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Série Paradidática

Ecologia Aplicada

Conceitos básicos de Ecologia

Edir E. Arioli

2022

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Sumário

Conceitos básicos de Ecologia 2

Importância do equilíbrio ecológico 4

A complexidade da natureza 12

Indicadores de resiliência dos ecossistemas 20

Referências 30

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Conceitos básicos de Ecologia

O estudo da Ecologia envolve uma série de conceitos que podem confundir


o leigo, ora por parecerem sinônimos e não o são, ora por sugerirem
entidades diferentes quando não passam de sinônimos. Existem variações
muito sutis entre eles e nem todos são bem explicados na literatura técnica
e de divulgação científica. Os principais são esclarecidos aqui, de forma
concisa e simplificada, para facilitar o entendimento correto dos textos que
se seguem.
Ecologia é o estudo das relações existentes entre os seres vivos e desses
com o meio ambiente (Haeckel, 1869). Segundo Krebs (1972) e por Begon,
Townsend e Harper (2007), a Ecologia estuda as interações que
determinam a distribuição e abundância dos organismos na natureza.
Interações são as transferências de matéria, energia e informação entre
organismos individuais, espécies, populações, comunidades e meio
ambiente. A informação é geralmente ignorada nas definições clássicas,
mas atualmente é estudada cada vez mais pelos ecólogos.
Meio ambiente é o conjunto dos constituintes físicos, químicos,
biológicos e sociais de um espaço geográfico sem limites definidos, que
afetam os seres vivos e são por eles afetados. Tudo que é externo a um
organismo, que o afeta de alguma forma e é por ele afetado pode ser
denominado meio ambiente.
Paisagem é tudo que podemos perceber no espaço geográfico com os
nossos sentidos, de modo que é delimitada pelo raio de alcance da nossa
visão. Este é, portanto, um conceito meramente descritivo.
Ecossistema é o conjunto das interações existentes entre os constituintes
abióticos (relevo, solo, água, energia) e bióticos (animais, vegetais, fungos)
de uma região. Este conceito representa o foco central da Ecologia, porque
tem conotação fisiológica, uma vez que se refere às relações de
interdependência entre os elementos da natureza.
Biosfera é o conjunto de todos os ecossistemas da Terra.
Habitat é o espaço geográfico que contém as condições mais favoráveis
para a existência de uma determinada espécie animal ou vegetal.

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Nicho ecológico é o conjunto de condições de um habitat que favorecem
a existência de uma determinada espécie animal ou vegetal.
Bioma é uma comunidade estável e adaptada às condições de um
ecossistema, identificada por uma espécie dominante dentro da
biodiversidade gerada pela evolução dentro de uma região.
Comunidade é o conjunto de populações que ocupa um habitat durante
um determinado período de tempo.
População é o conjunto de indivíduos de uma espécie que ocupa um
determinado habitat durante um determinado período de tempo.
Espécie é a unidade básica da taxonomia biológica, representada por
indivíduos geneticamente compatíveis, capazes de se acasalar e gerar
descendentes.
Organismo é o indivíduo de uma determinada espécie animal ou vegetal.
Nível trófico é o conjunto de organismos de um ecossistema que
apresentam o mesmo tipo de nutrição. Os níveis tróficos classificam-se em
produtores, consumidores, detritívoros e decompositores.
Produtores são organismos autotróficos, capazes de sintetizar os próprios
alimentos a partir de componentes inorgânicos do meio ambiente. São os
vegetais de um modo geral, que produzem substâncias orgânicas a partir
dos constituintes inorgânicos do ar e do solo.
Consumidores são organismos heterotróficos, incapazes de sintetizar os
próprios alimentos e por isso alimentam-se ingerindo outros organismos.
Os consumidores primários alimentam-se de vegetais, sendo então
herbívoros, os secundários ingerem consumidores primários e os terciários
ingerem consumidores secundários. Os consumidores secundários e
terciários são, portanto, carnívoros.
Detritívoros são organismos que se alimentam com os restos de outros
organismos, sem participar diretamente do seu processo de decomposição.
Decompositores são organismos que se alimentam com matéria orgânica
morta, cuja decomposição eles promovem para produzir as substâncias
nutrientes de que necessitam.
Cadeia alimentar é o fluxo de matéria e energia que se transfere através
dos níveis tróficos de um ecossistema.
Rede ou teia alimentar é o conjunto de cadeias alimentares
interconectadas de um ecossistema.
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Importância do equilíbrio ecológico

Diz-se que um processo está em equilíbrio quando variáveis, selecionadas


como indicadoras de desempenho, mantêm-se dentro de determinados
limites estatísticos. Sendo estatísticos, esses limites precisam ser definidos
por meio de experimentos que incluem a coleta de dados, cálculo dos
parâmetros estatísticos e identificação dos limites aceitáveis para a
definição do estado de equilíbrio.
Em processos industriais, a coleta de dados envolve pelo menos 25 medidas
e os limites considerados estáveis são calculados pela soma de 3 desvios-
padrões acima (LSC: limite superior de controle) e abaixo (LIC: limite
inferior de controle) da média aritmética (LM).
Nos fenômenos naturais, costumamos coletar 30 medidas das variáveis que
nos interessam e, quando precisamos identificar o estado de equilíbrio,
usamos o mesmo critério da média mais ou menos 3 desvios-padrões. O
intervalo entre LSC e LIC contém 6 desvios-padrões e a probabilidade de
conter 95,5% dos valores das variáveis de controle, enquanto o processo
estiver operando dentro das mesmas condições de medição.

Fonte: Walker Bastos


Carta de controle estatístico.

Na natureza, os organismos individuais, as comunidades de seres vivos e os


ecossistemas comportam-se desta maneira, isto é, dentro dos limites de
controle dos seus respectivos processos. Nós não fugimos a esta regra.
Durante o nosso ciclo diário de metabolismo, a temperatura, a pressão
sanguínea, os batimentos cardíacos e os outros indicadores de saúde
oscilam dentro de certos limites. Estes limites marcam o estado de
equilíbrio do nosso organismo para cada um dos indicadores que

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quisermos medir. O processo que mantém este equilíbrio dinâmico chama-
se homeostase.
Em termos práticos, o equilíbrio pode ser reconhecido dentro de um
ecossistema quando as populações das diferentes espécies animais e
vegetais mantêm-se em proporções estáveis. Isto significa que elas variam
dentro dos limites de variabilidade estatística, definidos acima, e indica que
as populações permanecem em equilíbrio dentro da rede alimentar e em
relação às condições ambientais externas.
A ruptura do equilíbrio ecológico pode ocorrer pela extinção ou degradação
de uma única espécie, muitas vezes aparentemente sem importância. A
implicação mais óbvia desta definição é a necessidade de se contar com
dados inventariais, próprias da metodologia ecológica, para a determinação
de tais limites.
Nós raramente precisamos conhecer os limites do estado de equilíbrio de
fenômenos naturais, exceto para os fins de aplicações técnicas ou
científicas. Para o conservacionista praticante, basta saber que, sem
intervenções desastrosas que levem a alterações profundas nas populações
dos ecossistemas, eles permanecem suficientemente estáveis e em
condições sadias de desenvolvimento. Os próximos capítulos apresentam
indicadores que podem servir como referências para a avaliação do estado
de equilíbrio dos ecossistemas mais importantes do território brasileiro.

Exemplos de ciclos de equilíbrio ecológico


Três exemplos de ciclos vitais da natureza são suficientes para ilustrar o
funcionamento do equilíbrio ecológico: (a) ciclo do oxigênio e do carbono;
(b) cadeias alimentares; e (c) mudanças climáticas globais. Eles são
apresentados aqui de forma esquemática para oferecer uma visão inicial
sobre o caráter cíclico da vida em nosso planeta e, por extensão, no
universo como um todo. Nos respectivos fascículos, suas descrições são
mais completas e contextualizadas.

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Ciclo do oxigênio e do carbono
Esse é o ciclo ecológico mais importante do nosso planeta. Sem ele, não
existiria vida na Terra como conhecemos. De forma simplificada, podemos
dizer que o ciclo começa com a geração de oxigênio mediante a extração da
energia do Sol e do gás carbônico (CO2) da atmosfera, no processo da
fotossíntese realizado pelos vegetais, e completa-se com o aproveitamento
do oxigênio e liberação do gás carbônico pelos animais no processo da
respiração aeróbica.

Sempre que olhamos a paisagem com o verde da vegetação, devemos


lembrar que esta cor é produzida pela clorofila e que sem ela não existiriam
os animais, muito menos os seres humanos, na face da Terra. A figura
abaixo sintetiza esta relação. A onça é o topo de uma cadeia alimentar, o
predador dominante de muitos ecossistemas sul-americanos, desde a Mata
Atlântica até o Pantanal Mato-grossense. Para ela existir foi preciso que a
natureza evoluísse por pelo menos 3,5 Ba (bilhões de anos). Esta história é
contada mais adiante. Por ora, é suficiente saber que nós existimos porque
a evolução criou organismos cuja clorofila lhes permite extrair a energia do
Sol para produzir nutrientes. Um dos resíduos deste processo é o oxigênio,
que representa hoje 21% do ar que respiramos e não passava de 0,05%
quando surgiram as primeiras algas verdes, há 3,5 Ba.

Fonte: pt.wikipedia.org

O predador depende de toda cadeia alimentar para se manter.

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Fotossíntese é o processo que converte a energia solar em energia
química por meio da síntese de compostos orgânicos. Ela é a principal
responsável pela incorporação de energia pela biosfera e é realizada pelos
organismos denominados produtores, basicamente plantas, algas e
bactérias.

Este processo é essencial para a existência da vida na Terra porque é por


meio dele que é produzido o oxigênio da atmosfera, indispensável para a
sobrevivência da maior parte dos organismos. Os organismos produtores,
capazes de realizar a fotossíntese, são a base das cadeias
alimentares terrestres e aquáticas. A energia contida nesses organismos é
transmitida aos seres heterotróficos, ou consumidores, através da cadeia
alimentar.

A respiração celular é um processo praticamente oposto à fotossíntese.


Esse é o processo pelo qual os organismos consumidores obtêm
energia para realizar as suas funções vitais. Ele pode ocorrer tanto na
presença de oxigênio, quando é denominado aeróbio, quanto em sua
ausência, na denominada respiração anaeróbia. O termo respiração celular
é normalmente utilizado para referir-se apenas ao processo aeróbio,
como fazemos aqui.

Cadeias alimentares
A importância das plantas para a nossa sobrevivência nunca poderá ser
enfatizada suficientemente. Elas nos fornecem os nutrientes básicos para a
alimentação e o oxigênio para a respiração. Sem elas não conseguiríamos
extrair dos minerais os nutrientes que nos mantêm vivos. Sem elas a
atmosfera não conteria oxigênio em concentrações elevadas o bastante para
sustentar as nossas necessidades de energia através da respiração.

As cadeias alimentares são formadas pelos fluxos de nutrientes e energia


que sustentam os seres vivos dos ecossistemas. Elas incluem basicamente
quatro tipos de organismos, definidos anteriormente, mas que revisamos
para maior clareza:

- produtores, capazes de produzir os próprios alimentos a partir de


substâncias inorgânicas;

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- consumidores, que se sustentam consumindo os nutrientes e a energia
armazenados nos organismos produtores e em outros consumidores;

- detritívoros, que consomem organismos mortos, sem participarem


diretamente do processo de decomposição orgânica;

- decompositores, que se alimentam dos restos mortos dos demais tipos


de organismos, durante o processo de decomposição.

As cadeias alimentares envolvem quatro estágios, cuja intensidade e


velocidade são controladas essencialmente por fatores climáticos,
ilustrados esquematicamente na figura abaixo.

Fonte: adaptado de Odum (1988)

O ciclo mais básico da vida na Terra.

Minerais são transformados em nutrientes

Os compostos orgânicos não existem como constituintes da crosta terrestre,


cuja composição é essencialmente mineral, à exceção das camadas de
carvão, xisto betuminoso, petróleo e outras formações de origem biológica.
Nos ambientes áridos e rochosos, vegetais pioneiros tais como líquens,

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musgos e plantas rupestres conseguem transformar rochas em matéria
orgânica. Assim, qualquer cadeia alimentar depende da transformação de
substâncias inorgânicas em compostos orgânicos para construir as
estruturas funcionais dos seres vivos.

As substâncias inorgânicas são absorvidas do solo pelas raízes das plantas e


transportadas pela seiva até as partes verdes, onde se combinam com o gás
carbônico do ar e formam proteínas, carboidratos e lipídios, entre outros
compostos. Subproduto destas reações, que constituem o processo da
fotossíntese, o oxigênio é liberado na atmosfera. As espécies capazes de
realizar esta função básica da cadeia alimentar são os vegetais dotados de
clorofila, que se classificam como produtores, porque produzem os
próprios alimentos.

Organismos produtores alimentam os consumidores

Os animais, ditos organismos consumidores, não conseguem produzir os


seus nutrientes, que são essencialmente compostos orgânicos. Por isso,
alimentam-se com as proteínas, carboidratos, lipídios e outros constituintes
dos vegetais (consumidores primários) ou de outros animais (consumidores
secundários e terciários).

Organismos mortos alimentam os decompositores

Bactérias e fungos, principalmente, são capazes de se desenvolver dentro de


outros organismos, destruindo os constituintes das células, absorvendo
parte dos produtos da decomposição e liberando substâncias inorgânicas
para consumo das plantas e dos animais. Estas substâncias inorgânicas
diferem das que compõem os minerais da crosta terrestre porque já foram
convertidas em variedades assimiláveis pelos seres vivos, principalmente
sais solúveis, tais como cloretos, carbonatos, fosfatos e nitratos. Elas são a
base da fertilidade do solo.

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Organismos decompositores devolvem nutrientes ao solo

Fungos, bactérias, vermes, insetos e outros organismos decompositores


extraem da matéria orgânica morta os nutrientes que necessitam,
processam-nos e excretam substâncias que fertilizam o solo. Isto é, os
decompositores fornecem às camadas de solo materiais que funcionam
como nutrientes para os demais componentes da cadeia alimentar: água,
gás carbônico, ácidos húmicos, glicose, amido, etc.

O clima regula os ciclos da vida

Temperatura, umidade e insolação são os fatores mais importantes na


regulação da intensidade e velocidade das reações químicas e físicas que
acontecem ao longo das cadeias alimentares. Por isso, nas regiões de clima
tropical, onde esses fatores atuam de forma mais intensa, a degradação das
rochas e o desenvolvimento dos organismos criam mais rapidamente
espessas camadas de solo fértil. Essa fertilidade sustenta uma biosfera
exuberante, que potencializa os processos pedológicos e mantém o ciclo
virtuoso da biodiversidade. Nas regiões de clima glacial ou árido, as reações
químicas necessárias são inibidas e a paisagem se mantém pobre, estéril e
imprópria para a sustentação da maioria dos seres vivos, exceto os que se
adaptam aos ambientes extremos.

Mudanças climáticas globais


Não obstante as dificuldades de compreender a dinâmica dos sistemas
naturais, especialmente na atmosfera e na hidrosfera, alguns eventos
típicos de cada macroambiente podem facilitar o entendimento deste ciclo,
independente de serem causadores ou efeitos das mudanças climáticas
globais.

• As mudanças climáticas são provocadas por muitos fatores, mas os mais


decisivos são alguns gases da atmosfera terrestre, principalmente gás
carbônico e metano, que modificam a transmissão e a reflectividade da
radiação solar, criando o chamado efeito estufa.

• O aumento dos gases de efeito estufa na atmosfera provoca aquecimento


porque eles retêm os raios infravermelhos emitidos pela superfície da
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Terra, cujo comprimento de onda é maior do que o da radiação recebida
do Sol.
• As mudanças climáticas começam de fato na hidrosfera, por causa das
propriedades físico-químicas da água, da extensão predominante dos
oceanos sobre os continentes e do volume dos oceanos muito maior do
que o da atmosfera: 1.370 bilhões e 13 milhões de km3, respectivamente.
• As mudanças iniciadas na hidrosfera transmitem-se à atmosfera, cujos
gases estão em contato físico mais extenso e constante com a superfície
dos oceanos do que os continentes.
• A atmosfera transmite aos continentes as mudanças físico-químicas
ocorridas nos oceanos, funcionando como meio de propagação para as
alterações do clima.
• A biosfera reage imediatamente às modificações ocorridas nos outros
subsistemas, de modo que os seres vivos tornam-se os indicadores mais
notáveis da degradação ambiental em escala planetária.

• A adaptação dos organismos vivos às mudanças ambientais não ocorre


sem danos. Deformações anatômicas e perda de fertilidade são as
anomalias mais frequentes. Ambas contribuem para a extinção das
espécies mais vulneráveis, tais como as comunidades bentônicas dos rios
e lagos, principalmente insetos, moluscos e anfíbios. Por isto, essas
comunidades aquáticas são utilizadas como indicadoras de qualidade
ambiental nesses habitats.
• Além das degenerações físicas e genéticas, as espécies animais estão
entrando em extinção por efeito de desequilíbrios criados nas cadeias
alimentares pelo aquecimento global. Ao desaparecer uma espécie em
determinado ecossistema, os seus predadores também se extinguem ou
migram para ambientes mais favoráveis. Ao se reduzir a população de
um predador, cria-se uma superpopulação de suas presas, a ponto de se
tornarem pragas prejudiciais à integridade dos ecossistemas, com danos
à agricultura e às comunidades animais e humanas.
• As mudanças climáticas globais estão produzindo um efeito fácil de
observar na distribuição sazonal das chuvas em todo o mundo. Embora
o volume anual não esteja aumentando muito, as chuvas estão se
tornando a cada ano mais concentradas, o que torna mais frequentes as
precipitações torrenciais e mais longos os períodos de estiagem.
• O aumento dos períodos de estiagem favorece as queimadas naturais,
ampliando as áreas desmatadas e, desta forma, intensificando a erosão
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do solo, que é um importante sequestrante de gás carbônico. Ao mesmo
tempo, são destruídas grandes extensões de matas produtoras de
oxigênio e reguladoras da temperatura regional. Menos árvores para
produzir oxigênio e capturar gás carbônico significam temperaturas
mais elevadas e chuvas mais concentradas em eventos torrenciais.
• Tudo isto produz degradação ambiental, acelera o aquecimento global e
sustenta o ciclo danoso das mudanças climáticas.

A complexidade da natureza

Introdução
Normalmente, quando observamos um sistema, nós nos concentramos em
uma ou outra das suas propriedades. Os sistemas complexos, entretanto,
manifestam tantas propriedades simultâneas, chamadas de variáveis pelos
cientistas, que nós só podemos obter uma imagem realista se as
considerarmos conjuntamente. Além disto, estas variáveis evoluem no
tempo e no espaço de forma não-linear, isto é, as mudanças que acontecem
nas variáveis dependentes (efeitos) são desproporcionais às mudanças que
aconteceram nas variáveis independentes (causas). Mais ainda, as
interações entre elas geram outras propriedades de nível mais elevado,
chamadas de emergentes, que caracterizam uma hierarquia dentro dos
sistemas. Assim, por exemplo, as moléculas formam células, que formam
tecidos, que formam órgãos, que formam organismos, que formam
comunidades, que formam ecossistemas. Cada um desses níveis apresenta
propriedades específicas que não se repetem nos demais, exceto com
manifestações diferentes.

O objetivo de discutir as propriedades e os comportamentos dos sistemas


complexos justifica-se pelo fato de que esta é a abordagem dos cientistas
que estudam os fenômenos naturais. Muita dificuldade de incompreensão
das suas conclusões e, muitas vezes, dos seus alertas sobre as
consequências da degradação ambiental resultam da ignorância do público
sobre estes conceitos. Ao profissional da Gestão Ambiental não é dada a
liberdade de permanecer em tal nível de desconhecimento.

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Propriedades dos sistemas complexos
Considera-se que a complexidade começa a se manifestar dentro de um
sistema quando ele atinge um grande número de elementos e interações.
Esta definição é vaga, porém suficiente, quando se considera que o
comportamento é determinado pela estrutura de um sistema. Assim,
quando o número de elementos atinge um certo valor, mesmo que
indeterminado e dependente da natureza do próprio sistema, as interações
atuantes criam propriedades emergentes, novos objetivos, novas regras e
novos problemas de funcionamento, novas necessidades de insumos e
novos tipos de produtos. E este processo evolui segundo a lei exponencial
até que as restrições internas ou externas imponham limites ao ritmo de
crescimento da complexidade.

Os cientistas da complexidade colocam algumas condições mínimas para


que ela seja reconhecida: auto-organização, não-linearidade, dinâmica da
ordem e do caos e propriedades emergentes. Estas propriedades têm as
suas próprias teorias, num desdobramento contínuo de avanços, e levaram
a uma série importante de recursos metodológicos para estudar os sistemas
complexos: vida artificial, algoritmos genéticos, redes neurais, autômatos
celulares e redes booleanas, entre outros. Uma revisão das propriedades
essenciais dos sistemas complexos é necessária para esclarecer mais
completamente este conceito.

Auto-organização

Desde que sejam suficientemente complexos para tal, os sistemas sofrem


mudanças naturais e espontâneas que lhes permitem aumentar a sua
eficiência de funcionamento. Os sistemas simples, como as amebas, podem
se adaptar ao meio para sobreviver, mas elas não mudam funções
fisiológicas ou estruturas internas para este fim. Quando observamos
adaptações estruturais e funcionais, estamos diante de um sistema
complexo, dotado de subsistemas de retroalimentação que lhe permitem
fazer as mudanças necessárias para adquirir maior eficiência de
funcionamento.

A seleção natural que se conhece na teoria clássica da evolução é o primeiro


exemplo de auto-organização. Estudos realizados em ilhas do Pacífico
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mostraram que a adaptação dos bicos de pássaros às mudanças da
alimentação disponível ocorre em períodos de duas ou três décadas, o que
demanda poucas gerações para que ela se processe. Existem programas de
computador que incorporam comandos imitando o processo de seleção
natural, de modo a lhes permitir o desenvolvimento de novas funções. Eles
pertencem ao campo da inteligência artificial.

O sistema nervoso dos animais é outro exemplo: as células cerebrais


crescem e se especializam de acordo com as necessidades de sobrevivência
do indivíduo, diante dos estímulos externos. Uma criança criada nos
primeiros meses de vida longe da luz jamais enxergará a luz do dia, porque
faltarão células cerebrais especializadas para a visão. As redes neurais da
informática reproduzem esta propriedade dos sistemas complexos. Os
sistemas sociais, como as empresas, as cidades e o mercado financeiro,
comportam-se desta maneira.

Não-linearidade
As mudanças ocorrem dentro dos sistemas complexos de forma não-linear.
Isto tem pelo menos dois significados. O primeiro é que não existem
cadeias lineares de causas e efeitos, interligados de forma direta e
facilmente reconhecível. Ao contrário, os efeitos surgem longe das causas e
muito tempo depois de elas terem agido. Mais do que isto, o que
encontramos na complexidade são conjuntos de causas (redes) provocando
conjuntos de comportamentos (padrões). Estas redes e padrões também
podem ser chamadas de complexos de causas e de efeitos.
No diagrama abaixo, os complexos de causas e de efeitos são indicados
pelas diferentes cores aplicadas às células de texto. Uma representação
mais realista, indicando todos os ciclos de retroalimentação, como as setas
e os quadros em vermelho, tornaria a rede ilegível.
O segundo significado é que o incremento de uma unidade no valor de uma
causa não provoca o aumento de outra unidade no valor do seu efeito. Nos
sistemas complexos, as relações entre causas e efeitos são determinadas
pela lei exponencial. Ela mostra que o incremento de uma unidade de valor
numa variável independente (causa) provoca variações positivas ou
negativas crescentes, em proporções exponenciais, nas variáveis

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dependentes (efeitos). O comportamento imprevisível dos sistemas sociais
e dos ecossistemas é o melhor exemplo desta propriedade.

Fonte: E.E. Arioli

Complexos de causas e efeitos nas mudanças climáticas.

Fonte: Saber Matemática

Curva exponencial positiva.

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Dinâmica da ordem e do caos

A dinâmica da ordem é previsível: o comportamento futuro do sistema


pode ser previsto em função do comportamento passado. O caos é
imprevisível: nada do que se conhece dos estados passados do sistema
permite prever o que acontecerá no futuro. Além disto, uma pequena
mudança nas condições vigentes num determinado estágio de evolução do
sistema provoca outras desproporcionalmente maiores nas condições
futuras.

O exemplo clássico de caos é um gás em turbilhão. Ele parece organizado


em torno de vórtices que se fundem, destroem-se mutuamente e criam
outros de forma imprevisível, geralmente catastrófica. Devido à sua
importância fundamental para o entendimento da dinâmica dos sistemas
complexos, a teoria do caos merece uma revisão mais detalhada.

A teoria do caos lida com padrões, porque os sistemas caóticos são


formados pela repetição de padrões frequentemente irregulares, que se
repetem mudando constantemente, permanecem estáveis por um tempo
muito curto ou muito longo, dão lugar a outros padrões e ressurgem de
forma imprevisível. Os padrões mais estáveis são chamados de atratores
estranhos ou simplesmente atratores. Um exemplo típico de sistema
caótico é a geração das ondas no mar. Embora a gente possa prever o
padrão geral de formação (direção, comprimento de onda, amplitude), é
impossível prever exatamente onde cada uma delas vai arrebentar, com que
energia e volume de água.

Quando modelizamos graficamente uma propriedade de um sistema


complexo, descobrimos que os resultados não são linhas retas, mas curvas,
e a sua evolução não é fácil de prever. Antes do advento da teoria do caos, a
maioria dos estudos científicos tentava descrever os sistemas por meio de
modelos lineares, isto é, por meio de equações com uma ou duas variáveis,
como Isaac Newton fez com a mecânica do universo. Quando as coisas não
saíam como o cientista previa, as diferenças eram atribuídas a erros
experimentais ou de cálculo, denominados ruídos.

Hoje, com o melhor conhecimento da complexidade, sabemos que o ruído é


uma informação importante dentro do experimento científico. Quando
introduzimos o ruído nos gráficos, eles perdem a linearidade e a

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previsibilidade. Como antigamente o ruído experimental era chamado de
caos, adotou-se este nome para a teoria que estuda a imprevisibilidade
dentro dos sistemas complexos.

A imprevisibilidade dos sistemas complexos deve-se principalmente à sua


alta sensibilidade às condições iniciais. As menores mudanças nas
condições iniciais de um sistema complexo produzem diferenças enormes
nos seus comportamentos futuros, que impedem a sua previsão com
alguma segurança. Edward Lorenz descobriu isto ao alterar valores da
velocidade dos ventos na casa da segunda ou terceira decimal, num modelo
climático que estudava. As simulações de comportamento futuro do modelo
mostraram resultados tão diferentes, com furacões surgindo onde outra
simulação mostrava tempo bom, que isto levou o nome de efeito borboleta,
porque as diferenças introduzidas nas medidas corresponderiam às
perturbações provocadas pelo bater das asas de uma delas.

Propriedades emergentes

A imprevisibilidade é uma propriedade inerente aos sistemas complexos,


como foi dito acima. Ela é uma das propriedades emergentes. Entretanto,
embora imprevisíveis, eles mantêm uma lógica de funcionamento que pode
ser teorizada, desde que não se apele para métodos reducionistas de estudo.

A autopoiese, por exemplo, é a propriedade emergente típica dos seres


vivos, representada pela capacidade de se reproduzir, criando sistemas
semelhantes por reprodução sexuada ou assexuada (bipartição, por
exemplo). A consciência humana é o exemplo mais elevado que podemos
citar de propriedade emergente. Ela não é produzida por uma estrutura
específica do cérebro, mas pelo conjunto das nossas faculdades mentais
(pensamento, memória), fisiológicas (percepção, sentidos físicos) e
psicológicas (sensações, sentimentos), entre outras.

A dificuldade de entender o significado de propriedades emergentes, ou


pelo menos, de incluí-las no contexto das análises de comportamento dos
ecossistemas, é um dos motivos mais comuns da falta de diálogo entre
ambientalistas, autoridades e o público leigo. Esta dificuldade não precisa
ser destrinchada em minúcias para se compreender o funcionamento de

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um organismo ou de um ecossistema. Existem soluções mais simples, como
considerar as relações entre os níveis de organização descritos abaixo.

Importância do pensamento sistêmico para a Ecologia


Pensamento sistêmico é uma expressão que já se tornou comum na
literatura científica mundial, mas é difícil de encontrar uma definição
satisfatória. Entretanto, sem pensamento sistêmico não é possível estudar a
complexidade e, desta forma, compreender como funciona a natureza. Para
melhor entender esta linha de raciocínio, é necessário rever as premissas do
pensamento cartesiano, que ainda domina muitas discussões dos
fenômenos naturais, pelo menos fora da literatura especializada.
O cartesianismo, filosofia científica nascida sob a influência direta da física
mecanicista de Newton, no século XVII, admite que o conhecimento das
coisas pode ser obtido pelo estudo da sua constituição, isto é, da
composição e estrutura dos seus componentes individuais. É interessante
saber que, ao propor o método analítico, René Descartes reconheceu a sua
utilidade enquanto a ciência não dispunha dos recursos matemáticos
necessários para uma abordagem holística aos fenômenos naturais. Eles
surgiram muito depois com o desenvolvimento de três novos ramos do
cálculo matemático: integral, diferencial e matricial. Abordagem holística é
sinônimo de pensamento sistêmico.

No método cartesiano, a essência de um objeto de estudo pode ser


conhecida pela redução aos seus elementos mais fundamentais: indivíduos,
células, moléculas, átomos e assim por diante. Este passo do método é a
análise, motivo pelo qual o método é dito reducionista ou analítico. A
informação daí resultante pode ser reorganizada à escala inicial e assim
tem-se reconstituído o objeto de estudo pela soma das propriedades dos
seus componentes elementares. Este outro passo chama-se síntese.

O método cartesiano permitiu os grandes avanços da ciência, da tecnologia


e da economia até as primeiras décadas do século XX. Entretanto, o
aumento da complexidade dos fenômenos sociais, com uma população
mundial já na ordem dos bilhões de habitantes, exigia abordagens mais
adequadas. Nas décadas de 1910 e 1920, a Teoria Geral dos Sistemas (TGS)
reorganizou conceitos já existentes, desenvolveu demonstrações

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matemáticas mais eficientes e formulou princípios de estudo da realidade
que se mostraram cada vez mais compatíveis com as exigências da
complexidade. As teorias da complexidade não passam de produtos da
evolução contínua da TGS, formulada por Ludwig von Bertallanffy.

Mas, afinal, o que é pensamento sistêmico? Richmond (1990) diz que


pensar sistemicamente é saber fazer a ligação entre a estrutura e o
comportamento de um sistema, modificando a primeira sempre que se
desejar mudar o segundo. Este autor aponta algumas linhas de raciocínio
que podem ser combinadas para compor um modelo de pensamento
sistêmico, combinando quatro habilidades:

Trabalhar com modelos

Devemos compreender que não lidamos com a realidade, mas com


construtos, isto é, representações que extraímos dela para podermos
pensar, comunicar e trabalhar. Além disso, precisamos saber construir
modelos válidos e úteis aos nossos objetivos, o que exige o domínio das
técnicas adequadas, tais como diagramas e equações matemáticas. Os
modelos podem ser definidos, portanto, como representações matemáticas
da realidade, construídas a partir de variáveis capazes de descrever, ainda
que esquemática e simplificadamente, o comportamento dos objetos de
estudo.

Buscar as interrelações dos elementos de um sistema

O pensamento ocidental é pródigo na identificação das relações de causa e


efeito entre coisas, em virtude do domínio que adquiriu do método
cartesiano. Entretanto, esta abordagem peca por ainda acreditar que
sempre pode haver uma causa única para um problema, não importa a sua
dimensão ou complexidade.

Quando lidamos com sistemas complexos, precisamos pensar também em


efeitos indiretos, em relações causais entre conjuntos de estruturas e de
comportamentos (redes de causas e efeitos), em circuitos de
retroalimentação positiva e negativa, e assim por diante. A complexidade já
não pode ser abordada de forma tão simplista e analítica. Por isso, quando
um cientista ou um filósofo consegue aplicar o pensamento sistêmico a um
19
objeto de discussão, as suas observações nos parecem verdadeiros achados
geniais.

Compreender a dinâmica dos sistemas

Isto requer o conhecimento dos circuitos de retroalimentação, os retardos e


as mudanças de variáveis. Os comportamentos dos sistemas variam ao
longo do tempo, com retardos e oscilações nas relações entre causas e
efeitos. Como foi dito várias vezes nos parágrafos anteriores, elas não são
lineares. Por isto, as análises de regressão linear podem ser irreais e
ilusórias, levando a interpretações e projeções deficientes, como se observa
em muitas discussões sobre mudanças climáticas. As técnicas de simulação
aplicadas a modelos dinâmicos são excelentes para esta finalidade.

Descobrir como controlar o comportamento dos sistemas

Não basta compreender o comportamento dos sistemas, porque mesmo a


ciência básica precisa contribuir para a solução prática dos problemas de
gestão dos sistemas. Afinal, esta é a finalidade mais óbvia da Gestão
Ambiental.

Uma das questões mais fundamentais e importantes que a gestão dos


sistemas precisa responder é: quais dos componentes são susceptíveis a
mudanças por intervenção direta? Como regra básica, é preciso entender
que os comportamentos não são mudados por intervenção direta, mas por
efeito de alterações na estrutura do sistema. A psicologia, a sociologia e a
economia mostram isto muito bem.

Quando se trata de Gestão Ambiental, as dificuldades crescem


exponencialmente, porque a quantidade de variáveis existentes dentro de
cada ecossistema é muito grande e de difícil identificação. Por isto, o
domínio da Ecologia é indispensável ao gestor ambiental, uma vez que ela
permite selecionar as variáveis críticas de cada ecossistema para viabilizar a
compreensão do seu comportamento e dos seus eventos.

Existe uma linha de pesquisa proposta pelo biólogo norte-americano


Howard T. Odum (1989) que se chama Engenharia Ecológica, assim
definida por Enrique Ortega:
20
“A Engenharia Ecológica se propõe a integrar, através da Teoria Geral de
Sistemas, os conhecimentos da Ecologia e da Engenharia com o objetivo de
descrever o funcionamento energético de ecossistemas visando predizer seu
comportamento no decorrer do tempo. Essa informação permite fazer
diagnósticos dos ecossistemas modificados pelo homem e propor políticas
públicas e privadas para o Desenvolvimento Sustentável.”

A Engenharia Ecológica analisa os fluxos de energia e materiais nos


ecossistemas para demonstrar, por meio de índices quantitativos, a
dependência dos sistemas produtivos humanos em relação às fontes
naturais de energia. E, neste sentido, descobrir possibilidades de interação
entre os sistemas produtivos e os ecossistemas. Esta linha de pesquisa é a
opção mais eficiente que conhecemos para o estudo da dinâmica dos
sistemas.

Indicadores de resiliência dos ecossistemas


Resiliência é a capacidade de um ecossistema em processo de degradação
se regenerar e evitar o colapso. Esta propriedade é decisiva para o
conhecimento das projeções de futuro para o nosso planeta e já existem
indicações que podem contribuir decisivamente para esta tarefa.
O pesquisador sueco Johan Rockström (2021) apresentou recentemente
conclusões sobre estudos feitos sobre a resiliência dos ecossistemas
terrestres. Baseado em dados analisados pela equipe do Centro de
Resiliência de Estocolmo (Stockholm Resilience Center) da Universidade de
Estocolmo e da Universidade Nacional da Austrália (Steffen et al., 2009),
ele indica nove valores limites a partir dos quais os ecossistemas atingem
níveis irrecuperáveis de degradação. A esses limites os autores
denominaram limiares globais de resiliência (tradução livre de planetary
boundaries, em inglês).

Introdução
O estado relativamente estável do Sistema Terrestre (ST) que perdura há
pelo menos 11.700 anos é a única condição que, até onde sabemos,
consegue sustentar a sociedade contemporânea. Entretanto, existem
21
muitas evidências de que as nossas atividades estão afetando os
ecossistemas a ponto de colocar em risco a resiliência do planeta como um
todo.
A equipe de 28 pesquisadores liderada pelo Dr. Rockström identificou os
processos críticos que regulam o funcionamento do ST e cujos valores de
ponto de inflexão são considerados Limiares de Resiliência (LR). Abaixo
desses limites as atividades humanas operam dentro de uma zona de
segurança para o desenvolvimento global da sociedade. Acima desses
limiares, a zona de perigo é separada da anterior por uma zona de
incerteza, como mostra a figura abaixo.

Fonte: Rockström et al., 2009

Concepção teórica das zonas de segurança


(verde), incerteza (amarelo) e perigo (vermelho).

Os limiares
As pressões de origem humana sobre o ST atingiram uma dimensão que
justificam esperar mudanças ambientais abruptas na escala global. A
transgressão de um ou mais desses limiares pode ser perigosa ou mesmo
catastrófica, sempre que deflagrar perturbações irreversíveis e perigosas
para os ecossistemas. Rockström et al. (2009) identificaram nove limiares
globais e propõem valores para sete deles, resumidos a seguir.

22
Mudanças climáticas
São provocadas por concentrações de CO2 acima de 350 ppm e/ou
aumentos de pelo menos 1 W (watt) por metro quadrado no fluxo da
irradiação solar na superfície terrestre. Já é consenso no meio científico que
o limiar global corresponde à temperatura de 2oC acima da média anterior
ao início da era industrial. Este limiar foi estimado em função de volumosos
dados disponíveis sobre os ciclos rápidos de retroalimentação dos
processos climáticos, tais como mudanças no volume de nuvens na
atmosfera e na extensão de massas de gelo. Ciclos de resposta mais lenta,
como mudanças na distribuição da vegetação e inundações das regiões
costeiras, levam a outros valores para os limiares das mudanças climáticas
globais: 4 oC a 8oC.
Os dados climáticos acumulados a partir de milhares de amostras indicam
que a temperatura média do planeta está pelo menos 2oC acima da média
pré-industrial. Os seus efeitos ambientais nocivos incluem a perda de
fontes de água potável de origem glacial e de sequestro de carbono
atmosférico, além de perturbações destrutivas nos padrões regionais de
clima. Em relação a este indicador, portanto, o ST já superou o limiar de
resiliência e encontra-se na zona de incerteza.

Acidificação dos oceanos


Provocada pelo estado de saturação média do íon carbonato das águas
superficiais, em relação ao carbonato de cálcio, o limiar global foi
estabelecido em pelo menos 80% acima dos níveis pré-industriais. Embora
as evidências diretas sejam confiáveis, pelo volume e variedade dos dados
acumulados, permanecem incertas as respostas dos ecossistemas às
alterações. Os efeitos deletérios deste aumento incluem a destruição dos
corais, moluscos e outros seres marinhos dotados de conchas calcárias, bem
como a redução do sequestro de carbono atmosférico pelos oceanos.
A acidez das águas superficiais aumentou cerca de 30% desde a era pré-
industrial, o que corresponde à redução de 0,1 unidade de pH e de 16% na
concentração média de carbonato nos oceanos. Esta alteração é pelo menos
100 vezes mais acelerada do que aconteceu nos últimos 20 Ma (milhões de
anos), colocando este limiar dentro da zona de perigo. Esta velocidade é
rápida demais para que os organismos marinhos consigam se adaptar à

23
acidificação, o que permite entender por que os recifes de corais estão
sendo danificados e destruídos no planeta.

Ozônio estratosférico
O ozônio (O3) estratosférico apresenta atualmente redução de até 5% nas
unidades Dobson1 em relação aos níveis pré-industriais, que variavam em
torno de 290 unidades. O efeito direto desta redução é o aumento do fluxo
de raios ultravioleta sobre o planeta, com aumento de doenças
degenerativas nos seres vivos, inclusive câncer. Existem evidências
científicas suficientes para garantir a confiabilidade deste limiar, que está
definido com suficiente grau de certeza. Por isso, não há controvérsias a seu
respeito nos meios especializados de pesquisa.
O limiar global de 5% para a redução na espessura da camada de ozônio em
qualquer latitude, em relação aos valores medidos no período de 1964-
1980, é estabelecido pelos autores como uma referência inicial a ser
confirmada por pesquisas futuras. Portanto, este limiar encontra-se
atualmente dentro da zona de incerteza.

Concentração de aerossóis na atmosfera


Ela é controlada pelos teores regionais da carga de particulados e cujo
limiar global ainda não foi estabelecido. Embora existam amplas evidências
científicas a respeito, ainda é desconhecido o seu comportamento na escala
global. Sabe-se, entretanto, que o aumento dos aerossóis atmosféricos
provoca perturbações no regime das tempestades tropicais, prejudica a
saúde humana e influencia negativamente as mudanças climáticas e
reservas de água potável no planeta. Por falta de consistência nos dados
disponíveis sobre as suas relações com a sustentabilidade ambiental, os
autores não propõem valores para este limiar global.
No que diz respeito à saúde humana, a poluição do ar é responsável por 3%
da mortalidade de adultos por doenças cardiopulmonares, 5% da
mortalidade por câncer de traqueia e brônquios, além de 1% da mortalidade
infantil por infecção respiratória aguda, nas áreas urbanas. Os mesmos
aerossóis, que são ricos em óxidos de enxofre e nitrogênio, agridem
1 16
Unidade de medida da densidade do ozônio na atmosfera, correspondendo a 2,69 x 10 moléculas de ozônio por
centímetro quadrado.

24
quimicamente a vegetação natural e cultivada, poluem as águas
superficiais, alteram os padrões regionais do clima e perturbam o equilíbrio
energético da superfície terrestre.

Interferências biogeoquímicas nos ciclos do N e do P


Estas interferências apresentam limites de fixação industrial e agrícola de
35 mT (megatoneladas)2 por ano para o nitrogênio (N) e incorporação aos
oceanos abaixo de 10 vezes a média de origem natural para o fósforo (P).
São pouco conhecidas as respostas dos ecossistemas às alterações dos
fluxos desses elementos químicos para dentro dos oceanos, embora alguns
efeitos do aumento de N sejam estudados. Os limiares globais mencionados
são considerados bastante incertos pelos autores.
As atividades humanas convertem mais N da atmosfera em formas reativas
do que todos os processos naturais combinados. Em números aproximados,
a fixação do N atmosférico ocorre por meio de quatro atividades principais:
80 Mt de N por ano pela indústria, 40 Mt por ano pela agricultura, 20 Mt
pela queima de combustíveis fósseis e 10 Mt pela queima de biomassa. Em
todos os casos, as formas reativas de N, tais como amônia e óxido nítrico,
acabam sendo liberadas no meio ambiente. Elas agem como poluentes na
atmosfera e nas águas superficiais.
Quanto à introdução de compostos de P nas águas superficiais e oceânicas,
os efeitos dominantes são a redução do oxigênio e a extinção de organismos
em grande escala. Isto acontece, segundo estimativa dos autores, quando os
seus limiares globais ultrapassam 20% dos volumes liberados naturalmente
pela intemperização das rochas. As fontes humanas de poluentes ricos em P
são os detergentes e efluentes industriais.

Consumo global de água potável


O limite do consumo mundial de água potável foi estimado em 4.000 km3
por ano. Exceder este volume pode afetar padrões regionais de clima, por
causa da redução da umidade atmosférica, das áreas florestadas, da
biodiversidade e do sequestro de carbono pela vegetação. As evidências
científicas das respostas ambientais à degradação das massas superficiais
2
Os autores utilizam a unidade Tg (teragramas ou 1 trilhão de gramas), que convertemos para mT (1.000.000 T)
para facilitar o entendimento do leitor.

25
de água são incompletas e fragmentadas. Embora seja uma variável de
reação lenta, os seus limiares são razoavelmente bem definidos, pelo menos
na escala regional.
O consumo de água potável é a principal causa de redução das vazões dos
rios na escala global, atingindo estimados 25% das bacias hidrográficas
mundiais. Isto reduz em muito a evaporação e consequente recuperação da
umidade da atmosfera para manter os volumes regionais de precipitação,
com efeitos negativos sobre a manutenção dos ecossistemas e das reservas
de água potável. Com um consumo atual estimado de 4.000 km3 por ano,
os autores propõem o limiar global de 12.500 km3 em benefício do
suprimento futuro das necessidades mundiais de consumo.

Uso e ocupação do solo


O limiar global é proposto para 15% da superfície global de terra firme e
livre de gelo do planeta transformada em área cultivada. Esta é uma
variável de resposta lenta por parte dos ecossistemas, mas existem
evidências científicas suficientes para confirmar que o avanço da fronteira
agrícola, em escala local e regional, provoca degradação ambiental. A
degradação resulta principalmente das perdas de biodiversidade e
cobertura vegetal natural, além da contaminação do solo e das águas por
fertilizantes e pesticidas.
Estima-se que a conversão de florestas e outros ecossistemas naturais em
terras agrícolas aumentou 0,8% por ano, durante os últimos 40 a 50 anos.
Cerca de 12% da superfície dos continentes é ocupada atualmente por
agricultura, o que deixa apenas 3%, ou 400 milhões de hectares, para a
expansão admissível, sem danos à resiliência ambiental.

Taxa de perda da biodiversidade


Este limiar não deve exceder a 10 extinções anuais por milhão de espécies.
Também é uma variável de resposta lenta por parte dos ecossistemas,
principalmente na escala global, mas tem impactos sobre outros limiares,
como o sequestro de carbono pelo solo e pela vegetação, a qualidade das
águas e os ciclos biogeoquímicos de N e P. O conhecimento a respeito
desses efeitos ainda é bastante incompleto, de modo que o limiar proposto
deve ser considerado apenas nas escalas locais e regionais.
26
Atualmente, as taxas de extinção global ultrapassam em muito as taxas de
especiação, isto é, de surgimento de novas espécies. Desde o início do
Antropoceno, o homem multiplicou por 100 a 1.000 vezes as taxas de
extinção de espécies. Por isto, esta é a causa principal das perdas globais de
biodiversidade na natureza, que atingem em média 25% das espécies
conhecidas.

Poluição química
Resultante das emissões industriais e automotivas, afeta generalizadamente
a natureza, com o agravante de ser pervasiva, persistente e de efeitos
nocivos sobre várias gerações de organismos. Os poluentes mais agressivos
para os biomas têm composição orgânica (fertilizantes, pesticidas,
herbicidas), são cancerígenos (componentes químicos dos plásticos, como o
tereftalato), metais pesados (chumbo, cádmio, níquel, cromo, arsênio,
selênio) e radiativos (urânio, tório, polônio). Existem evidências científicas
consistentes sobre a ação deletéria e os níveis aceitáveis para poluentes
individuais, mas os efeitos agregados e em escala global são pouco
conhecidos. Por isso, os autores não propõem limiares globais para os
mesmos.
A poluição química foi incluída entre os limiares globais de resiliência
ambiental porque ela afeta a fisiologia dos organismos de um modo geral,
prejudicando o funcionamento e a estrutura dos ecossistemas. Os seus
efeitos deletérios ocorrem tanto por contato ou consumo direto quanto por
bioacumulação através das cadeias alimentares.

Discussão
Alguns limiares globais podem apresentar mudanças abruptas, como o
degelo de uma calota polar, e outros evoluem de forma quase
imperceptível, como a concentração de gás carbônico na atmosfera. Alguns,
ainda, podem associar-se a processos de dimensões planetárias e
influenciar fenômenos locais, enquanto outros de extensão local podem
afetar os processos globais. Todos, entretanto, têm o poder de afetar em
graus variáveis a resiliência do ST, isto é, a sua capacidade de recuperar as
próprias condições de equilíbrio.

27
Rockström et al. (2009) avaliam que a Humanidade já transgrediu três
limiares globais: mudanças climáticas, perdas de biodiversidade e
alterações no ciclo global de nitrogênio. O gráfico abaixo, adaptado para
este texto, apresenta o panorama geral de progressão de cada um deles em
direção aos intervalos de incerteza e alto risco.

Limiares globais Segurança Incerteza Alto risco


Mudanças climáticas
Acidificação dos oceanos
Depleção da camada de ozônio
Concentração de aerossóis atmosféricos ?
Fluxos biogeoquímicos x ciclos de N e P
Consumo de água potável
Uso e ocupação do solo
Perdas de biodiversidade ?
Poluição química ?
Fonte: adaptado de Rockström et al. (2009)

Posição atual dos limiares globais em relação à incerteza e ao alto risco.

Os limiares globais são interdependentes, porque a transgressão de um


pode modificar o estado de outros e levá-los a serem excedidos. Um
exemplo comum é a influência direta da degradação ambiental sobre o
equilíbrio social, como se observa nos períodos de seca continuada,
escassez de alimentos, migração em massa e desequilíbrio das comunidades
afetadas. Outro exemplo tristemente notável é a extinção dos lagos Poopó
(Peru) e Chade (Chade, Camarões e Nigéria) e dos mares Morto (Israel,
Jordânia e Cisjordânia) e de Aral (Cazaquistão), por efeito da irrigação
agrícola descontrolada.
Apesar de existirem evidências de perturbações causadas pelo ser humano
nos ecossistemas desde pelo menos 10.000 anos atrás, as ameaças
passaram a assumir caráter global somente a partir da revolução industrial,
marco inicial do Antropoceno. A perda de resiliência dos ecossistemas
manifesta-se na forma de transição abrupta e não-linear de um padrão de
estabilidade para outro. Os valores atingidos por algumas variáveis

28
ambientais, na iminência da deflagração dessas mudanças, são os limiares
globais definidos por Rockström et al. (2009).
É importante considerar que esta iminência representa a distância definida
como segura pela sociedade em benefício da sua própria sobrevivência.
Existe, portanto, uma grande margem de incerteza na definição desses
limiares, devido principalmente aos seguintes fatores:
 a própria natureza das variáveis biofísicas;
 a incerteza intrínseca ao comportamento dos sistemas complexos;
 a interdependência entre as variações das diferentes variáveis;
 a incerteza relacionada com a projeção do tempo necessário para um
colapso ambiental após ser atingido um determinado limiar.
Esta incerteza não deve impressionar o leigo em ciências naturais, porque
ela é onipresente na pesquisa científica com o nome de margem de erro
estatístico.
Como foi dito no início desta seção, alguns limiares globais podem
apresentar mudanças abruptas e outros evoluem de forma quase
imperceptível. Alguns, ainda, podem associar-se a processos de dimensões
planetárias e influenciar processos locais, enquanto outros de extensão
local podem afetar os processos globais. Todos, entretanto, têm o poder de
afetar em graus variáveis a resiliência do ST, isto é, a sua capacidade de
recuperar as próprias condições de equilíbrio.

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Senge, P. M. A Quinta Disciplina: Arte e prática da organização que
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