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DE RONDÔNIA EM PERIGO
A LUTA DOS POVOS DA FLORESTA NA
DEFESA DOS SEUS TERRITÓRIOS
Foto: Gabriel Uchida
Organização
Diagramação
Parceiros
MISEREOR
FICHA CATALOGRÁFICA
A678
Áreas protegidas de Rondônia em perigo: a luta dos povos da floresta na defesa
dos seus territórios. Organizadores: Comissão Pastoral da Terra Rondônia –
CPT/RO, Associação de Defesa Etnoambiental - KANINDÉ – Brasília : ECAM, 2021.
71 p. : il.
DESMATAMENTO EM
32 ÁREAS PROTEGIDAS
A SOCIEDADE EM DEFESA
38 DA AMAZÔNIA
*Professor da Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP).
¹COSTA SILVA, R. G; LIMA, L. A. P; CONCEIÇÃO, F. S. (Orgs). Amazônia: dinâmicas agrárias e territoriais contemporâneas. São Carlos: Editora Pedro & João, 2018.
337p. Disponível em: http://www.gtga.unir.br/pagina/exibir/9501
4
Figura 01 - Pesquisa da Pecuária Municipal (2020)²
Fonte: IBGE
²Informamos que todos os dados acessados do IBGE foram realizados na plataforma SIDRA. Fonte: IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sidra: Sistema
IBGE de recuperação automática. Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/home/pmc/brasil
5
Figura 02 - Regionalização da soja em Rondônia (2017)
Fontes: IBGE (2019); Costa Silva; Michalski (2020).³
³COSTA SILVA, R. G; MICHALSKI, A. A caminho do Norte: cartografia dos impactos territoriais do agronegócio em Rondônia (Amazônia ocidental). Confins, n. 45,
p. 1-22, Paris, 2020. Disponível em: https://journals.openedition.org/confins/28017
6
Figura 03 - Norte de Rondônia, região de União Bandeirantes, pressão nas Áreas Protegidas (2018)
Fontes: Costa Silva; Michalski, 2020.
4
COSTA SILVA, R. G; MICHALSKI, A; SOUZA, L. I. T; LIMA, L. A. P. Frontera, derechos humanos y territorios tradicionales em Rondônia (Amazonia Brasileña). Revista
de Geografia Norte Grande, n.° 77, p. 253 - 271, 2020. Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/pdf/rgeong/n77/0718-3402-rgeong-77-253.pdf
7
RONDÔNIA, DA CRIAÇÃO DO ZONEA-
MENTO SOCIOECONÔMICO-ECOLÓGICO
À ALTERAÇÃO DAS ÁREAS DESTINADAS
À PROTEÇÃO FLORESTAL: UM RÁPIDO
HISTÓRICO
Luciana Riça Mourão Borges5
Ravele da Silva Santana6
nistas e conservacionistas, pela proteção das
florestas e seus povos tradicionais (indígenas,
“Que desenho, que zoneamento, que eixos fi- ribeirinhos, quilombolas, extrativistas).
zeram ou fazem os vários planejamentos go-
vernamentais destas três últimas décadas?”. Numa tentativa de barrar o avanço do des-
Essa pergunta foi feita por Mello e Théry matamento na região amazônica, as primei-
(2001, p. 188)7, referindo-se ao período entre ras discussões e propostas acerca do Zonea-
1980 e os anos 2000, ao discutirem sobre as mento Ecológico-Econômico foram feitas por
estratégias estatais através de seus programas diferentes profissionais/pesquisadores, em
e projetos, os agentes envolvidos, as novas conjunto com gestores do Brasil, os países
concepções desenvolvimentistas e as novas doadores de fundos monetários ambientais e
configurações territoriais decorrentes disso, comunidades/instituições amazônidas locais.
principalmente na região amazônica. Esses agentes possuíam visões conservacio-
nistas distintas, o que ocasionou num proces-
Vivenciamos atualmente, mais ou menos vin- so de elaboração controverso, bem como na
te anos depois dessa frase, um novo momen- execução de forma diferenciada nos estados
to de transição florestal decorrente do largo amazônicos. Dessa forma, a proposta de Zo-
avanço das atividades produtivas sobre ter- neamento da Amazônia foi incorporada ao
ritórios protegidos, como é o caso das Uni- Programa Piloto para a Proteção das Flores-
dades de Conservação e Terras Indígenas no tas Tropicais do Brasil (PPG-7)8, no início dos
estado de Rondônia. O avanço da fronteira anos 1990. Como os programas governa-
agrícola se sobressai frente a um clamor de mentais anteriores desmataram boa parte da
diversas frentes ambientalistas, preservacio-
5
Geógrafa, docente no Departamento Acadêmico de Ciências da Educação da Universidade Federal de Rondônia, Campus de Guajará-Mirim. E-mail: luciana.
borges@unir.br.
6
Geógrafo, Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Rondônia, Campus de Porto Velho. E-mail: ravelesantana@gmail.
com.
7
MELLO, N. A. de.; THÉRY, H. A Armadura do Espaço Amazônico: eixos e zoneamentos. In: ALCEU, v.1, n.2, pg. 181-214, jan/jul 2001. Disponível em http://revistaal-
ceu-acervo.com.puc-rio.br/media/alceu_n2_Mello%20e% 20Thery.pdf. Acesso em 31 de março de 2021.
8
Proposta criada através do grupo das sete nações estrangeiras mais ricas do mundo, à época, mediadas pelo Banco Mundial, para um Programa Piloto que aten-
desse às demandas de conservação ambiental. Tratava-se de interesses de vários agentes diferentes sobre um mesmo espaço. Dessa forma, os países do G-7
propuseram que sua participação financeira resultasse num programa amplo em cooperação com o governo brasileiro para a conservação das florestas tropicais
(MELLO, 2006).
8
pansão; b) de consolidação da economia e
do desenvolvimento; c) áreas consideradas
frágeis e destinadas à conservação e preser-
vação, estrito senso; d) e áreas destinadas à
recuperação; ii) Governo Alemão: O Zonea-
mento deveria servir exclusivamente para a
floresta tropical do Brasil, com financiamento identificação de áreas de preservação, desti-
do Banco Mundial, houve uma tentativa de nadas ao estabelecimento de UCs; iii) Gover-
se reverter esse cenário através de um novo no do Reino Unido: Dava assistência técnica
programa que resultaria, desta vez, na criação para alguns estados da Amazônia. O Zonea-
de Unidades de Conservação. mento teria que ser participativo, e envolver
mecanismos para satisfazer os anseios de de-
O Zoneamento Socioeconômico-Ecológico senvolvimento de cada comunidade; iv) Esta-
de Rondônia (ZSEE-RO) foi primeiramente dos amazônicos: Deveria servir a um extenso
discutido e submetido ao Plano Agropecuário leque de abordagens. Para alguns estados, o
e Florestal de Rondônia (Planafloro), por sua Zoneamento em nada modificaria as tendên-
vez vinculado ao PPG-7, o qual foi pensando cias de ocupação e de desenvolvimento já
num âmbito de propostas que se adequas- apresentadas em suas regiões; para outros, a
sem às diferentes questões problemáticas expectativa de uso efetivo no planejamento e
ocorridas até então, sobretudo as ambien- na determinação dos usos de seus territórios.
tais. O Banco Mundial então estabeleceu ao
Governo que era necessária a criação deste Assim, o ZSEE-RO foi discutido em Rondô-
Zoneamento. Era preciso um novo modelo nia enquanto estratégia para reverter os pro-
de desenvolvimento que tivesse “aprendido” blemas sociais e ambientais causados pela
com os erros cometidos anteriormente, e que expansão desordenada da fronteira agrícola.
serviria como uma forma inovadora de in- Tinha como objetivo detalhar e classificar o
corporar as questões ambientais e as sociais conhecimento sobre os meios físico, biológi-
num mesmo patamar de planejamento e ges- co e socioeconômico do estado de Rondônia
tão (MELLO, 2006)9. (RONDÔNIA, 200211, 200712 ).
9
MELLO, N. A. de. Políticas Territoriais na Amazônia. São Paulo: Annablume, 2006.
10
Fonte: Retirado e adaptado de Mello (2006, p. 163).
11
RONDÔNIA. Zoneamento Socioeconômico-Ecológico do Estado de Rondônia. Cartilha. Porto Velho, Rondônia: PLANAFLORO, 2002.
RONDÔNIA. Zoneamento Socioeconômico-Ecológico do Estado de Rondônia: Um instrumento de Gestão Ambiental a Serviço do Desenvolvimento Sustentável
12
9
Figura 01 - Primeira aproximação do ZSEE-RO
Fontes: SEDAM, 2020.
RONDÔNIA. Decreto N°. 3782 de 14 de junho de 1988. Define a política de ordenamento ambiental para a ocupação racional das terras rurais do Estado de
13
Rondônia, segundo o Zoneamento Socioeconômico-Ecológico de Rondônia e dá outras providências. In: RONDÔNIA. PLANAFLORO. Cartilha. Rondônia: Seção de
Arquivos da Biblioteca do PLANAFLORO da Secretaria do Estado de Rondônia, 1990.
14
RONDÔNIA. PLANAFLORO. Cartilha. Rondônia: Seção de Arquivos da Biblioteca do PLANAFLORO da Secretaria do Estado de Rondônia, 1990.
10
Figura 02 - Segunda aproximação do ZSEE-RO
Fontes: SEDAM, 2020. IBGE, 2010.
Entretanto, Rondônia ainda consegue ser um ca espacial intensa em que o Estado se en-
estado pioneiro no estabelecimento do ZSEE contra, deveria haver maior rigor na atuação
como uma, até aquele momento, possível po- do próprio poder público, bem como no es-
lítica pública eficiente de ordenamento terri- tabelecimento de critérios na seleção das Zo-
torial em relação aos outros estados do país nas e Subzonas, e na própria fiscalização em
(RONDÔNIA, 200215). O que seria um mo- áreas de usos especiais e áreas institucionais.
delo de aplicação de uma política de gestão
do território se torna um fracasso em âmbito Em 2004, o então Governador sancionou a
estadual. Ou seja, o fato de o estado ser pio- Lei Complementar n°. 308, a qual modifica
neiro em uma medida de zoneamento pode duas áreas do zoneamento, sendo uma de-
estar equivocado se a realidade for analisada, las sob a Zona 2 para Zona 1, adaptando o
diante da intensa utilização da terra e dos re- uso que já havia apenas no âmbito da legis-
cursos naturais, com incorporação de novas lação (RONDÔNIA, 200416 ). Falamos da área
áreas, de forma até mais intensa que na épo- de União Bandeirantes, próxima ao distrito de
ca dos outros ciclos econômicos. Jaci-Paraná, onde se constrói a usina de Ji-
rau. De acordo com a Lei do Zoneamento, a
O Zoneamento é um instrumento extrema- Zona 2 é específica para áreas de vegetação
mente importante, mas, diante dessa dinâmi- endêmica, para conservação e criação de
15
RONDÔNIA. Zoneamento Socioeconômico-Ecológico do Estado de Rondônia. Cartilha. Porto Velho, Rondônia: PLANAFLORO, 2002.
16
RONDÔNIA. Lei Complementar n°. 308 de 09 de novembro de 2004. Disponível em https://sapl.al.ro.leg.br/ norma/441. Acesso em 05 de abril de 2021.
11
áreas de proteção. Já a Zona 1 compõe uma
área convertida, com atividades de agricultu-
ra, familiar ou não, e agropecuária.
de conservação, além de ações dirigidas com
comissões junto a comunidades locais e à
Em 2005, por meio da Lei Comple-
própria Secretaria de Desenvolvimento Am-
mentar n°. 312, de 6 de maio, o então Gover-
biental de Rondônia (Sedam-RO). Trata-se
nador Ivo Cassol, no uso de suas atribuições,
de um instrumento que poderia ser eficien-
revogou a Lei Complementar que estabelecia
te no âmbito do planejamento, ordenamento
a segunda aproximação do Zoneamento, re-
e gestão territorial. Porém, observamos que
alizando alterações que beneficiaram os pro-
o ZSEE-RO é insuficiente para estabelecer
prietários de terra. De modo geral, para fins
nova política de controle de uso da terra e
de recomposição florestal, a Reserva Legal
do desmatamento. Enquanto metodologia, os
deve estar entre o mínimo de 50% da pro-
dados obtidos nos estudos ambientais e so-
priedade (RONDÔNIA, 200517). Isso significa
ciais, no estabelecimento de áreas protegidas
que o rigor da conservação se fragiliza, em
e formas de uso do solo também se mostram
benefício da produção agropecuária e con-
insuficientes em função de uma não repre-
versão da floresta.
sentação da realidade observada nas áreas
que deveriam ser protegidas. Não há como
Ao ser estabelecido o ZSEE, em tese as di-
conservar uma área que já se encontra de-
retrizes deveriam expressar a preocupação
gradada, pois os limites e normas das zonas e
em como distribuir as Subzonas de acordo
subzonas estabelecidas não são respeitados
com o grau de utilização ou degradação da
pelos proprietários de terras. Eis a contradi-
terra. Ora, seria difícil regularizar uma pro-
ção da gestão pública de terras e da floresta.
priedade cujo dono deveria preservar 50%
de uma área já praticamente toda ausente
Na Figura 03, podemos notar que houve um
de cobertura vegetal. Isso ocorre, pois, nos
pico de altíssimo desmatamento entre 1988
tempos de Polonoroeste18 um colono deveria,
e 2007. Isso se deu pela intensa abertura de
logo de início, desmatar 50% da área garan-
latifúndios e pelo momento em que o esta-
tindo sua ocupação, tomada de posse sobre
do começou a produzir grãos em larga escala
sua terra de fato e a documentação junto ao
(soja e milho, principalmente), além das gran-
órgão público (regra estabelecida pelo Incra
des pastagens. Notamos também que poste-
na época). Desse modo, a política ambiental
riormente houve, de fato, uma queda brusca
iria daí em diante enfrentar uma pesada tare-
no desmatamento, sobretudo entre 2009 e
fa de mudança de concepção de desenvolvi-
2010. Entretanto, analisando de modo mais
mento, devido ao que era realizado até então
detalhado, veremos que o desmatamento foi
não levar em conta a conservação, tampouco
reduzido em algumas áreas, mas em outras
a preservação ambiental.
ele aumentou significativamente, sobretudo
nas bordas das áreas protegidas, como é pos-
Nos dias atuais, poderíamos vislumbrar re-
sível verificar no mapa inserido na imagem.
sultados positivos decorrentes da implemen-
tação do Zoneamento, tais como o controle
do desmatamento e a delimitação de áreas
RONDÔNIA. Lei Complementar n°. 312 de 06 de maio de 2005. Disponível em https://sapl.al.ro.leg.br/norma /445. Acesso em 05 de junho de 2012.
17
O Polonoroeste (Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil) foi implementado no início da década de 1980, visando destinar terras da região
18
Amazônica para fins de colonização e reforma agrária, e que provocou a intensa conversão da floresta, com a abertura de estradas e o desmatamento substancial
para a instalação de propriedades agroprodutivas. O saldo consistiu na intensa retirada da cobertura vegetal e no agravamento de conflitos territoriais envolvendo
produtores do agronegócio, camponeses, indígenas e populações tradicionais extrativistas.
12
13
Figura 03 – Desmatamento cumulativo em RO entre 1988 e 2019
Fontes: INPE/PRODES/DETER (2019)/2020), IBGE (2019)
No estado de Rondônia, em função de uma Ora, podemos considerar que no caso de
política de escala macrorregional, existem Rondônia o que manteve “pedaços” ainda
numerosos antagonismos entre desenvol- existentes de floresta nativa foram basica-
vimento econômico e sustentabilidade am- mente as áreas de proteção, entre Unidades
biental, diante das consequências já vistas de Conservação e Terras Indígenas, o que nos
sobre as populações locais e o próprio meio remete a discutir sobre a normatização am-
ambiente. Isso nos leva ao entendimento de biental ainda ser o talvez único fator limitante
que os instrumentos legais para o estabele- à expansão do capital, considerando aqui o
cimento de uma política de zoneamento não estado rondoniense. Porém, esse instrumen-
têm sido eficientes, tampouco praticáveis no to, com uma aparente eficiência, se torna
modelo econômico posto para a Amazônia, vulnerável e pouco rigoroso uma vez que ve-
mesmo sendo de extrema importância para rificamos concessões e modificações na le-
o ordenamento territorial e para a conserva- gislação, além de a maior parte das leis am-
ção florestal, bem como para o controle das bientais não serem, de fato, cumpridas.
formas de uso do solo e para a proteção das
populações tradicionais e indígenas que ne-
cessitam da floresta preservada.
TERRITÓRIOS PROTEGIDOS
AMEAÇADOS: RESEX JACI-PARANÁ E
T.I. KARIPUNAS E P.E. GUAJARÁ-MIRIM
Luis Fernando Novoa Garzon¹9
A aliança entre grandes grupos econômicos ria de recursos naturais na região amazônica.
especializados na extração de commodities e No caso do estado de Rondônia, as ofensivas
os aparatos governamentais, na esfera nacio- concentram-se sobre o que sobrou de Ama-
nal e subnacional, tem garantido um inédito zônia em um dos estados que mais devasta-
fluxo de medidas legislativas-governamen- ram esse bioma, e que mais brutalmente per-
tais que franqueiam a exploração compulsó- seguiu e acuou os povos originários. O eixo
Professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), vinculado ao Departamento de Ciências Sociais. Tem formação na área de Ciência Política (UNICAMP) e é
19
doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR-UFRJ. Coordena o Grupo de Pesquisa “Territorialidades e Imaginários na Amazônia” na UNIR.
20
Doutoranda em Antropologia pela UFAM. Servidora Técnica da UNIR. Pesquisadora do grupo de pesquisa Territorialidades e Imaginários na Amazônia (UNIR).
Graduada em Ciências Biológicas pela UNIR. Pesquisadora do grupo de pesquisa Territorialidades e Imaginários na Amazônia (UNIR).
21
22
Mestranda em Direitos Humanos e Justiça pela UNIR. Docente da Educação Básica- SEDUC RO. Pesquisadora do grupo de pesquisa Territorialidades e Imaginá-
rios na Amazônia (UNIR).
14
de expansão da BR 364 fez de Rondônia uma lugar da alteridade trânsfuga, negada e rene-
extensão longitudinal do Mato Grosso, com gada particularmente na Amazônia brasileira
fronteiras econômicas em movimento expan- (Souza Martins, 1997). Neste sentido, consi-
sivo combinado: atividade madeireira, des- deramos pertinente falar de fronteiras sobre-
matamento, pecuária extensiva e monocultu- postas, dado que o que se observou foi um
ra da soja. Este eixo de devastação prossegue processo de formação de fronteiras que não
em expansão no norte de Rondônia e se ra- apenas confluem, mas se desdobram.
mificou aceleradamente a partir de 2018.
No mapa que segue, buscamos sequenciar
O que está em questão hoje, na Amazônia, temporalmente o avanço do desmatamento
e particularmente em Rondônia, é a criação no Estado de Rondônia em três períodos: de
paraestatal e paramilitar de dispositivos per- 1988 a 2007 em cor cinza, de 2007 a 2018
petradores de genocídios e de ecocídios23 em cor vermelha e de 2018 a 2020 em cor
continuados. Não se trata aqui de eventos rosa. O desmatamento consolidado até 2007
isolados, mas de um método que reorgani- procura delinear o arco do desmatamento
za os processos produtivos sob impulso da nessa região até o início da instalação e im-
máxima rentabilização, apelando para a sin- plementação dos grandes projetos do PAC
tetização de povos e territórios na forma de – Programa de Aceleração de Crescimento.
custos e riscos financeiros. A marcação em vermelho demonstra como
se alarga o eixo de devastação vertebrado
A fronteira do capitalismo na Amazônia, mais pela BR 364 em direção à fronteira com a
que uma margem física para acumulação am- Bolívia por meio da ramificação das rodovias
pliada, é antes uma forma singular de meta- 425, 420 e . Fica nítido como os empreen-
bolismo que faz com que articulem mecanis- dimentos hidrelétricos de Jirau e Santo An-
mos institucionais e de mercado em função tônio, e seus alongados reservatórios, poten-
de encomendas de commodities dos centros cializaram ainda mais esse novo raio do arco
organizadores da acumulação mundial. Mais do desmatamento. Em rosa, destacam-se as
que fronteiras em movimento a partir de po- mais recentes áreas incorporadas sob a égide
los em expansão ou de fronteiras econômicas da discursividade bolsonarista do “vale-tudo”
consolidadas expandindo seu raio de ação, na Amazônia. Na porção norte de Rondônia,
o que se destaca na desconstituição e desa- observa-se como o novo arco de desmata-
fetação dessas Unidades de Conservação, é mento expande-se a partir de três focos: 1)
o movimento das fronteiras como uma con- a partir do distrito de Abunã, seguindo a BR
tinuada apropriação e produção do espaço 364, sentido Rio Branco no Acre; 2) ao longo
(MOORE, 2016). Nesse sentido, não se pode da bacia do rio Machado (que deságua no rio
dizer simplesmente que o capitalismo dispo- Madeira) até o distrito de Demarcação, refle-
nha de fronteiras, mas que ele é definido em tindo expectativas da construção da hidrelé-
si mesmo pelo movimento de fronteiras. trica de Tabajara e da instalação de novos
terminais graneleiros na hidrovia Madeira-
Na Amazônia torna-se evidente uma dinâmi- -Amazonas; e 3) no entorno das rodovias 420
ca regressiva da fronteira da fronteira, isto é, e 42124 e intensificam-se processos de inva-
que reflete a cada momento os limites de ba- são e desintegração de Territórios Indígenas e
rateamento dos custos de insumos e da força Unidades de Conservação, particularmente a
de trabalho. São margens espaciais dilatadas TI Karipuna, o Parque Estadual Guajará-Mi-
em função de seus custos e direitos minimiza- rim e a Reserva Extrativista de Jaci-Paraná,
dos através de dispositivos de silenciamento que são objeto de nossa análise mais deta-
de conflitos. Esta seria uma condição própria lhada, a seguir.
a uma multivariada “situação de fronteira”, o
23
Para Girard (1994), a destruição do meio ambiente e dos povos entrelaçados neles representa uma combinação de ecocídio com genocídio. No caso da Amazônia,
a destruição das florestas e dos rios (ecocídio) antecede ou vem junto com as práticas de genocídio das comunidades tradicionais. Girardi, G. (1994). Capitalismo,
ecocidio, genocidio: el clamor de los pueblos indígenas. Realidad: Revista De Ciencias Sociales Y Humanidades, (41), 669-698.
24
A rodovia 421, identificada pela SEDAM, se estende de Ariquemes até as proximidades de Jacinópolis, se fundindo com a rodovia 420.
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Equipe de elaboração e pesquisa:
Luis Fernando Novoa Garzon (UNIR)
Daniele Severo da Silva (UNIR)
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Colaboração: Maíra Silva Ribeiro (UNIR)
Fonte: INDE (IBGE, ANA, 2019), RAISG, 2020, GeoBol, 2016; www.geo.gob.bol, RAISG, 2019:
Alto www.amazonia socioambiental.org; www.geogpsperu.com; www.sidra.ibge.gov.br/Pesquisa
TI
Rio Crespo da Pecuária Municipal - 2010-2015-2018; www.sidra.ibge.gov.br/Produção Agrícola Municipal
Paraíso Piripkura
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GTGA-UNIR. Seminário “A DesAmazonização de Rondônia e a destruição de Territórios. A situação da RESEX Jaci-Paraná. GTGA- UNIR. Disponível em https://
25
www.youtube.com/watch?v=JkRgOOdDSv8&t=3505s
SANTANA, Ravele da Silva. ANÁLISE DO AVANÇO DO DESMATAMENTO NA RESERVA ESTADUAL EXTRATIVISTA JACI-PARANÁ – RO, NO PERÍODO DE 1996 A
26
2016. Monografia apresentada ao Departamento de Geografia, da Fundação Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho – RO, 2016.
18
tam a perda inacreditável de mais de 80% de
cobertura florestal, tendo parte de sua flores-
ta sido já convertida em pastagem27.
SANTANA, Ravele da Silva. A DESTRUIÇÃO DE UM TERRITÓRIO: O CASO DA RESERVA EXTRATIVISTA JACI-PARANÁ, EM RONDÔNIA. Dissertação apresentada
27
ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Fundação Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho – RO, 2020.
19
porte dos animais para os abatedouros ou
tipo de punição aos crimes ambientais e as
demais destinos. Estes animais ficam autori-
milícias de Rondônia se viram guarnecidas na
zados com indicação de que sua origem fica
milícia que alcançou o poder no Planalto. A
fora da circunscrição da área da resex mas
pressa da Assembleia legislativa em regula-
efetivamente a criação é feita lá dentro. Tam-
mentar a invasão das terras na reserva não in-
bém há relatos de que os técnicos da agência
dica preocupação com o pequeno agricultor,
vacinam o gado dentro da Resex, o que indica
mas sim com a segurança do destino comer-
conivência descarada. Por ser uma merca-
cial dos rebanhos lá enxertados, e também
doria para atender a exportação, é prioriza-
com o resguardo dos autodeclarados pro-
da a vacinação de todo o rebanho no estado
prietários, incluindo alguns dos próprios ocu-
de Rondônia, não havendo qualquer tipo de
pantes de cargos de representação pública.
repreensão por parte da origem desses ani-
A figura 04 revela como se deu o processo
mais28.
de inviabilização da RESEX, criada em 1996
e o que se tornou em menos de 11 anos29. O
A devastação quase completa da área au-
resultado final não pode ser prêmio e bônus
mentou de 60% em 2018 para aproximada-
para grileiros e desmatadores, que ganhariam
mente 80% na Resex, pelos estudos de San-
dessa forma mais motivos para prosseguir pi-
tana (2020). Este autor conseguiu mapear o
lhando as terras protegidas que restam. Não é
desmatamento consolidado até 2018, e por
cabível fornecer garantias justamente a quem
meio da identificação de focos de queimada
viabilizou as intrusões e sabotou todos os
(9.500 focos na resex e ao redor no ano de
mecanismos de controle disponíveis.
2018) estima que este percentual pode estar
em torno de 80% de área da Resex.
Em um cenário de fortalecimento da gover-
nabilidade ambiental no país seria almejável
O processo de devastação em uma unidade
reflorestar e regenerar a Resex e promover
de conservação não é um processo de sim-
o retorno dos extrativistas que foram expul-
ples compreensão e temos que pensar em
sos pelos grileiros. A SEDAM deveria multar e
múltiplos agentes e fatores e redes de poder
exigir dos grileiros que estes pagassem pelos
que perpassam as relações que vão desde
danos sociais e ambientais causados as Re-
pequenos agricultores e seus interesses até
servas e, dessa forma, reiterar a mensagem
mesmo grandes corporações vinculadas à
de que o Governo e a sociedade não tole-
cadeia da carne.
rarão a invasão de áreas protegidas. Faz- se
necessário a retomada do debate público
Após as eleições de 2018, o que era já ocor-
acerca do papel das terras protegidas - em
ria passou a ter o apoio do Governo Federal.
meio a processos de incorporação de larga
Passou-se a dificultar mais e mais qualquer
WENZEL, FERNANDA, ISENSEE, Márcio. Sai extrativista, entra boi: a lei do mais forte em uma reserva extrativista de Rondônia. Matéria do jornal o Eco. 4 de de-
28
20
21
Figura 04 – Reserva Extrativista Jaci Paraná
escala - de forma que se vislumbre a desti- Os limites do PES de Guajará-Mirim foram al-
nação de terras, hoje monopolizadas, para a terados novamente, no início da década de
reforma agrária, para que se ampliem os as- 2000, através da Lei Estadual n. 1146/2002.
sentamentos da agricultura familiar produzin- Assim, o Norte do Parque (uma área de
do alimento de qualidade, sem agrotóxicos, 4.906,5825 hectares conhecida como “bico
com a perspectiva concreta de regeneração do Parque”) é excluído, e a superfície é am-
ambiental e de reflorestamento com espécies pliada em uma área de 14.325,9920 hecta-
nativas. res, totalizando 216.567,6764 hectares. De
acordo com esta Lei, na superfície excluída,
A responsabilização dos agentes pelos pro- “excetuada a área que passará a estrada e sua
cessos de devastação, que culminaram no área de servidão”32 , seria criada uma unidade
desmanche de uma área imensa de florestas, de conservação e proteção integral.
não tem desdobramentos previsíveis. Práticas
assimétricas com recursos mandonistas varia- Sobre a demarcação do Parque Estadual de
dos, com uso de influência política e econô- Guajará-Mirim, em entrevista realizada em
mica, fazem parte desse cenário de incerteza 2020, um profissional da Coordenadoria de
para o conjunto dos envolvidos. Dessa forma, Unidades de Conservação (CUC) da Secreta-
não é pouco pensar que estamos diante de ria de Estado do Desenvolvimento Ambiental
uma situação de “exceção permanente” em (SEDAM/RO) relatou que, como a Lei Estadual
um território de exceção30 sob controle do n. 1146/2002 ficou suspensa por um período
agronegócio. devido à Ação Civil Pública, a extensão con-
siderada pela CUC sempre incluiu o “bico do
Parque Estadual de Guajará-Mirim: o Parque”. Porém, com as constantes pressões,
que se desloca e o que se deslocaliza resgataram a Lei Estadual n. 1146/2002, e, a
fim de atender aos interesses de fazendeiros
A criação do Parque Estadual Guajará Mirim e sitiantes, reivindicaram que o bico perma-
(PES) foi resultante de um processo de luta necesse fora dos limites da Unidade de Con-
do movimento socioambiental envolvendo servação.
organizações não governamentais (ONGs) e
órgãos públicos de Rondônia que discutiram Recentemente o Projeto de Lei Complemen-
a criação do Corredor Ecológico Binacional tar de 8 de setembro de 2020 foi aprovado
Itenez-Mamoré-Guaporé incluindo a criação em dois turnos e com emendas na Assem-
de várias áreas protegidas nas quais estava bleia Legislativa de Rondônia. No texto ori-
inserido o Parque. Infelizmente, os registros ginal o Parque Estadual de Guajará-Mirim
sobre a criação do PES ocultam a participa- passaria a ter área de 207.148,266 hectares,
ção da sociedade civil31. restabelecendo os limites fundiários previstos
na Lei Estadual n.700/1996. Isto porque, se-
No início da década de 1990, o Decreto Es- gundo a mensagem n.204/2020, deste Pro-
tadual n. 4575/1990 cria o Parque Estadual jeto de Lei Complementar, enviada pelo Go-
(PES) de Guajará-Mirim, com área aproxima- vernador Marcos José Rocha dos Santos aos
da de 258.813 hectares, localizado nos Mu- membros da Assembleia Legislativa, a área de
nicípios de Guajará-Mirim e Nova Mamoré. 4.906,5825 hectares excluída pela Lei Es-
Contudo, com a Lei Estadual n. 700/1996, tadual n.1146/2002 é relevante para fins de
que redefine os limites do Parque, a Unidade preservação e fiscalização ambiental, e a área
de Conservação de Proteção Integral passa de 14.325,9920 hectares incluída encontra-
totalizar 207.148,266 hectares. -se ocupada por diversos grupos sociais.
NASCIMENTO, Sabrina Mesquita; CASTRO, Edna Ramos. 2017 “Estado de exceção como paradigma do desenvolvimento: uma análise sobre a hidrelétrica de Belo
30
Monte” en Castro, Edna Ramos (Org.) Territórios em transformação na Amazônia: saberes, rupturas e resistências (Belém: NAEA).
KANINDÉ. Associação de Defesa Etnoambiental. Plano de Manejo Parque Estadual Guajará Mirim. SEDAM, julho, 2016.
31
RONDÔNIA. Lei N0 1146, de 12 de dezembro de 2002. Altera os limites com exclusão e ampliação da superfície do Parque Estadual de Guajará-Mirim, criado pelo
32
Decreto n0 4575, de 23 de março de 1990, e dá outras providências. Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia, 12-12-2002.
22
Figura 05 – Parque Estadual de Guajará-Mirim
No entanto, o texto aprovado pelo Parlamen- papel de estoque de terras para especulação.
to de Rondônia, em abril de 2021, além de As entradas não tem por fim apenas a retirada
barrar a inserção dos 4.906,5825 hectares de madeira, mas a consolidação da ocupação
remove ainda cerca de 40 mil hectares para da área para desmatar introduzir gado ilegal
contemplar a região conhecida como “Terra a ser legalizado no próximo ciclo de desafe-
Roxa”. tação, convertendo bens públicos em pro-
priedade privada e concentrada. A situação
Para uma representante da Associação de se intensificou ainda mais com a abertura da
Defesa Etnoambiental Kanindé, instituição chamada “Estrada Parque” (conectada a RO-
responsável pela elaboração do Plano de 420), no ano de 2014, que vem atendendo
Manejo do Parque Estadual de Guajará-Mi- aos interesses do agronegócio e do crime
rim, aprovado em 2017, qualquer redução/ organizado e facilita a entrada de invasores
desafetação requer estudos técnicos que dentro da Unidade de Conservação.
envolvam meio físico, meio biótico e socio-
economia, em conformidade com as legis- A partir dos dados do Projeto PRODES, do
lações vigentes. A proposta de desafetação Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
das Unidades de Conservação descumpre (INPE), é possível visualizar o aumento expo-
vários pontos da Lei do Zoneamento Sócio- nencial do desmatamento no Parque Estadual
econômico Ecológico de Rondônia, do Siste- de Guajará-Mirim e na Terra Indígena Karipu-
ma Nacional de Unidades de Conservação da na a partir da abertura da Estrada: a partir de
Natureza e do Sistema Estadual de Unidades 2014, conforme demonstrado no Gráfico 1.
de Conservação. Ademais, o Parque foi cria-
do com recursos de empréstimo do Banco Gráfico 1: Incrementos de desmatamento
Mundial, sendo a criação e a manutenção das acumulado por ano em Unidades de Conser-
áreas protegidas cláusulas do acordo. vação e Áreas Indígenas localizadas ao norte
do Estado de Rondônia (2008 - 2020).
O Parque Estadual de Guajará-Mirim sofre
uma pressão da grilagem, como se cumprisse
23
Gráfico 1 - Incrementos de desmatamento acumulado por ano em Unidades de Conservação e
Áreas Indígenas localizadas ao norte do Estado de Rondônia (2008 - 2020).
Fonte: Adaptado de Terra Brasilis/INPE (2021).
O PES recebe recursos do Programa Áreas nossa análise em alguns territórios indíge-
Protegidas da Amazônia para a implementa- nas, como casos emblemáticos. Apesar das
ção do Plano de Manejo da Unidade. Em um especificidades de cada povo, as pressões e
Dossiê realizado em 2017 pela Kanindé, aler- ameaças que recaem sobre cada um deles
tava-se que se nada fosse feito para conter as provém de uma mesma matriz econômica e
invasões e o roubo de madeira, provavelmen- de classe. Ressaltaremos aspectos vincula-
te em 5 anos o conjunto da UC seria compro- dos aos referidos territórios, particularmente
metido.33 Grande parte dos recursos do ARPA à TI Karipuna, e aos grupos étnicos que os
foi destinada para operações de fiscalização, habitam, presumindo que estes dados/relatos
não se justificando a presença de grileiros no possam contribuir como instrumento de vi-
PES. sibilidade para os demais povos que passam
igualmente por situações-limite.
A proposição de desafetação do PES repre-
senta um aval à grilagem, que assim se espa- O Território Karipuna, situado entre o muni-
lha e multiplica, afetando novas Áreas Prote- cípio de Nova-Mamoré e o de Porto Velho é
gidas. testemunha de desfiguramentos contínuos. O
referido povo teve seus direitos violados des-
Terra Indígena Karipuna: de o primeiro contato. O retrato desta políti-
apesar de tudo ainda pulsa ca de extermínio e humilhação é perceptível
no quantitativo de sobreviventes hoje, pouco
Ao observar como se dá a confluência das mais de 60 indivíduos, o que por si só consti-
frentes de devastação e dos processos de tui um forte indicador do processo de violên-
desmatamento na Amazônia, concentramos cia que este grupo étnico passou e passa34.
KANINDÉ. Associação de Defesa Etnoambiental. Pressões e Ameaças nas Unidades de Conservação Estaduais de Rondônia. Organização: Ivaneide Bandeira
33
Cardozo et al. São Paulo. ISA Instituto Socioambiental. Porto Velho,RO. Kanindé Associação de Defesa Etnoambiental,2017.
ISA. Povos Indígenas no Brasil- Karipuna de Rondônia. Acesso em 20/10/2020. Disponível em <https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Karipuna_de_Rond%-
34
C3%B4nia>
24
Figura 06 – Terra indígena Karipuna - Rondônia
Em 1994 com o PLANAFLORO – Plano Agro- do eixo de devastação das rodovias 420/421,
pecuario e Florestal de Rondônia, em uma o deixa ainda mais suscetível de ser tragado
negociação entre FUNAI, INCRA e Governo pela confluência das estratégias empresariais.
de Rondônia a Terra Indígena Karipuna perde
40 mil hectares o que, segundo esta nego- O povo Karipuna, foi primeiramente contac-
ciação, serviria para retirar os invasores das tado, segundo relatos do SPI Serviço de Pro-
terras indígenas Uru-eu-wau-wau (PAD Bu- teção ao Índio em 1940, sem que houvesse
rareiro) e Mequem para reassenta-los na área maiores informações sobre a presença dos
Karipuna reduzida (LEÂO et al, 2005). A TI Karipuna na região. Em 1974, a FUNAI cria a
foi reduzida e não houve a retirada dos inva- Frente de Atração e em 1976 ocorre o conta-
sores das outras terras indígenas, nem houve to no Igarapé do Contra, próximo ao Distrito
reassentamento. Perdem os indígenas, perde de União Bandeirantes. Segundo os relatos
a sociedade e o meio ambiente. da FUNAI, os Karipuna viviam em 2 malocas
grandes, sendo uma no Igarapé do Contra e
A Terra Indígena Karipuna foi demarcada com outra no rio Mutum Paraná. No entanto, essa
152.930 hectares em1997 e homologada informação difere dos relatos das lideranças
pelo Decreto s/n0 de 09/09/1998. Esse pro- Karipuna, segundo as quais antes do contato
cesso se deu com retalhamentos e reduções o território era composto por 59 aldeias, hoje
prévias. Estas perdas se intensificam com as resta apenas uma.
ameaças e pressões que os Karipuna vêm
passando. Podemos detectar ameaças vin- As pressões foram seguidas e crescentes:
culadas à pesca, à caça e à madeira. No que grandes empreendimentos do passado e do
tange a mineração, existem dois processos presente foram sedimentando os processos
na região, vinculados à Mineração Silvana In- de desterritorialização das terras indígenas,
dústria e Comercio Ltda (Minério de Ouro)35. projetos revestidos da ideologia do progresso
A localização do território Karipuna, no meio e desenvolvimento.
25
A estrada de Ferro Madeira- Mamoré trouxe é preocupante pois trata-se de área homolo-
muito desastre para o nosso povo onde tem gada e reconhecida enquanto território que
poucos relatos sobre isso (...) já matava indí-
genas porque atrapalhava o desenvolvimento
deve ser preservado. Na prática vemos que,
do progresso. (...) Muita doença do vírus, co- Está liberado no território Karipuna vários lo-
queluche, sarampo (...) o vírus no passado e tes de CAR, que é cadastro rural, quem libe-
vírus atual, então, muito indígenas morreram rou o CAR? (...) não confio mais, é assustador.
no tempo do contato, muitos indígenas mor- (...) E tem a madeiras ilegais (...) porque agora
reram durante a ferrovia do diabo, que essa tá parado tinha DOF, que é documento que
que está escrito da madeira-Mamoré, que regulamenta que aquela madeira não é ilegal
os funcionário da empresa mataram muitos e sim é de uma propriedade provada, né? (...)
indígenas, (...) estupraram as índias (...), mor- aí que vem a questão da ameaça (...).
riam eletrocutados (...), são coisas que o meu
povo ainda sente muita dores, não é que eu Nota-se, um povo que vem tendo os seus
tô apanhando mas emocionalmente, no meu direitos violados, sendo pressionado por in-
interior, ainda levo chicotadas, ou seja, ainda vasões de madeireiros, garimpeiros, e como
sinto dores do passado do que tamos viven- podemos constatar, tendo parte de seu ter-
ciando do futuro. (...). De Karipuna, Adriano
[setembro, 2020].36 ritório loteado. O CAR – Cadastro Ambiental
Rural, que deveria servir como um documen-
O excerto acima desvela parte das percep- to de contribuição para validação dos reais
ções que o povo Karipuna possui em relação proprietários da terra tem sido utilizado como
aos ataques que historicamente sofreram. O instrumento de exploração e violação de di-
território encontra-se cercado por diversas reitos indígenas, contribuindo para o proces-
frentes que atuam contribuindo para o pro- so de genocídio da comunidade. Percebemos
cesso de devastação e tomada territorial, os que as intrusões e ameaças são constantes
deixando em risco. O grupo que menciona- no território Karipuna, resultam em insegu-
mos expressa de forma explícita suas inten- rança permanente do grupo étnico, uma vez
ções violentas, para além do desmatamento e que as ameaças chegam por parte dos gri-
queimadas. Desde 2015 tem ocorrido entra- leiros, madeireiros, garimpeiros respaldados
das reiteradas no território indígena, gerando por validações como CAR e DOF (Documento
instabilidade e insegurança. de Origem Florestal), que chancelam práticas
Em 2015 foram derrubados (...) o equivalente não lícitas dentro dos territórios indígenas.
a dois estádios do Maracanã ou até mais (...).
No ano passado (...), o nosso território foi to- O território Karipuna está sofrendo pressões
mado de fogos. Vocês sabem (...), o mundo
de todos os lados, destacando-se a porção
todo teve os olhos voltados para a Amazônia.
(...). O contato foi em 78, em 92 foi a homo- Noroeste, que faz divisa com o Distrito de
logação do território. Em 2007 foi se falado União Bandeirantes e a porção Sul, mais pró-
em Furnas (...), em 2014 teve aquela alagação xima das Unidades de Exclusão do Parque
imensa (...), os Karipuna até a aldeia foi pro Estadual Guajará Mirim e da Rodovia 421. A
fundo praticamente. (...) Em 2015 começamos
cada ano, a terra indígena é aberta de forma
a sofre impacto já de grileiro, madeireiro, de
garimpeiros. (...) No acampamento terra livre, ilegal, e vão aumentando de forma gradativa
no abril indígena (...), fizemos essa denúncia e as intrusões. Nos anos 2018 e 2019, a inse-
cobramos responsabilidade do poder judici- gurança chegou ao clímax. De acordo com
ário e do meio ambiente, (...) Para que prote- relatos colhidos, não havia mais noite sem
gessem nosso território. (...)”.
medo de chacina. Esse terror manifesto vem
Detectamos aqui as confluências dos proces- erodindo o imaginário dos Karipuna rema-
sos de devastação e como o povo Karipuna nescentes. Para um grupo étnico objeto de
percebe as dinâmicas que corroboram para práticas sistemáticas de extermínio, é preciso
o processo de destruição do seu território. considerar como lidar, proteger e se alinhar
O CAR (Cadastro Ambiental Rural), é um dos à condição desses povos resistentes. Mesmo
documentos exigidos para regularizar a terra, assim, a comunidade se mantém articulada,
que tem como finalidade contribuir para a re- no sentido intuito de manter seu território e
gularização da terra, acaba gerando instabili- sua memória.
dade em todas as TIs. No caso dos Karipuna,
o referido cadastro tem gerado insegurança, Entrevista concedida ao Grupo de Pesquisa em setembro de 2020.
36
26
REFERÊNCIAS
WENZEL, FERNANDA, ISENSEE, Márcio. Sai extrativista, entra boi: a lei do mais forte em uma reserva
extrativista de Rondônia. Matéria do jornal o Eco. 4 de dezembro de 2018. disponível em https://www.
oeco.org.br/reportagens/sai-extrativista-entra-boi-a-lei-do-mais-forte-em-uma-reserva-extrativis-
ta-de-rondonia/
Girardi, G. (1994). Capitalismo, ecocidio, genocidio: el clamor de los pueblos indígenas. Realidad: Re-
vista De Ciencias Sociales Y Humanidades, (41), 669-698.
KANINDÉ. Associação de Defesa Etnoambiental. Plano de Manejo Parque Estadual Guajará Mirim.
SEDAM, julho, 2016.
LEÂO, Auxiliadora et al. Estudo Socioeconômico Sobre as Terras e Povos Indígenas situados na Área
de Influência dos Empreendimentos do Rio Madeira(UHEs Jirau e Santo Antonio). EIA-RIMA, Brasília,
2005
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pib.socioambiental.org/pt/Povo:Karipuna_de_Rond%C3%B4nia
MOORE, Jason. “El fin de la naturaleza barata: o cómo aprendí a dejar de preocuparme por “el” me-
dioambiente y amar la crisis del capitalismo” en Relaciones Internacionales, n. 33 (Grupo de Estudios
de Relaciones Internacionales GERI – Universidad Autonoma de Mexico), 2016.
NASCIMENTO, Sabrina Mesquita; CASTRO, Edna Ramos. 2017 “Estado de exceção como paradigma
do desenvolvimento: uma análise sobre a hidrelétrica de Belo Monte” in Castro, Edna Ramos (Org.)
Territórios em transformação na Amazônia: saberes, rupturas e resistências (Belém: NAEA).
RONDÔNIA. Lei N0 1146, de 12 de dezembro de 2002. Altera os limites com exclusão e ampliação da
superfície do Parque Estadual de Guajará-Mirim, criado pelo Decreto n0 4575, de 23 de março de
1990, e dá outras providências. Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia, 12-12-2002.
SOUZA MARTINS, José. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano (São Paulo: Hucitec),
1997.
27
RETROCESSOS AMBIENTAIS E OS
RISCOS DA MINERAÇÃO EM ÁREAS
PROTEGIDAS EM RONDÔNIA
Neiva Araujo37
Renata da Silva Nóbrega38
Jandira Keppi39
Karen Roberta Miranda de Sousa40
➡ Mudanças na paisagem natural;
37
Doutora em Desenvolvimento Regional & Meio Ambiente, Líder do Grupo de Pesquisa DITERRA – Direito, Território & Amazônia.
38
Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.
39
Advogada, Especialista em Direito Público, Assessora do COMIN – Conselho de Missão entre Povos Indígenas.
Mestranda em Fronteiras e Direitos Humanos pela Universidade Federal da Grande Dourados. Articuladora na ONG Engajamundo. Integrante do Grupo de Pes-
40
quisa DITERRA.
Graduandos em Direito pela Universidade Federal de Rondônia. Bolsistas de Iniciação Científica ciclo 2020/2021. Integrantes do Grupo de Pesquisa DITERRA.
41
42
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Rondônia. Integrante do Grupo de Pesquisa DITERRA.
43
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia. Integrante do Grupo de Pesquisa DITERRA.
44
Bacharel em Direito, estudante de Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Rondônia. Integrante do Grupo de Pesquisa DITERRA.
45
Graduando em Psicologia pela Facimed. Graduando em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano.
46
TAVARES, H. N. Exposição humana ao mercúrio associada aos hábitos alimentares de comunidades no alto Rio Madeira. 2020. Disponível em: <https://repo-
sitorio.unb.br/handle/10482/40221>. Acesso em: 20 mar. 2021.
GUIMARÃES, C. L.; MILANEZ, B. Mineração, impactos locais e os desafios da diversificação: revisitando Itabira. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 41, p.
47
28
Para compreender as dinâmicas que envol-
vem o Projeto de Lei Complementar 80/2020,
aprovado pelo legislativo rondoniense em 20
de abril de 2021, necessário entender a es-
➡ Surgimento de nuvens de poeira de trutura do arcabouço legal ambiental, que
material particulado; deve ser regido por uma série de princípios
previstos na Constituição Federal de 1988 e
➡ Queda na qualidade do ar, em razão no texto legal, destacam-se: i) princípio do
do lançamento de cargas poluidoras na at- desenvolvimento sustentável; ii) princípio da
mosfera, não apenas nos locais de explora- solidariedade intergeracional; iii) princípio da
ção, mas também por todo processo de es- prevenção; iv) princípio do poluidor-pagador;
coamento; v) princípio do protetor-recebedor; vi) princí-
pio da participação; vii) princípio da vedação
➡ Aumento do número de doenças res- de retrocesso. Esses princípios são essenciais
piratórias manifestadas com mais intensida- ao processo de interpretação do ordenamen-
de em crianças e adolescentes, e em doen- to jurídico e deveriam pautar as discussões
ças do coração manifestadas em idosos; envolvendo novas regras.
29
Assim, podem ser classificadas como áreas
protegidas em sentido estrito aquelas expres-
samente previstas na Lei 9.985/2000 e re-
gulada pelo Decreto 4.340/2002. Também
são consideradas como áreas protegidas em relacionado ao desempenho do PIB (Produ-
sentido amplo as terras indígenas, os territó- to Interno Bruto), a concepção de desenvol-
rios quilombolas, pois embora não tenham vimento econômico engloba o desenvolvi-
objetivos explícitos de conservação da natu- mento humano, ou seja, considera critérios
reza, contribuem para este fim. relacionados ao desempenho da renda, da
longevidade e da educação dos indivíduos.
Por outro lado, quando houver um conjunto
de unidades de conservação de categorias Assim, o cenário que se apresenta é no senti-
diferentes ou não, próximas, justapostas ou do de que a mineração no Brasil, em especial
sobrepostas, e outras áreas protegidas públi- na Amazônia (Amapá, Amazonas, Pará, Ron-
cas ou privadas, constituindo um mosaico, a dônia e Roraima)49 tem acarretando sérios
gestão do conjunto deverá ser feita de forma problemas ambientais e de saúde pública nas
integrada e participativa, devendo ser consi- localidades, sem falar nas atividades ilegais
derados os distintos objetivos de conserva- em terras indígenas. Contrariando o discur-
ção, de modo a compatibilizar a presença da so que avaliza esses projetos, as atividades
biodiversidade, a valorização da sociobiodi- minerárias tem gerado apenas crescimento
versidade e o desenvolvimento sustentável no econômico e para poucos atores sociais, até
contexto regional, conforme orientação da Lei mesmo porque as localidades afetadas su-
9.985/2000 e do Decreto 5.758/2006 que portam os impactos negativos (aumento da
instituiu o PNAP - Plano Estratégico Nacional violência, não melhoria ou piora dos serviços
de Áreas Protegidas,. públicos de saúde e educação, desdobra-
mentos ambientais) e não usufruem de gran-
Portanto, a proposta do governo rondoniense des impactos positivos (melhoria temporária
está desalinhada a todo um sistema normativo da renda50.
nacional e internacional que busca proteger o
meio ambiente e propiciar o desenvolvimento Há mais de 5.436 solicitações/registros para
através de uma economia do conhecimento a atividade minerária em Rondônia, sendo
da natureza48. Na medida em que a propos- que tais pedidos afetam tanto áreas protegi-
ta coloca em xeque o uso sustentável dos das quanto terras indígenas, ou seja, os pe-
recursos naturais e propicia uma economia didos podem afetar 21 Terras Indígenas em
de destruição da natureza, percebe-se que Rondônia. Destaca-se que Terras indígenas
a proposta gera prejuízos aos grupos direta- como a Uru-Eu-Wau-Wau representam 45%
mente afetados, mas também reflete em toda do território requerido para mineração e que
a sociedade que tende a enfrentar os preju- nessas terras estão localizadas as principais
ízos, impulsionados por medidas eleitoreiras nascentes da bacia do Rio Madeira, o que
e pouco técnicas, que serão sucintamente cria a necessidade de uma ampla preserva-
apontados. ção ambiental, mas a proposta governamen-
tal vai em sentido contrário.
Destaca-se que muito embora as expressões
crescimento e desenvolvimento econômico
sejam utilizadas como sinônimos, elas não o
são. Enquanto crescimento econômico está
ABRAMOVAY, R. Amazônia: por uma economia de conhecimento da natureza. São Paulo: Elefante, 2019.
48
FEARNSIDE, M. P. Exploração Mineral na Amazônia Brasileira: o Custo Ambiental. Dossiê Desastres e Crimes da Mineração em Barcarena, p. 35. 2019. Disponível
49
30
Mineração por fase do processo em Rondônia
Silva e Lima51
Além dos dados sociais, ambientais e econô- ▶ Direito à vida e integridade física;
micos, há no Brasil um rol de direitos huma-
nos com frequência violados quando da atu-
▶ Direito de ir e vir;
ação das mineradoras52: ▶ Direito das mulheres;
SILVA, R. G. da C.; LIMA, L. A. P. NOTA TÉCNICA 001/2019: Cartografia da Mineração em Terras Indígenas de Rondônia. Disponível em: <https://www.unir.br/
51
de Derechos Humanos y Empresas, Juiz de Fora, Brasil, v. 1, n. 1, p. e:007, 2016. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/HOMA/article/view/30456.
Acesso em: 15 abr. 2021.
53
ABRAMOVAY, R. Amazônia: por uma economia de conhecimento da natureza. São Paulo: Elefante, 2019.
54
CARDIA, A. C. R. Direitos humanos e empresas no Brasil: como as empresas mineradoras têm afetado a proteção dos direitos humanos no território brasileiro.
Homa Publica - Revista Internacional de Derechos Humanos y Empresas, Juiz de Fora, Brasil, v. 2, n. 1, p. e:025, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/
index.php/HOMA/article/view/30551. Acesso em: 15 abr. 2021.
31
DESMATAMENTO EM
ÁREAS PROTEGIDAS Amanda Michalski55
Por meio deste texto, busca-se apresentar al- MA e SEDAM-RO. Em contrapartida, con-
guns impactos relacionados a negligência go- cedem louvores a IDARON56 e à EMATER57 ,
vernamental, no tocante à questão ambiental, instituições voltadas à assistência produtiva,
que ao longo dos últimos anos tem apoia- seja ela onde for, dentro de unidades de con-
do um discurso negacionista e anticientífico servação ou não.
atrelado às atuais gestões, federal e estadual,
que buscam perpetuar o velho discurso de- Em entrevista no ano de 2015, ano em que
senvolvimentista deveras obsoleto. fora inaugurada a sede da Unidade Local de
Sanidade Animal de União Bandeirantes, um
No passar dos anos por meio de visitas rea- de seus representes afirmou que “[...] nosso
lizadas a alguns desses locais afetados cola- compromisso é com o fortalecimento da agri-
boraram com a compreensão dos problemas cultura e pecuária. Sabemos que qualquer
consideravelmente relacionados a expansão detalhe que não seja positivo neste setor tem
da fronteira agrícola no norte rondoniense. reflexo na economia [...]” (SECOM, 2015)58. Na
Por exemplo: os distritos de União Bandei- época, União Bandeirantes já possuía apro-
rantes e Rio Pardo - no município de Porto ximadamente 130 mil cabeças de gado. Se-
Velho, e de Nova Dimensão - no município de gundo Michalski (2018), até o ano de 2018 o
Nova Mamoré. Ambos apresentam grandes distrito já ultrapassava as 200 mil cabeças de
proporções de novas áreas desmatadas in- gado, sendo que 120 mil delas estão no inte-
corporadas à atividade da pecuária extensiva, rior da Resex Jacy-Paraná. Na ocasião desta
assim como são responsáveis pela pressão de entrevista, também ficou claro como o Esta-
áreas protegidas, como no caso da Reserva do trata a questão ambiental, sendo ela vista
Extrativista Jacy-Paraná e Terra Indígena Ka- como empecilho ao desenvolvimento econô-
ripuna. mico, ao certificar o rebanho do linhão 102,
dentro da reserva extrativista. Na imagem 01
Além disso, também compartilham aversão podemos observar a localização do linhão
aos órgãos fiscalizadores ambientais – IBA- 102 mencionada na reportagem citada.
55
Geógrafa; professora da rede estadual de educação – SEDUC RO; assessora da Comissão Pastoral da Terra, pesquisadora dos grupos de pesquisas GEPE Front,
e TERRIAMA; e estudante vinculada ao GTGA
56
Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril do Estado de Rondônia
Entidade Autárquica de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Rondônia
57
SECOM. Compromisso da Idaron é destacado na inauguração da sede da Unidade Local de Sanidade Animal de União Bandeirantes. SECOM. Rondônia, setembro
58
32
Imagem 01: Localização das linhas de produção
da pecuária em União Bandeirantes
Elaborado pela autora
Como podemos observar, por meio do ge- Inúmeras são as pesquisas que comprovam e
orreferenciamento da imagem obtida em um demonstram o avanço do desmatamento na
dos trabalhos de campo realizados no ano de Amazônia, assim como em Rondônia. Devas-
2019 no distrito de União Bandeirantes, a lo- tação ambiental que tem estruturas bastante
calização da linha 102 no interior da Resex consolidadas em nossa sociedade e que até o
Jacy-Paraná, e, assim como, outras linhas mês de janeiro deste ano (2021) já contabili-
visíveis na imagem, demonstram o incentivo zava mais de 215 mil m3 de madeira extraídas
por parte do Estado voltado a atividade da ilegalmente e mais de 60% de destruição da
pecuária, visto que essas linhas estão mape- floresta ao compararmos os anos de 2018 e
adas e recebem apoio voltado a melhoria da 2019 (Canal Rural, 2021)59. Sociedade que é
produção agropecuária. Apesar disso, a en- negligenciada de diversas maneiras pelo Es-
trevista mostra o posicionamento do gover- tado que dificulta o acesso aos direitos bási-
no em promover o avanço do desmatamen- cos aos cidadãos brasileiros, tais como saúde,
to e redução das áreas protegidas, mas em educação e moradia.
momento algum menciona alternativas que
promovam o acesso à terra pelos moldes da Ao negar direitos elementares e permitir o
reforma agrária, e redução de latifúndios im- aumento de índices de desigualdade cada
produtivos vez maiores, o Estado brasileiro organiza seu
território por meio de políticas territoriais que
se sobrepõem às políticas ambientais, o que
59
CANAL RURAL. Desmatamento ilegal na Amazônia: PF apreende R$ 80 mi em madeira. CANAL RURAL. Brasil, janeiro de 2021. Disponível em: https://www.
canalrural.com.br/noticias/policia-federal-desmatamento-ilegal-amazonia/
33
contribui com o desmatamento da maior flo-
resta tropical do mundo, além da tentativa de
dizimar comunidades originais (ribeirinhas,
seringueiros, camponeses e camponesas,
quilombolas, extrativistas e povos indígenas).
60
WALLACE, Scot. Por dentro da difícil missão de combate à extração ilegal de madeira na Amazônia. National Geographic. Brasil, setembro de 2019. Disponível em:
https://www.nationalgeographicbrasil.com/meio-ambiente/2019/09/por-dentro-da-dificil-missao-de-combate-extracao-ilegal-de-madeira-na
WENZEL, Fernanda; SÁ, Marcio Isensee. Sai extrativista, entra boi: a lei do mais forte em uma reserva extrativista de Rondônia. O ECO. Disponível em: https://www.
61
oeco.org.br/reportagens/sai-extrativista-entra-boi-a-lei-do-mais-forte-em-uma-reserva-extrativista-de-rondonia/
34
Vejamos a dinâmica do desmatamento expressa no gráfico 1, que apresenta o desmatamento
nos nove estados da Amazônia Legal brasileira.
As informações do gráfico anterior demonstram que os estados do Mato Grosso, Pará e Ron-
dônia são os Estados que mais colaboram com o aumento do desmatamento, visto que são
também os que apresentam maior expansão da fronteira agrícola.
Quanto ao estado de Rondônia - integrante dos três Estados que compõem o arco do desma-
tamento, ou do povoamento consolidado como afirmou Becker (2004)62, a dinâmica imposta
é a do deslocamento da atividade da pecuária para o norte rondoniense, atividade parceira
da exploração desenfreada de madeira. No gráfico 2 observaremos a configuração da taxa de
desmatamento em Rondônia entre os anos de 1988 a 2020.
BECKER, B. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
62
35
Gráfico 2: Extensão do desmatamento em Rondônia
Fonte: PRODES/INPE. Elaborado pela autora
O gráfico apresenta dois picos, nos anos de 1995 e de 2004. Dois recortes temporais interes-
santes: o primeiro, marca a chegada da soja em Rondônia com a introdução do Porto Grane-
leiro, o segundo refere-se ao processo consolidado de deslocamento da atividade da pecuária,
junto à exploração legal e ilegal madeireira em direção aos municípios ao norte do Estado. As
próximas imagens demonstram o impacto do desmatamento no município de Porto Velho, com
destaque aos distritos de União Bandeirantes e Rio Pardo, ambos iniciaram o processo de ocu-
pação no ano de 1999, e atualmente são considerados como polos da produção agropecuária
do município.
36
Imagem 03: Desmatamento acumulado em Porto Velho (2016)
Fonte: Michalski (2018)63
MICHALSKI, A. Geografia da Pecuária e do desmatamento em Porto Velho: União Bandeirantes e Rio Pardo. Monografia (Graduação em Geografia) – Fundação
63
37
A SOCIEDADE EM
DEFESA DA AMAZÔNIA
Márcia Maria de Oliveira65
Neste breve texto, propomos pensar a Ama- partilhados num modo de vida não capitalista
zônia na perspectiva da sociedade compro- adotado e assimilado milenarmente.
metida com a sua defesa e dos seus povos.
Entretanto, a tomada deste posicionamento Somente quando se percorre pedagogica-
exige primeiramente conhecer a Amazônia. mente este itinerário é possível entender o
Ninguém defende o que não conhece. Pri- que significa defender a Amazônia, seu bioma
meiramente, num processo pedagógico, é e seus povos ameaçados em seus territórios,
preciso conhecer o bioma e os ecossiste- injustiçados, expulsos de suas terras, tortu-
mas (COUTINHO, 2006)66 que formam essa rados e assassinados nos conflitos agrários e
grande riqueza de fauna e flora interligadas socioambientais, humilhados pelos podero-
com uma diversidade de culturas. Precisa- sos do agronegócio e dos grandes projetos
mos conhecer os saberes e a diversidade econômicos desenvolvimentistas que “arre-
dos Povos da Amazônia, especialmente dos bentam com a Amazônia” (COSTA, 2019, p.
povos Indígenas, suas lutas por uma ecologia 79).69
integral, seus sonhos e esperanças são par-
te inseparável desta imensa Amazônia. Para Para defender a Amazônia, os povos que há
conhecer este território tão amplo e diverso milênios de anos com ela convivem, são ca-
é preciso estudar, ouvir os mais velhos, ob- pazes de derramar o próprio sangue. Os po-
servar, contemplar e saber que a grande flo- vos indígenas representam uma importante
resta tropical abrigou sociedades complexas diversidade sociocultural nesta realidade em
e uma população entre 8 e 10 milhões de ha- que, dadas as proporções geográficas, é uma
bitantes, antes da chegada dos colonizadores região gigantesca onde vivem povos e cultu-
(OLIVEIRA, 2016).67 ras diferentes que ocupam a região com mo-
dos de vida distintos. Todos os dias, retiram
O segundo passo é reconhecer as lutas e re- das águas o peixe nosso de cada dia sem
sistências dos Povos da Amazônia que en- excessos ou desperdícios, somente o neces-
frentam mais de 500 anos de colonização sário para alimentar suas famílias com o pes-
e de projetos desenvolvimentistas genoci- cado oferecido generosamente pela natureza
das pautados na exploração desmedida e na das águas que ainda o produz em abundân-
destruição da floresta e dos recursos naturais cia70. Mas, toda essa riqueza natural está em
(GRONDIN & VIEZZER, 2018)68. O terceiro risco mediante a exploração desmedida das
passo é a possibilidade de se conviver com grandes corporações econômicas.
a Amazônia, com o modo de ser de seus po-
vos, com seus recursos de uso coletivo com-
65
Doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia. Professora da Universidade Federal de Roraima. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e
Fronteiras (PPGSOF/UFRR).
66
COUTINHO, Leopoldo Magno. O conceito de bioma. Acta botânica brasílica, São Paulo, vol. 20, n.1, p. 13-23, Jan./Mar. 2006.
OLIVEIRA, Márcia Maria de. Dinâmicas Migratórias na Amazônia contemporânea. São Carlos: Scienza, 2016.
67
GRONDIN, Marcelo; VIEZZER, Moema. O Maior Genocídio da História da Humanidade – mais de 70 milhões de vítimas entre os povos originários das Américas
68
38
Outros grupos importantes que historicamen- um processo acelerado de limpeza e esva-
te se posicionam em defesa da Amazônia, ziamento de áreas estratégicas de grande in-
a partir da sua convivência com ela, são os teresse econômico cobiçadas por empresas
camponeses, os seringueiros, os ribeirinhos nacionais e internacionais (OLIVEIRA, 2016).
e as comunidade quilombolas. São povos
que vivem às margens dos grandes lagos da As grandes riquezas naturais da Amazônia e
Amazônia e utilizam os recursos naturais do a vastidão de seus recursos são negados à
território tendo como referência o contínuo maioria de seus habitantes, o que favorece
e cíclico movimento das águas dos grandes a predominância das desigualdades sociais,
rios que todos os anos enchem os lagos. En- econômicas, culturais e políticas. Nessa pers-
tretanto, os camponeses das várzeas, sofrem pectiva as cidades representam uma realida-
com a presença dos pescadores comerciais, de marcada por grandes contradições: de um
predadores dos recursos que já se tornaram lado, uma vastidão enorme de terras e flores-
escassos em determinadas regiões (OLIVEI- tas. De outro lado, muita gente, multidões in-
RA, 2019).71 teiras, de empobrecidos no campo e nas ci-
dades, sem terra, sem moradia, sem acesso
Os povos da floresta, camponeses da terra aos direitos básicos.
firme, nas suas mais diversificadas catego-
rias (seringueiros, indígenas e quilombolas), A ganância pela terra está na raiz dos confli-
extrativistas e coletores por excelência, so- tos socioambientais historicamente alimenta-
brevivem do que a terra e a floresta lhes dão do pelo projeto neocolonialista que produz o
generosamente. São os “agricultores familia- etnocídio73, a criminalização dos movimentos
res que cultivam pequenas porções de terras sociais e ao assassinato de suas lideranças
com técnicas tradicionais ancestrais classifi- camponesas e socioambientalistas. Demarcar
cadas como agroecologia familiar por corres- e proteger a terra é obrigação dos Estados
ponder a um modo de vida de inter-relação nacionais e de seus respectivos governos. No
e interdependência com a terra e a natureza” entanto, boa parte dos territórios indígenas
(WITKOSKI, 2007, p. 111)72. Esses povos cui- está desprotegida e os já demarcados es-
dam da terra e a terra cuida deles na mesma tão sendo invadidos por frentes extrativistas
proporção. O modo de vida desses povos ba- para mineração e exploração madeireira, por
seado no “Bem-Viver”, encontra-se ameaça- grandes projetos de infraestrutura, por culti-
do pelos grandes projetos econômicos, pelo vos ilícitos e por grandes propriedades que
avanço do latifúndio e pelo permanente pro- promovem a monocultura e a pecuária ex-
cesso de desmatamento da floresta. tensiva74.
As cidades da Amazônia têm crescido mui- Movimentos em prol dos direitos territoriais
to rapidamente e recolhido muitos migrantes dos povos indígenas e demais grupos tradi-
deslocados de forma compulsória, empur- cionais, a partir da década de 1980, coadu-
rados para as periferias de grandes centros naram esforços com a luta da conservação
urbanos que avançam floresta adentro (OLI- ambiental, criando o paradigma, que hoje é
VEIRA, 2016). Na sua maioria são povos in- conhecido por socioambientalismo. Nele, es-
dígenas, ribeirinhos, quilombolas expulsos tão presentes as preocupações com o Bem
pelos garimpos e mineradoras, encurralados Viver, com a qualidade de vida digna, com a
pelas madeireiras, e massacrados nos confli- defesa dos povos tradicionais e de seus terri-
tos agrários e socioambientais resultantes da tórios. Esses povos têm condições de auxiliar
omissão falaciosa do Estado que tem adotado na conservação ambiental, como eles já o fa-
OLIVEIRA, Márcia Maria de. Desafios e perspectivas do processo de preparação do Sínodo Especial para Amazônia. São Paulo: Revista de Cultura Teológica Ano,
71
ao assassinato da cultura de um povo. Trata-se de um conceito estreitamente vinculado ao genocídio dos povos indígenas no Continente Americano onde o pro-
cesso colonizatório eliminou mais de 70 milhões de indígenas das Américas, particularmente entre os anos 1492 e 1900.
74
Documento Final do Sínodo Especial para a Amazônia, n. 45.
39
zem, a partir de sua espiritualidade e de suas implica um “bem fazer” (GUDYNAS, 2011)78.
formas tradicionais de vida. Este modo integral se expressa em seu modo
próprio de organizar-se, que parte da famí-
Os povos indígenas, com profundo respeito a lia e da comunidade e que abraça o uso
todas as formas de vida, manejam seu ter- responsável de todos os bens da criação.
ritório a partir de modos de vida integrados
ao bioma, considerados de baixo impacto Ocorre que há uma intensa pressão de em-
ambiental e geralmente compostos por siste- presas e do governo sobre seus territórios,
mas produtivos sazonais, baseados na caça, sob a forma de projetos agropecuários, ma-
na pesca, na coleta e na agricultura sustentá- deireiros, grandes obras de infraestrutura e
vel. As Terras Indígenas abrigam rica, vasta e de grandes empreendimentos extrativistas,
abundante biodiversidade, um precioso lega- especialmente de petróleo e mineração. A
do dos povos indígenas para toda a humani- presente década marca o que parece ser o
dade (OLIVEIRA, 2019). fechamento final do cerco aos povos indí-
genas da maior floresta tropical do mundo,
Na floresta, não só a vegetação se entrelaça, agora transformada na “última fronteira” da
uma espécie apoiando a outra, mas também acumulação primitiva do capital e em local
os povos se relacionam entre si em uma rede privilegiado da devastação ambiental (OLI-
de alianças que beneficia a todos e todas. A VEIRA, 2016, p. 77).
floresta vive de inter-relações e interdepen-
dência, e isso acontece em todas as dimen- É cada vez maior o número de pessoas de
sões da vida. Graças a isso, o frágil equilíbrio outras regiões do Brasil e do mundo inteiro
da Amazônia foi mantido durante séculos. que tem se preocupado em conhecer para
defender a Amazônia e seus ecossistemas.
Um estudo inédito da Rede Amazônica de Um exemplo desta adesão é a ‘Campanha
Informação Socioambiental Georreferencia- Amazoniza-te’79 promovida pela Rede Ecle-
da (RAISG) comprova que as Terras Indíge- sial Pan-Amazônica – REPAM, que tem con-
nas são essenciais para a manutenção dos seguido inúmeras adesões da sociedade ci-
estoques de carbono, que impedem que o vil, de artistas e personalidades como o Papa
aquecimento global seja ainda mais intenso75. Francisco, considerado atualmente a maior
De fato, as florestas tropicais são importantes autoridade na defesa da questão ambiental
agentes responsáveis pela regulação do cli- em nível mundial. Por ocasião do lançamento
ma e os povos indígenas são seus principais da campanha o Papa Francisco afirmou que
guardiões76. “estamos todos preocupados com os gran-
des incêndios que ocorrem na Amazônia. Re-
Os indígenas, “quando permanecem nos seus zemos, para que com o empenho de todos,
territórios, são os que melhor os cuidam dele, sejam controlados o quanto antes. Porque
desde que não se deixem enredar pelos can- aquele pulmão da floresta é vital para o nosso
tos das sereias e pelas ofertas interesseiras de planeta”.
grupos de poder”77. Mas os territórios indíge-
nas estão sendo ameaçados, em suas formas Amazoniza-te é uma convocação para defen-
tradicionais de vida, no uso e manejo do meio der a floresta amazônica, os ecossistemas em
ambiente. Em suma, os indígenas buscam o geral, lutar contra o aquecimento global, pro-
ideal de Bem-Viver que “significa compreen- teger a fauna e a flora, proteger os guardiões
der a centralidade do caráter relacional trans- das florestas, proteger os direitos dos povos
cendente dos seres humanos e da Criação, e indígenas e das comunidades tradicionais. Da
75
https://www.amazoniasocioambiental.org/pt-br/
76
Peritos e auditores brasileiros do Sínodo lançam manifesto contra o PL191/2020. Disponível em: https://repam.org.br/peritos-e-auditores-brasileiros-do-sinodo-
-lancam-manifesto-contra-o-pl191-2020/ Consultado em 04/05/2021.
Encíclica Laudato Si, 2015, n. 146
77
78
GUDYNAS, Eduardo. Buen vivir: Germinando alternativas al desarrollo. América Latina em Movimento – ALAI, Quito, n° 462, p. 1-20, fev. 2011.
79
Campanha Amazoniza-te está disponível em: https://www.amazonizate.org/
40
mesma forma, os povos indígenas têm se po- 1) vulnerabilidade dos Povos Indígenas
sicionado pela urgência da demarcação das e comunidades tradicionais à contamina-
terras indígenas e a proteção contra as inva- ção pelo novo Coronavírus (Convid-19), com
sões, antes que tudo seja desmatado. destaque para a debilidade no atendimento
e estrutura dos equipamentos públicos de
O eixo motivador da campanha amazoniza-te saúde nos estados e municípios da Amazônia,
é o enfrentamento às diversas formas de vio- aquém das condições de outras regiões do
lência contra os povos tradicionais agravadas país;
pela pandemia da Covid-19, em “uma con-
juntura onde o desmatamento e a grilagem, as 2) aceleração da destruição do bioma
queimadas, a mineração e garimpo se inten- pelo aumento descontrolado do desmata-
sificam, tornando-se agentes de proliferação mento, das queimadas, a invasão de terri-
do coronavírus nas comunidades da região tórios indígenas e das Comunidades Tradi-
amazônica” afirma a descrição da campanha. cionais pela grilagem, mineração, garimpo,
“Amazonizar-te”, foi a declaração final da As- pecuária e plantio de monoculturas, e pelos
sembleia Mundial pela Amazônia realizada efeitos das hidrelétricas sobre as populações
nos dias 17 e 18 de julho de 202071 que as- ribeirinhas;
sumiu um conjunto de ações que articulam
as lideranças dos povos e comunidades tra- 3) violação sistemática da legislação de
dicionais, a Igreja na Amazônia, os diferentes proteção ambiental e desmonte dos órgãos
organismos eclesiais, artistas e formadores de públicos, com atuação intencional do gover-
opinião, pesquisadores e cientistas. no para desregulamentar e ampliar, de forma
ilegal, a atuação das mineradoras, agronegó-
A convocatória “Amazonizar” propõe a par- cio, madeireiras e pecuaristas na região.
ticipação ativa de todo o povo em defesa da
Amazônia, seu bioma e seus povos amea- Embalada pelo neologismo do verbo ‘amazo-
çados em seus territórios. São vozes que se nizar’ a campanha dirige-se primeiramente
somam diante uma realidade de muitas vidas para dentro, ou seja, para amazonizar quem
injustiçadas, expulsas de suas terras, tortu- está fora da Amazônia, primeiramente é pre-
radas e assassinadas nos conflitos agrários ciso se deixar amazonizar que implica em
e socioambientais, vítimas de uma política conhecer, reconhecer conviver e defender a
orientada pelo agronegócio e por grandes Amazônia pela importância que ela represen-
projetos econômicos desenvolvimentistas ta para sua gente e todo o planeta. Para sua
que não respeitam os limites da natureza nem gente a Amazônia é Casa Comum, lugar de
a sua preservação. convivência e cumplicidade entre o humano
e a natureza. Para o Planeta, ela produz chu-
A campanha tem conseguido sensibilizar a vas através dos famosos “rios aéreos”72 que
opinião pública brasileira e internacional so- irrigam outras regiões do Brasil e de todo o
bre o perigo ao qual está sendo exposta a vida continente contribuindo para a regulação cli-
na Amazônia, com os territórios e as popu- mática da terra inteira. Justamente por saber
lações. O desmonte dos órgãos públicos de da importância da Amazônia para o mundo,
proteção ambiental, o desrespeito contínuo que a sociedade tem se posicionado em sua
da legislação, bem como ausência da parti- defesa e mobilizado instituições no mundo
cipação da sociedade civil nos espaços de inteiro para se somarem à luta dos povos que
regulação de controle das políticas públicas. vivem neste território tão cobiçado e amea-
Para atingir estes objetivos a campanha está çado.
estruturada em três eixos:
80
A Assembleia Mundial pela Amazônia contou com 3.098 participantes online, (https://asambleamundialamazonia.org/), representantes de diversos países, realiza-
ram a “Assembleia Mundial pela Amazônia”. Os nove países da Pan-Amazônia foram os anfitriões do evento realizado nos quatro idiomas oficiais (inglês, espanhol,
português e francês) e em mais de 80 línguas indígenas faladas na Amazônia, expressão de uma das nossas maiores riquezas culturais. Disponível em: https://
amazonasatual.com.br/a-floresta-os-indios-e-a-assembleia-mundial-pela-amazonia/. Consultado em 05/05/2021.
Antonio Nobre: O planeta está enfermo – é preciso ‘reajardiná-lo’. Entrevista de Paulina Chamorro a Antonio Nobre em fevereiro de 2021. Disponível em: https://
81
www.nationalgeographicbrasil.com/meio-ambiente/2021/01/antonio-nobre-o-planeta-esta-enfermo-e-preciso-rejardina-lo.
41
PARQUE ESTADUAL GUAJARÁ
MIRIM E RESERVA EXTRATIVISTA
ESTADUAL JACI-PARANÁ
TERRITORIOS AMEAÇADOS
Ivaneide Bandeira Cardozo82
Introdução
Mestre em Geografia e estudante de doutorado pela Universidade Federal de Rondônia, indigenista da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e membro
82
do GENTEH-UNIR.
83
O Fórum de ONGS e Movimentos Sociais era composto de 130 instituições, a que atuavam diretamente com a questão ambiental eram OSR Organização de
Serigueiros de Rondônia, Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé, Ação Ecologica Guaporé- ECOPORÉ, APARAI – Associação de Preservação Ambiental
e Recuperação de Areas Indigenas, INDIA – Instituto India Amazonia, Associação Metareilá do Povo Indígena Surui, CUNPIR – Coordenação das Organizações
Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas, PACA – Proteção Ambiental Cacoalense, MST –Movimento Sem Terra, MAB –Movimento
Atingidos por Barragens, CIMI – Conselho Indigenista Missionário, MCC – Movimento Camponês Corumbiara, Fetagro – Federação de Trabalhadores e Traba-
lhadores na Agricultura de Rondônia.
42
restas Estaduais de Rendimento Sustentado De 33 designados em 2016 para atuarem nas
e 02 Áreas de Proteção Ambiental), que são UCs apenas 3 estavam diretamente na Uni-
destinadas a preservação da biodiversida- dades, como o Diário Oficial não traz em qual
de, pesquisa científica, educação ambiental, UC foi lotado o servidor, acreditamos que isto
turismo, e no caso das de desenvolvimento seja feito intencionalmente para evitar co-
sustentável ao uso exclusivo dos extrativistas brança e dar a falsa impressão que a UC es-
(SEUC,2002). teja sendo implementada e o Governo cum-
prindo seu papel.
A gestão e implementação das UCs é respon-
sabilidade do órgão gestor a SEDAM – Se- Esta situação além de dar a falsa impressão
cretaria Estadual de Desenvolvimento Am- que a UC encontra-se protegida, favorece a
biental, que deveria ter designado servidores grilagem e a todo tipo de invasão.
para atuar direto nas áreas protegidas, no en-
tanto embora o Diário Oficial traga servido- No caso do Parque Estadual Guajará Mirim,
res lotados nas Unidades, poucos são os que no período em que o estudo – citado ante-
realmente estão lá, em documento elaborado riormente - da Kanindé foi realizado, havia um
pela Kanindé intitulado “Pressões e Ameaças servidor, ocupando a função de ‘chefe’ pre-
as Unidades de Conservação Estaduais de sente na UC, no entanto em relação a Reserva
Rondônia” publicado em 2017 poucos eram Extrativista Estadual de Jaci Paraná não havia
os que estavam nas reservas, o que demons- nenhuma informação, o que deixava claro a
trava a fragilidade e a falta de compromisso falta de compromisso do Estado com a Resex.
do Governo com essas áreas protegidas, con-
forme o Quadro I(CARDOZO, 2017).
43
Quadro I. Servidores lotados nas UCs, 2016
Item Nome Função Local de Atuação Documento
Diário Oficial Do Estado
Chefe de Divisão de
9 Miguelangelo Sardi Sem informação De Rondônia N° 132 De
Monitoramento de UC
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Geraldo Duarte Chefe da Divisão de CUC em Porto
10 De Rondônia N° 132 De
Costa Monitoramento de UC Velho
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Renato Berwanger Gerente de UCs de CUC em Porto
11 De Rondônia N° 132 De
da Silva Proteção Integral Velho
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Ceres Lopes Chefe da Divisão de CUC em Porto
12 De Rondônia N° 132 De
Custodio Pesquisa Velho
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Paulo Sergio Costa Chefe Divisão de Uso
13 Sem informação De Rondônia N° 132 De
Lima Público
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Chefe Divisão de
14 Clemair Scarmucin Sem informação De Rondônia N° 132 De
Conselhos Consultivos
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Gerente de Regularização CUC em Porto
15 Silvia Gonçalves De Rondônia N° 132 De
Fundiária de UC Velho
19.07.2016
Chefe da Divisão de Diário Oficial Do Estado
Uilliam Gastão CUC em Porto
16 Regularização Fundiária De Rondônia N° 132 De
Hoppen Lindner Velho
de UC 19.07.2016
Chefe de Divisão de Diário Oficial Do Estado
CUC em Porto
17 Celi Arruda Lisboa Regularização Fundiária De Rondônia N° 132 De
Velho
de UC 19.07.2016
Chefe de Reservas
Diário Oficial Do Estado
Francisco Silva Extrativistas (Resex) Atua no interior da
18 De Rondônia N° 132 De
Eleoterio dos Santos Cautário-Curralinho- Resex do Cautário
19.07.2016
Pedras Negras
Chefe Resex Rio Preto Diário Oficial Do Estado
Luis Antonio
19 Jacundá-Rio-Machado Sem informação De Rondônia N° 132 De
Moncelin
Anari -FERS Cujubim 19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Evanilson Marinho Chefe da Resex Jaci-
20 Sem informação De Rondônia N° 132 De
Feitosa Paraná
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Rosinete Ferreira Chefe Resex Pacaás Atua no interior da
21 De Rondônia N° 132 De
Lins da Silva Novos Resex
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Gerfson Rodrigues
22 Chefe da FERS Cujubim Sem informação De Rondônia N° 132 De
da Silva
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Chefe da FERS Rio
23 Eliwinte Shockness Sem informação De Rondônia N° 132 De
Machado
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Ary Pinheiro Chefe da FERS Porto
24 Sem informação De Rondônia N° 132 De
Borzacov Velho-APAS
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Manoel Arnaldo Dias Chefe APA Rio Madeira-
25 Sem informação De Rondônia N° 132 De
Magalhães Rio Vermelho
19.07.2016
44
Quadro I. Servidores lotados nas UCs, 2016
Item Nome Função Local de Atuação Documento
Diário Oficial Do Estado
Peregrino Felix
26 Chefe da APA Rio Pardo Sem informação De Rondônia N° 132 De
Pinheiro Monteiro
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Raimundo Dima
27 Chefe Parque Corumbiara Fica na UC De Rondônia N° 132 De
Lima
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Chefe Parque Guajará
28 Elciney de Brito Silva Fica na UC De Rondônia N° 132 De
Mirim
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Ronan Rodrigues Chefe Parque Serra dos
29 Sem informação De Rondônia N° 132 De
Reis Reis
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Jose Evaldo de
30 Chefe ESEC Três Irmãos Sem informação De Rondônia N° 132 De
Castro Pedraça
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Ana Maria de
31 Chefe ESEC Samuel Sem informação De Rondônia N° 132 De
Macedo
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Guilherme Carlos Chefe da Rebio Ouro
32 Sem informação De Rondônia N° 132 De
Azzi Paes Preto
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
33 Jose Leite Ferreira Chefe da Rebio Traçadal Sem informação De Rondônia N° 132 De
19.07.2016
Fonte: Kanindé, 2017.
* Falta de servidores atuando direto nas * Falta de ação do órgão gestor para re-
Resex; tirar invasores e gado do interior das UCS;
* As Resex não têm suas áreas regula- * Dificuldade de ser feito o controle so-
rizadas, as terras ainda pertencem a UNIÃO cial e a gestão pelos extrativistas, já que mui-
e a demarcação de suas fronteiras não torna tas não tem conselho e quando tem não fun-
claro seus limites; cionam.
45
PARQUES, ESTAÇÃO ECOLÓGICA E Reserva Extrativista Estadual
RESERVA BIOLÓGICA de Jaci –Paraná e as tentativas
de desafetação da UC.
O estado de Rondônia tem sobre sua gestão
08 (oito) Parques 02 Reservas Biológicas, Criada em 17 de janeiro de 1996 pelo Decre-
03(três) Parques e 02(duas) Estação Ecológia to n°7335 a Reserva Extrativista Estadual de
que são: Jaci-Paraná com uma área de 197.364 hec-
tares localizadas nos municípios de Porto Ve-
* Reserva Biológica Rio Ouro Preto lho e Nova Mamoré no Estado de Rondônia.
* Reserva Biologica do Traçadal; Desde sua criação a Resex sofre pressão para
sua desafetação por vários interesses econô-
* Parque Estadual Guajará Mirim; micos e políticos contrários a conservação da
UC.
* Parque Estadual Serra dos Reis;
Em 27 de dezembro de 1996 a Resex so-
* Parque Estadual Corumbiara; fre sua primeira redução quando pela Lei
692 são definidos os limites da Resex com
* Estação Ecológica de Samuel; 191.324,311 reduzindo 6.040 hectares.
* Estação Ecológica Serra dos Três Ir- Para dar vazão ao lago da Hidrelétrica de
mãos Santo Antonio no rio Madeira, em uma ne-
gociação com o Governo Federal a UC so-
As principais ameaças e pressões nas UCs fre uma nova alteração dos limites conforme
são: a Lei Complementar 633 de 13 de setembro
de 2011 passando a ter 197.364,1225 hecta-
* Grilagem, roubo de madeira, desma- res, voltado o tamanho original no Decreto de
tamento, pastagem, queimadas, pesca, gado criação.
ilegal, trafico de drogas,
A Lei Complementar em seu caput 7° propõe
* Garimpo ilegal; a redução de 2.240,2638 hectares, porém no
seu Art. 8° traz de volta o tamanho original do
* Falta servidor atuando diretamente na Decreto n° 7335.
UC;
A SEDAM em 16 de janeiro de 2014 emite a
* Falta recursos e equipamentos apro- Portaria n° 001/GAB/SEDAM publicada no
priados para a gestão das UCs; DOE n° 2683 de 20 de janeiro de 2014.
47
em 02/05/2016 o Tribunal de Justiça de Em 06 anos desde a edição da Portaria n°
Rondônia julga o processo 0003755- 001/GAB/SEDAM de 16/01/2014 não houve
58.2014.822.0000 e por unanimidade de- a retirada do gado, que triplicou a quantidade
cide pela procedência do pedido e declaram de cabeças de gado, aumentando de 44 mil
inconstitucional os Decretos Legislativos N. para 120 mil sem que os governos tivessem
506/14,507/14 e 509/14 que extinguiam a tomado nenhuma atitude para retirada des-
Resex (https://www.tjro.jus.br/apsg/pages/ ses animais.
DocumentoInteiroTeor.xhtml acessado em
24/05/2021) É evidente a intenção de justificar a diminui-
ção da Resex para beneficiar os grileiros, le-
Na legislatura de 2015-2019 há uma renova- galizando o crime de invasão de terras públi-
ção na ALE parte dos deputados desde a pri- cas.
meira investida da Assembleia Legislativa em
2014 para extinguir a Resex do Jaci-Paraná Em 20/04/2021 os deputados por una-
não se elegem e apenas 9 (nove) conseguem nimidade aprovam o PL 080 reduzindo a
se reeleger, mas a sanha para acabar com as Resex em 174.875,7263 hectares deixando
Unidades de Conservação permanece, e os conforme a Lei Complementar n° 1089 de
deputados eleitos e reeleitos aprovam a Lei 20/05/2021 sancionada pelo Governador
Complementar N°. 974 e o Governador Da- Marcos Rocha apenas 22.487,818 hectares
niel Pereira sanciona em de 16 de abril de que trata da mata ciliar e reserva legal, des-
2018 trazendo uma incoerência no texto, já truindo quase que completamente a UC e
que o Art.7° propõe a redução em 2.707,2538 deixando os extrativista sem ter como produ-
hectares, no entanto no Art.8° restabelecem zir em seu interior.
o tamanho original proposto pelo Decreto n°
7335 que é de 197.363,5443 hectares. § 1° A Reserva extrativista Jaci-Para-
ná localizada nos Municípios de Porto
Velho, Buritis e Nova Mamoré criada
As eleições para o pleito do período de 2019- pelo Decreto n° 7.335, de17 de janeiro
2023 também trazem mudanças na ALE, dos de 1996, terá a área disposta no art.1°
27 ocupantes das cadeiras, apenas 13 depu- acrescida da desafetação do restan-
tados são reeleitos, inclusive os que anterior- te já antropizada, restando apenas o
corredor ecológico ás margens do Rio
mente haviam votado pela desafetação da Jaci e Rio Branco e passará a terá área
Resex. remanescente de 22.487,818 hectares,
com os limites e confrontações cons-
A Mensagem 204 de 08/09/2020 enviada tantes do Anexo I e mapa do Anexo II
pelo Governador Marcos Rocha, justifica a da presente Lei.
diminuição da área da Resex dizendo:
Parque Estadual Guajará Mirim e as
Destaco, que atualmente, estima-se constantes reduções de limites
que existam cerca de 120 mil cabeças
de gado no interior da Reserva Extra-
O Parque Estadual Guajará Mirim foi criado
tivista Jaci-Paraná, sem qualquer li-
cenciamento ambiental ou autorização pelo Decreto 4.575 23 de março de1990 com
para supressão de vegetação nativa, o uma área de 258.813 hectares, a primeira al-
que impossibilita a regeneração natural teração veio com a Lei 700 de 27/12/1996
da Reserva, em razão do alto grau de que reduz em 51.664,734 hectares passan-
compactação do solo ocasionado pela
do o Parque a ter uma área de 200.891,00
carga excessiva de animais, ou seja, a
área em questão já se encontra com hectares.
o seu banco de sementes significati-
vamente comprometido, tornando ex- Nova alteração é feita em 12 de dezembro de
tremamente improvável a regeneração 2002 que aumenta a área da UC em 15.676,
natural da sua vegetação nativa.
6764 pela Lei n° 1146 de 12/12/2002 publi-
cada no DOE n° 5131, de 18/12/2002 passan-
do a UC a ter 216.567,6764 hectares.
48
Em 08/09/2020 o Governador Marcos Ro-
cha envia a Mensagem 204 propondo uma
redução dos limites do Parque Estadual Gua-
jará Mirim e assim como no caso da Resex
Jaci-Paraná justifica o fato de haver gado
dentro da UC, buscando novamente tornar
legal o crime da grilagem.
49
CONSIDERAÇÕES
No dia 06/05/2021 protocolaram uma carta
na casa civil solicitando ao Governador que
vetasse o PLC 80 e entregam ao Ministério
Em 01/12/2020 lançaram a Nota” NENHUM O MPE entrou com ADIN – Ação Direta de
HECTARE A MENOS!” onde denunciam a Inconstitucionalidade em 24/05/2021 ale-
proposta do Governador e dos deputados gando que a Lei fere a Constituição Federal, o
em desafetar as Unidades de Conservação princípio da Prevenção e Precaução, falta de
(https://cimi.org.br/2020/12/em-rondonia- estudos técnicos entre outras arbitrariedades.
-organizacoes-se-manifestam-contra-redu-
cao-de-unidades-de-conservacao-a-favor- Resta a sociedade brasileira em especial a
-de-grileiros-e-desmatadores/ acessado em rondoniense que o Ministério Público Esta-
24/05/2021). dual declare a inconstitucionalidade da Lei
1089 e salvaguarde os direitos ambientais e
não se permita transformar crime ambiental
em um ato legal.
50
REFERÊNCIAS
CARDOZO et al. Ivaneide Bandeira. Pressões e Ameaças nas unidades de conservação esta-
duais de Rondônia. Organização Ivaneide Bandeira Cardozo (et al).São Paulo: ISA – Instituto
Socioambiental; Porto Velho,RO: kanindé Associação de Defesa Etnoambiental. Editora Câmara
Brasileira do Livro, SP, Brasil, 2017.
SEUC. Decreto lein° 1.144, de 12 de dezembro de 2002. Dispõe sobre o Sistema Estadual de
Unidades de Conservação da Natureza de Rondônia- Seuc/RO e dá outras providencias. Dis-
ponível em : http://isa.to/2vAkAOy
51
ÁREAS PROTEGIDAS
DE RONDÔNIA EM PERIGO
A LUTA DOS POVOS DA FLORESTA NA
DEFESA DOS SEUS TERRITÓRIOS