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AMBIENTE E APROPRIAÇÃO DO CER-

RADO: O USO DO CALENDÁRIO


AGRÍCOLA DE PRODUÇÃO NO TRABALHO
E NA CONFORMAÇÃO DOS TERRITÓRIOS
1 Este artigo faz parte de
FESTIVOS RURAIS1 reflexões contidas na dis-
sertação de mestrado.

Mirne-Gleyde Lagares.
Mestranda pelo Instituto de
Estudos Sócio Ambientais,
Universidade Federal de Goiás

Maria Geralda de Almeida.


Professora Adjunta pela Universidade
Federal de Goiás

1 – USO E OCUPAÇÃO DO CERRADO.

“O cerrado é um espaço de luta, onde animais


e homens ao longo dos tempos construíram um
modo especial de viver na claridade. O cerrado
é um lugar de muita luz e milhares de sons.”

Elizeu Lira

Refletir a apropriação do cerrado atualmente é estabeleceu em prol da política mineradora


discutir a dinâmica territorial contemporânea do Brasil, de acordo com demandas externas.
de Goiás imbricada em sua historicidade e Este aspecto circunscreveu boa parte da inicial
espacialidade remota. Urge debater as formas caracterização do estado, demarcando pontos
de uso e ocupação do território e não buscar a específicos de urbanização os quais se restrin-
compreensão deste território por ele próprio giam aos locais auríferos. Com a decadência,
(SANTOS, 2001), ou seja, entender que o Goiás se tornara uma província quase deserta
território é formado e reformulado conforme e com uma base econômica sustentada pela
demandas, sejam elas nacionais, internacionais, agricultura de subsistência e pecuária extensiva
globais ou regionais. É pensar ainda em itine- (PALACÍN; MORAES, 1994). Os itinerários,
rários que perpassam pelo ouro, pelas marcas até então, se delineavam nesta configuração e
do pastoreiro e seu gado, pelo ruído advindo dinâmica territorial somente pelo caminho do
da estrada de ferro, pela vastidão das verdes ouro, dos poucos grãos e do gado.
lavouras de soja, milho, cana-de-açúcar ou, o
Ambiente e apropriação do
branco-neve do algodão. Todavia, a dinâmica socioespacial do estado se
cerrado: o uso do calendário
metamorfosearia a partir das novas políticas do agrícola de produção no
Conforme breve se introduziu, a imigração país. Do uso quase exclusivo do meio-natural trabalho e na conformação dos
territórios festivos rurais
para o território goiano no século XVIII se passa-se, com o avanço da técnica e da ciência,

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para uma nova fase. Segundo Santos (2001), a 1996 já chegava a 85%. Juntamente com este
ela se denomina meio técnico-científico, a qual fator, as cidades também sofrem profundas
se ampara na política imposta pela ditadura modificações. Favelização, ausência de esgoto,
militar. Agora, ouve-se ruídos da estrada de moradia, água, educação, enfim, saneamento
ferro, a posteriori, a CANG, Goiânia, Brasília básico não são subsidiados pelas políticas pú-
são construídos e o estado passa a ser polarizado blicas como o devera. A maioria dos sujeitos
com o objetivo de (re)criar uma integração na- deste processo passam a fazer parte de uma
cional e sustentar o mercado sulista emergente. massa de excluídos, dos quais se vêem muitos
Uma nova fase marca profundas mudanças no todos os dias nos semáforos, nas esquinas, nos
cenário goiano, a qual propiciará as transfor- recantos. Desterritorializados que buscam se
mações futuras. reterritorializar (Haesbaert, 2006) através do
trabalho, seja ele pela necessidade fisiológica
Com alavancos na (re)produção dos meios ou não, seja ele material ou simbólico.
de transporte, bem como, com uma produção
primária principiante incentivada pelo governo, Há, de fato, um Goiás hoje em desenvolvi-
Goiás chega com louvor na década de 1970, mento invólucro na globalização, um “celeiro
momento este que uma nova fase se organi- de grãos”. Contudo, existem regiões diversas,
zará. Segundo Santos (2001), esta inovadora com histórias diversas, que merecem olhares
etapa, constituída pelo embasamento de suas diversos (ARRAIS, 2002). O sudoeste goiano
antecessoras, é chamada de meio técnico- é disparadamente detentor de renda superior
científico-informacional, pois é característica de ao nordeste. Muitos nordestinos goianos ainda
muita fluidez, velocidade, redes, informatização sofrem de pobreza crônica e estão à mercê
técnica e informalização. O espaço e o tempo deste desenvolvimento. A esta disparidade nas
passam a serem comprimidos pela volatilidade regiões goianas, Peixinho (2001) nos chama a
e sagacidade das múltiplas relações econômi- atenção pelo que foi tomado como referência
cas, socais, políticas e culturais. Agora, o que pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF)
Calaça (2001) chama de modernização agrícola como proposta de ocupação do cerrado nas
se concretiza. Novas relações de trabalho mu- últimas décadas e que reflete nesta dinâmica
dam de performance e de estrutura tanto a agri- segregacionista ressaltada por Arrais (2002).
cultura como a pecuária e, conseqüentemente, De acordo com Peixinho existem 3 zonas
as cidades, tudo em decorrência da força motriz agrícolas. São elas:
da fronteira agrícola advinda do Sul.
1ª zona: agricultura comercial moderna – aquela
A partir da década de 70, a agropecuária goiana na qual a modernização possui ênfase visando
passa a receber incentivos estatais, como os uma agropecuária comercial. É o caso do su-
contidos no Plano de Metas, capital privado e doeste goiano com extensas lavouras de soja.
novas diretrizes são postuladas. O campo in- 2ª zona: agricultura periférica em expansão –
formatizado, moldado para alta produtividade, área de expansão recente da fronteira agrícola
permanece com uma estrutura agrária concen- também visando uma agropecuária comercial.
tradora em grandes propriedades. A informati- É o caso da região central do estado de Goiás
zação expurga os camponeses de seus habitats, com as plantações de soja, milho e, em grandes
já que os mesmos não conseguem competir extensões, pela cana-de-açúcar.
e nem possuem mão-de-obra especializada e
qualificada para trabalhar nas imensas lavouras. 3ª zona: agropecuária incipiente - agricultura
pouco desenvolvida e de modernização inci-
Neste sentido, as taxas de urbanização aumen- piente. É o caso do nordeste goiano no qual
tam significante e gradualmente em Goiás, a fronteira agrícola ainda não se espalhou
visto que os camponeses se vêem obrigados a expressivamente.
migrarem para as cidades. Arrais (2004) afir-
ma que em 1960 a taxa de urbanização era de Também é contundente elencarmos que a
aproximadamente 30%, em 1980 de 60%, em modernização agrícola trouxe junto a si dois
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fatores, ora aliados, ora contraditórios. Primei- técnico-científico-informacional, possuem téc-
ro, o setor primário induziu o setor secundário nicas rudimentares de produção. Visa-se, assim,
(agroindústrias) e o terciário a se fixarem nos compreender a forte influência do calendário
ditos “territórios luminosos” da agropecuária agrícola de produção no trabalho e na constitui-
modernizada. Segundo, a modernização im- ção dos territórios festivos rurais, enfatizando
plica em degradação ambiental e, conciliadas as festas juninas demarcadoras do tempo social
as agroindústrias, os índices se tornam eleva- de produção do homem no Cerrado.
díssimos.
2 – O CALENDÁRIO AGRICOLA NA OR-
Outra ênfase recai sobre os atores sociais desta GANIZAÇÃO COTIDIANA DAS COMUNI-
produção agropecuária. De acordo com Oliveira DADES RURAIS.
(2003, p. 113) “uma demonstração exaustiva
de dados revelam ser a pequena e média uni- A escolha da categoria “comunidade rural”
dade de produção, as responsáveis pela maior tem caráter peculiar neste contexto. Parte-se do
parte da produção agropecuária.” Tal assertiva princípio de que comunidade “[...] é um termo
desmistifica a concentração da produção nas útil para designarmos agrupamentos onde o
mãos dos grandes produtores. Isto nos conduz a coletivo possui mais força do que nas socie-
indagar: Em que condições técnicas e culturais dades ‘modernas’” (CANCLINI, 1983, p. 56),
a modernização do campo acontece? Possuem as quais se organizam por regiões e delimitam
base familiar de produção? A produção é orga- no imaginário coletivo popular, o que Claval
nizada pelo calendário agrícola de produção e (1999) denominou de “regionímias”, ou seja,
trabalho reproduzido pelo “cerradeiro” em sua a mudança de escala na percepção do espaço
vasta experiência com as estações do ano, a lua através da memorização dos grupos.
e o sol? As festas populares rurais se engajam
neste contexto? Assim sendo, a coletividade passa a ser deline-
ada pela sociabilidade do cotidiano, pelas ne-
Diante do percebido, a modernização do cerra- cessidades, pelas interrelações entre os sujeitos
do imbrica em ampla produtividade econômica. e suas identidades. Observa-se, portanto, que
Projeta sobre o território valores e forças de esta categoria é muito presencial nas pequenas
trabalho externas as comunidades rurais. As propriedades, uma vez que o trabalho é marcado
representações coletivas, as identidades, a pelas relações familiares, pelo compadrio, pela
tradição trabalhista e festiva são submetidas vizinhança, pelos mutirões, pela própria forma
a constantes mutações. Autores como Almei- em que se referem ao grupo pertencente, enfim,
da (2005), Satyro Maia (2001) e Haesbaert pela fragilidade econômica destes pequenos
(2002), nos induzem a entender que há entre a agricultores. Por isto, a partir de então se utili-
modernização e as manifestações culturais do zará o termo comunidades rurais, visto que se
cerrado uma relação que ora reafirma tais ma- percebe em campo a força da coletividade na
nifestações culturais perante a modernização, produção.
ora cede temporariamente para que interstícios
desta atuem. Deste modo, há uma relação si- Nesta conjuntura, o imaginário agrícola é (re)
multânea dos territórios culturais tradicionais criado a partir da observação e percepção das
das comunidades rurais com os territórios da estações do ano, da lua e do sol, os quais for-
modernização. Esta interrelação será demarcada mulam um calendário agrícola com períodos de
por mutações ou “resistências’ no âmbito das plantio, colheita e de assiduidade no trabalho.
manifestações culturais tradicionais do cerrado Este calendário passa a exercer função crucial
e pela (re)significação de suas culturas. àqueles que o executam, pois não são todos os
períodos do ano passíveis de serem cultivados. Ambiente e apropriação do
Neste sentido, este artigo propõe entender a Assim, existem períodos para visitar os amigos, cerrado: o uso do calendário
agrícola de produção no
produção de subsistência, da fé e do lazer de para as festas populares, para os mutirões, para trabalho e na conformação dos
inúmeros pequenos produtores “cerradeiros” o plantio, para as colheitas, para o “trabalho territórios festivos rurais

que, ao contrário dos monopolizadores do meio de sol a sol”, para a calmaria e a espera das
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próximas chuvas indicativas do plantio. (RO- vignac (1999), também retratam a dita ligação
DRIGUES, 2003). entre as festas populares rurais e o calendário
agrícola de produção e trabalho das comu-
Neste sentido, as festas populares rurais, nidades rurais. Pimentel assevera a relação
mormente às festas juninas, são oriundas pragmática das crenças coletivas com o tempo
do período seco, impróprio ao plantio e do trabalho deste homem.
propício à colheita. Elas revelam devoções,
penitências, votos, pedidos, “contratos”,
com os santos em decorrência de algum […] a escolha do período para a
fator degenerativo à vida humana. Os mitos, realização da Festa [...] parece
símbolos, representações, imaginário e rituais subordinar-se à determinada orientação
fecundam, a partir do calendário agrícola de de natureza exclusivamente pragmática:
produção e trabalho, territórios festivos que (re) [...] está localizado numa quadra do
criam identidades e reforçam a sociabilidade ano agrícola em que as colheitas da
e alteridade socioespacial das comunidades safra normal e da safrinha já foram
rurais. A sociabilidade, gerida na coletividade, integralmente completadas e os lucros
são fatores essenciais nas organizações festivas e perdas efetivamente conhecidos.[...]
rurais, já que trabalham continuamente sem É neste período intermediário que se
vista a remuneração. São estas relações contidas concentra a maioria dos eventos festivos
nas comunidades rurais, acompanhada de criados para agradecer aos santos pela
uma boa dosagem de crenças e de tradição, saúde, paz e prosperidade.(1997, p.133)
que consubstanciam a “r-existência” destes
territórios festivos e (re)forçam as identidades
das comunidades rurais. Desse modo, as festas populares rurais parecem
ser programadas de acordo com o calendário
De acordo com este calendário, março e agrícola. A maioria delas se concentra após
maio são os meses da colheita e os meses as colheitas quando estes fiéis-participantes já
subseqüentes, se estendendo até o período podem pedir pela próxima safra e agradecer
chuvoso, meses da “fecundação, produção e pela antecedente. São João Batista, assim como,
reprodução humana e agrícola” (CHIANCA, São Pedro e Santo Antônio passam a cumprir o
1999, p. 57). Daí as festividades juninas papel de resolucionadores dos problemas das
celebrarem a alegria da colheita e da fertilização plantações, responsabilizadores pelo sucesso
dos solos e dos seres vivos no mês de junho. das colheitas e marcadores do tempo social.
De acordo com Pessoa (2005), os rituais de A partir desta relação, é possível diagnosticar
cultuar a fertilidade remontam há séculos entre também o tempo cíclico e/ou linear no tempo
germanos, celtas, gregos, suecos, italianos e de produção, trabalho e recriação do homem
índios, porém com características diferentes, camponês. Para Lefebvre (apud Silva, 1997,
mas que, segundo o autor, nos lembra bem p. 31) “o tempo cíclico está ligado à natureza,
as festas populares rurais na atualidade. Um aos dias da semana, às noites; o cíclico é em
exemplo, citado por Pessoa (2005), é o ato geral de origem cósmica”, possui forte ímpeto
de “prestar homenagens aos ‘espíritos das sobre as comunidades, é balizador de um
árvores’”, (2005, p.24) cortando uma no bosque tempo qualitativo no qual os mitos de origem
e erguendo-a no meio da aldeia, juntamente e o eterno retorno são potentes demarcadores
com os cantos e a alegria comunitária. Para o sociais.
autor, isto é análogo ao asteamento do mastro
nas festas juninas e ao “pau-de-fitas”, em outras No caso em voga, as comunidades rurais se
festas populares brasileiras. ancoram no ideário cíclico e arquitetam suas
relações sociais de produção, comicidades e fé
Autores como Lopes Júnior (1999), Pimentel tendo por base os modos de vida vivenciados
(1997), Canclini (1983), Chianca (1999), Ca- anteriormente.

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Rigonato (2005), baseado em Lopes Júnior de produção e trabalho com o calendário
(1999), ressalta graficamente a discussão religioso festivo nas comunidades rurais da
referida sobre a relação do calendário agrícola Chapada dos Veadeiros – Goiás.

Figura 1: Calendário agrícola e festas das populações tradicionais do


Cerrado da microrregião da Chapada dos Veadeiros, 2004.

Fonte: Entrevista de Campo. Rigonato, V. Fevereiro, 2004, inspirado em Lopes Júnior, 1990

O organograma explicita a inerente relação 2.1 – A APROPRIAÇÃO DE TERRITÓRIOS


das festas - não somente as rurais, mas de FESTIVOS RURAIS A PARTIR DO CALEN-
todas as festas religiosas populares – com o DÁRIO AGRÍCOLA DE PRODUÇÃO.
ciclo produtivo da natureza, o calendário de
produção agrícola e o calendário religioso. Isto O território das festas populares é, como bem
nos leva a pensar nas intrínsecas relações entre disse Haesbaert (2007, p. 40) um “continuum”
o homem e a natureza, na (re)criação de um do poder material e do poder simbólico os
“modo de vida, essencialmente rurícola, [...] quais se apropriam do espaço demarcando
determinado pelo quotidiano e pelas práticas territórios funcionais e/ou territórios simbólicos.
culturais, pelas percepções da natureza e da São marcas provenientes de identidades
condição de morador do sertão, bem como consolidadas, em geral, por comunidades
pela fragilidade econômica dos pequenos rurais advindas da necessidade biológica, da
agricultores.” (ALMEIDA, 2005, p. 336) Do sociabilidade, das forças de alteridade, das
mesmo modo, tal relação nos faz refletir sobre necessidades existenciais de responder “quem
a existência de um “território integrador” sou eu?” (CLAVAL, 1999). Tais territórios são
(HAESBAERT, 2006) que congregue as ainda o registro das representações individuais
instâncias afetivas, misteriosas, míticas, e coletivas sobre o espaço que, a partir de
Ambiente e apropriação do
econômicas e políticas dos homens sobre identidades já previamente firmadas, depositam
cerrado: o uso do calendário
um determinado espaço. De “territórios do sua carga ideológica e delimitam, a partir do agrícola de produção no
cotidiano” emersos em símbolos, identidades, olhar do outro, o seu olhar sobre os territórios. trabalho e na conformação dos
territórios festivos rurais
sacralidades/profanidades, rituais etc.

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Para Brunet (1992, apud CLAVAL, 1999, p. rurais que, posteriormente, serviria como espe-
11) “o território contribui [...] para fortalecer o lho para os territórios festivos? A comunidade é
sentimento de pertencimento, ajuda na cristali- uma precondição para a vivência dos territórios
zação de representações coletivas, dos símbolos festivos rurais? Qual é o papel da coletividade
que se encarnam em lugares memoráveis (hauts na formação das identidades festivas? Quais
lieux).” Isto nos leva a crer, perante a análise das elementos momentâneos delimitam os territó-
festas populares rurais, que inúmeros elementos rios festivos rurais?
delineiam a cristalização destas representações
coletivas, além dos já elencados símbolos. Para fins didáticos, pontuar-se-á alguns
Todavia, a reflexão desta citação instiga-nos elementos essenciais no entendimento dos
a outros questionamentos: Antes da existência questionamentos levantados. O esquema abaixo
das festas populares rurais, existiria um terri- é a sinopse destes:
tório vivido cotidianamente pelas comunidades

Figura 2: A relação entre o calendário agrícola de produção, as festas populares rurais e a


conformação de territórios do cotidiano, 2007.

Como se observa no esquema, parte-se da crer que estes são fundamentais no vislumbrar
assertiva de que os territórios festivos rurais dos territórios festivos rurais. A ordem está
(festas juninas) são conformados, mormente, imbricada na idéia de que as representações
pelo calendário agrícola de produção. Este geram o poder simbólico sobre os territórios
é permeado por símbolos, pelo imaginário e e, os mesmos, são imbuídos pelos rituais que
pela representação social dos grupos sociais representam a vivência das comunidades.
identitários. A consolidação destes territórios
demonstra seu vigor nos rituais que, no tempo Bailly (1992) citado por Almeida (2003, p.72)
e no espaço, funcionam como “eterno retorno” a respeito das representações afiança que “[...]
ao princípio, ao “mito de origem”. Em linhas as representações sociais, enquanto sistemas de
gerais, percebe-se que todos os elementos interpretação, também regem nossas relações
destacados possuem pujança na antecedência com o mundo e os outros [...]”. São produtos
e permanência destes territórios, não sendo das relações dos grupos com o mundo, (re)
possível diagnosticá-las de modo excluído. criadas por intermédio de ideologias as quais
guiam as atitudes, comportamentos, a comu-
Para tanto, enfatizar-se-á os conceitos de nicação e as identidades pessoais e sociais. Já
representação, poder simbólico e rituais, por Pesavento (2004) vai além ao afirmar que as
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representações são também simbólicas, repletas [...] microatitudes, cenas efêmeras e
de significados ocultos que se internalizam no pontuais que se compõem como fios
inconsciente coletivo como aspectos naturais. de um tecido social. Uma microatitude
São estas representações que engendrarão os pode ser um segredo do passado de
territórios simbólicos e/ou concretos, tendo em ouvido em ouvido, uma pequena conspi-
vista o poder simbólico exercido em um dado ração, uma ‘conversa de comadre’, um
espaço e tempo. silencio à espera de uma fala. Insignifi-
cantes, isolados, tecidos dia-a-dia, dão
Segundo Bourdieu, o poder simbólico é o “[...] a consistência da cotidianidade. Não
poder de constituir o dado pela enunciação, são aspectos superficiais – alias o são
de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de no sentido da inexistência da distinção
transformar a visão do mundo, [...] a ação sobre de profundidade/superfície – e nem re-
o mundo, [...]” (1998, p. 14). Por meio dele é siduais, mas uma potência que se esgota
possível gerir territórios descontínuos, espacial em si mesma [...]
e temporalmente, como as inúmeras festas juni-
nas no meio rural do Brasil sem, contudo, des- Em consonância com o autor supracitado,
fazer identidades fortemente consolidadas; faz constata-se que o cotidiano é palco, ator e
identidades resistirem sem território e “territo- “embrião” das relações socioespaciais. Deste
rialidade sem território” (HAESBAERT, 2007, modo, as representações e o imaginário social
p. 40); gesta “territórios do desejo” (DELEUZE partem deste gestor como princípio nas mi-
E GUATARRI, 1992); transforma o território croatitudes. O que se infere é: o território das
simbólico em móvel (CLAVAL, 1999). festas populares rurais (festas juninas) é mar-
cado por representações sociais advindas das
Amalgamados, as representações, o poder microrelações cotidianas as quais distinguem
simbólico, os territórios encontram âncora nos espaços e tempos sociais, pois para Raffestin
rituais. São os ritos que, em consonância com (1982) citado por Cara (1995, p. 68), “[...] la
a identidade, os símbolos, o sagrado/profano territorialité c’est la dimension latente de la
e o imaginário, subsidiam a (co)existência e quotidiennetée[...]” (a territorialidade é a di-
consistência das festas populares rurais, bem mensão latente do cotidiano) na conformação
como, das manifestações culturais. Assim sen- dos “territórios do cotidiano”.
do, as quadrilhas, os cantos, as comidas típicas,
os forrós, as simpatias, os adereços fazem parte De acordo com Maffesoli, o cotidiano é dotado
deste arcabouço de misticismo e viscosidade de microlocalismos geradores de cultura, sendo
dos rituais presentes nestas festas, as quais estes pautados na sociabilidade. Esta encontra
“[...] revividas diante dos seus olhos e com os seu potencial no território, na preservação de
quais se sentem solidários, dão-lhes impressão um povo por seu espaço e por si próprio. A so-
de força e de confiança [...]” (DURKHEIM, ciabilidade, nesta discussão, é fator recorrente.
1989 citado por LOPES JÚNIOR, 1999, p.37). A priori, como destacado outrora, o calendário
Diante da perspectiva levantada, é possível agrícola de produção, o imaginário agrícola, as
visualizar também a interligação de todos os festas rurais, o trabalho não remunerado, são
elementos citados na construção do território e produzidos coletivamente, o que nos conduz a
a adjetivação deste como “Território do Cotidia- pensar na sociabilidade deste contato coletivo
no”. Esta caracterização territorial é, também, como força motriz das relações socioespa-
uma provocação à reflexão teórica, conceitual ciais. Como bem disse Sasseville (1979, apud
e, principalmente, metodológica. A apreensão CARA, 1995, p. 69) “El cotidiano en el cual se
deste cotidiano como mecanismo de (re)produ- estructura la acción individual y colectiva, para
ção de territórios pode, amiúde, ser debatida e que pueda inspirar una reflexión sabia, debe Ambiente e apropriação do
contemplada nas análises geográficas. integrarse, como concepto y como realidad, a cerrado: o uso do calendário
agrícola de produção no
Segundo Maffesoli (1987), citado por Barcellos las necesidades de una aproximación cognitiva trabalho e na conformação dos
(1995, p.42), o cotidiano é marcado por: al proceso de sociabilización.” (O cotidiano no territórios festivos rurais

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qual se estrutura a ação individual e coletiva, plantio, vivem o ritmo de um tempo cíclico de
para que possa inspirar uma reflexão sabia, deve (re)produção, lazer e fé.
integrar-se, como conceito e como realidade, às
necessidades de uma aproximação cognitiva ao
Silva (1997, p. 32), em seu artigo “o cotidiano
processo de sociabilização).
na perspectiva dos ritmos” diz: “vivemos um
mundo linear de (causa e efeito) um ciclo
Assim sendo, a sociabilidade e o cotidiano são
que se submete ao ciclo da reprodução do
faces de uma mesma moeda. São partes de um
capital.”(p. 32). Esta reflexão nos remete a
processo intenso de territorialização sobre o
repensar o que são as práticas socioespaciais
espaço e que, por suas peculiaridades, (re)cria
atualmente, mormente, as práticas festivas
territórios vividos, “espaços vividos” por comu-
rurais: O que caracteriza as festas juninas hoje?
nidades rurais, grupos e seus anseios coletivos
São os rituais, os mitos, o tempo, os símbolos,
e individuais. Territórios festivos rurais, deste
o calendário agrícola de produção? São as
modo, são reflexos de espelho que, ao refleti-
práticas constantemente (re)significadas pelas
rem, ajudam as comunidades rurais tomarem
imposições de reprodução do capital? O que
consciência de si e do outro. (CLAVAL, 1999)
define o território festivo na atualidade? As
comunidades e suas respectivas identidades ou a
Em suma, buscamos neste item concatenar al-
“espetacularização” das práticas socioculturais
guns elementos que ora (re)estruturam os terri-
e a sua (re)invenção cada vez mais frenética
tórios festivos, (re)afirmam identidades, rituais,
para o capital? Será que as festas religiosas
símbolos, tendo em vista o calendário agrícola
populares rurais terão seu lugar no espaço
de produção e trabalho das comunidades rurais.
geográfico da modernidade e globalização
A discussão tenta, assim, perpassar por itinerá-
frenéticos?
rios conceituais, teóricos e metodológicos, sem,
entretanto, exaurir a temática.
Interjeições, indagações, itinerários. Palavras
que, circunstanciosamente, ganham ênfase
AINDA ALGUMAS REFLEXÕES...
em detrimento a amálgama relacional dos
territórios festivos. Ainda sem o glamour de
Acredita-se que a relação entre o calendário
algumas respostas, o pretendido foi demonstrar,
agrícola e as festas juninas, atualmente
de modo conciso, uma vertente constitutiva
não possua uma pragmaticidade tão linear
dos territórios festivos rurais, tendo em vista
para todas as propaladas festas rurais. Crê-
meandros pouco propalados atualmente,
se que muitas destas tenham perdido no
como o imaginário agrícola de produção e
tempo esta relação tão aproximativa, ficando
trabalho, em consonância com o uso, ocupação
presa apenas no imaginário de algumas
e apropriação do cerrado na representação
comunidades tradicionais (rurais e urbanas), em
espacial e nas práticas socioculturais.
(in)conscientes coletivos ou nas necessidades
das comunidades rurais.
Neste fecho de texto, também é válido
Como se vê no cenário nacional, a “grande sublinhar que “velhas” práticas socioculturais,
produção” hoje não se concentra exclusivamente como as festas populares rurais e o savoir-
nos meses antecedentes a junho e nem a faire das comunidades rurais, estão sendo,
colheita nos meses subseqüentes. Todavia, há paulatinamente, sugadas pela lógica de
exceções. Os mini-latifundiários e pequenos reprodução do capital. Este desloca rituais
agricultores não detêm os meios de produção seculares, desarraiga populações tradicionais,
para acompanhar a corrente produtividade dos “espetaculariza” suas tradições e impõe o mito
grandes latifundiários: da produção da soja, de que a ciência é a panacéia da humanidade,
cana-de-açúcar, algodão etc. comercializados, detentora real do saber. Além de danos
ou seja, o ritmo de trabalho deste pequeno materiais, os grandes nocivos, talvez sejam,
produtor ainda continua pautado na espera de fato, a “submersão” imaterial de vários
das chuvas para molhar o chão e propiciar o “cotidianos”.
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Conforme se percebe, analisar o espaço Bertrand Brasil, 1998. p.07-16.
goiano na contemporaneidade é buscá-lo nos
interstícios da globalização econômica mundial CALAÇA, Manoel. Transformações do es-
e entendê-la como alvo de seletividade gerador paço agrário no Cerrado: infra-estrutura e
de fragmentação, de territórios excluídos ou modernização da agricultura. In.: VII Encon-
incluídos. É pensar em mutações constantes tro Regional de Geógrafos. 2001, Quirinopólis,
e recorrentes em todos os aspectos do real, Anais...Goiás: Conferencias, 2001, p. 51-60.
sejam eles geográficos, históricos, sociológicos,
psicológicos, afetivos. É trazer para o seio da CANCLINI, Nestor Garcia. As culturas popu-
epistemologia da Geografia contemporânea lares no capitalismo. São Paulo: Brasiliense,
de Goiás a marca e a discussão de outros 1983.
temas como as novas identidades, novas
territorialidades, velhas e novas ontologias CARA, Roberto Bustos. Territorios de lo co-
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Ano 19, v. 2. n. 21, p.113-156. Jul./dez. 2003.
Este artigo objetiva compreender a apropriação
do Cerrado a partir da (re) configuração das
RODRIGUES, Maria de Fátima Ferreira. A
festas populares rurais, em especial as juninas,
natureza e o lunário perpétuo no imaginário
a partir do calendário agrícola de produção e
sertanejo. In.: ALMEIDA, Maria Geralda
trabalho das comunidades rurais. O recorte
de; RATTS, Alecsandro JP (Org.). Geografia:
temporal e espacial deste artigo remete-se a
leituras culturais. Goiânia: Alternativa, 2003,
análises de elementos comuns as festas juninas.
p. 89-112.
Os procedimentos metodológicos foram: obser-
vação - participante em diversas festas, revisão
RIGONATO, Valney Dias. A dimensão socio-
teórico - metodológica e conceitual, diário de
cultural das paisagens do Cerrado goiano:
campo etc. A análise foi estruturada em três par-
o distrito de Vila Borba. In.: ALMEIDA,
tes contíguas: primeiro, reflete o uso e ocupação
Maria Geralda (Org.). Tantos Cerrados: múl-
do Cerrado, a segunda parte a relação do imagi-
tiplas abordagens sobre a biodiversidade e
nário agrícola de produção e a organização do
singularidade sociocultural. Goiânia: Vieira,
período festivo rural e das comunidades rurais
2005, p. 63-96.
e, por último, como estes elementos, tendo em
vista a relevância do cotidiano, das representa-
SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura.
ções coletivas, dos símbolos e das identidades,
O Brasil: território e sociedade no início
(re)formam territórios festivos, os “territórios
do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.
do cotidiano”. Em síntese, os resultados conti-
dos neste artigo estão buscando contemplar, de
SILVA, Ana Cristina Mota. O cotidiano na
fato, o percebido e vivido pelas comunidades
perspectiva dos ritmos. GEOUSP – Revista da
rurais na relação com a terra, no plantio, nas
pós-graduação em Geografia. FFLCH/USP,
colheitas, nas festas populares rurais, nas rela-
São Paulo, n° 2, 1997, p. 31-34.
ções de vizinhança dando evidência, assim, ao
cotidiano dos pequenos agricultores e de suas
PALACÍN, Luis; MORAES, Maria Augusta de
práticas socioespaciais.
Sant’anna. História de Goiás. 6ª ed. Goiânia:
UCG, 1994.
32 • GEOGRAFARES, nº 7, 2009
Palavras-Chaves: apropriação do Cerrado; l’organisation de la période des fêtes rurales,
calendário agrícola de produção; território tout en considerant les communautés rurales ;
festivo. et, enfin,on finalise explicant comment ces élé-
ments ont la pertinence de la vie quotidienne,
RÉSUMÉ des représentations collectives, les symboles
et les identités, la (ré) festivités territoires for-
Cet article vise à comprendre la propriété de mulaire, les «territoires de vie quotidienne». En
la savane par la (re) configuration des fêtes bref, les résultats contenus dans cet article sont
rurales, en particulière celles qui realisent con encore á la quête de compreendre le perçu et
base au calendrier de production agricoles et de vécu par les communautés rurales par rapport
travail dans les communautés rurales. Le seuil à la terre, aux activités de planter les cultures
de temps et l’espace de cet article se réfère à mélés aux festivals ruraux, enfin le quotidien
l’analyse des éléments communs aux festivals que font partie des raports de voisinnage et de
Juin. Les procédures méthodologiques sont: - leur développement socio-pratiques spatiales.
l’observation participante, l’examen théorique
- méthodologique et conceptuelle, etc journal Mots clés: appropriation du Cerrado, le calen-
de terrain. L’analyse a été divisée en trois par- drier de production agricole, le territoire de fête.
ties contiguës: d’abord, une discussion pour
tenir compte de l’utilisation et l’occupation Notas
actuelle du Cerrado, la seconde destinnée à au * Este artigo faz parte de reflexões contidas na
cycle de la production agricole imaginaire et dissertação de mestrado.

Ambiente e apropriação do
cerrado: o uso do calendário
agrícola de produção no
trabalho e na conformação dos
territórios festivos rurais

GEOGRAFARES, nº 7, 2009 • 33
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