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Série Paradidática

Geociências

Modelagem de estabilidade
de encostas

Edir E. Arioli

2018

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Sumário

Problemas na abordagem da análise de risco 2


Modelagem da suscetibilidade a deslizamentos rasos 6
Influência da geometria da encosta sobre a estabilidade 7
Influência do topo rochoso sobre a ruptura 8
Influência da profundidade do solo sobre a ruptura 9
Referências bibliográficas 11
Apêndice 12

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Problemas na abordagem da análise de risco

Esta análise baseia-se no estudo, realizado por este autor, de 32 teses e dissertações
das universidades brasileiras e 6 de universidades europeias, 74 artigos publicados
em periódicos científicos, 12 relatórios técnicos de instituições brasileiras e
participação em várias reuniões e fóruns de discussão técnica sobre avaliação de
risco associado a movimentos gravitacionais de massa (MGMs). A análise aplica a
metodologia própria da Gestão da Qualidade, em que o autor é especialista,
combinada com recursos de abordagem da Gestão de Sistemas Complexos e da
Geomorfologia Dinâmica.
Alguns padrões de análise e interpretação de fatos emergem deste grande volume
de fontes de consulta, os quais são aqui caracterizados como problemas, porque
constituem desvios de enfoque, de entendimento e de ação em relação ao que se
pode considerar um nível mínimo de competência técnica ao se lidar com o risco
associado a fenômenos da natureza. Esta análise é oferecida à reflexão dos
profissionais que lidam com a difícil missão de minimizar o risco para a população
e a sociedade, evitar e recuperar os danos e evitar desperdício de recursos públicos
no combate aos impactos desses acidentes.

Problemas de enfoque
Em grande parte da literatura e das discussões, os MGMs são tratados como sendo
processos geológicos e geotécnicos, que devem ser estudados por geólogos, com
conceitos e raciocínios extraídos da mecânica de solo ou de rocha. Isto é, a
influência das litologias e estruturas sobre a localização dos movimentos de massa
é superestimada e retroanálises são feitas a partir de parâmetros geotécnicos, os
prognósticos são determinísticos e desconsideram a natureza geomorfológica
desses processos. O enfoque da Geomorfologia mostra que somente a abordagem
probabilística e a análise das variáveis do terreno, da cobertura vegetal, das
relações entre pedogênese e morfogênese em cada domínio estudado, dos padrões
de drenagem, entre outras, devem ser integradas para se ter um mínimo de
aproximação à realidade dos eventos estudados. Raciocínios determinísticos
construídos sobre laudos geotécnicos, utilizados nas avaliações de estabilidade em
taludes escavados, são transpostos para vertentes naturais, com ou sem intervenção
antrópica. Retroanálises baseadas em eventos catastróficos extrapolam para

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condições normais de clima e de evolução geomorfológica as suscetibilidades à
instabilização do terreno.
Observa-se nos documentos acadêmicos consultados ignorância generalizada do
comportamento dos sistemas complexos, como se caracteriza por excelência a
Natureza. Este desconhecimento é constatado principalmente nos seguintes
equívocos metodológicos:
- aplicação aos fenômenos naturais de métodos e técnicas desenvolvidos para
análise de sistemas fechados e simples;
- persistência em previsões determinísticas, isto é, sem a consideração de margens
de erro, de eventos geomorfológicos e relações lineares de causa e efeito entre eles;
- uso da terminologia própria das teorias dos sistemas entremeada com a
abordagem reducionista.
O exemplo mais forte desta ignorância está na busca insistente em se descobrir
índices pluviométricos que permitam prever a possibilidade de ocorrência de
deslizamentos e, assim, para deflagrar medidas de Defesa Civil. Nos países mais
ricos da Europa (Alemanha, Áustria, Suíça, Itália), com todos os recursos
disponíveis e com densas malhas de pluviômetros instaladas, "previsões sinóticas
de chuvas têm-se mostrado insuficientes para identificar tempestades perigosas”
(HERVÁS, 2003; 2012).
Isto não impede que índices pluviométricos sejam usados para deflagrar fases de
mobilização da Defesa Civil, sem que sejam emitidos comunicados sobre
probabilidades de acidentes ou desastres destituídos de fundamento técnico. Sendo
mais claro, os índices pluviométricos são utilizados na Europa apenas para
mobilizar as equipes de Defesa Civil e não para anunciar à população possíveis
catástrofes naturais.
Os documentos analisados registram, ainda, domínio precário de Geomorfologia
em geral e de Geomorfologia Dinâmica em particular:
- os processos geomorfogenéticos e pedogenéticos são ignorados ou precariamente
compreendidos, sendo raramente levados em conta ao longo das análises de risco;
- as respostas e explicações são buscadas nos laudos geotécnicos, que registram
apenas algumas propriedades de um dos componentes do sistema, o solo;
- supervalorizam fatos e componentes irrelevantes do sistema, ao mesmo tempo
que ignoram outros essenciais para o entendimento dos processos que levam à
geração dos movimentos gravitacionais de massa, em especial o comportamento
mecânico dos materiais sob diferentes regimes hidráulicos.
3
Problemas de análise
Avaliações expeditas ou instantâneas pegam situações locais e momentâneas, fora
do contexto geomorfológico e social. Sendo feitas por técnicos que, muitas vezes,
desconhecem a realidade geomorfológica e social em que atuam, resultam em
diagnósticos falhos, propostas equivocadas e descrédito por parte da comunidade e
da administração municipal. Por isso, não é de estranhar que a população acabe por
desconsiderar os alertas da Defesa Civil e resista a abandonar as áreas de risco na
iminência de chuvas torrenciais.

Problemas de comunicação
Por efeito dos equívocos de enfoque e análise, tanto os técnicos quanto os
dirigentes das instituições governamentais com responsabilidade sobre o tema
transmitem à sociedade como um todo e às comunidades locais:
- falsa noção de que MGMs podem ser previstos, com base em índices
pluviométricos;
- equívoco de que é possível antecipar os locais onde os acidentes poderão ocorrer
dentro de um período determinado de tempo;
- insegurança e descrédito quando estas previsões não se confirmam.

Problemas de gestão
A legislação vigente e, principalmente, as decisões recentes da administração
pública brasileira, da esfera federal à estadual, ignora que o gargalo da gestão do
risco associado a MGMs está na administração municipal. O governo federal e os
governos estaduais em geral criam órgãos de gestão e pesquisa, destinam linhas de
recursos para estas instituições e assumem unilateralmente a execução de
mapeamentos, avaliações expeditas, propostas de obras corretivas e paliativas, à
revelia dos municípios.
Vale ressaltar aqui duas facetas do problema: desperdício de recursos e
impropriedade da gestão.
Os recursos são destinados para organizar burocracias, equipar instituições
ultrapassadas ou imaturas, contratar funcionários, organizar fóruns de discussão e
pagar consultorias questionáveis, restando poucos recursos para minimizar o risco.
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As prefeituras municipais são envolvidas, neste processo centralizador, como
clientes ou pacientes destituídos de competência legal, técnica e financeira para
este fim. Técnicos federais ou estaduais, muitos dos quais arregimentados de
improviso e sem a devida qualificação profissional, aportam aos municípios para
executar avaliações que são, via de regra, expeditas e superficiais. Mais do que
isto, são avaliações desconectadas do contexto geomorfológico e ambiental em que
ocorreram os acidentes responsáveis pela decisão.

A essência da metodologia da análise de risco de MGMs


Os sistemas complexos comportam-se como um todo organizado, com numerosos
componentes interconectados, onde não existem relações lineares, espaciais e
temporais, entre causa e efeito, mas conjuntos de causas geram conjuntos de
efeitos. Assim, pequenas precipitações pluviométricas podem gerar deslizamentos
que não foram provocados por grandes precipitações anteriores.
As interdependências entre variáveis de controle sobre os efeitos são tão
numerosas que não se consegue modelar matematicamente nem extrair
empiricamente de mapas ou séries históricas de eventos. Se os modelos
matemáticos são repletos de limitações, o que se pode dizer das avaliações
intuitivas de evolução futura de uma paisagem e suas consequências sobre a
ocupação?
O fator recorrente, para não dizer indispensável, associado à geração de MGMs é a
água, tanto em superfície – provocando enxurradas, erosão e destruição da
cobertura vegetal – quanto em subsuperfície – alterando poropressão, solubilizando
cimentos naturais e reduzindo a resistência ao cisalhamento do solo. A despeito
desta importância flagrante e presente em todas as aulas teóricas de Mecânica do
Solo, ela comparece de forma subsidiária e eventual nas avaliações de risco
registradas nos documentos técnicos e acadêmicos.
Em suma, a avaliação de risco de MGMs requer uma abordagem baseada no
conhecimento da complexidade dos fenômenos naturais, com foco no principal
agente mobilizador dos materiais de encosta, ou seja, a água de precipitação e a sua
componente infiltrada e percolante nos poros e fraturas do solo e das rochas. Este
foco fundamenta-se nos conceitos e técnicas da Hidrologia de Encostas.

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Modelagem da suscetibilidade a deslizamentos rasos

Deslizamentos rasos são os tipos de movimentos de massa mais comuns em


encostas íngremes e cobertas por solo em diferentes zonas climáticas. Vários
modelos teóricos buscam avaliar a suscetibilidade a esses eventos, com base em
atributos topográficos e hidrológicos do terreno. Em todos eles, a topografia é
posta como um fator determinante da estabilidade das encostas.
Ela controla a distribuição da espessura do solo e o fluxo hidrológico dentro das
suas camadas, cuja poropressão positiva reduz a resistência ao cisalhamento e
provoca deformações no terreno. O efeito da poropressão do solo durante períodos
de chuvas prolongadas é simulado por meio de dois modelos principais: índices
topográficos de umidade e modelagem tridimensional do fluxo hídrico ao longo
das encostas.
O primeiro tipo de modelo é representado pelo SHALSTAB, desenvolvido por
Montgomery e Dietrich (1994), que conta com vários similares utilizados
principalmente em centros universitários de pesquisa. O SHALSTAB é um modelo
simples que combina modelagem hidrológica baseada em curvas de nível com a
modelagem de talude infinito para criar classes de estabilidade definidas em função
de declividade e área de drenagem a montante de cada pixel. A sua simplicidade
permite a reprodução da modelagem em aplicativos de programação relativamente
fácil, o que o torna acessível a qualquer pesquisador. Uma limitação deste modelo
está no tratamento das encostas como retilíneas, ignorando as variações nos perfis
verticais e horizontais, bem como a influência da cobertura de solo.
O segundo tipo foi desenvolvido por Anderson e Kemp (1991), incorporando a
simulação dos efeitos da chuva sobre a estabilidade das encostas, por meio de
variações de poropressão no solo. Trata-se, portanto, de um método essencialmente
hidrológico. Este modelo tem o acrônimo CHASM.
Wilkinson et al. (2002) aperfeiçoaram esta modelagem introduzindo a simulação
da dinâmica hidrológica do terreno e a análise de estabilidade baseada na
superfície de ruptura não-circular, a coesão do solo, a topografia e a cobertura
vegetal. A principal limitação deste método está na impossibilidade de
correlacionar quantidade de chuva precipitada e água infiltrada no solo, uma vez
que esta correlação varia bastante ao longo das encostas, em função de cobertura
vegetal, rugosidade do terreno, permeabilidade primária e secundária,
condutividade hidráulica e assim por diante.

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Influência da geometria da encosta sobre a estabilidade

Baseados em dados empíricos e modelagem físico-matemática, Reid e Iverson


(1992) demonstraram que as propriedades dos materiais, a morfologia da encosta e
as heterogeneidades hidrológicas podem afetar, em graus variáveis, o fluxo de água
em subsuperfície, criando gradientes de força controlados pela localização dos
pontos de surgência. Em encostas homogêneas, as tensões que induzem rupturas
no terreno aumentam logo abaixo da superfície, podendo gerar deslizamentos em
solos e rochas saturados, mas com efeitos irrisórios sobre materiais secos.
Da mesma forma, em encostas homogêneas as diferenças de porosidade entre
camadas de solo têm pouca influência sobre a distribuição das forças responsáveis
pelas rupturas. Nas encostas convexas, as surgências ocorrem próximo à base,
onde são mais comuns as rupturas. As surgências podem ser identificadas em
imagens remotas e fotos aéreas nas cabeceiras de ravinas e voçorocas. Nas
encostas hidraulicamente heterogêneas e saturadas, as forças de ruptura são
maiores nos materiais com baixa condutividade hidráulica, enquanto as
velocidades de fluxo são maiores nos materiais mais condutivos. As zonas de
contato entre esses materiais são preferenciais para a concentração das tensões e,
consequentemente, tornam-se preferenciais para a localização das rupturas no
terreno. Em suma, as rupturas geradas por tensões derivadas do fluxo de água em
subsuperfície localizam-se preferencialmente na base das encostas convexas e nos
contatos entre materiais com diferentes valores de condutividade hidráulica.
Talebi, Huijlenhoet e Troch (2007) combinam as vantagens dos dois métodos,
substituindo a modelagem hidrológica estática pela estocagem de umidade no solo
e incorporando a influência da geometria da encosta e da profundidade do solo. As
variações de profundidade do solo são estimadas a partir da própria geometria da
encosta, chegando a estimativas do fator de segurança e reduzindo as margens de
erro intrínsecas à modelagem de suscetibilidade.
A modelagem desses autores mostra, por meio de vários métodos (Richards,
Bishop, Janbu, etc.) que a instabilidade das encostas aumenta nas vertentes
côncavas em planta (convergentes) e em perfil. Ao contrário, as vertentes convexas
são as mais estáveis, porque contêm menores volumes acumulados de solo e,
consequentemente, de material permeável para a estocagem de água. Mais do que
o fluxo em superfície ou subsuperfície, é o armazenamento da água em depressões
do topo rochoso que determina a instabilidade das encostas.

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Talebi, Huijlenhoet e Troch (2007) constataram que nas vertentes de perfil
côncavo as superfícies de ruptura se localizam preferencialmente na encosta
superior, enquanto nas vertentes convexas elas ocorrem mais frequentemente na
encosta inferior. Este controle independe da forma das encostas em planta. Não
existe, também segundo esses autores, diferença de comportamento entre solos
saturados e subsaturados quanto à instabilidade mecânica induzida por fatores
hidrológicos. A principal limitação desta modelagem, reconhecida pelos autores,
está na incapacidade de incorporar à estimativa de instabilidade os efeitos das
variações locais de geometria nas encostas.

Influência da geometria do topo rochoso sobre a ruptura

Tromp-van Meerveld e McDonnell (2006) verificaram em uma região montanhosa


do estado da Georgia (USA) que deslizamentos ocorrem imediatamente à jusante
de depressões no topo rochoso, quando o solo nelas acumulado atinge saturação e
adquire conectividade com as camadas de solo abaixo da crista de rocha. Quando a
conectividade hidráulica é atingida entre o solo das depressões e as camadas à
jusante, o fluxo de água de subsuperfície aumenta em mais de 75 vezes, reduzindo
rapidamente a resistência ao cisalhamento. Desta forma, um modelo de
preenchimento e transbordamento foi elaborado pelos autores para explicar um dos
controles para a localização das superfícies de ruptura em encostas instáveis.
A importância deste modelo está em revelar, por meio de dados de campo, que a
ruptura do terreno ocorre nos locais em que o acúmulo de água em subsuperfície é
seguido de fluxo ao longo das camadas, elevando a poropressão positiva até o
ponto de ruptura. Além disto, os autores constataram que a saturação ocorre
durante eventos de chuvas pouco intensas, em torno de 55 mm/h, e que as
depressões do topo rochoso podem ter poucos decímetros de profundidade para
produzirem ruptura pelo processo de preenchimento e transbordamento. Van
Oeveren (2015) obteve os mesmos resultados em estudos realizados na bacia de
Illgraben, na Holanda.

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Influência da profundidade do solo sobre a ruptura

Tesfa et al. (2009) testaram um método para estimar estatisticamente a


profundidade do solo sobre MDE, usando como parâmetros de calibração a
topografia e a cobertura vegetal e como dados de campo a profundidade medida
por encravação de hastes metálicas. Os resultados apresentaram 50% de margem
de erro, considerado um avanço pelos autores, mas insuficiente para uso prático até
que novas pesquisas consigam refinar o método.
Saco, Willgoose e Hancock (2006) estudaram as relações entre profundidade da
cobertura de solo e a evolução do terreno, inclusive idade das formas de relevo,
chegando à conclusão de que a pedogênese desenvolve-se dentro de um padrão
auto-organizado com retroalimentação positiva. Isto é, maiores espessuras iniciais
levam ao maior acúmulo de água e ao ataque mais intenso da rocha subjacente por
ácidos e microrganismos, acentuando as diferenças entre áreas com espessuras de
solo diferentes. Este processo é responsável pelo aumento das irregularidades no
topo rochoso, cuja geometria torna-se cada vez mais diferenciada em relação à
superfície do terreno. Este processo ocorre também em encostas cobertas por
colúvio, porque o solo transportado pode recobrir perfis de solo residual ou escavá-
lo, por efeito de movimentos de massa mais erosivos, enquanto o microrrelevo do
topo rochoso permanece inalterado.
Pelletier e Rasmussen (2009) afirmam que não existe método baseado em critérios
geomorfológicos para se estimar a espessura da cobertura de solo em encostas. Os
autores testaram um método baseado em dados topográficos de alta resolução,
modelagem numérica e calibragem com dados de campo. A geomorfologia entra
na modelagem com o conceito de equilíbrio entre pedogênese e morfogênese
(erosão). Medições de campo demonstraram que o modelo de relação não-linear
entre profundidade do solo e transporte de sedimentos em encostas é o mais
apropriado para a bacia hidrográfica estudada nas montanhas Santa Catalina, no
condado de Pima (Arizona, USA).
Lanni et al. (2012) desenvolveram um modelo alternativo para estimar a
probabilidade de ocorrência de deslizamentos rasos, corroborando a conclusão de
outros autores de que os eventos são controlados basicamente pelas variações de
espessura e conectividade hidráulica no solo. Os locais de solo mais espesso e com
maior conectividade são preferenciais para a ruptura do terreno.
Segundo vários autores, não citados na fonte porque se trata de um conceito
clássico da geomorfologia, as encostas convexas sofrem erosão contínua, motivo
9
pelo qual não acumulam cobertura de solo e são menos propensas a movimentos
de massa. As encostas côncavas, ao contrário, sofrem deposição contínua de
materiais erodidos do topo e recuperam o equilíbrio dinâmico por meio de MGMs
periódicos. É o que se observa nas pilhas de areia e cascalho, ao final de correias
transportadoras das pedreiras, onde os deslizamentos rasos ocorrem várias vezes
por dia ou mesmo por hora.
Uma solução para a dificuldade de mapear regionalmente a espessura do solo foi
desenvolvida e testada por Segoni et al. (2014), em duas bacias hidrográficas,
geológica e geomorfologicamente distintas, no norte da Itália. Os autores
compararam, mediante validação de campo feita por meio de medições ao longo de
topos de relevo, encostas e fundos de vales, bem como inventário de MGMs, a
confiabilidade estatística de vários métodos:

a. correlação linear com a elevação, transformada em distância vertical de cada


pixel ao topo do relevo;
b. correlação linear com a declividade;
c. correlação exponencial com a declividade;
d. combinação de curvatura, posição ao longo do perfil vertical da encosta e
declividade – modelo GIST simplificado;
e. calibragem numérica dos fatores anteriores em função da influência da
geologia e da geomorfologia – modelo GIST.

O modelo GIST atribui pesos a cada fator e o resultado é calibrado para cada
domínio litológico e geomorfológico da bacia hidrográfica, em função de dados de
campo. A versão simplificada calcula os valores combinados dos três fatores
geomorfológicos, para cada pixel, sem atribuir índices geomorfológicos para cada
um.
A espessura do solo gerado pela modelagem foi assumida como sendo diretamente
proporcional à suscetibilidade à geração de MGMs, como se justifica nos
parágrafos acima. Na bacia de Terzona (Toscana), não foi possível validar a
suscetibilidade, por falta de eventos climáticos que pudessem gerar MGMs, mas
foi feita a validação da modelagem para a espessura de solo. Na bacia de Armea
(Ligúria), a validação de campo foi feita para os dois resultados.
Nas duas áreas estudadas, a declividade foi a variável que apresentou os maiores
erros, generalizando excessivamente os falsos positivos, isto é, indicando
espessuras de solo maiores do que os verificados em campo e, consequentemente,
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regionalizando áreas de alta suscetibilidade que, na realidade, não contêm MGMs.
O mesmo acontece com a altimetria, embora em menor grau. As modelagens pelos
métodos GIST e GIST simplificado dão resultados, tanto em relação à espessura de
solo quanto à suscetibilidade, de 97% e 98% nas duas bacias estudadas.
Os autores não entram em detalhes do método, descrevendo genericamente a
modelagem e os testes de campo, o que precisa ser procurado em outras fontes. As
referências abaixo podem ser consultadas para preencher esta lacuna.

Referências bibliográficas

Anderson, M.G. and Kemp, M.J. Towards an improved specification of slope


hydrology in the analysis of slope instability problems in the
tropics, Progress in Physical Geography 15(1), 29–52, 1991.
Catani F.; Segoni S.; Falorni G. (2010) An empirical geomorphology-based
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Lanni C.; Borga M.; Rigon R.; Tarolli P. Modelling shallow landslide
susceptibility by means of a subsurface flow path connectivity index and
estimates of soil depth spatial distribution, Hydrology and Earth System
Sciences, 16: 3959-3971, 2012.
Montgomery D. R.; Dietrich W. E. A physically based model for the topographic
control on shallow landsliding, Water Resources Research, v. 30, n. 4, 1994.
Pelletier J.; Rasmussen C. Geomorphically based predictive mapping of soil
thickness in upland watersheds, Water Resources Research, v. 45, n. 9, 2009.
Reid M. E.; Iverson R. M. Gravity-driven groundwater flow and slope failure
potential. 2. Effects of slope morphology, material properties, and hydraulic
heterogeneity. Water Resources Research, v. 22, n. 6, 1992.
Saco, P. M.; Willgoose, G. R.; Hancock, G. R. Spatial organization of soil depths
using a landform evolution model. Journal of Geophysical Research 111, 1-14,
2006.
Segoni S. (2008) Elaborazione ed applicazioni di un modello per la previsione
dello spessore delle coperture superficiali, Unpublished PhD thesis, Università
degli Studi di Firenze, Department of Earth Sciences, Florence, Italy.

11
Segoni S.; Catani F. (2008) Modelling soil thickness to enhance slope stability
analysis at catchment scale. 33rd international geological congress, Oslo,
Norway, 6–14 August 2008.
Segoni, S.; Rossi, G.; Rosi, A.; Catani, F. Landslides triggered by rainfall: A
semiautomated procedure to define consistent intensity-duration
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Talebi, Huijlenhoet e Troch (2007)
Tesfa, T. K.; Tarboton, D. G.; Chandler, D. G.; McNamara, J. P. Modeling soil
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45, 2009.
Tromp-van Meerveld, H. J.; McDonnell, J. J. Threshold relations in
subsurface stormflow: The fill and spill hypothesis,Water Resour. Res.,
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Van Oeveren (2015) s.d.e.
Wilkinson P. L.; Anderson M. G.; Lloyd D. M. An integrated hydrological model
for rain-induced landslide prediction. Earth Surface Processes and Landforms,
v. 27, n. 12, p. 1285-1297, 2002.

Apêndice

O quadro abaixo é acrescentado pelo autor com uma síntese dos critérios utilizados
na modelagem hidrológica das condições de ruptura de encostas.

Uma observação deve ser enfatizada, quanto ao uso destes critérios no campo.
Como o relevo é um sistema natural, consequentemente complexo e auto-
organizado, não adianta isolar ou dar mais valor a um ou outro critério isolado,
porque a suscetibilidade a MGMs resulta da interação de todos eles, em níveis
impossíveis de se determinar. Por isto, somente a modelagem estatística consegue
uma aproximação razoável da realidade. Este é o princípio que rege todos os
métodos de modelagem mencionados nesta revisão.

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Critérios Especificações Suscetibilidade a MGMs

de encostas têm fluxo hidrológico para fora


Combina bem com critérios hidrológicos: segmentos instáveis
Côncava Alta

Planta Retilínea Moderada

Convexa Baixa
Curvatura da
Côncava Alta na encosta superior
encosta
Retilínea Moderada
Perfil
Em cornija Alta na base da cornija

Convexa Alta na encosta inferior

25-35o Solo argiloso


Alta para corridas de
Declividade
massa
30-45o Solo arenoso

<2m Moderada
Solo Profundidade
>2m Alta

Contrastes de Alta ao longo de contatos


Contatos porosidade, litológicos e com cobertura de solo,
Estruturas
litológicos concentração de inclusive entre diferentes tipos de
fluxo hidráulico solo.

Surgências,
Locais com fluxo Alta: locais preferenciais para
cabeceiras de
voltado para fora ruptura do terreno, dentro de
ravinas e
da encosta encostas suscetíveis.
Hidrologia voçorocas

Armazenamento Sobre depressões


em subsuperfície do topo rochoso Alta imediatamente abaixo das
depressões do topo rochoso, que
Depressões podem ser localizadas nas
Topo rochoso Geometria mesmo avaliações de grande detalhe.
decimétricas

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Sobre o Autor
Edir E. Arioli é geólogo pela UFRGS (1969), doutor em Geologia pela UFPR
(2008), especialista em Gestão Tecnológica (1990) e Engenharia da Qualidade
(1991) pela PUC/PR. Dedica-se à produção de materiais paradidáticos para
uso de professores e estudantes de Ciências da Natureza. Email:
earioli@yahoo.com.br.

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