iguais ao número de o
partes do uno. E que nem o ser abandona o uno nem o uno
o ser, mas, sendo dois, são sempre igualados em todas as
coisas.
- Parece ser completamente assim.
- Por conseguinte, o próprio uno, dividido em partes
pela entidade, será múltiplo e uma multiplicidade ilimi
tada.
- É o que parece.
- Mas então, não é só o ser que, sendo uno, é múltiplo,
mas também o próprio uno que, dividido em partes pela
entidade, terá necessariamente de ser múltiplo.
- Não há dúvida nenhuma.
69
15 - E, dado que as partes são partes de um todo, o uno
será limitado enquanto todo. Ou não estarão as partes con-
145a tidas no todo72?
- Estão necessariamente.
- Mas aquilo que contém será limite.
- Como não?
- Nesse caso, o uno que é tem de ser uno e múltiplo,
todo e partes, limitado e em número ilimitado.
- Assim parece.
- Ora, se é limitado, também terá de ter extremidades,
ou não?
- Necessariamente.
- Mas então, se é um todo, não terá um princípio, um
meio e um fim? Ou será possível que alguma coisa seja
um todo sem estes três? E, se algum deles estivesse
ausente, poderia ainda aspirar e ser um todo?
- Não poderia.
b - Então parece que o uno tem um começo, um meio e
um fim.
- Pois tem.
- Mas o meio está a igual distância das extremidades;
pois de outra maneira não seria meio.
- De facto, não.
- Sendo assim, parece que o uno participa de uma certa
figura, seja ela recta ou circular, ou qualquer mistura de
ambas.
- Participa, de facto.
- Por conseguinte, tem de estar em si mesmo e noutro73?
- Como é isso?
- Cada uma das suas partes está no todo e nenhuma
está fora do todo.
70
- Assim é.
- E todas as partes estão incluídas no todo? o
- Estão.
- E o uno é constituído por todas as suas partes, nem
mais nem menos do que todas elas.
- Efectivamente.
- Mas o todo é uno, não é?
- Como não?
- Então, se todas as partes estão no todo, e se o uno é
todas as suas partes e o próprio todo, e se todas elas estão
contidas no todo, o uno estará incluído no uno, e assim o
próprio uno estará já em si próprio.
- Parece que sim.
- Mas a verdade é que o todo não está nas suas partes,
nem em todas, nem em algumas; pois, se estivesse em d
todas as suas partes, estaria necessariamente numa delas;
mas, se não estivesse em alguma delas, também não podia
estar em todas; pois, se esta é uma entre todas, e se o todo
não está nesta, como poderá estar em todas?
- De modo nenhum.
- Mas também não poderá estar em algumas das suas
partes, pois se o todo estivesse em algumas das suas partes,
o mais estaria no menos, o que é impossível.
- É de facto impossível.
- Mas, não estando o todo em muitas, nem em uma,
nem em todas as suas partes, não será necessário que esteja
em algo diferente ou que não esteja em lado nenhum?
- É necessário. e
- E, se não estivesse em lado nenhum, não seria nada;
mas, sendo o todo, se não está em si próprio, tem neces
sariamente de estar noutra coisa.
- Com certeza.
- Por conseguinte, enquanto todo, o uno está noutro;
mas, relativamente à totalidade das suas partes, está em si
72
próprio; e assim, o próprio uno tem necessariamente de
estar em si próprio e em algo diferente.
- Necessariamente.
- Sendo esta a natureza do uno, não será necessário que
esteja em movimento e em repouso74?
- Por quê?
- Estará em repouso se estiver em si próprio; pois,
146a estando em certo lugar e não saindo daí, permanecerá no
mesmo lugar, em si próprio75.
- De facto, assim é.
- E parece-me que o que está sempre no mesmo lugar
deverá necessariamente estar sempre em repouso.
- Com certeza.
- Mas então, aquele que está sempre em lugar diferente
não deverá, pelo contrário, não estar nunca no mesmo
lugar e, não estando nunca no mesmo lugar, não estar em
repouso e, não em estando em repouso, estar em movi
mento?
- Pois deverá.
- Então, é necessário que o uno, estando sempre em si
próprio e num lugar diferente, esteja sempre em movi
mento e em repouso.
- Parece que sim.
- Mas terá de ser idêntico a si próprio e diferente de si
b próprio e, da mesma maneira, idêntico às outras coisas e
diferente delas76, se for afectado como dissemos?
- Como é isso?
74 2.6. Sexta consequência: o uno está em movimento e em repouso.
75 As expressões são en autôi/en heterôi. Echandía alterna as traduções: «en un
lugar» (146al) e «lo que está en otro» (a4), no que é seguido por Brisson:
«dans le même endroit» e «en quelque chose de différent», respectiva
mente. Pela nossa parte, e procurando manter a uniformidade, preferimos
traduzir por «no mesmo lugar» e «em lugar diferente».
76 2.7. Sétima consequência: o uno é idêntico e diferente de si próprio e das
outras coisas.
72
- Todas as coisas são relativamente .1 Indo como se
segue: ou são idênticas ou diferentes; ou, se não forem
idênticas nem diferentes, são uma parte daquilo relativa
mente ao qual são idênticas ou diferentes ou são um todo
relativamente a uma parte.
- Parece que sim.
- Mas será o uno uma parte de si próprio?
- De modo nenhum.
- Nesse caso, também não pode ser, relativamente a si
próprio, como um todo relativamente a uma parte, pois
seria uma parte relativamente a si próprio.
- Isso não é possível.
- Mas o uno não é diferente do uno?
- Com certeza que não. c
- Portanto, não pode ser diferente de si próprio?
- Não pode, de facto.
- E isto? Se não é diferente, nem é o todo, nem é uma
parte, relativamente a si próprio, não será necessário que
seja idêntico a si próprio?
- E necessário que o seja.
- Mas então não é necessário que aquilo que está fora de
si próprio, embora estando em si próprio, seja diferente
de si próprio, já que está fora de si próprio?
- Parece-me que sim.
- Ora, já vimos que o uno era assim, pois estava em si
próprio e simultaneamente em lugar diferente77.
-V im o s, efectivamente.
- Por conseguinte, segundo parece, o uno é diferente de
si próprio.
- Parece que sim. d
- Mas então, se algo é diferente de algo, não será dife
rente daquilo de que é diferente?
- Sê-lo-á necessariamente.
73
16 - Nesse caso, aquelas coisas que não são o uno são
todas, sem excepção, diferentes do uno, e o uno é diferente
das coisas que não são o uno78.
- Como não?
- Por conseguinte, o uno será diferente das outras
coisas.
- Será diferente delas.
- Então considera o seguinte: o idêntico em si próprio e
o diferente em si próprio não são contrários um do outro?
- Como não haviam de sê-lo?
- Sendo assim, poderá o idêntico estar no diferente ou
o diferente no idêntico?
- Não pode.
- Então, se o diferente não pode de maneira nenhuma
estar no idêntico, não há nenhum ser no qual o diferente
e permaneça durante um certo tempo; pois se estivesse em
algum ser, o diferente estaria no idêntico durante esse
tempo. Ou não é assim?
- E assim.
- Mas, se o diferente nunca está no mesmo, também
nunca poderá estar em nenhum dos entes.
- Isso é verdade.
- Desse modo, o diferente não estará, nem nas coisas
que não são o uno, nem no uno.
- Pois não.
- Nesse caso, não é por via do diferente que o uno é
diferente das coisas que não são o uno; nem que as coisas
que não são o uno são diferentes do uno.
- Não é, de facto.
- Mas também não será por via de si próprias que serão
diferentes umas das outras, uma vez que não participam
do diferente.
78 Ou «do que não é uno»: tôn mê hen. Ver também adiante, 146e.
74
- Como poderiam sê-lo?
- Ora, se não é por via de si próprias nem por via do
diferente que são diferentes, não fugirão de todas as
maneiras de ser diferentes umas das outras?
- Fugirão.
- Mas as coisas que não são o uno também não podem
participar do uno; pois, nesse caso, não seriam não uno,
mas seriam, de certa maneira, o uno.
- E verdade.
- E ainda, as coisas que não são o uno não terão número;
pois, nesse caso, ao possuírem um número, não poderiam
de maneira nenhuma ser não uno.
- De facto.
- Mas as coisas que não são o uno não serão partes do
uno? E assim, as coisas que não são o uno não participam
do uno?
- Participam.
- Nesse caso, se temos por um lado aquilo que é total- b
mente uno, e por outro lado as coisas que não são o uno, o
uno não pode ser uma parte das coisas que não são o uno,
nem um todo de que elas sejam partes; nem as coisas que
não são o uno podem ser partes do uno, nem todos de
que o uno seja uma parte.
- De facto, não.
- Mas já dissemos que aquelas coisas que não são, nem
partes, nem todos relativamente umas às outras, nem dife
rentes umas das outras, devem ser idênticas umas às outras.
- Dissemos, de facto.
- Diremos então agora que, sendo o uno o que é, relati
vamente às coisas que não são o uno, é o mesmo que elas?
- Diremos.
- Nesse caso, parece que o uno é diferente das outras
coisas e de si próprio e é idêntico a elas e a si próprio.
- Arrisca-se a ser isso que o argumento prova. c
75
- Mas será também semelhante e dissemelhante, de si
próprio e das outras coisas79?
- Talvez.
- J á que se nos mostrou diferente das outras coisas, tam
bém as outras coisas devem ser diferentes dele.
- Certamente.
- Portanto, será diferente das outras coisas da mesma
maneira que as outras coisas são diferentes dele, nem mais,
nem menos?
- Com certeza.
- Mas, se não é mais nem menos, é de forma seme
lhante80.
- Sim.
- Mas, se é afectado de tal maneira que é diferente das
outras coisas e se as outras coisas são afectadas da mesma
maneira, sendo diferentes dele, serão afectados de maneira
d idêntica, quer o uno relativamente às outras coisas, quer as
outras coisas relativamente ao uno.
- O que dizes?
- O seguinte: chamas a cada coisa um nome?
- Chamo.
- E podes dizer o mesmo nome muitas vezes ou uma só
vez?
- Pois posso.
- E, quando o dizes uma vez designas aquilo que tem
esse nome, mas quando o dizes muitas vezes, já não? Ou,
quer o digas uma vez só, quer o digas muitas vezes, terás
necessariamente de dizer sempre a mesma coisa?
- Com certeza.
- Ora, «diferente» não é o nome de alguma coisa?
76
- Certamente que sim.
- Então, quando o dizes, seja uma vez só, seja muitas
vezes, não designas outra coisa, nem nomeias outra coisa, o
77
- Mas, na medida em que é diferente, mostrou ser
semelhante.
- Sim.
- Portanto, na medida em que idêntico, será disseme
lhante, pois será afectado pela afecção contrária ao seme
lhante, pois era o diferente que o tornava semelhante.
- Sim.
- Então, o idêntico torna-lo-á dissemelhante, ou então
não será o contrário do diferente.
c - Assim parece.
- Por conseguinte, o uno será semelhante e disseme
lhante das outras coisas, semelhante na medida em que é
diferente, e dissemelhante na medida em que é idêntico.
- Sim, o argumento parece estabelecer isso.
- Mas também o seguinte.
- O quê?
- Na medida em que é afectado pelo idêntico, não será
afectado de outra maneira81; não sendo afectado de outra
maneira, não será dissemelhante; e, não sendo disseme
lhante, será semelhante. Em contrapartida, na medida em
que é afectado de outra maneira, será outro e, sendo afec
tado de outra maneira, será dissemelhante.
- Dizes a verdade.
- Assim, sendo idêntico às outras coisas e porque é dife
rente, tanto por ambas as coisas, como por cada uma delas,
d o uno será semelhante e dissemelhante das outras coisas.
- Certamente.
- E da mesma maneira em si próprio, uma vez que
mostrámos que é diferente de si próprio e idêntico a si
próprio, tanto por ambas as coisas, como por cada uma
delas, será semelhante e dissemelhante.
- Necessariamente.
78
- investiga agora se o uno está em contacto consigo
próprio e com as outras coisas ou não está em contacto con
sigo próprio e com as outras coisas82.
- Investigarei.
- Mostrámos que o uno estava em si próprio como um
todo.
- Correcto.
- Mas então também está nas outras coisas.
- Sim.
- Nesse caso, na medida em que está nas outras coisas,
estará em contacto com as outras coisas; na medida em que u
está em si próprio, estará afastado do contacto com as outras
coisas mas, estando em si próprio, estará em contacto consigo.
- Parece que sim.
- Assim sendo, o uno estará em contacto consigo pró
prio e com as outras coisas.
- Pois estará.
- Mas não será necessário que tudo aquilo que venha a
estar em contacto com alguma coisa esteja colocado perto
daquilo com que virá a estar em contacto, ocupando o
lugar imediatamente a seguir àquele em que se encontra
aquilo com que está em contacto?
- É necessário.
- Consequentemente, para que o uno venha a estar em
contacto consigo próprio, tem de estar colocado perto de si
próprio e de ocupar o lugar a seguir àquele em que se
encontra?
- Terá necessariamente.
- Ora, o uno só poderia vir a fazer isso se fosse dois e 149a
estivesse em dois lugares simultaneamente; mas, enquanto
for um, não poderá fazê-lo.
82 2.9. Nona consequência (ausente da primeira série): o uno está e não está
em contacto consigo próprio e com as outras coisas.
79
- Não poderá, efectivamente.
- Mas é a mesma necessidade que impede o uno de ser
dois e de estar em contacto consigo próprio.
- E a mesma.
- E também não estará em contacto com as outras
coisas.
- Por quê?
- Porque, tal como dissemos, aquilo que vier a estar em
contacto consigo próprio tem de estar separado e de estar
ao lado daquilo com que virá a estar em contacto, e não
poderá haver uma terceira coisa entre eles.
- E verdade.
- Por isso, para que haja contacto, tem de haver, no mí
nimo, duas coisas.
- Pois é.
b - Mas, se a essas duas coisas que estão em contacto se
acrescentar a seguir uma terceira, haverá três coisas e dois
contactos.
- Sim.
- E assim, sempre que se acrescenta uma coisa, acres-
centa-se também um contacto, sendo o número dos con
tactos inferior em um ao das coisas. Pois as duas primeiras
coisas superam o número dos contactos, sendo já em
número superior a eles, e da mesma maneira o número das
coisas superará o número dos contactos. De facto, sempre
c que se acrescenta um ao número das coisas, acrescenta-se
um contacto ao número dos contactos.
- Correcto.
- Assim, qualquer que seja o número das coisas, os con
tactos serão sempre um a menos do que elas.
- E verdade.
- Mas, se apenas houver uma coisa, e não duas, não
poderá haver contacto.
- Como poderia?
80
- Então, conforme dissemos, as coisas que são outras
que o uno83 não são o uno nem participam do uno, uma
vez que são outras.
- De facto, não.
- Mas então, não há número nas outras coisas, uma vez
que o uno não está nelas.
- Como poderia haver?
- Consequentemente, as outras coisas não são um nem d
dois, nem recebem o nome de nenhum outro número.
- Não.
- Por conseguinte, só o uno é uno, e não haverá o dois.
- Parece que não.
- Mas, não havendo duas coisas, não pode haver contacto.
- Pois não.
- Nesse caso, se não há contacto, o uno não estará em
contacto com as outras coisas, nem as outras coisas com o
uno.
- Não estará, de facto.
- Assim sendo, e com base em tudo o que foi dito, o uno
está e não está em contacto consigo próprio e com as outras
coisas.
- Parece que sim.
81
m enores uns do que os outros, no que diz respeito às suas
entidades85; mas se, para além destas, cada um possuísse
a igualdade, seriam iguais uns aos outros; e se as outras
coisas possuíssem a grandeza e o uno a pequenez, ou o uno
a grandeza e as outras coisas a pequenez, aquela forma86 a
que se acrescentasse a grandeza seria maior, e aquela a que
se acrescentasse a pequenez, mais pequena.
- Necessariamente.
- Mas há estas duas formas, a grandeza e a pequenez,
não é verdade? Pois, se não houvesse, não poderiam ser
contrárias uma da outra nem poderiam gerar-se nos entes.
- Não duvido.
150 a - Então, se a pequenez se gerar no uno, estará em todo
o uno ou numa parte dele.
- Necessariamente.
- E se se gerar no todo? Ou se estenderá de igual ma
neira por todo o uno ou envolvê-lo-á, não é verdade?
- E claro.
- Ora, se a pequenez se estender de igual maneira pelo
uno, será igual a ele; mas, se o envolver será maior do que ele.
- Como não?
- Mas é possível que a pequenez seja igual a alguma
coisa ou maior do que alguma coisa, cumprindo as funções
da grandeza e da igualdade, mas não as suas?
b - Isso é impossível.
- Então, a pequenez não estará em todo o uno, mas
antes somente numa parte.
- Sim.
- Mas também não pode estar em toda essa parte; cle
contrário, aconteceria o mesmo que acontece com o todo:
seria sempre igual ou maior do que a parte em que estivesse.
82
- N ecessariam ente.
- Então, a pequenez nunca estará em nenhum dos
entes, pois não pode gerar-se nem na parte nem no todo;
nem haverá nada que seja pequeno, para além da própria
pequenez.
- Parece que não.
- Mas a grandeza também não estará presente no uno;
pois aquilo em que a grandeza estivesse presente seria c
maior do que a própria grandeza e outro relativamente a
ela e, sendo grande, não seria pequeno, nem seria neces
sariamente excedido por ela. Mas isto é impossível, porque
a pequenez não está presente em parte alguma.
- Isso é verdade.
- Assim sendo, a própria grandeza não é maior do que
nenhum a outra coisa, para além da própria pequenez, nem
a própria pequenez é mais pequena do que nenhuma outra
coisa, para além da própria grandeza87.
- De facto, não.
- Então, as outras coisas não são maiores nem menores do
que o uno, uma vez que não têm grandeza nem pequenez,
nem estas têm, relativamente ao uno, o poder de o exceder d
ou de serem excedidas por ele, mas só uma relativamente à
outra; por sua vez, o uno também não pode ser maior nem
menor do que nenhuma destas duas, nem do que as outras
coisas, uma vez que não tem grandeza nem pequenez.
- Parece ser assim mesmo.
- Ora, se o uno não é maior nem menor do que as outras
coisas, é necessário que não as exceda nem seja excedido
por elas.
- É necessário.
- Nesse caso, é mesmo necessário que aquele que não
excede nem é excedido esteja em situação de igualdade e
que, estando em situação de igualdade, seja igual.
83
- Como não?
e - Mas o uno em si também terá a mesma relação con
sigo próprio; não tendo em si próprio, nem grandeza nem
pequenez, não se excederá a si próprio nem será excedido
por si próprio mas, estando em situação de igualdade, será
igual a si próprio.
- Completamente.
- Então, o uno será igual a si próprio e às outras coisas.
- Parece que sim.
- No entanto, estando em si próprio, também deve estar
à volta de si próprio a partir de fora; de modo que, con
tendo-se si próprio, será maior do que si próprio e, sendo
151a contido por si próprio, será menor do que si próprio; e
assim, o uno em si será maior e menor do que si próprio.
- Pois será.
- Mas não é necessário que não haja nada fora do uno e
das outras coisas?
- Como não?
- E também é forçoso que aquilo que é esteja sempre em
algum lugar.
- Sim.
- Mas aquilo que está em algum lugar não será menor
do que aquilo no qual está, que será maior? É que não há
outra maneira de uma coisa estar num lugar diferente de si,
pois não88?
- De facto, não.
- Mas, visto que não há nada para além89 das outras
coisas e do uno, e que estes têm de estar em algum lugar,
não será necessário que estejam uns nos outros, as outras
b coisas no uno e o. uno nas outras coisas, ou então em parte
alguma?
84
- Parece que sim.
- E que, se o uno estiver nas outras coisas, as outras
coisas sejam maiores do que o uno, uma vez que o contêm,
e o uno menor do que as outras coisas, já que é contido por
elas? E que, se as outras coisas estão no uno, o uno seja,
pela mesma razão, maior do que as outras coisas, e as
outras coisas menores do que o uno?
- Assim parece.
- Então, o uno será igual, maior e menor do que si
próprio e do que as outras coisas.
- É óbvio.
- Mas, se é maior, menor e igual, terá medidas iguais,
maiores e menores do que si próprio e do que as outras
coisas, e se tem medidas, também terá partes.
- Como não?
- E, tendo medidas iguais e maiores e menores, será
numericamente maior e menor do que si próprio e do que
as outras coisas, bem como numericamente igual a si
próprio e às outras coisas.
- Como?
- Se for maior do que outras coisas, terá medidas maio
res do que elas; e terá tantas partes quantas medidas tem;
e, se for menor, acontece a mesma coisa; e se for igual,
outro tanto.
- E assim.
- Então, sendo maior, menor e igual a si próprio, terá
medidas maiores e menores do que si próprio, e se tem
medidas também tem partes.
- Como não?
- E, se tiver um número de partes igual a si próprio, será
igual a si próprio segundo o número; se tiver um número
maior, será numericamente maior, e se tiver um número me
nor será numericamente menor do que si próprio.
- Parece que sim.
- E terá o uno a mesma relação com as outras coisas?
E que, se parece ser maior do que elas, também é necessário
que seja numericamente maior do que elas; se for menor,
terá de ser numericamente menor; e, se tiver uma gran
deza igual, será igual às outras coisas segundo o número.
- Necessariamente.
e - Sendo assim, parece que o uno será numericamente
igual, maior e menor do que si próprio e do que as outras
coisas.
- Pois será.
86
Necessariamente.
- Mas convém recordar que aquilo que é mais velho se
torna mais velho do que aquele que se torna mais novo.
- Recordemo-lo, pois.
- Portanto, se o uno se torna mais velho do que si pró
prio, não se tornará mais velho do que si próprio, tornan- b
do-se mais novo?
- Necessariamente.
- Torna-se assim mais velho e mais novo do que si pró
prio.
- Sim.
- E não é verdade que é mais velho quando, ao tornar-
-se mais velho, está no tempo de agora, entre o era e o será?
De facto, não evita o agora ao passar do antes para o depois.
- Pois não.
- Nesse caso, não deixa de se tornar mais velho quando
está no agora e deixou de se tornar outra coisa, pois já é c
mais velho. É que, ao avançar, nunca será apanhado pelo
agora; de facto, aquilo que assim avança aproxima-se de
ambos, do agora e do depois, deixando ir o agora e apode
rando-se do depois e gerando-se entre ambos, o depois e o
agora.
- É verdade.
- Mas, se é necessário que tudo aquilo que se gera não
evite o agora, sempre que isso acontece, deixa de se tornar d
e é aquilo que acontece estar a tornar-se.
- Parece que sim.
-.N e sse caso, quando, ao tornar-se mais velho o uno
chega ao presente, deixa de se tornar e, nesse momento, já
é mais velho.
- Completamente.
- Portanto, estava a tornar-se mais velho do que aquilo
que o é; estava a tornar-se mais velho do que si próprio.
Sim.
87
j
- E aquilo que é mais velho é mais velho do que aquilo
que é mais novo?
- É, de facto.
- Consequentemente, o uno também é mais novo do
que si próprio quando, ao tornar-se mais velho, chega ao
agora?
e - Necessariamente.
- Mas o agora está sempre presente no uno, em todo o
seu ser; porque, quando é, é sempre agora.
- Como não?
- Segue-se que o uno é sempre e está sempre a tornar-
-se mais velho e mais novo do que si próprio.
- Parece que sim.
- Mas é ou torna-se em mais tempo do que si próprio ou
em tempo igual?
- Em tempo igual.
- Ora, aquilo que se torna ou que é em tempo igual tem
a mesma idade.
- Como não?
- E o que tem a mesma idade não é mais velho nem
mais novo.
- De facto, não.
- Consequentem ente, o uno, que se torna e é no mesmo
tempo que si próprio não é nem se torna mais novo nem
mais velho do que si próprio.
- Parece-me que não.
- E que as outras coisas?
153a - Não te posso dizer.
- Mas podes certamente dizer isto: que as coisas que são
outras que o uno, sendo diferentes e não diferente, são mais
do que uma91; pois, se fosse diferente, seria uma; mas, sendo
diferentes, são mais do que uma e são uma multiplicidade.
91 Pleiô estin henos: são mais do que uma/são mais numerosas do que o uno.
88
- São, de facto.
- Sendo uma multiplicidade, participarão num número
maior do que o uno.
- Como não?
- E achas que foram os números maiores que foram
gerados primeiro, ou os números menores?
- Os menores.
- Assim sendo, o menor de todos será o primeiro; e esse
é o uno; ou não?
- Sim.
- Consequentemente, de entre todas as coisas que têm
número, o uno foi o primeiro a gerar-se; mas todas as
outras coisas também têm número, dado que são outras
coisas e não outra coisa.
- Têm, de facto.
- Ora, tendo sido o primeiro a gerar-se, segundo penso,
o uno gerou-se primeiro e as outras coisas depois; mas as
coisas que se geram depois são mais novas do que aquelas
que se geram primeiro; e assim, as outras coisas serão mais
novas do que o uno, e este será mais velho do que as outras
coisas.
- Será realmente.
89
■
92 Holon hen.
90
mas, de acordo com o argumento anterior, era mais velho e
mais novo do que as outras coisas, e da mesma maneira as
outras coisas eram mais velhas e mais novas do que ele.
- Completamente.
- E é assim que ele é e que se gera. Mas, por outro lado,
o que diremos acerca de ele se tornar mais velho e mais
novo do que as outras coisas, e as outras coisas do que o
uno, e de não se tornar mais novo nem mais velho do que
elas? Acontecerá com o tornar-se como acontece com o ser,
ou de outra maneira?
- Não sei dizer. b
- Pois eu digo o seguinte: se uma coisa é mais velha do
que outra, não pode tornar-se ainda mais velha senão pela
diferença de idade que tinha ao princípio; por outro lado,
se for mais nova, não se pode tornar ainda mais nova; pois
a adição de iguais a desiguais, seja no tempo ou em qual
quer outra coisa, faz com que a diferença seja sempre a
mesma que era ao princípio.
- Como não?
- Portanto, aquilo que é não pode tornar-se mais velho
nem mais novo do que aquilo que é, se a diferença de c
idades perm anecer igual; é e tornou-se mais velho, ou
então mais novo, mas não se tornará ainda mais velho
ou mais novo.
- Isso é verdade.
- Consequentemente, o uno que é não se torna mais
velho nem mais novo do que as outras coisas.
- De facto, não.
- Mas considera se elas se podem tornar mais velhas ou
mais novas da seguinte maneira.
- Como?
- Assim: o uno mostrou ser mais velho do que as outras
coisas e as outras coisas mais velhas do que o uno.
- E então?
91
d - Se o uno é mais velho do que as outras coisas, e por
que se gerou há mais tempo do que as outras coisas.
- Pois é.
- Mas investiga novamente: se adicionarmos um tempo
igual a um tempo mais longo e a um tempo mais curto, o
tempo maior tornar-se-á diferente do tempo menor pela
mesma parte ou por uma parte mais pequena93?
- Por uma parte mais pequena.
- Nesse caso, a diferença inicial de idades do uno relati
vam ente às outras coisas não será a mesma que depois;
pois, ao adicionar-se um tempo igual, a diferença de idades
relativamente às outras coisas será menor do que anterior
mente; ou não?
- Sim.
e - Mas aquilo que difere de outro em idade por menos
tempo do que antes não se tornará mais novo do que era
antes em relação àquelas coisas relativamente às quais
era anteriorm ente mais velho?
- Tornar-se-á mais novo.
- E, se esse se torna mais novo, não se tornarão as outras
coisas, por sua vez, mais velhas do que antes relativamente
ao uno?
- Completamente.
- Desse modo, aquele que foi gerado mais novo torna-
-se mais velho relativamente àquele que se gerou anterior
m ente, que é mais velho; contudo, de modo nenhum é
mais velho, mas está sempre a tornar-se mais velho do que
aquele; esse tende para ser mais novo, enquanto o outro
155 a tende para ser mais velho; por seu lado, o mais velho tarn-
93 De acordo com Brisson (op. cit., p. 273, nn. 345-6), esta passagem refere uma
relação do tipo (a + x) / (b + x) < a / b. Trata-se, pois, de uma relação
geom étrica (e não aritmética), em que (a + x) / (b + x) diminui constante
m ente, tendendo para 1, à medida que o valor de x aumenta.
92
bém está a lornar-se mais novo do que o mais novo; pois,
movendo-se em sentido contrário, estão a tornar-se o con
trário um do outro, o mais novo, mais velho do que o mais
velho, e o mais velho, mais novo do que o mais novo. Mas
nunca acabarão de se tornar mais velhos nem mais novos;
pois, se acabassem, deixariam de se tornar, e seriam. Agora
estão a tornar-se mais velhos e mais novos um que o outro;
pois o uno torna-se mais novo do que as outras coisas,
porque mostrou que é mais velho e que foi gerado pri
meiro, e as outras coisas tornam-se mais velhas do que b
o uno, porque foram geradas depois. De acordo com o
mesmo argumento, as outras coisas têm a mesma relação
com o uno, já que se tornou claro que eram mais velhas do
que ele e que foram geradas primeiro.
- Parece de facto ser assim.
- Nesse caso, uma vez que nenhuma coisa se torna mais
velha nem mais nova do que outra, já que diferem sempre
uma da outra por um número igual de anos, nem o uno se
torna mais velho nem mais novo do que as outras coisas,
nem as outras coisas do que o uno; por outro lado, como as
coisas que se geraram primeiro diferem necessariamente c
das que se geraram depois por uma parte sempre dife
rente, e as que se geraram depois das que se geraram
primeiro, o uno e as outras coisas estarão necessariamente
a tornar-se mais velhos e mais novos uns do que os outros.
- Completamente.
- De acordo com todos estes argumentos, o uno em si é
e torna-se mais velho e mais novo do que si próprio e do
que as outras coisas, e nem é nem se torna mais velho nem
mais novo do que si próprio nem do que as outras coisas.
- Não há dúvida.
- Mas, uma vez que o uno participa no tempo e no
tornar-se mais velho e mais novo, não será necessário que
93
d participe também no antes, no depois e no agora, j.i que
participa do tem po94?
- E necessário.
- Nesse caso, o uno era, é, será, e gerou-se e gera-se e
gerar-se-á.
- Certamente.
- E houve, há e haverá alguma coisa relativa a ele e
própria dele95.
- Completamente.
- E haverá saber, opinião e sensação dele, uma vez que
nós próprios estamos neste momento a fazer todas estas
coisas relativamente a ele.
- Dizes bem.
- E haverá um nome e uma definição96 para ele, e será
e nomeado e definido; e todas as outras coisas semelhantes
que se encontram nos restantes entes também se encon
tram no uno.
- Assim é, sem dúvida nenhuma.
94
- Mas será possível que participe da entidade quando não
participa nela, e que não participe na entidade quando par
ticipa?
- Não é possível.
- Nesse caso, participa num certo tempo e não participa
noutro tempo; pois só assim poderá participar e não par
ticipar na mesma coisa. 1 blln
- Correcto.
- Consequentemente, também há um certo tempo em
que recebe o ser e outro em que se afasta dele; pois como
poderia, ora tê-lo, ora não o ter, se não houvesse um mo
mento em que o recebe e outro em que o deixa?
- Não poderia de modo nenhum.
- E como chamarias a receber a entidade senão tornar-
-se?
- Isso mesmo.
- E afastar-se da entidade, senão perecer?
- Completamente.
- Nesse caso, parece que o uno se torna e perece ao
receber a entidade e ao deixá-la.
- Necessariamente. b
- E, sendo uno e múltiplo, e tornando-se e perecendo,
não acontecerá que, quando se torna uno, o ser múltiplo
perece e, quando se torna múltiplo, o ser uno perece?
- E mesmo assim.
- Mas, tornando-se uno e múltiplo, não será necessário
que se divida e se reúna?
- Inteiramente.
- E que, quando se torna dissemelhante e semelhante,
se assemelhe e desassemelhe?
- Sim.
- E que, quando se torna maior, menor ou igual, que
aumente, diminua e se iguale? c
- É assim.
95
- E quando, estando em movimento, passa .1 esl.ir em
repouso e quando, estando em repouso, passa a estar em mo
vim ento, não será necessário que ele próprio não se encon
tre em nenhum período de tempo?
- Como é isso?
- Se primeiro está em repouso e depois se move, ou
primeiro se move e depois está em repouso, não será afec
tado por estas coisas sem mudar.
- Como poderia?
- Mas não há nenhum período de tempo em que uma
coisa não esteja, simultaneamente, nem em movimento
nem em repouso.
- Não, não há.
- E, todavia, não pode mudar sem mudar.
- Parece que não.
- E quando é que muda? Pois não será enquanto está
em repouso, nem enquanto está em movimento, nem en
quanto está no tempo.
d - De facto, não.
- Mas não será algo desconcertante", isso em que está
quando muda?
- E o que é?
- E o instante. De facto, o instante parece significar algo
a partir do qual se muda de uma coisa para outra; pois é
óbvio que não se muda a partir do repouso quando se está
em repouso, nem se muda a partir do movimento quando
se está em movimento. Mas a desconcertante natureza do
próprio instante100, que reside entre o movimento e o
e repouso, que não está em nenhum período de tempo, é
aquilo para o qual e a partir do qual muda para o repouso
99 Atopon: desconcertante, por não ter lugar próprio, por ser a-topos.
100 Ou «a natureza do próprio instante, que não tem lugar próprio»: hê exaiph-
nês hautê physis atopos (ver nota anterior).
96
aquilo que está em movimento e para o movimento aquilo
que está em repouso.
- Arrisca-se a ser assim.
- E, desse modo, também o uno, dado que está em movi
mento e em repouso, deverá mudar para um e para outro;
pois só assim poderá fazer ambas as coisas. Mas, ao mudar,
muda no instante e, enquanto muda, não está em nenhum
período de tempo, nem está em movimento nem em repouso.
- De fa'cto, não.
- E não acontecerá o mesmo com as outras mudanças,
quando muda do ser para o perecer, ou do não ser para o 157a
tornar-se101, não estará num certo meio102, entre o movi
mento e o repouso, de maneira que nem é nem deixa de
ser, nem se torna nem perece?
- Aparentemente, é assim.
- Então, segundo o mesmo argumento, quando passa do
uno para o múltiplo e do múltiplo para o uno, não é uno
nem múltiplo, nem se divide nem se reúne. E, quando passa
do semelhante para o dissemelhante e do dissemelhante para
o semelhante, não é semelhante nem dissemelhante, nem se
assemelha nem desassemelha. E, quando passa do pequeno
para o grande, para igual e o contrário, não é pequeno, nem b
grande, nem igual, nem aumenta, nem diminui nem se
iguala.
- Parece que não.
- Mas, se é, o uno é afectado por todas estas afecções?
- Como não?
97
- Convém fazê-lo.
- Diremos então o que deve acontecer às coisas ou Iras
que o uno, se o uno é?
- Digamos pois.
- Bem, se elas são outras que o uno, as outras coisas não
são o uno; pois, de outro modo, não seriam outras que o
uno.
- Correcto.
- Mas as outras coisas também não estão totalmente pri
vadas do uno, mas participam de certo modo dele.
- Como?
- Porque as outras coisas são outras que o uno pelo facto
de terem partes104; pois, se não tivessem partes, seriam
totalmente unas105.
- Correcto.
- Mas dizemos que o que tem partes é aquilo que é um
todo.
- Dizemos, de facto.
- Ora, é necessário que o todo uno seja feito a partir de
muitos106, do qual as partes são partes. Pois cada uma das
partes tem de ser uma parte, não de uma multiplicidade,
mas de um todo.
- Como é isso?
- Se uma coisa é uma parte de muitas coisas, às quais ela
própria pertence, será também uma parte de si própria, o
que é impossível, e de cada uma das outras coisas, já que é
uma parte de todas as coisas; pois, se não for uma parte de
uma delas, será uma parte das outras coisas, à excepção
dessa; e assim não será uma parte de cada uma delas e, não
104 3.1. Primeira consequência: as outras coisas são unas e têm partes.
105 Ou melhor, totalmente uno: pantellôs hen. Confusão entre o uso substan
tivo e adjectivo de «uno»: uma coisa que não tem partes é una; sendo una,
é o uno.
106 Hen ek pollôn.
sendo lima parte de cada uma das coisas, não será uma
parte de nenhuma das muitas coisas. Mas, ao não ser uma
parte de nenhuma delas, é impossível que seja uma parte
ou qualquer outra coisa de todas elas, de nenhuma das
quais será coisa nenhuma.
- Parece ser assim, de facto.
- Deste modo, a parte não é uma parte das muitas coisas
nem de todas as coisas, mas de uma certa forma e de um
certo uno, ao qual chamamos todo, um uno perfeito que se e
gera a partir de todas as partes, e do qual a parte é uma parte.
- De todas as maneiras.
- Portanto, se as outras coisas têm partes, hão-de parti
cipar do todo e do uno.
- Completamente.
- E as coisas outras que o uno têm necessariamente de
ser um todo perfeito com partes.
- Necessariamente.
- O mesmo argumento se aplica a cada uma das partes;
pois é necessário que estas participem do uno; de facto, se
cada uma delas é uma parte, o «cada uma» significa sem 150a
dúvida que é una107, separada das outras e em si própria, se
de facto é «cada uma».
- Correcto.
- Mas, ao participar no uno, é claro que é outra que o
uno; pois, se assim não fosse, não participaria no uno, mas
seria o próprio uno; ora, parece-me que é impossível que
algo seja uno, para além do próprio uno.
- E impossível.
- Mas é necessário que tanto o todo como a parte par
ticipem do uno; pois o uno será um todo, de que as partes
são partes; por outro lado, enquanto partes do todo, cada
uma delas será uma parte do todo.
99
- Assim é.
b - Portanto, as coisas que participam do uno, <1 0 partici
parem, são diferentes do uno.
- Como não?
- Mas as coisas que são diferentes do uno serão múlti
plas; pois, se não fossem o uno nem mais do que o uno, as
coisas outras que o uno não seriam nada.
- Pois não.
- Mas, dado que aquelas coisas que participam de uma
parte do uno e de todo o uno são mais numerosas do que
o uno, não será necessário que aquelas coisas que tomam
parte no uno sejam uma pluralidade ilimitada108?
- Como?
- Vejamos então: quando tomam parte no uno, tomam
parte nele, mas não são o uno nem participam do uno.
c - Aparentemente.
- Portanto, são uma multiplicidade, na qual o uno não
está presente109.
- São de facto uma multiplicidade.
- Mas então, se quisermos separar através do pensa
mento a parte mais pequena desta pluralidade, não será
necessário que aquilo que foi separado seja múltiplo e não
uno, uma vez que não participa do uno?
- E necessário.
- Portanto, sempre que assim consideramos, em si e por
si, a natureza que é diferente da forma110, tudo aquilo que
vemos dela é sempre uma multiplicidade ilimitada.
- Completamente.
100
- li ainda, quando cada parte se torna uma parte, passa
a ter limites relativamente às outras partes e em relação ao d
todo, e o mesmo acontece com o todo em relação às partes.
- Sem dúvida.
- Segue-se, pois, que, para as coisas outras que o uno,
parece gerar-se nelas, a partir do uno e da sua união com
ele, uma coisa diferente, que lhes proporciona um limite
umas em relação às outras; mas, em si próprias, e pela sua
própria natureza, elas são ilimitadas.
- Parece que sim.
- Nesse caso, as coisas outras que o uno, quer enquanto
todos, quer enquanto partes, são ilimitadas e participam do
limite.
- Completamente.
- Então, serão também semelhantes e dissemelhantes e
umas das outras e de si próprias111?
- Por quê?
- Porque, se são todas ilimitadas pela sua própria natu
reza, são afectadas pela mesma coisa.
- Completamente.
- Por outro lado, se todas elas participam do limite, tam
bém são todas afectadas dessa maneira.
- Como não?
- E, se são afectadas de tal maneira que são limitadas e
não têm limites, essas afecções que as afectam serão afec
ções contrárias umas às outras.
- Sim. 159a
- Ora, as coisas contrárias são as mais dissemelhantes
de todas.
- Certamente.
- Portanto, segundo cada uma destas afecções, serão
semelhantes a si próprias e umas às outras mas, segundo
101
ambas as afecções consideradas em conjunto, serão total
mente contrárias e dissemelhantes.
- Arrisca-se a ser assim.
- Assim, pois, as outras coisas serão semelhantes e disse
melhantes de si próprias e das outras coisas.
- Serão de facto.
- E também serão idênticas e diferentes umas das ou
tras, estarão em movimento e em repouso, e não seria nada
difícil descobrir todas estas afecções contrárias nas coisas
b outras que o uno, uma vez que ficou mostrado que são
afectadas por estas coisas112.
- Dizes bem.
102
- Dissemos tudo, de facto.
- Então, não há nada diferente delas, no qual possam
estar, tanto o uno como as outras coisas.
- Efectivamente, não há.
- Segue-se portanto que o uno e as outras coisas de
modo nenhum estão no mesmo.
- Parece que não.
- Portanto, estão separados.
- Sim.
- Mas também dissemos que aquilo que é verdadeira
mente uno não tem partes.
- Como poderia tê-las?
- Ora, se está separado das outras coisas e não tem par
tes, o uno não pode estar nas outras coisas como um todo,
nem pode ser uma parte de si próprio.
- Como poderia sê-lo?
- Então, as outras coisas não participam do uno de ma
neira nenhuma, já que não participam, nem segundo a
parte, nem segundo o todo.
- Parece que não.
- Nesse caso, as outras coisas não são unas116, nem têm
em si mesmas nenhuma unidade117.
- De facto, não.
- Por conseguinte, as outras coisas também não são múl
tiplas; porque, se fossem múltiplas, cada uma delas seria
uma parte do todo118; portanto, as coisas outras que o uno
não são unas nem múltiplas, nem um todo nem partes119, já
que de maneira nenhuma participam dele.
120 4.3. Terceira consequência: as outras coisas não são semelhantes nem
dissemelhantes.
104
Isso v int('11 .! 1 1 u■1 1 1 verdade.
- Portanto, st- o uno é, o uno é todas as coisas e coisa
nenhuma, tanto em relação a si próprio como em relação às
outras coisas.
- Completamente.
105
- Mas então, digamos desde o princípio: se o uno 1 1 , 1 0
é122, o que tem de acontecer? Parece que a primeira coisa
que tem de acontecer é que há saber acerca dele, ou então
não seria possível saber o que se estava a dizer, quando se
dissesse: se o uno não é123.
- E verdade.
- Portanto, também que as outras coisas são diferentes
dele, ou não se deve dizer que ele é diferente das outras
coisas124?
- Completamente.
- Então, para além do saber, também lhe pertence a dife
rença125. Pois, quando se diz que o uno é diferente das
e outras coisas, não é da diferença das outras coisas que se
está a falar, mas da diferença do uno.
- Parece que sim.
- Além disso, o uno que não é participa do aquilo, do
algo, do isto, do relativamente a estes, do estes e de todas
as outras coisas assim. Pois não se poderia falar do uno,
nem das coisas que são diferentes do uno, nem daquilo que
é relativamente a ele, nem dele, nem se poderia dizer coisa
alguma, se ele não participasse no algo nem nas outras
coisas assim.
- Correcto.
- Efectivamente, não é possível para o uno ser, já que
1 61 a não é , mas nada impede que participe em muitas coisas;
pelo contrário, é necessário que assim seja, se é esse uno
que não é, e não outra coisa. Mas, se nem o uno, nem aque
le, não são, e o argumento é sobre outra coisa, então não se
pode dizer nada; mas se é este uno e não outra coisa que
106
recebe o não ser, então é necessário que participe daquele e
de muitas outras coisas.
- Completamente.
- Portanto, também lhe pertencerá a dissemelhança rela
tivamente às outras coisas126; porque as coisas outras que o
uno, sendo diferentes, serão de um tipo diferente127.
- Sim.
- Mas as coisas que são de um tipo diferente não são de
natureza dissemelhante128?
- Como não?
- E as coisas que são de natureza dissemelhante não são
dissemelhantes?
- Certamente que são dissemelhantes. b
- Então, se são dissemelhantes do uno, é claro que as
coisas dissemelhantes serão dissemelhantes por via do dis
semelhante.
- E claro que sim.
- Então, o uno também possuirá dissemelhança, relati
vamente à qual as outras coisas são dissemelhantes dele.
- Parece que sim.
- Mas, se possui a dissemelhança das outras coisas, não
será necessário que possua também dissemelhança de si
próprio?
- Como?
- Se o uno possui dissemelhança do uno, este nosso
argumento não será sobre algo como o uno, nem a hipótese
será acerca do uno, mas acerca de algo outro que o uno.
- Certamente.
- Mas não pode ser assim. c
- De facto, não.
126 5.3. Terceira consequência: o não uno é dissemelhante das outras coisas e
semelhante a si próprio.
127 Alloia.
128 Anomoia.
107
- Então, o uno tem de possuir semelhança de si próprio.
- Pois tem.
- Mas também não é igual às outras coisas129. Pois, se
fosse igual, já seria130 e seria semelhante a elas por via cla
igualdade; mas ambas as coisas são impossíveis se o uno
não é.
- São impossíveis, de facto
- Mas, se não é igual às outras coisas, não será neces
sário que as outras coisas também não sejam iguais a ele?
- Será necessário.
- E as coisas que não são iguais não são desiguais?
- São.
- Ora, as coisas que são desiguais são desiguais por via
do desigual.
- Como não?
- Então, o uno participa da desigualdade, relativamente
à qual as outras coisas são desiguais dele.
d - Participa.
- Mas a grandeza e a pequenez fazem parte da desi
gualdade.
- Pois fazem.
- Portanto, haverá grandeza e pequenez nesse uno.
- Arrisca-se a ser assim.
- Mas a grandeza e a pequenez são sempre intoleráveis
uma à outra.
- Completamente.
- Por conseguinte, há sempre alguma coisa entre elas.
- Sempre.
- E poderás dizer-me que outra coisa há entre elas, para
além da igualdade?
- Nada mais, para além dela.
129 5.4. Quarta consequência: o não uno é igual e desigual das outras coisas.
130 Contrariando a hipótese.
108
- Porlanto, aquilo que tem grandeza e pequenez tam
bém tem igualdade, que está entre estas duas.
- Parece que sim.
- Nesse caso, parece que o uno que não é participa da u
igualdade e da grandeza e da pequenez.
- Parece que sim.
- Mas também terá de participar, de algum modo, na
entidade131.
- Como?
- Terá de ser como dissemos; pois, se não fosse assim,
não diríamos a verdade ao dizer que o uno não é; e, se dize
mos a verdade, é evidente que dizemos coisas que são. Ou
não é assim132?
- É de facto assim.
- E, uma vez que afirmamos que estamos a dizer a ver
dade, também é necessário que afirmemos que estamos a 1 6 2 »
dizer o que é.
- E necessário.
- E assim, segundo parece, o uno que não é é; porque,
se o não ser não é, mas passa algo do ser para o não ser,
imediatamente se torna ser133.
- Completamente.
- Assim sendo, é necessário que tenha uma ligação ao
não ser pelo ser do não ser, se tem de não ser, da mesma
maneira que o ser tem de ter o não ser do não ser para ser
de forma completa. E assim, o ser será de forma eminente
e o não ser não será; o ser, participando na entidade do ser
que é e na não entidade do não ser que não é, para ser de b
forma completa; e o não ser participando da não entidade
109
do não ser que é e da entidade do não ser que não é, para
não ser de forma completa.
- É inteiramente verdade.
- Portanto, se o que é participa do não ser e o que não é
participa do ser, também é necessário que o uno, uma vez
que não é, participe do ser em direcção ao não ser.
- É necessário.
- E assim, a entidade aparece ao uno, se não é.
- Aparece.
- E também a não entidade, já que não é.
- Como não?
- Será possível que o que é de determinada maneira não
seja dessa maneira, sem mudar desse estado134?
- Não é possível.
- Consequentemente, tudo o que é assim, sendo de
c determinada maneira e não sendo dessa maneira, significa
mudança?
- Como não?
- Mas a mudança é movimento; ou o que diremos que é?
- Que é movimento.
- E também ficou claro que o uno é e não é.
- Pois ficou.
- Nesse caso, parece que é e não é de determinada
maneira.
- Parece que sim.
- E o uno que não é mostrou estar em movimento, já
que muda do ser para o não ser.
- Arrisca-se a ser assim.
- Mas, se não é nenhum dos entes, não sendo, porque
não é, nunca mudará de um sítio para outro.
- Pois não.
- Portanto, também não estará em movimento mudando
de lugar.
110
- De facto, não.
- Nem girando no mesmo lugar, porque em ponto
nenhum está em contacto com o idêntico; de facto, o idên- d
tico é um ente, e é impossível que o que não é se encontre
em algum dos entes.
- Com efeito, é impossível.
- Portanto, o uno, não sendo, não poderá girar naquilo
no qual não está.
- Certamente que não.
- Mas o uno também não se torna outro relativamente
a si próprio, quer seja, quer não seja; porque, se se tivesse
tornado outro relativamente a si próprio, já este argumento
não seria sobre o uno, mas sobre qualquer outra coisa.
- Correcto.
- Mas, se não se torna outro, nem gira em si próprio,
nem muda de lugar, como é que, apesar disso, se move? 0
- De facto, como?
- Pois bem, é necessário que aquilo que não se move
esteja parado, e que o que está parado esteja em repouso.
- É necessário que assim seja.
- Mas então parece que o uno que não é está em
repouso e em movimento.
- Parece que sim.
- Mas, se está em movimento, é absolutamente neces
sário que se torne outro; pois, se alguma coisa se move i63a
de certa maneira, na medida em que assim se move deixa
de estar como estava e passa a estar de maneira diferente.
- Assim é.
- Portanto, ao estar em movimento, o uno torna-se
outro.
- Torna-se, de facto.
- Mas, se de modo nenhum está em movimento, de
modo nenhum se torna outro.
- Pois não.
111
- Consequentemente, na medida em que esta em movi
mento, o uno que não é torna-se outro; e, na medida em
que não está em movimento, não se torna outro.
- De facto.
- E aásim, o uno que não é torna-se outro e não se torna
outro.
- Parece que sim.
- Mas não será necessário que aquilo que se torna outro
se torne algo diferente do anterior, e que pereça a partir do
b seu estado anterior; enquanto aquilo que não se torna
outro nem se torna algo diferente, nem perece?
- E necessário.
- Então, quando se torna outro, o uno que não é torna-
-se uma coisa diferente e perece; mas, quando não se torna
outro, nem se torna uma coisa diferente nem perece.
E assim, o uno que não é torna-se uma coisa diferente e
perece, e nem se torna uma coisa diferente nem perece.
- De facto, não.
112
- Nesse caso, quando dizemos que uma coisa não é esta
mos a dizer que de certo modo é e de certo modo não é? Ou
quando dizemos «não é» estaremos a significar exclusiva
mente que aquilo que não é de modo nenhum também não
participa na entidade por nenhum motivo e em nenhum
sentido?
- Estamos a dizer exclusivamente isso.
- Portanto, aquilo que não é não pode ser nem pode par
ticipar na entidade de nenhuma outra maneira. d
- De facto, não.
- Mas o ser gerado e o perecer não são outra coisa senão
receber a entidade137 e perder a entidade.
- Não são outra coisa.
- Mas aquilo que de modo nenhum participa nela não
poderá recebê-la nem perdê-la.
- Como poderia?
- Assim sendo, o uno, já que não é de maneira ne
nhuma, não pode ter, nem perder, nem receber a entidade
em nenhum aspecto.
- Isso é razoável.
- Consequentemente, o uno que não é nem perece nem
se gera, uma vez que de modo nenhum participa na enti
dade.
- Parece que não.
- Nem se torna outro em nenhum aspecto; pois, se fosse e
afectado dessa maneira, já se gerava e perecia.
- Isso é verdade.
- E, se não se torna outro, necessariamente também não
se move138.
137 A tradução mais natural seria neste caso «ser», ou mesmo «existência»;
mantemos a tradução de ousia por «entidade» por uma questão de uni
formidade.
138 6.2. Segunda consequência: o não uno não está em movimento nem em
repouso.
113
- Necessariamente.
- Contudo, também não podemos dizer que aquilo que
não está em parte alguma está em repouso. Pois o que está
em repouso tem de estar em certo lugar, que é sempre o
mesmo.
- Tem de estar no mesmo lugar; como poderia ser de
outra maneira?
- E assim, diremos acerca do que não é que não está
nem em repouso, nem em movimento.
- Não está, de facto.
- E que não há nele nada que seja; com efeito, se parti
cipasse no ser, participaria na entidade.
164a - E claro.
- Logo, não há nele grandeza, nem pequenez, nem igual
dade139.
- Não há, de facto.
- Nem há nele semelhança nem diferença, nem relati
vamente a si próprio, nem relativamente às outras coisas140.
- Parece que não.
- Mas então, as outras coisas poderão de alguma ma
neira estar nele, se nada está nele?
- Não poderão.
- E as outras coisas também não poderão ser semelhantes
nem dissemelhantes, nem idênticas nem diferentes dele.
- Com efeito, não.
- Nesse caso, poderão aplicar-se ao que não é termos como
b «aquilo» ou «àquilo», «algo», «este» ou «deste», «de outro» ou
«a outro», ou «antes», «depois» ou «agora», «saber», «opinião»
ou «sensação», «definição» ou «nome» ou qualquer outra das
coisas que são?
139 6.3. Terceira consequência: o não uno não é desigual nem igual.
140 6.4. Quarta consequência: o não uno não é semelhante nem disseme
lhante, nem de si próprio nem das outras coisas.
114
Não poderão aplicar-se-lhe.
- Então, o uno que não é não pode ser de modo nenhum.
- Pois parece que não pode ser de modo nenhum.
115
■
116
Logo, lendo embora um limite relativamente a outra
massa, ela própria não tem, relativamente a si própria, nem
princípio, nem limite, nem meio146.
- Como é isso?
- É que, sempre que alguém concebe, através do pensa
mento, que alguma destas coisas pertence a estas massas,
aparece sempre outro princípio para além do princípio, e
depois do fim outro fim que o deixa para trás, e no meio b
outros meios ainda mais no meio do que o meio, e menores
do que ele, porque não é possível captar cada um deles
como uno, uma vez que o uno não é.
- Isso é inteiramente verdade.
- Parece-me, pois, que todos os entes que alguém possa
conceber através do pensamento serão necessariamente
divididos ao serem separados em pequenos pedaços; pois
serão sempre concebidos como uma massa sem unidade.
- Completamente.
- Nesse caso, vistos de longe e sem precisão, têm neces
sariamente de parecer unos mas, vistos ao perto e com pre- c
cisão, cada um deles mostrará ser uma pluralidade ilimi
tada, já que está privada do uno, que não é.
- Isso é absolutamente necessário.
- Portanto, cada uma das outras coisas tem de parecer
ilimitada e limitada e una e múltipla, uma vez que o uno
não é e que há coisas que são outras relativamente ao uno.
- Tem, de facto.
- Consequentemente, hão-de parecer semelhantes e disse
melhantes147.
- Como?
117
- Como quem vê à distância desenhos na sombra, i|iu‘
parecem ser todos a mesma coisa e ser idênticos148 e afecta
dos pela semelhança.
d - Completamente.
- Mas quem se aproximar verá que são múltiplos e
diferentes e, por via desta imagem de diferença, que são
coisas diferentes e dissemelhantes umas das outras.
- Assim é.
- Mas também é necessário que estas massas pareçam
semelhantes e dissemelhantes, relativamente a si próprias
e umas às outras.
- Completamente.
- Por conseguinte, essas massas serão as mesmas e dife
rentes umas das outras, estarão em contacto e separadas
umas das outras149, mover-se-ão com todo o tipo de movi
mentos e estarão totalmente em repouso150, gerar-se-ão e
perecerão e nem hão-de gerar-se nem perecer, e possuirão
todas essas coisas, que nos seria fácil enumerar, se o uno
e não for, mas houver muitas coisas.
- Isso é completamente verdade.
118
- Mas também não serão múltiplas153; pois, se fossem
múltiplas, o uno estaria contido nelas; e, se nenhuma delas
é una, na sua totalidade serão nada154, de maneira que não
podem ser múltiplas.
- Isso é verdade.
- Mas, se o uno não está nas outras coisas, as outras
coisas não poderão ser, nem múltiplas, nem unas.
- Não poderão, de facto.
- Mas também não hão-de parecer unas nem múltiplas.
- Por quê?
- Porque as outras coisas não têm absolutamente nada
em comum com as coisas que não são, de maneira nenhuma
e em nenhum sentido, e nenhuma das coisas que não são
está nas outras coisas; pois as coisas que não são não têm
nenhuma parte.
- Isso é verdade.
- Por conseguinte, acerca das outras coisas não haverá
opinião nem imagem daquilo que não é, nem poderá o que
não é vir a ser, de maneira nenhuma e em nenhum sentido,
objecto de opinião155 relativamente às outras coisas.
- Não poderá, de facto.
- Mas então, se o uno não é, não se poderá opinar156
acerca de nenhuma das outras coisas que é una ou múlti
pla; pois é impossível opinar que é múltipla sem o uno.
- É impossível, de facto.
- Se o uno não é, as outras coisas, nem são, nem se pode
opinar que são unas ou múltiplas.
- Parece que não.
153 8.1. Primeira consequência: as outras coisas não são unas nem múltiplas.
154 «Se nenhuma (mêden) delas é una/o uno (hen), na sua totalidade serão nada
(iouden)»>.
155 Doxazetai. Brisson, ad loc.: «être objet d'opinion»; Echandía, ad loc.: «pare
cer»; Fowler, ad loc.,: «be conceived».
156 Doxazetai. Brisson, ad loc.: «imaginer».
119
- Nem que são semelhantes nem dissemelhantes1''7.
- Não, de facto.
- Nem que são idênticas nem diferentes158, nem que
estão em contacto nem separadas159, nem nenhuma das
outras coisas que nos pareceram anteriormente; as outras
coisas não são nem parecem nenhuma dessas coisas, se o
uno não é.
c - Isso é verdade.
- Portanto, se disséssemos de forma resumida que, se o
uno não é, nada é, estaríamos a ser correctos?
- Completamente e sem dúvida nenhuma.
- Digamos então também isto: segundo parece, quer o
uno seja, quer não seja, ele e as outras coisas, relativamente
a si próprios e relativamente uns aos outros, são e não são
todos de todas as maneiras, e parecem e não parecem.
- Isso é muito verdade.
157 8.2. Segunda consequência: as outras coisas não são semelhantes nem
dissemelhantes.
158 8.3. Terceira consequência: as outras coisas não são idênticas nem dife
rentes.
159 8.4. Quarta consequência: as outras coisas nem estão separadas nem em
contacto.
120
IN T R O D U Ç Ã O .......................................................................................................... 9
P A R M É N ID E S ........................................................................................................... 31
P a rm é n id e s narra um acontecimento
rovalvelmente fictício, mas náo
E istoricamente impossível: um debate que opõe
o jovem Sócrates a Zenão e ao mestre deste,
Parménides.
A discussão desenrola-se em três conversas
sucessivas; na primeira, entre Sócrates e Zenão,
faz-se referência ao escrito deste último;
nas duas conversas seguintes, entre Sócrates
e Parménides, discutem-se, respectivamente,
algumas das questões mais relevantes
da orgânica das formas colocadas em todo
o cot p u s platónico e, por fim, as consequências
resultantes da hipótese parmenídea do uno.
0 diálogo termina na declaração da aporia.
0 P a rm é n id e s é consensualmente tido como
um diálogo do último período do platonismo
e inaugura, por assim dizer, um conjunto de obras
de reflexão crítica sobre a teoria das formas.