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Geociências
Modelagem de estabilidade
de encostas
Edir E. Arioli
2018
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Sumário
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Problemas na abordagem da análise de risco
Esta análise baseia-se no estudo, realizado por este autor, de 32 teses e dissertações
das universidades brasileiras e 6 de universidades europeias, 74 artigos publicados
em periódicos científicos, 12 relatórios técnicos de instituições brasileiras e
participação em várias reuniões e fóruns de discussão técnica sobre avaliação de
risco associado a movimentos gravitacionais de massa (MGMs). A análise aplica a
metodologia própria da Gestão da Qualidade, em que o autor é especialista,
combinada com recursos de abordagem da Gestão de Sistemas Complexos e da
Geomorfologia Dinâmica.
Alguns padrões de análise e interpretação de fatos emergem deste grande volume
de fontes de consulta, os quais são aqui caracterizados como problemas, porque
constituem desvios de enfoque, de entendimento e de ação em relação ao que se
pode considerar um nível mínimo de competência técnica ao se lidar com o risco
associado a fenômenos da natureza. Esta análise é oferecida à reflexão dos
profissionais que lidam com a difícil missão de minimizar o risco para a população
e a sociedade, evitar e recuperar os danos e evitar desperdício de recursos públicos
no combate aos impactos desses acidentes.
Problemas de enfoque
Em grande parte da literatura e das discussões, os MGMs são tratados como sendo
processos geológicos e geotécnicos, que devem ser estudados por geólogos, com
conceitos e raciocínios extraídos da mecânica de solo ou de rocha. Isto é, a
influência das litologias e estruturas sobre a localização dos movimentos de massa
é superestimada e retroanálises são feitas a partir de parâmetros geotécnicos, os
prognósticos são determinísticos e desconsideram a natureza geomorfológica
desses processos. O enfoque da Geomorfologia mostra que somente a abordagem
probabilística e a análise das variáveis do terreno, da cobertura vegetal, das
relações entre pedogênese e morfogênese em cada domínio estudado, dos padrões
de drenagem, entre outras, devem ser integradas para se ter um mínimo de
aproximação à realidade dos eventos estudados. Raciocínios determinísticos
construídos sobre laudos geotécnicos, utilizados nas avaliações de estabilidade em
taludes escavados, são transpostos para vertentes naturais, com ou sem intervenção
antrópica. Retroanálises baseadas em eventos catastróficos extrapolam para
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condições normais de clima e de evolução geomorfológica as suscetibilidades à
instabilização do terreno.
Observa-se nos documentos acadêmicos consultados ignorância generalizada do
comportamento dos sistemas complexos, como se caracteriza por excelência a
Natureza. Este desconhecimento é constatado principalmente nos seguintes
equívocos metodológicos:
- aplicação aos fenômenos naturais de métodos e técnicas desenvolvidos para
análise de sistemas fechados e simples;
- persistência em previsões determinísticas, isto é, sem a consideração de margens
de erro, de eventos geomorfológicos e relações lineares de causa e efeito entre eles;
- uso da terminologia própria das teorias dos sistemas entremeada com a
abordagem reducionista.
O exemplo mais forte desta ignorância está na busca insistente em se descobrir
índices pluviométricos que permitam prever a possibilidade de ocorrência de
deslizamentos e, assim, para deflagrar medidas de Defesa Civil. Nos países mais
ricos da Europa (Alemanha, Áustria, Suíça, Itália), com todos os recursos
disponíveis e com densas malhas de pluviômetros instaladas, "previsões sinóticas
de chuvas têm-se mostrado insuficientes para identificar tempestades perigosas”
(HERVÁS, 2003; 2012).
Isto não impede que índices pluviométricos sejam usados para deflagrar fases de
mobilização da Defesa Civil, sem que sejam emitidos comunicados sobre
probabilidades de acidentes ou desastres destituídos de fundamento técnico. Sendo
mais claro, os índices pluviométricos são utilizados na Europa apenas para
mobilizar as equipes de Defesa Civil e não para anunciar à população possíveis
catástrofes naturais.
Os documentos analisados registram, ainda, domínio precário de Geomorfologia
em geral e de Geomorfologia Dinâmica em particular:
- os processos geomorfogenéticos e pedogenéticos são ignorados ou precariamente
compreendidos, sendo raramente levados em conta ao longo das análises de risco;
- as respostas e explicações são buscadas nos laudos geotécnicos, que registram
apenas algumas propriedades de um dos componentes do sistema, o solo;
- supervalorizam fatos e componentes irrelevantes do sistema, ao mesmo tempo
que ignoram outros essenciais para o entendimento dos processos que levam à
geração dos movimentos gravitacionais de massa, em especial o comportamento
mecânico dos materiais sob diferentes regimes hidráulicos.
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Problemas de análise
Avaliações expeditas ou instantâneas pegam situações locais e momentâneas, fora
do contexto geomorfológico e social. Sendo feitas por técnicos que, muitas vezes,
desconhecem a realidade geomorfológica e social em que atuam, resultam em
diagnósticos falhos, propostas equivocadas e descrédito por parte da comunidade e
da administração municipal. Por isso, não é de estranhar que a população acabe por
desconsiderar os alertas da Defesa Civil e resista a abandonar as áreas de risco na
iminência de chuvas torrenciais.
Problemas de comunicação
Por efeito dos equívocos de enfoque e análise, tanto os técnicos quanto os
dirigentes das instituições governamentais com responsabilidade sobre o tema
transmitem à sociedade como um todo e às comunidades locais:
- falsa noção de que MGMs podem ser previstos, com base em índices
pluviométricos;
- equívoco de que é possível antecipar os locais onde os acidentes poderão ocorrer
dentro de um período determinado de tempo;
- insegurança e descrédito quando estas previsões não se confirmam.
Problemas de gestão
A legislação vigente e, principalmente, as decisões recentes da administração
pública brasileira, da esfera federal à estadual, ignora que o gargalo da gestão do
risco associado a MGMs está na administração municipal. O governo federal e os
governos estaduais em geral criam órgãos de gestão e pesquisa, destinam linhas de
recursos para estas instituições e assumem unilateralmente a execução de
mapeamentos, avaliações expeditas, propostas de obras corretivas e paliativas, à
revelia dos municípios.
Vale ressaltar aqui duas facetas do problema: desperdício de recursos e
impropriedade da gestão.
Os recursos são destinados para organizar burocracias, equipar instituições
ultrapassadas ou imaturas, contratar funcionários, organizar fóruns de discussão e
pagar consultorias questionáveis, restando poucos recursos para minimizar o risco.
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As prefeituras municipais são envolvidas, neste processo centralizador, como
clientes ou pacientes destituídos de competência legal, técnica e financeira para
este fim. Técnicos federais ou estaduais, muitos dos quais arregimentados de
improviso e sem a devida qualificação profissional, aportam aos municípios para
executar avaliações que são, via de regra, expeditas e superficiais. Mais do que
isto, são avaliações desconectadas do contexto geomorfológico e ambiental em que
ocorreram os acidentes responsáveis pela decisão.
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Modelagem da suscetibilidade a deslizamentos rasos
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Influência da geometria da encosta sobre a estabilidade
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Talebi, Huijlenhoet e Troch (2007) constataram que nas vertentes de perfil
côncavo as superfícies de ruptura se localizam preferencialmente na encosta
superior, enquanto nas vertentes convexas elas ocorrem mais frequentemente na
encosta inferior. Este controle independe da forma das encostas em planta. Não
existe, também segundo esses autores, diferença de comportamento entre solos
saturados e subsaturados quanto à instabilidade mecânica induzida por fatores
hidrológicos. A principal limitação desta modelagem, reconhecida pelos autores,
está na incapacidade de incorporar à estimativa de instabilidade os efeitos das
variações locais de geometria nas encostas.
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Influência da profundidade do solo sobre a ruptura
O modelo GIST atribui pesos a cada fator e o resultado é calibrado para cada
domínio litológico e geomorfológico da bacia hidrográfica, em função de dados de
campo. A versão simplificada calcula os valores combinados dos três fatores
geomorfológicos, para cada pixel, sem atribuir índices geomorfológicos para cada
um.
A espessura do solo gerado pela modelagem foi assumida como sendo diretamente
proporcional à suscetibilidade à geração de MGMs, como se justifica nos
parágrafos acima. Na bacia de Terzona (Toscana), não foi possível validar a
suscetibilidade, por falta de eventos climáticos que pudessem gerar MGMs, mas
foi feita a validação da modelagem para a espessura de solo. Na bacia de Armea
(Ligúria), a validação de campo foi feita para os dois resultados.
Nas duas áreas estudadas, a declividade foi a variável que apresentou os maiores
erros, generalizando excessivamente os falsos positivos, isto é, indicando
espessuras de solo maiores do que os verificados em campo e, consequentemente,
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regionalizando áreas de alta suscetibilidade que, na realidade, não contêm MGMs.
O mesmo acontece com a altimetria, embora em menor grau. As modelagens pelos
métodos GIST e GIST simplificado dão resultados, tanto em relação à espessura de
solo quanto à suscetibilidade, de 97% e 98% nas duas bacias estudadas.
Os autores não entram em detalhes do método, descrevendo genericamente a
modelagem e os testes de campo, o que precisa ser procurado em outras fontes. As
referências abaixo podem ser consultadas para preencher esta lacuna.
Referências bibliográficas
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Segoni S.; Catani F. (2008) Modelling soil thickness to enhance slope stability
analysis at catchment scale. 33rd international geological congress, Oslo,
Norway, 6–14 August 2008.
Segoni, S.; Rossi, G.; Rosi, A.; Catani, F. Landslides triggered by rainfall: A
semiautomated procedure to define consistent intensity-duration
thresholds. Comput. Geosci. V. 63, p. 123–131, 2014.
Talebi, Huijlenhoet e Troch (2007)
Tesfa, T. K.; Tarboton, D. G.; Chandler, D. G.; McNamara, J. P. Modeling soil
depth from topographic and land cover attributes,Water Resources Research, v.
45, 2009.
Tromp-van Meerveld, H. J.; McDonnell, J. J. Threshold relations in
subsurface stormflow: The fill and spill hypothesis,Water Resour. Res.,
42, 2006.
Van Oeveren (2015) s.d.e.
Wilkinson P. L.; Anderson M. G.; Lloyd D. M. An integrated hydrological model
for rain-induced landslide prediction. Earth Surface Processes and Landforms,
v. 27, n. 12, p. 1285-1297, 2002.
Apêndice
O quadro abaixo é acrescentado pelo autor com uma síntese dos critérios utilizados
na modelagem hidrológica das condições de ruptura de encostas.
Uma observação deve ser enfatizada, quanto ao uso destes critérios no campo.
Como o relevo é um sistema natural, consequentemente complexo e auto-
organizado, não adianta isolar ou dar mais valor a um ou outro critério isolado,
porque a suscetibilidade a MGMs resulta da interação de todos eles, em níveis
impossíveis de se determinar. Por isto, somente a modelagem estatística consegue
uma aproximação razoável da realidade. Este é o princípio que rege todos os
métodos de modelagem mencionados nesta revisão.
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Critérios Especificações Suscetibilidade a MGMs
Convexa Baixa
Curvatura da
Côncava Alta na encosta superior
encosta
Retilínea Moderada
Perfil
Em cornija Alta na base da cornija
<2m Moderada
Solo Profundidade
>2m Alta
Surgências,
Locais com fluxo Alta: locais preferenciais para
cabeceiras de
voltado para fora ruptura do terreno, dentro de
ravinas e
da encosta encostas suscetíveis.
Hidrologia voçorocas
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Sobre o Autor
Edir E. Arioli é geólogo pela UFRGS (1969), doutor em Geologia pela UFPR
(2008), especialista em Gestão Tecnológica (1990) e Engenharia da Qualidade
(1991) pela PUC/PR. Dedica-se à produção de materiais paradidáticos para
uso de professores e estudantes de Ciências da Natureza. Email:
earioli@yahoo.com.br.
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