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Universidade Save
Maxixe
2021
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Universidade Save
Maxixe
2021
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Índice
Declaração.................................................................................................................................iv
Dedicatória..................................................................................................................................v
Agradecimentos.........................................................................................................................vi
Resumo.....................................................................................................................................vii
Introdução...................................................................................................................................8
CAPÍTULO I: VIDA, OBRAS E INFLUÊNCIAS RECEBIDAS PARA A COMPOSIÇÃO
DO SEU PENSAMENTO........................................................................................................10
1.1. Vida de Guy Debord: um Doutor em “Nada”....................................................................10
1.2. O Espírito Aventureiro como Obstáculo para a Produção Literária..................................12
1.3. A produção Filosófico-Literária: Obras e Filmes..............................................................13
1.4. O Ambiente Social, Político e Cultural da Europa que Influenciou Debord.....................14
1.5. A Internacional Situacionista como Pressuposto para a Construção do Sujeito................15
1.6. De Feuerbach à Debord: O Espectáculo como Herdeiro Terrestre da Religião................17
1.7. De Marx a Debord: A Imagem como o Grau mais Elevado do Capital............................18
1.8. Lukács e Debord: Contra o Crime da Contemplação........................................................18
1.9. Debord: um Seguidor da Dialéctica Hegeliana-Marxista..................................................20
CAPÍTULO II: O ESPECTÁCULO COMO PRESSUPOSTO PARA COMPREENDER A
DINÂMICA SOCIAL...............................................................................................................22
2.1. Noção do Espectáculo: As Imagens como Mediadoras das Relações Sociais na
Contemporaneidade..................................................................................................................22
2.2. A Separação como Fundamento Constitutivo do Espectáculo..........................................24
2.3. O Espectacular Integrado como “União” do Espectacular Difuso e Concentrado............25
2.4. Tempo da Sociedade Espectacular como Tempo da Ilusão...............................................27
2.5. O Espectáculo como Princípio de Submissão e de “Negação da Vida”............................28
2.6. O Espectáculo Capitalista como Pressuposto para a Degradação das Condições de Vida
do Planeta..................................................................................................................................29
2.7. A Linguagem Dialéctica como Proposta para a Superação do Homem-Imagem..............30
CAPÍTULO III: APRECIAÇÕES CRÍTICAS SOBRE O PENSAMENTO DE DEBPRD E A
CONTEMPORANEIDADE DO ESPECTÁCULO.................................................................32
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Declaração
Declaro que esta Monografia científica é resultado da minha investigação pessoal e das
orientações do supervisor. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão
devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliográfica final.
Declaro ainda que este trabalho nunca foi apresentado em nenhuma outra instituição para a
obtenção de qualquer grau académico.
________________________________
Dedicatória
Agradecimentos
Quero agradecer em primeiro lugar, ao meu supervisor Ma. Samuel Silvestre Zaqueu pela
prontidão e afeição que demonstrou para acolher-me e dar-me as devidas orientações para a
elaboração deste trabalho. Agradece-lo também pela paciência que demonstrou ao longo de
todo o percurso.
Um especial agradecimento ao Ph.D. António dos Santos Mabota (em memória) por me ter
dado um grande conselho em 2019, a quando das jornadas científicas decorridas na
universidade. Ele disse: “Valdimiro, opte por falar de filósofos actuais. Isso te ajudará a não
estar preso no tempo”. A ele, vai o meu muitíssimo obrigado.
À toda minha família, em especial a minha mãe (Julieta), a minha irmã (Rosmelita), a minha
prima (Binalda) por estarem sempre presentes em momentos difíceis e não só. Pelo apoio
incansável. Vai o meu muito obrigado.
Aos meus colegas da “Turma de Filosofia-2017”, e aos meus colegas da “Turma de História-
2017” (a turma que frequentei o minor em Geografia), que demonstraram um forte
companheirismo e trabalho em equipa.
Aos meus amigos, Aida, Armindo, Custódio, Délio, Éldio, Elsa, Filoide, Florinda, Genito
(meu compadre), Job, Joel, Jorge, Leontina e Rego, pelo apoio enorme apoio que
demonstraram durante todo o percurso.
Resumo
A presente monografia têm como título, O Espectáculo como Critério de Substituição do Homem-
práxis pelo Homem-imagem em Guy Debord. A mesma enquadra-se no campo da epistemologia e têm
como objecto de pesquisa a sociedade do espectáculo. São dois os principais métodos utilizados para a
fundamentação do tema em destaque: a revisão bibliográfica e a hermenêutica textual. Buscamos
também uma abordagem qualitativa para a compreensão da dinâmica da sociedade actual. Na
perspectiva debordiana as imagens são mediadoras das relações sociais na contemporaneidade. Para
chegar a essa conclusão, o autor percebe que a humanidade passou de um processo que começou do
ser (característico da antiguidade clássica e latina), passou para a época do ter (característico da
modernidade capitalista) e chegou na época do parecer (característica fundamental da sociedade do
espectáculo). Na fase do espectáculo, tudo esvaziou-se na representação. Com isso, a separação se
tornou o elemento fundamental no espectáculo. Essa separação causou o espírito de passividade; da
contemplação; de um relaxamento sobre as questões essências da nossa vida. O autor encontra na forte
inovação tecnológica, na consolidação do capitalismo e na fusão do económico-estatal algumas das
bases para o nascimento da sociedade espectacular. Na visão do nosso autor, o espectáculo deve ser
superado. Deve ser superado porque o mesmo gera o conformismo, gera a passividade, gera uma
sociedade sem crítica. E para a superação do mesmo, ele propõe a linguagem dialéctica (da
contradição). Com a superação do homem-imagem (o homem do espectáculo), temos o nascimento do
homem-práxis, que no nosso entender, é o homem que, da componente teórico-prático, busca as
condições para a liberdade, felicidade e outras questões existências.
Palavras-chave: Capitalismo, Contemplação, Imagem, Separação, Sociedade do Espectáculo.
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Introdução
Nesta perspectiva, a sociedade passou a ser espectacular. A separação passou a ser factor
determinante sobre as condições da vida. Desta forma, a nossa investigação tem como questão
central: Como é que o espectáculo separou e substituiu o homem-práxis pelo homem-
imagem?
O interesse pelo tema, aparece em 2019 (na altura estávamos no terceiro ano de licenciatura e
estudávamos a cadeira de Filosofia da Pós-Modernidade). Depois de discutirmos alguns
teóricos do paradoxo da imagem, comentei com Éldio Machel, que me desafiou a ler a obra A
Sociedade do Espectáculo. Terminada a leitura, surge a paixão de escrever sobre aquele que é
9
No que diz respeito ao aspecto estrutural, a trabalho é constituído por três capítulos. O
primeiro descreve a vida e as raízes sobre as quais brota o pensamento de Debord. O segundo
explica a noção do espectáculo como pressuposto para a compreensão da dinâmica social.
Nele, olha-se para o que seria a sociedade do espectáculo na perspectiva de Debord. No
terceiro e último capítulo, far-se-á as apreciações críticas sobre a teoria do espectáculo.
10
Guy Debord chama atenção aos seus contemporâneos devido a sua personalidade
“aventureira”. Esse modo de ser aventureiro, o faz tornar sua vida numa “praxis” constante,
ou seja, o faz ser alguém que de certo modo, concilia a teoria e a prática. Questões como a
fama, o dinheiro, uma grande carreira académica não estavam no seu projecto de vida. Mas
então, quem realmente foi Guy Debord? Sobre isso, ele destaca em sua autobiografia escrito
um ano antes da sua morte. Na mesma autobiografia o nosso autor afirma que o único que
pode escrever a verdade é aquele que a tenha sentido pois, nada há mais natural, para um
indivíduo, do que ver tudo a partir da sua própria pessoa, adoptada como centro do mundo.
Debord (1993:9) escreve:
Nasci em Paris (em França neste caso). A fortuna da minha família estava já
muito minada pelas consequências da crise económica mundial, que
começou por surgir nos Estados unidos, pouco antes; e os destroços dessa
fortuna não tinham ar de poderem prolongar-se muito além da minha
maioridade, o que efectivamente se concretizou. Nasci, por conseguinte,
virtualmente arruinado.
Detalhadamente, Guy Ernest Debord nasceu em Paris, França conforme citamos acima, no dia
28 de Dezembro de 1931. Após a morte do pai, foi levado por sua mãe Paullete Rossi, para
morar com sua avó materna em uma vila na Itália. Debord concluiu o ensino médio em
Cannes (em França), onde começou seu interesse em filmes e “vandalismo”. Estudou lei na
Universidade de Paris, mais saiu cedo e não concluiu sua educação universitária. O nosso
autor não obteve um nível académico digno de registo, uma vez que ele próprio se
considerava alguém que se encontrava afastado de participações dos intelectuais da sua época
como ele próprio afirma em Panegírico:
era bastante atenuado pela minha grande preguiça, tal como o era pelas
minhas muito diminutas capacidades para afrontar os trabalhos de
semelhantes carreiras (Idem).
Era como ele mesmo afirmou, um doutor em nada, mais as controvérsias que um mundo ia
passando, o chamaram atenção. No início do seu Panegírico ele constata que durante toda a
sua vida, viu momentos inquietos, tumultos extremos na sociedade, e imensas destruições. E
desde cedo percebeu que as suas colocações, não seriam aceitas na totalidade fosse onde fosse
tendo em conta a dinâmica da sociedade.
Debord foi casado duas vezes. Primeiro, casou-se em 17 de Agosto de 1954, com a também
situacionista Michéle Bernstein, participante activa das Internacionais, bem como novelista
bastante produtiva até os dias de hoje. O casamento entre os dois terminou em 1972. Depois
de terminar o seu primeiro casamento, Debord volta a casar com Alice, com a qual viveu até o
período da sua morte (RICARDO, 2012:22).
Debord era um exímio viajante. Ele mesmo afirma que, conheceu bastante o mundo; sua
história e a sua geografia; os seus cenários e os seres que os povoavam; as suas práticas
diversas, e nomeadamente o que é a soberania, quantas espécies tem, como se alcança, como
se conserva, como se perde. Sobre a questão da busca Debord (1993:26) afirmou que “nós
(filósofos), nunca buscamos as coisas, mais sim a busca das coisas, e este propósito está muito
estabelecido: gostamos mais da caça que da presa”.
Sobre o risco de interpretar mal o pensamento de Debord, Correia (2017:12) “afirma que ele
não é um autor qualquer: inclassificável, verdadeiramente contemporâneo, singularmente
profético, sua critica histórica e estratégica ocupa um lugar único no mapa intelectual e
político europeu da última metade do século XX”. Mais citado do que efectivamente lido,
mais conhecido como o mal do que propriamente mal conhecido na cultura moderna. E
continua dizendo, “Debord é uma máquina infernal difícil de desmontar e arrisca explodir nas
mãos daqueles que a manipulam com o objectivo de torna-la inofensiva” (Idem).
Como nos mostram Lucchesi & Rovida (2019:4) Debord suicida-se em 1994, por causa de
uma doença chamada polineurite alcoólica1, detectada em 1990 e progressivamente
degradante.
A produção de Debord esteve focada em livros e filmes. Escreveu pouco. Isso se deveu ao
facto de ele confessar que passou mais tempo viajando pelo mundo. Debord se sente
desapaixonado pelo mundo e afirma que muitos outros também, só têm receio de o dizer mais
que também concordam com ele no fundo. Debord (1993:16) afirma que “no reduzido
número das coisas que me agradaram, o que soube fazer bem, aquilo que por certo fiz melhor
foi beber. Embora tenha lido muito, bebi mais. Escrevi menos do que a maior parte das
pessoas que escreveram; mais bebi muito mais do que a maioria das pessoas que bebem”.
Na altura da escrita do seu Panegírico Debord admite que por mais que as pessoas tenham
percebido o seu modo “aventureiro” e bêbado de ser, não cometeram o erro de aliar isso e a
sua produção epistémica. Nas palavras do próprio:
Eu que com tanta frequência tive de ler a meu respeito às calúnias mais
extravagantes ou muito injustas críticas, sinto, aliás, certa surpresa por ver
que afinal se passaram trinta anos, e até mais, sem que alguma vez um
descontente tenha utilizado a minha bebedeira à laia de argumento, pelo
menos implícito, contra as minhas ideias escandalosas (Idem).
A ideia de fazer uma filosofia profissional nunca esteve nos planos do nosso autor. Ele
percebe que nos dias de hoje, carreiras técnico-profissionais são tidas como as mais “sérias”.
O escrever para ganhar renome na sociedade, tem sido mais importante do que a informação
em si. Sobre isso, o autor advoga que:
1
Correa (2017:134) nos mostra que as razões do suicídio de Debord foram transmitidas com muita simplicidade
e sobriedade por sua companheira Alice à Brigitte Cornand, realizadora do documentário Guy Debord, son art et
son temps, para que fossem inseridas ao seu final onde ela explica sobre o sucedido nos seguintes termos:
Doença chamada polineuropatia alcoólica, diagnosticada no Outono de 90. Tornada realmente penosa somente a
partir de Novembro de 94. Como em toda doença incurável, ganha-se muito ao não procurar nem aceitar dela
curar-se: é o contrário da doença que se pode contrair numa lamentável imprudência. Pelo contrário, neste caso
foi necessária a fiel obstinação de uma vida inteira”.
13
Com essas palavras, o nosso autor assume claramente a posição de quem teve pouco interesse
pela escrita de textos. E assume que isso pode ter contribuído para que o seu mérito seja
contestável. Dito isso, podemos a seguir elencar algumas das obras mais influentes do
pensamento debordiano.
Antes de mais, é preciso aqui salientar que é difícil incluir todas as obras que o autor
escreveu, bem como os filmes que produziu. Vamos nos ater a aqueles que consideramos
serem as mais influentes e importantes para o nosso objecto de pesquisa bem como para
compreender melhor o autor. Dito isto, as que consideramos serem de vital importância são:
Panegírico (1993): Debord acreditava que ninguém poderia escrever com clareza
sobre alguém, que não fosse ele mesmo. É nesse sentido, que um ano antes da sua
morte (por suicídio em 1994), Debord escreve o seu “Panegírico” que em tradução
literal, significa “discurso em favor de alguém”. Quando se lê a autobiografia, se
percebe que não se trata de um auto-elogio como o termo significa, e sim de uma
autocrítica e auto discrição fiel.
ataca a separação consumada pelo espectáculo. Dito isto, passamos a citar os filmes mais
importantes.
Lamentos em Favor de Sade (1952): o filme é caracterizado por vozes inexpressivas, longos
minutos em que a tela aparece em planos totalmente pretos ou brancos e nenhuma trilha
sonora; Crítica da separação (1961): é um anti-filme em que o autor procura reafirmar sua
posição contra o papel convencional de comunicação e das artes; A Sociedade do Espectáculo
(1973): que representa uma projecção das passagens da sua obra-prima.
A Europa da segunda metade do século XX, era uma “Europa do pós-guerra”. Essa situação,
provocou uma grande crise de identidades e também de fragilidades de laços sociais e não só.
Decorreram tentativas de se forjar regimes que servissem de modelos para as nações
europeias. A França ressentiu os efeitos da “Guerra Fria” que se fazia sentir na época, guerra
essa que colocou frente a frente os Estados Unidos da América e a antiga União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Essa guerra, colocava frente a frente dois modelos
sociais: o capitalismo dos EUA versus o Comunismo da URSS.
Belloni (2003:122-123), fazendo menção aos dois modelos de sociedade, refere que, “o
primeiro (capitalismo) se apresenta como modelo democrático e liberal baseado num modelo
de produção industrial eficiente, caracterizado pelo fordismo, taylorismo e liberalismo
económico. O segundo (comunismo) é caracterizado por regimes ditatoriais, poder absoluto
de um Estado centralizado, impondo”.
O pós-guerra também influenciou de modo significativo a questão que tem que ver com as
manifestações culturais. Os altos padrões que haviam sido construídos, caiam por terra. Como
mostra Bellloni (2003:124), assistiu-se o surgimento de uma “cultura de massa” que fugia
completamente aos padrões estabelecidos da “alta cultura” europeia. A autora prossegue:
Pois, Debord percebe que esses movimentos e outros, colocam a sociedade num tremendo
afastamento do real. Com a fúria, provocada pelo “pós-guerra”, alguns jovens, indignados
com o que acontecia, foram criando movimentos de carácter político, social, artístico, cultural,
que como já destacamos acima, eram de grande debate.
Belloni (2003), nos apresenta conceitos que nos ajudam a entender melhor a Internacional
Situacionista. Esses conceitos foram apresentados no primeiro número da revista
Internacional Situacionista. Passamos a citar aqueles que consideremos serem de grande
interesse para as nossas abordagens.
4
Movimento começado por Isou que concebia o elemento último da poesia como sendo a letra, e desenvolvido
posteriormente por Debord.
5
O potlatch (presente) foi uma revista do grupo da Internacional Letrista. O nome é de origem canadense, facto
que fez com que o governo daquele país a ilegalizasse, acusando-a de ser contra “os valores da civilização.
16
Quando é que surge a nova Internacional Situacionista? Ela surge com Debord e outras
intelectuais em 1957. É nesse grupo onde começam os primeiros subsídios de luta contra o
espectáculo. O movimento abarca vertentes tanto artísticas, como sociais e políticas. Ricardo,
(2012:73), comprova o nosso argumento afirmando que, “a IS traz em si a unificação entre a
luta anticapitalista, a luta contra o espectáculo e a superação da arte.
A Internacional Situacionista pode ter sido dividida em duas fases. A primeira se dá antes de
Maio de 1968, o qual profetizou e foi um das fontes de inspiração das frases pixadas [sic]6 nos
muros (Ibid:75). O mesmo autor nos demonstra que, para muitos, essa é a fase “heróica”. A
segunda acontece após Maio de 1968, período o qual o grupo se torna assediado devido as
influências que provocou nos trabalhadores e nos jovens.
As iniciativas de Debord, mesmo que não atingissem o todo da sociedade, tiveram êxito na
criação de situações novas, pois, o grupo, enquanto uma situação, durou por cerca de 15 anos,
criando um sujeito novo: o “sujeito situacionista” (RICARDO, 2012:83). Na tentativa de
definir quem seria o sujeito situacionista, o autor continua:
6
Eles usavam o termo pixar (não permitido) para diferenciar de o termo “pichar” permitido.
17
O sujeito situacionista seria aquele que elabora jogos não competitivos, que
têm como função brincar com o tempo e o espaço. Ele é um sujeito em
experimento que busca viver situações construídas que o retirem da
obrigatoriedade de produzir alienadamente e passe a produzir para si e a si
mesmo. Consequentemente, esse sujeito está subordinado a uma nova ordem
e a uma nova prática de vida que o faz se jogar nas experiências que ele não
sabe como irão terminar. Então o seu produto não é algo comercializável,
pode ou não circular, mas é, sobretudo, seu e parte de si (Idem).
Debord acreditava, que a construção de situações de vida só era possível mediante ao trabalho
em “equipa”. Isso se justifica pela constante participação em movimentos de revolução, que
como podemos constatar, abrangem áreas que vão desde a política, passando pela cultura até
chegar a ciência epistémica.
O primeiro capítulo da obra A Sociedade do Espectáculo começa com um epígrafe que nos
ajuda a percebe os traços do pensamento de Debord em conformidade com os de Feuerbach.
O capítulo intitula-se: “A separação Consolidada”. No mesmo, Debord (2003), chama
Feuerbach que havia anunciado: “Nosso tempo, sem dúvida, prefere a imagem à coisa, a cópia
ao original. O que é sagrado, para ele, não passa de ilusão, pois a verdade está no profano”.
O espectáculo aparece aliado apenas a base terrestre da religião. O aspecto do divino que
poderia se constatar em Feuerbach, no espectáculo a separação foi consolidada. E essa
separação aparece também como uma forma de crítica a filosofia. Nas palavras de Debord:
O espectáculo é concebido por Debord como uma visualização do vínculo abstracto que a
troca institui entre os homens, assim como o dinheiro é a sua materialização. As imagens, por
sua vez, materializam-se e exercem uma influência real sobre a sociedade (Idem).
Entre as teorias de Lukács, Debord lembra explicitamente a que concebe o partido como
“mediação entre a teoria e a prática”, onde os proletários deixam de ser “espectadores”
(JAPPE: 1999, 38). Na concepção de Debord, o espectáculo é, ao mesmo tempo, económico e
ideológico, modo de produção e tipo de vida quotidiana, e assim por diante (Idem).
Continua Jappe (1999), afirmando que Lukács estende a crítica da natureza contemplativa da
sociedade capitalista a uma arenga rigorosa contra a dualidade contemplativa do sujeito e do
objecto, na qual entreve o erro fundamental da filosofia burguesa. Diz Lukács:
A acção (um dos conceitos pilares da nossa pesquisa) é aqui chamada a intervir, é um dos
elementos fulcrais do qual Lukács (2003) discute em sua História e Consciência de Classe. E
quem deve ter a tal almejada “consciência de classe”? Numa primeira fase, o autor constata
que é o proletariado. São eles que devem ter consciência de que a sociedade é “divida em
classes” e na mesma mediada, supera-la.
O que deve então fazer o proletariado para se auto-realizar? Segundo Lukács (2003:191), “o
proletariado se realiza somente ao negar a si mesmo, ao criar a sociedade sem classes levando
até o fim a luta de classes”. E essa luta, continua ele:
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Debord analisa a tese de Lukács que, anos depois da sua publicação, as coisas não teriam
melhorado. O proletariado não tinha conseguido alcançar a consciência de si. O que se
considerou como proposta de “consciência”, se efectivou como contemplação. Debord
(2003:38) afirma que a consciência do desejo e o desejo da consciência, são um mesmo
projecto que, sob a forma negativa, quer a abolição das classes, isto é, a posse directa pelos
trabalhadores de todos os momentos da sua actividade.
Com o termo dialéctica, Hegel indica o processo triádico pelo qual o Espírito, e assim, a
realidade inteira, que coincide com ele, se objectiviza (NICOLA, 2005:358). Nesse devir se
pode identificar três momentos: o primeiro é o da tese (a coisa) em si; o segundo é o da
antítese, em que o ser se encontra fora de si; o terceiro é o da síntese, que designa a coisa
voltando para si (Idem).
Marx herda, de Hegel, a dialéctica, que a concebe como o lado revolucionário de toda a teoria
do mestre (cf. Ibid: 42). Mais ele não para por aí, e acrescenta que é preciso retirar a forma
mística da qual estava sujeita a teoria de Hegel. Lembremos que Marx havia postulado que os
filósofos deviam parar de idealizar o mundo e começar a transformá-lo. Essa missão
transformadora, leva Marx a “propor um materialismo dialéctico que consiste em considerar a
realidade como o processo dialéctico real de produção, um processo material (e não
espiritual), isto é, como o trabalho ou acção produtiva do homem na e com a natureza”
(Idem).
Analisando o trajecto triádico que é possível notar acima, é possível constatar que o momento
do “Ser” compreende na história da humanidade como sendo aquele que começa na
antiguidade concretamente com Sócrates que abre um fervoroso debate sobre a razão humana,
que devia neste caso, estar além dos objectos materiais. Da antiguidade grega, passando o
período medieval, questões metafísicas (líderes na discussão sobre o sentido do Ser), ganham
grande furor. A fase do “Ser”, de acordo com a nossa compreensão, perde peso com o advento
do capitalismo que superou o feudalismo. Da fase do Ser, passamos para a fase do “Ter”
capitalista, característica fundamental da modernidade. Aqui, questões como o “fazer”
ganham destaque e a acumulação de capital é de vital importância. É na terceira fase da
evolução histórica que Debord supera Marx, que acreditava que a síntese da sociedade em sua
dialéctica materialista, seria a sociedade comunista que venceria (acreditava ele) o “Ter”
capitalista. Do Ter capitalista, passamos evidentemente para o “parecer” que é típico da
“Sociedade do Espectáculo”.
22
Segundo Paiva e Oliveira (s/d: 48) o que Debord coloca como centro de sua crítica é o facto
de que as imagens em nossa sociedade ganharam um estatuto de independência em relação ao
que representam, de modo que essas imagens “se fundem num fluxo comum” e constroem um
pseudomundo à parte que é objecto apenas de contemplação. Desse modo, passamos a ser
espectadores da mercadoria objectivamente, mas também subjectivamente, visto que, nós,
actores sociais, somos espectadores das imagens de mercadoria, desde a imagem de um carro
que me investe de poder, passando pela imagem de óculos que tem pretensamente o poder de
deixar o espectador sexy (cf. Idem).
23
A contemplação passiva de imagens, que ademais foram escolhidas por outros, substitui o
vivido e a determinação dos acontecimentos pelo próprio indivíduo (cf. JAPPE, 1999:18-19).
O Espectáculo é algo presente. Nas palavras de Debord (2003:15) o espectáculo,
compreendido na sua totalidade, é simultaneamente o resultado e o projecto do modo de
produção existente. Constitui o modelo presente da vida socialmente dominante. Ele é a
afirmação omnipresente da escolha já feita na produção, e no seu corolário: o consumo. Os
meios de comunicação, as imagens, são para Debord, o aspecto restrito do Espectáculo.
Continua ele:
É pensando nesses pressupostos que surgi aquele que para nós constitui o alicerce para
compreender a noção do Espectáculo em Debord. Segundo ele, “O Espectáculo não é um
conjunto de imagem, mas uma relação social entre pessoas mediatizadas por Imagens”. A
especialização das imagens do mundo acaba numa imagem autonomizada, onde o mentiroso
mente a si próprio. O Espectáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento
autónomo do não-vivo (Ibid: 14).
Segundo Debord (2003:15), a própria separação faz parte da unidade do mundo, da praxis
social que se cindiu em realidade e imagem. Mas a cisão nesta totalidade mutila-a ao ponto de
apresentar o Espectáculo e a sua finalidade. o espectáculo consiste na recomposição, no plano
da imagem dos aspectos separados. Tudo o que falta à vida se encontra nesse conjunto de
representações independentes que é o Espectáculo (JAPPE, 1999: 20). Jappe dá exemplo de
políticos que estão encarregados de representar esse conjunto de qualidades humanas e de
alegria de viver que está ausente da vida efectiva de todos os outros indivíduos (cf. Idem).
E nesta lógica que o nosso autor chega a afirmar que “A separação é o alfa e o ómega do
Espectáculo”. O sagrado justificou a ordenação cósmica e ontológica que correspondia aos
25
interesses dos Senhores, ele explicou e emblematizou o que a sociedade não podia fazer. A
falta de unidade do mundo, é o principal factor que origina o espectáculo. Neste sentido:
Portanto, o espectáculo não reflecte a sociedade em seu conjunto, mas estrutura as imagens
segundo os interesses de uma parte da sociedade; e isso tem consequências sobre a actividade
social real dos que contemplam as imagens (JAPPE, 1999:21).
O principal destaque do capítulo III de “A Sociedade do Espectáculo” que tem como tema,
Unidade e Divisão na Aparência, retracta essencialmente sobre a noção de poder espectacular
(cf. DEBORD, 2003:39). Segundo Jappe (1999:22), a separação que se deu entre a actividade
real da sociedade e sua representação é uma consequência das separações no seio da própria
sociedade: a do poder. No entanto, só no período moderno é que o poder pode acumular
meios suficientes não só para instaurar um domínio completo sobre todos os aspectos da vida,
mas também para poder, activamente, moldar a sociedade segundo suas próprias exigências
(Idem).
O espectáculo é entendido aqui como poder de dominação. Pois, segundo Debord (2003:41) lá
onde a base material ainda está ausente, a sociedade moderna já invadiu espectacularmente a
superfície social de cada continente. Ele define o programa de uma classe dirigente e preside
sua constituição. Conforme as necessidades do Estado Particular da miséria, que ele desmente
e matem, o espectáculo existe sob uma forma ou difusa sob uma forma concentrada (cf. Ibid:
46). Essas duas formas, Toledo (s/d:19) considera como sendo as “oposições espectaculares”
sob as quais se esconde a “unidade da miséria”.
26
O poder espectacular difuso é caracterizado como o tipo de poder específico das sociedades
capitalistas desenvolvidas, e que é intrínseco à articulação entre o processo de produção e
consumo de mercadorias e o processo de produção e consumo de imagens, estando presentes
nos diferentes momentos da vida quotidiana (COELHO, s/d: 6). Segundo Debord (2003:47) o
espectacular difuso acompanha a abundância das mercadorias, o desenvolvimento não
perturbado do capitalismo moderno.
Por sua vez, o poder espectacular concentrado é caracterizado como o tipo de poder existente
em sociedades onde se faz presente o capitalismo burocrático, quer seja em sociedades
capitalistas subdesenvolvidas, quer seja em países ditos socialistas, ou durante o nazi-facismo
(COELHO, s/d:76). Debord sustenta a tese acima nos seguintes termos:
Jappe (1999:23) afirma que as sociedades dominadas pela burocracia de Estado, como a
União Soviética, a China, são chamadas por Debord de “poder espectacular concentrado”. De
acordo com a nossa compreensão, no espectacular concentrado, temos as sociedades com
regimes totalitários. Ali o indivíduo é impedido de ser qualquer coisa senão a unidade fictícia
concentrada e projectada na figura/imagem do ditador; o indivíduo se auto-anula (cf.
TOLEDO s/d: 21).
Como destacamos acima, de acordo com as nossas inferências, o que Debord herda de
Bergson é o aspecto subjectivo do tempo. O tempo que constitui a sociedade espectacular, é o
tempo do homem-mercadoria. Segundo Jappe (1999:53) o capitalismo acumula ao invés de
voltar sempre ao mesmo ponto; revoluciona continuamente os modos de produção e, acima de
tudo, o mais fundamental; o trabalho. O trabalho produzido faria com que o tempo fosse
histórico, contudo, o novo tempo é irreversível porque:
Conforme Jappe (1999: 54) o tempo irreversível pode apenas ser contemplado nas acções do
outrem, mas nunca experimentado em sua própria vida. O conceito de superação, ganha
destaque aqui. O tempo espectacular, pretendia ser um tempo de reconstrução entre o tempo
cíclico e o tempo científico. O que se deu é que o tempo da sociedade espectacular, se
transformou em tempo de consumo das imagens.
Sobre a contemporaneidade do tempo espectacular, Buitoni (2016:74) afirma que o tempo foi
roubado. A autora continua nos seguintes termos: antes, as imagens solicitavam nosso olhar.
Hoje a solicitação também é no sentido de que nos tornemos produtores incansáveis de
imagens. O tempo, na sociedade do espectáculo, é cada vez mais subtraído de nós. Quando
pensamos que estamos distraindo, navegando no Facebook ou em outros aplicativos, na
verdade estamos trabalhando de graça.
Desde sedo, Debord percebe que o espectáculo se consuma sob o aspecto da rejeição da vida.
No início de “A Sociedade do Espectáculo” ele escreve: “o espectáculo é uma inversão da
vida e, enquanto tal, é o movimento autónomo do não-vivido” (cf. DEBORD, 2003:13). Com
essa passagem, ele anuncia aquilo que seria um dos processos fundamentais da sua teoria: a
separação. De acordo com Jappe (1999:36) o espectáculo é concebido por Debord como
visualização do vínculo abstracto que a troca institui entre os homens, assim como o dinheiro
é a sua materialização. É possível perceber essa situação nos seguintes termos:
No espectáculo, o homem se encontra submetido a seres que ele mesmo “desconhece”. Não
devemos nos esquecer que as imagens, patentes no espectáculo, foram “escolhidas” por
outros. Neste processo a separação constrói o mundo dos homens no espectáculo. O próprio
Debord afirma que “numa sociedade em que ninguém pode ser mais reconhecido pelos
outros, cada indivíduo torna-se incapaz de reconhecer sua própria realidade. A ideologia está
em casa; a separação construiu o seu mundo” (Ibd:163).
Na tirania do económico que no sistema capitalista, submete todas as outras esferas da vida
humana ao reino da necessidade e da escassez, está a raiz do espectáculo: na percepção
analítica da origem da espectacularização da vida na reificação das relações humanas e na
fetichização da mercadoria, transformada em reino autónomo, absoluto e santificado
(TOLEDO s/d:14).
Em “O planeta Doente” escrito originalmente em 1971, Debord percebe que a ciência (aliada
ao capitalismo), apenas só pode acompanhar em direcção à destruição o mundo que a
produziu e que mantém. Mas ela é obrigada a faze-lo com os olhos abertos (Ibid: 4). O autor
30
percebe que a sociedade se torna cada vez mais poderosa, e quanto mais se torna poderosa,
torna-se também doente. Nas palavras dele, a sociedade recriou em todo lugar concretamente
o mundo como ambiente e décor (cenário) de sua doença, enquanto planeta doente. (cf. Idem).
Na visão de Debord (2004) a sociedade espectacular concluiu que a poluição da natureza, não
tem importância. Não quer discutir senão as datas e as doses que com as quais deve destruir o
planeta. E somente com isto, consegue tranquilizar; o que para um espírito pré-espectacular
seria tido por impossível.
O grande problema aqui, está na relação entre o quantificável e o qualificável. Como um dos
críticos do sistema capitalista, Debord (2011) percebe que o pensamento burguês, detém uma
metodologia ligada somente ao carácter quantitativo. Em contrapartida, o qualitativo é
decorativo, subjectivo ou artístico na visão capitalista. Já na vertente dialéctica (visão
histórica), o qualitativo é a dimensão mais decisiva do desenvolvimento real. Na lógica
capitalista, tudo se tornou mal económico; se tornou negação acabada do homem. A produção
da não-vida prosseguiu cada vez mais seu processo linear e cumulativo, vindo a atravessar um
último limiar em seu progresso, ela produz agora, directamente a morte. Sobre essa grande
doença que se chama capitalismo, o autor propõe o seguinte:
Não é preciso tratar dos sintomas, mas da própria doença. Hoje o medo está
em todo o lugar, somente sairemos dele confiando-nos em nossas próprias
forças, em nossa capacidade de destruir toda a alienação existente e toda a
imagem do poder que nos escapou (Idem).
A verdade é que o nosso autor propõe aqui, uma revolução não só política, mais também
social. A melhor forma de fazer, é a partir do método dialéctico. Só dai, é que podemos pensar
em uma praxis consciente e sadia. Uma praxis que não “mate” o planeta. E é sobre a
linguagem dialéctica que iremos tratar nas discussões a seguir.
Os pressupostos do método dialéctico já foram por nós descritos em passagens acima. Cabe
agora perceber aqui como esse método (de cunho linguístico-prático) pode servir de guia para
o homem-imagem, e na mesma vertente, voltar a ser sujeito histórico. A principal
característica da dialéctica é sem dúvida a negação, que os adeptos do método produzem suas
formas de negação.
A linguagem precisa ser capaz de dar conta da dinâmica interna do objecto que procura
compreender, a linguagem precisa exprimir o movimento do real. O mesmo autor, afirma que
31
Debord (2003:166) termina a sua obra com a seguinte passagem: “É lá onde o diálogo se
estabelece para fazer vencer as suas próprias condições da vida”.
32
Para perceber as ligações entre Debord e Baudrillard 7, é preciso entender que a luta por uma
nova arte e por uma nova sociedade levou Debord a antecipar-se à tendência à glorificação da
imagem prenunciada por Feuerbach, e que, depois, se desenvolveu vertiginosamente. A crítica
da separação acena dialecticamente para uma superação dos termos isolados pela reificação.
Já o pós-modernismo8 preferiu confraternizar-se com o existente. Por isso, a teoria crítica do
espectáculo cedeu lugar à constatação do simulacro (FREDERICO, 2010:185).
A primeira fase do pensamento de Jean Baudrillard é marcada por fortes influências recebidas
pelo estruturalismo9 e por pensadores como Henri Lefebvre e Guy Debord. Na segunda fase, o
autor ganha originalidade e afasta-se da sua matriz de pensamento. Mais é na terceira fase
inaugurada em 1981 com Simulacros e Simulações que aparece o esplendor polemista,
provocador e principalmente, rei dos paradoxos. Baudrillard evolui da crítica à ironia, da
utopia renovada ao niilismo cáustico e da táctica frontal às estratégias fatais. (cf. MACHADO
DA SILVA, 2017:2). Machado da Silva continua apresentando Baudrillard nos seguintes
termos “Baudrillard foi um mestre das imagens, das analogias e dos recursos linguísticos para
compreender o vivido” (Idem).
7
Nascido em 1929 em Reims (França). Morreu em Paris aos 77 anos no dia 6 de Março de 2007. Seu
pensamento tem origem à luz do estruturalismo, pelo qual procura fazer releituras da teoria marxista. Todo o seu
trabalho gira em torno da sua concepção da sociedade do consumo e da produção de signos através da retórica
que nem sempre consegue evitar o discurso desencantado.
8
Quer dizer, aproximadamente, o movimento do pensamento contemporâneo que rejeita totalidades, valores
universais, grandes narrativas históricas, sólidos fundamentos para a existência humana e a possibilidade de
conhecimento objectivo.
9
O termo estruturalismo deriva de estrutura. Pode-se definir uma estrutura como um conjunto de elementos
cujas partes actuam como funções uma das outras e que se auto-regulam. Segundo Paul Garvin (1964) (apud
CAMARA Jr s/d:1). O estruturalismo parte da observação de que todo conceito num dado sistema é determinado
por todos os outros conceitos do mesmo sistema, e nada significa por si próprio.
33
No simulacro, conforme afirma Tonin (2008:125) a prova da existência do ser e do real deixa
de ser uma questão, pois a ilusão de ser é descarregada numa realidade objectiva. O ser existe
enquanto performance no mundo virtual. O ser deixa de “ser-espectador” e passa a “ser-
performático”, não “defronta a irrealidade deste mundo, perfeição” está “sem defesa diante da
extrema realidade deste mundo, da perfeição virtual”. Essa falência do ser e do real, faz com
que a mediação (tarefa dada por Debord às imagens) desapareça. Baudrillard afirma:
Origina-se da simulação, da aparência. A cópia da cópia. Para Baudrillard, o mundo em que vivemos foi
10
substituído por um mundo-cópia, no qual vivemos cercados por simulacros. Simulacros são signos sem vínculos
com o real, autoproduzidos. São objectos sem referência que se apresentam mais reais que a realidade. Se a
acção é uma simulação, o resultado é um simulacro. Assim, qualquer distinção entre o real e o irreal torna-se
impossível. Da simulação e dos simulacros origina-se a hiper-realidade.
34
Com esse discurso, Lipovetsksy abri o debate sobre a estetização do mundo. Neste sentido, a
lei homogenia do arrazoamento e da economização do mundo é o que leva a uma estetização
sem limites e ao mesmo tempo pluralista, privada de unidade e de critérios consensuais (cf.
Ibid:10). É preciso entendermos que a estetização do mundo não aparece como superação da
sociedade do espectáculo, e sim como continuação da lógica espectacular baseada em novos
princípios. O próprio Lipovetsky assume que “nunca a dimensão espectacular teve tanto
revelo em tantos domínios da oferta mercantil, cultural e estética” (Ibid: 150).
Lipovetsky (2014) acredita que “a lógica espectacular continua governando todo um conjunto
de produções mercantis. Com a diferença de que as palavras que fornecem a sua chave não
são mais as que Debord apreciava (a alienação, passividade, separação, empobrecimento,
despojamento) mas excesso, hipérbole, criatividade, diversidade, mistura de géneros, segundo
grau, reflexividade”. Essa revolução em termo de conceitos, faz nascer aquilo que o autor
11
Nasceu em 1944 (em França). É graduado e professor de filosofia na universidade Grenoble. O autor de “O
Império do Efémero”, “A Era do Vazio” e outros. Ele acredita que a consagração do bem-estar triunfa na
sociedade pós-moderna.
35
Quais então os eixos que norteiam a nova sociedade híper-espectacular que transcende a
anterior sociedade espectacular? Lipovetsky nos apresenta oito (8) que passaremos a
descreve-las.
A primeira é que a nova sociedade detém meios televisivos que anteriormente não existiam e
contem uma superabundância mediática dos mesmos. Em segundo nota-se que o consumo
deixou de ser padronizado, e sucede a um consumo descoordenado, desregulamentado,
dessincronizado, em que cada um visualiza o que quer. A era do híper-espectáculo não apenas
aquela do espectáculo omnipresente, mas também a do espectáculo sob a demanda, em que o
consumidor se torna um programador autónomo e personalizado (cf. Idem).
Para clarificar a posição de Lipovetsky descrita acima, é preciso, antes de mais, voltar a
famosa tese 4 de Debord (2003): “o espectáculo é não um conjunto de imagens. Mais uma
relação social mediada por imagens”. Esta relação é fictícia pois não é verdadeira. Ela coloca
o homem separado do mundo. A individualidade more.
Tonin (2014:12) esclarece que, Lipovetsky percebe que a sociedade cresceu, se desenvolveu,
acabaram os grandes mitos castradores dos indivíduos, houve libertação e libertação das
pulsões individuais. Ganhos inegáveis para os seres humanos, que agora conseguem segurar e
direccionar as rédeas da própria existência e possuem o mundo como mostruário para suas
escolhas. Ganhos crescentes também na angústia, na incerteza, nas desigualdades que levam
esses mesmos seres a se excederem nas tentativas de preencherem seus vazios, seus medos
com tudo que prometer, de maneira convincente, cumprir este papel. Muitas vezes não
importando os meios para estes supostos fins.
Um dos pilares para compreender o tema em destaque, é ter em conta algumas noções sobre a
imagem. Sobre o que seria imagem, Novaes (2005:10) nos diz que para o pensamento
clássico, a imagem é o resultado da acção de causas externas sobre o nosso corpo.
A imagem é algo que no decorrer do tempo deixa de ser rabisco, figura plana, ganha espaço
delimitado, o peso das sombras, o calor das luzes. Conquista o status de ser reproduzida
37
indefinidamente. Assim, “em diferentes meios e formas, avança sua história preenchendo a
frente dos olhos e alterando, através de suas metamorfoses, as maneiras de percepção e de
relação social que se estabelece a partir desta interacção” (TONIN, 2008:21).
Não podemos esquecer que a imagem da qual sustenta Debord, também é uma imagem
“midiática12”. Sobre isso, Tonin (2008:56) sustenta que, “aqui a imagem é vista enquanto uma
produção que emerge de diversas tecnologias e configura um modo de ver. Actualmente, se a
imagem emana da tela, muito menos importa a própria tela do que a consideração de que se
trata, ainda, da imagem”. As imagens mediáticas são, no nosso entender, aquelas que mais
tornam o ser humano passivo. E é dessa contemplação passiva que o nosso autor se
preocupava.
12
De mídia. O termo se originou a partir do inglês media, a versão simplificada de mass media, que consiste
justamente na expressão usada para se referir ao conjunto dos diversos meios de comunicação em massa, com a
finalidade de transmitir informações e conteúdos variados.
38
sociedade contemporânea pretendia ser céptica. Porem, esse cepticismo recai quando as
imagens passam a ser o alicerce para a efectivação do “ser ” (aparente).
Assim, o espectáculo promove a afirmação da vida humana como visibilidade: existir, hoje, é
“estar na imagem”, segundo uma estranha lógica da visibilidade que estabelece que, “o que é
bom aparece”. A sociedade do espectáculo não reprime o pensamento, mas torna-o
dispensável; a exclusão dessa condição essencial da subjectividade deixa os homens
desamparados, desgarrados de uma dimensão essencial de si mesmos. Qual seria então um
dos grandes males de se focalizar apenas na imagem? “Seria a exclusão da parte mais
essencial da nossa humanidade: a falta, o enigma, o campo simbólico, que é exactamente as
condições do pensamento” (cf. Idem). E como nos demonstra Novaes (2005), “sem
pensamento, a imagem do mundo seria apenas um decalque do que acontece no exterior”.
Considerações Finais
39
Essa contemplação foi resultado do ambiente que se vivia na Europa e no mundo. A Europa
da segunda metade do século XX, vivia um período de efectivação total do capitalismo e de
nascimento de movimentos que se efectivavam como “movimentos finalistas”. Chamamos
eles de finalistas por que acreditavam na morte dos vínculos sociais; acreditavam no fim da
arte (dadaísmo) e o fim da sociedade no geral (surrealismo). Da nossa compreensão,
constatamos que Debord levanta críticas a esses movimentos, advogando que o sujeito devia
construir suas situações de vida e ser o senhor do seu destino. Percebemos também que a
sociedade do espectáculo é fruto de um processo histórico-dialéctico. Na época antiga,
juntamente com a época medieval, constatamos que a história era uma história do “Ser”. A
fase do ser perde peso com o nascimento do capitalismo. Nesta fase, o ser é substituído pelo
“Ter” (produção de mercadorias fictícias). Do Ter capitalista, passamos evidentemente para o
“parecer” que é típico da “Sociedade do Espectáculo”. Na época do parecer, constatamos que
a representação é a principal arma de combate.
Das leituras que fomos fazendo, constamos que a epistemologia contemporânea, pretende ser,
na sua maior parte, uma epistemologia da imagem. Pretende ser, uma epistemologia das
relações sociais. E é isso que o nosso autor se propunha a discutir. Nas palavras dele, as
relações sociais na contemporaneidade são mediadas por imagem. Compreendemos que na
sociedade do espectáculo, deixamos de ser senhores do nosso destino. A que notar que o que
mais preocupou Debord, não foram as imagens em si, mais o facto de elas serem escolhidas
por outros. A pergunta que se pode fazer é sobre quem seriam esses outros? A nossa resposta
seria que esse outro que o autor fala, é o senhor da TV, é o político, é o homem da ciência,
mais sobre tudo, é o senhor capitalista.
Sobre a questão do que seria espectáculo, foi possível perceber variadas respostas. A primeira
é o que o espectáculo (fala Debord na tese 4), não é um conjunto de imagens, mas uma
relação social mediatizada por imagens. Essa mediação das imagens acontece quando vemos
as ideias nas imagens, compreendemos o mundo a partir dela, mais permanecemos nela. É
isso que o mundo exige do pensador na época actual. A segunda é que o espectáculo é a
40
Apesar de ter feito uma excelente leitura sobre a sociedade contemporânea, o nosso autor foi
alvo de algumas críticas e apreciações. A primeira que foi para nós digna de registo, foi a de
Jean Baudrillard. Debord havia entendido que o espectáculo devia ser superado. Havia
necessidade de buscar uma realidade que transcendesse a sociedade espectacular. Baudrillard
vai mais longe e constata que esse real do qual devemos ir atrás, simplesmente não existe. O
real que Debord almejava, se perdeu no simulacro. Outro autor que mereceu destaque, no que
diz respeito às apreciações foi Gilles Lipovetsky. Lipovetsky constata que o espectáculo não
só é real, como transcendeu. O espectáculo se transformou no híper-espectáculo. Segundo ele,
os espectadores não só contemplam mas estão dentro do espectáculo.
Das críticas acima descritas, queremos dizer que nós não concordamos com Baudrillard que
afirma que o real não existe. A não existência do real, seria cair no cepticismo da vida. Seria
acreditar que não temos condições de exercer uma práxis para a construção do sujeito. O que
Debord peca (apesar de ter trazido a linguagem dialéctica para a busca do homem-práxis), foi
de não ter definido com precisão quem seria o homem práxis. A nossa proposta é de que o
homem-práxis seria aquele que através da linguagem dialéctica buscasse as condições
necessárias para mudar de vida. Para buscar a felicidade, a liberdade. A práxis não deve ser
aqui entendida como pragmática apenas, e sim como uma componente teórico-prático.
Poderíamos concordar com as apreciações de Lipovetsky se estivéssemos na França onde a
renovação tecnológica atingiu um nível bastante elevado. Porém, estamos em Moçambique
onde estudos indicam que a maior parte da população não tem acesso a televisão e as
tecnologias de informação. Ainda não somos sujeitos do espectáculo como quer Lipovetsky.
Somos ainda espectadores. Ainda somos mediados por imagens que foram seleccionadas por
“outros”.
41
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43
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Vida. Tese de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal de Minas Gerais: Faculdade de
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