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TODOROV, Tzvetan. Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980.

A LEITURA COMO CONSTRUÇÃO

 Mas o um domínio permanece inexplorado, o da lógica da leitura que não é


representada no texto e que, no entanto, é anterior à diferença individual (p. 83).
 O que existe, primeiramente, é o texto e nada além dele; é apenas submetendo-o a um
tipo particular de leitura que construímos, a partir dele, um universo imaginário. O
romance não imita a realidade, ele a cria: esta fórmula dos pré-românticos não é uma
simples inovação terminológica; somente a perspectiva de construção permite-nos
compreender corretamente o funcionamento do texto dito representativo (p. 83-84)

O Discurso Referencial

 Apenas frases referenciais permitem a construção. Em “eu sentia que ela era melhor
do que eu; desprezava-me por ser indigno dela. Que horrível infelicidade a de não ser
amado quando se ama; mas infelicidade ainda maior é a de ser amado com paixão
quando não mais se ama”. A primeira dessas duas frases é referencial: evoca um
acontecimento (os sentimentos de Adolphe); a segunda não o é: é uma sentença. A
diferença entre as duas é assinalada por índices gramaticais: a sentença exige o
presente, a terceira pessoa do verbo e não comporta anáforas (84).
 Duas posições parecem especialmente pertinentes aqui: a do sensível e a do não-
sensível; e a do particular e do geral [...] nesta outra frase: “Encontrava em meu pai
não um censor, mas um observador frio e cáustico que inicialmente sorria de piedade e
que logo terminava a conversa com impaciência”, vê-se uma justaposição de
acontecimentos sensíveis e não-sensíveis: o sorriso, o silêncio são fatos observáveis; a
piedade e a impaciência são suposições – sem dúvida justificadas – a respeito dos
sentimentos aos quais não se tem qualquer acesso direto (p. 84).
 As frases não-referenciais não são retidas quando da leitura como construção
(participam de uma outra leitura). As frases referenciais levam a construções de
qualidade diferente conforme sejam mais ou menos gerais, e evoquem acontecimentos
mais ou menos sensíveis (p. 85).
 Em análise narrativa o acordo parece ter sido feito de modo que se retenham três
parâmetros: o tempo, a visão, o modo. Nisso ainda, estamos em terro relativamente
conhecido (cujo levantamento tentei fazer, em minha Poétique; é preciso
simplesmente encará-lo agora do ponto de vista da leitura. (p. 85).
 O modo: o estilo direto é o único meio de eliminar qualquer diferença entre o discurso
narrativo e o universo que ele evoca: as palavras são idênticas às palavras [não há
metáforas ou outras figuras de linguagem], a construção é direta e imediata. É o que
nem ocorre nos acontecimentos não-verbais, nem no discurso transposto (p. 85).
 A construção da conversa entre o hóspede e o lacaio, igualmente evocada, é muito
menos determinada [trata-se de um trecho em que o narrador evoca uma conversa
entre terceiros, entre aquele que era o hospede (seu interlocutor) e outro elemento, um
lacaio] (P. 85)
 A visão que temos dos eventos evocados é evidentemente determinante para o trablho
de construção. Por exemplo, quando de uma visão valorizadora, enfatizamos: (a) o
evento relatado; (b) a atitude daquele que “vê” com relação a este evento. Ou ainda,
sabemos distinguir a informação que uma frase nos traz sobre o seu objeto da que
remete ao seu sujeito; [...] O editor constrói, pois, o sujeito da narrativa (Adolphe, o
narrador), não o seu objeto (Adolphe, a personagem e Ellénore).
 A repetição é muito importante no processo de construção: pois devemos construir um
evento a partir de várias narrativas. As relações entre as narrativas repetitivas variam
de identidade à contradição

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