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TEXTO 01

A Psicologia, o Desenvolvimento Humano e o Ensino-Aprendizagem de Artes

Diva Maciel e Lúcia Pulino

Introdução

Caro aluno*1, seja bem-vindo!

Estamos iniciando a disciplina “A Psicologia e a Construção do Conhecimento”.

Aqui, vamos fornecer elementos para que você possa nos acompanhar na tarefa
de conceituação da Psicologia e do conhecimento, em especial o conhecimento
artístico, e de pensar as possíveis relações entre eles.

Juntos, vamos explorar as contribuições da Psicologia para a sua formação


como professor de artes visuais, de teatro e de música.

Na escrita e construção desta disciplina, usamos como referência livros, sítios


da Internet e, o mais importante, buscamos trazer nossa compreensão sobre o
assunto, lançando mão de nossa própria experiência como professoras e especialistas
em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento.

Esperamos que você se relacione com este material de maneira crítica e


criativa, dialogando conosco e trazendo para a nossa relação contribuições a partir do
interesse que você tem sobre o assunto, e, especialmente, que você se baseie nos
estudos que já fez nas disciplinas que cursou anteriormente neste curso de
Licenciatura em Artes da UAB - UnB

Queremos salientar que, muito mais do que adquirir conhecimentos sobre a


Psicologia, você vai participar conosco de um processo de construção do conhecimento
e de aprendizagem, de modo que poderemos vivenciar juntos, nesta disciplina,
exatamente o processo que é objeto de nosso estudo, isto é, vamos estudar ao longo
dele – o processo de ensino-aprendizagem. Nosso encontro aqui não será nem apenas
teórico, nem apenas prático, mas consistirá numa prática-teórica, na medida em que

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Ao longo do módulo, o gênero masculino será usado, por praticidade e pela forca desse gênero na língua
portuguesa. No entanto, desde já esclarecemos que em cada uso deve estar subentendido que nos referimos a
ambos – o masculino e o feminino. Assim, ao falar mos em aluno, referimo-nos, conjuntamente, a todos:
alunas e alunos. Se falo em professor, estou pensando em professora, e assim por diante.

1
vamos desenvolver uma relação mútua, de pesquisa e estudo, um exercício de
construção de conhecimento, em que vamos dialogar com vários autores, ao mesmo
tempo em que vamos conversar entre nós, combinado?

Achamos que você vai gostar de participar dessa aventura. Sempre que tiver
oportunidade, você deve ir à biblioteca de seu polo para complementar sua
aprendizagem, consultando os livros e sítios da internet que indicamos. Tenha sempre
um dicionário à mão, além de seu bloco de notas para registrar suas observações,
pensamentos e reflexões sobre esse tema. Mas, o mais importante, é que você se
sinta um dos autores desse material, resgate suas próprias leituras e estudos, e dê um
sentido pessoal à construção desse conhecimento.

E, o que julgamos essencial: esperamos que você tenha prazer em aprender,


tanto do ponto de vista de sua formação profissional, como pessoal.

Nós, certamente, teremos muito prazer em trabalhar com você!

Agora, vamos começar construindo a concepção de Psicologia.

Antes de iniciarmos essa construção, pense sobre a pergunta abaixo, sem fazer
consultas a livros ou outros materiais.

O que é Psicologia?

Gostou de fazer esse exercício? Interessante, não é? Pensamos que é


importante sabermos o que achamos sobre alguma coisa antes de aprender
formalmente sobre ela.

Agora, vamos apresentar uma conceituação da Psicologia, baseada em


nossos estudos e pesquisas em material bibliográfico especializado.

Retomemos a questão: o que é Psicologia?

Assim como você apresentou sua concepção de Psicologia, as pessoas em geral


têm uma ideia do que seja essa ciência, seja por já terem estudado sobre ela, ou
terem ouvido falar dela em meios de comunicação, ou por terem lido em revistas sobre
essa área de conhecimento. Isso é esperado, pois a Psicologia é uma ciência que faz
parte de nossa cultura. É um conhecimento produzido e aplicado por pessoas que
vivem na sociedade da qual fazemos parte e tem sido uma disciplina estudada nas
nossas escolas. Podemos dizer, portanto, que, de um modo ou de outro, todos temos
uma ideia do que seja a Psicologia. Esse é também um conhecimento de senso

2
comum, pois todos temos nossas próprias teorias intuitivas sobre como funcionam
nossas mentes e as mentes dos outros. Tais teorias intuitivas refletem as crenças
culturais sobre a mente que estão profundamente arraigadas no nosso cotidiano e têm
sido chamadas de psicologia popular. Essa “psicologia popular” que está a todo
momento guiando as nossas ações no nosso dia-a-dia, contrapõe-se a uma
conceituação da Psicologia construída a partir de uma reflexão consciente,
argumentada, e elaborada por uma comunidade de pesquisadores, que divulga suas
ideias em livros, revistas e artigos científicos.

A construção da concepção de Psicologia requer que façamos um passeio pela


história desse campo de saber.

A Psicologia na História

Noções e conceitos como ‘espírito’ ou ‘alma’ e comportamento humano fazem


parte de todos os grandes sistemas filosóficos desde a Antiguidade. De fato, o termo
psicologia origina-se dos elementos gregos ‘psique’ que quer dizer alma ou mente, e
‘logos’ que quer dizer estudo, conhecimento, e é representado pela letra grega Ψ
("psi"), tomada atualmente como símbolo da Psicologia. Entretanto, é bom lembrar
que nos sistemas filosóficos da Antiguidade, Psiqué (ou Alma) é tida como um ser
natural e os estudos a ela relativos encontram-se divididos entre a Metafísica, a Lógica
e a Física. Além disso, até o início do século XVII, os cursos e obras de filosofia ainda
tratam da alma no capítulo da física, embora, segundo Lapointe (1970) o termo
psicologia tenha já sido usado desde o século XVI para referir-se a aspectos do ser
espiritual. É ainda Lapointe quem nos informa (informação semelhante também é
encontrada na wikipédia de língua inglesa) que a primeira obra em cujo título aparece
o termo psicologia data de 1590 e trata-se de uma coleção de trabalhos de vários
autores, organizada pelo filósofo alemão Rudolphus Gloclenius, e que diz respeito ao
comportamento humano, especialmente, no que se refere aos valores morais.

Mas o termo ‘psicologia’ só se tornou popular, segundo a wikipédia, quando o


filósofo idealista alemão Christian Wolff (1679-1754) usou-o como título de seu
Psychologia empirica and Psychologia rationalis. E é também na wikipédia que se
afirma que tal distinção entre psicologia empírica e racional foi cunhada a partir da
Enciclopédia de Diderot2. Segundo Lapointe (1970), Diderot divide a psicologia em

2
Denis Diderot ( 1713-1784) filósofo e escritor francês. A obra da sua vida foi a edição da Encyclopédie (1750-1772), que leva a cabo
com empenho e entusiasmo apesar de alguma oposição da Igreja Católica e dos poderes estabelecidos. É um dos primeiros autores que

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empírica ou experimental e racional, sendo que a primeira tira da experiência os
princípios que explicam o que se passa na alma, enquanto a segunda tira desses
princípios uma definição de alma e deduz a partir de tal definição as diversas
faculdades e operações que convêm à alma. E afirma Diderot “Nada mais adequado
que o estudo da psicologia para preencher dos prazeres mais vivos um espírito que
ama os conhecimentos sólidos e úteis” (Diderot, 1765, v.13, p.542, conforme citado
por Lapointe, 1970, p. 643).

Foi em meados do século XIX que dois estudiosos alemães – o físico e


fisioligista Helmholtz e o físico Muller – começaram os primeiros estudos sobre a
sensação e a percepção. Estes estudos são considerados de grande importância para a
constituição da psicologia como ciência, pois mostraram que processos físicos
subjacentes à atividade mental podiam ser estudados pelo método científico.

Mas, é só no último quarto daquele século que a psicologia começa a fazer uso
da observação sistemática e da experimentação. De forma quase concomitante,
William James e Wilhelm Wundt, ambos com formação em filosofia, e que também
tinham estudos em medicina e fisiologia, fundam os primeiros laboratórios de
psicologia. Em 1875, James começa a dar aulas de psicologia e funda o laboratório de
Psicologia Experimental na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos da América.
Em 1879, Wundt funda um laboratório similar, ainda hoje referido em muitos textos
como sendo o primeiro do gênero, na Universidade de Leipzig, na Alemanha. Nessa
mesma época, Wundt também publica o primeiro periódico de psicologia experimental
que se conhece. Os trabalhos de Wundt e de James marcaram o início da psicologia
considerada científica e de sua existência como campo de estudo independente da
filosofia.

É nosso objetivo aqui lançar as bases para um possível entendimento do


conceito de psicologia e não discorrer sobre a sua história. Se assim o fosse, seria
importante estabelecer nesse ponto de nosso texto um paralelo entre as profundas
divergências que marcaram a visão de psicologia ‘experimental’ desses dois grandes
pensadores que viriam a ser identificados como os principais fundadores de escolas
distintas de pensamento na psicologia. Enquanto W. James viria a ter seu nome ligado

fazem da literatura um ofício, mas sem esquecer nunca que é um filósofo. Preocupava-se sempre com a natureza do homem, a sua
condição, os seus problemas morais e o sentido do destino.

4
ao Pragmatismo americano, W. Wundt viria a ser considerado o pai do Estruturalismo,
escola de pensamento que se propunha/propõe fazer a descrição das estruturas que
compõem a mente. Por outras palavras, propunha que a mente era constituída por
estruturas e que a psicologia deveria se ocupar de descrever essas estruturas).

Convidamos você a aprofundar essa leitura consultando os sítios da internet


que se encontram no final deste texto e outros que você venha a descobrir. Também,
entre tantos manuais introdutórios a história e sistemas da psicologia, solicitamos que
você leia e estude com atenção o livro de Figueiredo e Santi (2000), Psicologia: uma
nova introdução, 3onde você encontrará uma visão panorâmica e crítica da psicologia
como uma ciência independente.

Os autores discutem o contexto sociocultural que torna possível o aparecimento


da psicologia como ciência independente no século XIX, centrando essa discussão no
conceito de ‘subjetividade privatizada’.

Em seguida, fazem uma breve apresentação sobre a prática científica e a


emergência da psicologia como ciência, a qual serve de base para o capítulo seguinte,
que vai, então, apresentar os diversos projetos de psicologia como ciência
independente. Os projetos selecionados pelos autores para discussão são: (1) o
projeto de Wundt, (2) o projeto de Titchener, (3) a psicologia funcional (4) o
comportamentalismo (ou behaviorismo), (5) a psicologia da Gestalt, (6) o
behaviorismo radical de Skinner (7) A psicologia cognitivista de Piaget e a psicanálise
freudiana.

No último dos cinco capítulos do livro, os autores discutem a psicologia como


profissão e como cultura, abordando as funções e mitos que a envolvem. O livro traz
ainda uma bibliografia comentada e questões para estudo e discussão. Voltaremos a
algumas dessas questões mais adiante.

É certo que muitos outros projetos de psicologia não foram abordados nesse
pequeno, mas fundamental, livro. Teremos oportunidade neste curso de apresentar e
discutir muitos outros temas da psicologia que interessam à formação do professor.
Neste ponto do nosso texto, é importante, entretanto, marcar alguns embates e
dicotomias que têm acompanhado a psicologia desde o seu início até os nossos dias.

A esse respeito, baseando-se em Nuttin (1992), Fávero (2005) assinala o


contexto da grande diversidade de tendências que marcaram os dois primeiros

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que está na bibliografia básica deste curso e pode ser encontrado na biblioteca do seu Polo.

5
congressos internacionais de psicologia, realizados em Paris (1889) e em Londres
(1892). Tal diversidade convive, ao mesmo tempo, com a ênfase no caráter científico
pretendido para esse nascente campo de conhecimento, como refletem os próprios
termos que lhes dão título – psicologia fisiológica e psicologia experimental,
respectivamente.

O embate entre os que defendem a psicologia como a ciência da mente e a


vertente behaviorista, especialmente, o behaviorismo radical (ver Figueiredo & Santi,
2000) que rejeitam qualquer mentalismo e definem a psicologia como a ciência do
comportamento, permanece até hoje. Tais posições, arraigadas a visões de ciência que
dicotomizam a questão da objetividade X subjetividade, embora tendam a ser vistas
como superadas, ainda encontram, cada uma, defensores fervorosos e muitas vezes
sectários. Conscientes de que estamos diante de uma ciência considerada ainda muito
nova e, portanto, ainda não possamos falar de Psicologia, mas de psicologias, no
plural, vamos a uma tentativa de definição.

Você poderá encontrar muitos manuais básicos de Introdução à Psicologia que a


definem simplesmente como a ‘ciência do comportamento’ e entendem o pensamento
como apenas mais um tipo complexo de comportamento. Nesse sentido, o pensamento
seria apenas uma combinação de processos associativos ou uma simples combinação
de reações verbais4.

Gostaríamos, entretanto, de trazer aqui o testemunho de como um dos mais


citados e utilizados manuais introdutórios de psicologia traz definições que vão se
alterando ao longo das sucessivas edições que vêm sendo publicadas há mais de meio
século, de acordo com uma análise desse manual publicada em um periódico científico
(Mestre, Tortosa, Samper & Nácher; 2002). Trata-se do manual Introduction to
Psychology de Ernest Hilgard, cuja primeira edição foi publicada em 1953 e encontra-
se atualmente em sua 14ª edição. Esse manual foi publicado no Brasil com o título de
Introdução à Psicologia pela Companhia Editora Nacional e teve a sua 13ª edição
publicada pela Artmed, no ano 2002.

Nas duas primeiras edições desse livro-texto em língua inglesa, a psicologia é


definida como a ‘ciência que estuda o comportamento e a experiência de vida dos
organismos’. Em seguida ‘comportamento’ é definido como se referindo às ‘atividades
de um organismo que podem ser observadas por outra pessoa ou por um instrumento

4
Ver a esse respeito o “Comportamento Verbal” de Skinner. E as argumentações de Chomsky contrárias a visão de Skinner

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do experimentador. ‘Experiência’, por sua vez, é entendida como aqueles eventos que
apenas a pessoa que os experiencia pode estar completamente consciente. Assim,
nessa perspectiva, tudo que diz respeito ao campo das percepções, memórias, sonhos,
prazer e dor do indivíduo, interessa à psicologia, embora só possa ser acessado por
inferência.

Nas terceira e quarta edições, de 1962 e 1967, respectivamente, sendo a 4ª


edição já em coautoria com Richard Atkinson, a psicologia é definida como a ciência
que estuda o comportamento do homem e de outros animais. Essa definição vai sofrer
uma nova mudança na 5ª edição (de 1971), com a participação de novos coautores,
quando passa a ser definida como o ‘estudo científico do comportamento e da
atividade mental’. Nas 7ª e 8ª edições (de 1979 e 1983) ‘atividade mental’ volta a ser
referida como ‘processos mentais’, sendo que, dessa forma, a definição permanece
sem alteração até a última e mais recente edição, agora com a autoria de Atkinson,
Smith, Bem, & Nolen-Hoeksema (2000) e o acréscimo formal ao título do nome de
Hilgard.

É importante salientar, entretanto, como observam Mestre e cols. (2002) em


sua análise, que, embora a referência à experiência subjetiva como objeto de estudo
da psicologia, esteja presente na 1ª edição do referido manual, na década seguinte, ou
seja, nos anos 60, o ‘comportamento’ vem a ocupar praticamente todo o campo de
estudos que mereceu atenção ali. Tal fenômeno coincide com a observação de que
grande parte dos artigos científicos publicados nos principais periódicos de Psicologia
de língua inglesa também tem o comportamento como objeto de estudo.

Nos anos 70, observa-se um grande crescimento da psicologia cognitiva


acompanhado de um forte movimento no sentido de reincorporação da vida mental ao
campo de estudos da psicologia, trazendo-se aqui as dimensões da consciência e da
subjetividade. Lembremos que é nessa década que o termo ‘atividade mental’ é
substituído por ‘processos mentais’, representando uma substituição conceitual
significativa.

Parece-nos significativo trazer aqui também a informação de que, em um


manual didático organizado por Alexandre Petróvski, publicado em 1976 na extinta
União Soviética e traduzido para o espanhol em 1980 (portanto, de orientação
materialista), com o título ‘Psicologia General’, para ser usado pelos Institutos de
Pedagogia, a psicologia é definida como a ‘ciência que estuda os fatos, as
regularidades e os mecanismos da pisque’ (p.25). Incluídos no campo de estudos da

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psicologia são citados fenômenos como, percepção, memória, pensamento, vontade,
sentimentos etc. Também é interessante que no 1º capítulo, dedicado à análise do
‘objeto de estudo da psicologia’ discute-se a relação entre o cérebro e a mente, além
de um tópico dedicado à questão da ‘noção de consciência’. Observa-se, em toda a
argumentação deste livro, uma forte intenção de evidenciar a noção de Psicologia
como ciência e de precisar a metodologia científica que a sustenta. Entretanto, os
temas abordados nos diversos capítulos dizem respeito a questões como consciência,
personalidade, vontade e afetividade. O que buscamos salientar com a apresentação
dessta concepção de psicologia é o fato de que, mesmo em uma perspectiva
materialista, a vida mental continua sendo objeto de estudo da psicologia.

Dessa forma, convidamos você a examinar um projeto de psicologia que


entende a mente humana como fonte de todo pensamento e comportamento. Ao
mesmo tempo, entende que a mente é constituída histórica e culturalmente por meio
das interações que o sujeito estabelece com o outro social, não podendo assim, seu
estudo limitar-se ao organismo individual. Embora não exista mente sem cérebro, a
mente não se confunde com este.

Entretanto, cabe perguntar: como é possível estudar a mente, uma vez que nós
não podemos ver alguém pensando ou sonhando? Em resposta a esta questão,
podemos dizer que quando Wundt, em seu Laboratório de Psicofisiologia, criou o
método que denominou de introspecção, o fez com a finalidade de explorar a mente ou
consciência do indivíduo. Também W. James estava interessado em explorar a
consciência por meio da introspecção. Esse, entretanto, não é um problema de fácil
abordagem, pois, enquanto por meio do método introspectivo de Wundt, o objetivo do
experimentador era explorar a experiência imediata do sujeito, pedindo-lhe para
descrever as sensações percebidas, consequentes a uma estimulação sensorial (por
exemplo, uma leve pressão na pele), para James o que interessava era a experiência
profunda. Interessava a ele buscar entender o que fazem os homens e por que o
fazem. Já se vê então que, mesmo quando se concorda que é o funcionamento da
mente e da consciência que interessa à psicologia, o que se entende por isto e o que
deve ser focalizado neste estudo, pode ser muito divergente.

Podemos dizer que, desde Wundt e James, nós temos aprendido bastante
acerca da relação entre cérebro, mente e comportamento e de como estes se
constituem social e culturalmente. Hoje, há um certo consenso de que a psicologia é a
ciência que estuda os processos mentais, sentimentos, pensamentos, razão, nos níveis
consciente e inconsciente, e o comportamento humano e animal. A psicologia é uma

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ciência geralmente classificada no contexto das áreas sociais, ou humanas. Entretanto,
ela também tem sido compreendida a partir da sua interface com a biologia e a saúde.

A psicologia estuda questões ligadas à aprendizagem, ao desenvolvimento, à


motivação, à criatividade, à personalidade, à memória, à inteligência, ao
funcionamento do sistema nervoso, às interações sociais, à comunicação interpessoal,
ao comportamento sexual, à agressividade, ao comportamento em grupo, aos
processos psicoterapêuticos, ao sono e ao sonho, ao prazer e à dor, além de muitos
outros processos psíquicos e comportamentais não citados aqui.

Neste curso, focalizamos principalmente as questões relacionadas ao


desenvolvimento e aprendizagem humanos, além de temas mais diretamente
relacionados à formação do professor e que interessam mais diretamente à sua
atuação na escola e demais contextos educativos. A relação entre esse conhecimento
teórico e a sua utilidade em contextos práticos de educação tem sido sempre um
grande desafio, como podemos depreender da seguinte afirmação de Olson e Bruner
(1996):

O conhecimento teórico de como as crianças se desenvolvem continua crescendo, mas


exatamente como relacionar este conhecimento com os contextos práticos nos quais os
adultos, intencional e sistematicamente, intervêm para promover esse desenvolvimento,
em uma palavra, parece quase tão misterioso como quando esses esforços tiveram seu
início. (p. 21)

Conscientes desse desafio, buscamos neste curso adotar um tom de conversa


com você e trazer uma constante reflexão sobre a sua prática como aluno e futuro
professor de artes, de modo a construirmos juntos um conhecimento que possa se
refletir na sua atuação como educador, por meio de um prática transformadora.

Vamos no próximo tópico discutir sobre a questão do desenvolvimento humano.

O Conceito de Desenvolvimento Humano

A psicologia do desenvolvimento é uma área da ciência psicológica que se


preocupa com os processos envolvidos nas mudanças que ocorrem ao longo de toda a
vida do indivíduo. Como na psicologia encontramos várias formas de compreender,
descrever e explicar esses processos de mudança, o desenvolvimento humano tem
sido pesquisado a partir de perspectivas diversas, algumas delas convergentes quanto
ao modelo epistemológico que apresentamos aqui, e outras divergentes.

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Mas, antes de falarmos de nossa concepção de desenvolvimento, reflita sobre
as questões seguintes:

O que é desenvolvimento humano? O que é desenvolvimento


psicológico? Pronto. Agora, vamos colocar nossa concepção de desenvolvimento.

Quando ouvimos falar em desenvolvimento humano, a imagem que nos vem,


em geral, é o crescimento e as transformações físicas e fisiológicas da criança ao longo
dos primeiros anos de vida. No entanto, o conceito que vem sendo abordado pelos
teóricos da atualidade é um conceito muito mais amplo e complexo, que diz respeito às
transformações de um estágio para outro e das variáveis que as afetam. Por outras
palavras, o desenvolvimento humano pode ser entendido como um conjunto de
transformações que originam competências diferenciadas no plano intersubjetivo e que
passam ao plano intrasubjetivo. O primeiro plano é configurado pelas ações do sujeito
mediadas pelo outro e o segundo, pelo processo de internalização. Nesse sentido, as
condições de aprendizagem podem produzir transformações capazes de conduzir o
sujeito à autonomia das capacidades já internalizadas e assim potencializar o
surgimento de outras.

Focalizando principalmente sobre o desenvolvimento da mente humana durante


a vida, a Psicologia do Desenvolvimento Humano busca compreender como as pessoas
chegam a perceber, compreender e agir no mundo e como esses processos mudam
com a idade. Nesse processo, pode-se focalizar o desenvolvimento intelectual, o
cognitivo, o moral, o neural, o social, ou o da linguagem. Os psicólogos do
desenvolvimento que estudam a criança usam métodos de pesquisa para fazer
observações em contextos ‘naturais’, tais como o lar, a creche, o parquinho, ou
procuram engajá-las em tarefas experimentais. Tais tarefas são frequentemente
planejadas de modo que sejam atrativas paras as crianças e cientificamente úteis.
Assim, os pesquisadores têm planejado métodos bastante criativos para estudar os
processos mentais de bebês e crianças pequenas.

Além disso, a psicologia do desenvolvimento também estuda processos de


envelhecimento que ocorrem ao longo da vida, focalizando especialmente, aqueles
momentos de mudanças radicais, tais como a entrada na adolescência e na idade
adulta.

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Há uma perspectiva contemporânea, conhecida como Ecologia do
Desenvolvimento Humano, proposta por Urie Bronfenbrenner (1917-2005) que aborda
o tema tentando dar conta da complexidade do ser humano.

Brofenbrenner argumentou que para compreender o desenvolvimento humano

é necessário considerar o sistema ecológico que é composto por subsistemas

organizados, os quais ajudam no suporte e crescimento humanos. Ele menciona o

microssistema, que se refere ao relacionamento entre a pessoa e suas vivências

básicas, tais como a família e a escola; e do macrossistema, que diz respeito aos

padrões institucionais da cultura, tais como a economia, os costumes, e os campos do

conhecimento.

O modelo ecológico envolve teoria e pesquisa acerca do processo e das

condições que governam o curso do desenvolvimento humano. Seu trabalho está

baseado na análise e integração dos resultados de investigações empíricas conduzidas

por várias décadas em diversas disciplinas. O paradigma ecológico de Bronfenbrenner

foi introduzido inicialmente em 1970, representando uma reação aos escopos de

muitas pesquisas que se restringiam a ideia de desenvolvimento da época.

De acordo com a Teoria Ecológica dos Sistemas de Bronfenbrenner, o indivíduo

se desenvolve dentro de um sistema de relações que são afetadas por múltiplos níveis

do ambiente mais próximo. O ambiente é dividido em níveis (alguns já mencionados

acima):

Microssistema, ou seja, padrões e atividades de interação do entorno proximal

do indivíduo. A palavra interação refere-se às trocas bidirecionais entre o indivíduo e o

seu meio.

Mesossistema, abarcando conexões entre microssistema como o lar, a escola, a

vizinhança, a creche etc., que fomentam o desenvolvimento do indivíduo.

Exossistema, referindo-se aos cenários sociais próximos que afetam as

experiências dos indivíduos. Estas podem ser relações formais como o local de

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trabalho, os serviços de saúde, a rede social da família, ou mesmo membros da família

extensa.

O Exossistema é fundamental no apoio ao desenvolvimento do indivíduo.

Pesquisas mostram que famílias isoladas por ausência ou escassez de vínculos sociais

ou formais – como o desemprego, por exemplo – mostram um percentual elevado de

conflitos.

O Macrossistema é o nível mais exterior do modelo de Bronfenbrenner e

consiste nas leis, costumes, valores e recursos de uma cultura particular. A ação do

macrossistema recai por vias indiretas na qualidade do mesossistema. Por exemplo: as

políticas sanitárias interferindo na qualidade do ambiente das escolas.

A Teoria Ecológica dos Sistemas apresenta a importância e a interdependência

das relações familiares no desenvolvimento do indivíduo. Para se compreender o

desenvolvimento do ser humano, é fundamental averiguar o sujeito e seus padrões

desenvolvimentais intrínsecos, e toda a ecologia do desenvolvimento, ou seja, o

padrão de interação na família e as influências da cultura mais ampla sobre ela.

Essa perspectiva é definida por Bronfenbrenner (1996) como ambiente

ecológico. Segundo seus princípios teóricos, o ambiente ecológico “é concebido como

se estendendo muito além da situação imediata, afetando diretamente a pessoa em

desenvolvimento - os objetos aos quais ela responde ou as pessoas com quem

interage face a face” (p.10).

As conexões entre outras pessoas no ambiente, a natureza desses vínculos e a

influência indireta sobre a pessoa em desenvolvimento são importantes fatores

atuantes no desenvolvimento humano. Nesse sentido, existem sistemas inter-

relacionados, interconectados, que se influenciam mutuamente. No ambiente mais

interno, está o ambiente contendo a pessoa em desenvolvimento - o microssistema; os

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ambientes vinculados a este constituem o mesossistema, ao passo que o exossistema

refere-se aos ambientes nos quais a pessoa sequer está presente, mas é afetada por

ele. Todos esses sistemas interconectados são considerados uma manifestação de

padrões globais de ideologia e organização das instituições sociais comuns a uma

determinada cultura - o macrossistema (Bronfenbrenner, 1996).

A mudança, em qualquer um desses sistemas, provoca alterações nos demais,

pois o ambiente ecológico é compreendido como uma série de estruturas encaixadas.

Assim, percebem-se as múltiplas transformações que ocorrem nos padrões familiares,

nas redes sociais e no próprio ambiente das pessoas.

Psicologia do Desenvolvimento e Ensino-Aprendizagem de Artes

Vamos tratar da contribuição da Psicologia do Desenvolvimento para a


Educação. No contexto de nossa disciplina, vamos refletir sobre questões relacionadas
ao papel da educação na sociedade e na constituição da identidade das pessoas,
contextualizando nosso estudo na educação artística.
Nossa reflexão abarcará a dimensão filogenética, ou o processo de
desenvolvimento do ser humano na história – sobre como ele vem se forjando na
relação com a natureza e com seus semelhantes e construindo cultura material e
simbólica - e a dimensão ontogenética, ou o processo de desenvolvimento de cada
pessoa, e de como isso se dá, por meio de relações sociais, e da educação, na família e
na escola. É dessa perspectiva que vamos pensar a educação artística: como produção
humana e cultural, historicamente situada, que dá sentido e busca transformar as
condições objetivas da vida social e individual.
Como educadores brasileiros, comprometidos com a educação de crianças,
jovens e adultos, é importante que nossa reflexão e prática sejam contextualizadas na
realidade social complexa e desigual de nosso país.
É importante que você, que está em processo de formação para se tornar
professor ou professora de artes visuais, artes cênicas ou música, saiba da importância
de seu futuro papel social: participar da educação de pessoas, de sua introdução no
mundo da cultura e da arte. Dessa forma, a compreensão do processo de constituição

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do psiquismo, tanto na história do ser humano como na de cada indivíduo, é parte
essencial de sua formação como professor.

Tornar-se Humano

O bebê humano não nasce pronto. Desde o nascimento e, por um bom tempo,
ele necessita de outras pessoas mais velhas e mais desenvolvidas - mãe e/ou pai,
parentes e cuidadores - que se responsabilizem por ele, que cuidem dele, e, assim,
gradativamente, ele vai ganhando independência. Essas primeiras relações de cuidado
são, ao mesmo tempo, relações voltadas para a garantia da sobrevivência e a
introdução do novo ser humano na sociedade e na cultura em que vive.
Na verdade, antes mesmo de nascermos, já somos seres de um tempo
histórico, de uma cultura específica e ocupamos um lugar na sociedade. Em texto
publicado em 20015, propusemos uma reflexão sobre o processo de construção da
identidade do bebê:
Nasce uma criança. Um novo ser humano começa a habitar nosso planeta, a
fazer parte de um meio social, de uma família. Uma vida se inicia.
De certa forma, essa vida já estava sendo desenhada, antes mesmo do
nascimento. Existia, já, enquanto possibilidade. E já havia, para ela, uma promessa: o
que uma tal sociedade, num certo tempo histórico, num certo lugar do mundo reserva
para seus futuros membros. Uma promessa possível, que tem a ver com a organização
social, econômica e política do lugar, com suas crenças e valores, com seu nível de
desenvolvimento tecnológico, sua forma de produção e sistematização de
conhecimento, com a maneira como essa sociedade concebe “criança” e “educação”,
que tipo de instituições estão envolvidas na educação de crianças, que tipo de
relacionamento os adultos costumam ter com a criança?
Essa promessa, ou história possível, é a primeira identidade da criança, ainda
difusa, até porque não designada especificamente para uma determinada criança, mas
importante o suficiente para dar os contornos esperáveis de sua imagem. De que tipo
de relacionamento entre os pais se origina; se foi gerada, gestada e nascida de modo
considerado satisfatório; se é só uma ou se são gêmeas, se é menina, ou menino; a
que etnia e classe social pertencem os pais, qual sua condição econômica e cultural.
Enfim, essas e outras questões são colocadas ou não e são mais ou menos valorizadas

5
Pulino, L.H.C.Z., Acolher a criança, educar a criança – uma reflexão. Em Aberto, vol. 18, número 73.
Brasília: INEP/MEC, julho de 2001. pp. 29-40.

14
na constituição da promessa social da criança, dependendo de fatores como a época e
o lugar onde nasce a criança.
É o primeiro cenário - este de que falamos. Um cenário que não é sempre igual
e homogêneo, que pode ser desdobrado, composto e recomposto, para dar conta da
multiplicidade de promessas possíveis de se realizarem em histórias específicas que
vão se sobrepondo a ele. (pp.29-30)
Além de já ‘existirmos’ antes do nascimento, no sentido colocado, enquanto
seres humanos, em termos históricos, culturais e sociais, nossa identidade vai se
processando no interior da família. No texto citado acima, apresentamos (p. 31) esta
nova dimensão da formação da identidade: Moreno6 (1975) considera que, assim como
em nível fisiológico o bebê se constitui alimentado pela placenta, no nível psíquico ele
se desenvolve alimentado por uma “placenta social, o lócus em que ela mergulha suas
raízes”, que ele denomina matriz de identidade. Nesse sentido, os pais, desde a
concepção ou adoção da criança, começam a concebê-la simbolicamente, imaginando e
conversando sobre seus desejos, dúvidas, preocupações, definindo suas preferências
sobre a aparência, as características da criança, escolhendo seu nome, e chegando
até a conversar com ela. Além disso, o ambiente físico da casa vai sendo transformado
para receber o novo membro da família. Isso se dá de acordo com as condições
econômicas, sociais e as características de personalidade dos pais, de modo que não
podemos falar em um padrão de construção da criança que está sendo gestada, mas
da existência de uma mudança efetiva, que pode incluir aceitação, indiferença ou
rejeição, tanto no nível consciente como no inconsciente.
Você concorda conosco, então, que o indivíduo não pode ser pensado fora de
sua historicidade – a da espécie e a de cada indivíduo – da cultura e da sociedade?
Quando nasce, a criança não encontra um espaço vazio a ser preenchido por ela, mas
começa a viver num universo povoado de imagens inspiradas na possibilidade de sua
existência. Com o nascimento, inicia-se um processo de diálogo entre as imagens
criadas pelos pais e a do bebê que surge efetivamente.
A criança pode ser vista, assim, como ao mesmo tempo um ser conhecido,
esperado, e um ser radicalmente novo. Isso porque a criança nunca é idêntica àquela
esperada. Como diz Jorge Larrosa,7

6
Moreno, J.L. Psicodrama, Ed. Cultrix, S.P,1975 (p.114).
7 Larrosa, J., Pedagogia Profana, Belo Horizonte: Autêntica, 2000.(3a. ed.) Aqui, Larrosa se refere à obra A condição humana, de Hannah Arendt (p.
187).

15
(...)quando uma criança nasce, um outro aparece entre nós. E é um outro porque é
sempre algo diferente da materialização, da satisfação de uma necessidade, do
cumprimento de um desejo, do complemento de uma carência ou do reaparecimento de
uma perda... Desse ponto de vista, uma criança é algo absolutamente novo, que dissolve a
solidez do nosso mundo e que suspende a certeza que nós temos de nós próprios. Não é o
começo de um processo mais ou menos antecipável, mas uma origem absoluta, um
verdadeiro início.(p.187)

Este ‘outro’, este desconhecido, vai se introduzindo em nossas relações no


cotidiano, tornando-se um de nós, fazendo parte de nossa cultura, nos gestos, nos
sons que emite, nas ações, nas palavras. E, é nesse jogo - do que a sociedade espera
e permite que a criança seja, da imagem que construímos dela e de sua ação no
mundo, de sua maneira original de se constituir como, a um tempo, um ser original e
um igual, que compartilha dos símbolos e valores da cultura à sua maneira – que todo
indivíduo se torna, ao longo de sua vida, um ser humano num determinado momento
histórico, fazendo parte e construindo uma cultura, ocupando um lugar numa
sociedade, que ele próprio ajuda a formar e a transformar.
Durante a infância e ao longo de sua vida, os indivíduos participam de
processos de socialização para além da família, como as relações entre seus pares na
vida social, ou na escola, que é a instituição responsável por sua socialização formal,
incluindo a educação voltada para a aprendizagem de saberes construídos ao longo da
história da humanidade, especialmente o conhecimento científico e a produção
artística, além da educação moral, que os introduz aos valores e crenças típicos de sua
cultura.
Assim, a formação do indivíduo, de sua identidade, é um processo social,
cultural e histórico, que se dá por meio das relações formais e informais na sociedade,
e que se caracteriza por ser um processo de mão dupla: na medida em que o
indivíduo, agindo no mundo e relacionando-se com os outros, constitui-se, ele também
participa da construção da sociedade e da cultura.
O desenvolvimento psíquico, ou da percepção, das habilidades motoras, da
memória, do pensamento, da linguagem, da afetividade, da sociabilidade, também se
caracteriza como um processo que ocorre ao longo da vida do indivíduo. Assim se
forma a identidade pessoal de cada indivíduo, que, como vimos, não nasce humano,
mas se torna humano.

Tornar-se ‘um de nós’: a identidade pessoal e social

Da mesma maneira que o processo de humanização de cada ser humano, de


construção do psiquismo, da identidade pessoal, se dá sempre na relação entre

16
pessoas que convivem num determinado momento histórico e numa sociedade, o ser
humano, enquanto espécie, se constituiu, humanizou-se na história.
Você, caro estudante, compreende que o que estamos querendo dizer é que o
ser humano é um ‘ser que se torna humano’? Quando nos referimos ao ser humano,
estamos falando de um ser em processo de construção. E este processo se dá não só
em relação ao indivíduo, mas à sociedade, que se constrói e reconstrói, ao longo da
história. Tudo o que é da ordem do humano, enfim, caracteriza-se por um ‘tornar-se’,
por um devir.
Bem, quando falamos do processo de o bebê tornar-se um de nós, um filho, um
irmão, um indivíduo único, constituído nas relações com as outras pessoas e o mundo
em que vive, referimo-nos a aspectos não só concretos das relações dele com os
outros, mas imaginários, simbólicos, que também fazem parte do processo de
constituição de sua identidade. E ressaltamos, também, como a ‘presença’ efetiva ou
imaginária do bebê, altera o mundo social e físico envolvido, e começa a fazer parte da
formação da identidade das pessoas envolvidas no processo.
Agora, vamos falar um pouco sobre como podemos conceber esse ‘tornar-se’ na
dimensão do ser humano, que tem se constituído historicamente.
O ser humano é um ser que faz parte da natureza, que pode ser pensado como
natural, mas que, também, diferencia-se da natureza, na medida em que se relaciona
com ela, transforma-a, para garantir sua sobrevivência. Não há como pensarmos o
homem sem a natureza, ou imaginarmos a natureza sem o homem. Além de atuar na
natureza, com as ferramentas que cria e transforma, o ser humano se relaciona com
seus semelhantes e, pela cultura simbólica, transmite historicamente suas experiências
e conhecimentos acumulados. Dessa forma, não é necessário que cada nova geração
recomece todo o processo a partir do zero, pois ela herda, das gerações anteriores,
formas de viver, de compreender e lidar com o mundo, desenvolvendo, ela mesma, a
partir desse legado que recebe, as suas próprias maneiras de viver, condicionadas a
múltiplas determinações econômicas, sociais e culturais.
Além de agir para sobreviver, o ser humano cria novas necessidades, que o
movem a continuar buscando novas formas de viver, conhecer e representar o mundo,
dar-lhe significado, relacionar-se com a natureza e os outros homens. Dessa forma, o
processo de o ser humano agir na natureza e na sociedade, e recriar o mundo natural
e o social, é o processo mesmo de produção da existência humana, como afirma
Andery8 (1996):

8
Andery M. A., et al, Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. R.J.:Espaço e Tempo Ed.;

17
É o processo de produção da existência humana porque, por sua relação com a natureza e
os seus semelhantes, o ser humano vai se modificando, alterando aquilo que é necessário
à sua sobrevivência. ... não só cria artefatos, instrumentos, como também desenvolve
ideias (conhecimentos, valores, crenças) e mecanismos para a sua elaboração
(desenvolvimento do raciocínio, planejamento). ... Cada nova interação reflete uma
natureza modificada, pois nela se incorporam criações antes inexistentes, e reflete,
também, um homem já modificado, pois suas necessidades, condições e caminhos para
satisfazê-las são outros que foram sendo construídos pelo próprio homem. É nesse
processo que o homem adquire consciência de que está transformando a natureza para
adaptá-la a suas necessidades, característica que vai diferenciá-lo: a ação humana, ao
contrário da dos animais, é intencional e planejada; em outras palavras, o homem sabe
que sabe.( p.11)

Levando-se em consideração a produção histórico-cultural da existência


humana, podemos avaliar a importância crucial que a questão da sobrevivência, do
trabalho, tem para esse processo, pois, num primeiro momento, as necessidades
básicas de alimentação, moradia, proteção, foram cruciais (e ainda o são) para a vida
do ser humano, como o são para o bebê. Entretanto, esse processo, desde os
primórdios da humanidade, não se resume à relação de um indivíduo com os meios
físicos de subsistência, mas de vários, que se organizam, desenvolvem códigos de
comunicação e linguagem, e distribuem o trabalho entre si. Nessa relação, produzem
ferramentas, bens materiais, conhecimentos teóricos e técnicas, obras de arte,
costumes, valores, e, também, transformam suas próprias produções, substituem-nas
por outras, neste movimento do ‘tornar-se’ humano, que se processa solidariamente,
tanto no plano cultural e social, como no individual.
Esse processo histórico – coletivo e individual – não se dá de forma linear, mas
é marcado por contradições e conflitos, desde as formas mais primitivas de luta, em
que dois indivíduos se envolviam em disputas por uma caça, até os dias de hoje, em
que nos envolvemos, no contexto de classes sociais, instituições públicas e nações, em
guerras, competição, terrorismo, motivados por questões econômicas, políticas,
ideológicas, afetivas, éticas, estéticas ou religiosas.
Os diferentes momentos históricos são marcados não só por formas diversas de
o ser humano resolver o problema da subsistência e, em decorrência disso, por
distintas maneiras de organizar a sociedade, mas por diferentes maneiras de olhar o
mundo, de representá-lo, de nomeá-lo, de compreendê-lo, de fazer escolhas, de lidar
com o poder, de julgar as ações suas e de seus semelhantes. E essas diversas formas
de o ser humano significar o mundo, por sua ação concreta e pela linguagem, pela
arte, ciência e formas de organização, constituem seus saberes prático-teóricos, a
ciência, a técnica, a filosofia, as formas ética, política e estética de ver a vida e de

S.P:Educ. 436 páginas.

18
viver. O mundo humano é, assim, o tornar-se, o mundo em processo de construção.
Sobre isso, Paulo Freire9 (1999) diz:

Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que minha passagem pelo mundo não é
predeterminada, preestabelecida. Que meu “destino” não é um dado, mas algo que precisa
ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a
história em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de
possibilidades e não de determinismo. Daí que insista tanto na problematização do futuro e
recuse sua inexorabilidade. (pp. 58- 59)

Por que a compreensão do processo histórico vivido pelos seres humanos seria
importante para você, futuro professor de artes?
Porque isso o ajuda a olhar cada um e todos os seus futuros alunos e alunas
como seres humanos, herdeiros de uma cultura e de uma história que vêm sendo
construída há séculos, e da qual fazem parte. Ajuda-o a olhar a História da Arte, de
todas as formas de arte, como um processo de que vêm participando seus
antepassados e do qual você, com seus alunos, farão parte, na medida em que vão
conhecendo suas obras, seus significados, e, assim, começando a entrar nessa
maravilhosa aventura da criação artística, experimentando, juntos, novas formas de
representar e significar o mundo, de construir conhecimento.
Como vimos anteriormente, nesta disciplina vamos refletir sobre a contribuição
da Psicologia para a sua formação como professor/a de artes.
Comecemos pensando juntos a respeito dessa contribuição.

Como você acha que a Psicologia ajuda na sua formação como


professor de artes, ou arte-educador? O que acontece na escola, e na sala de
aula, em especial? A escola é o lugar do encontro entre pessoas que entram em
contato com a produção cultural construída ao longo da história. Professor e
estudantes, guiados por interesses, pessoais, culturais e políticos, e por diretrizes
governamentais, exploram os conteúdos construídos, contextualizam-nos, decifram
seu significado, dão-lhe sentido – grupal, geracional e pessoal - e o reconstroem.
Podemos dizer, então, que professor e alunos participam da construção do
conhecimento científico, artístico, e cultural em geral, na medida em que seu ensino
não se desvincula de sua produção. Professor e alunos entram em contato com as
produções artísticas das gerações anteriores, interpretam-nas, enriquecendo seu
imaginário, e criando as suas próprias. Além disso, esses alunos vão ser profissionais,
professores, ou técnicos, e vão lidar com esse conhecimento que incorporaram nas

9
Freire, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. R.J.: Paz e Terra Ed. 11ª.
Edição. (Coleção Leitura), 1999.

19
salas de aula, em seus laboratórios, ateliês, indústrias, comércio, ou mesmo em
institutos de pesquisa e de produção artística. Eles fazem parte da grande cadeia
histórica de produção/divulgação/ensino/aplicação do conhecimento e da arte.
Vimos mais acima que a identidade da criança, que começa a se formar antes
mesmo de seu nascimento, continua se constituindo ao longo da vida, tanto no interior
da família, como de outras instituições sociais, especialmente na escola. E a escola é
uma instituição que a pessoa pode frequentar durante muitos anos de sua vida e que,
por isso, tem um papel muito importante na formação da sua identidade.
Diante disso, não resta dúvida de que ao se pensar sobre o ensino--
aprendizagem de artes, deve-se considerar a relação entre pessoas – professores e
alunos – envolvidas no processo de conhecer/produzir/criar arte.
Quem são essas pessoas, esses alunos? Em que momento da vida se
encontram? Como olham o mundo, como o concebem, como o representam, ou
recriam? A Psicologia do Desenvolvimento muito tem a nos dizer sobre essas questões,
uma vez que ela é um campo de investigação que estuda o indivíduo em seu processo
de tornar-se humano, de desenvolver habilidades e relações ao longo de sua vida.
A Psicologia do Desenvolvimento o ajudaa compreender muito do que é
importante você saber sobre seu aluno, a maneira como ele aprende, dependendo da
idade que tem, das suas condições de vida e do contexto em que vive. Também, pode
orientá-lo sobre como promover a aprendizagem desse aluno, pelo conhecimento a
respeito do momento de desenvolvimento psicológico dele, de sua idade, de seus
interesses.
Aqui, vamos nos dedicar a tratar do desenvolvimento psicológico e de sua
relação com o processo de aprendizagem dos alunos. Dessa forma, vamos considerar
que há diferenças entre os processos de ensino-aprendizagem de artes envolvendo
crianças pequenas, nas escolas de Educação infantil, ou crianças do segundo ao quinto
ano, ou pré-adolescentes de 11, 12 anos, ou adolescentes, adultos ou pessoas na
terceira idade ou velhice. Isso porque cada contexto tem suas especificidades.
Certamente, você imagina que o momento de desenvolvimento dos alunos, sua
faixa etária, determina, em alguma medida, as características e possibilidades do
ensino de artes, a atuação do professor, sua relação com os alunos, a maneira de
apresentar os conteúdos, as estratégias a serem utilizadas em sala, o sistema de
avaliação. Pois bem: essa é uma das contribuições mais significativas da Psicologia
para a educação em geral, e a educação artística, em especial.
O desenvolvimento psicológico, que dura toda a vida, é um processo que
abrange a formação do psiquismo, em todos os seus aspectos: a inteligência, a

20
afetividade, a motricidade, a sociabilidade, a linguagem, enfim, todas as funções
mentais, as básicas, de percepção, memória, e as chamadas funções psíquicas
superiores, que são aquelas ligadas ao controle consciente. Consideramos que o
psiquismo se constitui durante a vida do indivíduo, em sua relação com o mundo físico
e as pessoas, numa determinada cultura e num determinado momento histórico,
mediado pelos sistemas simbólicos da cultura, a linguagem gestual, oral, escrita,
visual, artística.
Ora, se o psiquismo se constrói pela mediação simbólico-cultural, podemos
dizer que o desenvolvimento psicológico, e a identidade de uma pessoa são culturais e
sociais, já que a transmissão cultural se dá na relação entre as pessoas que vivem em
sociedade.
Durante a infância e ao longo de sua vida, os indivíduos participam de
processos de socialização para além da família, como as relações entre seus pares na
vida social, ou na escola. Essa é a instituição responsável por sua socialização formal,
incluindo a educação voltada para a aprendizagem de saberes construídos ao longo da
história da humanidade, especialmente o conhecimento científico e a produção
artística, além da educação moral, que os introduz aos valores e crenças típicos de sua
cultura.
Assim, a formação do indivíduo, de sua identidade, é um processo social,
cultural e histórico, que se dá por meio das relações formais e informais na sociedade,
e que se caracteriza por ser um processo de mão dupla: na medida em que o
indivíduo, agindo no mundo e relacionando-se com os outros, constitui-se, ele participa
da construção da sociedade e da cultura.
O desenvolvimento psicológico – das funções psíquicas e da identidade do
indivíduo - baseia-se no funcionamento do sistema nervoso, ou da atividade cerebral,
em especial, mas não se restringe a ela, pois é um processo histórico-cultural-social,
como vimos. O psiquismo se constitui, pois, na síntese de múltiplas determinações.
Vamos estudar alguns teóricos da Psicologia que trataram da questão do
desenvolvimento psicológico, na perspectiva genética, isto é, considerando que
ocorrem mudanças ao longo da vida da pessoa e que essas mudanças têm um caráter
histórico.

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Referências

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Janeiro: Espaço e Tempo, 1996.
ATKINSON, ATKINSON, SMITH, BEM, & NOLEN-HOEKSEMA. Hilgard's Introduction to
Psychology. New York: Harcourt College Publishers, 2000.
BRONFENBRENNER, U.. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos
naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
FÁVERO, M. H. Psicologia e conhecimento. Brasília: EDUnB, 2005.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
FIGUEIREDO, L. C. & SANTI, P. L. R., Psicologia: uma nova introdução. São Paulo:
EDUC, 2000.
LAPOINTE, F. H., Origin and evolution of the term “Psychology”. American
Psychologist, 25(2), 640-646, 1970.
LARROSA, J. Pedagogia Profana, Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
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MESTRE, M. V., TORTOSA, F., SAMPER P. & NÁCHER M. J. Psychology’s Evolution
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desenvolvimento humano. (Orgs) D. Olson & N. Torrance, pp 21-35. São Paulo:
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PETRÓVSKI, A. Psicologia General. Moscou: Editorial Progresso. 1980.
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Aberto, 18(73), 29-40. Brasília: INEP/MEC, julho de 2001.
http://www.des.emory.edu/mfp/jphotos.html - Biography, chronology, and
photographs of William James, 17 de maio de 2007.

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