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Série Paradidática

Ecologia Aplicada

Recuperação de áreas degradadas

Edir E. Arioli

2020

1
Arioli, Edir Edemir

Recuperação de áreas degradadas. Edir E. Arioli.


Balneário Piçarras, SC. 2020.

56 p., ilustr., cores.

1. Ecologia. 2. Educação ambiental. 3. Fragilidade


ambiental. 4. Gestão ambiental.

Foto da capa: agenciabrasil.ebc.com.br

2
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO À DEGRADAÇÃO AMBIENTAL 4


O enfoque deste livro 4
Conceitos básicos 5
Tipos de áreas degradadas 7
Causas da degradação ambiental 8
Consequências da degradação ambiental 10
2. AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS 12
Usos da avaliação de impactos ambientais 12
Avaliação empírica de impactos ambientais 13
Evidências e indicadores 13
Modelos de avaliação 20
Avaliação simples 20
Avaliação completa 21
Regras para atribuição de notas 23
3. RECUPERAÇÃO AMBIENTAL 25
Importância da recuperação ambiental 25
Sucessão ecológica 27
Objetivos da recuperação ambiental 28
Estratégias da recuperação ambiental 28
Etapas da recuperação ambiental 30
Recuperação ambiental na área urbana 39
4. REFERÊNCIAS 42
5. Apêndice: Proteção de nascentes 45

3
1
Introdução à degradação ambiental

O enfoque deste livro

A literatura técnica apresenta a avaliação da degradação


ambiental e a recuperação de áreas degradadas essencialmente
para profissionais especializados e para aplicação em grandes áreas
rurais. Não é esse o enfoque deste livro. As práticas descritas a seguir
são dedicadas a leigos que necessitem executar essas tarefas em
atendimento a alguma demanda de interesse pessoal, profissional ou
social, abordando áreas menores, frequentemente nas zonas urbanas
e periurbanas.

Funcionários de um departamento municipal de fiscalização


ambiental precisam relatar a seus superiores os resultados de uma
vistoria realizada em atendimento a uma denúncia de um
desmatamento clandestino. Moradores vizinhos a uma planta
industrial comunicam ao órgão estadual do meio ambiente o
vazamento de efluentes junto à estação de tratamento que abastece
com água a cidade.

O professor de Ciências da Natureza de uma escola municipal ensina


os seus alunos a atuarem como protetores ambientais, com aulas
práticas de avaliação de impactos e recuperação de uma área
degradada. A associação de um bairro periférico organiza uma
brigada para monitorar as condições de degradação ambiental de
terrenos baldios e orientar os proprietários que desejam transformá-
los em pomares comunitários.

4
Esses são exemplos de iniciativas que pretendemos apoiar com este
apanhado de conceitos e recomendações práticas. Os conteúdos
foram extraídos da literatura especializada e transcritos em
linguagem simples para torná-los acessíveis a leitores sem
conhecimento prévio de ciências naturais. Essas recomendações
visam, portanto, orientar o planejamento e a execução de vistorias
de áreas degradadas, a elaboração de relatórios objetivos e a
participação em debates públicos de questões ambientais.

Um apêndice dedicado à descrição dos procedimentos para proteção


de nascentes, tendo em vista o abastecimento familiar e comunitário
de água potável, é apresentado ao final porque se enquadra dentro
da filosofia da recuperação ambiental.

Fonte: cpt.com.br

Equipe em treinamento de avaliação de impactos ambientais.

5
Conceitos básicos

P aisagem natural é um cenário formado por elementos


visíveis de relevo, águas superficiais, flora e fauna, excluídas as
estruturas construídas pelo homem. Ela não tem limites definidos,
exceto os determinados pelo horizonte e pelo alcance da visão do
observador.

Meio ambiente é o conjunto de elementos físicos, químicos,


biológicos e sociais que ocupam uma porção da paisagem natural e
influenciam de alguma forma a sobrevivência dos seres vivos e das
atividades humanas. Esta é a definição oficial da ONU –
Organização das Nações Unidas. Outras definições estabelecem que
também fazem parte do meio ambiente os recursos naturais, como a
água e o ar, e os fenômenos físicos do clima, como energia, radiação,
descarga elétrica e magnetismo.

Ecossistema é o conjunto de organismos que habitam uma área


definida da paisagem natural e interagem entre si e com o meio
ambiente de forma estável. Este conceito abrange, portanto, apenas
os seres vivos da natureza e exclui os elementos do meio físico.

Quando um ecossistema perde a capacidade de manter vivas e em


condições sadias parte das suas espécies animais e vegetais, dizemos
que ele sofre algum nível de degradação ambiental. Esse
processo pode envolver alterações físicas, químicas e/ou biológicas
que prejudicam o equilíbrio ambiental, modificando o meio físico, a
fauna e a flora, a ponto de causar eventualmente perdas na
biodiversidade.

O ponto de vista botânico é o mais enfocado na avaliação de uma


área degradada. Por isto, ela é definida como aquela que teve a sua
cobertura vegetal desfigurada a ponto de perder o poder de
regeneração natural. Essa desfiguração pode ocorrer por falta de
solo adequado, da distribuição equilibrada de espécies (estrutura),
do estoque de sementes e da capacidade de rebrota.

A degradação estende-se à vida animal porque ela depende da


vegetação, completando o processo a ponto de tornar o ambiente

6
estéril à manutenção da cadeia alimentar. Isto não impede que o
solo permaneça habitado por líquens, insetos, vermes e
microrganismos, mas essas populações representam, neste caso,
apenas o último estágio da decadência do ecossistema.

Fonte: todamateria.com.br

Ecossistema amazônico.

7
Tipos de áreas degradadas

V ários tipos de áreas degradadas são relacionados abaixo, com


seus impactos mais comuns, a título de lista preliminar de
controle para orientar vistorias ambientais.
Frentes de lavra: depósitos de águas contaminadas, depósitos de
equipamentos e resíduos industriais, rebaixamento do nível freático,
deslizamentos e quedas de blocos em taludes, erosão acelerada,
assoreamento da drenagem, desmatamento.
Depósitos de resíduos industriais: poluição química,
rebaixamento do nível freático, assoreamento e contaminação de
corpos d’água.
Depósitos de resíduos domésticos: escoamento de chorume,
poluição biológica, assoreamento e contaminação de corpos d’água.
Loteamentos irregulares: desmatamento, taludes instáveis,
rebaixamento do nível freático, deposição de resíduos industriais e
domésticos.
Áreas de risco com ocupação humana: desmatamento, erosão,
eliminação da cobertura de solo, taludes instáveis, rebaixamento do
nível freático, deposição de resíduos industriais e domésticos.
Áreas degradadas por erosão acelerada: desmatamento,
agricultura intensiva, queimadas repetidas, rebaixamento do nível
freático.
Áreas contaminadas por agrotóxicos: poluição de corpos
d’água superficial, contaminação do lençol freático, envenenamento
e extinção de espécies animais e vegetais.
Corpos d’água contaminados: contaminação por chorume,
efluentes químicos, resíduos sólidos industriais e urbanos,
assoreamento por rejeitos de mineração.

8
Causas da degradação ambiental

A degradação ambiental é uma marca comum nas regiões


ocupadas pelo homem. Ela pode ser provocada por
modificações que fazemos no terreno, pela exploração predatória
dos recursos naturais, pela eliminação de espécies animais e
vegetais, por alterações físicas e químicas do solo e por impactos nas
águas superficiais e subterrâneas.

A extinção de espécies vegetais ou animais por efeito de exploração


predatória ou contaminação é a causa mais agressiva e de efeitos
mais profundos, de difícil remediação. A extinção pode ser direta,
por coleta ou matança indiscriminada, ou indireta, por desequilíbrio
na cadeia alimentar ou contaminação física e química do meio
ambiente.

Uma causa sutil, embora tão nefasta quanto as anteriores, é a


destruição das condições naturais de um ecossistema por redução de
densidade, extensão, qualidade ou capacidade fisiológica de uma ou
várias espécies vegetais ou animais. Ela pode ser comparada com as
doenças degenerativas que destroem o nosso organismo ao longo da
vida, as quais acabam sendo incuráveis ou de difícil controle pela
medicina.

Outra causa de constatação mais difícil para a comunidade, mas


muito evidente para os profissionais da análise ambiental, é a
fragmentação de manchas de matas até dimensões insuficientes para
abrigar comunidades vegetais e animais estáveis. Existem extensões
mínimas necessárias para a sobrevivência de cada ser vivo e elas
devem ser mantidas, isoladas ou interconectadas, para se evitar a
degradação ambiental.

A contaminação e redução de corpos d’água corrente ou acumulada é


um processo que avança visivelmente em nossos dias, observado
tanto na escala continental quanto na escala local. No primeiro caso,
temo o exemplo do mar de Aral, que está reduzido a 10% da área
original. Em extensões menores, mas que se repetem através de
vastas regiões, encontramos inúmeros córregos transformados em

9
leitos secos e muitas nascentes esgotadas em todas as regiões do
nosso país.

Espécies exóticas são introduzidas sem controle em nossos


ecossistemas. Estando fora do seu ambiente natural, elas se tornam
agressivas e predadoras, destruindo o equilíbrio da cadeia alimentar
e exaurindo, direta ou indiretamente, comunidades nativas.

A compactação do solo pisoteado por animais de grande porte, como


gado bovino e equino, é comum na zona rural, com efeitos danosos
sobre a infiltração da água da chuva. Este dano ambiental é visto
como natural, típico dos sítios e das fazendas brasileiras, sem
importância e sem intervenção dos órgãos de fiscalização. Da mesma
forma, a cobertura vegetal é destruída indiscriminadamente por
queimadas e derrubadas, para implantação de agricultura, pastagens
ou simples exploração de lenha e madeira, em desrespeito à
legislação ambiental. Desta forma, se as mudanças climáticas globais
são, como muitos afirmam, compatíveis com os ciclos naturais do
planeta, elas certamente estão sendo agravadas e aceleradas por essa
desfiguração da superfície terrestre.

A agricultura praticada sem técnicas conservacionistas elimina as


camadas férteis do solo, produz erosão acelerada e destrutiva,
entulha os córregos e rios, contamina os mananciais com
agrotóxicos e cria verdadeiros desertos nas regiões de solo arenoso.
A mineração desfigura o relevo, contamina e rebaixa os mananciais
subterrâneos e de superfície, entulha a drenagem natural com
toneladas de rejeitos muitas vezes tóxicos, esgota jazidas e abandona
grandes áreas sem recuperá-las como determina a lei.

Nas áreas urbanas, em escalas aparentemente menos extensas, mas


muito mais disseminadas e danificadas, terrenos baldios
permanecem por décadas acumulando lixo doméstico e industrial,
obras de infraestrutura mal executadas deixam rastros de
destruição. E o desrespeito às posturas municipais cria absurdos
urbanos em bairros com concentração imobiliária anormal sem
infraestrutura adequada.

10
Consequências da degradação ambiental

A degradação ambiental não tem consequências puramente


ecológicas, mas afeta diretamente interesses da sociedade, com
prejuízos para as atividades econômicas: desvalorização da terra,
redução da fertilidade do solo e redução dos mananciais hídricos,
com efeitos negativos sobre a produtividade agrícola e prejuízos na
exploração econômica dos recursos naturais.

A destruição do equilíbrio entre espécies, por contaminação do meio


ambiente, é talvez a consequência mais generalizada de degradação
que encontramos em nosso planeta. Este processo pode ser
gradativo e imperceptível, como ocorre na ocupação de uma região
pelo ser humano, ou imediato, como se observa após uma queimada
ou o corte generalizado de uma floresta. A redução da população de
aves por uso de agrotóxicos, mesmo em pequenas propriedades
rurais, aumenta a concentração de insetos, que passam a devorar a
produção de hortaliças e frutos. A introdução de espécies exóticas
em tanques de piscicultura pode eliminar espécies nativas e
consumir a vegetação aquática, levando à decomposição da água a
ponto de torna-la tóxica.

Por isso, quando se trata de recuperar áreas degradadas, busca-se


proteger a sustentabilidade das comunidades e de todas as
atividades que garantem a qualidade de vida das populações. Esta
deve ser uma preocupação fundamental dos gestores públicos, dos
empreendedores em todas as áreas da economia e da sociedade
como um todo.

11
2
Avaliação de impactos ambientais

Usos da avaliação de impactos ambientais

T oda avaliação de degradação ambiental deve ser planejada e


executada em função de objetivos específicos: reabilitação,
mitigação ou recuperação. Esses objetivos são discutidos na seção 3
– Recuperação Ambiental.

A primeira limitação a enfrentar quando se avalia a degradação


ambiental é a incerteza de trabalhar com elementos de difícil
identificação, típica das feições naturais da paisagem. É trabalhoso
delimitar a sua distribuição no terreno, determinar a densidade e o
porte das espécies vegetais, sem falar da qualidade física, química e
orgânica de cada uma ou das suas variações através de regiões e ao
longo do tempo.

Assim, a solução está na escolha de indicadores de degradação


representativos, práticos e confiáveis. Eles permitem concentrar o
foco em poucas espécies vegetais e animais, bem como escolher os
atributos críticos que podem funcionar como indicadores da
degradação.

Entretanto, para que o trabalho produza resultados consistentes, os


métodos de avaliação devem ser simples e confiáveis. Simples para
que permitam manter as margens de erro dentro dos limites
aceitáveis. Confiáveis para que a avaliação resultante traduza de
forma realista o que está acontecendo na área degradada.

12
Os locais de avaliação devem ser escolhidos com cuidado para que
representem os ecossistemas de uma região e possam ser
monitorados ao longo do tempo.

Os locais e os indicadores devem ser testados repetidamente até se


chegar aos que atendam à necessidade de controlar a degradação e o
interesse da comunidade em fazê-lo sem intermediários.

Como se trata de uma empreitada comunitária, os métodos e os


indicadores devem ser escolhidos em função da sua facilidade de uso
e adaptados às capacidades da população envolvida.

Avaliação empírica de impactos ambientais

A avaliação empírica da degradação ambiental tem grande


utilidade para priorizar áreas que demandam medidas de
recuperação e para selecionar os meios mais eficazes em cada
ambiente. Ela é dita empírica porque tem objetivos essencialmente
práticos e não aplica um método científico especial. Isto não
significa, porém, que este tipo de avaliação carece de uma lógica de
execução e dispense o conhecimento científico da natureza.

Os métodos aqui descritos são qualitativos e comparativos, voltados


à identificação de áreas com diferentes graus de degradação, mas
têm consistência e confiabilidade porque associam de forma lógica
indicadores do meio físico, da flora e da fauna.

Evidências e indicadores

E vidências são características do meio ambiente que permitem


estimar qualitativamente a gravidade da degradação existente.
Indicadores são medidas que registramos dentro dessas
características para avaliar mais precisamente a perda de
sustentabilidade que o ecossistema está sofrendo. As evidências

13
servem, portanto, à avaliação qualitativa e os indicadores à avaliação
quantitativa da degradação ambiental.

Podemos dizer que as evidências servem às avaliações empíricas


(práticas, sem rigor científico) da degradação ambiental, enquanto
os indicadores atendem aos requisitos do método científico para
serem utilizados adequadamente. Esses requisitos incluem:

 representatividade das amostras, quando a quantidade é


proporcional ao tamanho da população amostrada;
 consistência estatística das medidas, quando os resultados
repetem-se dentro de margens de erro aceitáveis;
 confiabilidade na coleta e no tratamento de dados, quando eles
podem ser repetidos em estudos repetidos;
 pertinência das técnicas utilizadas, quando elas são
compatíveis com os materiais amostrados e com os
indicadores procurados.

Apresentamos abaixo as evidências mais importantes e alguns


indicadores úteis.

Erosão. Evidência fundamental porque reflete a degradação da


cobertura vegetal, que leva também à degradação da fauna, por
migração ou extinção pura e simples. A erosão é consequência da
decadência avançada da vegetação, é a feição mais grave da
degradação ambiental, porque se desenvolve quando toda população
vegetal é destruída a ponto de perder a capacidade de proteger o solo
que a sustenta. Indicadores: raízes expostas por erosão laminar,
sulcos, ravinas, boçorocas e depósitos recentes de sedimentos na
base de elevações do terreno.

Redução da cobertura vegetal. A cobertura vegetal de porte


arbóreo é a primeira componente do ambiente natural que apresenta
degradação em resposta ao empobrecimento do solo, além de
registrar de forma flagrante a ação destruidora da ocupação
humana. Indicadores: manchas isoladas de matas, extensão de
clareiras e corredores, variações de densidade de árvores (com altura
acima de 5 m).

14
Redução da biodiversidade. Depende de inventários e de
levantamento sistemático de espécies animais e vegetais, executados
apenas por profissionais qualificados. Por isto, esta evidência é aqui
relacionada apenas para conhecimento genérico do leitor leigo.
Indicadores: taxa de redução no número de espécies.

Extinção de espécies indicadoras. Assim como é mencionado


na evidência anterior, esta requer a participação de especialistas
para garantia do rigor necessário no controle das espécies
indicadoras dentro da cadeia alimentar. Indicadores: espécies
animais e vegetais extintas no ambiente avaliado.

Presença de espécies invasoras. Depende de conhecer as


espécies endêmicas e capacidade de identificar espécies invasoras.
Indicadores: espécies animais e vegetais exóticas, presentes no
ambiente avaliado.

Deformações físicas em animais e vegetais. Depende de


supervisão técnica de biólogos ou profissionais afins, tais como
engenheiros agrônomos e florestais, para identificação de
deformações de origem ambiental. Indicadores: taxas de
deformações específicas por número de indivíduos amostrados.

Redução na qualidade biológica de animais e vegetais. Idem


à anterior, com análises e experimentos de laboratório para
identificar prejuízos nas funções observáveis das espécies animais e
vegetais. Indicadores: redução na taxa de reprodução de espécies
indicadoras.

Redução na qualidade da água superficial e subterrânea.


Interessa avaliar a potabilidade por meio de feições visíveis a olho
nu (turbidez, argila, fragmentos orgânicos, cheiro e sabor) e
detectáveis em laboratório (geralmente obtidos em relatórios de
controle ambiental). Indicadores: escala de turbidez medida no
campo, teor de alumina dosado em amostras de água, teores de
princípios ativos de agrotóxicos.

Redução na vazão de rios, córregos e fontes naturais de


água. Calculada a partir de dados históricos e de controle em
diferentes estações do ano. Indicadores: taxa de redução na vazão.

15
Redução dos recursos naturais. Esta evidência é mais difícil de
determinar, porque depende de dados de reservas e de produção,
para análise da evolução ao longo do tempo. Indicadores: redução
na reserva de madeira de lei de uma floresta, no volume de água
potável dentro de um aquífero conhecido ou de toneladas de
camarão na costa brasileira.

Erosão laminar sem sulcos lineares, em Erosão laminar expõe raízes. Fonte:
região de chuvas suaves. Fonte: coagril- reformafacil. com.br.
rs.com.br.

16
a

Sulco de erosão linear, induzido por agricultura (a) Ravina formada a partir de sulco de
e por um regime de chuvas intensas, erosão. Fonte: bibocaambiental.blogspot. br.
eventualmente torrenciais. Fonte: embrapa.br. (b) Voçoroca em formação, com fundo
preenchido por sedimentos gerados pela
erosão acelerada. Fonte: tribunadecianorte.
com.br

Voçoroca em estágio avançado de formação. Voçoroca em estágio avançado de formação,


Fonte: ecodebate.com.br. com ramificações laterais. Fonte:
brasilescola.uol.com.br.

17
Corte de árvores isoladas à beira de um Desmatamento linear para abertura de
roçado. Fonte: g1.globo.com. caminho de fazenda e em clareira para início
de um roçado. Fonte: wwf.org.br.

Área degradada com corte de árvores, Desmatamento extenso para início de um


queimada e erosão iniciando. Fonte: roçado. Fonte: piauifolha.uol.com.br.
agenciabrasil.ebc.com.br.

Lixo disperso. Fonte: oregional.com. br. Lixo acumulado. Fonte: depositphotos.com.

18
Depósito de lixo em estágio inicial de Lixão gerador de grandes volumes de
formação. Fonte: pmbg.es.gov.br. chorume. Fonte: redejuntos.com.br.

(a) Lixo sólido e esgoto doméstico. Fonte: Contaminação química por efluente industrial.
contilnetnoticias.com.br. (b) Contaminação Fonte: g1.globo.com.br.
química por óleo. Fonte: ecoplanplas. com.br.

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Modelos de avaliação empírica

A presentamos duas modalidades de avaliação empírica, que


podem ser aplicadas em situações com diferentes níveis de
exigência ou responsabilidade.

O primeiro modelo pode ser usado em vistorias rápidas, tais como as


que fazemos em visitas técnicas a locais denunciados como estando
degradados e que precisamos decidir sobre a necessidade de
avaliações mais detalhadas. Vamos chamar este modelo de
avaliação simples.

O segundo modelo é mais adequado às avaliações completas.


Para tornar este modelo mais prático, ele é subdividido em avaliação
da degradação de terrenos alagados (córregos, rios, lagoas, lagos) e
de terrenos secos, ficando claro que esses não incluem margens de
corpos d’água.

Avaliação simples

E sta avaliação adota poucos critérios, os mais fáceis de observar


em vistoria rápida e os mais significativos de uma degradação
ambiental em andamento: erosão, desmatamento, acúmulo de lixo e
contaminação da água.

Cada critério pode conter vários níveis de degradação no mesmo


local. Todos devem ser registrados e o de maior gravidade é usado
como critério de classificação. Exemplo: onde há lixo disperso e
depósitos atrás de casas, usa-se os depósitos como critério.

Como este método é empírico e qualitativo, não há rigor matemático


a preocupar o avaliador, porque o que mais interessa é relatar o que
foi observado em relação aos quatro critérios selecionados.

20
Município: Data:
Localidade: Hora:

Critérios Baixo: 0 Moderado: 2 Alto: 4


Erosão Ausente Laminar, sulcos Ravinas, voçorocas

Desmatamento Ausente Clareiras, linear Extenso

Lixo Disperso, recente Acumulado, lixo seco Lixão, lixo decomposto

Água turva, esgoto, Produto químico,


Contaminação Imperceptível
cheiro moderado chorume, cheiro forte

Nível degradação 0-5: baixo 6-11: médio 12-16: alto

Avaliação completa

E ste modelo baseia-se no Protocolo de Avaliação Rápida descrito


por Rosa e Magalhães Jr. (2019). Não se trata, portanto, de um
modelo original, mas simplificado para permitir o uso por leigos em
análise ambiental.

Não é raro acontecer que técnicos de órgãos de fiscalização e


monitoramento ambiental, sem qualificação formal para avaliar
impactos em áreas degradadas, são chamados a vistoriar
propriedades e espaços públicos para informar aos seus
departamentos ou secretarias sobre denúncias recebidas a respeito.
Da mesma forma, é frequente que membros de associações de
bairros e clubes de serviços sejam instados a denunciar situações de
desrespeito à legislação ambiental. Não se trata, aqui, de estimular a
execução de avaliações por funcionários despreparados, mas apenas
de oferecer-lhes meios para tornar esta tarefa mais racional e
organizada.

Em relação ao modelo desses autores, além da fusão e eliminação de


alguns critérios cuja discriminação torna-se difícil para o avaliador
leigo, foram invertidos os valores atribuídos a cada nível de
degradação. Entendemos como sendo mais intuitivo atribuir valores

21
maiores aos níveis mais elevados de degradação, ao contrário do que
adotam Rosa e Magalhães Jr. (2019).

E, como explicamos no início desta seção, subdividimos a planilha


entre terrenos alagados e secos, uma vez que é mais comum
fazermos avaliações num ou noutro desses locais. De qualquer
forma, no caso de avaliarmos áreas que abrangem ambos os tipos de
terrenos, o uso de planilhas diferentes favorece o enfoque exclusivo
numa e outra situação.

Município: Data:
Localidade: Hora:

Terreno alagado: córregos, rios, lagoas, lagunas, barragens.

Critérios Preservado: 0 Controlado: 2 Impactado: 4 Total

Uso e ocupação Vegetação natural Cultivo, campo Edificações

Deslizamentos e Deslizamentos e
Ausente a sulcos de
sulcos de erosão sulcos de erosão
Erosão erosão pequenos e
profundos, mas profundos e
localizados
localizados abundantes

Industriais, ponte,
Edificações e
Ausentes Residenciais barragem,
estruturas
canalização

Proximidade
> 100 m 50 – 100 m < 50 m
edificações

Vegetação Mata ciliar Árvores isoladas Ausente


Margens

Localizados,
Resíduos sólidos Ausentes Abundantes
poucos

Emissões de Localizadas,
Ausentes Abundantes
efluentes poucas

40-70% protegidas < 40% protegidas


70% ou mais
por mata nativa, por mata nativa,
protegidas por mata
afloramentos afloramentos
Proteção nativa, afloramentos
rochosos ou outras rochosos ou outras
rochosos ou outras
formações formações
formações estáveis
estáveis estáveis

Danos por uso,


pisoteamento por
animais, Ausentes Localizados Abundantes
circulação de
veículos

22
Município: Data:
Localidade: Hora:

Terreno alagado: córregos, rios, lagoas, lagunas, barragens.

Critérios Preservado: 0 Controlado: 2 Impactado: 4 Total

Efluentes
Odor Ausente Esgoto doméstico
químicos

Oleosidade Ausente Moderada Abundante


Água

Transparência Transparente Turva, cor de chá Opaca, colorida

Materiais
Ausentes Poucos Abundantes
flutuantes

Espuma Ausente Pouca Abundante

Cimento,
Tipo Laje, cascalho Areia, lama
canalizado

Oleosidade Ausente Moderada Abundante


Leito

Vegetação Ausente Localizada Abundante

Barragens,
Obras e
Pontes, pontilhões, desvios, gabiões,
estruturas Ausentes
canalização local canalização
construídas
extensa

Uso e ocupação Vegetação natural Cultivo, campo Edificações

Médio a grande
Animais domésticos Ausentes Pequeno porte
porte

Deslizamentos e Deslizamentos e
Ausente a sulcos de
sulcos de erosão sulcos de erosão
Erosão erosão pequenos e
profundos, mas profundos e
localizados
localizados abundantes

Edificações e estruturas Ausentes Residenciais Industriais

Vegetação Mata ciliar Árvores isoladas Ausente

Resíduos sólidos Ausentes Localizados, poucos Abundantes

Emissões de efluentes Ausentes Localizadas, poucas Abundantes

Regras para atribuição das notas

A planilha abaixo visa auxiliar o avaliador na ponderação dos


critérios nas vistorias de campo, importante para a manutenção

23
da coerência entre avaliações de locais diferentes. Ela facilita o
entendimento dos conteúdos das planilhas anteriores.

Critérios Preservado: 0 Moderado: 2 Impactado: 4

Tipo de ocupação >75% mata natural >25% plantio >25% ocupação

Proximidade da ocupação >100 m 50-100 m <50 m

Obras e estruturas hidráulicas Ausentes Pontes Diques, barragens,


canalizações

Fontes pontuais de efluentes Ausentes Domésticos Industriais

Resíduos sólidos nas margens Ausentes Poucos Muitos

Materiais flutuantes Ausentes Poucos Muitos

Espumas Ausentes Poucas Muitas

Odor da água Ausente Esgoto Produtos químicos

Oleosidade da água Ausente Pouca Muita

Transparência da água Transparente Turva Opaca, colorida

Proteção das margens >70% vegetação 40-70% vegetação <40% vegetação

Estabilidade das margens Sem colapsos Alguns colapsos Muitos colapsos

Sombreamento Mata estratificada Mata arbustiva Desmatado

Uso por animais domésticos Ausente Pouco Muito

Uso humano Ausente Pouco Muito

Erosão Ausente Pontual (< 1 ha) Extensa (> 1 ha)

Desmatamento Ausente Pontual (< 1 ha) Extenso (< 1 ha)

Totalizações
Condição ótima: 0-20 pontos
Condição razoável: 21-40 pontos
Condição degradada: 41-60 pontos

24
3
Recuperação ambiental

Importância da recuperação ambiental

H oje em dia, os cientistas nos alertam insistentemente sobre o


risco que as mudanças climáticas oferecem à sobrevivência da
Humanidade. O aquecimento global é tema de debate nos noticiários
de televisão e canais da internet, tanto nos especializados quanto nos
totalmente leigos em climatologia, como os populares podcasts.

Quando são abordadas as possíveis soluções a esses problemas, é


notória a confusão feita entre as escalas das causas, dos sintomas e
das soluções possíveis. Tratando-se de problemas com abrangência
planetária, parece óbvio que as soluções devam conter o potencial de
corrigir as causas nesta mesma escala. Entretanto, a lógica das
intervenções preventivas e corretivas é um pouco diferente.

O diagrama abaixo apresenta de forma simplificada as relações de


interdependência dos fatores responsáveis pela degradação
ambiental. Trata-se de um modelo visual dos problemas causadores
e provocados pelo aquecimento global, o que inclui a degradação
ambiental. Cada bloco representa uma causa ou condição necessária
à geração dos blocos que estão acima. As setas mostram alguns
ciclos de retroalimentação positiva, isto é, que reforçam a
intensidade dos problemas. As cores indicam os macrossistemas do
nosso planeta.

De acordo com a lógica da solução de problemas complexos, é inútil


ou improdutivo enfocar as intervenções corretivas e preventivas no
bloco superior do diagrama, acima do rótulo DEGRADAÇÃO AMBIENTAL,
porque ele agrupa apenas sintomas. Aprendemos nas consultas

25
médicas que atacar sintomas não cura uma doença. É preciso
eliminar ou bloquear as causas.

As causas dos problemas ambientais na escala do planeta são, de


fato, essencialmente locais e regionais, principalmente o
desmatamento, as queimadas e a queima de combustíveis fósseis. A
combinação dessas agressões ao meio ambiente destrói as fontes de
oxigênio, ao mesmo tempo que aumenta a concentração de gás
carbônico na atmosfera. Desta forma, as ações de recuperação
ambiental combatem as causas do aquecimento global e das
mudanças climáticas na escala do planeta. A abrangência local não
impede que a recuperação de áreas degradadas tenha efeitos na
escala do planeta.

26
27
Sucessão ecológica

O conceito de sucessão ecológica é crítico para quem planeja,


executa e avalia projetos de recuperação ambiental.
Sistematizada por Cowles (1899) a partir da descrição das
comunidades vegetais nas dunas do lago Michigan (EUA), a teoria
da sucessão ecofisiológica, como também é denominada, foi
consolidada por Clements (1916). A teoria de Clements descreve a
sucessão vegetal como um processo de evolução de espécies sobre
diferentes substratos e estimulada por diferentes tipos de distúrbios,
em direção a uma vegetação clímax estável, homogênea e previsível.
Estas três características refletem o fato de que a vegetação
culminante da sucessão depende de um único e exclusivo fator, o
clima.
Sucessão vegetal é definida, portanto, como a sequência natural de
crescimento de espécies numa determinada área, determinada pelas
condições de fertilidade do terreno, insolação, regime de chuvas,
presença de vetores de semeadura e a pré-existência de espécies
vegetais. Este conceito relativamente recente na história da
agronomia e da engenharia florestal trouxe contribuições
importantes para a eficiência e eficácia dos projetos de recuperação
de áreas degradadas.
As características ecofisiológicas das espécies típicas de cada estágio
de sucessão são relacionadas abaixo, itemizadas para facilitar a
consulta.

Espécies colonizadoras
 Desenvolvem-se sobre lajes, paredões rochosos e blocos rolados
nos leitos dos rios.
 Por isto, formam a vegetação chamada de rupestre, que significa
nas rochas.
 Contribuem com ácidos húmicos para a decomposição dos
minerais primários em secundários, que são constituintes do solo.
Exemplos: feldspatos alteram-se a argilas e óxidos e hidróxidos

28
de alumínio; minerais ferrosos transformam-se em óxidos e
hidróxidos de ferro.
 Musgos, líquens, gramíneas, ervas rasteiras.

Espécies pioneiras
 Desenvolvem-se em áreas degradadas e sem sombreamento.
 Formam populações com poucas espécies e muitos indivíduos.
 Não toleram sombra, gostam de sol.
 As árvores são arbustivas, de pequeno porte, com até 10 m de
altura.
 Crescem rápido e vivem até 8 anos.
 Produzem sementes pequenas e abundantes.
 As folhas e sementes são muito apreciadas pelos animais.
 As raízes são abundantes, finas e longas.
 Espécies epífitas (trepadeiras, cipós) são ausentes ou em pequena
quantidade.
 Gramíneas, leguminosas, embaúba, aroeira, canafístula,
goiabeira, paineira, capororoca.

Espécies secundárias iniciais


 Desenvolvem-se em clareiras, bordas de florestas e mata rala.
 Toleram sombra e sol em proporções variadas.
 As árvores têm troncos de porte médio, com 10 a 20 m de altura.
 Convivem com pioneiras, mas em número menor de indivíduos.
 Crescem rapidamente.
 Formam sementes pequenas a médias.
 Os troncos fornecem madeira macia e clara, usada em artesanato.
 Mulungu, cinamomo, camboatá, aleluia, mamica-de-porca,
fedegoso, ipê-amarelo, cedro-rosa, araribá-amarelo, aroeira-
vermelha, grapia, jacarandá-vermelho, louro-pardo, tanheiro,
corticeira, guapuruvú, ingá.

29
Espécies secundárias tardias
 Desenvolvem-se em sub-bosques, com sombra permanente.
 As árvores são de grande porte, atingindo 20-30 m de altura em
até 50 anos.
 Vivem centenas de anos.
 Formam sementes médias a grandes.
 As raízes são superficiais e podem ser aéreas.
 Fornecem madeira de lei.
 As espécies epífitas aparecem com frequência.
 Jacarandá, ipê amarelo, araribá, figueira, baguaçu, cedro,
cupiúva.

Espécies clímax ou climácicas


 Desenvolvem-se somente à sombra.
 Crescem acima do dossel das florestas, atingindo mais de 30-50
m de altura.
 Vivem dezenas a centenas de anos.
 Formam populações com poucos indivíduos de espécies raras.
 Identificam florestas primárias.
 Formam sementes grandes.
 Fornecem madeira de lei.
 As espécies epífitas são abundantes.
 As raízes são superficiais, fortes e com pequeno número de
ramificações.
 Pau-brasil, jequitibá, castanheira, cedro, canela-preta, imbuia,
pau-óleo, peroba.

30
Objetivos da recuperação ambiental

Q uatro níveis de intervenção podem ser adotados, quando se


trata de recuperar uma área degradada. Elas são, em ordem
crescente de compromisso com o retorno às condições originais do
ecossistema: mitigação, reabilitação, recuperação e restauração.
Mitigação ou remediação é a redução dos danos da degradação
ambiental até o ponto de tornar os impactos ambientais suportáveis
pelo ecossistema e pela comunidade que o habita ou explora. Este é
o nível mais baixo de intervenção ambiental, porque não se propõe
tornar a área impactada habitável para vegetais, animais ou ao ser
humano.
Reabilitação é a remediação que visa tornar a área impactada apta
a ser explorada para outras finalidades, diferentes das anteriores à
degradação. Este nível de intervenção avança um pouco mais em
relação à mitigação, porque cria novas condições para a ocupação e o
aproveitamento da área degradada.
Recuperação é a reconstituição aproximada das condições que
existiam antes da degradação. Ela é feita quando se considera
possível devolver ao ecossistema o equilíbrio suficiente para o
retorno da flora, da fauna e dos recursos naturais anteriores.
Restauração é a recuperação das condições originais do
ecossistema impactado, isto é, das condições naturais do terreno, da
flora, da fauna e do sistema natural de drenagem superficial. Este
nível de recuperação é raramente viável, em áreas pouco extensas e
bem delimitadas, e depende de dados disponíveis sobre o
ecossistema original.

31
Estratégias da recuperação ambiental

S egundo a Embrapa (2012), a recuperação de áreas degradadas


por atividades agropastoris e extrativas pode ocorrer das
seguintes maneiras, correspondentes aos objetivos acima e de
acordo com o que prescreve a Lei Federal 12.615/12:

Regeneração natural sem manejo. Acontece geralmente em


áreas de vegetação densa e solo pouco compactado, com espécies
robustas e ausência de espécies invasoras. A proximidade de
florestas nativas contribui para a capacidade natural de regeneração.
Quando ela mostra, em estudo prévio, grande poder de recuperação,
basta isolar a área com cerca ou aceiro e deixar a natureza agir sem
intervenção humana.
Nesta estratégia, o controle dos fatores de degradação e as boas
práticas agrícolas são decisivos para a obtenção de bons resultados.
Fatores de degradação são, por exemplo, as queimadas, o pastoreio
intensivo e a propagação descontrolada de pragas. Boas práticas
agrícolas são, em síntese, as que protegem as condições naturais do
solo e das águas superficiais e subterrâneas.
Regeneração natural com manejo. Consiste em ajudar a ação
natural de regeneração eliminando entraves (pragas, espécies
invasoras, terreno íngreme) ou introduzindo elementos favoráveis
(solo fértil, espécies regeneradoras). Pode ser feita por alteração da
geometria do terreno (em áreas com deslizamentos de terra, por
exemplo, recorta-se a encosta íngreme em terraços), recuperação da
cobertura de solo, combate às pragas, adensamento, enriquecimento
(adubação) e nucleação da vegetação desejada, eliminação de
espécies competidoras por meio de produtos químicos ou extração
mecânica.
Plantio em área total. Pode ser feito por semeadura ou por
plantio de mudas de gramíneas, arbustos ou árvores, de modo a
reconstituir comunidades vegetais e, consequentemente, animais em
uma área selecionada. Isto exige planejamento agronômico ou
florestal adequado para chegar a resultados efetivos.

32
O plantio em área total pode ser acelerado pela adoção de estratégias
complementares, tais como adensamento, enriquecimento e
nucleação. Além disto, esta estratégia deve ser aplicada
progressivamente, começando por áreas menores e avançando em
função dos resultados que forem obtidos em cada uma delas.
Sistemas agroflorestais (SAFs). São sistemas produtivos que
combinam as mais variadas espécies vegetais, cuja sucessão natural
é reproduzida por meio de engenharia agronômica e florestal. As
técnicas de nucleação, descritas a seguir, pertencem a esta
estratégia, que se tornou bastante popular no mundo inteiro pelos
bons resultados que oferece.
Os SAFs combinam culturas agrícolas com manchas de vegetação
nativa e mesmo exótica, espécies forrageiras e arbustivas,
trepadeiras e ervas ditas daninhas, em combinações que permitem
conciliar a produção de alimentos com a preservação ambiental. Isto
requer o profundo conhecimento de espécies vegetais, suas relações
ecológicas e os seus efeitos sobre a conservação do solo. Em outros
termos, requer a supervisão permanente de profissionais habilitados
em agronomia e engenharia florestal.
Em qualquer estratégia, a qualidade dos resultados depende de
monitoramento periódico dos efeitos produzidos sobre a área
degradada. As recomendações da Embrapa (2015) são tão
importantes que vale a pena conhecê-las na íntegra.

“Toda ação de restauração deve ser monitorada e manejada conforme seus


resultados. O monitoramento indicará se a técnica escolhida foi adequada e se
está bem conduzida. Após a avaliação, nova tomada de decisão pode ser
necessária. Por isso, recomenda-se que a restauração seja feita em etapas,
começando por pequenas áreas. O monitoramento permite analisar se a
técnica empregada está desencadeando a regeneração necessária para o
retorno da vegetação nativa. A qualidade do solo e a estrutura, diversidade e
composição da vegetação são características comumente avaliadas em um
monitoramento de restauração ecológica, e são capazes de predizer o sucesso
da recomposição da vegetação. As técnicas mais simples são a cobertura do
solo, a densidade de plantas presentes e a sua riqueza. A cobertura do solo por
forma de vida (vegetação competidora, solo exposto, árvores, arbustos e
herbáceas nativas), pode ser realizada utilizando métodos simples como a
porcentagem de ocupação do ambiente: ao longo de uma trena esticada de 25
33
metros, posicionar uma vara de bambu com 2 metros de comprimento a cada
50 cm e observar todas as plantas que tocam na vara. Fotografias podem ser
feitas anualmente no mesmo lugar para comparar a cobertura do solo, e assim
poder verificar se a vegetação planejada e a cobertura do solo aumentaram e
se a vegetação competidora diminuiu. Para medir a riqueza de espécies e a
densidade de regenerantes lenhosos com mais de 30 cm de altura, estica-se
uma trena de 25 metros e numa faixa de 1 metro ao longo da trena contam-se
as plântulas e arvoretas.” (Embrapa, 2015)

34
Etapas da recuperação ambiental

E m seu portal de divulgação dos procedimentos de recuperação


ambiental, a empresa Bioflora Tecnologia da Restauração
(2015) relaciona as seguintes etapas de trabalho, que se
fundamentam na sucessão ecológica da vegetação:

1. Eliminação dos fatores de degradação


Prazo de execução: início do projeto, geralmente dias ou semanas.
É preciso evitar que esses fatores continuem a agir sobre o
ambiente e anulem os efeitos da recuperação: circulação de
animais e veículos, extração de espécies, deposição de lixo,
abertura de roçadas, queimadas, uso de agrotóxicos e assim por
diante.
Barramentos de córregos prejudiciais à vegetação devem ser
corrigidos, assim como devem ser desviados para fora da área
isolada os fluxos de enxurradas.
Deve-se fazer a limpeza do terreno em torno das mudas presentes
e eliminar plantas invasoras: capim braquiária, gordura ou
colonião.
O isolamento da área permite a regeneração da vegetação nativa,
que funciona como verdadeiro catalizador da recuperação
ambiental, como benefícios para a eficiência econômica e a
qualidade dos resultados.
Plantar ervas repelentes de formigas e outras pragas entre as
espécies pioneiras e secundárias é uma boa prática: alecrim,
hortelã.
A adubação verde pode eliminar pragas e plantas invasoras,
dispensando trabalho.

2. Avaliação da capacidade de regeneração


Prazo de execução: até 2 anos a partir do início do projeto.

35
A área é isolada fisicamente por cerca ou aceiro para verificar se
acontece a regeneração natural.
A proximidade de remanescentes de mata nativa é um fator
favorável à regeneração, porque se estabelece um fluxo de
propágulos (sementes e mudas) carreados por animais, pela água
e pelo vento.
Quando a área desenvolve cobertura natural com a contribuição
de propágulos externos ou a partir do seu próprio estoque de
sementes e mudas, ela demonstra alta capacidade de regeneração.
O fato de uma área conter alta capacidade de regeneração natural
não impede que se estimule o processo eliminando espécies
competidoras, como gramíneas, e protegendo as espécies
regenerantes com limpeza periódica no seu entorno.
Quando não se desenvolve cobertura natural, a área tem baixa
capacidade de regeneração e é necessário plantar uma cobertura
vegetal, objetivo da próxima etapa da recuperação.

3. Formação da cobertura
Prazo de execução: 2 anos a partir da etapa anterior.
Áreas com recuperação natural total: são raras, apresentam
cobertura total por capoeira e arbustos, de modo que estão aptas
para a etapa de enriquecimento.
Áreas com recuperação natural parcial: desenvolvem cobertura
irregular, o que pode ser superado pelo adensamento com plantio
de espécies de recobrimento nos setores vazios. As espécies de
recobrimento crescem rapidamente e fornecem sombra para as
espécies menores, tais como embaúba, paineira e aroeira.
Áreas sem recuperação natural: são corrigidas mediante o plantio
de adubo verde e espécies de recobrimento.
Adubo verde é vegetação de crescimento rápido, vida curta, com
capacidade para fertilizar e reter água no solo. São as leguminosas
(feijão, ervilhaca, nabo, mandioca) e gramíneas (milho, sorgo).

36
Vegetação de recobrimento é formada por espécies nativas de
crescimento rápido e copa densa, das quais se recomenda plantar
pelo menos 8 espécies para melhores resultados.

4. Enriquecimento
Prazo de execução: indeterminado a partir da conclusão da etapa
anterior.
Objetivo é promover a substituição das espécies arbustivas por
arbóreas e de diversidade, isto é, climácicas de crescimento lento
e vida longa.
Em áreas de alta capacidade de recuperação, o enriquecimento
acontece naturalmente, podendo apenas demandar adensamento.
Em áreas de baixa resiliência é necessário introduzir espécies de
diversidade por meio de plantio.
Podem ser plantadas todas as espécies que não são de
recobrimento, inclusive alguns tipos de arbustos.
Promove a consolidação da floresta com espécies de vida longa,
mesmo sem boa cobertura. As espécies são selecionadas em
função dos dados acumulados a partir do terceiro ano do projeto,
quando se inicia o monitoramento do ecossistema.
São espécies que fornecem madeira de lei (pau brasil, cajarana,
jequitibá), frutíferas (araçá, abacate, manga) e ornamentais
(orquídeas, bromélias, samambaia).

Adubação verde com feijão e milho. Fonte: Adubação verde com feijão e mandioca.

37
galpaocentrooeste.com.br. Fonte: agron.com.br.

Nucleação com uma espécie climácica e Nucleação com uma única espécie. Fonte:
quatro mudas de uma secundária. Fonte: rasambiental.com.br.
ecoselvagem.wordpress.com.

Estágio sucessional de recobrimento: capim e Estágio sucessional secundário: capoeira e


capoeira. Fonte: lerf.eco.br. arbustos. Fonte: lerf.eco.br.

Estágio sucessional secundário: arbustos e Estágio sucessional climácico: árvores


árvores de pequeno porte e caules frondosas de caules retilíneos. Fonte:
ramificados. Fonte: lerf.eco.br guiageo-parana.com.

38
Recuperação ambiental na área urbana

A s práticas de recuperação ambiental são apresentadas na


literatura para o uso de profissionais especializados, tais como
engenheiros agrônomos e florestais, em grandes extensões da zona
rural. Entretanto, elas podem ser aplicadas em áreas urbanas com
grandes benefícios. Pomares, quintais, jardins, terrenos baldios,
praças de recreação e parques de lazer podem ser ecologicamente
melhorados quando seguimos algumas recomendações simples e de
fácil aprendizagem. Para esses ambientes existem orientações
próprias da jardinagem e da formação de pomares, que podem ser
enriquecidas com as práticas recomendadas abaixo.

• Não tenha pressa em recuperar ambientalmente a sua horta ou o


seu pomar, mas estude sempre e aplique essas recomendações
aos poucos.

• Em áreas com solo exposto, comuns em terrenos baldios e praças


abandonadas, plante ou semeie somente espécies pioneiras. Elas
vão dar início à sucessão vegetal, criando as condições de solo e
sombra necessárias ao crescimento das espécies secundárias.

• Não estranhe que se fale em sombra produzida por gramíneas e


ervas rasteiras, porque aqui se trata do sombreamento da
superfície do solo, necessário para o desenvolvimento dos
microrganismos que produzem fertilidade e criam condições para
o crescimento das espécies mais evoluídas.

• Em terrenos que já contêm gramíneas e ervas rasteiras, plante


espécies secundárias, tais como ingá, cedro e jacarandá.

• Se o terreno já abriga árvores de porte médio, com até 10 m de


altura, faça apenas uma limpeza em torno das plantas, tire o lixo,
plante espécies repelentes de insetos e pragas, como hortelã e
alecrim, e melhore a organização da horta ou do pomar.

• Enriqueça o estoque de ervas, arbustos e árvores da sua


propriedade, acrescentando espécies secundárias e climácicas que
criem sombra, fertilizem o solo e atraiam aves e insetos
polinizadores.
39
• Para plantar hortaliças e flores, forme canteiros junto às divisas
do terreno, deixando o máximo do terreno livre nas partes
centrais para as árvores de maior porte. Lembre-se que árvores
junto às divisas costumam criar problemas com os vizinhos e as
raízes podem danificar muros e paredes das casas.

• A natureza age lentamente, mas podemos ajudá-la recorrendo a


mudas escolhidas em floriculturas, programas de doação dos
órgãos ambientais, coleta de mudas em terrenos vizinhos (com
autorização dos proprietários, naturalmente), entre outras
providências que aprendemos com a prática.

• Se a sua propriedade fica em topo de morro, não busque plantas


de baixada, de beira de rio ou de restinga. E vale o vice-versa.
Respeite ao máximo o ambiente natural de cada espécie, evitando
transplantá-las para outros ambientes. Elas vão vingar de
qualquer maneira, mas podem acabar consumindo de forma
agressiva a água e os nutrientes do solo, em prejuízo das espécies
locais.

• Isto significa que espécies exóticas não precisam vir de regiões


distantes, mas podem pertencer a ecossistemas próximos, mas
diferentes do ponto de vista de solo, relevo e clima.

• Para garantir a sobrevivência, plante as mudas, principalmente


de árvores, somente em épocas chuvosas.

• Plantar adubo verde e espécies pioneiras pode ser suficiente para


recuperar uma área degradada, perto de uma mata nativa, cujas
aves e polinizadores podem trazer sementes de espécies
secundárias e clímax.

• Aplique terra gorda no terreno, porque ela favorece a infiltração


da água da chuva e da irrigação, eleva o nível freático, fornece
microrganismos ao solo, protege contra erosão e aumenta a
absorção de nutrientes pelo solo.

• Uma solução prática para áreas menores: plante módulos


formados por uma espécie secundária ou clímax cercada por
quatro pioneiras, que farão sombra para ela.

40
• Estude as funções dos grupos de plantas dentro dos ecossistemas
para usar critérios mais técnicos na hora de escolher mudas e
sementes para a sua propriedade.

• Não desanime com alguns resultados pouco promissores, porque


isto é comum nas pesquisas agronômicas, aliás, em todos os
ramos da pesquisa científica. Não é possível conhecer todas as
variáveis envolvidas no ambiente em que você realiza a sua
intervenção, muito menos as suas interdependências e os efeitos
sobre os resultados práticos. A rigor, os resultados indesejados
são os que mais ensinam o pesquisador sobre o objeto de estudo,
mas como você busca resultados práticos na recuperação
ambiental, basta ter paciência, rever as recomendações e o que
pode ter sido feito de errado.

41
4
Referências

Manual de restauração ecológica. Bioflora Tecnologia da


Restauração. Disponível https://www.viveirobioflora.com.br.
Acesso em 24/05/2020.

CLEMENTS, F. E. Plant Succession. Carnegie Institution,


Publication 242, Washington, D.C., 1916.

COWLES, H.C. The ecological relations of the vegetation on the sand


dunes of lake Michigan. Botanical Gazette 27:361-391, 1899.

EMBRAPA. Estratégia de recuperação. Disponível em


https://www.embrapa.br/codigo-florestal. Acesso em
24/05/2020.

ROSA, N. M. G.; MAGALHÃES JUNIOR, A. P. Aplicabilidade de


Protocolos de Avaliação Rápida (PARs) no diagnóstico
ambiental de sistemas fluviais: o caso do Parque Nacional da
Serra do Gandarela (MG). Caderno de Geografia, Belo
Horizonte, v. 29, n. 57, p. 441-464, 2019.

42
APÊNDICE

Proteção de nascentes

A água potável é o bem natural mais importante para a


Humanidade. Nós conseguimos manter comunidades em
espaços insalubres, sobreviver sem materiais de construção para os
nossos abrigos, sem minérios para nossas ferramentas e sem boa
madeira para os nossos utensílios domésticos. Entretanto, sem água
potável a nossa sobrevivência mal se sustenta por alguns dias.
Em nosso País, a recuperação de nascentes merece atenção de várias
organizações públicas e privadas, que se dedicam a promover o
abastecimento de famílias e pequenas comunidades na zona rural.
Entre elas destacam-se a EMATER - Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária, a EPAGRI – Empresa de Pesquisa Agropecuária e
Extensão Rural de Santa Catarina e o Instituto Água Sustentável,
cujos materiais didáticos foram de grande valia na elaboração deste
manual. Na internet, existem muitos vídeos educativos a respeito, a
maioria de excelente qualidade tanto no conteúdo como na produção
audiovisual. Este texto pode ser utilizado como material de apoio a
esses recursos audiovisuais.

Conceitos básicos

Nascentes são afloramentos do lençol freático com volume


suficiente para criar no terreno sulcos de erosão, pequenos alagados,
brejos e lagoas, podendo dar início a correntes de água perenes ou
temporárias.
Surgências, tradução do termo inglês seepage, mais comum na
literatura especializada são locais de solo úmido, mas sem volume de
água suficiente para desenvolver estas feições.
Veredas são alinhamentos de nascentes e/ou surgências em
planícies e várzeas, marcadas no terreno por vegetação típica de
mata ciliar e que funcionam como elementos de conexão entre

43
manchas de matas. Por isto, tornam-se corredores ecológicos, rotas
para migração da fauna entre remanescentes da mata nativa.

Nascente Surgência Vereda com linha de buritis.

Prospecção de nascentes

Procure nascentes no pico da estação seca.


Como o lençol freático permanece em posição mais baixa no relevo
durante os períodos de estio, a recuperação das nascentes em épocas
chuvosas garante a melhor vazão possível ao longo do ano.

Comece pelas fontes conhecidas.


Uma indicação óbvia: busque primeiro as nascentes que já se
encontram em uso pelos moradores. Além de provavelmente
precisarem de recuperação, elas podem indicar os níveis
topográficos mais favoráveis e outros controles geomorfológicos
sobre os afloramentos d’água.

Procure as cabeceiras de drenagem.


Os locais preferenciais para procurar nascentes são as cabeceiras de
córregos, rios, ravinas e voçorocas, pelo motivo óbvio que são eles os
pontos de início dos cursos d’água. Em outras palavras, são os locais
onde o lençol freático aflora, dando origem aos corpos d’água na
superfície terrestre. Nas cabeceiras maiores, é mais produtivo fazer
vários caminhamentos transversais às curvas de nível, começando
na base em direção ao topo do relevo local.

44
Procure indícios de umidade no terreno.
Pequenas depressões úmidas do terreno, principalmente nas
encostas dos morros, podem indicar locais favoráveis, onde a água
carrega parte do solo e inicia cabeceiras de drenagem. Use plantas
indicadoras de umidade para achar nascentes: buriti, acácia, buriti,
taioba, capim rabo-de-burro, capim amargoso, capim angola, capim
arroz, carqueja, erva de bicho, erva de São João, língua de vaca,
maricá, samambaia, sapê, tansagem, tiririca e verbena. Plantas com
folhas largas e raízes aéreas são típicas de ambientes úmidos.

Escave o solo para a água aflorar.


Se uma depressão do terreno com vegetação indicadora de umidade
não mostrar água à superfície, escave o solo e provavelmente ela
aflorará, porque é comum que o olho d’água não tenha pressão
suficiente para romper o peso da cobertura de sedimentos que o
esconde. Lembre-se de que solo úmido já é um bom indicador de
nascente a ser explorada.

Avaliação de nascentes

A água acumulada no terreno não é a mesma que brota na


nascente.
No meio rural, onde são abundantes brejos, lagoas, tanques, açudes
e reservatórios de água a céu aberto, é comum ouvir dos moradores
opiniões sobre a má qualidade da água acumulada em suas
propriedades. Entretanto, não havendo fontes de contaminação por
perto, a água subterrânea aflora com boa qualidade e é normalmente
potável. A contaminação é quase sempre o resultado da
decomposição de restos vegetais e animais, além da estagnação
gerada pela perda de oxigênio, quando a insolação ativa a
propagação de algas. Somente a contaminação química, de origem
agrícola ou industrial, exige maiores investimentos para ser
eliminada, mas a contaminação orgânica produzida pela
decomposição da matéria orgânica pode ser facilmente evitada e
corrigida.

45
Comece a avaliação pela vistoria sanitária.
Para avaliar a utilidade de uma nascente como fonte de água potável,
é necessário fazer uma vistoria sanitária na sua zona de influência,
buscando possíveis focos de contaminação naturais ou antrópicas.
Localize atividades agrícolas, criações de porcos, galinhas ou outros
animais domésticos ou de abate, residências, instalações industriais,
latrinas, depósitos de lixo e rejeitos industriais nas cabeceiras da
nascente. É preciso avaliar a gravidade da possível contaminação e a
viabilidade da sua eliminação ou, pelo menos, da contenção dos seus
efeitos sobre a qualidade da água que está sendo prospectada. A
vistoria deve incluir a busca da origem da nascente.

Avalie os impactos ambientais.

Para a caracterização física do entorno de uma nascente, registre os


impactos ambientais, tais como: cercas de isolamento; práticas
conservacionistas nas atividades rurais da bacia hidrográfica;
presença de serapilheira nas áreas florestadas; presença de mata
ciliar; espessura da cobertura de solo; ocorrência de focos de erosão;
aplicação de defensivos agrícolas; presença de acúmulos de efluentes
agroindustriais e pecuários; acesso de animais domésticos no olho
d’água; utilização da água para irrigação; atividade agropecuária e
trânsito de carros no entorno da nascente.

Avalie a qualidade da água com base em observações de


campo.
Um índice de qualidade da água pode ser calculado a partir das
medidas de vazão feitas ao longo do ano, abrangendo estações
chuvosas e secas. A variabilidade dos valores de vazão é um
indicador da qualidade da água, porque grandes variações revelam
aquíferos sem volume e permeabilidade favoráveis à filtragem da
água. Basta dividir o maior valor pelo menor obtido nas medidas e
classificar o resultado de acordo com a escala a seguir: 1-10 muito
boa, 10-20 boa, 20-50 razoável e acima de 50 duvidosa.

46
Seleção de nascentes

Observe os indicadores de potabilidade.


Alguns indicadores de qualidade da água de consumo são obtidos
por observação direta no campo: Sabor: a água não pode ter sabor
de ferro, cloro ou sal. Cheiro: ela deve ser totalmente inodora,
porque gases indicam decomposição de matéria orgânica ou
produtos químicos. Cor: pingue uma gota de água sobre um papel
toalha ou papel absorvente e deixe secar. Se a borda ficar marrom,
há ferro na água, se ficar preta, é manganês. Argila deixa marrom
toda superfície da mancha. O mesmo teste pode ser feito enchendo
um copo incolor com água da nascente e observar a cor do depósito
que se formar. Turbidez: a água da nascente deve ser límpida,
porque qualquer turbidez indica presença de argila, matéria
orgânica ou óxidos de Fe ou Mn dissolvidos ou em suspensão.

Avalie o consumo esperado ou calcule o existente.


Utilize referências de consumo para avaliar a capacidade de
atendimento da nascente às necessidades da família ou comunidade:
150 litros diários por pessoa em residências e 50 litros diários por
pessoa em escolas rurais.

Critérios para seleção da nascente.


A prioridade a ser dada para cada critério de seleção de nascente,
tendo em vista o seu aproveitamento familiar ou comunitário,
diminui nessa ordem: disponibilidade legal (proprietário do
terreno); distância ao local de consumo; altitude em relação ao local
de consumo; qualidade e quantidade da água produzida pela fonte. A
dependência da autorização do proprietário da nascente, quando
esta se situa fora da propriedade de consumo, pode ser um entrave
de difícil negociação, o que torna este critério o mais decisivo de
todos. Qualidade e volume insuficientes podem ser resolvidos por
meio de tratamento físico e químico, exploração de várias fontes
próximas e outras soluções. A distância de uma fonte ao local de
consumo também pode ser remediada, mesmo que os investimentos

47
em bombeamento e linhas de transmissão aumentem quanto mais
longe estiver a nascente dos usuários.

Considere a possibilidade de aproveitamento progressivo e


combinado.
Uma nascente que não atende a demanda prevista pode suprir por
um tempo alguma necessidade específica, como para beber e
cozinhar, ficando para mais tarde o aumento do abastecimento por
meio de fontes adicionais. O uso de várias nascentes numa mesma
área é a situação ideal, porque isto garante o abastecimento
contínuo, sempre que uma das fontes (ou parte do sistema de
abastecimento) falhar. Além disto, a combinação de nascentes e
outras fontes de água potável, tais como cacimbas ou a rede de
abastecimento público, é uma forma comum e vantajosa de atender
às necessidades dos usuários, sem interrupções ou gastos excessivos.

Obras de proteção
O que significa proteger uma nascente.
Proteger uma nascente envolve isolar a sua água dos contaminantes
de superfície, sejam eles naturais ou criados pelo uso e ocupação do
solo. Se conseguirmos fazer com que a água aflore já protegida e seja
assim levada até o local de consumo, teremos garantida a sua
potabilidade.

Isole a área.
Uma vez concluídas as obras de proteção de uma nascente, o local
deve se tornar inacessível aos transeuntes e deve ser acessado
apenas pelas pessoas encarregadas da manutenção. Isto é
indispensável para evitar que o entorno da captação continue a ser
ou se torne uma área de infiltração de poluentes. Por este motivo,
faz-se no início da avaliação a vistoria sanitária e, quando
conveniente, a avaliação rápida de impactos ambientais.

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Estabeleça o raio de proteção.
Dentro de uma área com 100 a 150 metros de raio, recupere ou
estabeleça uma cobertura vegetal adequada e escave drenos para
desvio das enxurradas em relação à nascente e às instalações de
captação. Esta informação é apresentada no início da descrição das
obras de proteção, embora seja utilizada após concluídas, porque os
executores do projeto precisam saber de antemão qual é a área de
influência a ser trabalhada.

Dê atenção especial à zona interna da área de proteção.


A parte interna da zona de proteção, com 10-20 m de raio, deve
conter apenas gramíneas e mesmo as árvores existentes devem ser
erradicadas, para evitar danos às instalações. A zona interna de
proteção deve ser cercada por arame farpado ou cerca viva muito
cerrada, para evitar o acesso de pessoas e animais domésticos,
principalmente os de grande porte.

Não se esqueça da zona externa de proteção.


Na zona de proteção externa, que se estende por 100 a 150 m a partir
da nascente, não plante árvores que absorvam muita água, como
eucaliptos, mas espécies nativas menos exigentes. Todas as medidas
necessárias para proteger da erosão o terreno acima da nascente
devem ser tomadas: vegetação adequada, barreiras físicas,
terraceamento, drenos e assim por diante.

Obras de captação
Escave para expor o olho d’água.
O olho d’água é o afloramento do veio que se forma dentro do solo, à
medida que a água abre caminhos preferenciais para o fluxo
subterrâneo, carregando os grãos mais finos ou mais solúveis.
Podem existir vários desses veios num mesmo local, de modo que
podemos encontrar vários olhos d’água próximos.
Assim como um conduto de abastecimento deve ser mantido limpo
para a circulação livre da água, o olho d’água deve ser exposto para

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que se obtenha a maior vazão possível na nascente em recuperação.
Esta tarefa consiste em escavar o solo com cuidado, de preferência
manualmente para evitar manobras que acabem obstruindo a fonte,
ao contrário do que se pretende. A escavação deve ser um pouco
maior do que a depressão que existe normalmente no local do olho
d’água, para permitir a construção das estruturas de proteção.

Cuidado com o olho d’água.


A escavação começa no olho d’água e segue a montante,
acompanhando o veio logo acima da camada impermeável, que é o
solo seco. Durante a escavação, não cubra o olho d’água com terra,
porque isto força o veio a procurar outra saída e isto pode acontecer
bem longe, muitas vezes centenas de metros abaixo no relevo. Pelo
mesmo motivo, não escave muito abaixo do topo da camada
impermeável.

Não deixe acumular água dentro da escavação.


Durante a escavação, mantenha a água fluindo livremente por uma
vala de limpeza, de modo a manter o olho d’água sempre visível para
os escavadores. O motivo é o mesmo do cuidado que deve ser
tomado com a terra escavada, com a necessidade adicional de se
necessitar de condições para observar a localização do olho d’água
durante a execução da obra.

Profundidade da escavação.
A escavação deve avançar terreno acima até que o olho d’água tenha
uma cobertura de proteção com pelo menos 2 m de espessura.
Camadas de solo formadas por terra solta ou cascalho exigem maior
espessura do que isto para exercer o papel de proteção. Se estas
espessuras não forem possíveis, devido à pequena inclinação do
terreno, outras medidas de proteção deverão ser tomadas, tais como
a instalação de lona plástica e uma camada de terra com gramíneas
por cima da nascente.

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Modelo da EMATER

O modelo descrito a seguir foi aprimorado, no Paraná, pelo


agricultor Pedro Josino Diesel, atualmente funcionário da
Cooperativa de Agroindustrial de Cascavel (Coopavel), que liderou a
recuperação de mais de 8.000 nascentes nos últimos 15 anos. Criado
pela Emater, ele foi adotado pelo projeto Água Viva, desenvolvido
pela Coopavel em parceria com a Syngenta, e compreende as
atividades descritas a seguir.

 Após a delimitação da área, definida pelos olhos d’água, limpe a


superfície retirando a terra e a matéria orgânica.

 Com auxílio de enxadão e pá, remova a lama até encontrar o solo


firme.

 Com as mãos, desobstrua os olhos d’água e abra uma vala da


nascente até o destino do curso d’água.

 Finalizada a limpeza dos olhos d’água, construa uma pequena


barragem para represar o volume a ser conduzido por tubos de
PVC até o reservatório intermediário.

 A barragem, posicionada na parte frontal da nascente, é


construída com uma massa de solo-cimento, isto é, mistura de
terra com cimento.

 A proporção entre solo e cimento depende da textura da terra. Se


muito arenosa, use três porções de terra para uma de cimento.
Com um solo mais argiloso, faça a mistura na proporção de cinco
para um. O uso de areia pura é totalmente desaconselhado.

 À medida que a barragem é erguida, instale os tubos de PVC com


diferentes diâmetros, de acordo com a respectiva função:

Tubo A. O primeiro dos tubos é de 4 polegadas e fica


posicionado na base da barragem, rente ao leito da nascente. O
tubo permanece fechado com um tampão, que é removido toda
vez que se deseja esvaziar ou limpar a mina d’água. Uma camada
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de solo-cimento é depositada sobre ele, percorrendo toda a
extensão da barragem.

Tubo B. Logo acima é colocado um tubo de 3/4 de polegada, por


onde se dará a vazão da água que, levada por uma mangueira,
abastecerá o reservatório.

Tubos C e D. O excesso de água, ou seja, o volume que


ultrapassar a capacidade de vazão do tubo de 3/4 de polegada
sairá por dois canos de 1,5 polegadas, posicionados 15 cm acima.
A água extravasada cai na vala aberta e segue o percurso até o seu
destino. A recomendação é que a altura entre os tubos e o fundo
da nascente não ultrapasse os 30 cm. O segredo é não formar
depósito de água parada, por isso o sistema de canos tem que ser
baixo. A água que brota da nascente tem que circular, escoando
imediatamente.

Tubo E. Um último tubo, também de 3/4 de polegada, é


instalado sobre a cobertura da proteção, em posição oposta à
barragem, por onde será despejado um produto para limpeza e
desinfecção da nascente, a cada seis meses após a conclusão da
obra.

 Forre o leito da nascente com pedras para melhorar a filtragem


da água. Utilize blocos de rocha cristalina, como granito ou
basalto, e evite friáveis, como arenito e ardósia, que se esfarelam,
pois elas tendem a se dissolver e entupir os canos de saída d’água.

 A penúltima etapa é cobrir as pedras com uma lona plástica


resistente, semelhante às utilizadas para vedação de silos,
preferencialmente de 200 micras, para evitar que se rasgue com o
desgaste. A lona protegerá a nascente contra o assoreamento
provocado por enxurradas contendo sedimentos ou contaminação
com agrotóxicos.

 O último procedimento é cobrir a lona com terra. Se for uma área


de pastagem, é importante cercar para evitar a presença do gado,
que pode pisar e quebrar o sistema de canos de PVC. Árvores
devem ser plantadas a uma distância mínima de 6 a 8 metros da
nascente, o que evita que raízes danifiquem a lona.
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 Por fim, recomenda-se fazer análise da água para atestar sua
qualidade.

Início do preenchimento da barragem. Barragem de pedra e solo-cimento.

Canos de captação e vazão do excesso. Teto da proteção com tubo de limpeza.

Modelo Caxambu

O modelo Caxambu de proteção de fonte para abastecimento


familiar e comunitário foi desenvolvido pela EPAGRI – Empresa de
Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina para
permitir a instalação de forma mais rápida e econômica do que o
modelo anterior, uma vez que envolve mão-de-obra mais simples e
menor número de operadores.
A estrutura de proteção é um tubo de concreto de diâmetro variável
entre 20 e 60 cm e comprimento de 100 cm. Uma das extremidades
é fechada com concreto e contém 4 ou 5 perfurações com tubos de
PVC conectados e vedados com cimento-cola ou outra resina de
vedação à prova d’água.
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A limpeza do olho d’água é feita de acordo com as recomendações
anteriores, com a diferença de que o formato da escavação deve
acomodar com facilidade o tubo de concreto, cuja extremidade
aberta deve ficar voltada contra o sentido do fluxo da nascente. Uma
mistura de solo-cimento deve formar um leito impermeável sobre o
qual o tubo se acomoda justamente, sendo recoberto por quatro
camadas de materiais diferentes: blocos de rocha, cascalho grosso,
cascalho fino e terra. O cascalho pode ser substituído por brita
graduada.

Modelo Caxambu em instalação. Modelo Caxambu instalado.

Estes modelos rudimentares, tanto da EMATER quanto da EPAGRI,


foram aperfeiçoados por Carneiro et al. (2016), tendo em vista
garantir a potabilidade da água de consumo, por meio de melhorias
tanto na área de captação quanto no percurso até o reservatório
final. A figura abaixo mostra uma sucessão mais completa de
camadas de vedação das águas de infiltração, que não podem se
misturar com a água subterrânea, e de filtragem das águas
infiltradas fora da zona de proteção e percoladas lateralmente.

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Carneiro et al., 2016

Esquema do sistema de captação de água de nascente.

O sistema de tratamento desenvolvido em propriedade utilizada


como teste, no município de Lages, compreende cinco etapas de
filtragem, decantação e desinfecção, ilustradas na figura abaixo.
Trata-se de um aperfeiçoamento técnico que deve ser aplicado
sempre que a qualidade da água da nascente não atender aos
requisitos de potabilidade.

Carneiro et al., 2016

Esquema completo do sistema de tratamento de água de nascente.

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Títulos do mesmo autor disponíveis na plataforma Scribd

Série Paradidática Ecologia Aplicada


Ciclos do equilíbrio ecológico
Conceitos básicos de Ecologia
Ciclos astronômicos e geotectônicos da Terra
Funções ecológicas do vulcanismo do relevo e do solo
Funções ecológicas das águas continentais
Ciclos biogeoquímicos da Natureza
Dinâmica do clima na escala do planeta
Mudanças climáticas globais
Mudanças climáticas globais: evidências científicas e empíricas
Evolução da vida na Terra
Ciclos e processos da sucessão ecológica
Recuperação de áreas degradadas
Da Teoria Geral dos Sistemas às Teorias da Complexidade

Série Paradidática Geociências


Movimentos gravitacionais de massa: conceitos e avaliação de risco
Gestão de risco associado a movimentos gravitacionais de massa
Definição de limiares críticos de chuva para prevenção de acidentes do meio físico
Mapeamento geomorfológico para usos geotécnicos
Modelagem de estabilidade de encostas
Caderneta de campo para análise de risco de MGM
Comportamento geotécnico de solos tropicais
Estratégia da Exploração Mineral
Amostragem litológica

Série Paradidática Habilidades Gerenciais


Excelência Gerencial
Práticas Gerenciais

Sobre o Autor
Edir E. Arioli é geólogo pela UFRGS (1969), doutor em Geologia pela UFPR
(2008), especialista em Gestão Tecnológica (1990) e Engenharia da
Qualidade (1991). Produz materiais paradidáticos para uso de professores e
estudantes de Ciências da Natureza. Email: earioli@yahoo.com.br.

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