Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
10
NOTA DE APRESENTAÇÃO
Edições publicadas:
• CULTIVAR N.º 1 – Volatilidade dos mercados agrícolas
• CULTIVAR N.º 2 – Solo
• CULTIVAR N.º 3 – Alimentação sustentável e saudável
• CULTIVAR N.º 4 – Tecnologia
• CULTIVAR N.º 5 – Economia da água
• CULTIVAR N.º 6 – Comércio internacional
• CULTIVAR N.º 7 – O risco na atividade económica
• CULTIVAR N.º 8 – Biodiversidade
• CULTIVAR N.º 9 – Gastronomia
• CULTIVAR N.º 10 – Trabalho na agricultura e as novas tendências laborais
N. 1 0 | d e z e m b r o 2 0 1 7
CULTIVAR
Cadernos de Análise e Prospetiva
CULTIVAR
Cadernos de Análise e Prospetiva
N.º 10 | dezembro de 2017
Propriedade:
Gabinete de Planeamento, Politicas e Administração Geral
Praça do Comércio, 1149-010 Lisboa
Telefone: + 351 21 323 46 00
e-mail: geral@gpp.pt | website: www.gpp.pt
Equipa editorial:
Coordenação: Ana Sofia Sampaio, Bruno Dimas, Eduardo Diniz
Ana Filipe Morais, Ana Rita Moura, Carlos Alves, Edite Azenha,
Helena Sequeira, José Eduardo Reis, Manuel Loureiro, Pedro
Castro Rego, Rui Trindade
e-mail: cultivar@gpp.pt
ISSN: 2183-5624
7 /11 | EDITORIAL
SECÇÃO II – OBSERVATÓRIO
O trabalho na agricultura diferencia-se historica- Com efeito, o setor agrícola e as zonas rurais, pelas
mente do de outros setores pela importância que características indicadas e pelas crescentes neces-
tem o trabalho a tempo parcial e eventual e o plurir- sidades de serviços em áreas como a fiscalidade,
rendimento, importância essa explicada sobretudo os apoios e as obrigações no quadro da PAC, o
pelo caráter sazonal e irregular de muitas ativida- ambiente e a segurança alimentar, e a especiali-
des agrícolas e pela pequena dimensão da grande zação tecnológica, podem beneficiar dessa evolu-
maioria das explorações. Associado a esta caracte- ção com a contratação ou integração de ativos mais
rística setorial, as regras e procedimentos necessá- especializados, o que, contudo, acarreta também
rios para a interrupção temporária do pagamento riscos, nomeadamente, em termos de condições
a beneficiários de prestações sociais ou do subsí- de trabalho, fiscalidade e movimentos demográfi-
cos, particularmente na mão-de-obra com menor
dio de desemprego dificultam a prestação de tra-
qualificação.
balho eventual.
As séries estatísticas indicam que em termos agre- Na Secção “Grandes Tendências”, os autores con-
gados se está a verificar uma redução significativa vidados para este número abordam estes tópicos
da mão-de-obra familiar (que acompanha a redu- sob perspetivas diferentes, mas sobretudo comple-
ção da população ativa na agricultura) e a manu- mentares.
tenção (ou mesmo ligeira recuperação) da mão-de-
-obra assalariada (com ganhos de remuneração) e No primeiro artigo sobre esta temática, José Maria
contratada através de prestação de serviços. Castro Caldas recorda que a alteração de para-
8 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
digma tecnológico que se está a viver não é a pri- lizado por imigrantes retoma o que se passou com
meira vez que acontece, recorrendo à história do os ranchos migratórios. No quadro da agricultura
pensamento económico (mais útil do que os soun- familiar, “onde antes se mobilizava a entreajuda (…)
dbites) e aos futuros que no séc. XIX se concebiam, beneficia-se agora, dada a grande melhoria nas con-
para mostrar que não se pode “prever o imprevisí- dições de mobilidade, da vinda de familiares e ami-
vel”: “É à Inglaterra dos séculos XVIII e XIX que deve- gos da cidade, durante um fim-de-semana ou umas
mos viajar se queremos reconstruir desde a origem curtas férias”. “A profunda transformação tecnoló-
o debate sobre as consequências da tecnologia no gica associada ao desenvolvimento da externaliza-
trabalho e no emprego”. Já Keynes falava da “nova ção/terciarização tem contribuído para reconfigurar
doença” que era o “desemprego tecnológico”. O o quadro institucional do trabalho agrícola.”
autor considera que “um conjunto de dispositivos
institucionais como a legislação do trabalho, os sin-
dicatos e a contratação coletiva, cuja origem radica
em desenvolvimentos situados numa esfera política
que não obedece estritamente a determinantes de
natureza económica”, foi um fator decisivo para evi-
tar que certas previsões mais pessimistas se tornas-
sem realidade, concluindo que a “tecnologia em si
mesma não é determinante de nenhuma senda de
sentido único, dependendo os seus impactos do con-
texto institucional”, o qual, por sua vez, “depende de
escolhas políticas”.
sária de serviços”. “A substituição do trabalho à jorna empresas prestadoras de serviços e empresas de tra-
por serviços ligados à agricultura é, sobretudo, uma balho temporário unicamente às situações em que
forma de o mercado resolver vários problemas de um tal recurso tenha estrita justificação legal”; discrimi-
só golpe: disponibilizar mão-de-obra agrícola que é nação positiva para as áreas rurais.
escassa, com a qualificação adequada para as diver-
sas funções e com capacidade para executar tare- Pedro Torres, à semelhança dos outros autores,
fas em calendários apertados”. O autor identifica destaca a “crescente necessidade de aquisição de
como áreas críticas a exigir novas soluções a possi- produtos e serviços a fornecer ao setor agrícola”, o
bilidade de “abandono total da atividade agrícola”; que torna necessário “um elevado grau de exigên-
a questão do trabalho e o recurso à prestação de cia, no sentido de aferir a capacidade de desempe-
serviços e à mecanização; a questão da dimensão nho dos recursos humanos, com vista a gerar uma
da exploração e a necessidade de uma “utilização produtividade qualitativa e quantitativa”. Expõe as
eficiente do equipamento”, ou ainda “a regulação alterações legais recentes que permitem desen-
como fator de limitação”. A terminar, abstendo-se volver esta atividade e defende que, neste quadro,
avisadamente de prever o imprevisível, deixa um “cabe às empresas utilizadoras de trabalho tem-
conjunto de questões de que dependerá a evolu- porário, na medida em que passam a ter mais res-
ção futura do espaço rural. ponsabilidade no que respeita ao cumprimento das
obrigações legais por parte da empresa de trabalho
António Garcia Pereira considera que essa evolu- temporário, serem mais assertivas na seleção das
ção das atividades agrícolas constitui uma temática empresas de trabalho temporário que elegem como
particularmente interessante, também do ponto seus parceiros”, devendo ser afastadas “do mercado
de vista do Direito do Trabalho. Tece o enquadra- as empresas que não tenham enquadramento legal
mento legal em que funciona o trabalho agrícola para o exercício da atividade e não cumpram com as
e chama a atenção para as dificuldades de grande obrigações legais.”
parte dos agricultores em dominar o que a lei lhes
impõe, bem como toda a panóplia de requisitos Na Secção “Observatório”, Pedro Santos aborda “a
necessários à atividade (negociação e celebração questão do emprego qualificado da nova geração
de contratos de seguros e de financiamentos ban- [que é] apontada como uma das questões prioritá-
cários, candidatura a programas de apoios, segu- rias para as empresas”. Debruça-se principalmente
rança e saúde no trabalho e regras ambientais). Os sobre “a geração millennial (jovens nascidos entre
agricultores veem-se assim obrigados a uma com- 1983 e 2000)” e a sua nova abordagem às ques-
pleta sujeição a entidades prestadoras de serviços tões do trabalho, apresentando os resultados de
nessas áreas. O autor propõe medidas que permi- inquéritos efetuados a empregadores e recém-em-
tam o desenvolvimento assente no respeito pelos pregados do setor. As conclusões vão no sentido
direitos de quem trabalha e no combate às lógicas dos artigos anteriores: “os modelos de organização
da “lei da selva”, ao “dumping social” e à concorrên- do trabalho promovem, em muitos casos, a necessi-
cia desleal: “Fiscalização efetiva”; “Dinamização do dade de recorrer à externalização na prestação de
recurso à contratação coletiva”; “Divulgação essen- serviços especializados e ao aumento da especializa-
cialmente pedagógica e ampliação da aplicação dos ção, assim como a exigência de muitos serviços com-
regimes de contratação temporária ou intermitente plementares à atividade produtiva.” Por outro lado,
(…) nos casos (…) em que se verifiquem os respeti- “em muitos desses serviços existe uma forte compo-
vos pressupostos legais”; “Firme perseguição e san- nente tecnológica, para a qual a nova geração está
cionamento de todas as formas ilegais de contrata- mais preparada”, “em muitos casos com experiên-
ção de trabalhadores”; “Restrição (…) do recurso a cias (de formação ou trabalho) no estrangeiro, com
10 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
um conjunto de contactos espalhados pelo mundo, desenvolvidas nesse sentido. Começa por fazer
com grande ligação a redes sociais e, por isso, com uma caracterização das novas relações de traba-
uma vida global e digital”, assim como uma grande lho no setor, referindo as suas características estru-
vontade de aprender, competências essas que são turais e problemas mais significativos. Em seguida,
reconhecidas pelos empregadores (embora ainda fala das competências da ACT no cumprimento da
nem sempre sejam convenientemente remunera- legislação laboral, da formação dos seus inspeto-
das) e constituem um desafio para as empresas. res e respetivas metodologias. Refere ainda algu-
mas das suas principais intervenções, nomeada-
No artigo que o escritório da OIT em Lisboa, na pes- mente na implementação do Plano Estratégico de
soa de Mafalda Troncho, solicitou ao seu congénere Ação para os Setores Agrícola, Pecuário e Floresta
em Genebra, fala-se da necessidade de garantir (também apresentado na Secção III), mencionando
condições de trabalho dignas para os “mais de mil o caso particular dos tratores agrícolas, e conclui
milhões de pessoas, cerca de um terço da mão-de- reconhecendo que, embora tenha havido progres-
-obra mundial, [que] trabalham no setor agrícola.” sos consideráveis, “ainda há um longo caminho a
A partir da década de 2000, “o importante papel da percorrer para eliminar os principais problemas que
agricultura na redução da pobreza foi traduzido nos afetam e dificultam o desenvolvimento do trabalho
Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM)” e digno na agricultura.”
reconheceu-se que “não será possível alcançar os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) sem
uma forte aposta no desenvolvimento rural”, con-
cluindo-se ainda que “o crescimento agrícola tem
(…) um potencial significativo de contribuição para
o crescimento noutros setores económicos, mais do
que a indústria ou os serviços, e não só a jusante
(…), mas também a montante”. Os desafios que a
economia rural tem pela frente em matéria de tra-
balho digno passam pela segurança e a saúde no
trabalho, a eliminação do trabalho infantil, a igual-
dade de género ou a liberdade de associação e
Slide: Vindima – transporte dos cachos
negociação coletiva. O artigo conclui, afirmando Região Demarcada do Dão. Artur Pastor, s.d. Coleção do acervo
que “tendo em conta o aumento da procura mun- do MAFDR
dial de alimentos, o setor agrícola oferece oportuni-
dades de emprego inexploradas, sobretudo para os A fechar esta Secção, o GPP apresenta a estrutura
jovens”, embora precise de se modernizar, melhorar setorial do trabalho na economia portuguesa, uma
a qualidade da oferta de emprego e responder aos caracterização do trabalho agrícola (trabalho par-
“desafios que vão surgindo, como a alteração nas cial, pluriatividade, plurirrendimento, estrutura etá-
relações de trabalho decorrente da externalização”. ria, nível de educação, regiões) e a sua evolução.
Este documento permite verificar que a externali-
O artigo da equipa da Autoridade para as Condi- zação de atividades, que inclui “a substituição do
ções de Trabalho (ACT) trata dos “processos de trabalho à jorna por serviços ligados à agricultura”,
mudança tecnológica e organizacional acelerados que refere Domingos Ângelo, mas também a con-
cujo impacto nas relações de trabalho e nas con- tratação de seguros e de financiamentos bancários,
dições de segurança e saúde de quem (…) traba- a candidatura a programas de apoios, a segurança
lha merecem uma atenção especial” e das ações e a saúde no trabalho e as regras ambientais, para
Editorial 11
as quais chama a atenção Garcia Pereira, “não se indústrias agrícolas, cujas fronteiras com a agricul-
descortina na informação estatística”, como fazem tura não são fáceis de definir, mas também com os
notar Oliveira Baptista e Joaquim Rolo. No entanto, serviços originados pela agricultura, que se encon-
há alguns elementos que a indiciam. Como tam- tram na mesma situação.
bém constatam os mesmos autores, “hoje, 72% das
explorações recorre a mão-de-obra não familiar (em Finalmente, na última Secção, são sintetizados
1980, a proporção era de 43%) e, no seu âmbito, cerca diversos documentos relevantes: o Capítulo 2 do
de 90% apela a trabalhadores eventuais (60% por recém-publicado World Economic Outlook, do FMI,
via da contratação de serviços a terceiros”. A mão- que tenta compreender as dinâmicas salariais que
-de-obra não contratada diretamente pelo produ- se têm verificado recentemente nas economias
tor tem uma reduzida importância (1,6% do volume mais avançadas; o relatório de 2017 sobre “Traba-
total de mão-de-obra em 2013), mas tem apresen- lho e Políticas de Emprego” do Observatório sobre
tado um aumento significativo (crescimento médio Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais
anual de 18% entre 2007 e 2013. As remunerações (CES) da Universidade de Coimbra, com coordena-
dos trabalhadores têm crescido continuamente, o ção de Manuel Carvalho da Silva, Pedro Hespanha e
que não acontece com o excedente bruto. E, sobre- José Castro Caldas; o acima referido Plano Estraté-
tudo, verifica-se um enorme crescimento da aquisi- gico de Ação para os Setores Agrícola, Pecuário e Flo-
ção de serviços pelos agricultores e, em particular, restal, da ACT e, finalmente, um Guia de Boas Práti-
de outros bens e serviços não classificados como cas elaborado pela Direção-Geral do Emprego, dos
serviços agrícolas. Este último aspeto deve ser Assuntos Sociais e da Inclusão, da Comissão Euro-
tomado em conta na análise das estatísticas seto- peia, relativo às questões da proteção da segurança
riais, que deve ser complementada não só com as e da saúde dos trabalhadores do setor agroflorestal.
N.º 10 dezembro 2017
GRANDES TENDÊNCIAS
CULTIVAR
v.t. TRABALHAR A TERRA PARA TORNÁ-LA FÉRTIL.
15
Se cada instrumento pudesse desempenhar a sua var, colher e processar as nossas culturas – robótica,
função a nosso mando, ou como que antecipando- mecanização e automação”, noticiava a CNN em
-se ao que se lhe vai pedir… e se, do mesmo modo, agosto passado, citando o presidente da Grower-
os teares tecessem sozinhos, e se as palhetas tocas- -Shipper Association da Califórnia. A agricultura
sem sozinhas a cítara, então os mestres não teriam da Califórnia, explicava a CNN, depende de mão-
necessidade de ajudantes nem os senhores de -de-obra emigrante. Se os planos de Trump forem
escravos. adiante e a mão-de-obra mexicana deixar de estar
disponível, os robots substituirão os imigrantes.2 No
Aristóteles (384-322 a. C.), Política1
entanto, os trabalhadores americanos também não
podem estar descansados – lê-se noutro artigo
da CNN: ”Trinta e oito por
As máquinas capazes de … robótica, mecanização e automação… cento dos postos de tra-
realizar trabalho por si mes- solução para a escassez de mão-de-obra, balho nos EUA estão em
mas, a mando ou anteci- destruição de emprego, ou destruição risco de ser substituídos
pando-se ao que se lhes vai compensada com criação de novo por robots e inteligência
pedir, invadiram o espaço emprego? … tirando os mais afoitos artificial nos próximos 15
público, tornando-se tema que se imaginam capazes de prever o anos”.3 Em contrapartida,
recorrente em todos os na mesma CNN, há tam-
imprevisível… ninguém sabe ao certo.
meios de comunicação. Da bém quem acredite que “a
agricultura aos mais variados serviços, passando
obviamente pela indústria, a opinião corrente é que
as máquinas (inteligentes) vão substituir os huma-
nos. 2 “Machines, not Americans, could replace immigrant
workers”, de Patrick Gillespie, CNNMoney, 18 de Agosto de
“Dada a escassez de trabalhadores, temos de 2017, disponível em http://money.cnn.com/2017/08/18/
desenvolver outros meios que nos ajudem a culti- news/economy/us-farmers-immigration-automation/
index.html
3 “U.S. workers face higher risk of being replaced by robots.
1 Aristóteles,
Política, Livro I, Parte IV, tradução António Here’s why”, de Alanna Petroff, 24 de Março 2017, CNN-
Campelo Amaral e Carlos de Carvalho Gomes, Lisboa: Tech, disponível em http://money.cnn.com/2017/03/24/
Vega technology/robots-jobs-us-workers-uk/index.html
16 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
nova tenologia destruirá muitos postos de trabalho, experiência realmente vivida e, por fim, uma breve
mas criará também muito emprego”.4 reflexão em torno dos ensinamentos que resultam
das duas excursões anteriores.
Solução para a escassez de mão-de-obra, destrui-
ção de emprego, ou destruição compensada com As origens
criação de novo emprego? A CNN não tem a certeza.
E na verdade, tirando os mais afoitos que se ima- É à Inglaterra dos séculos XVIII e XIX que devemos
ginam capazes de prever o imprevisível – a natu- viajar se queremos reconstruir desde a origem o
reza e as consequências da adoção de tecnologias debate sobre as consequências da tecnologia no
que ainda não foram testadas ou mesmo inventa- trabalho e no emprego5. É aí que em 1779 encontra-
das –, ninguém sabe ao certo. Não sabemos mesmo mos o lendário Ned Ludd a destruir uma máquina
se estamos ou não perante uma vaga tecnológica de tricotar meias, assim como sucessivos episódios
comparável em consequências às experimentadas muito reais de destruição de máquinas por traba-
no passado, como as que decorreram da invenção lhadores.
da máquina a vapor, da eletricidade e do motor a
combustão. As revoltas dos trabalhadores industriais contra a
mecanização e o desemprego em Inglaterra atingi-
Sabemos, no entanto, que não é a primeira vez riam o seu apogeu entre 1811 e 1819 com o movi-
que a inovação tecnoló- mento que veio a ser desig-
gica e as consequências da Sabemos, no entanto, que não é a nado de Ludita. A extensão
adoção de novas tecnolo- primeira vez que a inovação tecnológica deste movimento foi tal e
gias no emprego e no traba- e as consequências da adoção de novas tão alarmante que em 1812
lho ocupam um lugar des- tecnologias no emprego e no trabalho o governo inglês, sob pres-
tacado no debate público e ocupam um lugar destacado no debate são dos capitalistas indus-
sabemos, também, que as público… triais, levou o parlamento
‘velhas’ controvérsias, tem- a aprovar uma lei (Frame
peradas pela experiência histórica realmente vivida, Breaking Act) que previa a condenação à morte de
podem muitas vezes trazer mais luz a debates pre- pessoas incriminadas pela destruição de máquinas.
sentes do que as especulações infundadas e muitas No mesmo ano, na sequência da destruição de uma
vezes delirantes que hoje enchem os jornais. fábrica no condado de York, 64 trabalhadores foram
detidos e 13 condenados à morte.
É na expectativa de que assim seja, isto é, que seja
possível aprender com os debates e a experiência Depois de 1819, o movimento Ludita regrediu na
passada, que proponho neste breve artigo, em pri- indústria, mas renasceu nos campos. Entre 1830 e
meiro lugar, uma visita a uma ‘velha’ controvérsia 1833, no episódio que ficou conhecido pela Rebe-
acerca das consequências da tecnologia no traba- lião de Swing, ocorrido no Sul e Leste da Inglaterra,
lho e no emprego e, em segundo lugar, um exame trabalhadores agrícolas destruíram debulhadoras
das previsões das teorias passadas feito à luz da mecânicas.
Embora fossem contemporâneos destes aconte- Na sequência deste opúsculo, John McCulloch –
cimentos dramáticos, os primeiros economistas um economista político escocês estreitamente rela-
políticos, para quem a aplicação de maquinaria se cionado com David Ricardo – publicaria em 1820
traduzia sobretudo num virtuoso incremento da um artigo em que, aprovando as ideias de Barton,
capacidade produtiva do trabalho humano, teste- escrevia: “o capital fixo investido numa máquina,
munhavam-nos com complacência. tem necessariamente de substituir uma quantidade
maior de capital circulante [aplicado em salários], –
No entanto, a publicação, em 1817, de um opúsculo já que doutro modo não haveria motivação para a
de John Barton veio pôr termo à indiferença dos sua construção [da máquina]; e deste modo o seu
economistas políticos acerca das consequências da primeiro efeito é afundar, e não elevar, a taxa dos
mecanização no emprego e nos salários e abrir um salários”.8
debate que se haveria de prolongar ao longo de
todo o século.6 Na sequência da publicação deste artigo, David
Ricardo em carta a McCulloch manifestava a sua
Nesse opúsculo, Barton questionava a crença dos discordância – “a utilização de maquinaria… nunca
economistas políticos na articulação virtuosa, esta- reduz a procura de trabalho – nunca é uma causa
belecida por Adam Smith, entre o enriquecimento da queda do preço do trabalho, mas antes um
da nação, a recompensa generosa do trabalho e o efeito do seu aumento”, – dando início à controvér-
crescimento demográfico. Segundo ele “um dado sia de que seguidamente se dará conta.9
incremento da riqueza não cria sempre uma pro-
cura proporcional de trabalho” e portanto uma ele- A teoria da compensação
vação dos salários. A causa para Barton era simples:
“os industriais e os agricultores… investem por Em 1821, em consequência da crítica de Ricardo,
vezes as suas acumulações [de capital] na constru- McCulloch revia a sua opinião, expondo aquela
ção de maquinaria, ou em melhoramentos perma- que viria a ser conhecida por ‘teoria da compensa-
nentes do solo, calculados para proporcionarem um ção’: “nenhum melhoramento da maquinaria pode
produto igual com um menor número de trabalha- diminuir a procura de trabalho, ou reduzir a taxa
dores; noutros momentos, investem-nas para con- de salários. A introdução de maquinaria num dado
tratar mais trabalhadores com o objetivo de levar emprego, ocasiona necessariamente uma procura
ao mercado uma produção maior”.7 O que deter- igual ou maior de trabalhadores nalgum outro
minaria a proporção do investimento destinada a emprego”.10
maquinaria no investimento total seria o nível dos
salários, ou melhor o peso dos custos salariais no A teoria da compensação, não obstante a posterior
valor da produção do trabalho. mudança de opinião de Ricardo e a crítica de Marx,
filantrópicas. Fundou o Birkbeck College, chamada Lon- 10 McCulloch, John (1821), “The Opinions of Messrs Say,
don Mechanics’ Institution, cuja missão original era a Sismondi, and Malthus, on the Effects of Machinery and
educação de trabalhadores. Accumulation, Stated and Examined”, Edinburgh Review,
7 Ibid., p. 17 Março 182, p. 115
18 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
viria a afirmar-se como opinião predominante dos de que as doutrinas que havia apoiado a respeito
economistas políticos do século XIX, assim como das consequências da introdução de máquinas
dos economistas neoclássicos do século XX, cor- estavam erradas. Num novo capítulo introduzido
respondendo ainda hoje à posição ‘por defeito’ da na 3ª edição dos Princípios, criticava a ‘teoria da
maior parte dos economistas. compensação’ para concluir que a “utilização das
máquinas pode ser acompanhada de uma dimi-
Os economistas clássicos que defenderam a ideia nuição da produção bruta [destinada ao paga-
de compensação e os seus herdeiros neoclássi- mento de salários] e, sempre que isso suceder,
cos não negavam, nem negam, que a mecaniza- será prejudicial para a classe trabalhadora”, isto
ção – seja à escala da empresa individual, seja à é, pode traduzir-se em desemprego e redução de
escala de um setor, ou mesmo de uma economia – salários12.
possa ter como consequência a destruição de pos-
tos de trabalho. Acreditam, no entanto, que estes A palavra pode na formulação de Ricardo é impor-
efeitos se verificam apenas no curto prazo. Com tante, pois na realidade ele continuava a pensar,
mais ou menos sofisticação, argumentam que exis- apesar de tudo, que existiam circunstâncias em que
tem outros efeitos que compensam a destruição de a destruição de emprego poderia ser compensada
emprego verificada no curto prazo e que repõe os por novo investimento. Acreditava sobretudo que
níveis de emprego no longo “[a] utilização de máquinas
prazo. Estes efeitos de com- A teoria da compensação… viria a num país nunca deve deixar
pensação incluiriam: a) afirmar-se como opinião predominante de ser incentivada pois, se
o emprego envolvido na dos economistas políticos do século XIX, não se permitir que o capi-
produção de máquinas; assim como dos economistas neoclássicos tal proporcione o rendi-
b) o reinvestimento pelos do século XX, correspondendo ainda hoje mento líquido máximo que
capitalistas das poupan- à posição ‘por defeito’ da maior parte dos as máquinas tornam possí-
ças obtidas pela substitui- economistas. vel, ele sairá para o estran-
ção de trabalhadores por geiro…”.13
máquinas; c) a descida dos salários induzida pelo
desemprego de curto prazo e a consequente reab- Na secção de O Capital dedicada à crítica da ‘teoria
sorção dos desempregados a ‘custos salariais’ mais da compensação’, Marx louva Ricardo pela “impar-
reduzidos; d) a descida dos preços de bens de con- cialidade científica e o amor da verdade que lhe
sumo possibilitada pela mecanização e o decor-
rente aumento do rendimento real e da procura; e)
12 Ricardo, David (1817), Princípios de Economia Política e
a criação de novos produtos e a decorrente geração
de Tributação, 3ª edição (1821), Cap. XXXI, Lisboa: Fun-
de emprego na sua produção.11
dação Gulbenkian, p. 454. Para escândalo de McCulloch,
Ricardo concedia que “a opinião defendida pela classe
O desemprego tecnológico trabalhadora de que a utilização de máquinas é frequen-
temente prejudicial para os seus interesses não emana
de preconceitos ou de ideias erradas, mas está de acordo
Em 1821, posteriormente à publicação do segundo
com os corretos princípios da economia política” (ibid., p.
artigo de McCulloch, Ricardo chegaria à conclusão
456). Em resposta epistolar a Ricardo, McCulloch escre-
veria que se as novas do autor dos Princípios fossem cor-
11 Piva, Mariacristina e Vivarelli, Março (2017), “Technolo- retas “as leis contra os Luditas são uma desgraça para a
gical Change and Employment: Were Ricardo and Marx ordem jurídica britânica [Statute Book]” (citado em Sra-
Right?”, IZA DP No. 10471, IZA – Institute of Labor Econo- ffa, ibid., p. lviii, nota 6).
mics. 13 Ricardo, ibid., p. 461
Tecnologia e desemprego: já aqui estivemos antes 19
é característico”14 e assesta baterias contra outros as partes constante e variável do capital (sem subs-
“economistas políticos burgueses”, como James tituição de trabalho por máquinas), a relação de
Mill, McCulloch, Torrens, Senior e John Stuart Mill, dependência do trabalho relativamente ao capital
que “insistem em que toda a maquinaria que desa- poderia assumir uma forma “suportável”. O desem-
loja trabalhadores, liberta simultânea e necessa- prego poderia não aumentar e os salários poderiam
riamente um montante de capital adequado para mesmo subir.
empregar os mesmos e idênticos trabalhadores”15.
Em alternativa, Marx defende que: a) a destruição No entanto, no caso mais realista do crescimento
de postos de trabalho decorrente da introdução do capital ser acompanhado de substituição do tra-
de maquinaria no processo produtivo não pode balho por máquinas, a situação seria outra. Nes-
ser compensada pela criação de emprego na pro- sas condições: “Quanto maior é a riqueza social…
dução da mesma maquinaria16; b) a destruição de a massa absoluta do proletariado e a produtividade
trabalho decorrente da mecanização numa indús- do seu trabalho, tanto maior é o exército industrial
tria pode ser acompanhada da criação de emprego de reserva… Mas quanto maior é o exército indus-
noutras indústrias numa quantidade (superior ou trial de reserva relativamente ao exército de traba-
inferior à quantidade de emprego destruída) que lho no ativo, tanto maior é a massa consolidada
depende da evolução da duração da jornada de tra- de população excedentária, cuja miséria é inver-
balho nas diferentes indústrias e do rácio entre as samente proporcional ao seu tormento no traba-
componentes do capital constantes (aplicado em lho. Quanto mais extensivas, finalmente, são as
meios de produção) e variáveis (aplicado em salá- camadas pobres da classe trabalhadora e o exér-
rios). cito industrial de reserva, tanto maior será o paupe-
rismo oficial. Esta é a lei geral absoluta da acumula-
O capítulo 25 de O Capital é dedicado precisamente ção capitalista. Como outras leis, ela é modificada
a analisar, em primeiro lugar, o efeito da acumula- no modo como opera por muitas circunstâncias, de
ção de capital no emprego, em condições em que cuja análise não nos ocuparemos aqui.”17
esta acumulação ocorreria mantendo-se constante
a proporção entre a parte constante e a parte variá- Em suma, para Marx, acumulação de capital com
vel do capital (isto é, em que não existisse substi- mecanização, desemprego (crescimento do exér-
tuição de trabalho por máquinas) e, em segundo cito industrial de reserva) e pauperização dos tra-
lugar, em condições mais próximas da experiência balhadores estavam ligados numa cadeia de causa-
histórica em que a proporção do capital constante lidade. As máquinas em si não eram “responsáveis
no capital total aumenta. pela ‘libertação’ dos trabalhadores dos seus meios
de subsistência”. No entanto, as mesmas máquinas
Marx concluía que, caso a acumulação de capital que representam “uma vitória do homem sobre as
se desenrolasse mantendo constante o rácio entre forças da Natureza, nas mãos do capital fazem do
homem um escravo dessas forças.”18
14 Marx, Karl (1867), Capital – A Critique of Political Economy,
Vol. 1, Cap. XV, nota 132, disponível em https://www.
Perspetivas para os nossos netos
marxists.org/archive/marx/works/1867-c1/
15 Ibid., Cap. XV, secção 6
16 “O novo trabalho gasto nos instrumentos de trabalho… Em 1928, John Maynard Keynes dedicou várias con-
deve ser necessariamente menor do que o trabalho desa- ferências a um exercício prospetivo que viria a ser
lojado pelo uso da maquinaria; de outro modo o produto
da máquina seria tão caro, ou mais caro, do que o pro- 17 Ibid., Cap. XXV, secção 4
duto do trabalho manual.”, Marx, ibid 18 Ibid., Cap. XV, secção 6
20 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
revisto e publicado em 1930, já em plena Grande poderia ser obtido, repartindo o trabalho o máximo
Depressão, com o título Perspetivas Económicas possível, se cada pessoa trabalhasse três horas por
para os Nossos Netos19. Nesse ensaio, Keynes pro- dia quinze horas por semana.
curava libertar-se do pessimismo induzido pela
“depressão que grassa pelo mundo” e “levantar voo Dos cenários prospetivos à experiência
para o futuro”.20 Quais são as possibilidades econó- histórica
micas para os nossos netos? – perguntava.
O que podemos esperar da evolução ou da revolu-
“Estamos a ser atingidos por uma nova doença de ção tecnológica? À luz da ‘teoria da compensação’,
que alguns leitores podem ainda não ter ouvido o acréscimo da produtividade do trabalho e destrui-
nome, mas de que vão ouvir ção temporária de emprego
falar nos próximos anos – a “Estamos a ser atingidos por uma nova em alguns setores, contra-
saber, o desemprego tecno- doença de que alguns leitores podem balançado por crescimento
lógico. Isto significa desem- ainda não ter ouvido o nome, mas de do investimento noutros
prego resultante do facto que vão ouvir falar nos próximos anos setores e a decorrente cria-
de a nossa descoberta de – a saber, o desemprego tecnológico. ção de emprego. Na pers-
meios de economizar a uti- Isto significa desemprego resultante do petiva marxista, desem-
lização de trabalho superar facto de a nossa descoberta de meios prego económico estrutural
o ritmo a que conseguimos de economizar a utilização de trabalho (duradouro) e empobreci-
encontrar novas utilizações superar o ritmo a que conseguimos mento dos que têm e não
para o trabalho”. 21
encontrar novas utilizações para o têm emprego. Na anteci-
pação otimista de Keynes,
trabalho”.
No entanto, para Keynes, o uma sociedade que resol-
aumento da eficiência técnica que no curto prazo veu o problema da escassez, se libertou das engre-
tinha como consequência o desemprego, signifi- nagens da acumulação e divide o trabalho necessá-
caria, no longo prazo “que a humanidade está a rio em turnos moderados de três horas diárias por
resolver o seu problema económico”, isto é, o pro- pessoa, cinco dias por semana.
blema da escassez. Previa22
o autor: “daqui a cem anos, Mais de oitenta anos decorreram Mais de oitenta anos decor-
o nível de vida nos países já depois de todos estes exercícios reram já depois de todos
progressistas será quatro prospetivos. Que avaliação podemos fazer estes exercícios prospeti-
a oito vezes mais elevado de cada um deles à luz da experiência vos. Que avaliação pode-
do que hoje”.23 Assumindo vivida de quase um século? mos fazer de cada um deles
uma sociedade que não à luz da experiência vivida
fosse insaciável nos seus de quase um século?
desejos e se contentasse com um nível de vida oito
vezes superior ao de 1930, o produto necessário Comecemos pela teoria da compensação. O século
XX, ao longo do qual ocorreram importantes vagas
19 Keynes, John M. (1930), “Perspectivas económicas para
de inovação tecnológica, está longe de ter sido um
os nossos netos”, Keynes, John M. (2009), A Grande Crise período uniformemente caracterizado por níveis
e Outros Textos, Lisboa: Relógio de Água
20 Ibid., p. 120
de desemprego reduzidos. Pelo contrário, períodos
21 Ibid., p. 123 houve em que o desemprego nos países capitalis-
22 Ibid., p. 123 tas mais desenvolvidos atingiu proporções massi-
23 Ibid., p. 123 vas, nomeadamente entre 1929 e a Segunda Guerra
Tecnologia e desemprego: já aqui estivemos antes 21
dos maioores conhecedores da obra de Keynes – o lidade, nas estatísticas da economia tecnologica-
autor não errou nas previsões de crescimento, mas mente mais avançada no mundo – a norte-ame-
falhou rotundamente na redução do tempo de tra- ricana – o que se pode ler entre 1995 e 2014 é
balho: o tempo de trabalho uma redução das taxas de
diminuiu efetivamente em … três tipos de explicação: o prazer do crescimento da produtivi-
média nos países capita- trabalho e o medo da inatividade, a dade. No entanto, o espaço
listas desenvolvidos, mas, necessidade e a insaciabilidade. público encontra-se satu-
se as atuais tendências se rado de anúncios da che-
prolongarem no futuro próximo, em 2030 trabalha- gada de batalhões de robots inteligentes dispostos
remos em média 35 horas e não 15 como Keynes a produzir muito por pouco dinheiro e a empurrar
previa. os humanos para as fileiras das reservas do exér-
cito industrial.
Para os Skidelsky, a explicação para o erro de pre-
visão de Keynes situa-se na interseção de três tipos Na expetativa de contribuir para a melhoria de
de explicação: o prazer do trabalho e o medo da qualidade do debate acerca das consequências
inatividade, a necessi- no emprego e no traba-
dade e a insaciabilidade. Não sabemos se estamos ou não perante lho das novas tecnologias,
Segundo eles, “o erro de uma vaga tecnológica comparável em evocámos controvérsias
Keynes foi acreditar que o consequências às experimentadas no passadas. Desse exercício
amor do ganho libertado passado. “Os robots podem estar por decorre, em primeiro lugar,
pelo capitalismo podia ser todo lado”, como noticia a comunicação como facto pouco mais do
saciado com a abundância, social, “mas tardam a aparecer nas que curioso, que as narra-
deixando as pessoas livres estatísticas”. tivas sobre o fim do traba-
para gozarem os frutos de lho que predominam no
uma vida civilizada… [ele] não compreendeu que o espaço mediático a serem tributárias de alguma
capitalismo desencadearia uma nova dinâmica de herança teórica, são-no muito mais de Marx do
criação de desejos…” 25 que dos economistas apologistas incondicionais
do progresso tecnológico que habitualmente inspi-
Em suma ram a maioria dos comentários económicos nesse
mesmo espaço mediático.
Não sabemos se estamos
ou não perante uma vaga … a ‘compensação’ da destruição de Decorre, em segundo lugar,
tecnológica comparável emprego pela mecanização depende que a ‘compensação’ da
em consequências às expe- de instituições capazes de alinhar o destruição de emprego
rimentadas no passado. crescimento da produtividade do trabalho pela mecanização depende
“Os robots podem estar e dos salários e não dos mecanismos de de instituições capazes de
por todo lado”, como noti- alinhar o crescimento da
mercados desimpedidos.
cia a comunicação social, produtividade do trabalho
“mas tardam a aparecer nas estatísticas” . Na rea-
26 e dos salários e não dos mecanismos de mercados
desimpedidos.
25 Ibid., p. 41-42.
26 Carvalho da Silva; Manuel, Hespanha, Pedro; Teles, Nuno
e Caldas, José Castro (2017), “Introdução” in Carvalho tro (Coords.) (2017), Trabalho e Políticas de Emprego – um
da Silva; Manuel, Hespanha, Pedro e Caldas, José Cas- Retrocesso Evitável, Lisboa: Actual, pp. 16-33
Tecnologia e desemprego: já aqui estivemos antes 23
1. A primeira metade do século XX foi um tempo Foram anos em que recuaram os incultos e cres-
em que o cultivo da terra avançou por charnecas ceu o produto agrícola, numa tendência em que
e encostas. De 1906 a 1940, o número de cabeças pesaram, além da tração animal e, sobretudo, do
de gado de trabalho aumentou de trezentos e vinte número de ativos, as tecnologias que iam tomando
mil, o que corresponde a mais de novecentos mil o lugar dos instrumentos e práticas tradicionais,
hectares de terra trabalhada, por ano. Ainda pelo nomeadamente novas máquinas ainda não moto-
final dos anos de 1960, pese a quebra de cerca de rizadas.
40% desde o meio do século nas unidades de tra-
ção do gado de trabalho, a relevância das explo- Em 1950, a população ativa em Portugal era de 3,2
rações agrícolas com trator era inferior a 2%. E, milhões de pessoas, das quais quase metade na
no total das unidades de agricultura, onde se repartia
A primeira metade do século XX foi um
tração mobilizadas pelas por patrões (10%), assala-
tempo em que… recuaram os incultos
explorações agrícolas, as riados (60%) e trabalhado-
de origem mecânica ron- e cresceu o produto agrícola, numa res familiares (30%). Destes
davam os 40%; era ainda o tendência em que pesaram, além da últimos, muitos integravam
tempo do prevalecimento tração animal e, sobretudo, do número de os ranchos migratórios que,
da tração animal no coad- ativos, as tecnologias que iam tomando todos os anos, saíam das
juvar do trabalho braçal . 1 o lugar dos instrumentos e práticas aldeias da pequena agricul-
A par daquele acréscimo, tradicionais, nomeadamente novas tura para as ceifas, mondas,
a população ativa que se máquinas ainda não motorizadas. vindimas e apanha da azei-
declarava agrícola retor- tona no Alentejo e Ribatejo,
nava ao nível de 1890, depois de uma quebra até à mas também no Douro e noutras regiões. Numa esti-
década de 1920. Onde não entrava a junta de bois, mativa de 1956, estas migrações abrangiam, anual-
havia sempre braços para o cultivo. mente, entre setenta a cem mil pessoas que, nestas
deslocações, se sujeitavam a muito penosas con-
1 A informação de base a que se apela no texto tem ori-
dições de vida e de trabalho [Caixa 1]. Eram movi-
gem, no fundamental, no INE (Censos e Recenseamentos/
mentos populacionais que decorriam da pobreza
Inquéritos às explorações agrícolas – do de 1952/54 ao
das aldeias e das elevadas necessidades de mão-
de IEA2013) e em estudos/trabalhos de investigação que
contaram com o envolvimento dos autores. -de-obra, concentradas em curtos períodos, nalgu-
26 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
mas das operações culturais das principais cultu- dinâmica das estruturas agrárias e nas característi-
ras. Nas terras da agricultura familiar, onde estes cas do trabalho agrícola. É neste último que se cen-
picos também ocorriam, embora em muito menor tra o presente texto.
escala, eram resolvidos com a entreajuda de vizi-
nhos e familiares. Foi, de qualquer modo, um
Trabalho manual, tração animal, ranchos processo longo e marcado
Trabalho manual, tração migratórios, entreajuda, aldeias onde pelas condições sociais
animal, ranchos migrató- muita gente, sem outra alternativa, e económicas que foram
rios, entreajuda, aldeias se disputava o cultivo da parcela mais envolvendo a agricultura.
onde muita gente, sem pequena e marginal – este, foi um mundo Acentuou-se a relação com
outra alternativa, se dis- que se esboroou, e teve de se refazer, na o mercado e a monetariza-
putava o cultivo da par- sequência do grande êxodo agrícola e ção da economia agrícola.
cela mais pequena e mar- Estas dimensões vieram
rural dos anos sessenta…
ginal – este, foi um mundo ainda a acentuar-se com a
que se esboroou, e teve de se refazer, na sequên- adesão (1986) de Portugal à União Europeia e, em
cia do grande êxodo agrícola e rural dos anos ses- especial, na sequência da reforma da Política Agrí-
senta (entre 1960 e 1974 a população ativa agrícola cola Comum, de 1992. Pelo meio da década atual,
teve uma diminuição de 43% – saíram da agricul- estima-se que o valor económico da produção agrí-
tura cerca de 540 mil unidades de trabalho, UTA). cola comercializada – no universo das explorações
Alguns indicadores sobre a amplitude dos seus efei- agrícolas – ronde os 95%; o que, a título indicativo,
tos: de 1962 a 1972, em índice (1962=100), os salá- compara com cerca de 60% e 75% em 1980 e 1990,
rios subiram para 290, e o aluguer de tração animal respetivamente.
para 207; paralelamente, o custo da motomecani-
zação (trator) aumentou apenas 34% e a tendên- Foi grande o impacto sobre a especialização e tec-
cia no gasóleo, adubos, fitofármacos, herbicidas e nologia das explorações agrícolas, e levou, ainda,
sementes selecionadas foi também muito inferior a uma recomposição da relevância dos sistemas
à dos salários e da tração animal. A transformação de produção, com o progressivo esmorecer dos
e modernização tecnológica tornaram-se, assim, cereais de sequeiro, em particular do trigo – tra-
inevitáveis e repercutiram-se, nomeadamente, na dicional beneficiário do protecionismo agrícola –
Trabalho agrícola: percursos e modelos 27
e com o destaque ganho pela horticultura e pela vocação do território tal como tinha sido defen-
arboricultura (fruteiras, olival e vinha). Com a pre- dida, e logo abandonada, pela Agronomia portu-
valência destas produções, cumpria-se, afinal, a guesa, há mais de um século [Caixa 2].
1 Sertório do Monte Pereira (1858-1915) foi um dos mais destacados agrónomos portugueses. Professor, desde 1897, do Instituto de Agro-
nomia e Veterinária – de que o Instituto Superior de Agronomia é herdeiro – desempenhou também funções institucionais de grande
relevância: dirigente da Associação Central de Agricultura e, sobretudo, desde 1898, presidente do Conselho Administrativo do Mercado
Central de Produtos Agrícolas, organismo fundamental na gestão da política do trigo. Mais tarde, na República, viria a ser nomeado pre-
sidente da Junta do Crédito Agrícola. Da sua notável bibliografia, merece referência a análise da agricultura portuguesa (“A produção
agrícola”, em Notas sobre Portugal, 1908, pp. 103-135).
2 Segundo a convenção estatística, são “especializadas” as explorações em que 2/3 ou mais do Valor da Produção Padrão Total resulta
exclusivamente de uma atividade.
3 INE, Sistema de contas integradas das empresas
28 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
tria e os serviços. Em 1995, já só 12% se dedicavam atuais são indissociáveis das seguintes dimensões:
a tarefas agrícolas. rutura família/exploração, nas unidades familiares;
difusão das tecnologias químico-mecânicas; exter-
O trabalho regular, com horários rigorosos e, com nalização/terciarização; intensificação do recurso a
frequência, distante da habitação, alterou rotinas, trabalho eventual, associado ao fortalecimento do
obrigou a ajustar os tem- setor hortofrutícola.
pos dedicados ao trabalho A par do tempo parcial, consolidou-se
na terra e a adaptar os sis- também nas aldeias, desde 1969, a 3. Nas famílias agrícolas,
temas de produção. realidade das famílias cuja principais estas décadas marcaram
fontes de rendimento são as pensões e as grandes ruturas. Com o
A par do tempo parcial, reformas. êxodo, os filhos passaram a
consolidou-se também nas ter alternativas, para além
aldeias, desde 1969, a realidade das famílias cuja da continuidade no trabalho da terra, nos lugares
principais fontes de rendimento são as pensões e montes onde tinham nascido. Os pais deixaram,
e as reformas. Estas prestações alteraram o lugar assim, de ser o exemplo do que os filhos podiam
dos idosos na vida das famílias: na velhice já não ser, e os próprios pais passaram a reconhecer que
lhes é imprescindível procurar refúgio na casa de permanecer nas aldeias não era a melhor opção.
um filho ou filha. Passaram a poder sobreviver nas Esta mudança repercutiu-se, de imediato, na vida
suas casas e terras, mas adequando a produção às das famílias. Os que ficavam não tinham a suces-
capacidades que a idade lhes permite. são assegurada, deixavam de sentir a velhice acau-
telada e confrontavam-se com menos braços para
As famílias agrícolas cuja maior parte do rendi- o cultivo da terra. As pensões e reformas, já antes
mento é exterior à agricultura tornaram-se, assim, referidas, amorteceram o medo do envelhecimento,
na segunda metade do século passado, uma reali- mas para a menor disponibilidade de trabalho foi
dade diferenciada a consi- necessário enveredar pelas
Os saberes tradicionais aprendidos e
derar na análise do trabalho. novas tecnologias.
transmitidos no seio das famílias tiveram,
Atualmente, correspondem
a 82% do número de explo- assim, que dar lugar aos saberes técnicos Os saberes tradicionais
rações; acresce que 47% que permitem manusear motores e aprendidos e transmitidos
mobilizam menos de uma estimar adubações. Foi uma alteração no seio das famílias tive-
UTA, ou seja, são unidades decisiva, na relação com o trabalho, ram, assim, que dar lugar
a tempo parcial, e perto de cuja aprendizagem teve de se fazer com aos saberes técnicos que
50%, adentro das que usu- técnicos ou com vizinhos e familiares, já permitem manusear moto-
fruem da maior parte dos mais ilustrados. res e estimar adubações.
réditos do agregado familiar Foi uma alteração decisiva,
de fora da exploração, têm nas pensões e reformas na relação com o trabalho, cuja aprendizagem teve
a fonte prevalecente de rendimento. As caracterís- de se fazer com técnicos ou com vizinhos e familia-
ticas estruturais das explorações (trabalho familiar res, já mais ilustrados. Foram anos em que as políti-
ou assalariado; dimensão) e os três aspectos antes cas de formação profissional tiveram um lugar cen-
referidos – efeitos do mercado; saída continuada tral na modernização da agricultura familiar.
de população agrícola; um amplo setor de famílias
cujo rendimento é, na sua maior parte, exterior à A crescente escassez de braços e a motomecaniza-
agricultura – firmaram um (novo) enquadramento ção favoreceram a tendência para a individualiza-
dos modelos de trabalho agrícola, cujos contornos ção do trabalho nas unidades familiares, ou seja,
30 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
a produção passou, com frequência, a depender nho fundamental do trabalho na exploração agrí-
sobretudo da atividade de apenas um elemento. cola. Por sua vez, ao nível do tempo de trabalho na
Os outros membros da família encaram a explora- exploração – sob o pano de fundo, já referido, do
ção como um património ou veem nela a possibili- regime a tempo parcial na agricultura – a mutação
dade de a utilizarem para lazer, férias ou residência. relevante ocorre com os outros membros da família:
em 1990, a relação UTA/indivíduo cifrava-se em 0,35,
Esta situação tem vindo, nalguns casos, a propor- em 2005, 0,25 e em 2013, a proporção de unidades
cionar um novo percurso às unidades familiares. de trabalho por cada pessoa do grupo “outros mem-
Com a possibilidade crescente de recorrer a servi- bros da família” situava-se abaixo de 0,2.
ços exteriores para os trabalhos agrícolas, a execu-
ção destes pela família, ou por um dos seus elemen- 4. Desde os anos sessenta, generalizou-se e, pro-
tos, deixa de ser marcante e a exploração familiar gressivamente, intensificou-se o recurso à motome-
pode converter-se na exploração da família, aberta canização e à energia elétrica, aos químicos agríco-
às diferentes solicitações dos seus vários membros. las (adubos, fitofármacos, produtos para a sanidade
É uma adaptação certamente ainda de pouco vulto, animal, herbicidas), aos concentrados para a ali-
que não se descortina na mentação animal e a espé-
informação estatística, mas … a possibilidade crescente de recorrer cies melhoradas, vege-
que configura uma nova a serviços exteriores para os trabalhos tais e animais. Destaque-se
relação com o património agrícolas… É uma adaptação certamente que, por 1980, se conta-
e o trabalho agrícola. ainda de pouco vulto, que não se vam, nas explorações agrí-
descortina na informação estatística, mas colas do Continente, 62 300
O que os dados estatísticos que configura uma nova relação com o tratores (estavam em 7%
mostram é que, hoje, 72% património e o trabalho agrícola. das explorações), em 1995,
das explorações recorre a aquela contagem subia
mão-de-obra não familiar (em 1980, a proporção era para 120 000 (em 30% das explorações) e, em 2013,
de 43%) e, no seu âmbito, cerca de 90% apela a tra- para cerca de 136 000 (em 57% do universo de uni-
balhadores eventuais (60% por via da contratação dades agrícolas). Todavia, naquela primeira data já
de serviços a terceiros). E revelam também que o 53% das explorações utilizavam o trator que não
contributo das mulheres, que em 1980 se situava em lhes pertencia e dez anos depois tal quota ascendia
pouco mais de 50% na medida do trabalho na agri- a mais de 65%; em tempo seguinte, a fração aluguer
cultura do Continente, se fixa, na atualidade, abaixo de trator declina (40% em 2013): foi a mudança de
do limiar de 45%; mingua também a sua prestação sistemas produtivos, o incremento da motorização
no segmento do trabalho assalariado (39% no fim própria e da autonomização, e respetivo registo for-
dos anos de 1970, 31-33% no período subsequente mal, das empresas prestadoras de serviços (os “ser-
até aos dias de hoje), persistindo, contudo, em redor viços agrícolas”2). O conjunto destas transformações
dos 50% nos assalariados temporários. Expressiva tecnológicas foi comum aos países mais desenvolvi-
foi a mudança na assunção das mulheres tituladas dos, ainda que com ritmos e cronologias nem sem-
como produtores: no início da década de 1990, a sua pre coincidentes.
quota fixava-se em 15%; em 2013, o nível supera os
30%. Note-se, ainda, no respeitante ao trabalho da Os sistemas de produção incorporaram estas tec-
população agrícola familiar, que, se no final dos nologias e os resultados foram notórios. Aumentou
anos de 1980, a participação do cônjuge e de outros
membros da família se abeirava dos 55%, a partir 2 Na designação das Contas Económicas da Agricultura,
de 2000 passou a ser o produtor a ter o desempe- CEA (INE).
Trabalho agrícola: percursos e modelos 31
a produção, que, entretanto, a partir dos anos de • Por cada unidade produzida de bens agrícolas, o
1980, se vai manter sensivelmente estabilizada, num gasto envolvido (o total dos Consumos Intermé-
quadro de abaixamento dos preços dos principais dios, CI) vai subir de cerca de 0,4 unidades (€), na
géneros alimentares e de contínua diminuição da média dos anos 1980-85, para 0,65 em 2006-16.
mão-de-obra. Por exemplo, na cultura do arroz, em
• Tal ascendente acompanha o declínio contínuo,
Portugal, logo na primeira metade dos anos setenta,
e assinalável, da mão-de-obra convocada (em
houve casos em que a utilização da monda química
UTA): face a 1980-85, – 36% nos anos 1986-95,
e da motomecanização na plantação e na ceifa,
-53% em 1996-2005, -65% em 2006-16; decrés-
substituindo a tração animal e o trabalho manual na
cimo mais acentuado no trabalho familiar (quase
monda e na ceifa, diminuiu a mão-de-obra (horas/
menos 70% das 711 mil UTA contadas em 1980-
hectare/ano) de 2 780 para
85) do que nos assalariados
146. Esta mudança permi- A mudança repercutiu-se também na (-56% em 2006-16 em rela-
tiu a dispensa dos ranchos organização do trabalho. ção às 165 mil UTA avalia-
migratórios.
… Evidenciam-se os efeitos da das para a segunda metade
Alterou-se também o pró- motomecanização na divisão do trabalho,
da década de 1980)4.
prio trabalho agrícola. Em nas competências, nos agentes de • Assim, comparativamente
muitas operações ficou subcontratação e na feminização e à situação em 1980-85,
menos penoso – no esforço desvalorização do trabalho manual. Ou o volume de CI por cada
insano da ceifa, na violên- seja, a transformação tecnológica não foi unidade de trabalho, mul-
cia desmedida da cava da uma mera substituição, mas contribuiu tiplica-se por cerca de
vinha, na rotina violenta da decisivamente para as características da 2 nos anos de 1986-95,
rega com a picota ou cego- ordem rural e agrícola, desencadeada por perto de 4 em 1996-
nha,… – e cessaram sociabi- pelo êxodo populacional. 05 e por quase 6 vezes na
lidades e rituais associados média dos anos 2006-16.
ao trabalho manual e às tecnologias tradicionais (os
• Percurso que segue de par com o crescendo do
cantos na ceifa, as descamisadas do milho, a pisa
montante de Formação Bruta de Capital Fixo5
das uvas,…). A mudança repercutiu-se também na
organização do trabalho. Num estudo sobre a cul-
4 Assinala-se, a propósito do ascendente de relevo do tra-
tura da vinha, em Portugal, evidenciam-se os efei-
balho assalariado, a individualidade da agricultura no
tos da motomecanização na divisão do trabalho, seio dos demais ramos de atividade da economia nacio-
nas competências, nos agentes de subcontrata- nal: o menor peso do assalariamento (avaliado pela rela-
ção e na feminização e desvalorização do trabalho ção entre os valores das remunerações e da produção),
manual. Ou seja, a transformação tecnológica não embora em aumento, e, em contraponto, a maior expres-
foi uma mera substituição, mas contribuiu decisiva- são, ainda que em diminuição, do agregado rendimento
misto (ou Excedente Bruto de Exploração, EBE, é a forma
mente para as características da ordem rural e agrí-
de remuneração do trabalho dos proprietários ou membros
cola, desencadeada pelo êxodo populacional.
da família de unidades não constituídas em sociedade do
setor das famílias …, característica da actividade agrícola)
Desde os anos oitenta, a intensificação tecnológica face ao valor da produção – é a relevância das agricultu-
da agricultura acentuou-se fortemente, como evi- ras familiares (cf. INE, 2017, Sistema Integrado de Matrizes
denciam os indicadores seguintes3: Simétricas Input-Output 2013 e Id. 1999, inhttps://www.ine.
pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_cnacionais).
3 Com base em INE, Contas Económicas da Agricultura. Os 5 FBCF: produtos agrícolas – plantações e animais – e pro-
valores dos agregados económicos são a preços constan- dutos não agrícolas – máquinas e outros materiais, edifí-
tes de 2011 e a produção está valorada a preços base. cios e outros
32 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
Figura 1. Produção de bens agrícolas, trabalho e motorização: anos parte dos gastos com intermediação
1980-2016 monetária7 e, ainda, uma panóplia de
250 outros consumos – onde é saliente a
vertente terciarização da agricultura
200 – congregada nas Contas da agricul-
tura sob o apelativo de “outros bens
150
e serviços”8. De reter, neste contexto,
a articulação da economia da agri-
100
cultura nas Contas Nacionais9. É a
50 52
vista dos fluxos de bens e serviços
28 carreados de outros ramos da eco-
0 nomia para a agricultura que se
1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015
resume: para além dos advenientes
Prod. de Bens Agrícolas Trabalho Máq./Equip. 5 per. Mov. Avg. (Prod. de Bens Agrícolas)
das indústrias que integram o desig-
nado complexo agroflorestal – onde,
Nota: Valores de base: dos agregados económicos (produção e FBCF) a preços constantes de 2011; trabalho em unidades de trabalho
ano (UTA); máquinas e equipamentos (Máq./Equip.) – indicador correspondente à soma dos valores de Formação Bruta de Capital Fixo no caso, a expressão é das indústrias
(FBCF) em máquinas e equipamentos e de Consumos Intermédios de Energia e Lubrificantes e de Manutenção e Reparação de Mate-
rial e Ferramentas alimentares por via das aquisições
Fonte: INE, CEA
de “alimentos para animais” –, des-
tacam-se os abrangidos em “outros
(FBCF) disponibilizado por unidade de trabalho: bens e serviços” a que acima se aludiu. Assim, de
o valor da FBCF em produtos não agrícolas por forma simplificada, há bens incorporados dos “pro-
UTA é em 2006-16 cerca de 9 vezes o cômputo de dutos químicos e fibras sintéticas” (para além de
1980-85 e o segmento de máquinas e materiais adubos e de pesticidas e de outros produtos agro-
passa de 3 vezes o patamar dos anos 1980, na pri- químicos, as matérias plásticas e as embalagens de
meira década pós adesão à UE, para 7 em 1996- plástico), de “têxteis” (cordas, cabos, cordéis …), de
2005 e acima de 16 vezes na média de 2006-16. “outros produtos minerais não metálicos” (embala-
gens de vidro), de “produtos Nas unidades familiares, onde antes se tema que, de algum modo,
metálicos” (bidões, tonéis, mobilizava a entreajuda, a nível local, retoma o que se passou com
caixas e outras embalagens beneficia-se agora, dada a grande os ranchos migratórios.
de ferro e aço); e há os ser- melhoria nas condições de mobilidade, da
viços relativos às vendas, vinda de familiares e amigos da cidade, Nas unidades familiares,
aos transportes e comu- durante um fim-de-semana ou umas onde antes se mobilizava
nicações, à informação e a entreajuda, a nível local,
curtas férias.
comunicação, à consultoria beneficia-se agora, dada a
Nas explorações capitalistas, tem
e às atividades financeiras e grande melhoria nas con-
sobressaído o recurso à utilização de
jurídicas. dições de mobilidade, da
trabalho migrante, que atualmente não
vinda de familiares e ami-
6. O fortalecimento e a
são ranchos migratórios que vêm do gos da cidade, durante um
expansão da hortofruticul- Centro Litoral ou das Beiras para a ceifa fim-de-semana ou umas
tura, nas últimas décadas, dos cereais, mas pessoas recrutadas curtas férias.
deram maior dimensão ao noutros países (os trabalhadores
recurso a trabalho even- imigrantes). Nas explorações capita-
tual, em especial nas ope- listas, tem sobressaído
rações em que se concentram grandes necessidades o recurso à utilização de trabalho migrante, que
de mão-de-obra, em períodos limitados. Este é um atualmente não são ranchos migratórios que vêm
do Centro Litoral ou das Beiras para a ceifa dos entre modalidades de agricultura no tocante aos
cereais, mas pessoas recrutadas noutros países (os assalariados eventuais: a parcela maioritária tem
trabalhadores imigrantes). Esta realidade tem hoje o seu desempenho nas agriculturas familiares.
uma dimensão incontornável pois, apesar da sua
grande invisibilidade social e estatística, não faltam • Ainda não são as orientações produtivas horto-
notícias e evidências da sua relevância. -arborícolas que dominam o trabalho agrícola
(43% do total das unidades de trabalho). Entre-
A motivação central para esta importação de traba- tanto, vislumbram-se diferenças no tipo de mão-
lhadores são os diminutos salários que lhes pagam -de-obra mobilizada por estas orientações: a) de
e a dependência, em que ficam, das entidades con- imediato, a proximidade de importância do tra-
tratantes. A estes dois aspetos acresce ainda – como balho familiar e assalariado na horticultura, o que
antes com os ranchos migratórios – as muito defi- não é o caso na arboricultura que, em linha com
cientes, e com frequência inaceitáveis, condições as demais orientações técnico-económicas (OTE),
de vida e de trabalho a que estão sujeitos [Caixa 3]. persiste na dependência expressiva de trabalho
familiar (em redor de 80%); b) depois, a posição
7. Aqui chegados, para além da informação reunida cimeira da horticultura no respeitante à afetação
no Anexo, ficam alguns destaques de uma observa- dos assalariados, sejam os permanentes, sejam
ção, na atualidade, do trabalho nas grandes moda- os eventuais; c) em terceiro lugar, o contraste
lidades da agricultura do Continente português entre a especialização arboricultura e o conjunto
– agriculturas familiares e não familiares – e na hor- de outras OTE: naquela, o ascendente do peso
tofruticultura (ver Anexo). do trabalho temporário, neste, o dos assalaria-
dos permanentes.
• Desde logo o quadro geral: a) mais de 90% das
unidades de trabalho concentram-se nas agricul- • Maior impacte do trabalho temporário (contra-
turas familiares que, contudo, em média, empre- tado pelo produtor ou através do recurso a ser-
gam pouco mais de uma pessoa a tempo com- viços por terceiros) na arboricultura do que nas
pleto – o que compara com cerca de seis vezes unidades especializadas na horticultura, ou seja,
mais na grande agricultura não familiar; b) o nestas, o apelo aos trabalhadores permanentes é
enorme fosso nos valo- mais relevante.
… uma profunda transformação
res económicos gerados
tecnológica aparece associada • Por fim, no reporte ao tra-
por unidade de trabalho
ao desenvolvimento da balho por contrato de ser-
entre agricultura fami-
externalização/terciarização que viços a terceiros, seguem-
liar e não familiar: nesta,
tem contribuído para reconfigurar -se, como destaques: a) por
mais de 9 vezes os rédi-
o quadro institucional do trabalho um lado, no total do traba-
tos, médios, por exem-
agrícola… lho temporário, a proximi-
plo, da agricultura fami-
dade de peso relativo, nas
liar em que prevalecem
agriculturas familiares e não familiares, quer na
as pensões nas fontes de rendimentos exteriores
média global dos sistemas produtivos, quer na
à atividade da exploração.
arboricultura, mas não na horticultura (maior
• Naturalmente, o trabalho assalariado está sobre- relevância nas agriculturas familiares); b) por
tudo alocado às agriculturas não familiares (mais outro lado, a supremacia, no âmbito das unida-
de 65%), fatia que tem um aumento expressivo des especializadas na horticultura, das agricultu-
no que respeita aos trabalhadores permanentes ras familiares face às não familiares no apelo ao
(acima de 80%); todavia, é relevante a partição trabalho não contratado diretamente pelo produ-
Trabalho agrícola: percursos e modelos 35
tor, o que contrasta com o relativo equilíbrio de As alterações verificadas não apagaram, também,
proporções no conjunto dos sistemas produtivos. nos modelos de trabalho agrícola, a diferencia-
ção entre as explorações familiares e as capitalis-
8. O trabalho agrícola regis- tas. Esta diferenciação é
tou, no último século, gran- No caso do trabalho eventual, nas marcada sobretudo pelas
des mudanças onde sobres- operações em que há uma grande características distintas do
saem a contínua retração necessidade de mão-de-obra num trabalho familiar e do tra-
dos que dele se ocupam e período reduzido, tudo mudou mas tudo balho assalariado, este pre-
uma profunda transforma- ponderante nas unidades
ficou na mesma. Antes, eram os cereais
ção tecnológica. Esta apa- empresariais. O primeiro,
e os ranchos de ratinhos; hoje, são as
rece associada ao desenvol- na sua gestão e renume-
hortofrutícolas e o trabalho imigrante.
vimento da externalização/ ração, é o objetivo central
Antes, eram as más condições de vida, de
terciarização que tem con- das unidades familiares. O
tribuído para reconfigurar trabalho e de renumeração; hoje, tudo segundo, nas explorações
o quadro institucional do isto se mantém. capitalistas, é um custo, a
trabalho agrícola, multipli- reduzir o mais possível.
cando o número de intervenientes, e para possibi-
litar o emergir de novas possibilidades de organiza- Referências bibliográficas
ção dos sistemas de produção, na medida em que
a gestão destes possa deixar de depender dos equi- Baptista, Fernando Oliveira (2010), O Espaço Rural. Declínio
pamentos e competências, de que dispõe interna- da Agricultura. Oeiras: Celta Editora
Anexo
avaliação com base em INE (Inquérito à estrutura das expl. agrícolas 2013 e Recenseamento Agrícola 2009 – apuramento específico, desenhado por J. C. Rolo e F. Cordovil, solicitado ao INE pelo GPP/MA que também pro-
cedeu à validação da congruência da informação).
Quadro 2. Repartição (%) dos tipos de mão-de-obra (em UTA) por modalidades de agricultura
Assalariada
% em coluna Total Familiar
Total Perman. Outros (a)
Global 100 100 100 100 100
Total 82,4 98,8 32,7 17,9 55,1
> 50% Rend. EA 16,4 17,2 12,3 9,6 16,0
Agriculturas
Familiares Total 66,0 81,6 20,4 8,4 39,2
> 50% Rend.
Exter. EA das quais >
36,5 46,0 9,1 2,9 19,0
pensões
Total 17,6 1,2 67,3 82,1 44,9
Agriculturas
Empresário e Total 16,6 1,2 64,2 77,7 43,5
não familiares
sociedades Grandes 8,5 0,8 27,5 33,7 18,0
(a) Correspondem aos trabalhadores não contratados regularmente (os eventuais/temporários), seja pelo produtor/titular de exploração, seja não diretamente pelo produtor. Outras notas e fonte: idem quadro 1.
Quadro 3. Repartição e composição (tipo de mão-de-obra) das unidades de trabalho (UTA) por OTE especializadas na
horticultura e na arboricultura
Quadro 4. Importância do trabalho assalariado e da mão-de-obra eventual por modalidades de agricultura e nas OTE
especializadas na horticultura e na arboricultura
“Todo o mundo é composto de mudança” rado poema de Fernando Pessoa, faz parte do qua-
dro!
Quem não tem, no cantinho da sua memória, for- Ela canta, pobre ceifeira,
mada de vida ou de ideias lidas ou ouvidas, a Julgando-se feliz talvez;
figura do agricultor e do trabalhador rural agarrado Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
à enxada, a segurar o arado, ou os ranchos deslo- De alegre e anónima viuvez,
cando-se de umas regiões para outras em busca
Ondula como um canto de ave
de trabalho? Ou quem não retém a lembrança da
No ar limpo …
praça da jorna onde o poder da procura de traba-
lho, representado pelo capataz dos proprietários, Fernando Pessoa in Athena, nº 3, Lisboa, dez 1924
enfrentava os trabalhadores isolados? Ou ainda a
recordação de quando o trabalho de sol a sol era Se fosse nos dias de hoje e nas suas circunstân-
a norma para muitos e todo o solo mais ou menos cias, certamente a ceifeira não estaria no centro
arável era utilizado, quando da construção de Pessoa…
a floresta fazia parte da … a norma na trajetória evolutiva da Com efeito, a norma na tra-
vida e atividade do agri- atividade humana em geral é a mudança, jetória evolutiva da ativi-
cultor (integração), quando não se podendo esperar outra coisa da dade humana em geral é a
os agricultores esperavam atividade agrícola. mudança, não se podendo
pelos intermediários, que, esperar outra coisa da ativi-
segundo lhes diziam, “ficavam com o lombo e lhes dade agrícola. Compreende-se, aliás, que a própria
deixavam os ossos”? Até a pobre ceifeira que can- mudança apresente aspetos inesperados, situação
tava, e que serviu de elemento central a um inspi- que já Luís de Camões tinha intuído quando nos
últimos versos do soneto “Mudam-se os tempos”
escrevia:
E afora este mudar-se cada dia, económica das explorações, sendo, no entanto,
Outra mudança faz de mor espanto, conveniente elencar um conjunto de características
Que não se muda já como soía. que diferenciam o setor agrícola, pois, muitas vezes,
estão na origem dos problemas que surgem: a sazo-
Luís de Camões in Sonetos
nalidade de muitas produções e a incerteza quanto
ao volume de produção, dependente das condições
Mas a mudança que vai ocorrendo na atividade
climáticas; a produção de produtos perecíveis e a
agrícola e no espaço rural não é, muitas vezes, per-
necessidade de estes terem níveis de qualidade e
cebida a tempo, por não
de sanidade alimentar ade-
se estar atento aos sinais Mas a mudança que vai ocorrendo na
quados.
iniciais e não se entender atividade agrícola e no espaço rural não
a sua força e a sua neces- é, muitas vezes, percebida a tempo, por Não devem, entretanto,
sidade. Pior só quando
não se estar atento aos sinais iniciais esquecer-se duas outras
ideias preconcebidas ou do
e não se entender a sua força e a sua situações incontornáveis
“dever ser no futuro” criam
necessidade. para o setor. Em primeiro
obstáculos ao seu desen-
lugar, longe de ser sua
volvimento natural.
especificidade exclusiva, aponta-se, como regra, a
não influência da exploração na formação dos pre-
Antecipação ou ajustamento à mudança ços, o que implica um acréscimo de incerteza face
ao respetivo nível e evolução. Em segundo lugar,
Simplificando o possível, entende-se por explora-
o quadro crescente das exigências da regulação
ção agrícola uma entidade onde recursos escas-
que a política impõe e com que condiciona o setor.
sos de terra, trabalho e capital são organizados
Neste último aspeto, a política, quer na sua face
de modo a obter um determinado resultado eco-
regulatória quer na sua face de subsidiação, não
nómico. Entendem-se como incluídas na análise
pode deixar de, ao ter implicações sobre as deci-
todas as explorações, quer sejam de tipo familiar,
sões dos agricultores, ter influência sobre a eficiên-
quer sejam de tipo empresarial. Naquelas, o sus-
cia do setor, podendo criar situações de dificuldade
tento e a melhoria das condições de vida da famí-
de acesso de novos atores.
lia são o objetivo dos seus elementos; nestas, o fim
último tem a ver com a remuneração dos capitais
Em última análise, a atividade agrícola subordinada
próprios investidos.
à troca (mercado) baseia-se na equação Resulta-
dos = Proveitos – Custos (R=P-C). É no comporta-
De qualquer modo, o agri-
mento destas variáveis que
cultor naqueles dois enqua- … a atividade agrícola subordinada à
se joga a necessidade de
dramentos pode desempe- troca (mercado) baseia-se na equação
mudança. Ou porque houve
nhar, simultaneamente, os Resultados = Proveitos – Custos (R=P-C).
uma abertura de mercados
papéis de empresário, capi- É no comportamento destas variáveis que
e as receitas baixaram, ou
talista, gestor e trabalhador.
se joga a necessidade de mudança. porque uma nova tecnolo-
Mas pode também ser capi-
gia tem impacto na produti-
talista, empresário e gestor ou apenas capitalista e
vidade ou nos custos unitários, ou ainda porque os
empresário.
resultados obtidos com os recursos aplicados ficam
aquém dos que se obteriam noutras atividades ou
Embora relevantes, não se consideram na análise
aplicações.
questões associadas à dimensão quer física quer
A necessidade aguça o engenho (ou Como o setor agrícola vai tentando resolver os seus problemas) 41
A variação daquelas variáveis origina ao nível do rativo que permitiu estabilidade dos preços, maior
agricultor e empresário agrícola um comporta- qualidade do produto final, aumento da dimensão
mento que o leva a procurar encontrar os mecanis- da cadeia de valor, e nova lógica dos recebimen-
mos e processos que permitam a manutenção ou a tos. A prática da comercialização veio mostrar-lhe,
melhoria da sua situação, representada nos resulta- por um lado, a influência que o risco de ocorrerem
dos, variável dependente das outras duas. situações penalizadoras para a exploração poderia
ter sobre os resultados e, por outro, a necessidade
Variação nos proveitos? de especialização para chegar ao mercado final.
Também lhe evidenciou os custos que uma ligação
As receitas de uma exploração agrícola dependem direta a esse mercado impunha.
dos preços e das quantidades vendidas da produ-
ção. O seu volume depende ainda da dimensão da Os ganhos conseguidos na fase de expansão das
cadeia de valor do produto dentro da exploração. cooperativas agrícolas (por exemplo no leite, vinho,
azeite, fruta) tiveram resposta do setor da interme-
A norma é os preços serem formados sem inter- diação que se modernizou e levaram ainda à ocor-
ferência da exploração, dependendo das quanti- rência do fenómeno, sobretudo nas explorações
dades oferecidas (e procuradas) nos mercados, agrícolas de maior dimensão, da concentração da
podendo, no entanto, ser cadeia produtiva na esfera
diferenciados à luz de cri- Sem … fazer uma análise exaustiva dos da exploração, de que
térios como a qualidade ou canais de acesso ao mercado final, … resultou a secessão de mui-
ao seu carácter único. Se refere-se que nesse acesso prevalecem as tas explorações das coope-
a exploração consegue um empresas de distribuição, as cooperativas rativas ou de empresas de
produto diferenciado pode e outras associações, empresas intermediação a que esta-
conseguir maior poder agroindustriais, cadeias de distribuição, vam associadas ou ligadas.
de mercado, pelo menos e só residualmente o agricultor e o Ocorreu ainda a emergên-
temporariamente, e obter intermediário tradicional. cia de sociedades baseadas
melhores preços. em explorações agrícolas,
cujo objetivo era o domínio de algumas funções na
Sem querer fazer uma análise exaustiva dos canais cadeia produtiva. Desenvolveram-se contratos rela-
de acesso ao mercado final, mas tão-somente evi- tivos à compra de produtos agrícolas, entre agricul-
denciar que houve ao longo do tempo dominân- tores e empresas baseadas ou não em explorações
cias diversas, refere-se que nesse acesso prevale- agrícolas e que tinham como centro a atividade
cem as empresas de distribuição, as cooperativas agroindustrial. Os agricultores passaram a fazer
e outras associações, empresas agroindustriais, parte de clubes de produtores mediante o cum-
cadeias de distribuição, e só residualmente o agri- primento de cadernos de encargos definidos pelas
cultor e o intermediário tradicional. Tal é o resul- grandes cadeias de distribuição.
tado das grandes mudanças ocorridas na distribui-
ção e na cadeia de valor dos produtos agrícolas. Em Com efeito, a observação empírica permite consta-
termos temporais e na perspetiva do agricultor, esta tar que a atividade agrícola foi, ao longo do tempo,
situação começou com a perceção da diferença tentando novas formas de organização na sua liga-
entre os preços que os intermediários pagavam à ção ao mercado que lhe permitisse ganhos quer
saída da exploração e o preço no consumidor final. através da ligação direta ao mercado final, quer
Embora essa perceção assentasse, em parte, numa pelo controlo direto da cadeia de valor da produ-
ilusão, implicou a expansão do movimento coope- ção agrícola, ou, pelo contrário, pela especialização
42 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
na produção primária com minimização do risco Em conclusão, do lado dos proveitos (vendas), os ser-
comercial, financeiro ou de tesouraria. viços agrícolas não são evidentes, a não ser no caso
de associações e cooperativas agrícolas, já que estas
Em síntese, a busca da melhor opção de organi- são, por definição, uma extensão dos próprios agri-
zação tem apresentado várias soluções mais ou cultores e, portanto, as operações que desenvolvem
menos importantes ao não resultam, formalmente,
longo do tempo, com dife- … a atividade agrícola foi, ao longo de uma relação cliente-for-
renciação por setor de ativi- do tempo, tentando novas formas de necedor, sendo sim desen-
dade. A característica mais organização na sua ligação ao mercado volvidas em nome e a favor
interessante é a não cristali- que lhe permitisse ganhos quer através dos seus sócios. Nas outras
zação numa única solução, da ligação direta ao mercado final, quer soluções em que o agricul-
antes o aparecimento de pelo controlo direto da cadeia de valor tor ou alargou o seu papel
novas soluções merecedo- da produção agrícola, ou, pelo contrário, de empresário, ou aprofun-
ras de serem consideradas pela especialização na produção primária dou o seu papel de forne-
no banco das soluções de com minimização do risco comercial, cedor, encontram-se dife-
resolução de dificuldades. financeiro ou de tesouraria. rentes opções. Tal sugere
uma significativa margem
Por seu lado, a variável quantidades produzidas, de manobra na escolha da solução que maximize
dependendo da produtividade da terra, do capi- os objetivos económicos do agricultor ou do empre-
tal (capacidade tecnológica) e do trabalho (ade- sário agrícola, nomeadamente, quando a ligação ao
quação às tecnologias utilizadas), pode apresentar mercado passa por operações de transformação dos
variações bastante pronunciadas. A produtividade produtos agrícolas. Não consegue fugir, no entanto,
da terra em condições tecnológicas normais será de um conjunto de condicionalismos: período de
o elemento diferenciador e que permitirá maior fidelização à entidade compradora ou transforma-
poder a quem detém as melhores terras, através dora, pagamentos diferidos, exigência de níveis de
de um certo poder de monopólio expresso através qualidade mínimos, critérios de qualidade diferen-
de maiores rendas ou do consequente maior valor ciadores do preço, etc.
da terra. As atividades cuja diversificação é apon-
tada como elemento de combate ao risco tendem Variação dos custos?
para a especialização tanto na exploração como na
região (vinha, leite, olival, fruticultura, horticultura, Custos de capital
pecuária). As melhores práticas de umas explora- No capital de uma exploração agrícola, consti-
ções são seguidas por outras, no sentido de obte- tuindo o seu ativo imobilizado, podem identificar-
rem melhores resultados. -se de forma simples: Terra e respetivas Benfeitorias
(Melhoramentos Fundiários, Plantações, Constru-
Na variação dos proveitos há ainda as situações de ções) que constituem o Capital Fundiário, Capital
plurirrendimento que o agricultor utiliza para man- Fixo Vivo (Animais Reprodutores) e Capital Fixo Ina-
ter o seu rendimento no caso de os resultados agrí- nimado (Máquinas, Alfaias, Equipamentos).
colas descerem abaixo de um nível mínimo dese-
jado ou para os melhorar a partir de oportunidades Relativamente à Terra, o seu custo (de oportuni-
oferecidas pela própria exploração quer com ativi- dade) tem base teórica idêntica, qualquer que seja
dades aí centradas, quer com a utilização do seu a origem (via herança, aquisição, arrendamento):
tempo de trabalho disponível noutras atividades a remuneração que o capital equivalente teria em
fora da exploração. situação normal de mercado. A diferença estaria
A necessidade aguça o engenho (ou Como o setor agrícola vai tentando resolver os seus problemas) 43
necessário ou não estejam em excesso, são decisões Ou podem ter origem em decisões tomadas pelo
fulcrais no processo de definição e funcionamento agricultor, visando tornar a sua atividade eficiente
do sistema de produção. Com igual importância ou mais eficiente. No primeiro grupo estão a fisca-
surgem a definição do cliente, a forma de acesso lidade, sanidade animal e vegetal, regras ambien-
ao mercado final, o domínio da tesouraria; noutro tais, o próprio processo associado às ajudas ao
contexto, a definição dos diversos riscos (seguros), setor (regulação). No segundo, serviços específicos
a identificação das exigên- ligados ao processo pro-
cias da produção (assistên- … as mudanças que têm ocorrido no dutivo, decorrentes ou não
cia veterinária, fitossanitá- sentido de a exploração agrícola se de novas práticas agrícolas
ria, de certificação
) ou do tornar mais eficiente (o que, em última ou resultantes de diversifi-
quadro técnico necessário instância, significa produção com custos cação das atividades, ser-
e adequado (produção, téc- unitários mais baixos) fazem apelo viços associados a máqui-
nica de produção, contabili- cada vez maior à utilização de serviços nas e equipamentos, quer
dade, informática). externos à exploração. sejam serviços de aluguer
ou de reparação, ou ainda
Seguindo a estrutura das contas do SNC (Sistema serviços relacionados com os riscos que a explo-
de Normalização Contabilística), apresentam-se de ração pode enfrentar. Isto é, mesmo na situação
forma esquemática os principais custos de funcio- em que o agricultor assume os diversos papéis de
namento que a exploração agrícola pode enfrentar, capitalista, empresário, gestor e trabalhador quali-
de acordo com a sua origem: ficado ou não qualificado, as mudanças que têm
• nos fornecedores de bens (mercadorias, maté- ocorrido no sentido de a exploração agrícola se tor-
nar mais eficiente (o que, em última instância, sig-
rias-primas, subsidiárias, ativos biológicos) cuja
nifica produção com custos unitários mais baixos)
integração no processo produtivo implica a deter-
fazem apelo cada vez maior à utilização de serviços
minação dos respetivos custos
externos à exploração.
• nos fornecedores de serviços (serviços técnicos,
informáticos, serviços de contabilidade, análises De forma simples, o objetivo de tal comportamento
laboratoriais, aquisição de eletricidade, combus- é fazer com que os custos da exploração estejam
tíveis e água, transporte de pessoal, transporte de estritamente associados às funções que são neces-
mercadorias, rendas e alugueres de terrenos, edi- sárias e ao tempo da sua execução. A inadequação
fícios e de equipamentos, comunicação, seguros, das máquinas de uma exploração às suas necessi-
publicidade, …) dades e o custo adicional que tal representa é um
exemplo recorrente para ilustrar a situação. Deste
Como facilmente se verificará, grande parte das modo, se o agricultor encontra a oferta necessária
mudanças que ocorrem no processo agrícola vão e adequada de tais serviços poderá, em qualquer
ter expressão nesta classe de custos, tendo como momento, optar pela utilização de recursos exterio-
contrapartida a sua redu- res à exploração. Natural-
ção, eventualmente, na Esta é a questão crítica do futuro: a mente, apenas o fará se daí
classe do pessoal e da existência da oferta necessária de retirar benefício económico
depreciação e amortização serviços! e desde que não lhe traga
dos ativos. Estas mudanças riscos adicionais por não
podem ter na sua origem exigências impostas pela controlar diretamente esses recursos (tempo e qua-
regulação, resultantes de exigências gerais a todas lidade). Esta é a questão crítica do futuro: a existên-
as atividades ou de exigências específicas ao setor. cia da oferta necessária de serviços!
A necessidade aguça o engenho (ou Como o setor agrícola vai tentando resolver os seus problemas) 45
ciados às novas exigências, nomeadamente em ter- resultados ideais desligados do quadro de funcio-
mos fiscais, pese embora a possibilidade de utili- namento daquele espaço não neutralizam as res-
zação pelos pequenos agricultores de um regime petivas consequências. Daí resultam dificuldades
simplificado, em alternativa ao regime de contabi- na definição de políticas ajustadas e eficazes, já
lidade organizada. Todos os rendimentos obtidos que o desaparecimento de um modo de produ-
pelas explorações agrícolas, sejam de atividades zir, e da organização do espaço que lhe está asso-
agrícolas, silvícolas ou pecuárias (vendas ou pres- ciado, implica mudanças para esse espaço. Querer
tações de serviços) sejam de subsídios, de diverso replicar modos de fazer do passado em novas situa-
tipo, destinados quer à exploração quer à aquisi- ções tem todas as condições para não produzir os
ção de equipamentos, são tributados (embora pos- efeitos desejados. Analogamente, a atuação des-
sam ficar dispensados de tributação até determi- ligada do modo de organização da produção dos
nado montante). A determinação do rendimento novos atores, nesse espaço, terá todas as condições
tributável no regime simplificado, mesmo para os para não obter os resultados pretendidos ou, pelo
muito pequenos agricultores é feita através da apli- menos, para ser ineficiente e, portanto, com prazo
cação de coeficientes sobre os diferentes proveitos à vista! A questão da gestão da floresta, longe dos
(IRS anexo específico do Modelo 3). Tal implica o dias em que essa gestão estava integrada na explo-
pressuposto de que os resultados da exploração são ração agrícola, evidencia essa dificuldade.
sempre positivos, o que, como se sabe, poderá não
ser o caso. Variação dos resultados?
Sendo um regime simplificado, os titulares dos ren- Conscientes dos distintos objetivos que podem ser
dimentos desta categoria que não possuam conta- atribuídos às empresas familiares e não familiares,
bilidade organizada são obrigados, de acordo com e que levam à definição de conceitos de resulta-
as operações desenvolvidas, a efetuar os registos dos adequados a cada uma dessas situações, opta-
nos seguintes livros: de compras de mercadorias e -se pela forma simplificada de que, aliás, se partiu:
de matérias-primas e de consumo; de vendas de R=P-C. Ainda no campo das simplificações, supõe-
mercadorias e de produtos fabricados; de servi- -se que nos resultados R está contida a remunera-
ços prestados; de movimentos de produtos, gado, ção do fator de produção Terra e do fator de pro-
materiais e de imobilizações. Resulta, assim, que, dução Capital (nos custos C estariam incluídas as
não sendo obrigados a dispor de contabilidade rendas pagas e amortizações do imobilizado, mas
organizada, têm de possuir um sistema de conta- não o seu custo de oportunidade; de igual modo,
bilidade que satisfaça os requisitos adequados ao os juros também se supõem incluídos).
correto apuramento e fiscalização dos impostos.
Assim, em condições de normal remuneração dos
Embora esses custos sejam definidos com alguma fatores, R teria de ser igual (ou maior) às remune-
flexibilidade de aplicação, no sentido de minimizar rações que o capital equivalente à Terra e o capi-
os seus impactos sobre as explorações, não dei- tal equivalente ao restante imobilizado receberiam
xam de constituir um peso adicional. Os custos da numa aplicação alternativa. Deste modo:
passagem para uma base formal não se resumem
R ≥ Remunerações normais da Terra e Capital.
exclusivamente ao detentor ou gestor do patrimó-
nio. O espaço rural também sofre as consequências, Da igualdade R=P-C pode resultar:
não se medindo, em regra, tal facto na definição
de políticas de incidência geral. A não considera- R≤0;
ção destes impactos e a preocupação apenas com R>0.
A necessidade aguça o engenho (ou Como o setor agrícola vai tentando resolver os seus problemas) 47
e o IRC incidirem sobre estes subsídios provenien- Sobretudo, zonas com fraca aptidão agrícola, quer
tes de impostos pagos, sobretudo, por contribuin- em qualidade quer em dimensão. O que permitirá
tes estrangeiros). Este assunto (dos efeitos da polí- um repovoamento baseado em atividade rentável
tica) é de grande relevo no âmbito de estudos sobre ou viável? E um novo reordenamento do espaço e
o futuro das explorações, sendo o elemento diferen- da paisagem? Aquele espaço voltará a ter uma qual-
ciador nos estudos da viabilidade e rentabilidade quer atividade económica?
das explorações. Outra
questão é o efeito que pro- A primeira área crítica da mudança A diminuição da população
duzem no comportamento resulta do definhamento progressivo das das áreas rurais, que sem-
dos agricultores e deciso- explorações até ao abandono total da pre teve caminho aberto
res agrícolas. A sua perma- para o estrangeiro e os
atividade agrícola, não sendo situação
nência em prazo mais ou grandes centros urbanos,
isolada acontecer que, em algumas zonas
menos alargado (costuma apresentou, na fase recente
rurais, deixem de existir explorações
ouvir-se dizer que é pre- de grandes alterações no
agrícolas.
ciso aproveitar bem os fun- setor agrícola, movimentos
dos do próximo programa comunitário, porque é que passaram primeiro por centros urbanos com
bem possível que seja o último!...) tem influência na forte ligação ao rural, ao nível dos concelhos e dos
forma como a gestão é exercida, através da mode- próprios distritos. Tal ainda permite soluções, pela
ração que a segurança e estabilidade lhe assegu- permanência dos recursos necessários em zonas
ram, face à ação exclusiva do mercado. de proximidade acessíveis, que contrariem o aban-
dono de espaços anteriores ocupados.
Áreas críticas
Na verdade, os problemas que o setor hoje enfrenta
Os problemas que o setor agrícola sempre enfren- exigem novas soluções. Os recursos humanos dis-
tou levaram a que seja hoje constituído por um poníveis serão os necessários e qualificados para
conjunto de explorações com determinada orien- as soluções mais eficientes em determinadas zonas
tação produtiva, dimensão física e económica. Mui- rurais? A mobilidade mais fácil e a possibilidade de
tas foram as pessoas que nelas aplicaram os seus alguns trabalhos se poderem fazer à distância dimi-
recursos e viveram direta- nui a área crítica do traba-
mente dos seus produtos. A mobilidade mais fácil e a possibilidade lho que se coloca quer ao
Muitas delas foram resol- de alguns trabalhos se poderem fazer nível do trabalho perma-
vendo ao longo do tempo à distância diminui a área crítica do nente, eventual ou através
os seus problemas, outras trabalho que se coloca quer ao nível de prestação de serviços.
não, em processos abrup- do trabalho permanente, eventual ou
tos ou prolongados, que através de prestação de serviços. A utilização da prestação de
levaram ao encerramento serviços pode ser feita a par-
de explorações e ao consequente abandono do tir de trabalhadores individuais e a partir de empre-
espaço rural por parte dessas pessoas. sas que terão na obtenção dos recursos necessários
uma das suas preocupações centrais. Os concelhos
A primeira área crítica da mudança resulta do defi- inseridos em zonas agrícolas podem ter capaci-
nhamento progressivo das explorações até ao dade para a geração de várias empresas de pres-
abandono total da atividade agrícola, não sendo tação de serviços, o que é bom para as explora-
situação isolada acontecer que, em algumas zonas ções pela existência de concorrência. A capacidade
rurais, deixem de existir explorações agrícolas. de gerar outras atividades que possibilitem dispo-
A necessidade aguça o engenho (ou Como o setor agrícola vai tentando resolver os seus problemas) 49
nibilidade para satisfazer a sazonalidade do traba- com maior aptidão agrícola, natural ou construída
lho agrícola pode ser determinante. A qualificação pelo homem. Quer uma quer outra são elemen-
necessária só será elemento crítico no curto prazo. tos que contribuem para a existência de empresas
De qualquer modo, esta concentração de proximi- de prestação de serviços com mercados específi-
dade pode aproveitar a fácil mobilidade no territó- cos na sua área de ação. Quem fica para seguir em
rio para utilizar formas de trabalho a tempo parcial, frente, lutando, afasta-se de um modo de vida para
a pluriatividade e o trabalho à distância. viver outro, reconfigurando o espaço, criando novas
interdependências.
Para resolver o problema da falta de recursos de
trabalho, a solução muitas vezes equacionada de Concluindo, a área crítica resultante das mudanças
organização do processo produtivo é a mecani- será a própria existência de explorações agrícolas
zação; para além de asso- em determinados espaços
ciada ao ponto crítico do Outra área crítica é a regulação como rurais. O quadro de aban-
financiamento, entronca fator de limitação: condições que podem dono da exploração agrí-
noutro elemento crítico que ser inibidoras do acesso ao setor; cola faz com que reste ape-
é a dimensão física e eco- benefícios que são apropriados pelos já nas a terra e a figura do
nómica da exploração de instalados e que dão poder de renda. proprietário da terra. Se
que resulta uma área crítica não consegue vender ou
da gestão que é a da utilização eficiente do equipa- arrendar o que se pode esperar? Não conseguindo
mento. A prestação de serviços pode ser a solução, repor o quadro anterior que levou ao abandono,
caso não seja bloqueada pela não disponibilidade ficará obrigado ao papel de gestor de espaço flo-
do fator trabalho. restal ou potencialmente florestal. Ficará ele sujeito
a procedimentos de gestão adequada da floresta
Outra área crítica é a regulação como fator de limita- que implementará numa missão com custos anuais
ção: condições que podem ser inibidoras do acesso (técnicos e de regulação) e proveitos associados a
ao setor; benefícios que são apropriados pelos já elevadíssimos riscos (com forte probabilidade de
instalados e que dão poder terem valor próximo de
de renda. Do mesmo modo, A existência de capacidade de prestação zero) a prazos de uma, duas
a rigidez na utilização do de serviços poderá resolver os problemas, ou três gerações conforme
solo em zonas qualificadas em termos técnicos … mas como atuar as espécies (não valendo a
numa perspetiva ambiental face às questões críticas de índole pena sequer calcular o valor
pode ter efeitos contrários financeira, de tesouraria e, enfim, do presente de tais proveitos)?
em termos da permanên- valor económico da produção a obter no A existência de capacidade
cia da atividade agrícola. novo espaço? de prestação de serviços
poderá resolver os proble-
A favor do encontro de soluções está a especiali- mas, em termos técnicos, através da execução das
zação de atividades na exploração e nas regiões. tarefas apropriadas, mas como atuar face às ques-
Este é um elemento facilitador para a prestação tões críticas de índole financeira, de tesouraria e,
de serviços e, principalmente, para a permanência enfim, do valor económico da produção a obter no
de pessoas e de explorações centradas nas zonas novo espaço?
51
A evolução das atividades agrícolas, bem como da Deve, porém e desde logo, reconhecer-se que este
sua natureza e características, e ainda das entida- entendimento não foi, nem é, pacífico. Por um lado,
des que as prestam e dos modos como o fazem porque, não obstante quer aquela clara exclusão
constituem uma temática particularmente interes- consagrada na LGT e noutros diplomas, quer os
sante, também do ponto de vista do Direito do Tra- entendimentos doutrinários e jurisprudenciais no
balho, que, porém e dada a sua dimensão, procu- sentido de que o contrato de trabalho rural seria
raremos aqui tratar apenas do ponto de vista de regulado, não pelas leis laborais, mas pela lei civil,
alguns dos seus aspetos essenciais. e designadamente pelos art.ºs 1391º e 1395º do
Código Civil de 1867, afinal muito tempo antes do
Assim, e antes de mais, importará ter presente que, Código de 2003 também já existiam entendimen-
após décadas e décadas de exclusão da regulação tos de que, apesar de tudo, “as normas gerais do
do trabalho rural do âmbito das principais leis do contrato individual de trabalho são extensivas ao
trabalho (tais como a chamada LGT – Lei Geral do contrato de trabalho rural, salvo na medida em que
Trabalho – isto é, o Decreto lei n.º 49408, de 24 de as condições especiais inerentes à atividade agrí-
Novembro de 1969, ou a LDT – Lei da Duração do cola justifiquem tratamento diverso” (como, entre
Trabalho – ou seja, o Decreto Lei n.º 409/71, e ainda outros, se consagrou no Acórdão do Supremo Tri-
a denominada Lei das Faltas, Férias e Feriados – o bunal de Justiça de 29/1/88, in Proc. 001714.dgsi.
Decreto Lei n.º 864-A/76), o Código do Trabalho de Net). E isto mesmo enquanto o art.º 5º do decreto
2009 (tal como já o de 2003) e a sua Regulamenta- preambular da já referida LGT apenas estabelecia
ção não contêm qualquer norma genérica de exclu- que o seu regime, quando muito, poderia “ser tor-
são deste tipo de relações laborais relativamente nado extensivo, por decreto regulamentar, no todo
ao seu próprio âmbito de ampliação, pelo que se ou em parte, e com as adaptações exigidas pela sua
terá então de concluir que, ao invés do que sucede- natureza, aos contratos de serviço doméstico ou de
ria antes, o regime jurídico constante daqueles dois trabalho rural”.
últimos diplomas (os Códigos do Trabalho) se pas-
sou a aplicar genericamente também ao contrato Por outro lado, o Código do Trabalho atual (2009),
de trabalho rural. no seu art.º 9º, e a contrario sensu, afasta precisa-
mente a aplicação aos “contratos com regime espe-
* O artigo não foi originalmente escrito ao abrigo do Acordo cial” daquelas suas normas que se mostrem incom-
Ortográfico. [Nota da equipa editorial, a pedido do autor] patíveis com as especificidades de tais contratos, o
52 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
que pareceria ser o caso do trabalho subordinado venções coletivas existentes e as respetivas Porta-
nas áreas agrícola, florestal e pecuária, mas rela- rias de Extensão.
tivamente ao qual, como também já referido, ine-
xiste contudo qualquer regulamentação legal de Temos pois, e antes de tudo o mais, um quadro
natureza especial. normativo relativo ao trabalho rural assalariado ou
dependente que é consti-
Em qualquer caso, face à … face à amplitude dos conceitos tuído por uma regulamen-
amplitude dos conceitos de “trabalho” e de “trabalhador” tação legal geral, manifes-
de “trabalho” e de “traba- consagrados na Constituição da tamente não virada para
lhador” consagrados na República, … parece-nos inquestionável as especificidades próprias
Constituição da República, a aplicabilidade ao trabalho rural da deste setor, e por um instru-
designadamente nos seus regulação jurídico-laboral, quer de mento genérico de regula-
art. 47º e 53º a 59º, pare-
os
natureza legal, quer constitucional. mentação coletiva de natu-
ce-nos inquestionável a reza administrativa, esse
aplicabilidade ao trabalho rural da regulação jurí- sim específico mas com quase 40 anos de vigência,
dico-laboral, quer de natureza legal, quer constitu- a que acrescem umas poucas convenções coletivas
cional. de trabalho e Portarias de Extensão.
Por fim, deverá igualmente dizer-se que, mesmo Acresce, por outro lado, que a relativamente
aceitando-se – como é nosso entender – a plena pequena expressão do número de trabalhadores
aplicabilidade das normas do Código do Traba- por conta de outrem no setor da “agricultura, pro-
lho e do Regulamento do dução animal, caça, flo-
Código do Trabalho ao tra- Temos pois, e antes de tudo o mais, um resta e pesca” e, dentro
balho rural, haverá que quadro normativo relativo ao trabalho deste, especificamente na
ter presente que o único e rural assalariado ou dependente que é agricultura, e a perda de
geral instrumento norma- peso desta última na estru-
constituído por uma regulamentação
tivo específico que regula tura da população empre-
legal geral, manifestamente não virada
esta matéria é a mais que gada por profissão, mesmo
para as especificidades próprias deste
vetusta Portaria de Regu- dos trabalhadores mais
setor, e por um instrumento genérico de
lamentação do Trabalho qualificados, e muito em
(PRT) para a Agricultura de regulamentação coletiva de natureza particular nos períodos de
1979 (publicada no Boletim administrativa, esse sim específico mas 2011/2013 e de 2013/2015,
do Trabalho e Emprego n.º com quase 40 anos de vigência… tem servido para justifi-
21/79, 1ª Série, de 8/6/79 ). 1 car, ou pelo menos expli-
A qual, sendo uma fonte de direito hierarquica- car, a pouca atenção dada pelo legislador portu-
mente inferior à lei, terá de ter as respetivas nor- guês a uma regulação jurídica mais específica das
mas compatibilizadas com as supra referenciadas relações de trabalho, quer subordinado, quer autó-
e superiores fontes legais, de harmonia com os cri- nomo, nesta área de atividade.
térios de aplicação estabelecidos no art.º 3º do
Código. O mesmo sucedendo com as várias con- Acresce ainda que, e não decerto por acaso, as
novas formas contratuais consagradas no Código
do Trabalho para além da contratação a termo,
1 http://bte.gep.msess.gov.pt/completos/1979/bte21_1979.pdf certo ou incerto, e a pensar (também) no trabalho
(pág. 1538) agrícola, e em particular no de carácter sazonal,
O Direito do Trabalho na agricultura 53
não têm assumido praticamente qualquer expres- com campanhas agrícolas como as vindimas, mas
são numérica ou estatística digna de registo. mesmo aí representando, ainda de acordo com o
já referido Livro Verde das Relações Laborais, qual-
Assim, o contrato de trabalho intermitente, previsto quer coisa como 0,066% do número total dos vín-
no art.º 157º e seguintes do Código do Trabalho e culos laborais.
correspondente a uma espécie de contrato de tra-
balho sem termo mas utili- Sinceramente não cremos,
zável em atividades carac- … as novas formas contratuais todavia, que esta muito
terizadas pela variabilidade consagradas no Código do Trabalho para parca utilização de tais for-
da sua intensidade ou até além da contratação a termo, certo ou mas contratuais se deva,
pela sua descontinuidade incerto, e a pensar (também) no trabalho pelo menos exclusivamente
(como é o caso do setor da agrícola, e em particular no de carácter ou até principalmente, à
agricultura, e também do sazonal, não têm assumido praticamente complexidade do respetivo
turismo), segundo o Livro qualquer expressão numérica ou regime jurídico ou à tão
Verde das Relações Labo- frequentemente afirmada
estatística digna de registo.
rais abrangeu, em 2013, o (mas realmente inexis-
número total de 2 039 trabalhadores e, em 2014, o tente…) “excessiva rigidez” dessa legislação laboral.
de 2 154 trabalhadores, mais de metade dos quais
qualificados e semiqualificados (especializados), ou Basta atentar em que o contrato de trabalho de
seja, representou uma forma contratual de incidên- muito curta duração, nos termos do n.º 1 do já citado
cia perfeitamente residual (0,08%). art.º 142º do Código do Trabalho, não exige sequer
forma escrita e estipula apenas uma obrigação de
E os números constantes do mesmo Livro Verde comunicação à Segurança Social da sua celebração
referentes ao “contrato de trabalho de muito curta (ainda que mediante formulário eletrónico). E o con-
duração” (em atividade sazonal agrícola ou tam- trato de trabalho intermitente, impondo-se embora
bém para realização de evento turístico de duração a sua forma escrita, exige somente dois elementos
não superior a 15 dias), que (a identificação das partes
está previsto e regulamen- … requisitos legais que se revelam e respetivos domicílios e a
tado no art.º 142º do Código indispensáveis para se procurar indicação do número anual
do Trabalho e tem em vista ou de horas de trabalho ou
assegurar que estas formas contratuais
necessidades temporárias de dias de trabalho a tempo
de acentuada temporalidade ou
de duração muito limitada, completo).
precariedade não sejam utilizadas de
precisamente por visar a
modo abusivo. E a questão essencial
satisfação de necessidades Dir-se-á, porventura, que
temporárias de setores em residirá, não na sua eliminação ou mesmo estas exigências,
que a sazonalidade da ati- revogação, mas sim no asseguramento designadamente as de
vidade contratada consti- das condições mínimas indispensáveis ordem formal, serão de difí-
tui uma sua característica para o seu cumprimento. cil cumprimento por parte
muito própria, apresentam- de trabalhadores e empre-
-se tão irrisórios quanto significativos. Ou seja, são gadores, sobretudo individuais, e em particular dos
de uma reduzidíssima, para não dizer quase inexis- caracterizados por fracos níveis de instrução.
tente, dimensão na maior parte dos meses e ape-
nas apresentam “picos” repentinos em setembro e Mas o certo é que aqueles requisitos legais se reve-
outubro de cada ano, provavelmente relacionados lam indispensáveis para se procurar assegurar que
54 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
Por fim, importará ainda ter presente que, em 2014, O que tudo isto significa é que, apesar de tudo,
todo o setor da agricultura, produção animal, caça, estamos a falar de um setor da população, de uma
floresta e pesca era constituído, segundo as esta- forma geral, com pouca capacidade logística para
tísticas dos quadros de pessoal do Ministério do compreender, dominar e aplicar correta e plena-
Trabalho e da Solidariedade Social citadas ainda mente não apenas os institutos e instrumentos jurí-
e sempre no já referido Livro Verde das Relações dicos que formal e abstratamente a lei lhes impõe
Laborais, por 13 063 empresas, com 13 885 estabe- ou disponibiliza, mas também toda a panóplia
lecimentos e 59 974 pessoas ao serviço, das quais de requisitos, formais e substanciais, indispensá-
54 661 eram trabalhadores por conta de outrem, veis ao mais correto e preparado desenvolvimento
numa média de 4,3 traba- da sua atividade. Desde a
lhadores por estabeleci- Há todavia que sublinhar igualmente que negociação e celebração de
mento. a situação de uma agricultura fundada contratos de seguros e de
na propriedade individual de um pequeno financiamentos bancários,
Tudo isto representa que camponês ou até de uma micro ou passando pela candidatura
a esmagadora maioria das pequena empresa agrícola … tem vindo a programas de apoios e
estruturas empresariais a sofrer alterações significativas … com pela aquisição e manuten-
do setor agrícola são, de o consequente aumento de produtividade ção de equipamentos mais
acordo com a classificação e de competitividade de uma área adequados, até ao conheci-
do art.º 100º do Código do crescente deste setor. mento das regras e procedi-
Trabalho, microempresas mentos legalmente impos-
e, por outro lado, que há ainda um número muito tos, designadamente em matéria de segurança e
considerável de produtores em nome individual. saúde no trabalho e de regras ambientais. Com o
consequente recurso e, não raramente, a completa
Há todavia que sublinhar igualmente que a situação sujeição, técnica e/ou económica, a entidades ter-
de uma agricultura fundada na propriedade indi- ceiras, prestadoras de serviços nessas áreas.
vidual de um pequeno camponês ou até de uma
micro ou pequena empresa agrícola, e baseada em Sendo em absoluto de rejeitar (até por já poder-
trabalho essencialmente manual ou pelo menos mos ver hoje com bastante clareza onde elas nos
com muito fraca incorporação tecnológica, tem conduziriam…) as teorias e as práticas de busca
vindo a sofrer alterações significativas, em parti- da produtividade e da competitividade com base
cular nos últimos 10 anos, assistindo-se à concen- na lógica essencial, para não dizer exclusiva, dos
tração da propriedade em unidades empresariais baixos “custos unitários do trabalho” – leia-se, dos
bem maiores, à industrialização crescente de diver- salários de miséria… – e da fraude à lei (designa-
sos setores e a uma progressiva adoção de novas damente, com o uso de falsos recibos verdes para
tecnologias nas suas diversas áreas (desde a rega encobrir verdadeiros contratos de trabalho subordi-
à fertilização dos solos, passando pela mobilização nado e com o recurso às formas do chamado tra-
deste e pelo combate às doenças e pragas), com o balho informal, não declarado ou atípico, ou seja,
O Direito do Trabalho na agricultura 55
desenvolvido por completo à margem da lei, senão sobretudo do Turismo e das prestações de serviços
mesmo ao trabalho escravo ou a ele equiparável), menos qualificadas)?
há assim que refletir seriamente sobre os caminhos
que se impõe trilhar para assegurar uma estratégia 3.ª Em que é que pode e deve consistir a organi-
de desenvolvimento assente zação da produção agrí-
no respeito pelos direitos de … há assim que refletir seriamente cola nacional num país e
quem trabalha e no combate sobre os caminhos que se impõe trilhar num setor produtivo com
às lógicas da “lei da selva”, para assegurar uma estratégia de as características que já
que sempre tendem, em desenvolvimento assente no respeito acima se assinalaram,
particular em setores como pelos direitos de quem trabalha e no senão na associação dos
este, a instalar-se, nomeada- combate às lógicas da “lei da selva” … produtores em estruturas
mente por via de processos cooperativas que permi-
de autêntico “dumping social” e de verdadeira con- tam aos agricultores passarem a dispor da “massa
corrência desleal. crítica” logística e financeira suficiente para pode-
rem aceder aos meios e equipamentos e aos servi-
Antes de tudo o mais, porém, existe um conjunto ços de que necessitam para o desenvolvimento da
de questões de base, cada vez mais incontornáveis, sua atividade?
que configuram e condicionam fortemente a nossa
realidade quotidiana e que, Depois, impõe-se igual-
… não obstante todas as especificidades
também na agricultura, não mente sublinhar que, não
e todas as dificuldades inerentes, as
é possível continuar a pre- obstante todas as especifi-
relações de trabalho na agricultura
tender ignorar e silenciar. cidades e todas as dificul-
Trata-se, em especial, das devem, até por imperativo constitucional, dades inerentes, as relações
seguintes questões: ser reguladas de forma correta e eficaz … de trabalho na agricultura
devem, até por imperativo
1.ª Qual o papel estratégico que deve ser atribuído constitucional, ser reguladas de forma correta e efi-
à agricultura (e também às pescas, por exemplo) caz, de molde a se evitarem as práticas e as “estra-
num país como o nosso? Devem ou não tais seto- tégias de competitividade” assentes na fraude à lei
res estar essencialmente vocacionados para, antes e no desrespeito dos direitos fundamentais de quem
de tudo, assegurarem a nossa autossuficiência, trabalha neste setor.
pode dizer-se mesmo a nossa soberania alimen-
tar, garantindo à população portuguesa o abaste- Assim, e com tal objetivo, podem e devem ser devi-
cimento, em quantidade suficiente, dos alimentos damente ponderadas e adotadas as seguintes medi-
básicos para a sua subsistência? das:
2.ª A chamada integração quer na União Europeia, 1.ª Fiscalização efetiva (hoje em dia praticamente
quer no euro, facilita ou dificulta, ou até mesmo inexistente) por parte da ACT quanto à celebração
impossibilita, esse objetivo (já que a chamada Polí- e à existência de contratos de trabalho sem termo
tica Agrícola europeia tem assentado na lógica de para todas as situações de preenchimento e satis-
que, no espaço europeu, a atividade e produção fação de necessidades permanentes de trabalho.
agrícolas são essencialmente para França, como a
Pesca é para a Espanha e a Indústria para os paí- 2.ª Dinamização do recurso à contratação coletiva
ses do Norte, sobretudo a Alemanha, reservando (entre associações sindicais dos assalariados agrí-
assim a Portugal o papel de um país do terciário, colas e as entidades empregadoras ou associações
56 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
empresariais do setor) como forma de superar e 5.ª Restrição (e fiscalização) do recurso a empre-
atualizar os normativos fundamentais, e já muito sas prestadoras de serviços e empresas de traba-
desatualizados, ainda constantes da PRT de 1979; e, lho temporário unicamente às situações em que tal
caso tal não se revele pos- recurso tenha estrita justifi-
sível em tempo útil, elabo-
… e … podem e devem ser devidamente cação legal, bem como efe-
ração (a título de garantia ponderadas e adotadas as seguintes tivo acionamento da “res-
de condições mínimas) de medidas … ponsabilidade em cascata”
uma nova PRT para a agri- Fiscalização efetiva … das várias empresas envol-
cultura, definindo o respe- vidas (contratantes e bene-
tivo regime jurídico-labo- Dinamização do recurso à contratação ficiárias) nas matérias de
ral nomeadamente quanto coletiva … responsabilidade, designa-
a “patamares mínimos de Divulgação … da aplicação dos damente pelo pagamento
regulação” relativamente regimes de contratação temporária ou das remunerações e pelo
a remunerações, horários intermitente … cumprimento das obriga-
de trabalho, condições de ções relativas à promoção
segurança e saúde no tra- Firme perseguição e sancionamento de e salvaguarda da segurança
balho, e também (ques- todas as formas ilegais de contratação de e saúde no trabalho.
tão esta hoje em dia par- trabalhadores …
ticularmente relevante) de Por fim, naturalmente que
Restrição (e fiscalização) do recurso
regime(s) de alteração dos estas medidas, a nível
a empresas prestadoras de serviços e
locais de trabalho, tudo essencialmente laboral,
empresas de trabalho temporário …
isto em termos que garan- não poderão deixar de ser
tam o adequado equilíbrio entre as reais necessi- ainda acompanhadas de outras, de natureza polí-
dades decorrentes da prestação e da especificidade tica, administrativa e até fiscal, como instrumen-
da atividade em causa e a organização e estabili- tos de dinamização ao desenvolvimento da ativi-
dade familiares, bem como a fixação das próprias dade agrícola, nomeadamente através não apenas
populações. do apoio organizativo – com serviços públicos de
atendimento e apoio, próximos, disponíveis e efica-
3.ª Divulgação essencialmente pedagógica e zes, que ajudem ao preenchimento dos requisitos
ampliação da aplicação dos regimes de contrata- burocráticos atinentes aos diversos aspetos da ativi-
ção temporária ou intermitente, mas apenas nos dade e ao próprio cumprimento das normas e regu-
casos – que, ainda assim, são diversos e bastante lamentos –, mas também de medidas de discrimina-
amplos – em que se verifiquem os respetivos pres- ção positiva em favor das estruturas e organizações
supostos legais. que decidam fixar-se em áreas consideradas estra-
tegicamente importantes, aí
4.ª Firme perseguição e … discriminação positiva em favor levem a cabo atividade pro-
sancionamento de todas dutiva e criem postos de tra-
das estruturas e organizações que
as formas ilegais de contra- balho, contribuindo desse
decidam fixar-se em áreas consideradas
tação de trabalhadores e modo para o desenvolvi-
estrategicamente importantes …
severa e contínua atuação mento daquela concreta
contraordenacional e até criminal contra os respon- área geográfica e do país no seu conjunto e para o
sáveis por situações de escravatura ou equiparadas combate à desertificação e ao abandono das regiões
a esta, ou de trabalho informal ou clandestino. mais interiores.
57
Na última década, assistiu-se a uma crescente pequeno para o volume de produção previsto.
necessidade de aquisição de produtos e serviços Existe um aumento da área global de cultivo nos
a fornecer ao setor agrícola, fruto de uma espe- últimos anos, essencialmente nos produtos frutí-
cialização deste setor pelo aumento das exigên- colas, hortícolas e olivícolas, visível na expansão
cias que vão desde os recursos humanos aos equi- de áreas em empresas já existentes e também no
pamentos, manutenção, utilização de tecnologias surgimento de novas explorações, na sua maio-
de ponta, entre outros. No recrutamento e seleção ria apoiadas pelo “Programa de Desenvolvimento
para o trabalho agrícola sazonal existe um elevado Rural do Continente para 2014-2020”.
grau de exigência, no sentido de aferir a capacidade
de desempenho dos recursos humanos, com vista a Este desenvolvimento e crescimento empresarial
gerar uma produtividade qualitativa e quantitativa resultam na necessidade de gerar constantes evo-
inerente e necessária a esta atividade. luções nas diversas áreas de intervenção ligadas
ao setor agrícola. De registar as inovações na robó-
Figura 1 – Objetivos da PAC 2014-2020 tica agrícola ligada à tecnologia de equipamentos
e também na gestão dos recursos humanos, tão
essenciais na organização das diferentes campa-
nhas ao longo do ano civil.
SECÇÃO IX
Modalidades de contrato de trabalho
Artigo 141.º
Forma e conteúdo de contrato de trabalho a termo
1 – O contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita e deve conter:
a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
b) Atividade do trabalhador e correspondente retribuição;
c) Local e período normal de trabalho;
d) Data de início do trabalho;
e) Indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo;
f) Datas de celebração do contrato e, sendo a termo certo, da respetiva cessação.
2 – Na falta da referência exigida pela alínea d) do número anterior, considera -se que o contrato tem início na data
da sua celebração.
3 – Para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa
dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
4 – Constitui contraordenação grave a violação do disposto na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 3.
Artigo 142.º
Casos especiais de contrato de trabalho de muito curta duração
1 – O contrato de trabalho em atividade sazonal agrícola ou para realização de evento turístico de duração não supe-
rior a uma semana não está sujeito a forma escrita, devendo o empregador comunicar a sua celebração ao serviço
competente da segurança social, mediante formulário eletrónico que contém os elementos referidos nas alíneas a),
b) e d) do n.º 1 do artigo anterior, bem como o local de trabalho.
2 – Nos casos previstos no número anterior, a duração total de contratos de trabalho a termo com o mesmo empre-
gador não pode exceder 60 dias de trabalho no ano civil.
3 – Em caso de violação do disposto em qualquer dos números anteriores, o contrato considera -se celebrado pelo
prazo de seis meses, contando-se neste prazo a duração de contratos anteriores celebrados ao abrigo dos mesmos
preceitos.
SUBSECÇÃO VI
Trabalho temporário
DIVISÃO I
Disposições gerais relativas a trabalho temporário
Artigo 172.º
Conceitos específicos do regime de trabalho temporário
Considera -se:
b) Contrato de trabalho temporário, o contrato de trabalho a termo celebrado entre uma empresa de trabalho
temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar a sua ativi-
dade a utilizadores, mantendo-se vinculado à empresa de trabalho temporário;
b) Contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária, o contrato de trabalho por tempo
indeterminado celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se
obriga, mediante retribuição daquela, a prestar temporariamente a sua atividade a utilizadores, mantendo-
-se vinculado à empresa de trabalho temporário;
c) Contrato de utilização de trabalho temporário, o contrato de prestação de serviço a termo resolutivo entre
um utilizador e uma empresa de trabalho temporário, pelo qual esta se obriga, mediante retribuição, a ceder
àquele um ou mais trabalhadores temporários.
Novos desafios ao trabalho na agricultura 59
Nota informativa sobre a alteração ao Código de Trabalho (Lei n.º 28/2016 de 23 de agosto)
A Lei n.º 28/2016, que entra hoje em vigor e foi publicada em Diário da República a 23 de agosto, promove a alte-
ração ao Código do Trabalho, à Lei da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho (Lei n.º 102/2009, de 10-9)
e ao Decreto-Lei do Regime Jurídico das Empresas de Trabalho Temporário e Agências Privadas de Emprego (DL
260/2009, de 25-9).
As alterações preconizadas têm, essencialmente, a ver com o regime de responsabilização das empresas de traba-
lho temporário e das empresas utilizadoras, no que respeita a créditos salariais e encargos sociais, bem como a
coimas. Não tendo havido mais alterações no regime do trabalho temporário definido até então.
Assim, veio a lei, com esta alteração, alargar a responsabilidade pelos eventuais créditos emergentes da relação
de trabalho temporário, a favor do trabalhador, aos gerentes, administradores e diretores da empresa utilizadora,
bem como aumentar o prazo daquela responsabilização.
O art.º 174º do Código do Trabalho, que tem por epígrafe “Casos especiais de responsabilidade da empresa de
trabalho temporário ou do utilizador”, manteve a redação anterior, no seu n.º 1, da responsabilidade solidária da
empresa utilizadora com a empresa de trabalho temporário pelos créditos do trabalhador, emergente do contrato
de trabalho, da sua violação ou cessação, relativos aos últimos três anos, bem como pelos encargos sociais cor-
respondentes, quando aquela tenha celebrado contrato de utilização de trabalho temporário com empresa de tra-
balho temporário não licenciada.
O n.º 2 do citado artigo foi alterado, passando a ter a seguinte redação:
«2 – A empresa de trabalho temporário e o utilizador de trabalho temporário, bem como os respetivos gerentes, admi-
nistradores ou diretores, assim como as sociedades que com a empresa de trabalho temporário ou com o utilizador
se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são subsidiariamente responsáveis
60 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
pelos créditos do trabalhador e pelos encargos sociais correspondentes, assim como pelo pagamento das respeti-
vas coimas.»
A diferença aqui (em relação à anterior redação do n.º 2, que responsabilizava o utilizador pelos créditos dos traba-
lhadores, e encargos sociais, relativos aos 12 primeiros meses de trabalho) passa não só a estender a responsabili-
zação a administradores, gerentes e diretores das empresas – de trabalho temporário e utilizadora -, mas também,
e em relação ao utilizador, já não se circunscreve a um ano – aos primeiros 12 meses. A responsabilidade vai abran-
ger ainda as sociedades que sejam parte do mesmo grupo, ou detenham participações recíprocas, da empresa de
trabalho temporário e da empresa utilizadora.
A primeira alteração abrange, como responsáveis, os administradores, gerentes e diretores das empresas (não será
tanto o facto de passar a ser incluída aqui a empresa de trabalho temporário, pois a sua responsabilidade pelos
créditos e encargos sociais já derivava do facto de ser entidade empregadora); a segunda, porquanto, vai passar,
com esta figura, a responsabilizar igualmente as entidades utilizadoras. Sabe-se que, muitas vezes, pode existir essa
ligação nos contratos de trabalho temporário em que a empresa utilizadora é do mesmo grupo, ou tem ligações
societárias, com a empresa de trabalho temporário.
Nesta alteração ao n.º 2 do art.º 174º, acrescenta-se que aquela responsabilidade solidária se estende também ao
pagamento de coimas – valendo aqui as considerações atrás feitas (e sendo certo que, aqui, a responsabilidade
dos gerentes, administradores ou diretores pelo pagamento da coima já estava prevista no art.º 551º, nº 3 do CT).
Na alteração ao art.º 551º do Código do Trabalho, a nova redação do n.º 4 passou a responsabilizar pelo pagamento
de coimas o contratante, bem como o proprietário da obra, empresa ou exploração agrícola, os respetivos admi-
nistradores, gerentes e diretores, e também as empresas associadas (nos mesmos termos que o anterior: participa-
ções recíprocas, de domínio ou de grupo) pelas violações das normas do subcontratante e pagamento das respeti-
vas coimas (antes a responsabilidade era apenas do contratante, cingindo-se às contra ordenações muito graves).
No mesmo sentido, a alte- … cabe às empresas utilizadoras de ração ao art.º 16º da Lei n.º
102/2209, com o aditamento de um novo número – n.º 5
– que passa a responsabilizar,
trabalho temporário, na medida em que solidariamente, pela viola-
ção de normas de segurança passam a ter mais responsabilidade e saúde no trabalho todas as
entidades que com a empresa no que respeita ao cumprimento das que recorre ao trabalho tem-
porário ou a prestação de ser- viços tenham relações socie-
obrigações legais por parte da empresa
tárias (assim como a respon- sabilizar essas entidades pelo
pagamento das coimas resul- de trabalho temporário, serem mais tantes dessas violações).
Finalmente, a alteração ao assertivas na seleção das empresas de art.º 13º da Lei n.º 260/2009,
introduz no n.º 5 ao mesmo, a trabalho temporário que elegem como responsabilidade das empre-
sas utilizadoras de trabalho seus parceiros. temporário pelos eventuais
incumprimentos da empresa de trabalho temporário
quanto a seguro de aciden- Criam-se, assim, mecanismos legais tes de trabalho e pagamento
das contribuições à segurança para afastar do mercado empresas que social. Assim, se a empresa
de trabalho temporário não tiver seguro de acidentes
não tenham enquadramento legal para
de trabalho, ou não liquidar as obrigações à segurança
social, a empresa utilizadora o exercício da atividade e não cumpram (e as empresas que com esta
tenham relações societárias) com as obrigações legais. podem ser chamadas a res-
ponder, solidariamente, pelo incumprimento daquela.
Em conclusão, com estas alterações, cabe às empresas utilizadoras de trabalho temporário, na medida em que
passam a ter mais responsabilidade no que respeita ao cumprimento das obrigações legais por parte da empresa
de trabalho temporário, serem mais assertivas na seleção das empresas de trabalho temporário que elegem como
seus parceiros.
Criam-se, assim, mecanismos legais para afastar do mercado empresas que não tenham enquadramento legal para
o exercício da atividade e não cumpram com as obrigações legais.
Artigo 135.º
Limites à expulsão
1 – Não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:
a) Tenham nascido em território português e aqui residam;
b) Tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal;
c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, relativamente aos quais
assumam efetivamente responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;
d) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.
2 – O disposto no número anterior não é aplicável em caso de suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo,
sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes.”
Artigo 3.º
Norma revogatória
É revogado o n.º 3 do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, alterada pelas Leis n.º 29/2012, de 9 de agosto,
56/2015, de 23 de junho, e 63/2015, de 30 de junho.
Aprovada em 23 de junho de 2017.
O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues
Promulgada em 20 de julho de 2017.
Publique-se.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa
Referendada em 24 de julho de 2017.
O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa
solucionar as necessidades temporárias dos pro- O Grupo RHmais é um grupo empresarial integrador
dutores ao longo do período das suas campanhas de serviços de gestão e desenvolvimento de recur-
agrícolas anuais, está na diversificação dos pro- sos humanos, presente no mercado desde 1987, que
dutos de forma a complementar a necessidade atua nas áreas de recrutamento e seleção, forma-
de mão-de-obra durante o ano civil. Um exemplo ção, consultoria, outsourcing, handling e gestão de
a que cada vez se assiste mais é o agricultor que trabalho temporário em diferentes setores, tais como
produz frutícolas também ter hortícolas, ou o pro- serviços, logística, distribuição, agricultura e indús-
dutor de olivícolas também ter vitivinícolas, e aqui tria, entre outros. O Grupo RHmais é atualmente
o papel das empresas é fundamental para agrupar constituído por três empresas: RHmais – Organiza-
vários produtores por região, de forma a conseguir ção e Gestão de Recursos Humanos, SA; Multitempo –
manter uma estabilidade contratual anual aos tra- Empresa de Trabalho Temporário, Lda.; e Multitempo
balhadores. – Serviços, Unipessoal, Lda.
N.º 10 dezembro 2017
OBSERVATÓRIO
CULTIVAR
Fig. FORMAR PELA INSTRUÇÃO, DESENVOLVER.
65
Não sendo um especialista na área dos recursos e de forma cada vez mais marcada, à capacidade
humanos, este é um daqueles temas que é transver- de ter pessoas altamente qualificadas e de reter
sal a todo o setor, cuja importância tem sido cres- esse talento nas empresas, muitas vezes localiza-
cente ao longo dos últimos anos e sobre o qual há das em zonas rurais menos atrativas para as novas
uma atenção especial. Enquanto empresário da gerações. Os empresários do setor têm muito pre-
área da consultoria, sinto estas questões de forma sente a importância de ter boas pessoas nas empre-
muito regular e na qualidade de dirigente da Asso- sas e o custo que representa a eventual perda das
ciação Alumni do Instituto Superior de Agronomia mesmas. É, sem sombra de dúvidas, um dos temas
acompanho outras vertentes da mesma questão. mais relevantes para o desenvolvimento de muitos
negócios, com implicações diretas na competitivi-
Ainda recentemente, numa reunião de reflexão dade das empresas e na sua capacidade de res-
sobre o setor com um grupo restrito de empresá- ponderem a novos desafios e de se adaptarem a
rios, a questão do emprego qualificado da nova novas realidades. No inquérito feito aos emprega-
geração foi apontada como uma das questões prio- dores, as três principais dificuldades apontadas
ritárias para as empresas. estão relacionadas com a dificuldade em encon-
trar pessoal (situação esta que condiciona muito
Por isso, respondi positivamente ao desafio lan- o desenvolvimento de culturas mais intensivas em
çado pela CULTIVAR e procurarei dar uma visão mão-de-obra), a falta de pessoas qualificadas e a
pragmática do tema, resultado da discussão com dificuldade em encontrar pessoas com vontade de
diferentes agentes do setor e de questionários que trabalhar (Figura 1). Estas são preocupações diárias
tive oportunidade de fazer junto de empregadores de muitas das empresas do setor, quer ao nível da
do setor e de recém-empregados. produção quer da transformação.
A importância dos recursos humanos nas empresas Para além disso, os modelos de organização do tra-
do setor não se resume apenas ao peso que tem balho promovem, em muitos casos, a necessidade
em termos de custos para as empresas – que no de recorrer à externalização na prestação de servi-
caso das culturas mais intensivas chega a represen- ços especializados e ao aumento da especialização,
tar mais de 50% dessa estrutura de custos – mas, assim como a exigência de muitos serviços com-
66 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
Figura 1. Principais dificuldades apontadas pelos empregadores do setor seniores e posições de liderança. Em
Portugal, os millennials representam
cerca de 23% da população total ativa
Dificuldade em encontrar pessoal
(dados INE) e, aproximadamente,
32% da população empregada. Esta
nova geração é considerada a mais
3Falta de pessoas qualificadas
bem preparada de sempre, em mui-
tos casos com experiências (de for-
Falta de pessoas com vontade de trabalhar
mação ou trabalho) no estrangeiro,
com um conjunto de contactos espa-
lhados pelo mundo, com grande liga-
Falta de universidades e centros de inves;gação
ção a redes sociais e, por isso, com
uma vida global e digital.
Figura 2. Perceção dos empregadores face à nova geração empregada Os empregadores reconhecem que
esta nova geração tem grandes apti-
Trabalho com novas tecnologias dões para trabalhar com novas tec-
nologias e tem vontade de aprender
(Figura .2), mas revelam maior dificul-
Vontade de aprender
dade em reconhecer que os mesmos
tenham algumas das competências
Competências interpessoais mais relevantes para as suas ativida-
des, nomeadamente as competên-
Capacidade de trabalhar em equipa
cias interpessoais, a capacidade de
trabalhar em equipa ou a própria pre-
paração técnica.
Preparação técnica
Muito recentemente, foi publicado o estudo “Millen- análise e os dados que serão posteriormente apre-
nials @ Work: expetativas sobre as empresas e lide- sentados baseiam-se numa avaliação feita com res-
ranças em Portugal”, pelo BCSD Portugal, pela Deloi- postas a inquéritos a empregadores e a millennials
tte e pela Sonae1, em que se procurou conhecer em empregados do setor agrícola, florestal e agroali-
maior detalhe os millennials que se encontram a mentar.
trabalhar em Portugal, com vista a permitir que as
organizações renovem as suas políticas e práticas Expetativas gerais de futuro
de gestão de pessoas ao longo do ciclo de vida do
colaborador. Nesse estudo é possível concluir que Esta nova geração procura novas oportunidades e
esta nova geração: novas experiências profissionais, sendo expetável
que tenham diferentes empregos ao longo das suas
• Privilegia ter novas experiências e novos desafios
carreiras. Na análise feita, mais de 70% dos inquiri-
ao longo da sua carreira, pelo que não pretendem
dos espera ficar menos de 5 anos no atual emprego,
ter um emprego para a vida;
e apenas 11% dos inquiridos tem a expetativa de
• Ambiciona o equilíbrio entre vida pessoal e pro- se manter nesse emprego para sempre (Figura 3).
fissional;
Figura 3. Expetativa de permanência no atual emprego por parte dos
• Valoriza um trabalho com signifi- millennials do setor
cado, onde existam oportunidades
de crescimento, desenvolvimento e
Espero nunca sair deste emprego 11.1%
aplicação das suas competências e
talento;
• Ambiciona assumir posições de Espero ficar neste emprego
pelo menos 10 anos
16.7%
liderança;
• Gostaria de usufruir de condições
Espero mudar de emprego
de trabalho mais flexíveis, tendo nos próximos 5 anos
30.6%
A maioria dos inquiridos considera Figura 4. Expetativa de assumir cargos de liderança no futuro
importante ou muito importante tor- Nunca
pensei nisso
Nada
importante
4.3%
nar-se líder durante a sua carreira ou 2.1%
Pacote salarial
A escolha do emprego
O pacote salarial, não sendo o fator Figura 7. Grau de satisfação dos millennials, no emprego atual
mais relevante no momento da esco-
Oportunidade de aprendizagem
lha do emprego, tende a ser um impor-
tante fator de retenção e o aspeto Aplicação de competências
tadas algumas estratégias interessantes e com também na promoção do equilíbrio entre o tra-
impacto, como sejam: balho e a vida pessoal;
• Promover a delegação e a autonomia dos tra- A maioria destas ações são aparentemente simples,
balhadores, dando responsabilidade e as con- mas na prática (e sei bem que sim!) acabam por
dições necessárias para que esta nova geração ser muitas vezes difíceis de implementar. Na grande
possa aplicar e desenvolver o seu talento, conhe- maioria das organizações, independentemente da
cimento e competências; sua dimensão, estes assuntos estão em cima da
• Apostar numa cultura de feedback numa base mesa há muito tempo. No entanto, a entrada desta
regular e de forma construtiva; geração millennials no mercado de trabalho leva a
que se tornem prioritários.
• Disseminar a cultura da organização, utilizando
estratégias simples de comunicação interna e
O emprego qualificado no setor irá certamente
promovendo eventos e iniciativas que ajudem a
aumentar nos próximos anos, o que será funda-
consolidar os valores e o propósito da organiza-
mental para responder ao desafio de acrescentar
ção;
valor à produção nacional e à crescente internacio-
• Valorizar o compromisso dos colaboradores, não nalização dos produtos. Esta nova geração será a
só em termos de compensação monetária, mas chave para responder a este desafio.
71
Questões da agricultura
– promoção do trabalho digno
EQUIPA DE ECONOMIA RURAL, DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS SETORIAIS
OIT - Organização Internacional do Trabalho, Genebra, Suíça
(por intermédio do escritório da OIT em Lisboa, Mafalda Troncho e Fernando Sousa Jr.)
des intensivas em tempo e mão-de-obra, que ou cola per capita reduz o número de pessoas a viver
não são remuneradas ou são mal remuneradas.3 em pobreza extrema entre 0,6% e 1,8%.6
estão longe de conseguir realizar esse potencial. No entanto, todos os trabalhadores agrícolas, inde-
A dura realidade que enfrentam é o resultado de pendentemente de serem trabalhadores temporá-
uma série de fatores, incluindo instituições do mer- rios, sazonais ou migrantes, e do seu estatuto legal
cado de trabalho fracas; aplicação da lei e inspe- e género, têm o direito de trabalhar em condições
ção do trabalho ineficazes; falta de sensibilização e adequadas de segurança e saúde. A Convenção
de mecanismos em matéria de direitos; ambiente n.º 184 da OIT, sobre Segurança e a Saúde na Agri-
pouco adequado ao desenvolvimento empresarial cultura, poderá ajudar os países nos seus esforços
e prevalência da informalidade. A situação é ainda para criarem um setor agroalimentar sustentável.
exacerbada por infraestruturas deficientes e acesso No entanto, até agora a Convenção foi apenas ratifi-
limitado a serviços, incluindo educação e cuida- cada por 16 países. Desenvolver e aplicar uma polí-
dos de saúde. Estes desafios, alguns dos quais são tica de SST que abranja todos os setores da econo-
adiante descritos com mais pormenor, exigem uma mia rural, promovendo uma cultura preventiva ao
atenção especial se quisermos encontrar uma solu- nível setorial e nas explorações agrícolas, e sensi-
ção sustentável para a pobreza em meio rural. bilizar as pessoas para os importantes benefícios
da implementação de práticas de trabalho seguras
Segurança e saúde no trabalho (SST) são ações fundamentais para promover a sustenta-
A agricultura é um dos setores mais perigosos da bilidade do setor agrícola. Além dos programas de
economia e está associada a uma alta incidência de formação, isso deve implicar o acesso à informação
doenças profissionais e acidentes de trabalho rela- e ao conhecimento de todos os aspetos da saúde
cionados com as condições de segurança e saúde e da segurança na produção agrícola, incluindo o
no trabalho e à exposição a agroquímicos. A OIT impacto da utilização de produtos químicos, assim
estima que cerca de 170 mil trabalhadores agrícolas como instrumentos legais, serviços de saúde e
morrem todos os anos, o que significa que correm o outros mecanismos mais amplos disponíveis para
dobro do risco de morrer no trabalho, quando com- proteger os direitos de trabalhadores e empregado-
parados com os trabalhadores de outros setores. E res. Além disso, as abordagens inovadoras, as prá-
milhões de outros trabalhadores agrícolas sofrem ticas ecológicas e os avanços tecnológicos têm-se
também lesões em acidentes de trabalho envol- revelado cada vez mais benéficos nos nossos esfor-
vendo máquinas agrícolas, ou envenenamento por ços de promoção de estratégias preventivas, assim
pesticidas e outros agroquímicos. como uma fonte importante de emprego “verde”.
Devemos procurar maximizar os benefícios destas
O trabalho agrícola é, por natureza, fisicamente exi- alternativas, explorando-as ainda mais.
gente e árduo, e o risco de acidentes é muitas vezes
ampliado pela fadiga, pelo terreno difícil, pela expo- Trabalho infantil
sição a condições climatéricas extremas ou a animais Como referido, cerca de 71% do trabalho infantil
selvagens, ou pelas más condições de saúde, resul- (envolvendo 108 milhões de crianças) ocorre no
tantes das condições de trabalho e de vida prevale- setor da agricultura, pescas e silvicultura (que inclui
centes na maioria das economias remotas e rurais. A agricultura propriamente dita, pecuária, pesca,
pressão para trabalhar mais depressa ou para colher aquicultura e florestas). Apesar dos enormes pro-
maiores quantidades aumenta ainda mais o risco de gressos alcançados, o trabalho infantil continua a
acidentes. Além disso, muitos trabalhadores agríco- ser motivo de preocupação nas grandes explora-
las são especificamente excluídos das leis nacionais ções. Em muitos países, estas explorações aprovei-
de proteção do trabalho, como as que determinam tam-se de lacunas legislativas e de falhas na apli-
salários mínimos, horário máximo de trabalho, baixa cação que afetam negativamente uma abordagem
por doença remunerada e segurança social. ao desenvolvimento baseada em direitos e a favor
74 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
dos mais pobres. As crianças são por vezes incluí- Em termos de segurança e saúde no trabalho, os ris-
das como parte do trabalho familiar contratado por cos que as crianças envolvidas em atividades agrí-
empresas que produzem para o mercado interno e colas correm são ainda maiores do que aqueles
para exportação, mas podem também ser contra- que os adultos enfrentam, dado que o seu corpo
tadas para trabalho eventual em grandes explora- ainda está em desenvolvimento e elas podem não
ções, num sistema de tarefa ou de quota, através ter capacidade nem conhecimentos para lidar com
de recrutamento informal não regulamentado, efe- certas situações. O seu envolvimento no trabalho
tuado por intermediários. agrícola começa muitas vezes em idade precoce,
implicando longas horas de trabalho, muitas vezes
No entanto, a maioria das crianças que trabalham sob temperaturas extremas e envolvendo movi-
no setor agrícola (67,5%) fazem-no como trabalha- mentos repetitivos em posições incómodas, como
dores não remunerados em explorações familiares. permanecer dobrado, transportar cargas pesadas
A escassez de oportunidades de trabalho digno ou trabalhar com instrumentos afiados ou maqui-
na economia rural para adultos e jovens em idade naria pesada. A exposição a pesticidas é uma das
ativa, associada a rendimentos inadequados e ins- maiores ameaças à saúde das crianças envolvidas
táveis e à falta de proteção social, à natureza sazo- no trabalho agrícola.
nal da produção agrícola, à baixa produtividade
e à falta de conhecimento e de competências, ao Vale a pena acrescentar que o trabalho infantil con-
acesso limitado a tecnologias modernas e à defi- tribui para que os jovens (15 a 24 anos) constituam
ciente prestação de serviços públicos, em particular uma percentagem desproporcionadamente ele-
educação, tornam a eliminação do trabalho infantil vada dos trabalhadores em situação de pobreza em
no setor da pequena agricultura uma tarefa particu- todo o mundo. Os jovens representam 23,5% dos
larmente difícil. Embora estas crianças contribuam trabalhadores em situação de pobreza nos países
para a produção de alimentos ou matérias-primas com dados disponíveis, em comparação com ape-
utilizados noutros setores da economia, o seu tra- nas 18,6% dos trabalhadores que não se encontram
balho é muitas vezes invisível e difícil de detetar. nessa situação. A maior parte destes jovens traba-
Seja em pequenas ou grandes explorações, a tarefa lhadores pobres está no setor agrícola.
das crianças é sobretudo ajudar os pais ou fami-
liares. E, uma vez que os trabalhadores e as suas Igualdade de género
famílias vivem frequentemente nas explorações ou As mulheres desempenham um papel fundamen-
perto das explorações onde trabalham, identificar tal na agricultura, representando em alguns países
o trabalho infantil ou as crianças em risco poderá mais de metade da mão-de-obra agrícola total e
não ser fácil. Mais importante ainda, as economias produzindo 60% a 80% dos alimentos nos países
rurais estão muitas vezes insuficientemente cober- em desenvolvimento. O padrão de migração das
tas pela legislação do trabalho, devido à natureza zonas rurais para as urbanas contribuiu para aquilo
do trabalho que aí prevalece, caracterizado pela a que se tem chamado a “feminização da agricul-
ausência de relações contratuais, ou simplesmente tura”, particularmente visível na Ásia e em África.
porque em muitas zonas remotas a aplicação da lei, No entanto, as mulheres deparam-se com frequên-
a inspeção do trabalho e o cumprimento das dis- cia com trabalho eventual e irregular. Têm também
posições laborais falham ou são ineficazes. Mesmo normalmente menos possibilidades de exercer tra-
quando existem, as leis relativas ao trabalho infan- balho assalariado do que os homens e, quando o
til são muitas vezes menos rigorosas na agricultura fazem, ocupam frequentemente postos de trabalho
do que noutros setores. a tempo parcial, sazonais e/ou de baixa remunera-
ção na economia informal. Um número significa-
Questões da agricultura – promoção do trabalho digno 75
tivo de mulheres envolvidas na produção agrícola ao exercício dos seus direitos à liberdade de asso-
fazem parte da mão-de-obra familiar. ciação e à negociação coletiva, que são fundamen-
tais para garantir salários e meios de subsistência
Embora haja uma expetativa crescente de que sustentáveis. Em resultado disso, há relativamente
as mulheres possam satisfazer grande parte das poucos sindicalistas agrícolas em comparação com
necessidades de segurança alimentar da sua famí- o número total de trabalhadores do setor. Em alguns
lia, em simultâneo com o trabalho doméstico e países, os trabalhadores agrícolas são excluídos da
reprodutivo, a desigualdade de género continua a proteção do salário mínimo. Noutros, são os tipos
ser uma das principais causas e efeitos da pobreza específicos de profissões ou trabalhadores que fre-
e da fome. A discriminação baseada no género, pre- quentemente se encontram nas grandes explora-
valecente em muitas partes do mundo, é respon- ções, como os trabalhadores eventuais e sazonais,
sável pelo acesso limitado das mulheres a capital, que não podem beneficiar de um salário mínimo.
crédito, direitos fundiários, fatores de produção,
tecnologia e mercados. Se as mulheres tivessem As organizações livremente estabelecidas de empre-
o mesmo acesso aos recursos produtivos que os gadores e de trabalhadores, com capacidade de
homens, poderiam aumentar o rendimento das exercerem plenamente o seu papel e as suas res-
suas explorações em 20-30% e o número de pes- ponsabilidades, são importantes para alcançar o
soas com fome no mundo poderia ser reduzido em objetivo universal de trabalho digno para todos,
até 150 milhões.7 em qualquer contexto, e têm benefícios diretos evi-
dentes para os trabalhadores e os empregadores
É importante notar que o assédio e a violência do setor agrícola. Embora a organização dos traba-
sexual continuam a ser um problema muito rele- lhadores e a negociação coletiva possam ser mais
vante no setor agrícola, frequentemente exacerbado sólidas nas grandes explorações do que noutros
quando as mulheres vivem no local das grandes setores rurais, também aí subsistem impedimentos
explorações. Neste aspeto, a promoção da capaci- legais e desafios práticos. Em alguns casos, a discri-
tação das mulheres e a integração das questões de minação, a legislação ou obstáculos administrati-
género nos quadros legais e institucionais a todos vos antissindicais (por exemplo, a reduzida capaci-
os níveis de governação, associadas à discrimina- dade dos trabalhadores para criarem organizações
ção positiva (ou ação positiva) concreta, ao mesmo de acordo com as suas condições e necessidades,
tempo que se assegura a prestação e melhoria dos devido, por exemplo, a requisitos quanto a número
cuidados de saúde, dos sistemas financeiros e dos mínimo de membros ou quantidade mínima de fun-
cuidados materno-infantis, constituem elementos dos) coartam o direito dos trabalhadores a criarem
cruciais na luta contra a pobreza e na garantia da ou aderirem a sindicatos. Há, naturalmente, algu-
igualdade de oportunidades no local de trabalho. mas boas práticas. Uma delas é o Acordo-Quadro
Internacional no setor da banana, de 2001, entre
Liberdade de associação e negociação coletiva a empresa Chiquita, a International Union of Food,
Em muitos países, as zonas rurais enfrentam Agricultural, Hotel, Restaurant, Catering, Tobacco
lacunas legislativas e falhas de aplicação no que and Allied Workers’ Associations (IUF) e o Coordina-
toca a princípios e direitos fundamentais do traba- ting Body of Latin American Banana and Agro-indus-
lho. Os trabalhadores agrícolas e rurais vêem-se fre- trial Unions (COLSIBA), que se revelou fundamental
quentemente confrontados com sérios obstáculos para apoiar os esforços de organização sindical na
Colômbia e nas Honduras e que ajudou a abordar
7 FAO: State of Food and Agriculture in the World: Women in a questão dos contratos de trabalho na Costa Rica,
Agriculture (Roma, 2011) assim como do assédio sexual em geral.
76 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
A falta de organização no setor da pequena agri- mento sustentável e o crescimento. Nos últimos
cultura coloca igualmente desafios relacionados anos, têm-se assistido a um ressurgimento do inte-
com a produtividade e os rendimentos. E os agri- resse na agricultura e no desenvolvimento rural e
cultores podem conseguir muito, organizando- à promoção de meios de subsistência sustentáveis
-se em associações de produtores, cooperativas e nas zonas rurais como elemento fundamental na
outras organizações da economia social e solidá- eliminação da pobreza.
ria. Agricultores bem organizados conquistam uma
melhor posição no acesso a mercados de alto valor Tendo em conta o aumento da procura mundial
acrescentado (como os nichos de mercado bioló- de alimentos, o setor agrícola oferece oportunida-
gicos) e na ligação a empresas num nível superior des de emprego inexploradas, sobretudo para os
da cadeia de abastecimento alimentar, podendo jovens. No entanto, para atrair uma nova geração
até, em alguns casos, encurtá-la. As cooperativas de agricultores, o setor precisa de se modernizar
podem ser fundamentais para melhorar as compe- mais, de aumentar a produtividade e o rendimento
tências técnicas e empresariais dos seus membros e de melhorar a perceção que tem como fonte de
e podem ajudar os agricultores a ter acesso a tec- empregos dignos. Será essencial melhorar a quali-
nologia e mercados, a adotar normas e classifica- dade do emprego agrícola – que está normalmente
ções que lhes permitam captar uma maior percen- entre o trabalho menos protegido, mais mal remu-
tagem do valor acrescentado dos seus produtos, nerado, mais perigoso e de estatuto mais baixo.
cumprindo requisitos em matéria de segurança ali- São também necessárias soluções eficazes para os
mentar ou de comércio justo. Podem atuar como desafios que vão surgindo, como a alteração nas
intermediários ou abonadores de empréstimos relações de trabalho decorrente da externalização,
dos seus membros, ou promover acordos de cré- nomeadamente nas grandes explorações. O traba-
dito e empréstimos entre esses membros. Podem lho digno promove o crescimento e a produtividade
ainda aumentar o poder negocial dos pequenos agrícolas, que, por sua vez, podem aumentar o ren-
produtores, garantindo que eles obtêm uma pro- dimento rural, promover um maior consumo e gerar
porção justa do valor gerado e conseguem assim efeitos multiplicadores significativos em toda a eco-
maior rendimento. Através do trabalho conjunto, os nomia.
membros das cooperativas podem garantir melho-
res preços para os fatores de produção, comprando Há muitos atores nacionais e internacionais envol-
quantidades maiores. As cooperativas e as organi- vidos na agricultura e no desenvolvimento rural. As
zações de produtores podem ajudar a gerar rendi- intervenções da OIT nesta área baseiam-se em van-
mento e emprego para os seus membros e abrir tagens comparativas: uma abordagem normativa
uma via para outras empresas e prestadores de ser- ao desenvolvimento, uma capacidade única de reu-
viços chegarem ao setor da pequena agricultura, de nir os principais atores e um mandato e experiên-
outra forma inacessível. cia no mundo do trabalho. A Decent Work Agenda
(Agenda para um Trabalho Digno) da OIT8 oferece
O setor agrícola: uma fonte inexplorada muitos instrumentos, abordagens e ferramentas
de emprego para apoiar governos, empregadores e trabalha-
dores nos seus esforços de promoção de meios de
Um número crescente de países tem vindo a reco- subsistência sustentáveis nas zonas rurais. Aprovei-
nhecer a necessidade de desenvolver o potencial, tar o potencial da economia rural através do traba-
muitas vezes menosprezado, da agricultura e das
economias rurais na criação de emprego digno 8 http://www.ilo.org/global/topics/decent-work/lang--en/
e produtivo e na contribuição para o desenvolvi- index.htm
Questões da agricultura – promoção do trabalho digno 77
lho digno é fundamental para o desenvolvimento Promoting Decent Work for Rural Workers at the Base of the
sustentável e imprescindível ao cumprimento da Supply Chain, Sectoral Policies Department, Internatio-
nal Labour Office - Genebra: OIT, 2015
promessa dos ODS de “não deixar ninguém para
Safety and health in agriculture, Sectoral Policies Depart-
trás”. ment, International Labour Office- Genebra: OIT, 2011
The rural economy: An untapped source of jobs, growth and
Bibliografia development - OIT, 2017
Women at Work. Trends 2016 – Genebra: OIT, 2017
Decent and Productive Work in Agriculture, Sectoral Policies World Employment and Social Outlook 2016: Transforming
Department, International Labour Office - Genebra: OIT, jobs to end poverty, International Labour Office – Gene-
2015 bra: OIT, 2016
Decent Work for Food Security and Resilient Rural Livelihoods,
Sectoral Policies Department, International Labour
Office - Genebra: OIT, 2015
As novas condições de trabalho na agricultura 79
184 da OIT sobre a Segurança e a Saúde na Agri- trabalho: no uso dos seus poderes de autoridade
cultura, de 2001, ambas ratificadas por Portu- modificam situações inseguras; aplicam sanções
gal, devem ser entendidas como condição de efe- com efeito dissuasor junto dos agentes económi-
tividade das diretivas comunitárias já adotadas e cos; exercem diariamente uma função informativa
transpostas para o direito nacional em matéria de junto dos empregadores, dos trabalhadores e dos
segurança e saúde dos trabalhadores no trabalho. seus representantes.
Este quadro legal é aplicável às atividades agríco-
las e similares, embora não contemple determina- A ACT enquadra-se num modelo de inspeção de
das situações específicas. tipo generalista em que as competências dos ins-
petores, para além da segurança e saúde no tra-
O Regime Jurídico da Promoção da Segurança e balho, abrangem o domínio das relações de tra-
Saúde no Trabalho - Lei n.º 102/2009, de 10.09, alte- balho e da organização do trabalho. Na formação
rada pela Lei n.º 3/2014, de 28.01 - decorre da trans- dos inspetores de trabalho, para além das maté-
posição da Diretiva 89/391/CEE, de 12.06, define rias nucleares que integram o desempenho da fun-
a aplicação de princípios relativos à segurança e ção inspetiva, salienta-se a formação ministrada em
saúde no trabalho comuns a todo o mundo do tra- matérias que contribuem para o aperfeiçoamento
balho, todos os setores de atividade económica, do seu gesto profissional, bem como o contacto e
incluindo o setor agrícola e florestal. informação em áreas de intervenção diversificada.
Esta lei compreende metodologias adequadas à Neste contexto, para o desenvolvimento de com-
prevenção de acidentes de trabalho, tendo como petências técnicas e científicas necessárias a uma
principal campo de ação o reconhecimento e o adequada intervenção inspetiva nas áreas agrí-
controlo dos riscos associados aos componentes cola, pecuária e florestal, são colocados especiais
materiais do trabalho, bem como um conjunto de desafios de qualificação na concretização de um
metodologias não médicas necessárias à prevenção gesto profissional correto. Um gesto que não passe
das doenças profissionais, que visam o controlo da só pelo mero controlo inspetivo, mas que inclua a
exposição aos agentes físicos, químicos e biológicos capacidade de produzir informação e aconselha-
presentes nos componentes materiais do trabalho. mento técnico, tendo em conta a atividade dos
setor agrícola e o peso das MPE na nossa economia.
Compete à ACT, na vertente de inspeção do tra-
balho, a fiscalização do cumprimento deste qua- Do ponto de vista dos requisitos para a formação
dro legal, podendo acarretar a aplicação das cor- dos inspetores do trabalho, a natureza específica
respondentes sanções, bem como a realização de das (principais) tarefas agrícolas, pecuárias e flores-
inquéritos de acidente de trabalho mortal ou que tais requer uma atenção especial, nomeadamente
evidencie uma situação particularmente grave. quanto aos seguintes aspetos:
Decorrendo esta formação essencialmente em con- sas entidades constitui papel dos serviços públi-
texto de trabalho, na componente agrícola e agro- cos da administração do trabalho (com destaque
pecuária, é dado maior enfoque ao trabalho com para a ACT) e, para isso, pode socorrer-se de pro-
tratores, às máquinas agrícolas, bem como à aplica- cessos diversificados: programas de ação comuns,
ção de produtos fitofarmacêuticos. Na componente acordos, divulgação dos resultados das suas ativi-
florestal, abordam-se as principais operações silví- dades, etc.
colas e de exploração florestal, com destaque para
os tratores e máquinas florestais, motosserras e Da ação da ACT é esperado que confira consistên-
motorroçadouras. cia à intervenção dos demais organismos da rede
de prevenção de riscos profissionais, dada a sua
b. A cooperação e o trabalho em rede vocação para intervir nos locais de trabalho onde
A crise económica, financeira e social impôs a pode suscitar necessidades e disseminar informa-
necessidade de reorientação de políticas e de pro- ção disponível.
gramas de ação dos organismos da administra-
ção pública em resposta às dificuldades das orga- Do ponto de vista da cooperação e do trabalho em
nizações e dos seus trabalhadores. Aos problemas rede, estão em causa nos setores agrícola, pecuá-
anteriormente sinalizados acrescem novos desafios rio e florestal:
que exigem respostas adequadas das organizações,
• A promoção do diálogo social setorial (que cons-
nomeadamente quanto à revisão e forma de apli-
titui uma alavanca fundamental);
cação da legislação, à negociação coletiva e ao diá-
logo social. • A negociação coletiva de trabalho como ferra-
menta de produção de normas flexíveis e adaptá-
Atendendo à importância da agricultura no mundo veis (essencial para afinar a regulamentação das
rural, é importante que os diferentes atores impli- condições de trabalho, incluindo a definição dos
cados em processos de desenvolvimento rural cla- salários), tendo em conta as necessidades das
rifiquem o papel que podem ter na promoção da empresas e dos trabalhadores agrícolas;
segurança e saúde no trabalho e a forma como • A vantagem de definir e conduzir com as asso-
podem concertar as energias entre si, tendo como ciações sindicais e de empregadores, programas
objetivo uma intervenção mais eficaz. de ação para resolver problemas específicos (em
ligação com instituições públicas e/ou privadas
A ACT, enquanto organismo responsável pelo con- de interesse e competência para atuar em temas
trolo e pela promoção do cumprimento da legis- problemáticos);
lação em matéria de relações laborais e de segu-
• A variedade de ferramentas (educação, informa-
rança e saúde no trabalho, ocupa um lugar central
ção e comunicação, formação, etc.) e um sen-
na dinamização das entidades públicas e privadas
tido estratégico que expressem, a médio e longo
que integram o sistema e a rede nacional de pre-
prazo, a possibilidade de as organizações promo-
venção de riscos profissionais.
verem ações junto do seu público-alvo.
3. Programas de intervenção
trumentos de aplicação das principais obrigações organização dos serviços de segurança e saúde no
legais impostas pelas diferentes normas aplicáveis3. trabalho, a falta de avaliação de riscos, de realiza-
ção dos exames de saúde, a falta de seguro de aci-
Durante a campanha, procurou-se o equilíbrio entre dentes de trabalho, a falta de formação - em espe-
as medidas de prevenção, de informação e sensi- cial, a formação habilitante para a condução e
bilização e de aplicação de procedimentos inspeti- operação com trator -, de informação, de verifica-
vos dissuasores, tendo-se estabelecido duas fases ção e manutenção de máquinas e equipamentos de
distintas. trabalho e de utilização de equipamentos de prote-
ção individual.
Na primeira fase, foram desenvolvidas mais iniciati-
vas de informação, sensibilização, aconselhamento A promoção da melhoria das condições de traba-
e de formação de atores de segurança e saúde no lho na agricultura, pecuária e floresta ultrapassou
trabalho, com vista ao estabelecimento de um dis- a fronteira temporal do referido plano e continuou,
positivo de informação para permitir o acompanha- de forma planeada e articulada com os parceiros
mento dos processos de aconselhamento agrícola em outras campanhas. É o caso da Campanha de
e de apoio à rede de informação setorial em segu- Prevenção de Riscos Profissionais com a Utilização
rança e saúde no trabalho. de Máquinas e Equipamentos de Trabalho - sendo
o trator umas das máquinas em destaque -, a Cam-
Na prevenção dos riscos profissionais associados panha Nacional de Segurança e Saúde para os Tra-
às tarefas agrícolas, pecuárias e florestais prioriza- balhadores Temporários e a Campanha Ibérica de
ram-se os riscos associados à utilização dos trato- Prevenção de Acidentes de Trabalho.
res e máquinas agrícolas e florestais, ao manusea-
mento e aplicação de fitofármacos, à utilização de Atendendo à importância da aplicação das normas
motosserra e motorroçadoura. técnicas ao setor florestal, designadamente nas
áreas de certificação florestal e à comercialização
Na segunda fase do plano - e sem descurar as ativi- de máquinas e equipamentos, a ACT participou de
dades preventivas -, o foco principal visou a trans- forma ativa em Comissões Técnicas, para promover
formação dos locais de trabalho, tornando-os mais através da normalização, o cumprimento da legis-
seguros e saudáveis através da intervenção ins- lação e a construção de locais e de equipamentos
petiva, realizada em dois momentos: a primeira trabalho dignos e seguros.
visita inspetiva com agendamento e possibilidade
de acompanhamento pelos parceiros do plano, b. O caso particular do uso de tratores agrí-
técnicos de prevenção e médicos do trabalho e colas
a segunda visita sem qualquer aviso prévio, reali- O volume e a severidade da sinistralidade decor-
zadas em período de pico de trabalho, nomeada- rente do uso de tratores agrícolas ocupam um
mente nas épocas de sementeira/plantação e de espaço importante na ação desenvolvida e a desen-
colheitas. volver.
As principais irregularidades identificadas nas visi- A formação constituiu um dos temas centrais de
tas inspetivas relacionaram-se com a ausência de debate entre os diferentes parceiros das campa-
nhas, nomeadamente quanto à necessidade de
3 Disponíveis em http://www.act.gov.pt/(pt-PT)/Cam-
definição da formação habilitante para operar com
panhas/Campanhasrealizadas/Trabalho_Agricola_ o trator agrícola. Por existirem exigências diferen-
Florestal. ciadas quanto à habilitação legal para conduzir
As novas condições de trabalho na agricultura 85
o trator em estrada e para operar no interior das guem a colocação de estruturas de proteção
explorações, houve necessidade de definir a respe- nas máquinas antigas que representam cerca de
tiva formação habilitante. metade dos tratores em uso;
• O controlo efetivo de máquinas no mercado de
O Governo, através do Despacho n.º 295/2017, de
segunda mão, em especial as importadas e não
5.01, criou um grupo de trabalho para analisar a
homologadas em Portugal, mediante a adoção
sinistralidade com tratores e apresentar um relató-
dos normativos legais e técnicos adequados;
rio com propostas de medidas para a redução da
sinistralidade associada. De entre as várias medi- • A realização de spots televisivos que alertem a opi-
das, salienta-se a relativa à formação habilitante nião pública e o meio rural para a elevada mor-
para conduzir e operar o trator, materializada pela tandade com tratores, a mais elevada da Europa;
criação da Unidade de Formação de Curta Dura- • A criação de fóruns setoriais para discussão e
ção UFCD 9596 – Condução e operação com o tra- análise da informação recolhida, consensuali-
tor em segurança. Os operadores com carta de con- zando medidas de prevenção adequadas.
dução dos tipos B e C devem frequentar a UFCD
9596, para obterem a formação habilitante, minis-
Conclusões e perspetivas
trada por entidades certificadas e reconhecidas
pelo Ministério da Agricultura. Do balanço final do Plano Estratégico de ação para a
segurança e saúde no trabalho dos setores agrícola,
Neste contexto, defende-se a implementação de pecuário e florestal, importa salientar a dinâmica
algumas medidas para a redução da sinistralidade implementada pelos parceiros sociais e institucio-
no setor agrícola, designadamente com tratores, nais, pelo que a rede estabelecida dará continui-
tais como: dade ao trabalho desenvolvido.
• O registo de acidentes com tratores numa plata-
forma comum que permita a análise pelas dife- Ao longo dos diferentes fóruns, foram debatidas
rentes instituições, no âmbito das suas atribui- possíveis soluções que poderiam ser implementa-
ções –acidentes rodoviários que também são das no futuro para reduzir a sinistralidade. A redu-
acidentes de trabalho, acidentes no trabalho que ção da sinistralidade com a utilização de tratores
não são acidentes de trabalho, etc.; continua a merecer destaque particular, dado o seu
volume e severidade.
• A recolha de informação no Boletim Estatístico de
Acidentes de Viação (BEAV) relativa à existência
É amplamente reconhecido que a ação da inspe-
de relação laboral nos acidentes ocorridos nas
ção do trabalho produziu progressos considerá-
estradas nacionais, assumidos pela Autoridade
veis, mas ainda há um longo caminho a percorrer
Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) como
para eliminar os principais problemas que afetam
acidentes de “viação”;
e dificultam o desenvolvimento do trabalho digno
• A alteração ao Código da Estrada, nomeada- na agricultura. É essencial que os serviços de ins-
mente quanto à habilitação legal, à posição ativa peção do trabalho disponham de recursos ade-
das estruturas de segurança na estrada, à mon- quados para assegurar que os inspetores visitem
tagem de pirilampo e à inspeção obrigatória aos regularmente as empresas agrícolas e que estejam
tratores agrícolas e florestais; adequadamente formados e informados sobre as
questões de segurança e saúde no trabalho destes
• As medidas que incentivem a modernização do
setores de atividade económica.
parque de máquinas a nível nacional e que obri-
87
respetivamente 22,8% e 67,2%. A evolução verifi- tivamente inferior no setor primário em resultado
cada nos setores primário e secundário revela uma da maior relevância do trabalho a tempo parcial,
perda de importância relativa do emprego a favor o que não acontece na maior parte dos outros
do setor terciário. setores da economia. Em 2015, o setor primário
empregou 458 mil pessoas, mas quando medido
Durante o período em análise, o emprego, medido em ETC representa somente 282 mil unidades.
setor primário empregou 458 mil pessoas, mas quando medido em ETC representa somente
em número de pessoas, do setor primário tem
282 mil unidades.
vindo a apresentar um decrés-
cimo acentuado (-1,8% ao ano, Gráfico 3. Rácio entre o nº de ETC e o nº de empregados, por setor da
economia em 2015
entre 1995 e 2015). O emprego do
Gráfico 3: Rácio entre o nº de ETC e o nº de empregados, por setor da economia em 2015
setor secundário regista uma evo- 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2
lução idêntica (-1,8% média anual
1995/2015), sobretudo devido ao
Sector secundário
decréscimo verificado na indús-
tria têxtil (-2,9% média anual) e na
construção (-2,1% média anual). A
indústria apresentou um contributo
Sector terciário
médio negativo para a evolução do
emprego nacional (-0,4 p.p.), infe-
rior ao verificado no setor primário
(-0,2 p.p.). Sector primário
da crise económico-financeira e
retomando o crescimento a partir de 2012. Para a b) As regiões NUTS III e o emprego
evolução positiva do emprego da economia entre
1995 e 2014 contribuíram as atividades adminis- Norte e Centro reúnem 76,5% do emprego do
trativas e dos serviços de apoio (0,14 p.p.), as ati- setor primário
vidades de alojamento e restauração (0,11 p.p.), o Analisando a distribuição do emprego do setor pri-
comércio por grosso e a retalho (0,09 p.p.) e as ati- mário por região NUTS II, observa-se uma concen-
vidades jurídicas, de contabilidade, gestão, arqui- tração de 76,5% do emprego nas regiões Norte e
tetura, engenharia e atividades de ensaios e análi- Centro do país. Contudo, é de salientar o ganho
ses técnicas (0,07 p.p.). de importância da região Norte (2,8p.p.) e perda
da região Centro (-3,3 p.p.). As regiões NUTS III que
Saliente-se que, se o emprego for medido em apresentaram um maior contributo para o decrés-
volume de trabalho (equivalentes a tempo com- cimo do emprego primário entre 2000 e 2014 foram
pleto - ETC4), verifica-se que o rácio entre o volume a região Oeste (-0,38 p.p.), área metropolitana do
de trabalho e número de empregados é significa- Porto (-0,22 p.p.) e região de Leiria (-0,20 p.p.).
Quadro 2. Estrutura do emprego primário por regiões NUTS III e respetivas variações
Taxa de crescimento Cntributo médio para
Estrutura do emprego primário (%) médio anual em volume a variação do emprego
(%) (p.p.)
Variação
2000 2014 2000/2014
2000/2014 (p.p.)
Portugal 100,0 100,0 -1,9
NUTS II
Norte 35,4 38,1 2,8 -1,4 -0,52
Centro 41,7 38,4 -3,3 -2,5 -0,95
Área Metropolitana de Lisboa 3,2 4,2 1,0 0,1 -0,01
Alentejo 9,1 10,4 1,3 -0,9 -0,10
Algarve 3,8 3,4 -0,3 -2,5 -0,09
R.A. Açores 3,2 2,9 -0,3 -2,7 -0,07
R.A. Madeira 3,7 2,5 -1,2 -4,5 -0,13
NUTS III
Alto Minho 2,1 2,3 0,2 -1,3 -0,03
Cávado 4,8 4,4 -0,3 -2,4 -0,11
Ave 2,1 2,2 0,1 -1,5 -0,03
Área Metropolitana do Porto 9,6 9,2 -0,4 -2,2 -0,22
Alto Tâmega 1,6 2,2 0,6 0,3 0,01
Tâmega e Sousa 2,8 3,0 0,2 -1,4 -0,04
Douro 8,8 10,2 1,4 -0,8 -0,08
Terras de Trás-os-Montes 3,6 4,6 1,0 -0,2 -0,01
Oeste 15,2 13,5 -1,8 -2,7 -0,38
Região de Aveiro 3,0 4,0 1,0 0,2 0,01
Região de Coimbra 5,5 4,9 -0,6 -2,8 -0,14
Região de Leiria 4,9 3,0 -1,8 -5,2 -0,20
Viseu Dão Lafões 3,3 3,4 0,1 -1,7 -0,06
Beira Baixa 1,6 2,0 0,4 -0,2 -0,01
Médio Tejo 3,9 2,6 -1,3 -4,7 -0,15
Beiras e Serra da Estrela 4,2 5,0 0,7 -0,8 -0,03
Área Metropolitana de Lisboa 3,2 4,2 1,0 0,1 -0,01
Alentejo Litoral 1,4 1,8 0,4 0,0 0,00
Baixo Alentejo 1,7 2,3 0,6 0,2 0,00
Lezíria do Tejo 2,7 2,7 0,0 -1,9 -0,05
Alto Alentejo 1,3 1,4 0,1 -1,3 -0,02
Alentejo Central 2,0 2,2 0,2 -1,2 -0,03
Algarve 3,8 3,4 -0,3 -2,5 -0,09
R.A. Açores 3,2 2,9 -0,3 -2,7 -0,07
R.A. Madeira 3,7 2,5 -1,2 -4,5 -0,13
Fonte: GPP, a partir da variável “nº de indivíduos totais por ramo de atividade, A3” das Contas Regionais, INE
Data da última atualização: dezembro de 2016
O setor primário tem maior importância na formação de emprego nas regiões NUTS III do
92 cadernos
Douro e Terras de Trás-os-Montes, Oeste e Alto Tâmega
de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
Gráfico 4: Estrutura setorial do emprego por regiões NUTS III – 2014 (%)
Gráfico 4. Estrutura setorial do emprego por regiões NUTS III – 2014 (%)
100%
90%
80% 41 41
44 47 45
52 50 52
56 54 57 54
70% 57 60
62 61 62
66 66 67 64
72
76
60% 80
86
11
50%
11
19
40% 17
17 20
50
50 17 17
30% 37 36 35 27
32
24 23 16 20
48 22
20% 28 43 14
36 13
33
26 26 11
22 24
10% 17
16 14 12 15 16 14
12 12 12 13 11 11
6 6 9 9
0% 2
I II III
Fonte: GPP, a partir da variável “nº de indivíduos totais por ramo de atividade, A3” das Contas Regionais, INE
Fonte: GPP, a partir da variável “nº de indivíduos totais por ramo de atividade, A3” das Contas Regionais, INE
Data da última atualização: dezembro de 2016
A diminuição do emprego no setor primário foi transversal à grande maioria das regiões NUTS
III, exceto o Alto Tâmega (4,7%), Região de Aveiro (3,5%), Baixo Alentejo (2,4%), Área
O trabalho na agricultura portuguesa 93
Gráfico 6. Taxa de variação 2000/2014 do emprego primário por regiões NUTS 1995/2015: -2,6%), em particu-
III (%) Gráfico 6: Taxa de variação 2000/2014 do emprego primário por regiões NUTS III (%) lar o volume de trabalho não
-60 -50 -40 -30 -20 -10 0 10 assalariado (-3,0% ao ano).
Alto Minho
Cávado
Ave Substituição do emprego
Área Metropolitana do Porto
Alto Tâmega agrícola por serviços
Tâmega e Sousa
Douro
Terras de Trás-os-Montes O volume de consumos inter-
Oeste
Região de Aveiro médios utilizado pela agricul-
Região de Coimbra
Região de Leiria tura tem vindo a crescer, entre
Viseu Dão Lafões
Beira Baixa 1995 e 2016 (51%), sobre-
Médio Tejo
Beiras e Serra da Estrela tudo devido às aquisições de
Área Metropolitana de Lisboa
Alentejo Litoral
Baixo Alentejo
serviços6, nomeadamente,
Lezíria do Tejo
Alto Alentejo
os “outros bens e serviços”7
Alentejo Central
Algarve
(350%). Estes representavam
R. A. dos Açores
R. A. da Madeira
27% em 1995 e 35% em 2016,
dos quais os “outros bens e
Fonte: GPP, a partir
Fonte: da variável “nº de indivíduos totais por ramo de atividade, A3”
GPP, a partir da variável das Contas Regionais, INE
“nº de indivíduos totais por ramo de atividade, A3” das Contas Regionais, INE
Data da última atualização: dezembro de 2016
Data da última atualização: dezembro de 2016 serviços representaram, res-
petivamente, 17% e 22%. Esta
As áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa
c) O volume de trabalho na agricultura portuguesa 5
apre- evolução parece apontar para uma substituição da
sentam a menor expressão do emprego no setor
Diminuição acentuada do volume de trabalho agrícola aquisição de serviços de forma direta por meios
primário, com valores de 6,0% e 1,6% da popula-
O volume de trabalho agrícola tem vindo a decrescer continuamente desde 1995 (média anual indiretos, que se reflete apenas parcialmente no
1995/2015: -2,6%), em particular o volume de trabalho não assalariado (-3,0% ao ano).
ção empregada, respetivamente. valor das remunerações dos assalariados mas não
Substituição do emprego agrícola por serviços na totalidade. Em resultado, uma parte do trabalho
Emprego no setor primário diminuiu em quase
O volume de consumos intermédios utilizado pela agricultura tem vindo a crescer, entre 1995
todas as regiões NUTS III
e 2016 (51%), sobretudo devido às aquisições de serviços 6
, nomeadamente, os “outros bens e
6 Inclui as rubricas: “Despesas com veterinários”, “Manuten-
serviços”7 (350%). Estes representavam 27% em 1995 e 35% em 2016, dos quais os “outros
A diminuição do emprego no setor primário foi ção e Reparação de Material e Ferramentas”; “Manuten-
ção e Reparação de Edifícios Agrícolas e de Outras Obras”;
transversal
5
à grande maioria das regiões NUTS
O volume de trabalho agrícola, medido em UTA é, em regra, inferior ao emprego em n.º de indivíduos. A diferença
“Serviços Agrícolas”; “Serviços de Intermediação Finan-
entre ambos, bem como a adequação da medição do volume de emprego em UTA, será tanto maior quanto maior
III, exceto o Alto Tâmega (4,7%), Região de Aveiro
for o trabalho prestado a tempo parcial.
6 ceira Indiretamente Medidos (SIFIM)” e “Outros Bens e
Inclui as rubricas: “Despesas com veterinários”, “Manutenção e Reparação de Material e Ferramentas”;
(3,5%), Baixo Alentejo (2,4%), Área Metropolitana de Serviços”.
“Manutenção e Reparação de Edifícios Agrícolas e de Outras Obras”; “Serviços Agrícolas”; “Serviços de
Lisboa (1,0%) e Alentejo Litoral (0,2%), cuja evolu-
Intermediação Financeira Indiretamente Medidos (SIFIM)” e “Outros Bens e Serviços”. 7
7 Os valores contabilizados no item “outros bens e serviços”
Os valores contabilizados no item “outros bens e serviços” são muito diversos, em resultado nomeadamente das
ção foi positiva no período 2000/2014. são muito diversos, em resultado nomeadamente das
diferentes estruturas produtivas e métodos de produção. Apesar da característica “diversidade”, os “outros bens e
serviços” são, na UE27, os segundos maiores itens da estrutura de consumos intermédios, sendo por esta razão
diferentes
necessário conhecer os verdadeiros valores para a determinação correta do VAB e do rendimento. Um estruturas
estudo produtivas e métodos de produção.
c) O volume de trabalho na agricultura por-
elaborado pelo Eurostat revela que, em 2007, os “outros bens e serviços” pesavam em média 14% na estrutura de
Apesar da característica “diversidade”, os “outros bens
consumos intermédios, embora variando entre EM (de 3% na Polónia a 26% em Portugal), em resultado de
tuguesa 5 e serviços” são, na UE27, os segundos maiores itens da
dificuldades associadas à contabilização de, nomeadamente, custos não incluídos ou custos mal classificados (e.g.
em vez de serem classificados como “outros bens e serviços”, são classificados como “serviços agrícolas”), e à
sobre/subvalorização (perigo de dupla contabilização). estrutura de consumos intermédios, sendo por esta razão
Diminuição acentuada do volume de trabalho necessário conhecer os verdadeiros valores para a deter-
agrícola minação correta9 do VAB e do rendimento. Um estudo
elaborado pelo Eurostat revela que, em 2007, os “outros
O volume de trabalho agrícola tem vindo a decres- bens e serviços” pesavam em média 14% na estrutura de
cer continuamente desde 1995 (média anual consumos intermédios, embora variando entre EM (de 3%
na Polónia a 26% em Portugal), em resultado de dificul-
5 O volume de trabalho agrícola, medido em UTA é, em dades associadas à contabilização de, nomeadamente,
regra, inferior ao emprego em n.º de indivíduos. A dife- custos não incluídos ou custos mal classificados (e.g. em
rença entre ambos, bem como a adequação da medição vez de serem classificados como “outros bens e serviços”,
do volume de emprego em UTA, será tanto maior quanto são classificados como “serviços agrícolas”), e à sobre/
maior for o trabalho prestado a tempo parcial. subvalorização (perigo de dupla contabilização).
bens e serviços representaram, respetivamente, 17% e 22%. Esta evolução parece apontar
para uma substituição da aquisição de serviços de forma direta por meios indiretos, que se
reflete apenas parcialmente no valor das remunerações dos assalariados mas não na
totalidade. Em resultado, uma parte do trabalho e do produto agrícolas estará a ser imputado
ao setor
94 dos serviços
cadernos como
de análise resultado CULTIVAR
e prospetiva de uma N.º
externalização de
10 DEZEMBRO atividades anteriormente
2017
integradas na exploração agrícola.
Gráfico 7. Evolução da Remuneração dos Assalariados (milhões de euros)
Gráfico 7: Evolução da Remuneração dos Assalariados (milhões de euros) e do produto agrícolas estará a
900
ser imputado ao setor dos ser-
viços como resultado de uma
800
externalização de atividades
700
anteriormente integradas na
600 exploração agrícola.
500
400
300
200
100
P – valores provisórios
P – valores provisórios
Fonte: GPP, a partir de Contas Económicas da Agricultura (base 2011), INE
Fonte: GPP, a partir de Contas Económicas da Agricultura (base 2011), INE
Data da última atualização: CEA (fevereiro de 2017)
Data da última atualização: CEA (fevereiro de 2017)
Quadro 3. Evolução do VAB agrícola, a preços correntes, e algumas componentes (milhões de euros)
Quadro 3: Evolução do VAB agrícola, a preços correntes, e algumas componentes (milhões de euros)
Taxa de crescimento médio anual (%)
1995 2000 2005 2010 2011 2012 2013 2014 2015P 2016P
1995/2000 2000/2005 2005/2010 2010/2016P
Taxa de crescimento médio anual (%)
Produção pb1995 2000 20055 747 20106 071 20116 139 2012 6 452 20136 425 20146 530 2015P
6 797 2016P
6 823 7 080 6 815 1,1
1995/2000 2000/2005 2005/2010 2010/2016P
0,2 1,0 0,9
ução pb Consumo Intermédio
5 747 6 071 6 1392 621 6 4523 111 6 4253 303 3 844
6 530 4 214
6 797 4 363
6 823 4 258 6 815
7 080 4 337 4 446
1,1 4 4160,2 3,51,0 1,2
0,9 3,1 2,3
Bens 3 3031 922 3 8442 143 4 2142 278 4 363
2 625 4 2582 936 4 337
3 084 4 446
2 986 4 416
2 892 2 889 2 912 2,23,1 1,2 2,9 1,7
umo Intermédio 2 621 3 111 3,5 1,2 2,3
ens Serviços* 1 922 2 143 2 278 700 2 625968 2 9361 025 3 0841 218 2 9861 278 2 892 1 279 2 889
1 273 2 912
1 445 1 557
2,2 1 5041,2 6,72,9 1,1
1,7 3,5 3,6
erviços* VABpb 700 968 1 0253 1261 2182 960 1 278 2 836 1 2792 608 1 2732 211 1 445
2 166 1 557
2 539 1 504
2 486 2 634
6,7 2 3981,1 -1,13,5 -0,8
3,6 -1,7 -1,4
pb 3 126
Subsídios líquidos de 2 960
impostos2 836 2 608 2 211 2 166 2 539 2 486 2 634 2 398 -1,1 -0,8 -1,7 -1,4
ídios líquidos de impostos à produção 531 331 706 277 595 531 785 706 689 595 662785 578689 1 009662 578 1 009 -3,55,9 13,8 5,9 6,1
à produção 331 277 -3,5 13,8 6,1
f
VABcf
3 457 3 237 3 367 3 314 2 806 2 952 3 228
3 457 3 237 3 367 3 314 2 806 2 952 3 228 3 148
3 148 3 211 3 407 -1,3
3 211 3 407
0,8 -0,3
-1,3
0,5
0,8 -0,3 0,5
uneração dos Assalariados 595 636 709 748 714 709 743 778 777 817 1,3 2,2 1,1 1,5
dente Bruto de Exploração
Remuneração2 862
dos Assalariados
2 601 2 658
595 2 566636 2 092709 2 242748 2 485714 2 370709 2 434743 2 590778 777
-1,9
8170,4 1,3-0,7 2,2
0,2
1,1 1,5
Excedente Bruto de Exploração 2 862 2 601 2 658 2 566 2 092 2 242 2 485 2 370 2 434 2 590 -1,9 0,4 -0,7 0,2
*inclui “outros bens e serviços”
*inclui “outros bens e serviços”
P – valores provisórios
P – valores provisórios
Fonte: GPP, a partir de Contas Económicas da Agricultura (base 2011), INE
Fonte: GPP, a partir de Contas Económicas da Agricultura (base 2011), INE
Data da última atualização: CEA (fevereiro de 2017)
Data da última atualização: CEA (fevereiro de 2017)
Figura 1: Volume de trabalho agrícola (UTA) e respetiva taxa de variação 1999/2009 (%) por concelho
Figura 1. Volume de trabalho agrícola (UTA) e respetiva taxa de variação 1999/2009 (%) por concelho
UTA por concelho em 2009
UTA por concelho em 2009 Taxa de variação 99/09 das UTA por concelho (%)
Taxa de variação 99/09 das UTA por concelho (%) M
2009
12
96 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
14 000
12 000
10 000
8 000
6 000
4 000
2 000
A Polónia
Gráfico (20,6%),
9. Importância doa Roménia
emprego (12,7%)
agrícola e a Itália
na economia de(12,2%)
PT e UE –concentram
2014 (%) 45,5% do volume de
Gráfico 9: Importância do emprego agrícola na economia de PT e UE – 2014 (%)
trabalho agrícola da UE28. O emprego agrícola diminuiu em todos os EM da UE15, destacando-
se a Finlândia (-46%) e Portugal (-45%) com as maiores descidas desde 1995. Dos países que
35
entraram em 2004, todos diminuíram com exceção de Malta (17%), destacando-se com os
maiores decréscimos face a 2004 a Eslováquia (-55%) a Estónia (-48%) e a Letónia (-47%). A
30
Bulgária e a Roménia, que aderiram em 2007, também registaram diminuições nas UTAs (-48%
na Bulgária e -46% na Roménia). Já o volume de trabalho agrícola na Croácia, que aderiu à
25
União Europeia em 2013, diminuiu 3%.
20
4,6 4,6
3,4
0
2,7 0,9
Fonte: GPP, a partir da variável “nº de indivíduos por Estado Membro” de Contas Nacionais, Eurostat
Fonte: GPP, a partir da variável “nº de indivíduos por Estado Membro” de Contas Nacionais, Eurostat
13
Gráfico 10: Emprego agrícola na economia de PT e UE (%)
Fonte: GPP, a partir da variável “nº de indivíduos por Estado Membro” de Contas Nacionais, Eurostat
O trabalho na agricultura portuguesa 97
Gráfico 10: Emprego agrícola na economia de PT e UE (%)
Gráfico 10. Emprego agrícola na economia de PT e UE (%)
14
UE15 UE25 UE27 UE28 Portugal
12
10
6 12,0 12,1
11,8 11,9
11,5 11,3 11,2 11,0 11,0 11,2
10,9 10,6 10,8
10,5 10,1
4
4,7 4,6
5,2 5,0 5,0 5,0 4,9 4,8 4,7 4,6
4,4
2 3,5
4,2 4,0 3,8 3,7 3,7 3,7 3,6 3,5 3,4
3,4 3,3 3,3 3,2 3,4
3,1 3,0 2,9 2,8 2,8 2,8 2,7 2,7 2,7 2,7
Fonte: GPP, a partir da variável “nº de indivíduos por Estado Membro” de Contas Nacionais, Eurostat
Fonte: GPP, a partir da variável “nº de indivíduos por Estado Membro” de Contas Nacionais, Eurostat
A importância
da agricultura no emprego é mais A mão-de-obra na agricultura caracteriza-se assim
relevante em PT do que na UE por ser maioritariamente familiar e a tempo parcial,
A importância da agricultura na economia portu- pois os membros do agregado familiar procuram,
guesa é, relativamente ao emprego, uma das mais em grande medida, outras fontes de rendimento
elevadas entre os Estados-Membros, com um peso exteriores à exploração. 14
de 10,1% no total do emprego nacional (superior
à média da UE28 com 4,6%). O emprego agrícola A análise que a seguir se apresenta tem por base
destaca-se na Roménia (28,7%), Bulgária (18,8%) os resultados oficiais dos Recenseamentos Agríco-
e Grécia (11,6%). No extremo oposto, ocupa um las (1989, 1999 e 2009) e dos Inquéritos às Estru-
lugar menos relevante nas economias de países turas das Explorações Agrícolas (1993, 1995, 1997,
como o Luxemburgo (0,9%), Malta (1,2%) e Bélgica 2003, 2005, 2007, 2013), disponíveis no site do INE.
(1,2%). a) Breve caracterização das explorações agrí-
colas
4. Especificidades estruturais do trabalho Em 2013 existiam, em Portugal Continental, cerca
agrícola de 240 mil explorações agrícolas. Essas explora-
A agricultura, dada a natureza das suas atividades, ções davam origem a um volume de trabalho de
nomeadamente o seu carácter maioritariamente perto de 305 mil UTA, o que corresponde, em ter-
familiar e de pequena dimensão, por um lado, e a mos médios, a 1,3 UTA por exploração (1,5 em 1989)
sazonalidade de grande parte das tarefas que lhes e 8,7 UTA por cada 100 ha de superfície agrícola útil
estão associadas, por outro, apresenta característi- (20,9 em 1989). A mão-de-obra familiar correspon-
cas estruturais muito específicas e claramente dis- dia a 75,5% do total do voluma de mão-de-obra
tintas de outros setores da economia. (84,9% em 1989).
98 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
Gráfico 11. Evolução da proporção da população agrícola familiar na população residente (%) por localização
geográfica (Região agrária)
60
51.8
50
40
TM, 34.9
31.9
(%)
30
BI, 21.6
20 18.9
10
BL, 7.8
CONT, 6.1
0
1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015
Anos
CONT EDM TM BL BI RO ALT ALG
senta valores muito distintos de região para região, sentado uma tendência clara de diminuição dos
sendo umas consideravelmente mais agrícolas do seus membros. Caracteriza-se, de uma forma glo-
que outras. De realçar o Interior Norte e Centro, onde bal, por um peso significativo e crescente de pes-
a região de Trás-os-Montes apresentava em 2013 cerca soas com 65 ou mais anos, cerca de 38% em 2013
de 35% da sua população residente com ligação fami- contra 17% em 1989, com um nível de instrução
liar a explorações agrícolas (51,8% em 1989). Pelo con- baixo embora apresentando melhorias considerá-
trário, as regiões onde se localizam os grandes centros veis (18,8% sem nenhum nível de instrução com-
urbanos de Lisboa e Porto apresentavam, como seria pleto, 42,6% em 1989), com uma formação agrícola
de esperar, uma importância muito menor da popula- essencialmente assente na prática (cerca de 80%),
ção agrícola (RO, 2,1%; EDM, 3,8%). embora, também neste caso, apresente significa-
tivos avanços (9,6% da população agrícola possui
• Classe etária, género e escolaridade nível de formação completa ou cursos de forma-
A população agrícola familiar, acompanhando o ção profissionais agrícolas, sendo que em 1993 esse
decréscimo do número de explorações tem apre- valor era apenas 1,5%).
2,000,000 100%
1,400,000 70%
41.3
1,200,000 60%
743,439
1,000,000 50%
600,000 30%
228,433
400,000 20% 41.7
750,047
257,254 10%
200,000 19.7
119,239
0 0%
1989 2013 1989 2013
Até 34 anos de 35 a 64 anos 65 e mais anos Até 34 anos de 35 a 64 anos 65 e mais anos
2,000,000 100%
1,800,000 90%
1,600,000 80%
49.4 48.6
1,400,000 70%
889,931
1,200,000 60%
1,000,000 50%
800,000 40%
600,000 30%
50.6 51.4
909,805 293,927
400,000 20%
200,000 10%
310,999
0 0%
1989 2013 1989 2013
1,400,000 70%
49.9
1,200,000 897,202 60%
800,000 40%
48,620
600,000 30%
65,128
400,000 767,322 20% 42.6
377,551
200,000 10% 18.8
113,628
0 0%
1989 2013 1989 2013
Gráfico 15. Distribuição da população agrícola familiar por nível de formação agrícola
Completa (curso secundário ou superior agrícola) Completa (curso secundário ou superior agrícola)
Cursos de formação profissional agrícola Cursos de formação profissional agrícola
Exclusivamente prá�ca Exclusivamente prá�ca
Sem formação agrícola Sem formação agrícola
Gráfico 16. Estrutura do volume da mão-de-obra por tipo de mão-de-obra 1989 e 2013
0% 2%
8% 8%
7%
15%
38% 40%
18%
12%
29% 23%
c) Mão-de-obra agrícola
Em 2013, o total do volume da mão-de-obra agrí- (85% em 1989) das UTA têm essa origem, onde o
cola, era composto por perto de 305 mil UTA, tendo produtor agrícola tem o principal papel, com 40%
um cariz essencialmente familiar. Cerca de 75% (38% em 1989) do volume da mão-de-obra total.
O trabalho na agricultura portuguesa 101
Gráfico 17: Número de unidades de trabalho anual por 100 ha de Superfície Agrícola Útil (SAU)
200
180.4
180
161.7
160
140
120
100
80
66.2
60 47.6
40
20.6
20.8 15
20 8.6 6.4 4.7 3.7
8.7 2 1.1
0
< 1 ha 1 ha - < 5 ha 5 ha - < 20 ha 20 ha - < 50 ha 50 ha - <100 ha
Em média, existe um volume de mão-de-obra agrí- -se mantido relativamente constante: em média,
cola de 8,7 UTA por 100 ha de superfície agrícola uma pessoa que desempenha trabalhos na explo-
útil, mas esse valor é muito diferenciado consoante ração agrícola ocupa 44% do seu tempo de traba-
o tipo de exploração, verificando-se uma correlação lho anual com esse trabalho (43% em 1993 e os
inversa muito forte com a dimensão da exploração. mesmos 44% em 2003).
As explorações de maior dimensão física são, por
norma, mais extensivas e mais mecanizadas, onde Origem do rendimento do agregado domés-
a intensidade da mão-de-obra é muito inferior. tico do produtor (plurirrendimento)
Do total das explorações do Continente em 2013,
• Mão-de-obra agrícola familiar apenas 16,9% tinham a maior parte do rendimento
do agregado doméstico do produtor com origem
Tempo de atividade agrícola (trabalho a
na exploração agrícola, evidenciando claramente
tempo parcial)
o caráter complementar que a atividade agrícola
A mão-de-obra agrícola familiar era, em 2013, com- desempenha em termos globais. Regionalmente, e
posta por cerca de 518 mil pessoas. Ou seja, perto como seria de esperar, estes valores estão muito
de 86% do total da população agrícola familiar associados à dimensão das explorações, registan-
desempenha trabalhos na exploração agrícola. Des- do-se o valor mais baixo na Beira Litoral (11,6%) e
tas, a grande maioria (86,2%) desempenham esses o mais alto no Alentejo (22,9%).
trabalhos a tempo parcial (76% em 1989 e 84% em
1999), mostrando uma tendência de aumento desta Em metade das explorações (50,3%), mais de 50%
forma de participação nos trabalhos da exploração do rendimento do agregado doméstico do produ-
associado a incremento da procura de outras fon- tor provém de pensões e reformas. Este valor chega
tes de rendimento fora da exploração. aos 61% na Beira Interior e Algarve.
Apesar desta tendência, o valor médio de trabalho Em termos globais, esta procura por outros rendi-
da mão-de-obra agrícola familiar por pessoa tem- mentos, sendo estrutural na agricultura do Conti-
Quadro 6. Evolução do número de Unidades de Trabalho Anual por pessoa da mão-de-obra agrícola familiar
1989 1993 1995 1997 1999 2003 2005 2007 2009 2013
0,50 0,43 0,45 0,43 0,43 0,44 0,45 0,45 0,45 0,44
Fonte: INE
102 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
Gráfico 18. Peso das explorações com mais de 50% do rendimento do agregado doméstico do produtor em cada tipo
de origem e por região agrária em 2013
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Exploração Agrícola Salários do Setor Primário Salários do Setor Secundário Salários do Setor Terciário A�vidade Empresarial Pensões e Reformas Outra(s)
nente, tem vindo a ganhar peso nas últimas duas total de perto de 75 mil UTA, ou seja, cerca de 25%
décadas. Em 1989, 60% das explorações tinha como do volume total de mão-de-obra agrícola. Apesar
principal fonte de rendimento do agregado domés- de, em termos globais, o seu volume ter vindo a
tico do produtor atividades exteriores à exploração diminuir, decrescendo de perto de 123 mil UTA em
agrícola, tendo esse esse valor subido para 82% em 1989 para cerca de 75 mil UTA em 2013, a importân-
2013. De realçar que o número de explorações em cia no volume total de trabalho tem vindo a aumen-
que o agregado doméstico vivia exclusivamente da tar, de 15% em 1989 para os 25% já referidos.
exploração reduziu-se de 11,5% em 1989 para ape-
nas 5,8% em 2013. Esta importância apresenta valores muito diver-
sificados regionalmente, embora a tendência de
Mão-de-obra agrícola não-familiar subida esteja sempre presente. O peso da mão-de-
A mão-de-obra que não faz parte da estrutura fami- -obra não familiar é muito maior nas regiões onde
liar do produtor representava em 2013 um volume predominam as explorações de maior dimensão,
90
82.3
80
70
60 60.3
50
40
30
28.2
20
11.5 11.8
10
5.8
0
1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015
Exclusivamente da a�vidade da exploração Principalmente da a�vidade da exploração Principalmente de origem exterior à exploração
Gráfico 20: Evolução da mão-de-obra agrícola não familiar e respetivo peso no total da mão-de-obra agrícola
140000 30
122,520
UTA mão de obra agrícola não famliar
120000 25
24.5
% no total da Mão-de-obra
100000
20
74,664
80000
15.1 15
60000
10
40000
20000 5
0 0
1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015
Anos
Mão-de-obra agrícola não familiar(UTA) Peso da Mão de Obra não Familiar no Total (%)
Gráfico 21. Evolução da mão-de-obra agrícola não familiar e o seu peso no total da mão-de-obra agrícola
60
50 49.9
40
30
20
13.2
10
0
1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015
Entre Douro e Minho Trás-os-Montes Beira Litoral Beira Interior Ribatejo e Oeste Alentejo Algarve
pois estas dão um suporte que permite uma maior dias, alguns dias por semana ou alguns dias por
profissionalização da atividade. Assim, no Alentejo, mês), representava um volume de trabalho de 46
cerca de 50% do volume de trabalho é não familiar. mil UTA (15% do volume total da mão-de-obra agrí-
cola e 7% em 1989), levado a cabo por cerca de 57
Na estatística oficial referente aos Inquéritos à mil pessoas. Assim, mesmo entre os trabalhadores
Estrutura das Explorações Agrícolas, a mão-de-obra com um vínculo permanente, a proporção de tra-
não familiar divide-se em três tipos: mão-de-obra balho a tempo parcial é substancial. Em 2013, 34%
permanente, mão-de-obra eventual e mão-de-obra das pessoas com vínculo permanente trabalhavam
não contratada diretamente pelo produtor. a tempo parcial. O número de trabalhadores per-
manentes apresenta uma tendência global de des-
Mão-de-obra permanente cida até 2007 (81 mil em 1989 e 43 mil em 2007) e,
A mão-de-obra permanente, ou seja, trabalhado- numa fase posterior, uma subida em valor absoluto
res assalariados que trabalham na exploração com para os já referidos 57 mil. Esta subida está rela-
caráter de continuidade (o que significa, todos os cionada com o reconhecido papel de amortecedor
104 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
Gráfico 22. Evolução do número de trabalhadores permanentes e da proporção destes que está a tempo parcial
90000 60
(% de trabalhadores permanentes)
Nº de trabalhadores permenentes
80000
50
70000
60000 40
57,217
50000
30
40000
42,851
30000 20
20000
10
10000
0 0
1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015
Anos
Nº de trabalhadores permanentes (eixo da esquerda) Proporção de trabalhadores permanentes a tempo parcial (%) - (eixo da direita)
Por outro lado, verifica-se que é nas classes de A mão-de-obra agrícola não familiar e não perma-
idade mais elevadas que a proporção de trabalha- nente divide-se em dois tipos diferentes. Por um
dores a tempo parcial é superior, sendo assim tam- lado, a mão-de-obra eventual que corresponde a
bém em 1989. trabalhadores que prestaram trabalho na explora-
Gráfico 23. Proporção do número de trabalhadores permanentes a tempo parcial por classe etária (%)
70
60
50
40
(%)
30
20
10
0
15 - 24 anos 25 - 34 anos 35 - 44 anos 45 - 54 anos 55 - 64 anos 65 e mais anos
Classes Etárias
ção de uma forma irregular, isto é, sem carácter de um peso maior em Lisboa e Vale do Tejo, com 15,3%
continuidade, fazendo-o somente numa parte do do volume de trabalho, provavelmente devido ao
ano. Por outro lado, a mão-de-obra não contratada tipo de mão-de-obra utilizado nas colheitas da fru-
diretamente pelo produtor, constituída pelo traba- ticultura, e o menor peso na Beira Litoral.
lho agrícola efetuado na exploração, por pessoas
não contratadas diretamente pelo produtor, traba- A mão-de-obra não contratada diretamente pelo
lhando por conta própria ou como empregados de produtor, apesar da sua reduzida importância
terceiros, como é o caso do trabalho fornecido por (1,6% do volume total de mão-de-obra em 2013),
empresas de trabalho à tarefa ou por cooperativas. e ao contrário dos restantes tipos de mão-de-obra,
tem apresentado um aumento significativo (cresci-
A mão-de-obra eventual, tal como a restante mão- mento de 18% ao ano entre 2007 e 2013 no Conti-
-de-obra, tem vindo a diminuir em valor absoluto. nente, valor que sobe para 44% na região agrária
Em 2013, representava 7,8% do volume de trabalho do Alentejo). Este aumento está ligado a novas for-
do continente, proporção que se mantém relativa- mas de gestão das explorações onde a realização
mente estável ao longo do tempo. Regionalmente, de operações é, cada vez mais, efetuada através da
tem importâncias muito diversificadas, mostrando contratação de serviços.
ASSUNTOS BILATERAIS
N.º 10 dezembro 2017
E MULTILATERAIS
CULTIVAR
S.m. Botânica. QUALQUER VARIEDADE VEGETAL CULTIVADA, SEJA QUAL FOR SUA NATUREZA GENÉTICA.
109
Referência
AUTORES: Gee Hee Hong, Zsóka Kóczán, Weicheng Lian e Malhar Nabar (apoio de Benjamin Hilgenstock e
Jungiin Lee)
EDITOR: FMI – Fundo Monetário Internacional
TÍTULO: Recent wage dynamics in advanced economies: drivers and implications (Cap.2 de World Economic
Outlook)
TIPO DE DOCUMENTO: Relatório
LOCALIZAÇÃO DO DOCUMENTO: https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2017/09/19/~/media/
Files/Publications/WEO/2017/October/pdf/analytical-chapters/c2.ashx
IDIOMA: Inglês
NÚMERO DE PÁGINAS: 44
DATA DA EDIÇÃO: Outubro de 2017
Cresceu o emprego, mas os salários nem prazo, que também parecem bloquear o cresci-
tanto mento salarial. No entanto, a análise sugere que
a automação pode não ter contribuído de forma
Em muitos casos, o crescimento do emprego recu- significativa para a dinâmica do fraco crescimento
perou e as taxas de desemprego estão agora de salarial após a Grande Recessão.
volta aos valores anteriores à recessão. Ainda assim,
o crescimento do salário nominal permanece infe- A análise também indica importantes fatores glo-
rior ao que era antes desse período. O crescimento bais por detrás deste fraco crescimento salarial,
lento dos salários pode refletir um esforço delibe- nomeadamente, as condições do mercado de tra-
rado de contenção, para evitar níveis insustentáveis balho noutros países parecem ter um efeito cres-
anteriores à crise, como foi o caso em alguns países cente na determinação dos salários nas diferentes
da Europa. Mas este padrão é mais generalizado e economias. Isto aponta para o possível papel da
existem vários fatores em jogo para o explicar, tanto ameaça de deslocalização da produção entre paí-
cíclicos como estruturais. ses, ou para um aumento na efetiva oferta mundial
de mão-de-obra através da imigração.
Um fator cíclico chave é o excedente existente no
mercado de trabalho, ou seja, o excesso de oferta
Variações consoante os países
de mão-de-obra além da quantidade que as empre-
sas desejariam empregar. Os papéis relativos do excedente no mercado de
trabalho e do crescimento da produtividade variam
Vários países registaram também taxas mais eleva- consoante os países. Em economias onde as taxas
das de emprego a tempo parcial involuntário (tra- de desemprego ainda são sensivelmente superio-
balhadores empregados com menos de 30 horas res às respetivas médias antes da recessão (como
por semana que relatam que gostariam de traba- Itália, Portugal e Espanha), o elevado desemprego
lhar por mais tempo) e um aumento dos contratos pode explicar cerca de metade da desaceleração do
de trabalho temporário. Estes desenvolvimentos crescimento salarial nominal desde 2007. O cres-
refletem em parte a reduzida procura de mão-de- cimento salarial é, portanto, improvável até que
-obra (um reflexo da fraca procura final de bens e diminua de forma significativa o excedente no mer-
serviços). cado de trabalho - um resultado que exige políti-
cas de estímulo contínuas para impulsionar a pro-
Outra determinante do fraco crescimento dos salá- cura agregada.
rios é a desaceleração amplamente reconhecida
da produtividade. Um baixo output por hora de tra- Em economias onde as taxas de desemprego são
balho pode comprimir a rentabilidade das empre- inferiores à média antes da recessão (como Ale-
sas e, eventualmente, pesar sobre o crescimento manha, Japão, Estados Unidos e Reino Unido), o
dos salários na medida em que as empresas ficam lento crescimento da produtividade pode represen-
menos dispostas a acomodar aumentos rápidos tar cerca de dois terços da desaceleração do cres-
nas remunerações. cimento salarial nominal desde 2007. Mesmo aqui,
no entanto, o emprego involuntário a tempo par-
Fatores de movimento lento cial parece pesar sobre o crescimento salarial, suge-
rindo uma maior desaceleração no mercado de tra-
Além destas forças, existem fatores de mudança balho do que a redução da taxa de desemprego
mais lenta, como a automação em curso e a dimi- parece indicar. Avaliar o verdadeiro grau do exce-
nuição das expectativas de crescimento a médio dente no mercado de trabalho nessas economias
Dinâmicas salariais recentes em economias avançadas: fatores determinantes e implicações 111
será importante para determinar o ritmo adequado ção das expectativas de crescimento a médio prazo
de redução das políticas monetárias de estímulo. e a crescente importância do setor de serviços.
Referência
No terceiro capítulo, aborda-se a resposta pública como o Semestre Europeu, onde estão previstas
ao desemprego por parte dos serviços de emprego sanções para países em desequilíbrio macroeco-
(IEFP – Instituto do Emprego e da Formação Pro- nómico, estabeleceram-se medidas como a des-
fissional). O IEFP sofreu uma redução de pessoal centralização da negociação coletiva ao nível da
no período em análise, comprometendo-se desta empresa, a redução da extensão das convenções,
forma as políticas ativas de emprego, com a trans- os limites temporais à sua validade e numerosas
ferência progressiva da sua responsabilidade para exceções às convenções orientadas para uma flexi-
as empresas, como, por exemplo, a oferta forma- bilidade salarial descendente.
tiva e os incentivos ao emprego (estágios e contra-
tos Emprego-Inserção). No sexto capítulo, analisa-se a instrumentalização
da concertação social durante a crise, servindo para
No quarto capítulo, aborda-se a classificação esta- sancionar um vasto conjunto de medidas de polí-
tística e a manipulação política de conceitos como tica de que resultaram a redução da proteção do
emprego, desemprego, informalidade, ocupação trabalho, a fragilização das relações laborais e a
ou inatividade. Considera-se que estes conceitos desvalorização salarial.
não permitem capturar e sistematizar as realida-
des económicas e sociais criadas pela crise, como A conclusão aborda o tema do futuro do trabalho
a destruição de emprego, o aumento da população e do seu valor em Portugal. Considera-se que as
inativa e o crescimento dos fluxos migratórios. Refe- reconfigurações institucionais agravadas durante
rem-se ainda as limitações do tratamento estatís- o período de aplicação do memorando resultaram
tico agregado do desemprego, que caracteriza rea- em impactos negativos, não só a curto prazo mas
lidades muito distintas. também a longo prazo. Graças a diversos mecanis-
mos de causalidade circular, os efeitos da recente
O quinto capítulo trata das alterações introduzi- crise económica far-se-ão sentir no futuro, através
das no enquadramento legal das relações labo- de uma contínua quebra populacional, da redu-
rais, designadamente os mecanismos de negocia- ção do crescimento potencial da economia e do
ção coletiva de âmbito setorial. Após a crise, com aumento do endividamento e das desigualdades.
os novos mecanismos de governação económica,
115
Referência
Tendo em conta o contacto direto que têm com tribuindo para uma efetiva melhoria das condições
os agricultores e produtores florestais, as organi- de segurança e saúde nos vários tipos de trabalho
zações associativas são vistas como o elemento agrícola e florestal, atuando ao nível da formação,
crucial na transmissão e na aplicação do norma- informação e controlo e promovendo o reforço da
tivo agrícola, assumindo um papel estratégico nas capacidade de intervenção dos parceiros sociais e
zonas rurais com a prestação de serviços aos agri- institucionais na prevenção de riscos profissionais
cultores que lhes permitem ultrapassar as dificul- do setor. Os objetivos específicos do Plano Estraté-
dades que encontram com a mecanização e outros gico de Ação visam sensibilizar os diversos atores
equipamentos, trabalhos manuais especializados, para a prevenção de riscos profissionais; estabele-
seguros, segurança, higiene e saúde no trabalho. cer um sistema de informação para acompanha-
A articulação entre estas organizações e a admi- mento dos processos de aconselhamento agrícola
nistração central é fundamental para a promoção na área da segurança e saúde no trabalho e apoiar
de locais de trabalho dignos e seguros, em que a uma rede de informação setorial que dê priori-
implementação de ações de informação e sensibili- dade à prevenção de riscos associados a tratores
zação podem contribuir para a redução da sinistra- e máquinas agrícolas e florestais, pesticidas agríco-
lidade no trabalho agrícola. A introdução de novas las e outros químicos e trabalhos florestais como o
máquinas, técnicas, fatores de produção e utiliza- manuseamento de motosserras.
ção de mão-de-obra não qualificada fazem com
que o setor agrícola e florestal tenha inúmeros aci- Este Plano destina-se a todos os intervenientes no
dentes, conduzindo a elevadas taxas de incapaci- meio agrícola e florestal, nomeadamente os diri-
dade temporária e permanente, bem como de aci- gentes e quadros de associações e cooperativas,
dentes mortais, em resultado de uma utilização que empresários, trabalhadores e gestores de unida-
desrespeitam as regras de segurança de tratores, des de exploração. As entidades envolvidas são os
motosserras, maquinaria pesada ou pesticidas. parceiros sociais, como as associações e confede-
rações, e os institucionais compostos por organis-
Entre 2007 e 2011, a ACT fez inquéritos a 33 aci- mos da Administração Central.
dentes de trabalho mortais, a Autoridade Nacional
de Segurança Rodoviária (ANSR) investigou 333 aci- A implementação do Plano foi dividida em dois
dentes de viação, que causaram 132 vítimas mor- eixos específicos: Ação de informação e formação,
tais e 157 feridos graves e, no ano de 2013, o INEM dirigida aos atores e destinatários, facultando-lhes
recebeu 664 pedidos pedidos de emergência só de informação dos instrumentos concebidos com os
acidentes com tratores. parceiros sociais e institucionais e ministrando for-
mação para criar competências no âmbito da inter-
O principal objetivo do Plano Estratégico da ACT, venção inspetiva; e Ação de inspeção dirigida aos
que visa a redução da sinistralidade envolvendo empregadores, tais como atividades de informa-
máquinas agrícolas, ficou por atingir, assistindo- ção e sensibilização para dirigentes, empregadores
-se a uma tendência para aumento do número de e trabalhadores, atividades de formação para ins-
acidentes de trabalho nos setores da agricultura, petores do trabalho e técnicos de prevenção, ações
pecuária, floresta e pesca. A informação estatística inspetivas da ACT nos locais de trabalho e produ-
dos inquéritos a acidentes de trabalho feitos pela ção de instrumentos de informação ou divulgação.
ACT entre 2012 e 2015 vai no mesmo sentido.
As atividades promovidas na área da prevenção,
O primeiro objetivo da Estratégia da ACT é a pro- envolvendo a informação e sensibilização, foram da
moção da redução dos acidentes de trabalho, con- responsabilidade da ACT, juntamente com os par-
Plano Estratégico de Acão para os Setores Agrícola, Pecuário e Florestal 117
ceiros sociais e institucionais, tendo sido produzi- O Plano Estratégico de Ação para o Setor Agrícola,
dos folhetos com informação relativa a Obrigações Pecuário e Florestal, que decorreu entre 2012 e 2015,
Legais de Segurança e Saúde no Trabalho, diver- teve duas fases. A primeira ocorreu em 2012 e 2013,
sos tipos de máquinas agrícolas e florestais e pes- na qual se registou uma maior incidência na ativi-
ticidas. dade de informação e sensibilização e a segunda
decorreu em 2014 e 2015, onde se privilegiou a ver-
Foram também criados 8 instrumentos de aplica- tente inspetiva sem descurar a parte pedagógica.
ção legislativa tais como a avaliação de riscos, aná- No balanço final, foram realizadas 1700 inspeções
lise e investigação de acidentes de trabalho, con- que abrangeram cerca de 10 mil trabalhadores, que
sulta dos trabalhadores, lista de verificação, registo tiveram como consequência a melhoria das condi-
de tempos de trabalho, registo de manutenção de ções de trabalho, salientando-se a dinâmica imple-
máquinas e equipamentos de trabalho e ficha de mentada pelos parceiros sociais e institucionais.
segurança de tratores e máquinas agrícolas e flo- Contudo, regista-se ainda uma tendência crescente
restais. A sua divulgação foi feita pela ACT e parcei- para a ocorrência de acidentes de trabalho graves e
ros sociais, através da Internet, correio eletrónico, mortais no setor. As principais infrações detetadas
em seminários, feiras e revistas da especialidade. foram a falta de seguros de acidentes de trabalho
e a não organização dos serviços de segurança e
No período entre 2012 e 2015, a ACT em conjunto saúde, o que compromete a identificação dos peri-
com os seus parceiros efetuou ações de informação gos, a avaliação dos riscos profissionais, informa-
e sensibilização relativamente ao Plano estratégico, ção e formação dos trabalhadores.
promovendo seminários, workshops, atividades em
contexto de trabalho, participação em feiras, privi- Conforme definido pela Comissão Europeia no
legiando-se a participação de um inspetor do traba- seu quadro estratégico (2014-2020), a redução da
lho e de um técnico de prevenção dos serviços des- sinistralidade surge como o principal objetivo da
concentrados da ACT, juntamente com técnicos das Estratégia Nacional para a Segurança e Saúde no
organizações representativas dos agricultores e dos Trabalho, para o período 2015-2020, com a imple-
produtores florestais, com o intuito de promover a mentação de medidas eficazes de prevenção que
criação de redes de prevenção locais e regionais. assegurem condições dignas e seguras. A Estratégia
Nacional visa sobretudo três objetivos: Promover a
As atividades promovidas na área inspetiva foram qualidade de vida no trabalho; Diminuir o número
da responsabilidade exclusiva da ACT, com visitas de acidentes de trabalho e a taxa de incidência de
aos locais de trabalho, de modo a promover locais acidentes de trabalho em 30%; Diminuir os fatores
dignos e seguros, prevenindo acidentes de trabalho de risco associado a doenças profissionais.
e doenças profissionais. Neste sentido, foram rea-
lizadas formações aos inspetores, de modo a har-
monizar a sua intervenção com referenciais comuns
para análise dos locais de trabalho.
118 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
Referência
AUTOR: Comissão Europeia, Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão /Unidade B.3
TÍTULO: Guia de boas práticas, não vinculativo, para a melhoria da aplicação das diretivas relativas à prote-
ção da segurança e da saúde dos trabalhadores da agricultura, pecuária, horticultura e silvicultura
COLECÇÃO: ISBN 978-92-79-43410-5
EDITOR: Comissão Europeia
TIPO DE DOCUMENTO: Monografia
LOCALIZAÇÃO DO DOCUMENTO: https://osha.europa.eu/pt/tools-and-publications/publications/protecting-
-health-and-safety-workers-agriculture-livestock
IDIOMA: Português
NÚMERO DE PÁGINAS: 169
ANO DA EDIÇÃO: 2015
Palavras-chave: Segurança, saúde, trabalho em estufas, com maquinaria pesada, com animais,
em isolamento no local de trabalho, com pouca for-
Enquadramento mação, utilizando substâncias químicas e produtos
fitofarmacêuticos — aumentam os riscos para os
A agricultura e a silvicultura têm associadas ati- trabalhadores, o que se traduz numa taxa de aci-
vidades com elevado risco no âmbito da saúde e dentes superior à média dos outros setores.
segurança, sendo consideradas, enquanto profis-
são, como a terceira ou quarta profissão mais peri- Devem, neste contexto, ser criadas as condições
gosa na União Europeia. As características especí- para capacitar as estruturas e recursos para pode-
ficas destes setores — como o trabalho ao ar livre, rem enfrentar as dificuldades, nomeadamente pela
Guia de Boas Práticas 119
1 http://eur-lex.europa.eu/en/index.htm e https://osha.
europa.eu/en/safety-and-health-legislation
120 cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017
NOTA DE APRESENTAÇÃO
Edições publicadas:
• CULTIVAR N.º 1 – Volatilidade dos mercados agrícolas
• CULTIVAR N.º 2 – Solo
• CULTIVAR N.º 3 – Alimentação sustentável e saudável
• CULTIVAR N.º 4 – Tecnologia
• CULTIVAR N.º 5 – Economia da água
• CULTIVAR N.º 6 – Comércio internacional
• CULTIVAR N.º 7 – O risco na atividade económica
• CULTIVAR N.º 8 – Biodiversidade
• CULTIVAR N.º 9 – Gastronomia
• CULTIVAR N.º 10 – Trabalho na agricultura e as novas tendências laborais
N. 1 0 | d e z e m b r o 2 0 1 7