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ÁREAS PROTEGIDAS

DE RONDÔNIA EM PERIGO
A LUTA DOS POVOS DA FLORESTA NA
DEFESA DOS SEUS TERRITÓRIOS
Foto: Gabriel Uchida
Organização

Ivaneide Bandeira Cardozo


Thamyres Mesquita Ribeiro

Diagramação

Roger Ribeiro dos Santos Lopes

Parceiros

GRUPO DE PESQUISA EM GESTÃO DO TERRITÓRIO E GEOGRAFIA AGRÁRIA


DA AMAZÔNIA - GTGA/UNIR

GRUPO DE PESQUISA TERRITORIALIDADES E IMAGINÁRIOS NA AMAZÔNIA


– TERRIAMA/UNIR

GRUPO DE PESQUISA - Direito, Território & Amazônia -DITERRA/UNIR

MISEREOR

OUVIDORIA GERAL EXTERNA DA DEFENSORIA PÚBLICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - PPGG/UNIR

©2021. Equipe de Conservação da Amazônia


Qualquer parte desta obra poderá ser reproduzida, desde que citada a fonte.

FICHA CATALOGRÁFICA
A678
Áreas protegidas de Rondônia em perigo: a luta dos povos da floresta na defesa
dos seus territórios. Organizadores: Comissão Pastoral da Terra Rondônia –
CPT/RO, Associação de Defesa Etnoambiental - KANINDÉ – Brasília : ECAM, 2021.

71 p. : il.

ISBN: (versão digital)

1. Proteção de áreas indígenas. 2. Povos indígenas. 3. Desmatamento.


4. Floresta Amazônica brasileira. I. Título.
CDU: 502/504(811.1)
SUMÁRIO
O AGRONEGÓCIO QUE
04 PRESSIONA AS FLORESTAS
DE RONDÔNIA

RONDÔNIA, DA CRIAÇÃO DO ZONEAMENTO


SOCIOECONÔMICO-ECOLÓGICO À ALTERAÇÃO
08 DAS ÁREAS DESTINADAS À PROTEÇÃO
FLORESTAL: UM RÁPIDO HISTÓRICO

TERRITÓRIOS PROTEGIDOS AMEAÇADOS:


14 RESEX JACI-PARANÁ E T.I. KARIPUNAS E P.E.
GUAJARÁ-MIRIM

RETROCESSOS AMBIENTAIS E OS RISCOS


28 DA MINERAÇÃO EM ÁREAS PROTEGIDAS EM
RONDÔNIA

DESMATAMENTO EM
32 ÁREAS PROTEGIDAS

A SOCIEDADE EM DEFESA
38 DA AMAZÔNIA

PARQUE ESTADUAL GUAJARÁ MIRIM E RESERVA


42 EXTRATIVISTA ESTADUAL JACI-PARANÁ
TERRITORIOS AMEAÇADOS
O AGRONEGÓCIO QUE PRESSIONA AS
FLORESTAS DE RONDÔNIA Ricardo Gilson da Costa Silva*

A modernização econômica da Amazônia, Cresce a Pecuária,


iniciada com a abertura da floresta na ditadu- Aumenta o Desmatamento
ra militar (1964-1985), tem apresentado um
custo socioambiental muito alto para o bioma Desde a década de 1970 a pecuária vem cres-
amazônico, povos indígenas e comunidades cendo em Rondônia. Segundo os dados do
tradicionais. Desde os grandes projetos de IBGE, em 1970 o estado apresentou 41.030
infraestrutura (hidrelétricas, polos minerais, bovinos, em 1980 esse dado foi de 250.286,
polos agropecuário, portos e estradas) às po- cresceu para 1.718.697 em 1990, saltando
líticas de colonização agrícola, todo o sistema para 5.664.320 em 2000 e 14.349.219 de
territorial fomentou a expansão da fronteira, bovinos em 2019. Durante esse período, a
que em termos gerais significou a subtração pecuária multiplicou 350 vezes, alcançan-
da floresta para dar espaço às pastagens, do todos os 52 municípios rondonienses. As
agricultura, mineração e outras formas de patas do boi abriram caminhos em todas as
economias extrativas. regiões de Rondônia, e o impacto mais ime-
diato está na ampliação do desmatamento.
Em Rondônia, esse processo resultou em dois
grandes impactos estruturantes na sua geo- Os problemas ambientais decorrentes da pe-
grafia regional. No primeiro, deslocou-se o cuária atingiram a massa florestal, de modo
eixo da configuração territorial das margens que o desmatamento pouco a pouco se tor-
dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé presen- nou a imagem da amazônia degradada. Se,
te até 1970, quando Porto Velho e Guajará- por um lado, a pecuária representa o segun-
-Mirim formavam a pequena rede urbana com do produto de exportação do estado, com a
diversos vilarejos, para o interior da floresta, cadeia de carnes cada vez mais ampliada e
no eixo rodoviário BR-364. O deslocamento globalizada, por outro, o desmatamento cres-
espacial se realizou com a abertura da mas- ceu e se deslocou para novas regiões rondo-
sa florestal pelo governo federal, implantando niense. Em 1991, a área desflorestada repre-
projetos de colonização, formação de cida- sentava 14% (34.600 km2), resultado de duas
des e expansão urbana. No segundo impacto, décadas de colonização, expansão agrope-
ocorreu uma alteração na lógica econômica cuária e exploração madeira. Passados 28
regional, quando o extrativismo foi substi- anos, o estado de Rondônia já atingiu 39,47%
tuído pela agropecuária, mercado de terras (96.786 km2) de área desmatada (2019), do-
e exploração madeireira. Os efeitos desses brando o impacto ambiental florestal, mesmo
processos se revelaram em vários aspectos, com a realização de duas aproximações do
ressaltando o crescimento do rebanho bovi- Zoneamento Socioeconômico - Ecológico do
no, deslocamento da fronteira interna e, mais Estado de Rondônia – ZSEE, que entre ou-
recentemente, agronegócios dos grãos, que tros objetivos consta a preservação ambiental
potencializaram o desmatamento¹ . e a proteção das florestas.

*Professor da Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP).
¹COSTA SILVA, R. G; LIMA, L. A. P; CONCEIÇÃO, F. S. (Orgs). Amazônia: dinâmicas agrárias e territoriais contemporâneas. São Carlos: Editora Pedro & João, 2018.
337p. Disponível em: http://www.gtga.unir.br/pagina/exibir/9501

4
Figura 01 - Pesquisa da Pecuária Municipal (2020)²
Fonte: IBGE

Soja, que aumenta o preço da


terra, faz expandir a fronteira
denaram a produção e a circulação da mer-
em Rondônia
cadoria no sul rondoniense.
Dentre os vetores da globalização que forte-
mente permeiam o território brasileiro neste Regionalização da soja em
início de século XXI, certamente maior des- Rondônia (2017)
taque se deve à produção de commodities.
Essas novas mercadorias invadiram definiti- Em termos de produção e área plantada, em
vamente o espaço agrário em todas as regi- duas décadas houve um significativo cresci-
ões, modificando as configurações geográfi- mento da soja: a área plantada saiu de 7.892
cas locais e regionais subvertendo, assim, as para 278.533 hectares (ha) e a produção
lógicas locais aos fluxos globais. cresceu de 15.791 para 908.702 toneladas
no período de 1998/2017, o que representa
Em Rondônia, a soja vai produzir a sua região, a multiplicação na ordem de 35 vezes para
concentrando a produção no sul do estado. a área e 58 vezes para a produção. Para o
Nota-se que em 1998 somente cinco (05) crescimento da soja, a logística de transpor-
municípios participavam da produção sojei- tes é condição necessária à fluidez territorial
ra. Duas décadas depois, o espaço desta co- da mercadoria. A Hidrovia Madeira-Amazo-
modity amplia-se para 32 dos 52 municípios nas, com os portos da Hermasa/Maggi e Car-
rondonienses, o que serve como indicador gill, permitiu o fluxo da soja de Rondônia e
tanto da regionalização consolidada quanto do oeste do Mato Grosso pelo rio Madeira, li-
da constituição de novas fronteiras. A regio- gando os portos de Porto Velho (RO) à Itaco-
nalização do agronegócio sojeiro foi o pri- atiara (AM), no trecho de 1.015 km (porto da
meiro processo geográfico de diferenciação Maggi), e à Santarém (PA), no trecho de 1.603
do espaço agrário rondoniense. Com a con- km (porto da Cargill), locais onde se fazem o
centração dos grãos (soja e milho) formou-se transbordo para grandes navios que seguem
um espaço coorporativo, principalmente da ao mercado internacional.
Amaggi (empresa do grupo Maggi) e Cargill,
que juntas induziram, normatizaram e coor-

²Informamos que todos os dados acessados do IBGE foram realizados na plataforma SIDRA. Fonte: IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sidra: Sistema
IBGE de recuperação automática. Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/home/pmc/brasil

5
Figura 02 - Regionalização da soja em Rondônia (2017)
Fontes: IBGE (2019); Costa Silva; Michalski (2020).³

Os impactos territoriais do agronegócio da


soja foram ampliados em Rondônia. Deve-
-se destacar o deslocamento da pecuária do saindo de 3.888,30 km2 (11,23% de desma-
centro-sul para o norte rondoniense (muni- tamento) passou a 10.199,60 km2 (29,45%)
cípios de Porto Velho, Nova Mamoré, Buri- de desmatamento, cuja taxa de variação foi
tis, Ariquemes, Alto Paraiso, Itapuã do Oeste, na ordem 162,32%. Nesse período, Porto Ve-
dentre outros), regiões que em duas décadas lho passou a compor a relação anual dos mu-
se verificou o crescimento da pecuária e do nicípios da Amazônia Legal que contribuíram
desmatamento. A soja empurrou a pecuá- no incremento do desflorestamento. Os da-
ria do sul para o norte rondoniense, para o dos indicam que 62% do desmatamento em
interior da floresta e das Unidades de Con- Porto Velho ocorreu no recente período de
servação, a exemplo da Resex Jacy-Paraná e expansão da fronteira agrícola em Rondônia.
Flona Bom Futuro, as duas Áreas Protegidas
A passividade do Estado (governos de Ron-
mais destruídas em Rondônia pela pressão do
dônia, Federal e suas agências de gestão am-
agronegócio.
biental e territorial) proporcionou esse pro-
Desde o ano 2000, o processo de desma- cesso devastador. O exemplo mais concreto
tamento se tornou mais intenso no município dessa “passividade” em conter a pressão das
de Porto Velho, o que configurou a região de atividades madeireira e agropecuária em Áre-
União Bandeirantes como a mais expressiva as Protegidas foram as invasões que termina-
expansão da fronteira agrícola em Rondônia. ram com a redução de 65% da área original
No período de 2000 a 2018, o desmatamen- da FLONA do Bom Futuro.
to avançou vertiginosamente em Porto Velho,

³COSTA SILVA, R. G; MICHALSKI, A. A caminho do Norte: cartografia dos impactos territoriais do agronegócio em Rondônia (Amazônia ocidental). Confins, n. 45,
p. 1-22, Paris, 2020. Disponível em: https://journals.openedition.org/confins/28017

6
Figura 03 - Norte de Rondônia, região de União Bandeirantes, pressão nas Áreas Protegidas (2018)
Fontes: Costa Silva; Michalski, 2020.

No norte rondoniense, essas Áreas Protegidas


apresentam as seguintes situações: a RESEX
Jacy-Paraná está com 49% da área desma- O crescimento do agronegócio deslocou as
tada, totalmente pressionada com invasões, frentes de desmatamento para os limites e,
sobretudo de pecuaristas/fazendeiros. Trata- mesmo, dentro das Áreas Protegidas, acele-
-se de uma Unidade de Conservação muito rando as invasões nos territórios protegidos,
fragilizada, inclusive com expulsão dos serin- que atingem tanto a preservação da floresta,
gueiros; a Terra Indígena Karipuna sofre nos quanto os territórios dos povos indígenas e
últimos três anos com frequente invasões, comunidades tradicionais amazônicas.
roubo de madeiras e tentativas de grilagem
de terra4.

4
COSTA SILVA, R. G; MICHALSKI, A; SOUZA, L. I. T; LIMA, L. A. P. Frontera, derechos humanos y territorios tradicionales em Rondônia (Amazonia Brasileña). Revista
de Geografia Norte Grande, n.° 77, p. 253 - 271, 2020. Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/pdf/rgeong/n77/0718-3402-rgeong-77-253.pdf

7
RONDÔNIA, DA CRIAÇÃO DO ZONEA-
MENTO SOCIOECONÔMICO-ECOLÓGICO
À ALTERAÇÃO DAS ÁREAS DESTINADAS
À PROTEÇÃO FLORESTAL: UM RÁPIDO
HISTÓRICO
Luciana Riça Mourão Borges5
Ravele da Silva Santana6
nistas e conservacionistas, pela proteção das
florestas e seus povos tradicionais (indígenas,
“Que desenho, que zoneamento, que eixos fi- ribeirinhos, quilombolas, extrativistas).
zeram ou fazem os vários planejamentos go-
vernamentais destas três últimas décadas?”. Numa tentativa de barrar o avanço do des-
Essa pergunta foi feita por Mello e Théry matamento na região amazônica, as primei-
(2001, p. 188)7, referindo-se ao período entre ras discussões e propostas acerca do Zonea-
1980 e os anos 2000, ao discutirem sobre as mento Ecológico-Econômico foram feitas por
estratégias estatais através de seus programas diferentes profissionais/pesquisadores, em
e projetos, os agentes envolvidos, as novas conjunto com gestores do Brasil, os países
concepções desenvolvimentistas e as novas doadores de fundos monetários ambientais e
configurações territoriais decorrentes disso, comunidades/instituições amazônidas locais.
principalmente na região amazônica. Esses agentes possuíam visões conservacio-
nistas distintas, o que ocasionou num proces-
Vivenciamos atualmente, mais ou menos vin- so de elaboração controverso, bem como na
te anos depois dessa frase, um novo momen- execução de forma diferenciada nos estados
to de transição florestal decorrente do largo amazônicos. Dessa forma, a proposta de Zo-
avanço das atividades produtivas sobre ter- neamento da Amazônia foi incorporada ao
ritórios protegidos, como é o caso das Uni- Programa Piloto para a Proteção das Flores-
dades de Conservação e Terras Indígenas no tas Tropicais do Brasil (PPG-7)8, no início dos
estado de Rondônia. O avanço da fronteira anos 1990. Como os programas governa-
agrícola se sobressai frente a um clamor de mentais anteriores desmataram boa parte da
diversas frentes ambientalistas, preservacio-

5
Geógrafa, docente no Departamento Acadêmico de Ciências da Educação da Universidade Federal de Rondônia, Campus de Guajará-Mirim. E-mail: luciana.
borges@unir.br.
6
Geógrafo, Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Rondônia, Campus de Porto Velho. E-mail: ravelesantana@gmail.
com.
7
MELLO, N. A. de.; THÉRY, H. A Armadura do Espaço Amazônico: eixos e zoneamentos. In: ALCEU, v.1, n.2, pg. 181-214, jan/jul 2001. Disponível em http://revistaal-
ceu-acervo.com.puc-rio.br/media/alceu_n2_Mello%20e% 20Thery.pdf. Acesso em 31 de março de 2021.
8
Proposta criada através do grupo das sete nações estrangeiras mais ricas do mundo, à época, mediadas pelo Banco Mundial, para um Programa Piloto que aten-
desse às demandas de conservação ambiental. Tratava-se de interesses de vários agentes diferentes sobre um mesmo espaço. Dessa forma, os países do G-7
propuseram que sua participação financeira resultasse num programa amplo em cooperação com o governo brasileiro para a conservação das florestas tropicais
(MELLO, 2006).

8
pansão; b) de consolidação da economia e
do desenvolvimento; c) áreas consideradas
frágeis e destinadas à conservação e preser-
vação, estrito senso; d) e áreas destinadas à
recuperação; ii) Governo Alemão: O Zonea-
mento deveria servir exclusivamente para a
floresta tropical do Brasil, com financiamento identificação de áreas de preservação, desti-
do Banco Mundial, houve uma tentativa de nadas ao estabelecimento de UCs; iii) Gover-
se reverter esse cenário através de um novo no do Reino Unido: Dava assistência técnica
programa que resultaria, desta vez, na criação para alguns estados da Amazônia. O Zonea-
de Unidades de Conservação. mento teria que ser participativo, e envolver
mecanismos para satisfazer os anseios de de-
O Zoneamento Socioeconômico-Ecológico senvolvimento de cada comunidade; iv) Esta-
de Rondônia (ZSEE-RO) foi primeiramente dos amazônicos: Deveria servir a um extenso
discutido e submetido ao Plano Agropecuário leque de abordagens. Para alguns estados, o
e Florestal de Rondônia (Planafloro), por sua Zoneamento em nada modificaria as tendên-
vez vinculado ao PPG-7, o qual foi pensando cias de ocupação e de desenvolvimento já
num âmbito de propostas que se adequas- apresentadas em suas regiões; para outros, a
sem às diferentes questões problemáticas expectativa de uso efetivo no planejamento e
ocorridas até então, sobretudo as ambien- na determinação dos usos de seus territórios.
tais. O Banco Mundial então estabeleceu ao
Governo que era necessária a criação deste Assim, o ZSEE-RO foi discutido em Rondô-
Zoneamento. Era preciso um novo modelo nia enquanto estratégia para reverter os pro-
de desenvolvimento que tivesse “aprendido” blemas sociais e ambientais causados pela
com os erros cometidos anteriormente, e que expansão desordenada da fronteira agrícola.
serviria como uma forma inovadora de in- Tinha como objetivo detalhar e classificar o
corporar as questões ambientais e as sociais conhecimento sobre os meios físico, biológi-
num mesmo patamar de planejamento e ges- co e socioeconômico do estado de Rondônia
tão (MELLO, 2006)9. (RONDÔNIA, 200211, 200712 ).

Temos, então, os seguintes agentes com suas


diferentes visões para a formulação do Zone-
amento, demonstrando certa polêmica e a ta-
manha complexidade, ainda que expressasse
a delicada situação das florestas brasileiras
frente ao avanço da fronteira agrícola e das
grandes corporações industriais, sobretudo
na Amazônia, a saber10: i) Governo Federal:
O ZEE representava a possibilidade de iden-
tificação dos quatro tipos de áreas: a) de ex-

9
MELLO, N. A. de. Políticas Territoriais na Amazônia. São Paulo: Annablume, 2006.
10
Fonte: Retirado e adaptado de Mello (2006, p. 163).
11
RONDÔNIA. Zoneamento Socioeconômico-Ecológico do Estado de Rondônia. Cartilha. Porto Velho, Rondônia: PLANAFLORO, 2002.
RONDÔNIA. Zoneamento Socioeconômico-Ecológico do Estado de Rondônia: Um instrumento de Gestão Ambiental a Serviço do Desenvolvimento Sustentável
12

de Rondônia. Porto Velho: SEDAM, 2007.

9
Figura 01 - Primeira aproximação do ZSEE-RO
Fontes: SEDAM, 2020.

Submetido ao Planafloro, o Zoneamento (Fi-


gura 01) materializou a nova concepção ado-
tada pela política de gestão do território em Rondônia, segundo o Zoneamento Sócio-E-
Rondônia durante a década de 1990. Sen- conômico Ecológico (sic) de Rondônia [...]”
do sua ferramenta básica dentro da principal e sua primeira aproximação (RONDÔNIA,
estratégia de ação política, o ZSEE imprimiu 198813 , 199014).
a característica que direciona as ideias hoje
veiculadas como o desenvolvimento susten- A segunda aproximação do ZSEE-RO (Figura
tável. Daí a inserção do ecológico dentro do 02) foi instituída pela Lei Complementar n°.
social e econômico. 233, de 06 de junho de 2000, e classifica
o estado de Rondônia em Zonas e Subzonas,
Com o objetivo de “harmonizar” as ações hu- as quais foram definidas para a realização de
manas com o ritmo dos ecossistemas, as sub- planejamento e ações a serem executadas,
zonas foram estabelecidas dentro do Decreto nesse caso as próprias políticas públicas, pe-
n°. 3782, de junho de 1988, que “[...] define a los setores públicos e privados.
política de ordenamento ambiental para ocu-
pação racional das terras rurais do Estado de

RONDÔNIA. Decreto N°. 3782 de 14 de junho de 1988. Define a política de ordenamento ambiental para a ocupação racional das terras rurais do Estado de
13

Rondônia, segundo o Zoneamento Socioeconômico-Ecológico de Rondônia e dá outras providências. In: RONDÔNIA. PLANAFLORO. Cartilha. Rondônia: Seção de
Arquivos da Biblioteca do PLANAFLORO da Secretaria do Estado de Rondônia, 1990.
14
RONDÔNIA. PLANAFLORO. Cartilha. Rondônia: Seção de Arquivos da Biblioteca do PLANAFLORO da Secretaria do Estado de Rondônia, 1990.

10
Figura 02 - Segunda aproximação do ZSEE-RO
Fontes: SEDAM, 2020. IBGE, 2010.

Entretanto, Rondônia ainda consegue ser um ca espacial intensa em que o Estado se en-
estado pioneiro no estabelecimento do ZSEE contra, deveria haver maior rigor na atuação
como uma, até aquele momento, possível po- do próprio poder público, bem como no es-
lítica pública eficiente de ordenamento terri- tabelecimento de critérios na seleção das Zo-
torial em relação aos outros estados do país nas e Subzonas, e na própria fiscalização em
(RONDÔNIA, 200215). O que seria um mo- áreas de usos especiais e áreas institucionais.
delo de aplicação de uma política de gestão
do território se torna um fracasso em âmbito Em 2004, o então Governador sancionou a
estadual. Ou seja, o fato de o estado ser pio- Lei Complementar n°. 308, a qual modifica
neiro em uma medida de zoneamento pode duas áreas do zoneamento, sendo uma de-
estar equivocado se a realidade for analisada, las sob a Zona 2 para Zona 1, adaptando o
diante da intensa utilização da terra e dos re- uso que já havia apenas no âmbito da legis-
cursos naturais, com incorporação de novas lação (RONDÔNIA, 200416 ). Falamos da área
áreas, de forma até mais intensa que na épo- de União Bandeirantes, próxima ao distrito de
ca dos outros ciclos econômicos. Jaci-Paraná, onde se constrói a usina de Ji-
rau. De acordo com a Lei do Zoneamento, a
O Zoneamento é um instrumento extrema- Zona 2 é específica para áreas de vegetação
mente importante, mas, diante dessa dinâmi- endêmica, para conservação e criação de

15
RONDÔNIA. Zoneamento Socioeconômico-Ecológico do Estado de Rondônia. Cartilha. Porto Velho, Rondônia: PLANAFLORO, 2002.
16
RONDÔNIA. Lei Complementar n°. 308 de 09 de novembro de 2004. Disponível em https://sapl.al.ro.leg.br/ norma/441. Acesso em 05 de abril de 2021.

11
áreas de proteção. Já a Zona 1 compõe uma
área convertida, com atividades de agricultu-
ra, familiar ou não, e agropecuária.
de conservação, além de ações dirigidas com
comissões junto a comunidades locais e à
Em 2005, por meio da Lei Comple-
própria Secretaria de Desenvolvimento Am-
mentar n°. 312, de 6 de maio, o então Gover-
biental de Rondônia (Sedam-RO). Trata-se
nador Ivo Cassol, no uso de suas atribuições,
de um instrumento que poderia ser eficien-
revogou a Lei Complementar que estabelecia
te no âmbito do planejamento, ordenamento
a segunda aproximação do Zoneamento, re-
e gestão territorial. Porém, observamos que
alizando alterações que beneficiaram os pro-
o ZSEE-RO é insuficiente para estabelecer
prietários de terra. De modo geral, para fins
nova política de controle de uso da terra e
de recomposição florestal, a Reserva Legal
do desmatamento. Enquanto metodologia, os
deve estar entre o mínimo de 50% da pro-
dados obtidos nos estudos ambientais e so-
priedade (RONDÔNIA, 200517). Isso significa
ciais, no estabelecimento de áreas protegidas
que o rigor da conservação se fragiliza, em
e formas de uso do solo também se mostram
benefício da produção agropecuária e con-
insuficientes em função de uma não repre-
versão da floresta.
sentação da realidade observada nas áreas
que deveriam ser protegidas. Não há como
Ao ser estabelecido o ZSEE, em tese as di-
conservar uma área que já se encontra de-
retrizes deveriam expressar a preocupação
gradada, pois os limites e normas das zonas e
em como distribuir as Subzonas de acordo
subzonas estabelecidas não são respeitados
com o grau de utilização ou degradação da
pelos proprietários de terras. Eis a contradi-
terra. Ora, seria difícil regularizar uma pro-
ção da gestão pública de terras e da floresta.
priedade cujo dono deveria preservar 50%
de uma área já praticamente toda ausente
Na Figura 03, podemos notar que houve um
de cobertura vegetal. Isso ocorre, pois, nos
pico de altíssimo desmatamento entre 1988
tempos de Polonoroeste18 um colono deveria,
e 2007. Isso se deu pela intensa abertura de
logo de início, desmatar 50% da área garan-
latifúndios e pelo momento em que o esta-
tindo sua ocupação, tomada de posse sobre
do começou a produzir grãos em larga escala
sua terra de fato e a documentação junto ao
(soja e milho, principalmente), além das gran-
órgão público (regra estabelecida pelo Incra
des pastagens. Notamos também que poste-
na época). Desse modo, a política ambiental
riormente houve, de fato, uma queda brusca
iria daí em diante enfrentar uma pesada tare-
no desmatamento, sobretudo entre 2009 e
fa de mudança de concepção de desenvolvi-
2010. Entretanto, analisando de modo mais
mento, devido ao que era realizado até então
detalhado, veremos que o desmatamento foi
não levar em conta a conservação, tampouco
reduzido em algumas áreas, mas em outras
a preservação ambiental.
ele aumentou significativamente, sobretudo
nas bordas das áreas protegidas, como é pos-
Nos dias atuais, poderíamos vislumbrar re-
sível verificar no mapa inserido na imagem.
sultados positivos decorrentes da implemen-
tação do Zoneamento, tais como o controle
do desmatamento e a delimitação de áreas

RONDÔNIA. Lei Complementar n°. 312 de 06 de maio de 2005. Disponível em https://sapl.al.ro.leg.br/norma /445. Acesso em 05 de junho de 2012.
17

O Polonoroeste (Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil) foi implementado no início da década de 1980, visando destinar terras da região
18

Amazônica para fins de colonização e reforma agrária, e que provocou a intensa conversão da floresta, com a abertura de estradas e o desmatamento substancial
para a instalação de propriedades agroprodutivas. O saldo consistiu na intensa retirada da cobertura vegetal e no agravamento de conflitos territoriais envolvendo
produtores do agronegócio, camponeses, indígenas e populações tradicionais extrativistas.

12
13
Figura 03 – Desmatamento cumulativo em RO entre 1988 e 2019
Fontes: INPE/PRODES/DETER (2019)/2020), IBGE (2019)
No estado de Rondônia, em função de uma Ora, podemos considerar que no caso de
política de escala macrorregional, existem Rondônia o que manteve “pedaços” ainda
numerosos antagonismos entre desenvol- existentes de floresta nativa foram basica-
vimento econômico e sustentabilidade am- mente as áreas de proteção, entre Unidades
biental, diante das consequências já vistas de Conservação e Terras Indígenas, o que nos
sobre as populações locais e o próprio meio remete a discutir sobre a normatização am-
ambiente. Isso nos leva ao entendimento de biental ainda ser o talvez único fator limitante
que os instrumentos legais para o estabele- à expansão do capital, considerando aqui o
cimento de uma política de zoneamento não estado rondoniense. Porém, esse instrumen-
têm sido eficientes, tampouco praticáveis no to, com uma aparente eficiência, se torna
modelo econômico posto para a Amazônia, vulnerável e pouco rigoroso uma vez que ve-
mesmo sendo de extrema importância para rificamos concessões e modificações na le-
o ordenamento territorial e para a conserva- gislação, além de a maior parte das leis am-
ção florestal, bem como para o controle das bientais não serem, de fato, cumpridas.
formas de uso do solo e para a proteção das
populações tradicionais e indígenas que ne-
cessitam da floresta preservada.

TERRITÓRIOS PROTEGIDOS
AMEAÇADOS: RESEX JACI-PARANÁ E
T.I. KARIPUNAS E P.E. GUAJARÁ-MIRIM
Luis Fernando Novoa Garzon¹9

Paula Stolerman Araújo20

Maíra Silva Ribeiro21

Daniele Severo da Silva22

A aliança entre grandes grupos econômicos ria de recursos naturais na região amazônica.
especializados na extração de commodities e No caso do estado de Rondônia, as ofensivas
os aparatos governamentais, na esfera nacio- concentram-se sobre o que sobrou de Ama-
nal e subnacional, tem garantido um inédito zônia em um dos estados que mais devasta-
fluxo de medidas legislativas-governamen- ram esse bioma, e que mais brutalmente per-
tais que franqueiam a exploração compulsó- seguiu e acuou os povos originários. O eixo

Professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), vinculado ao Departamento de Ciências Sociais. Tem formação na área de Ciência Política (UNICAMP) e é
19

doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR-UFRJ. Coordena o Grupo de Pesquisa “Territorialidades e Imaginários na Amazônia” na UNIR.
20
Doutoranda em Antropologia pela UFAM. Servidora Técnica da UNIR. Pesquisadora do grupo de pesquisa Territorialidades e Imaginários na Amazônia (UNIR).
Graduada em Ciências Biológicas pela UNIR. Pesquisadora do grupo de pesquisa Territorialidades e Imaginários na Amazônia (UNIR).
21

22
Mestranda em Direitos Humanos e Justiça pela UNIR. Docente da Educação Básica- SEDUC RO. Pesquisadora do grupo de pesquisa Territorialidades e Imaginá-
rios na Amazônia (UNIR).

14
de expansão da BR 364 fez de Rondônia uma lugar da alteridade trânsfuga, negada e rene-
extensão longitudinal do Mato Grosso, com gada particularmente na Amazônia brasileira
fronteiras econômicas em movimento expan- (Souza Martins, 1997). Neste sentido, consi-
sivo combinado: atividade madeireira, des- deramos pertinente falar de fronteiras sobre-
matamento, pecuária extensiva e monocultu- postas, dado que o que se observou foi um
ra da soja. Este eixo de devastação prossegue processo de formação de fronteiras que não
em expansão no norte de Rondônia e se ra- apenas confluem, mas se desdobram.
mificou aceleradamente a partir de 2018.
No mapa que segue, buscamos sequenciar
O que está em questão hoje, na Amazônia, temporalmente o avanço do desmatamento
e particularmente em Rondônia, é a criação no Estado de Rondônia em três períodos: de
paraestatal e paramilitar de dispositivos per- 1988 a 2007 em cor cinza, de 2007 a 2018
petradores de genocídios e de ecocídios23 em cor vermelha e de 2018 a 2020 em cor
continuados. Não se trata aqui de eventos rosa. O desmatamento consolidado até 2007
isolados, mas de um método que reorgani- procura delinear o arco do desmatamento
za os processos produtivos sob impulso da nessa região até o início da instalação e im-
máxima rentabilização, apelando para a sin- plementação dos grandes projetos do PAC
tetização de povos e territórios na forma de – Programa de Aceleração de Crescimento.
custos e riscos financeiros. A marcação em vermelho demonstra como
se alarga o eixo de devastação vertebrado
A fronteira do capitalismo na Amazônia, mais pela BR 364 em direção à fronteira com a
que uma margem física para acumulação am- Bolívia por meio da ramificação das rodovias
pliada, é antes uma forma singular de meta- 425, 420 e . Fica nítido como os empreen-
bolismo que faz com que articulem mecanis- dimentos hidrelétricos de Jirau e Santo An-
mos institucionais e de mercado em função tônio, e seus alongados reservatórios, poten-
de encomendas de commodities dos centros cializaram ainda mais esse novo raio do arco
organizadores da acumulação mundial. Mais do desmatamento. Em rosa, destacam-se as
que fronteiras em movimento a partir de po- mais recentes áreas incorporadas sob a égide
los em expansão ou de fronteiras econômicas da discursividade bolsonarista do “vale-tudo”
consolidadas expandindo seu raio de ação, na Amazônia. Na porção norte de Rondônia,
o que se destaca na desconstituição e desa- observa-se como o novo arco de desmata-
fetação dessas Unidades de Conservação, é mento expande-se a partir de três focos: 1)
o movimento das fronteiras como uma con- a partir do distrito de Abunã, seguindo a BR
tinuada apropriação e produção do espaço 364, sentido Rio Branco no Acre; 2) ao longo
(MOORE, 2016). Nesse sentido, não se pode da bacia do rio Machado (que deságua no rio
dizer simplesmente que o capitalismo dispo- Madeira) até o distrito de Demarcação, refle-
nha de fronteiras, mas que ele é definido em tindo expectativas da construção da hidrelé-
si mesmo pelo movimento de fronteiras. trica de Tabajara e da instalação de novos
terminais graneleiros na hidrovia Madeira-
Na Amazônia torna-se evidente uma dinâmi- -Amazonas; e 3) no entorno das rodovias 420
ca regressiva da fronteira da fronteira, isto é, e 42124 e intensificam-se processos de inva-
que reflete a cada momento os limites de ba- são e desintegração de Territórios Indígenas e
rateamento dos custos de insumos e da força Unidades de Conservação, particularmente a
de trabalho. São margens espaciais dilatadas TI Karipuna, o Parque Estadual Guajará-Mi-
em função de seus custos e direitos minimiza- rim e a Reserva Extrativista de Jaci-Paraná,
dos através de dispositivos de silenciamento que são objeto de nossa análise mais deta-
de conflitos. Esta seria uma condição própria lhada, a seguir.
a uma multivariada “situação de fronteira”, o

23
Para Girard (1994), a destruição do meio ambiente e dos povos entrelaçados neles representa uma combinação de ecocídio com genocídio. No caso da Amazônia,
a destruição das florestas e dos rios (ecocídio) antecede ou vem junto com as práticas de genocídio das comunidades tradicionais. Girardi, G. (1994). Capitalismo,
ecocidio, genocidio: el clamor de los pueblos indígenas. Realidad: Revista De Ciencias Sociales Y Humanidades, (41), 669-698.
24
A rodovia 421, identificada pela SEDAM, se estende de Ariquemes até as proximidades de Jacinópolis, se fundindo com a rodovia 420.

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Luis Fernando Novoa Garzon (UNIR)
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Colaboração: Maíra Silva Ribeiro (UNIR)
Fonte: INDE (IBGE, ANA, 2019), RAISG, 2020, GeoBol, 2016; www.geo.gob.bol, RAISG, 2019:
Alto www.amazonia socioambiental.org; www.geogpsperu.com; www.sidra.ibge.gov.br/Pesquisa
TI
Rio Crespo da Pecuária Municipal - 2010-2015-2018; www.sidra.ibge.gov.br/Produção Agrícola Municipal
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Mapa 01: Conjunto de ameaças ao corredor de conservação - Rondônia


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Territorialidades Específicas, 2009; www.terrabrasilis.dpi.inpe.br/downloads (desflorestamento:

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Outras localidades na Bolívia ·
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Processos Minerários (ANM, 2019)

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cadas no Brasil, e particularmente no Estado liderança política dos trabalhadores do se-
de Rondônia, se reproduz e se alimenta na ringal não impediu seu assassinato, porém as
extensividade e na itinerância da sua elástica reservas extrativistas foram demarcadas em
fronteira de acumulação. O modo predomi- áreas de antigos seringais da Amazônia.
nante de realização de valor aqui se carac-
teriza por uma sequência calculada de ofen- Em Rondônia o movimento socioambiental
sivas ao setor público, a bens ambientais de em aliança com a Organização de Seringuei-
interesse difuso e às territorialidades tradi- ros de Rondônia ambos representados pelo
cionais, demarcando ausências e presenças, GTA Grupo de Trabalho Amazônico propõe a
definindo reconhecimentos e responsabilida- criação de 40 Unidades de Conservação en-
des condicionados a fidelizações de currais tre estas se inserem a Resex do Jaci Paraná e
eleitorais e a patamares máximos de retorno e o Parque Estadual Mirim.
segurança dos investimentos privados.
A problemática da Resex Jaci-Paraná é, em
Resex Jaci-Paraná: devastação certa medida, herdeira dos conflitos por terra
anunciada e consentida e da incapacidade dos governos de atuarem
de forma incisiva e potente para uma efetiva
O conceito de Reserva Extrativista (RESEX) reforma agrária.
surgiu no âmbito de muitas lutas, conflitos e
reivindicações por parte da população que Antes da demarcação da reserva já existiam
veio habitar partes da Amazônia e organizou- algumas propriedades e se intencionava di-
-se para garantir sua sobrevivência, gerando recionar parte da área para a implantação de
mecanismos de cooperação e modos de vida projetos de assentamento do INCRA, eviden-
específicos, compartilhando uma cultura do ciando um descontínuo entre ações de insti-
seringal. Um marco histórico para a criação tuições do Estado que deveriam trabalhar em
destes espaços destinados à população que efetiva colaboração para um melhor direcio-
dependia do cultivo associado a extração de namento e garantia dos destinos das terras.
materiais florestais como a borracha e a cas-
tanha foi o 10 Encontro Nacional dos Serin- A demarcação legal é um passo fundamen-
gueiros, ocorrido em 1985. tal para a implementação de ações que ga-
rantam as condições de vida das populações
Era a resposta desenhada para impedir o tradicionais e consequentemente a manuten-
avanço de grilagens, desmatamento e espe- ção da floresta. O que se observa na prática
culação fundiária, que ameaçava a perma- é que somente o plano da normatização não
nência destas populações em seus locais de garante o sucesso do que foi planejado.
subsidência. O Movimento Social dos serin-
gueiros trouxe à superfície a necessidade de É demasiadamente chocante verificar, por
fazer uma reforma agrária onde os recursos imagem de satélite que a RESEX estava plena
florestais fossem compartilhados e não exclu- em sua conservação no ano de 199626, quan-
sivos, por isso a ideia de manter-se o usufruto do de sua demarcação, porém agora pratica-
sem a posse individual para que assim, fosse mente totalmente convertida em pasto, não
evitada a venda de lotes e concentração fun- tendo sido preservada sequer a mata ciliar
diária. Este ideário faz parte da formulação de resultado da expulsão dos seringueiros pelos
Chico Mendes para as reservas extrativistas, grileiros. A Reserva Extrativista Jaci-Paraná é
pois ele entendia que dessa maneira estaria uma das que mais perde em cobertura flo-
solucionado os conflitos pelas terras25. restal dentre as unidades de conservação na
Amazônia brasileira. Imagens obtidas apon-

GTGA-UNIR. Seminário “A DesAmazonização de Rondônia e a destruição de Territórios. A situação da RESEX Jaci-Paraná. GTGA- UNIR. Disponível em https://
25

www.youtube.com/watch?v=JkRgOOdDSv8&t=3505s
SANTANA, Ravele da Silva. ANÁLISE DO AVANÇO DO DESMATAMENTO NA RESERVA ESTADUAL EXTRATIVISTA JACI-PARANÁ – RO, NO PERÍODO DE 1996 A
26

2016. Monografia apresentada ao Departamento de Geografia, da Fundação Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho – RO, 2016.

18
tam a perda inacreditável de mais de 80% de
cobertura florestal, tendo parte de sua flores-
ta sido já convertida em pastagem27.

Invasões, grilagem e um Estado que trabalha


para a normalização da conversão da floresta terras extensas dentro da Resex, para tanto
em pasto, mediante conluios com interesses contando com o anonimato garantido pela
privados em detrimento do público, sufocam relação com laranjas, que reivindicam as pos-
aceleradamente a vida do seringueiro. O pro- ses destas terras.
grama de manejo desta UC nunca foi feito
e enquanto faltou mobilização dos agentes Nas audiências públicas que visaram “deba-
públicos competentes, falta de pessoal para ter” com a sociedade a proposta de redução
fiscalização, a sociedade civil organizada fez da Resex foram ouvidos representantes do
várias denuncias para retirarem os grileiros a movimento socioambiental que se posiciona-
SEDAM, porém o que se viu foi a boiada pas- ram veementes contrários a redução e repre-
sando e ela passou mesmo. sentantes de produtores rurais, que pedem
que seus lotes sejam regulamentados, porém
É importante evidenciar que as ações que é visível que a maior parte das áreas da Re-
levaram a substituição de floresta por gado sex está ocupada com grandes propriedades,
dentro da RESEX Jaci-Paraná não ocorrem as quais os posseiros não vivem ali, sendo o
de forma isolada, mas representam e ilustram gado manejado por terceiros, empregador
as investidas vitoriosas de agentes do poder que não lucram com a derrubada e destrui-
público, representantes políticos, empresá- ção da floresta. Certamente pistas de pouso
rios e uma cadeia de pessoal que lucra com de aviões não é uma benfeitoria característica
a expansão do gado nessas áreas. A promo- de pequenas propriedades rurais.
tora atualmente aposentada Aidee Torquato,
informou em entrevista concedida a veículos O território que deveria estar garantindo um
de comunicação consultados, que a IDARON bem comum, a floresta. Não apenas para os
(Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopasto- extrativistas que usufruem diretamente, po-
ril do Estado de Rondônia) dificulta o acesso rém a sociedade brasileira e o mundo, por
aos dados de gado possivelmente provenien- assim dizer, fica refém da política acionada
te da área da reserva, de forma que a mesma para lucros pessoais, com a manutenção de
desistiu de conseguir essa documentação, garantias de famílias que se perpetuam no
quando na verdade o IDARON não poderia poder por manobras de paternalismo e pa-
vacinar gado dentro de áreas protegidas, pois trimonialismo sem vergonha pois desde a
é um ato ilegal. criação da Resex, as áreas de floresta foram
gradativamente e exponencialmente coloca-
A ausência do Estado, que deixa de cumprir das a baixo por uma rede bem articulada de
seu papel, atuando naquilo que lhe compete, grandes produtores de gado.
por si já corresponde ao aceno positivo para
a invasão das reservas e a desafetação, pois A colaboração da Idaron ocorre na medida
a falta de pessoal já impõe muita dificulda- em que permite a vacinação e regulariza o
de para a proteção de invasões, porém o que gado proveniente da reserva com as Guias de
nos chega, sempre em caráter de denúncia e Trânsito Animal (GTA), o que garante o trans-
acompanhado de garantia de não divulgação
das fontes de informação, é que autoridades
Estaduais, de diversas esferas, prefeitos, ex-
-governadores, senadores, vereadores, juízes
e outras figuras de vulto público usufruem de

SANTANA, Ravele da Silva. A DESTRUIÇÃO DE UM TERRITÓRIO: O CASO DA RESERVA EXTRATIVISTA JACI-PARANÁ, EM RONDÔNIA. Dissertação apresentada
27

ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Fundação Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho – RO, 2020.

19
porte dos animais para os abatedouros ou
tipo de punição aos crimes ambientais e as
demais destinos. Estes animais ficam autori-
milícias de Rondônia se viram guarnecidas na
zados com indicação de que sua origem fica
milícia que alcançou o poder no Planalto. A
fora da circunscrição da área da resex mas
pressa da Assembleia legislativa em regula-
efetivamente a criação é feita lá dentro. Tam-
mentar a invasão das terras na reserva não in-
bém há relatos de que os técnicos da agência
dica preocupação com o pequeno agricultor,
vacinam o gado dentro da Resex, o que indica
mas sim com a segurança do destino comer-
conivência descarada. Por ser uma merca-
cial dos rebanhos lá enxertados, e também
doria para atender a exportação, é prioriza-
com o resguardo dos autodeclarados pro-
da a vacinação de todo o rebanho no estado
prietários, incluindo alguns dos próprios ocu-
de Rondônia, não havendo qualquer tipo de
pantes de cargos de representação pública.
repreensão por parte da origem desses ani-
A figura 04 revela como se deu o processo
mais28.
de inviabilização da RESEX, criada em 1996
e o que se tornou em menos de 11 anos29. O
A devastação quase completa da área au-
resultado final não pode ser prêmio e bônus
mentou de 60% em 2018 para aproximada-
para grileiros e desmatadores, que ganhariam
mente 80% na Resex, pelos estudos de San-
dessa forma mais motivos para prosseguir pi-
tana (2020). Este autor conseguiu mapear o
lhando as terras protegidas que restam. Não é
desmatamento consolidado até 2018, e por
cabível fornecer garantias justamente a quem
meio da identificação de focos de queimada
viabilizou as intrusões e sabotou todos os
(9.500 focos na resex e ao redor no ano de
mecanismos de controle disponíveis.
2018) estima que este percentual pode estar
em torno de 80% de área da Resex.
Em um cenário de fortalecimento da gover-
nabilidade ambiental no país seria almejável
O processo de devastação em uma unidade
reflorestar e regenerar a Resex e promover
de conservação não é um processo de sim-
o retorno dos extrativistas que foram expul-
ples compreensão e temos que pensar em
sos pelos grileiros. A SEDAM deveria multar e
múltiplos agentes e fatores e redes de poder
exigir dos grileiros que estes pagassem pelos
que perpassam as relações que vão desde
danos sociais e ambientais causados as Re-
pequenos agricultores e seus interesses até
servas e, dessa forma, reiterar a mensagem
mesmo grandes corporações vinculadas à
de que o Governo e a sociedade não tole-
cadeia da carne.
rarão a invasão de áreas protegidas. Faz- se
necessário a retomada do debate público
Após as eleições de 2018, o que era já ocor-
acerca do papel das terras protegidas - em
ria passou a ter o apoio do Governo Federal.
meio a processos de incorporação de larga
Passou-se a dificultar mais e mais qualquer

WENZEL, FERNANDA, ISENSEE, Márcio. Sai extrativista, entra boi: a lei do mais forte em uma reserva extrativista de Rondônia. Matéria do jornal o Eco. 4 de de-
28

zembro de 2018. disponível em https://www.oeco.org.br/reportagens/sai-extrativista-entra-boi-a-lei-do-mais-forte-em-uma-reserva-extrativista-de-rondonia/


As áreas de desmatamento destacadas em vermelho correspondem ao período de 2008 a 2017. As áreas de desmatamento destacadas em rosa correspondem
29

ao período de 2018 a 2020.

20
21
Figura 04 – Reserva Extrativista Jaci Paraná
escala - de forma que se vislumbre a desti- Os limites do PES de Guajará-Mirim foram al-
nação de terras, hoje monopolizadas, para a terados novamente, no início da década de
reforma agrária, para que se ampliem os as- 2000, através da Lei Estadual n. 1146/2002.
sentamentos da agricultura familiar produzin- Assim, o Norte do Parque (uma área de
do alimento de qualidade, sem agrotóxicos, 4.906,5825 hectares conhecida como “bico
com a perspectiva concreta de regeneração do Parque”) é excluído, e a superfície é am-
ambiental e de reflorestamento com espécies pliada em uma área de 14.325,9920 hecta-
nativas. res, totalizando 216.567,6764 hectares. De
acordo com esta Lei, na superfície excluída,
A responsabilização dos agentes pelos pro- “excetuada a área que passará a estrada e sua
cessos de devastação, que culminaram no área de servidão”32 , seria criada uma unidade
desmanche de uma área imensa de florestas, de conservação e proteção integral.
não tem desdobramentos previsíveis. Práticas
assimétricas com recursos mandonistas varia- Sobre a demarcação do Parque Estadual de
dos, com uso de influência política e econô- Guajará-Mirim, em entrevista realizada em
mica, fazem parte desse cenário de incerteza 2020, um profissional da Coordenadoria de
para o conjunto dos envolvidos. Dessa forma, Unidades de Conservação (CUC) da Secreta-
não é pouco pensar que estamos diante de ria de Estado do Desenvolvimento Ambiental
uma situação de “exceção permanente” em (SEDAM/RO) relatou que, como a Lei Estadual
um território de exceção30 sob controle do n. 1146/2002 ficou suspensa por um período
agronegócio. devido à Ação Civil Pública, a extensão con-
siderada pela CUC sempre incluiu o “bico do
Parque Estadual de Guajará-Mirim: o Parque”. Porém, com as constantes pressões,
que se desloca e o que se deslocaliza resgataram a Lei Estadual n. 1146/2002, e, a
fim de atender aos interesses de fazendeiros
A criação do Parque Estadual Guajará Mirim e sitiantes, reivindicaram que o bico perma-
(PES) foi resultante de um processo de luta necesse fora dos limites da Unidade de Con-
do movimento socioambiental envolvendo servação.
organizações não governamentais (ONGs) e
órgãos públicos de Rondônia que discutiram Recentemente o Projeto de Lei Complemen-
a criação do Corredor Ecológico Binacional tar de 8 de setembro de 2020 foi aprovado
Itenez-Mamoré-Guaporé incluindo a criação em dois turnos e com emendas na Assem-
de várias áreas protegidas nas quais estava bleia Legislativa de Rondônia. No texto ori-
inserido o Parque. Infelizmente, os registros ginal o Parque Estadual de Guajará-Mirim
sobre a criação do PES ocultam a participa- passaria a ter área de 207.148,266 hectares,
ção da sociedade civil31. restabelecendo os limites fundiários previstos
na Lei Estadual n.700/1996. Isto porque, se-
No início da década de 1990, o Decreto Es- gundo a mensagem n.204/2020, deste Pro-
tadual n. 4575/1990 cria o Parque Estadual jeto de Lei Complementar, enviada pelo Go-
(PES) de Guajará-Mirim, com área aproxima- vernador Marcos José Rocha dos Santos aos
da de 258.813 hectares, localizado nos Mu- membros da Assembleia Legislativa, a área de
nicípios de Guajará-Mirim e Nova Mamoré. 4.906,5825 hectares excluída pela Lei Es-
Contudo, com a Lei Estadual n. 700/1996, tadual n.1146/2002 é relevante para fins de
que redefine os limites do Parque, a Unidade preservação e fiscalização ambiental, e a área
de Conservação de Proteção Integral passa de 14.325,9920 hectares incluída encontra-
totalizar 207.148,266 hectares. -se ocupada por diversos grupos sociais.

NASCIMENTO, Sabrina Mesquita; CASTRO, Edna Ramos. 2017 “Estado de exceção como paradigma do desenvolvimento: uma análise sobre a hidrelétrica de Belo
30

Monte” en Castro, Edna Ramos (Org.) Territórios em transformação na Amazônia: saberes, rupturas e resistências (Belém: NAEA).
KANINDÉ. Associação de Defesa Etnoambiental. Plano de Manejo Parque Estadual Guajará Mirim. SEDAM, julho, 2016.
31

RONDÔNIA. Lei N0 1146, de 12 de dezembro de 2002. Altera os limites com exclusão e ampliação da superfície do Parque Estadual de Guajará-Mirim, criado pelo
32

Decreto n0 4575, de 23 de março de 1990, e dá outras providências. Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia, 12-12-2002.

22
Figura 05 – Parque Estadual de Guajará-Mirim

No entanto, o texto aprovado pelo Parlamen- papel de estoque de terras para especulação.
to de Rondônia, em abril de 2021, além de As entradas não tem por fim apenas a retirada
barrar a inserção dos 4.906,5825 hectares de madeira, mas a consolidação da ocupação
remove ainda cerca de 40 mil hectares para da área para desmatar introduzir gado ilegal
contemplar a região conhecida como “Terra a ser legalizado no próximo ciclo de desafe-
Roxa”. tação, convertendo bens públicos em pro-
priedade privada e concentrada. A situação
Para uma representante da Associação de se intensificou ainda mais com a abertura da
Defesa Etnoambiental Kanindé, instituição chamada “Estrada Parque” (conectada a RO-
responsável pela elaboração do Plano de 420), no ano de 2014, que vem atendendo
Manejo do Parque Estadual de Guajará-Mi- aos interesses do agronegócio e do crime
rim, aprovado em 2017, qualquer redução/ organizado e facilita a entrada de invasores
desafetação requer estudos técnicos que dentro da Unidade de Conservação.
envolvam meio físico, meio biótico e socio-
economia, em conformidade com as legis- A partir dos dados do Projeto PRODES, do
lações vigentes. A proposta de desafetação Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
das Unidades de Conservação descumpre (INPE), é possível visualizar o aumento expo-
vários pontos da Lei do Zoneamento Sócio- nencial do desmatamento no Parque Estadual
econômico Ecológico de Rondônia, do Siste- de Guajará-Mirim e na Terra Indígena Karipu-
ma Nacional de Unidades de Conservação da na a partir da abertura da Estrada: a partir de
Natureza e do Sistema Estadual de Unidades 2014, conforme demonstrado no Gráfico 1.
de Conservação. Ademais, o Parque foi cria-
do com recursos de empréstimo do Banco Gráfico 1: Incrementos de desmatamento
Mundial, sendo a criação e a manutenção das acumulado por ano em Unidades de Conser-
áreas protegidas cláusulas do acordo. vação e Áreas Indígenas localizadas ao norte
do Estado de Rondônia (2008 - 2020).
O Parque Estadual de Guajará-Mirim sofre
uma pressão da grilagem, como se cumprisse
23
Gráfico 1 - Incrementos de desmatamento acumulado por ano em Unidades de Conservação e
Áreas Indígenas localizadas ao norte do Estado de Rondônia (2008 - 2020).
Fonte: Adaptado de Terra Brasilis/INPE (2021).

O PES recebe recursos do Programa Áreas nossa análise em alguns territórios indíge-
Protegidas da Amazônia para a implementa- nas, como casos emblemáticos. Apesar das
ção do Plano de Manejo da Unidade. Em um especificidades de cada povo, as pressões e
Dossiê realizado em 2017 pela Kanindé, aler- ameaças que recaem sobre cada um deles
tava-se que se nada fosse feito para conter as provém de uma mesma matriz econômica e
invasões e o roubo de madeira, provavelmen- de classe. Ressaltaremos aspectos vincula-
te em 5 anos o conjunto da UC seria compro- dos aos referidos territórios, particularmente
metido.33 Grande parte dos recursos do ARPA à TI Karipuna, e aos grupos étnicos que os
foi destinada para operações de fiscalização, habitam, presumindo que estes dados/relatos
não se justificando a presença de grileiros no possam contribuir como instrumento de vi-
PES. sibilidade para os demais povos que passam
igualmente por situações-limite.
A proposição de desafetação do PES repre-
senta um aval à grilagem, que assim se espa- O Território Karipuna, situado entre o muni-
lha e multiplica, afetando novas Áreas Prote- cípio de Nova-Mamoré e o de Porto Velho é
gidas. testemunha de desfiguramentos contínuos. O
referido povo teve seus direitos violados des-
Terra Indígena Karipuna: de o primeiro contato. O retrato desta políti-
apesar de tudo ainda pulsa ca de extermínio e humilhação é perceptível
no quantitativo de sobreviventes hoje, pouco
Ao observar como se dá a confluência das mais de 60 indivíduos, o que por si só consti-
frentes de devastação e dos processos de tui um forte indicador do processo de violên-
desmatamento na Amazônia, concentramos cia que este grupo étnico passou e passa34.

KANINDÉ. Associação de Defesa Etnoambiental. Pressões e Ameaças nas Unidades de Conservação Estaduais de Rondônia. Organização: Ivaneide Bandeira
33

Cardozo et al. São Paulo. ISA Instituto Socioambiental. Porto Velho,RO. Kanindé Associação de Defesa Etnoambiental,2017.
ISA. Povos Indígenas no Brasil- Karipuna de Rondônia. Acesso em 20/10/2020. Disponível em <https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Karipuna_de_Rond%-
34

C3%B4nia>

24
Figura 06 – Terra indígena Karipuna - Rondônia

Em 1994 com o PLANAFLORO – Plano Agro- do eixo de devastação das rodovias 420/421,
pecuario e Florestal de Rondônia, em uma o deixa ainda mais suscetível de ser tragado
negociação entre FUNAI, INCRA e Governo pela confluência das estratégias empresariais.
de Rondônia a Terra Indígena Karipuna perde
40 mil hectares o que, segundo esta nego- O povo Karipuna, foi primeiramente contac-
ciação, serviria para retirar os invasores das tado, segundo relatos do SPI Serviço de Pro-
terras indígenas Uru-eu-wau-wau (PAD Bu- teção ao Índio em 1940, sem que houvesse
rareiro) e Mequem para reassenta-los na área maiores informações sobre a presença dos
Karipuna reduzida (LEÂO et al, 2005). A TI Karipuna na região. Em 1974, a FUNAI cria a
foi reduzida e não houve a retirada dos inva- Frente de Atração e em 1976 ocorre o conta-
sores das outras terras indígenas, nem houve to no Igarapé do Contra, próximo ao Distrito
reassentamento. Perdem os indígenas, perde de União Bandeirantes. Segundo os relatos
a sociedade e o meio ambiente. da FUNAI, os Karipuna viviam em 2 malocas
grandes, sendo uma no Igarapé do Contra e
A Terra Indígena Karipuna foi demarcada com outra no rio Mutum Paraná. No entanto, essa
152.930 hectares em1997 e homologada informação difere dos relatos das lideranças
pelo Decreto s/n0 de 09/09/1998. Esse pro- Karipuna, segundo as quais antes do contato
cesso se deu com retalhamentos e reduções o território era composto por 59 aldeias, hoje
prévias. Estas perdas se intensificam com as resta apenas uma.
ameaças e pressões que os Karipuna vêm
passando. Podemos detectar ameaças vin- As pressões foram seguidas e crescentes:
culadas à pesca, à caça e à madeira. No que grandes empreendimentos do passado e do
tange a mineração, existem dois processos presente foram sedimentando os processos
na região, vinculados à Mineração Silvana In- de desterritorialização das terras indígenas,
dústria e Comercio Ltda (Minério de Ouro)35. projetos revestidos da ideologia do progresso
A localização do território Karipuna, no meio e desenvolvimento.

Para mais informações acesse ao link: https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3723


35

25
A estrada de Ferro Madeira- Mamoré trouxe é preocupante pois trata-se de área homolo-
muito desastre para o nosso povo onde tem gada e reconhecida enquanto território que
poucos relatos sobre isso (...) já matava indí-
genas porque atrapalhava o desenvolvimento
deve ser preservado. Na prática vemos que,
do progresso. (...) Muita doença do vírus, co- Está liberado no território Karipuna vários lo-
queluche, sarampo (...) o vírus no passado e tes de CAR, que é cadastro rural, quem libe-
vírus atual, então, muito indígenas morreram rou o CAR? (...) não confio mais, é assustador.
no tempo do contato, muitos indígenas mor- (...) E tem a madeiras ilegais (...) porque agora
reram durante a ferrovia do diabo, que essa tá parado tinha DOF, que é documento que
que está escrito da madeira-Mamoré, que regulamenta que aquela madeira não é ilegal
os funcionário da empresa mataram muitos e sim é de uma propriedade provada, né? (...)
indígenas, (...) estupraram as índias (...), mor- aí que vem a questão da ameaça (...).
riam eletrocutados (...), são coisas que o meu
povo ainda sente muita dores, não é que eu Nota-se, um povo que vem tendo os seus
tô apanhando mas emocionalmente, no meu direitos violados, sendo pressionado por in-
interior, ainda levo chicotadas, ou seja, ainda vasões de madeireiros, garimpeiros, e como
sinto dores do passado do que tamos viven- podemos constatar, tendo parte de seu ter-
ciando do futuro. (...). De Karipuna, Adriano
[setembro, 2020].36 ritório loteado. O CAR – Cadastro Ambiental
Rural, que deveria servir como um documen-
O excerto acima desvela parte das percep- to de contribuição para validação dos reais
ções que o povo Karipuna possui em relação proprietários da terra tem sido utilizado como
aos ataques que historicamente sofreram. O instrumento de exploração e violação de di-
território encontra-se cercado por diversas reitos indígenas, contribuindo para o proces-
frentes que atuam contribuindo para o pro- so de genocídio da comunidade. Percebemos
cesso de devastação e tomada territorial, os que as intrusões e ameaças são constantes
deixando em risco. O grupo que menciona- no território Karipuna, resultam em insegu-
mos expressa de forma explícita suas inten- rança permanente do grupo étnico, uma vez
ções violentas, para além do desmatamento e que as ameaças chegam por parte dos gri-
queimadas. Desde 2015 tem ocorrido entra- leiros, madeireiros, garimpeiros respaldados
das reiteradas no território indígena, gerando por validações como CAR e DOF (Documento
instabilidade e insegurança. de Origem Florestal), que chancelam práticas
Em 2015 foram derrubados (...) o equivalente não lícitas dentro dos territórios indígenas.
a dois estádios do Maracanã ou até mais (...).
No ano passado (...), o nosso território foi to- O território Karipuna está sofrendo pressões
mado de fogos. Vocês sabem (...), o mundo
de todos os lados, destacando-se a porção
todo teve os olhos voltados para a Amazônia.
(...). O contato foi em 78, em 92 foi a homo- Noroeste, que faz divisa com o Distrito de
logação do território. Em 2007 foi se falado União Bandeirantes e a porção Sul, mais pró-
em Furnas (...), em 2014 teve aquela alagação xima das Unidades de Exclusão do Parque
imensa (...), os Karipuna até a aldeia foi pro Estadual Guajará Mirim e da Rodovia 421. A
fundo praticamente. (...) Em 2015 começamos
cada ano, a terra indígena é aberta de forma
a sofre impacto já de grileiro, madeireiro, de
garimpeiros. (...) No acampamento terra livre, ilegal, e vão aumentando de forma gradativa
no abril indígena (...), fizemos essa denúncia e as intrusões. Nos anos 2018 e 2019, a inse-
cobramos responsabilidade do poder judici- gurança chegou ao clímax. De acordo com
ário e do meio ambiente, (...) Para que prote- relatos colhidos, não havia mais noite sem
gessem nosso território. (...)”.
medo de chacina. Esse terror manifesto vem
Detectamos aqui as confluências dos proces- erodindo o imaginário dos Karipuna rema-
sos de devastação e como o povo Karipuna nescentes. Para um grupo étnico objeto de
percebe as dinâmicas que corroboram para práticas sistemáticas de extermínio, é preciso
o processo de destruição do seu território. considerar como lidar, proteger e se alinhar
O CAR (Cadastro Ambiental Rural), é um dos à condição desses povos resistentes. Mesmo
documentos exigidos para regularizar a terra, assim, a comunidade se mantém articulada,
que tem como finalidade contribuir para a re- no sentido intuito de manter seu território e
gularização da terra, acaba gerando instabili- sua memória.
dade em todas as TIs. No caso dos Karipuna,
o referido cadastro tem gerado insegurança, Entrevista concedida ao Grupo de Pesquisa em setembro de 2020.
36

26
REFERÊNCIAS
WENZEL, FERNANDA, ISENSEE, Márcio. Sai extrativista, entra boi: a lei do mais forte em uma reserva
extrativista de Rondônia. Matéria do jornal o Eco. 4 de dezembro de 2018. disponível em https://www.
oeco.org.br/reportagens/sai-extrativista-entra-boi-a-lei-do-mais-forte-em-uma-reserva-extrativis-
ta-de-rondonia/

Girardi, G. (1994). Capitalismo, ecocidio, genocidio: el clamor de los pueblos indígenas. Realidad: Re-
vista De Ciencias Sociales Y Humanidades, (41), 669-698.

GTGA-UNIR. Seminário “A DesAmazonização de Rondônia e a destruição de Territórios. A situação da


RESEX Jaci-Paraná. GTGA- UNIR. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=JkRgOOdDS-
v8&t=3505sso

KANINDÉ. Associação de Defesa Etnoambiental. Plano de Manejo Parque Estadual Guajará Mirim.
SEDAM, julho, 2016.

KANINDÉ. Associação de Defesa Etnoambiental. Pressões e Ameaças nas Unidades de Conservação


Estaduais de Rondônia. Organização: Ivaneide Bandeira Cardozo et al. São Paulo. ISA Instituto Socio-
ambiental. Porto Velho,RO. Kanindé Associação de Defesa Etnoambiental,2017. LEÃO.Maria

LEÂO, Auxiliadora et al. Estudo Socioeconômico Sobre as Terras e Povos Indígenas situados na Área
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SOUZA MARTINS, José. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano (São Paulo: Hucitec),
1997.

27
RETROCESSOS AMBIENTAIS E OS
RISCOS DA MINERAÇÃO EM ÁREAS
PROTEGIDAS EM RONDÔNIA
Neiva Araujo37
Renata da Silva Nóbrega38
Jandira Keppi39
Karen Roberta Miranda de Sousa40
➡ Mudanças na paisagem natural;

Amanda Pereira Serafim41


João Vitor Carneiro da Silva5
➡ Estímulo a processos erosivos relacio-
nados à retirada de volumes enormes de ro-
Daniel Ferro Nobre de Lima42 chas e abertura de crateras, originando ce-
Loamy Vicente Ribeiro43 nários desérticos de paisagem;
Lorena Medeiros Moreira da Silva44
Fábio Rodrigues Carvalho45 ➡ Perda da riqueza de ecossistemas de
matas ciliares, mananciais com morte de um
grande volume de peixes e espécies endê-
O Projeto de Lei Complementar 80/2020, micas da fauna e flora;
assim como o Decreto Estadual 25.780/2021
simbolizam uma política de destruição da na- ➡ Transformação ou destruição de pon-
tureza e de risco às populações impactadas, tos turísticos e históricos;
na medida em que ignoram a legislação am-
biental, bem como a proteção aos povos e ➡ Desaparecimento de bairros inteiros
comunidades tradicionais e preconizam uma por conta dos efeitos sentidos pelos mora-
necropolítica, pois colocam em risco a saú- dores, em especial, o barulho e a vibração
de, a segurança alimentar e até mesmo a vida vindos da atividade;
dessas populações impactadas, as quais de-
vem enfrentar além da violência (que já vêm
➡ Surgimento de rachaduras que cau-
sam a deterioração das casas e a desvalori-
suportando), altos níveis de contaminação
zação dos imóveis da redondeza;
por mercúrio na região do Rio Madeira46. Não
bastassem esses prejuízos, há uma série de
impactos sociais atrelados à mineração, des-
➡ Aumento da poluição atmosférica,
devido à emissão de partículas do material
tacam-se47:
utilizado na atividade mineradora e que cau-
sam danos sanitários e estéticos;

37
Doutora em Desenvolvimento Regional & Meio Ambiente, Líder do Grupo de Pesquisa DITERRA – Direito, Território & Amazônia.
38
Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.
39
Advogada, Especialista em Direito Público, Assessora do COMIN – Conselho de Missão entre Povos Indígenas.
Mestranda em Fronteiras e Direitos Humanos pela Universidade Federal da Grande Dourados. Articuladora na ONG Engajamundo. Integrante do Grupo de Pes-
40

quisa DITERRA.
Graduandos em Direito pela Universidade Federal de Rondônia. Bolsistas de Iniciação Científica ciclo 2020/2021. Integrantes do Grupo de Pesquisa DITERRA.
41

42
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Rondônia. Integrante do Grupo de Pesquisa DITERRA.
43
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia. Integrante do Grupo de Pesquisa DITERRA.
44
Bacharel em Direito, estudante de Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Rondônia. Integrante do Grupo de Pesquisa DITERRA.
45
Graduando em Psicologia pela Facimed. Graduando em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano.
46
TAVARES, H. N. Exposição humana ao mercúrio associada aos hábitos alimentares de comunidades no alto Rio Madeira. 2020. Disponível em: <https://repo-
sitorio.unb.br/handle/10482/40221>. Acesso em: 20 mar. 2021.
GUIMARÃES, C. L.; MILANEZ, B. Mineração, impactos locais e os desafios da diversificação: revisitando Itabira. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 41, p.
47

215–236, 2017. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/made/article/view/49360/33411>. Acesso em: 21 mar. 2021.

28
Para compreender as dinâmicas que envol-
vem o Projeto de Lei Complementar 80/2020,
aprovado pelo legislativo rondoniense em 20
de abril de 2021, necessário entender a es-
➡ Surgimento de nuvens de poeira de trutura do arcabouço legal ambiental, que
material particulado; deve ser regido por uma série de princípios
previstos na Constituição Federal de 1988 e
➡ Queda na qualidade do ar, em razão no texto legal, destacam-se: i) princípio do
do lançamento de cargas poluidoras na at- desenvolvimento sustentável; ii) princípio da
mosfera, não apenas nos locais de explora- solidariedade intergeracional; iii) princípio da
ção, mas também por todo processo de es- prevenção; iv) princípio do poluidor-pagador;
coamento; v) princípio do protetor-recebedor; vi) princí-
pio da participação; vii) princípio da vedação
➡ Aumento do número de doenças res- de retrocesso. Esses princípios são essenciais
piratórias manifestadas com mais intensida- ao processo de interpretação do ordenamen-
de em crianças e adolescentes, e em doen- to jurídico e deveriam pautar as discussões
ças do coração manifestadas em idosos; envolvendo novas regras.

➡ Aumento de doenças psicológicas, Portanto, o Projeto de Lei Complementar


manifestadas nos períodos de instabilidade 80/2020 vai de encontro ao federalismo co-
econômica e inevitável escassez do minério operativo estabelecido na Lei Complementar
explorado; 140/2011, que delimita as competências da
União, Estados, Municípios e Distrito Federal.
➡ Constante medo e angústia dos tra- Além disso, demonstra que a política adotada
balhadores de perderem seu emprego e que em Rondônia não há um planejamento e uma
culmina no aumento da depressão e da taxa gestão ambiental conforme a Política Nacional
de suicídios; do Meio Ambiente (Lei Federal 6.938/1981).

➡ Ausência de diversificação econômi- Além de alterar os limites da Reserva Ex-


ca e aprofundamento da dependência da trativista Jaci-Paraná e do Parque Estadu-
região, com o desaparecimento de outras al Guajará-Mirim, o Projeto de Lei Comple-
atividades típicas que são inibidas pela mi- mentar 80/2020 coloca em xeque a agenda
neração, que passa a ser a principal fonte de ambiental e cria riscos às áreas protegidas
emprego dos trabalhadores locais; e possibilita que os retrocessos avancem no
seu entorno, ou seja, propicia não apenas o
➡ Destinação do orçamento público aumento da grilagem (que tende a ser pre-
com maior prioridade à atividade mineral, miada e regularizada com o projeto de lei em
em detrimento de outros setores como a comento), mas o avanço de outros retroces-
saúde e educação; sos, incluindo o avanço da mineração legal e
ilegal (garimpo) em tais territórios.
➡ Desequilíbrio periódico nos preços do
minério explorado, causando diminuição de O conceito de áreas protegidas parte das
postos de trabalho e desemprego nos mo- definições trazidas pela União Internacional
mentos de baixa de preços. para a Conservação da Natureza – IUCN,
que elaborou tal classificação tendo como
➡ Danos a humanos podem somar tan- base a Convenção da Diversidade Biológica,
to os referentes à saúde, quanto a segurança que dispõe sobe a conservação da diversida-
pública, a educação, a cultura e ao lazer e de biológica, o uso sustentável da biodiver-
sobre a organização social. sidade e a repartição justa e equitativa dos
benefícios provenientes da utilização dos re-
cursos genéticos.

29
Assim, podem ser classificadas como áreas
protegidas em sentido estrito aquelas expres-
samente previstas na Lei 9.985/2000 e re-
gulada pelo Decreto 4.340/2002. Também
são consideradas como áreas protegidas em relacionado ao desempenho do PIB (Produ-
sentido amplo as terras indígenas, os territó- to Interno Bruto), a concepção de desenvol-
rios quilombolas, pois embora não tenham vimento econômico engloba o desenvolvi-
objetivos explícitos de conservação da natu- mento humano, ou seja, considera critérios
reza, contribuem para este fim. relacionados ao desempenho da renda, da
longevidade e da educação dos indivíduos.
Por outro lado, quando houver um conjunto
de unidades de conservação de categorias Assim, o cenário que se apresenta é no senti-
diferentes ou não, próximas, justapostas ou do de que a mineração no Brasil, em especial
sobrepostas, e outras áreas protegidas públi- na Amazônia (Amapá, Amazonas, Pará, Ron-
cas ou privadas, constituindo um mosaico, a dônia e Roraima)49 tem acarretando sérios
gestão do conjunto deverá ser feita de forma problemas ambientais e de saúde pública nas
integrada e participativa, devendo ser consi- localidades, sem falar nas atividades ilegais
derados os distintos objetivos de conserva- em terras indígenas. Contrariando o discur-
ção, de modo a compatibilizar a presença da so que avaliza esses projetos, as atividades
biodiversidade, a valorização da sociobiodi- minerárias tem gerado apenas crescimento
versidade e o desenvolvimento sustentável no econômico e para poucos atores sociais, até
contexto regional, conforme orientação da Lei mesmo porque as localidades afetadas su-
9.985/2000 e do Decreto 5.758/2006 que portam os impactos negativos (aumento da
instituiu o PNAP - Plano Estratégico Nacional violência, não melhoria ou piora dos serviços
de Áreas Protegidas,. públicos de saúde e educação, desdobra-
mentos ambientais) e não usufruem de gran-
Portanto, a proposta do governo rondoniense des impactos positivos (melhoria temporária
está desalinhada a todo um sistema normativo da renda50.
nacional e internacional que busca proteger o
meio ambiente e propiciar o desenvolvimento Há mais de 5.436 solicitações/registros para
através de uma economia do conhecimento a atividade minerária em Rondônia, sendo
da natureza48. Na medida em que a propos- que tais pedidos afetam tanto áreas protegi-
ta coloca em xeque o uso sustentável dos das quanto terras indígenas, ou seja, os pe-
recursos naturais e propicia uma economia didos podem afetar 21 Terras Indígenas em
de destruição da natureza, percebe-se que Rondônia. Destaca-se que Terras indígenas
a proposta gera prejuízos aos grupos direta- como a Uru-Eu-Wau-Wau representam 45%
mente afetados, mas também reflete em toda do território requerido para mineração e que
a sociedade que tende a enfrentar os preju- nessas terras estão localizadas as principais
ízos, impulsionados por medidas eleitoreiras nascentes da bacia do Rio Madeira, o que
e pouco técnicas, que serão sucintamente cria a necessidade de uma ampla preserva-
apontados. ção ambiental, mas a proposta governamen-
tal vai em sentido contrário.
Destaca-se que muito embora as expressões
crescimento e desenvolvimento econômico
sejam utilizadas como sinônimos, elas não o
são. Enquanto crescimento econômico está

ABRAMOVAY, R. Amazônia: por uma economia de conhecimento da natureza. São Paulo: Elefante, 2019.
48

FEARNSIDE, M. P. Exploração Mineral na Amazônia Brasileira: o Custo Ambiental. Dossiê Desastres e Crimes da Mineração em Barcarena, p. 35. 2019. Disponível
49

em: <https://bit.ly/2Qq2yLK>. Acesso em: 03 mar. 2021.


ENRÍQUEZ, M. A. R. da S. Maldição ou Dádiva? Os dilemas do desenvolvimento sustentável a partir de uma base mineira. Tese (Doutorado em Desenvolvimento
50

Sustentável) - Universidade de Brasília. Brasília, 2007.

30
Mineração por fase do processo em Rondônia
Silva e Lima51

Além dos dados sociais, ambientais e econô- ▶ Direito à vida e integridade física;
micos, há no Brasil um rol de direitos huma-
nos com frequência violados quando da atu-
▶ Direito de ir e vir;
ação das mineradoras52: ▶ Direito das mulheres;

▶ Direito a um ambiente saudável;


▶ Direito de proteção dos defensores de
direitos humanos;
▶ Direito à moradia adequada; ▶ Direito à água;
▶ Direito à saúde;
Abramovay53 aponta que 98,5% dos municí-
▶ Direito ao trabalho e a um padrão dig pios da Amazônia possuem condições de vida
no de vida; piores do que o resto do país, tal dado está
▶ Direito à informação e à participação; correlacionado diretamente ao desempenho
▶ Direito de acesso à justiça, à razoável
regional de um modelo de desenvolvimento
calcado no desmatamento e no uso extensivo
duração do processo judicial e a re
de recursos naturais. Portanto, a posição pu-
curso jurídico efetivo;
ramente desenvolvimentista adotada afasta a
▶ Direito dos povos indígenas, quilom proteção aos direitos humanos, impossibili-
bolas e tradicionais; ta o desenvolvimento em áreas estratégicas
▶ Direito à educação; à população e impede uma real evolução ao
almejado modelo sustentável54.

SILVA, R. G. da C.; LIMA, L. A. P. NOTA TÉCNICA 001/2019: Cartografia da Mineração em Terras Indígenas de Rondônia. Disponível em: <https://www.unir.br/
51

noticias_arquivos/27556_nota_tecnica_001_2019_gtga_unir.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2021.c


MILANEZ, B.; SANTOS, R. S. P. dos; PINTO, R. G. Mineração e violações de direitos humanos: uma abordagem construcionista. Homa Publica - Revista Internacional
52

de Derechos Humanos y Empresas, Juiz de Fora, Brasil, v. 1, n. 1, p. e:007, 2016. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/HOMA/article/view/30456.
Acesso em: 15 abr. 2021.
53
ABRAMOVAY, R. Amazônia: por uma economia de conhecimento da natureza. São Paulo: Elefante, 2019.
54
CARDIA, A. C. R. Direitos humanos e empresas no Brasil: como as empresas mineradoras têm afetado a proteção dos direitos humanos no território brasileiro.
Homa Publica - Revista Internacional de Derechos Humanos y Empresas, Juiz de Fora, Brasil, v. 2, n. 1, p. e:025, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/
index.php/HOMA/article/view/30551. Acesso em: 15 abr. 2021.

31
DESMATAMENTO EM
ÁREAS PROTEGIDAS Amanda Michalski55

Por meio deste texto, busca-se apresentar al- MA e SEDAM-RO. Em contrapartida, con-
guns impactos relacionados a negligência go- cedem louvores a IDARON56 e à EMATER57 ,
vernamental, no tocante à questão ambiental, instituições voltadas à assistência produtiva,
que ao longo dos últimos anos tem apoia- seja ela onde for, dentro de unidades de con-
do um discurso negacionista e anticientífico servação ou não.
atrelado às atuais gestões, federal e estadual,
que buscam perpetuar o velho discurso de- Em entrevista no ano de 2015, ano em que
senvolvimentista deveras obsoleto. fora inaugurada a sede da Unidade Local de
Sanidade Animal de União Bandeirantes, um
No passar dos anos por meio de visitas rea- de seus representes afirmou que “[...] nosso
lizadas a alguns desses locais afetados cola- compromisso é com o fortalecimento da agri-
boraram com a compreensão dos problemas cultura e pecuária. Sabemos que qualquer
consideravelmente relacionados a expansão detalhe que não seja positivo neste setor tem
da fronteira agrícola no norte rondoniense. reflexo na economia [...]” (SECOM, 2015)58. Na
Por exemplo: os distritos de União Bandei- época, União Bandeirantes já possuía apro-
rantes e Rio Pardo - no município de Porto ximadamente 130 mil cabeças de gado. Se-
Velho, e de Nova Dimensão - no município de gundo Michalski (2018), até o ano de 2018 o
Nova Mamoré. Ambos apresentam grandes distrito já ultrapassava as 200 mil cabeças de
proporções de novas áreas desmatadas in- gado, sendo que 120 mil delas estão no inte-
corporadas à atividade da pecuária extensiva, rior da Resex Jacy-Paraná. Na ocasião desta
assim como são responsáveis pela pressão de entrevista, também ficou claro como o Esta-
áreas protegidas, como no caso da Reserva do trata a questão ambiental, sendo ela vista
Extrativista Jacy-Paraná e Terra Indígena Ka- como empecilho ao desenvolvimento econô-
ripuna. mico, ao certificar o rebanho do linhão 102,
dentro da reserva extrativista. Na imagem 01
Além disso, também compartilham aversão podemos observar a localização do linhão
aos órgãos fiscalizadores ambientais – IBA- 102 mencionada na reportagem citada.

55
Geógrafa; professora da rede estadual de educação – SEDUC RO; assessora da Comissão Pastoral da Terra, pesquisadora dos grupos de pesquisas GEPE Front,
e TERRIAMA; e estudante vinculada ao GTGA
56
Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril do Estado de Rondônia
Entidade Autárquica de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Rondônia
57

SECOM. Compromisso da Idaron é destacado na inauguração da sede da Unidade Local de Sanidade Animal de União Bandeirantes. SECOM. Rondônia, setembro
58

de 2015. Disponível em: http://www.rondonia.ro.gov.br/compromisso-da-idaron-e-destacado-na-inauguracao-da-sede-da-unidade-local-de-sanidade-animal-


-de-uniao-bandeirantes/

32
Imagem 01: Localização das linhas de produção
da pecuária em União Bandeirantes
Elaborado pela autora

Como podemos observar, por meio do ge- Inúmeras são as pesquisas que comprovam e
orreferenciamento da imagem obtida em um demonstram o avanço do desmatamento na
dos trabalhos de campo realizados no ano de Amazônia, assim como em Rondônia. Devas-
2019 no distrito de União Bandeirantes, a lo- tação ambiental que tem estruturas bastante
calização da linha 102 no interior da Resex consolidadas em nossa sociedade e que até o
Jacy-Paraná, e, assim como, outras linhas mês de janeiro deste ano (2021) já contabili-
visíveis na imagem, demonstram o incentivo zava mais de 215 mil m3 de madeira extraídas
por parte do Estado voltado a atividade da ilegalmente e mais de 60% de destruição da
pecuária, visto que essas linhas estão mape- floresta ao compararmos os anos de 2018 e
adas e recebem apoio voltado a melhoria da 2019 (Canal Rural, 2021)59. Sociedade que é
produção agropecuária. Apesar disso, a en- negligenciada de diversas maneiras pelo Es-
trevista mostra o posicionamento do gover- tado que dificulta o acesso aos direitos bási-
no em promover o avanço do desmatamen- cos aos cidadãos brasileiros, tais como saúde,
to e redução das áreas protegidas, mas em educação e moradia.
momento algum menciona alternativas que
promovam o acesso à terra pelos moldes da Ao negar direitos elementares e permitir o
reforma agrária, e redução de latifúndios im- aumento de índices de desigualdade cada
produtivos vez maiores, o Estado brasileiro organiza seu
território por meio de políticas territoriais que
se sobrepõem às políticas ambientais, o que

59
CANAL RURAL. Desmatamento ilegal na Amazônia: PF apreende R$ 80 mi em madeira. CANAL RURAL. Brasil, janeiro de 2021. Disponível em: https://www.
canalrural.com.br/noticias/policia-federal-desmatamento-ilegal-amazonia/

33
contribui com o desmatamento da maior flo-
resta tropical do mundo, além da tentativa de
dizimar comunidades originais (ribeirinhas,
seringueiros, camponeses e camponesas,
quilombolas, extrativistas e povos indígenas).

A Amazônia sempre foi alvo de exploração,


com o devido suporte governamental utili-
zado para promover o processo de expansão Dessa maneira, Reservas Extrativistas são de-
da fronteira agropecuária, por meio de redes vastadas pela ação da pecuária extensiva e
de transportes e sua densificação, adotan- da extração ilegal de madeira. Terras indíge-
do assim formas arcaicas de apropriação do nas são ameaças e pressionadas por meio de
solo, garantindo o crescente desmatamento roubos de madeiras no calar da noite. Indíge-
e, paralelamente, a destruição de vários ser- nas são ameaçados de morte e seringueiros
viços ecológicos prestados pela floresta. Tais são expulsos tendo suas casas saqueadas e
como: troca de nutrientes necessário a saúde trancadas com correntes e cadeados por seus
do solo, manutenção do clima e ciclo hidro- algozes, pecuaristas e seus jagunços, como
lógico por conta da redução do processo de aconteceu ao Povo Suruí e aos seringueiros
evapotranspiração (transpiração das plantas e da RESEX Jacy-Paraná (Ibidem, 2019; WEN-
evaporação da água que cai no solo). ZEL e SÁ, 201861).

O desmatamento precisa ser compreendi- De certa maneira, algumas pessoas podem se


do pela sociedade como um assunto coleti- referir a essas ações como práticas comuns,
vo, ou seja, que afeta toda a população, seja reflexos da dinâmica agrária na Amazônia,
ela local, regional ou global. Os sujeitos que mas vale ressaltar que tais práticas represen-
o promovem são exaltados e denominados tam total desrespeito com o meio ambiente
senhores do progresso. Conhecidos como e, consequentemente, com as comunidades
madeireiros, alegam dificuldade para aten- tradicionais e povos indígenas. Há cinco dé-
der a legislação ambiental. Em função disso, cadas o território amazônico é desrespeitado
desconsideram a formulação e execução de por um sistema de acumulação primitiva, e
planos de manejo adequados que poderiam que em suas crises direciona seus esforços
colaborar com a extração madeireira legal. a fim de promover maior ampliação de suas
Contudo, diversas instituições têm promo- ações que refletem em especulação de terras
vido estudos que comprovam a falsificação e assim, contribui com a expansão da frontei-
da certificação da madeira, que por sua vez ra do capital financeiro, tendo como principal
é necessária à sua comercialização. Estudo foco, a reserva de capital por meio da compra
nos nove Estados que compõem a Amazô- de terras e expansão da fronteira do agrone-
nia Legal apontam a ocorrência de tal práti- gócio.
ca, uma vez que por meio de ação criminosa,
madeireiros passam a extrair árvores dentro
de reservas ambientais, sejam elas Unidades
de Conservação ou Terras Indígenas, e com
o apoio de burocratas forjam a certificação
FSC (Conselho de Manejo Florestal) para fa-
cilitar a comercialização no mercado nacional
e internacional (WALLACE, 2019).60

60
WALLACE, Scot. Por dentro da difícil missão de combate à extração ilegal de madeira na Amazônia. National Geographic. Brasil, setembro de 2019. Disponível em:
https://www.nationalgeographicbrasil.com/meio-ambiente/2019/09/por-dentro-da-dificil-missao-de-combate-extracao-ilegal-de-madeira-na
WENZEL, Fernanda; SÁ, Marcio Isensee. Sai extrativista, entra boi: a lei do mais forte em uma reserva extrativista de Rondônia. O ECO. Disponível em: https://www.
61

oeco.org.br/reportagens/sai-extrativista-entra-boi-a-lei-do-mais-forte-em-uma-reserva-extrativista-de-rondonia/

34
Vejamos a dinâmica do desmatamento expressa no gráfico 1, que apresenta o desmatamento
nos nove estados da Amazônia Legal brasileira.

Gráfico 1: Taxas de desmatamen-


to na Amazônia Legal brasileira
Fonte: PRODES/Inpe (2020). Elaborado pela autora

As informações do gráfico anterior demonstram que os estados do Mato Grosso, Pará e Ron-
dônia são os Estados que mais colaboram com o aumento do desmatamento, visto que são
também os que apresentam maior expansão da fronteira agrícola.

Quanto ao estado de Rondônia - integrante dos três Estados que compõem o arco do desma-
tamento, ou do povoamento consolidado como afirmou Becker (2004)62, a dinâmica imposta
é a do deslocamento da atividade da pecuária para o norte rondoniense, atividade parceira
da exploração desenfreada de madeira. No gráfico 2 observaremos a configuração da taxa de
desmatamento em Rondônia entre os anos de 1988 a 2020.

BECKER, B. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
62

35
Gráfico 2: Extensão do desmatamento em Rondônia
Fonte: PRODES/INPE. Elaborado pela autora

O gráfico apresenta dois picos, nos anos de 1995 e de 2004. Dois recortes temporais interes-
santes: o primeiro, marca a chegada da soja em Rondônia com a introdução do Porto Grane-
leiro, o segundo refere-se ao processo consolidado de deslocamento da atividade da pecuária,
junto à exploração legal e ilegal madeireira em direção aos municípios ao norte do Estado. As
próximas imagens demonstram o impacto do desmatamento no município de Porto Velho, com
destaque aos distritos de União Bandeirantes e Rio Pardo, ambos iniciaram o processo de ocu-
pação no ano de 1999, e atualmente são considerados como polos da produção agropecuária
do município.

Imagem 02: Desmatamento acumulado em Porto Velho (2005)


Fonte: Michalski (2018)

36
Imagem 03: Desmatamento acumulado em Porto Velho (2016)
Fonte: Michalski (2018)63

Essas imagens manifestam nitidamente o so de amansamento da terra. Processo que


crescente impacto ambiental em relação facilita a incorporação de áreas de terras pú-
ao desmatamento. Tanto União Bandeiran- blicas pela elite agropecuária, que promo-
tes como Rio Pardo, iniciaram seu processo ve loteamentos em terras indígenas, como a
de ocupação por meio do deslocamento de ação que ocorreu na Terra Indígena Karipuna,
pequenos produtores, camponeses e cam- desarticulada pela operação S.O.S Karipuna
ponesas, expropriados de suas terras pelo (COSTA e SILVA, et al., 2020)64
regime de expansão da fronteira do agrone-
gócio, incorporando assim nova áreas a pro- Esta ação verdade deve ser compreendida
dução agropecuária nos limites de Unidades como Crime Ambiental. Crime este incenti-
de Conservação e Terras Indígenas. Esses su- vado pelo atual governo que marginaliza mo-
jeitos, buscam novos locais de morada, novas vimentos sociais de luta pela terra e invisibi-
terras de trabalho, imbuídos de esperanças liza e nega os direitos humanos e sociais dos
de dias melhores, e cansados de esperar pela povos indígenas e comunidades tradicionais
ajuda do Estado, contribuem com o proces- da Amazônia.

MICHALSKI, A. Geografia da Pecuária e do desmatamento em Porto Velho: União Bandeirantes e Rio Pardo. Monografia (Graduação em Geografia) – Fundação
63

Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho, Rondônia, 2018. 102f.


64
COSTA SILVA, R. G. da; MICHALSKI, A.; SOUZA, L. I. T.; LIMA, L. A. P. Fronteira, direitos humanos e territórios tradicionais em Rondônia (Amazônia Brasileira). Re-
vista de Geografia Norte Grande, n.° 77, p. 253 - 271, 2020. Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/pdf/rgeong/n77/0718-3402-rgeong-77-253.pdf

37
A SOCIEDADE EM
DEFESA DA AMAZÔNIA
Márcia Maria de Oliveira65
Neste breve texto, propomos pensar a Ama- partilhados num modo de vida não capitalista
zônia na perspectiva da sociedade compro- adotado e assimilado milenarmente.
metida com a sua defesa e dos seus povos.
Entretanto, a tomada deste posicionamento Somente quando se percorre pedagogica-
exige primeiramente conhecer a Amazônia. mente este itinerário é possível entender o
Ninguém defende o que não conhece. Pri- que significa defender a Amazônia, seu bioma
meiramente, num processo pedagógico, é e seus povos ameaçados em seus territórios,
preciso conhecer o bioma e os ecossiste- injustiçados, expulsos de suas terras, tortu-
mas (COUTINHO, 2006)66 que formam essa rados e assassinados nos conflitos agrários e
grande riqueza de fauna e flora interligadas socioambientais, humilhados pelos podero-
com uma diversidade de culturas. Precisa- sos do agronegócio e dos grandes projetos
mos conhecer os saberes e a diversidade econômicos desenvolvimentistas que “arre-
dos Povos da Amazônia, especialmente dos bentam com a Amazônia” (COSTA, 2019, p.
povos Indígenas, suas lutas por uma ecologia 79).69
integral, seus sonhos e esperanças são par-
te inseparável desta imensa Amazônia. Para Para defender a Amazônia, os povos que há
conhecer este território tão amplo e diverso milênios de anos com ela convivem, são ca-
é preciso estudar, ouvir os mais velhos, ob- pazes de derramar o próprio sangue. Os po-
servar, contemplar e saber que a grande flo- vos indígenas representam uma importante
resta tropical abrigou sociedades complexas diversidade sociocultural nesta realidade em
e uma população entre 8 e 10 milhões de ha- que, dadas as proporções geográficas, é uma
bitantes, antes da chegada dos colonizadores região gigantesca onde vivem povos e cultu-
(OLIVEIRA, 2016).67 ras diferentes que ocupam a região com mo-
dos de vida distintos. Todos os dias, retiram
O segundo passo é reconhecer as lutas e re- das águas o peixe nosso de cada dia sem
sistências dos Povos da Amazônia que en- excessos ou desperdícios, somente o neces-
frentam mais de 500 anos de colonização sário para alimentar suas famílias com o pes-
e de projetos desenvolvimentistas genoci- cado oferecido generosamente pela natureza
das pautados na exploração desmedida e na das águas que ainda o produz em abundân-
destruição da floresta e dos recursos naturais cia70. Mas, toda essa riqueza natural está em
(GRONDIN & VIEZZER, 2018)68. O terceiro risco mediante a exploração desmedida das
passo é a possibilidade de se conviver com grandes corporações econômicas.
a Amazônia, com o modo de ser de seus po-
vos, com seus recursos de uso coletivo com-

65
Doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia. Professora da Universidade Federal de Roraima. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e
Fronteiras (PPGSOF/UFRR).
66
COUTINHO, Leopoldo Magno. O conceito de bioma. Acta botânica brasílica, São Paulo, vol. 20, n.1, p. 13-23, Jan./Mar. 2006.
OLIVEIRA, Márcia Maria de. Dinâmicas Migratórias na Amazônia contemporânea. São Carlos: Scienza, 2016.
67

GRONDIN, Marcelo; VIEZZER, Moema. O Maior Genocídio da História da Humanidade – mais de 70 milhões de vítimas entre os povos originários das Américas
68

– Resistência e Sobrevivência. Toledo: Princeps, 2018.


69
COSTA, Willas Dias da. Os patrões do Purus: elites fundiárias, poder e novas dinâmicas territoriais no sul do Amazonas. 2017. 239 f. Tese (Doutorado em Antropo-
logia Social) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2019.
70
Sínodo para a Amazônia. Disponível em: https://repam.org.br/sinodo-para-a-amazonia/ . Consultado em 04/05/2021.

38
Outros grupos importantes que historicamen- um processo acelerado de limpeza e esva-
te se posicionam em defesa da Amazônia, ziamento de áreas estratégicas de grande in-
a partir da sua convivência com ela, são os teresse econômico cobiçadas por empresas
camponeses, os seringueiros, os ribeirinhos nacionais e internacionais (OLIVEIRA, 2016).
e as comunidade quilombolas. São povos
que vivem às margens dos grandes lagos da As grandes riquezas naturais da Amazônia e
Amazônia e utilizam os recursos naturais do a vastidão de seus recursos são negados à
território tendo como referência o contínuo maioria de seus habitantes, o que favorece
e cíclico movimento das águas dos grandes a predominância das desigualdades sociais,
rios que todos os anos enchem os lagos. En- econômicas, culturais e políticas. Nessa pers-
tretanto, os camponeses das várzeas, sofrem pectiva as cidades representam uma realida-
com a presença dos pescadores comerciais, de marcada por grandes contradições: de um
predadores dos recursos que já se tornaram lado, uma vastidão enorme de terras e flores-
escassos em determinadas regiões (OLIVEI- tas. De outro lado, muita gente, multidões in-
RA, 2019).71 teiras, de empobrecidos no campo e nas ci-
dades, sem terra, sem moradia, sem acesso
Os povos da floresta, camponeses da terra aos direitos básicos.
firme, nas suas mais diversificadas catego-
rias (seringueiros, indígenas e quilombolas), A ganância pela terra está na raiz dos confli-
extrativistas e coletores por excelência, so- tos socioambientais historicamente alimenta-
brevivem do que a terra e a floresta lhes dão do pelo projeto neocolonialista que produz o
generosamente. São os “agricultores familia- etnocídio73, a criminalização dos movimentos
res que cultivam pequenas porções de terras sociais e ao assassinato de suas lideranças
com técnicas tradicionais ancestrais classifi- camponesas e socioambientalistas. Demarcar
cadas como agroecologia familiar por corres- e proteger a terra é obrigação dos Estados
ponder a um modo de vida de inter-relação nacionais e de seus respectivos governos. No
e interdependência com a terra e a natureza” entanto, boa parte dos territórios indígenas
(WITKOSKI, 2007, p. 111)72. Esses povos cui- está desprotegida e os já demarcados es-
dam da terra e a terra cuida deles na mesma tão sendo invadidos por frentes extrativistas
proporção. O modo de vida desses povos ba- para mineração e exploração madeireira, por
seado no “Bem-Viver”, encontra-se ameaça- grandes projetos de infraestrutura, por culti-
do pelos grandes projetos econômicos, pelo vos ilícitos e por grandes propriedades que
avanço do latifúndio e pelo permanente pro- promovem a monocultura e a pecuária ex-
cesso de desmatamento da floresta. tensiva74.

As cidades da Amazônia têm crescido mui- Movimentos em prol dos direitos territoriais
to rapidamente e recolhido muitos migrantes dos povos indígenas e demais grupos tradi-
deslocados de forma compulsória, empur- cionais, a partir da década de 1980, coadu-
rados para as periferias de grandes centros naram esforços com a luta da conservação
urbanos que avançam floresta adentro (OLI- ambiental, criando o paradigma, que hoje é
VEIRA, 2016). Na sua maioria são povos in- conhecido por socioambientalismo. Nele, es-
dígenas, ribeirinhos, quilombolas expulsos tão presentes as preocupações com o Bem
pelos garimpos e mineradoras, encurralados Viver, com a qualidade de vida digna, com a
pelas madeireiras, e massacrados nos confli- defesa dos povos tradicionais e de seus terri-
tos agrários e socioambientais resultantes da tórios. Esses povos têm condições de auxiliar
omissão falaciosa do Estado que tem adotado na conservação ambiental, como eles já o fa-

OLIVEIRA, Márcia Maria de. Desafios e perspectivas do processo de preparação do Sínodo Especial para Amazônia. São Paulo: Revista de Cultura Teológica Ano,
71

XXVII, N. 94 - Jul/Dez 2019 http://revistas.pucsp.br/culturateo


72
WITKOSKI, A.C. Terras, Florestas e Águas de Trabalho – Os camponeses amazônicos e as formas de uso de seus recursos naturais. Manaus: EDUA/FAPEAM, 2007.
De acordo com GRONDIN & VIEZZER (2018), fundamentado nas publicações de historiadores e antropólogos de várias parte do continente, o etnocídio se refere
73

ao assassinato da cultura de um povo. Trata-se de um conceito estreitamente vinculado ao genocídio dos povos indígenas no Continente Americano onde o pro-
cesso colonizatório eliminou mais de 70 milhões de indígenas das Américas, particularmente entre os anos 1492 e 1900.
74
Documento Final do Sínodo Especial para a Amazônia, n. 45.

39
zem, a partir de sua espiritualidade e de suas implica um “bem fazer” (GUDYNAS, 2011)78.
formas tradicionais de vida. Este modo integral se expressa em seu modo
próprio de organizar-se, que parte da famí-
Os povos indígenas, com profundo respeito a lia e da comunidade e que abraça o uso
todas as formas de vida, manejam seu ter- responsável de todos os bens da criação.
ritório a partir de modos de vida integrados
ao bioma, considerados de baixo impacto Ocorre que há uma intensa pressão de em-
ambiental e geralmente compostos por siste- presas e do governo sobre seus territórios,
mas produtivos sazonais, baseados na caça, sob a forma de projetos agropecuários, ma-
na pesca, na coleta e na agricultura sustentá- deireiros, grandes obras de infraestrutura e
vel. As Terras Indígenas abrigam rica, vasta e de grandes empreendimentos extrativistas,
abundante biodiversidade, um precioso lega- especialmente de petróleo e mineração. A
do dos povos indígenas para toda a humani- presente década marca o que parece ser o
dade (OLIVEIRA, 2019). fechamento final do cerco aos povos indí-
genas da maior floresta tropical do mundo,
Na floresta, não só a vegetação se entrelaça, agora transformada na “última fronteira” da
uma espécie apoiando a outra, mas também acumulação primitiva do capital e em local
os povos se relacionam entre si em uma rede privilegiado da devastação ambiental (OLI-
de alianças que beneficia a todos e todas. A VEIRA, 2016, p. 77).
floresta vive de inter-relações e interdepen-
dência, e isso acontece em todas as dimen- É cada vez maior o número de pessoas de
sões da vida. Graças a isso, o frágil equilíbrio outras regiões do Brasil e do mundo inteiro
da Amazônia foi mantido durante séculos. que tem se preocupado em conhecer para
defender a Amazônia e seus ecossistemas.
Um estudo inédito da Rede Amazônica de Um exemplo desta adesão é a ‘Campanha
Informação Socioambiental Georreferencia- Amazoniza-te’79 promovida pela Rede Ecle-
da (RAISG) comprova que as Terras Indíge- sial Pan-Amazônica – REPAM, que tem con-
nas são essenciais para a manutenção dos seguido inúmeras adesões da sociedade ci-
estoques de carbono, que impedem que o vil, de artistas e personalidades como o Papa
aquecimento global seja ainda mais intenso75. Francisco, considerado atualmente a maior
De fato, as florestas tropicais são importantes autoridade na defesa da questão ambiental
agentes responsáveis pela regulação do cli- em nível mundial. Por ocasião do lançamento
ma e os povos indígenas são seus principais da campanha o Papa Francisco afirmou que
guardiões76. “estamos todos preocupados com os gran-
des incêndios que ocorrem na Amazônia. Re-
Os indígenas, “quando permanecem nos seus zemos, para que com o empenho de todos,
territórios, são os que melhor os cuidam dele, sejam controlados o quanto antes. Porque
desde que não se deixem enredar pelos can- aquele pulmão da floresta é vital para o nosso
tos das sereias e pelas ofertas interesseiras de planeta”.
grupos de poder”77. Mas os territórios indíge-
nas estão sendo ameaçados, em suas formas Amazoniza-te é uma convocação para defen-
tradicionais de vida, no uso e manejo do meio der a floresta amazônica, os ecossistemas em
ambiente. Em suma, os indígenas buscam o geral, lutar contra o aquecimento global, pro-
ideal de Bem-Viver que “significa compreen- teger a fauna e a flora, proteger os guardiões
der a centralidade do caráter relacional trans- das florestas, proteger os direitos dos povos
cendente dos seres humanos e da Criação, e indígenas e das comunidades tradicionais. Da

75
https://www.amazoniasocioambiental.org/pt-br/
76
Peritos e auditores brasileiros do Sínodo lançam manifesto contra o PL191/2020. Disponível em: https://repam.org.br/peritos-e-auditores-brasileiros-do-sinodo-
-lancam-manifesto-contra-o-pl191-2020/ Consultado em 04/05/2021.
Encíclica Laudato Si, 2015, n. 146
77

78
GUDYNAS, Eduardo. Buen vivir: Germinando alternativas al desarrollo. América Latina em Movimento – ALAI, Quito, n° 462, p. 1-20, fev. 2011.
79
Campanha Amazoniza-te está disponível em: https://www.amazonizate.org/

40
mesma forma, os povos indígenas têm se po- 1) vulnerabilidade dos Povos Indígenas
sicionado pela urgência da demarcação das e comunidades tradicionais à contamina-
terras indígenas e a proteção contra as inva- ção pelo novo Coronavírus (Convid-19), com
sões, antes que tudo seja desmatado. destaque para a debilidade no atendimento
e estrutura dos equipamentos públicos de
O eixo motivador da campanha amazoniza-te saúde nos estados e municípios da Amazônia,
é o enfrentamento às diversas formas de vio- aquém das condições de outras regiões do
lência contra os povos tradicionais agravadas país;
pela pandemia da Covid-19, em “uma con-
juntura onde o desmatamento e a grilagem, as 2) aceleração da destruição do bioma
queimadas, a mineração e garimpo se inten- pelo aumento descontrolado do desmata-
sificam, tornando-se agentes de proliferação mento, das queimadas, a invasão de terri-
do coronavírus nas comunidades da região tórios indígenas e das Comunidades Tradi-
amazônica” afirma a descrição da campanha. cionais pela grilagem, mineração, garimpo,
“Amazonizar-te”, foi a declaração final da As- pecuária e plantio de monoculturas, e pelos
sembleia Mundial pela Amazônia realizada efeitos das hidrelétricas sobre as populações
nos dias 17 e 18 de julho de 202071 que as- ribeirinhas;
sumiu um conjunto de ações que articulam
as lideranças dos povos e comunidades tra- 3) violação sistemática da legislação de
dicionais, a Igreja na Amazônia, os diferentes proteção ambiental e desmonte dos órgãos
organismos eclesiais, artistas e formadores de públicos, com atuação intencional do gover-
opinião, pesquisadores e cientistas. no para desregulamentar e ampliar, de forma
ilegal, a atuação das mineradoras, agronegó-
A convocatória “Amazonizar” propõe a par- cio, madeireiras e pecuaristas na região.
ticipação ativa de todo o povo em defesa da
Amazônia, seu bioma e seus povos amea- Embalada pelo neologismo do verbo ‘amazo-
çados em seus territórios. São vozes que se nizar’ a campanha dirige-se primeiramente
somam diante uma realidade de muitas vidas para dentro, ou seja, para amazonizar quem
injustiçadas, expulsas de suas terras, tortu- está fora da Amazônia, primeiramente é pre-
radas e assassinadas nos conflitos agrários ciso se deixar amazonizar que implica em
e socioambientais, vítimas de uma política conhecer, reconhecer conviver e defender a
orientada pelo agronegócio e por grandes Amazônia pela importância que ela represen-
projetos econômicos desenvolvimentistas ta para sua gente e todo o planeta. Para sua
que não respeitam os limites da natureza nem gente a Amazônia é Casa Comum, lugar de
a sua preservação. convivência e cumplicidade entre o humano
e a natureza. Para o Planeta, ela produz chu-
A campanha tem conseguido sensibilizar a vas através dos famosos “rios aéreos”72 que
opinião pública brasileira e internacional so- irrigam outras regiões do Brasil e de todo o
bre o perigo ao qual está sendo exposta a vida continente contribuindo para a regulação cli-
na Amazônia, com os territórios e as popu- mática da terra inteira. Justamente por saber
lações. O desmonte dos órgãos públicos de da importância da Amazônia para o mundo,
proteção ambiental, o desrespeito contínuo que a sociedade tem se posicionado em sua
da legislação, bem como ausência da parti- defesa e mobilizado instituições no mundo
cipação da sociedade civil nos espaços de inteiro para se somarem à luta dos povos que
regulação de controle das políticas públicas. vivem neste território tão cobiçado e amea-
Para atingir estes objetivos a campanha está çado.
estruturada em três eixos:

80
A Assembleia Mundial pela Amazônia contou com 3.098 participantes online, (https://asambleamundialamazonia.org/), representantes de diversos países, realiza-
ram a “Assembleia Mundial pela Amazônia”. Os nove países da Pan-Amazônia foram os anfitriões do evento realizado nos quatro idiomas oficiais (inglês, espanhol,
português e francês) e em mais de 80 línguas indígenas faladas na Amazônia, expressão de uma das nossas maiores riquezas culturais. Disponível em: https://
amazonasatual.com.br/a-floresta-os-indios-e-a-assembleia-mundial-pela-amazonia/. Consultado em 05/05/2021.
Antonio Nobre: O planeta está enfermo – é preciso ‘reajardiná-lo’. Entrevista de Paulina Chamorro a Antonio Nobre em fevereiro de 2021. Disponível em: https://
81

www.nationalgeographicbrasil.com/meio-ambiente/2021/01/antonio-nobre-o-planeta-esta-enfermo-e-preciso-rejardina-lo.

41
PARQUE ESTADUAL GUAJARÁ
MIRIM E RESERVA EXTRATIVISTA
ESTADUAL JACI-PARANÁ
TERRITORIOS AMEAÇADOS
Ivaneide Bandeira Cardozo82

Introdução

As áreas protegidas estaduais no Estado de objetivos de conservação e limites definidos,


Rondônia foram criadas pelo Governo e são sob regime especial de administração, ao
resultados da luta de seringueiros, ambienta- qual se aplicam garantias adequadas de pro-
lista, indígenas, trabalhadores rurais, sem ter- teção”.
ras, atingidos por barragens e ONGs – Orga-
nizações não Governamentais que na década As Unidades de Conservação (UC) de Ron-
de 1990 faziam parte do Fórum de ONGs e dônia vem sofrendo pressões, desmatamen-
Movimentos Sociais de Rondônia83. tos e invasões oriundos de diversos setores
econômicos do Estado, o que já era citado
Foram criadas e são geridas pelo Go- por Ribeiro e Veríssimo (2007), devido a não
verno de Rondônia quarenta UCs de várias implementação pelo Estado e a falta de fisca-
categorias, definidas no Sistema Estadual de lização e punição aos que grilavam, desma-
Unidades de Conservação – SEUC instituído tavam e se apossavam das áreas para roubar
pela Decreto lei n° 1.144, de12 dezembro de madeira e consolidar a criação de gado den-
2002 e estão classificadas em dois grupos: tro destas Área Protegidas.
Proteção Integral e Desenvolvimento Susten-
tável. As unidades de conservação
do estado de Rondônia
O Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC – Lei n° 9.985/2000), O estado de Rondônia possui 40 (quarenta)
conceitua as Unidades de Conservação (UC) Unidades de Conservação Estaduais, sendo
como “espaços territoriais e seus recursos 07 (sete) de proteção integral (03 Parques,
ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, 02 Reservas Biológicas e 02 Estações Eco-
com características naturais relevantes, le- lógicas, 33 (trinta e três) de desenvolvimento
galmente instituídos pelo Poder Público, com sustentável (21 Reservas Extrativistas e 10 Flo-

Mestre em Geografia e estudante de doutorado pela Universidade Federal de Rondônia, indigenista da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e membro
82

do GENTEH-UNIR.
83
O Fórum de ONGS e Movimentos Sociais era composto de 130 instituições, a que atuavam diretamente com a questão ambiental eram OSR Organização de
Serigueiros de Rondônia, Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé, Ação Ecologica Guaporé- ECOPORÉ, APARAI – Associação de Preservação Ambiental
e Recuperação de Areas Indigenas, INDIA – Instituto India Amazonia, Associação Metareilá do Povo Indígena Surui, CUNPIR – Coordenação das Organizações
Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas, PACA – Proteção Ambiental Cacoalense, MST –Movimento Sem Terra, MAB –Movimento
Atingidos por Barragens, CIMI – Conselho Indigenista Missionário, MCC – Movimento Camponês Corumbiara, Fetagro – Federação de Trabalhadores e Traba-
lhadores na Agricultura de Rondônia.

42
restas Estaduais de Rendimento Sustentado De 33 designados em 2016 para atuarem nas
e 02 Áreas de Proteção Ambiental), que são UCs apenas 3 estavam diretamente na Uni-
destinadas a preservação da biodiversida- dades, como o Diário Oficial não traz em qual
de, pesquisa científica, educação ambiental, UC foi lotado o servidor, acreditamos que isto
turismo, e no caso das de desenvolvimento seja feito intencionalmente para evitar co-
sustentável ao uso exclusivo dos extrativistas brança e dar a falsa impressão que a UC es-
(SEUC,2002). teja sendo implementada e o Governo cum-
prindo seu papel.
A gestão e implementação das UCs é respon-
sabilidade do órgão gestor a SEDAM – Se- Esta situação além de dar a falsa impressão
cretaria Estadual de Desenvolvimento Am- que a UC encontra-se protegida, favorece a
biental, que deveria ter designado servidores grilagem e a todo tipo de invasão.
para atuar direto nas áreas protegidas, no en-
tanto embora o Diário Oficial traga servido- No caso do Parque Estadual Guajará Mirim,
res lotados nas Unidades, poucos são os que no período em que o estudo – citado ante-
realmente estão lá, em documento elaborado riormente - da Kanindé foi realizado, havia um
pela Kanindé intitulado “Pressões e Ameaças servidor, ocupando a função de ‘chefe’ pre-
as Unidades de Conservação Estaduais de sente na UC, no entanto em relação a Reserva
Rondônia” publicado em 2017 poucos eram Extrativista Estadual de Jaci Paraná não havia
os que estavam nas reservas, o que demons- nenhuma informação, o que deixava claro a
trava a fragilidade e a falta de compromisso falta de compromisso do Estado com a Resex.
do Governo com essas áreas protegidas, con-
forme o Quadro I(CARDOZO, 2017).

Quadro I. Servidores lotados nas UCs, 2016


Item Nome Função Local de Atuação Documento
Diário Oficial Do Estado
Austerio Malaquias Assessor Especial de
1 Sem informação De Rondônia N° 132 De
da Silva Gestão de UC
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Raimundo Pereira Assessor de Gestão de
2 Sem informação De Rondônia N° 132 De
dos Santos UC
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Nacilda Gomes de Assessor de Gestão de
3 Sem informação De Rondônia N° 132 De
Souza UC
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Jorge Lourenco da Gerente de Unidades de CUC em Porto
4 De Rondônia N° 132 De
Silva Conservação Velho
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Osvaldo Castro de Chefe da Divisão de CUC em Porto
5 De Rondônia N° 132 De
Oliveira Fomento ao Extrativismo Velho
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Sebastiana Socorro Chefe de Divisão de CUC em Porto
6 De Rondônia N° 132 De
Silva Almeida Manejo de UC Velho
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Maria Auxiliadora da Chefe de Divisão de
7 Sem informação De Rondônia N° 132 De
Fonseca Ferreira Implantação de Conselhos
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Juciley Candido Gerente de Proteção e CUC em Porto
8 De Rondônia N° 132 De
Gomes Monitoramento de UC Velho
19.07.2016

43
Quadro I. Servidores lotados nas UCs, 2016
Item Nome Função Local de Atuação Documento
Diário Oficial Do Estado
Chefe de Divisão de
9 Miguelangelo Sardi Sem informação De Rondônia N° 132 De
Monitoramento de UC
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Geraldo Duarte Chefe da Divisão de CUC em Porto
10 De Rondônia N° 132 De
Costa Monitoramento de UC Velho
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Renato Berwanger Gerente de UCs de CUC em Porto
11 De Rondônia N° 132 De
da Silva Proteção Integral Velho
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Ceres Lopes Chefe da Divisão de CUC em Porto
12 De Rondônia N° 132 De
Custodio Pesquisa Velho
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Paulo Sergio Costa Chefe Divisão de Uso
13 Sem informação De Rondônia N° 132 De
Lima Público
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Chefe Divisão de
14 Clemair Scarmucin Sem informação De Rondônia N° 132 De
Conselhos Consultivos
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Gerente de Regularização CUC em Porto
15 Silvia Gonçalves De Rondônia N° 132 De
Fundiária de UC Velho
19.07.2016
Chefe da Divisão de Diário Oficial Do Estado
Uilliam Gastão CUC em Porto
16 Regularização Fundiária De Rondônia N° 132 De
Hoppen Lindner Velho
de UC 19.07.2016
Chefe de Divisão de Diário Oficial Do Estado
CUC em Porto
17 Celi Arruda Lisboa Regularização Fundiária De Rondônia N° 132 De
Velho
de UC 19.07.2016
Chefe de Reservas
Diário Oficial Do Estado
Francisco Silva Extrativistas (Resex) Atua no interior da
18 De Rondônia N° 132 De
Eleoterio dos Santos Cautário-Curralinho- Resex do Cautário
19.07.2016
Pedras Negras
Chefe Resex Rio Preto Diário Oficial Do Estado
Luis Antonio
19 Jacundá-Rio-Machado Sem informação De Rondônia N° 132 De
Moncelin
Anari -FERS Cujubim 19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Evanilson Marinho Chefe da Resex Jaci-
20 Sem informação De Rondônia N° 132 De
Feitosa Paraná
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Rosinete Ferreira Chefe Resex Pacaás Atua no interior da
21 De Rondônia N° 132 De
Lins da Silva Novos Resex
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Gerfson Rodrigues
22 Chefe da FERS Cujubim Sem informação De Rondônia N° 132 De
da Silva
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Chefe da FERS Rio
23 Eliwinte Shockness Sem informação De Rondônia N° 132 De
Machado
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Ary Pinheiro Chefe da FERS Porto
24 Sem informação De Rondônia N° 132 De
Borzacov Velho-APAS
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Manoel Arnaldo Dias Chefe APA Rio Madeira-
25 Sem informação De Rondônia N° 132 De
Magalhães Rio Vermelho
19.07.2016

44
Quadro I. Servidores lotados nas UCs, 2016
Item Nome Função Local de Atuação Documento
Diário Oficial Do Estado
Peregrino Felix
26 Chefe da APA Rio Pardo Sem informação De Rondônia N° 132 De
Pinheiro Monteiro
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Raimundo Dima
27 Chefe Parque Corumbiara Fica na UC De Rondônia N° 132 De
Lima
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Chefe Parque Guajará
28 Elciney de Brito Silva Fica na UC De Rondônia N° 132 De
Mirim
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Ronan Rodrigues Chefe Parque Serra dos
29 Sem informação De Rondônia N° 132 De
Reis Reis
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Jose Evaldo de
30 Chefe ESEC Três Irmãos Sem informação De Rondônia N° 132 De
Castro Pedraça
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Ana Maria de
31 Chefe ESEC Samuel Sem informação De Rondônia N° 132 De
Macedo
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
Guilherme Carlos Chefe da Rebio Ouro
32 Sem informação De Rondônia N° 132 De
Azzi Paes Preto
19.07.2016
Diário Oficial Do Estado
33 Jose Leite Ferreira Chefe da Rebio Traçadal Sem informação De Rondônia N° 132 De
19.07.2016
Fonte: Kanindé, 2017.

PRESSÕES E AMEAÇAS * Falta estudo e pesquisa aprofundado


AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO sobre a biodiversidade;

Embora todas as Unidades de Conservação * Das 12 Resex apenas 07(sete) possuem


estaduais sofram diversos tipos de pressões e Plano de Manejo;
ameaças nesse artigo vamos nos ater apenas
ao Parque Estadual de Guajará Mirim e a Re- * Os recursos para a gestão e implemen-
serva Extrativista Jaci Paraná. tação são inadequados;

RESERVA EXTRATIVISTA -RESEX * Desmatamento, caça e pesca ilegal


causados por invasões, grilagens generaliza-
Rondônia possui 21 (vinte e uma) Reservas das e falta de punição aos invasores;
Extrativistas Estaduais a maioria localizada na
região de Machadinho e Guajará Mirim, que * Gado ilegal a exemplo da Resex Jaci
sofrem ameaças e pressões dos mais diversos Paraná que mesmo o Governo vendo os in-
tipos: vasores colocarem nada foi feito para coibir;

* Falta de servidores atuando direto nas * Falta de ação do órgão gestor para re-
Resex; tirar invasores e gado do interior das UCS;

* As Resex não têm suas áreas regula- * Dificuldade de ser feito o controle so-
rizadas, as terras ainda pertencem a UNIÃO cial e a gestão pelos extrativistas, já que mui-
e a demarcação de suas fronteiras não torna tas não tem conselho e quando tem não fun-
claro seus limites; cionam.
45
PARQUES, ESTAÇÃO ECOLÓGICA E Reserva Extrativista Estadual
RESERVA BIOLÓGICA de Jaci –Paraná e as tentativas
de desafetação da UC.
O estado de Rondônia tem sobre sua gestão
08 (oito) Parques 02 Reservas Biológicas, Criada em 17 de janeiro de 1996 pelo Decre-
03(três) Parques e 02(duas) Estação Ecológia to n°7335 a Reserva Extrativista Estadual de
que são: Jaci-Paraná com uma área de 197.364 hec-
tares localizadas nos municípios de Porto Ve-
* Reserva Biológica Rio Ouro Preto lho e Nova Mamoré no Estado de Rondônia.

* Reserva Biologica do Traçadal; Desde sua criação a Resex sofre pressão para
sua desafetação por vários interesses econô-
* Parque Estadual Guajará Mirim; micos e políticos contrários a conservação da
UC.
* Parque Estadual Serra dos Reis;
Em 27 de dezembro de 1996 a Resex so-
* Parque Estadual Corumbiara; fre sua primeira redução quando pela Lei
692 são definidos os limites da Resex com
* Estação Ecológica de Samuel; 191.324,311 reduzindo 6.040 hectares.

* Estação Ecológica Serra dos Três Ir- Para dar vazão ao lago da Hidrelétrica de
mãos Santo Antonio no rio Madeira, em uma ne-
gociação com o Governo Federal a UC so-
As principais ameaças e pressões nas UCs fre uma nova alteração dos limites conforme
são: a Lei Complementar 633 de 13 de setembro
de 2011 passando a ter 197.364,1225 hecta-
* Grilagem, roubo de madeira, desma- res, voltado o tamanho original no Decreto de
tamento, pastagem, queimadas, pesca, gado criação.
ilegal, trafico de drogas,
A Lei Complementar em seu caput 7° propõe
* Garimpo ilegal; a redução de 2.240,2638 hectares, porém no
seu Art. 8° traz de volta o tamanho original do
* Falta servidor atuando diretamente na Decreto n° 7335.
UC;
A SEDAM em 16 de janeiro de 2014 emite a
* Falta recursos e equipamentos apro- Portaria n° 001/GAB/SEDAM publicada no
priados para a gestão das UCs; DOE n° 2683 de 20 de janeiro de 2014.

* Falta de implementação dos Plano de A Portaria traz as seguintes informações em


Manejo onde tem; seus considerando:

* Transporte de gado na estrada que Considerando que a Reserva Extrativis-


corta o Parque de Guajará Mirim; ta Jaci-Paraná foi criada pelo Decreto
Estadual n° 7335, de 17 de janeiro de
* Invasão de fazendeiros nos limites das
1996, alterado pela Lei 692/96 que
reduziu sua área. Entretanto, a finalida-
UCs. de da sua criação era proteger vários
seringais, denominados Jaci-Paraná,
* Monitoramento e avaliação ineficazes; ocupados há um século, contemplan-
do assim, as comunidades tradicionais.
* Conselho Consultivo sem funcionar de
Na ocasião existiam 75 colocações,
sendo que 23 estavam ocupadas, cujas
forma adequada. atividades estão restritas a extração de
borracha, coleta de frutos nativos, com
limitação de atividade agrícola, pois a
46
Exatamente 29 dias depois, antes de com-
pletar 01 mês em 11 de fevereiro de 2014 da
população que lá existia praticava tais
atividades, além da pesca e a caça. Na
publicação da Portaria da SEDAM, os depu-
época já existia um Plano de Utilização tados na Assembleia Legislativa de Rondônia
da reserva elaborado em 1997 e era aprovam a extinção da Resex, pelo Decreto
gerida pela Associação dos Seringuei- Legislativo 506 que a susta o Decreto n° 7335
ros de Jaci-Paraná; de criação da Resex do Jaci-Paraná.
Considerando que atualmente existem
aproximadamente 44.000 cabeças de
O Governador Confúcio Moura veta todo o
gado no interior da Unidade, segundo projeto por este ser inconstitucional, confor-
registro da Agência de Defesa Sanitária me Mensagem 064 de 27 de março de 2014.
Agrossilvopastoril do Estado de Ron-
dônia – IDARON, edificações e pistas Por derradeiro, não se deve ignorar que
de pouso clandestinas, demonstrando a RESEX Jaci-Paraná encontra assento
total falta de controle por parte do Es- constitucional, conforme autorização
tado, fato que tem acarretado prejuízos contida no artigo 20 das Disposições
irreparáveis a integridade e a finalidade Constitucionais Transitórias, in verbis:
da criação da reserva;
Art. 20. Fica autorizada, de acordo
Art. 1°. Adotar providência administra- com Zoneamento Socioeconômico e
tiva, dentre outras tempestivamente Ecológico, a criação de Reserva Extra-
cabíveis, em atendimento às conside- tivista de Rendimento Sustentado nas
rações expostas, a saber: seguintes regiões: Rio Preto, rio Jacun-
dá, Jaci-Paraná, Mutum-Parana, São
a) proceder a notificação dos proprie- Miguel,Pedras Negras, Pacaás novos e
tários do gado existente na Reserva Ex- rio Novo.
trativista - RESEX Jaci-Paraná para que
os mesmos realizem a retirada do gado, Em 11 de fevereiro de 2014 essas pressões re-
o qual deverá estar acompanhado da cebem o apoio na Assembleia Legislativa de
Guia de Transporte Animal – GTA de- Rondônia que em plenário aprovam por maio-
vidamente emitida pela Agência de
Defesa Sanitária Agrossilvopastoril do ria dos votos, em votação simbólica, a extin-
Estado de Rondônia (IDARON), num ção da Resex aprovando o Decreto Legislativo
prazo de 40 (quarenta) dias corridos, n° 143/14 de autoria coletiva, conforme Ata da
iniciando-se a contagem deste prazo a Sessão de nr. 17 de 12/02/2014 (https://www.
partir do dia 19 (dezenove) de fevereiro al.ro.leg.br/transparencia/diario-oficial/2014/
(02) de 2.014 (dois mil e catorze);
edicao-nr-017-de-12-02-2014.pdf/view
b) por ocasião da referida notificação, acessado em 24/05/20210).
levar ao conhecimento do notificado
que o não cumprimento do que está Dos 16 deputados presentes na sessão da
estabelecido na notificação, ensejará a ALE 15 votaram a favor e apenas 01 absten-
aplicação de sanções previstas no De- ção, evidenciando o interesse dos deputados
creto Federal n° 6.514, de 22 de julho
de 2008, sem prejuízo das sanções em extinguir a Unidade de Conservação e
penais e cíveis cabíveis. nenhum em retirar do seu interior os grileiros,
no entanto o Tribunal de Justiça de Rondônia
Chama a atenção um dos considerando: expede Liminar s/n de10 de abril de 2014 re-
Considerando o notório interesse por vogando o ato da Assembleia Legislativa.
parte de políticos em manter tal situ-
ação para justificar pretensa extinção A Instrução Normativa 01 de 16/01/2014 que
da reserva ou a redução, seguindo o determinava a retirada das 44 mil cabeças de
exemplo da Floresta Nacional Bom
gado do interior da Resex não é cumprida, e
Futuro, que teve sua área minimizada
para proporcionar a regularização fun- estes permanecem em seu interior e aumen-
diária e ambiental de áreas invadidas tam as invasões e degradação da UC.
irregularmente em meados de 1999 e
2000. O Ministério Público Estadual entra com
Ação Direta de Inconstitucionalidade e

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em 02/05/2016 o Tribunal de Justiça de Em 06 anos desde a edição da Portaria n°
Rondônia julga o processo 0003755- 001/GAB/SEDAM de 16/01/2014 não houve
58.2014.822.0000 e por unanimidade de- a retirada do gado, que triplicou a quantidade
cide pela procedência do pedido e declaram de cabeças de gado, aumentando de 44 mil
inconstitucional os Decretos Legislativos N. para 120 mil sem que os governos tivessem
506/14,507/14 e 509/14 que extinguiam a tomado nenhuma atitude para retirada des-
Resex (https://www.tjro.jus.br/apsg/pages/ ses animais.
DocumentoInteiroTeor.xhtml acessado em
24/05/2021) É evidente a intenção de justificar a diminui-
ção da Resex para beneficiar os grileiros, le-
Na legislatura de 2015-2019 há uma renova- galizando o crime de invasão de terras públi-
ção na ALE parte dos deputados desde a pri- cas.
meira investida da Assembleia Legislativa em
2014 para extinguir a Resex do Jaci-Paraná Em 20/04/2021 os deputados por una-
não se elegem e apenas 9 (nove) conseguem nimidade aprovam o PL 080 reduzindo a
se reeleger, mas a sanha para acabar com as Resex em 174.875,7263 hectares deixando
Unidades de Conservação permanece, e os conforme a Lei Complementar n° 1089 de
deputados eleitos e reeleitos aprovam a Lei 20/05/2021 sancionada pelo Governador
Complementar N°. 974 e o Governador Da- Marcos Rocha apenas 22.487,818 hectares
niel Pereira sanciona em de 16 de abril de que trata da mata ciliar e reserva legal, des-
2018 trazendo uma incoerência no texto, já truindo quase que completamente a UC e
que o Art.7° propõe a redução em 2.707,2538 deixando os extrativista sem ter como produ-
hectares, no entanto no Art.8° restabelecem zir em seu interior.
o tamanho original proposto pelo Decreto n°
7335 que é de 197.363,5443 hectares. § 1° A Reserva extrativista Jaci-Para-
ná localizada nos Municípios de Porto
Velho, Buritis e Nova Mamoré criada
As eleições para o pleito do período de 2019- pelo Decreto n° 7.335, de17 de janeiro
2023 também trazem mudanças na ALE, dos de 1996, terá a área disposta no art.1°
27 ocupantes das cadeiras, apenas 13 depu- acrescida da desafetação do restan-
tados são reeleitos, inclusive os que anterior- te já antropizada, restando apenas o
corredor ecológico ás margens do Rio
mente haviam votado pela desafetação da Jaci e Rio Branco e passará a terá área
Resex. remanescente de 22.487,818 hectares,
com os limites e confrontações cons-
A Mensagem 204 de 08/09/2020 enviada tantes do Anexo I e mapa do Anexo II
pelo Governador Marcos Rocha, justifica a da presente Lei.
diminuição da área da Resex dizendo:
Parque Estadual Guajará Mirim e as
Destaco, que atualmente, estima-se constantes reduções de limites
que existam cerca de 120 mil cabeças
de gado no interior da Reserva Extra-
O Parque Estadual Guajará Mirim foi criado
tivista Jaci-Paraná, sem qualquer li-
cenciamento ambiental ou autorização pelo Decreto 4.575 23 de março de1990 com
para supressão de vegetação nativa, o uma área de 258.813 hectares, a primeira al-
que impossibilita a regeneração natural teração veio com a Lei 700 de 27/12/1996
da Reserva, em razão do alto grau de que reduz em 51.664,734 hectares passan-
compactação do solo ocasionado pela
do o Parque a ter uma área de 200.891,00
carga excessiva de animais, ou seja, a
área em questão já se encontra com hectares.
o seu banco de sementes significati-
vamente comprometido, tornando ex- Nova alteração é feita em 12 de dezembro de
tremamente improvável a regeneração 2002 que aumenta a área da UC em 15.676,
natural da sua vegetação nativa.
6764 pela Lei n° 1146 de 12/12/2002 publi-
cada no DOE n° 5131, de 18/12/2002 passan-
do a UC a ter 216.567,6764 hectares.

48
Em 08/09/2020 o Governador Marcos Ro-
cha envia a Mensagem 204 propondo uma
redução dos limites do Parque Estadual Gua-
jará Mirim e assim como no caso da Resex
Jaci-Paraná justifica o fato de haver gado
dentro da UC, buscando novamente tornar
legal o crime da grilagem.

Ademais, a áreade14.325,9920 hecta-


res incluída pela Lei n° 1.146, de 2002,
no Parque Estadual de Guajará-Mirim
encontra-se parcialmente ocupada por
diversos grupos sociais, que atualmen-
te, desenvolvem no local atividades in-
compatíveis com os objetivos da Uni-
dade, a exemplo da criação extensiva
de gado para fins de comercialização
e nesse contexto, o que se verifica é
que, a exemplo da Reserva Extrativista
Jaci-Paraná, a manutenção dos atuais
limites do Parque Estadual Guajará-
-Mirim, também tende a impossibilitar
a sua integral implementação e eficien-
te gestão pelo Poder Público.

O Parque é beneficiário do ARPA Programa


Áreas Protegidas da Amazônia do Governo
Federal e nos últimos 5 anos recebeu para
implementar as ações de Manejo da UC o
equivalente a R$ 3.747.673,56 (Kanindé/ISA,
2017). Portanto não se justifica que durante
todo esse tempo não tenham retirado os in-
vasores da área protegida, muito menos que
seja proposto a diminuição de seus limites
para beneficiar o crime de grilagem.

Os deputados na ALE apresentam 05 emen-


das ao PLC 80 que ampliando a redução dos
limites proposto pelo Governador Marcos Ro-
cha que era de 14.325,9920 hectares para
55 mil hectares para beneficiar os que prati-
cam o crime de invasão de terras da publicas
(https://cimi.org.br/2021/05/organizacoes-
-contra-reducao-unidades-conservacao-
-rondonia/ acessado em 24/05/2021).

Em 20/04/2021 PL 080 é aprovado in-


cluindo as emendas e a Lei Complementar
n° 1089 de 20/05/2021 é sancionada pelo
Governador Marcos Rocha deixando o Par-
que Estadual Guajará Mirim com uma área de
200.04,72.

49
CONSIDERAÇÕES
No dia 06/05/2021 protocolaram uma carta
na casa civil solicitando ao Governador que
vetasse o PLC 80 e entregam ao Ministério

FINAIS Público Federal uma representação assina-


da pela Frente Ampla em Defesa das Áreas
Protegidas de Rondônia assinada por 66 or-
ganizações e pessoas individuais ligadas as
As pressões e ameaças sofridas pelo Parque universidades e movimentos sociais alertan-
Estadual Guajará Mirim e da Reserva Extrati- do para os problemas constantes no PLC 80
vista Jaci-Paraná ocorrem proporcionada por e como a redução das UCs afetaria os povos
falta de compromisso dos órgãos gestores em indígenas, em especial os índios isolados e a
proporcionar a implementação das UCs. Bas- biodiversidade das áreas protegidas para be-
ta observar a falta de infraestrutura adequa- neficiar a grilagem de terras públicas (https://
da, servidores, fiscalização, monitoramento e globoplay.globo.com/v/9494901/ acessado
avaliação, planos de manejo, equipamentos em 24/05/2021)
e veículos, capacitação técnica, investimen-
to financeiro e vontade politica para tirar os A Procuradoria Geral do Estado (PGE) emi-
invasores de dentro das áreas e proteger os te o Parecer n° 35/2021/PGE-PAMB de
direitos dos extrativistas. 19/05/2021 recomendando o veto ao PLC
80, o que não foi atendido pelo Governador
É evidente que o compromisso dos deputa- que no dia 20/05/2021 sanciona na integra
dos e do Governo é com os que promovem o agora Lei Complementar 1089 (https://
e invadem áreas protegidas, pois não atentou rondoniaja.com/meio-ambiente/2021/05/21/
entre tantas irregularidades que as terras são governador-marcos-rocha-sanciona-lei-
da UNIÃO não podendo a ALE e o Governo -que-regulariza-a-devastacao-ambiental-
legislar sobre essas UCs. -em-ro/ acessado em 24/05/2021).

A sociedade civil organizada buscou duran- A atitude da ALE e do Governo contribuem


te todas as vezes que surgiram proposta de para que haja um aumento de invasões nas
diminuição de limites alertar aos Governos e áreas protegidas, e para que os recursos
deputados que esta era uma ação que bene- como o do ARPA que é dinheiro público e
ficiava única e exclusivamente ao crime orga- que foram destinados a implementação de
nizado para invadir terras públicas. UCs seja desperdiçado.

Em 01/12/2020 lançaram a Nota” NENHUM O MPE entrou com ADIN – Ação Direta de
HECTARE A MENOS!” onde denunciam a Inconstitucionalidade em 24/05/2021 ale-
proposta do Governador e dos deputados gando que a Lei fere a Constituição Federal, o
em desafetar as Unidades de Conservação princípio da Prevenção e Precaução, falta de
(https://cimi.org.br/2020/12/em-rondonia- estudos técnicos entre outras arbitrariedades.
-organizacoes-se-manifestam-contra-redu-
cao-de-unidades-de-conservacao-a-favor- Resta a sociedade brasileira em especial a
-de-grileiros-e-desmatadores/ acessado em rondoniense que o Ministério Público Esta-
24/05/2021). dual declare a inconstitucionalidade da Lei
1089 e salvaguarde os direitos ambientais e
não se permita transformar crime ambiental
em um ato legal.

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REFERÊNCIAS
CARDOZO et al. Ivaneide Bandeira. Pressões e Ameaças nas unidades de conservação esta-
duais de Rondônia. Organização Ivaneide Bandeira Cardozo (et al).São Paulo: ISA – Instituto
Socioambiental; Porto Velho,RO: kanindé Associação de Defesa Etnoambiental. Editora Câmara
Brasileira do Livro, SP, Brasil, 2017.

CORDOVIL. Veronica Ribeiro da Silva. A situação das unidades de conservação em Rondônia: o


caso Cujubim. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Núcleo de Ciências e Tecnologia (NCT),
Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho,
Rondônia, 2010.

ONAGA et al. Cristina Aragão. Implementação da Avaliação Rápida e Priorização da Gestão de


Unidades de Conservação – Rappam em Unidades de Conservação no Estado de Rondônia.
SEDAM/WWF-Brasil/ICMBio, Brasília, 2011.

SEUC. Decreto lein° 1.144, de 12 de dezembro de 2002. Dispõe sobre o Sistema Estadual de
Unidades de Conservação da Natureza de Rondônia- Seuc/RO e dá outras providencias. Dis-
ponível em : http://isa.to/2vAkAOy

51
ÁREAS PROTEGIDAS
DE RONDÔNIA EM PERIGO
A LUTA DOS POVOS DA FLORESTA NA
DEFESA DOS SEUS TERRITÓRIOS

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