Você está na página 1de 34

Aleksandr Dugin - O Ocidente e seu Desafio

por Aleksandr Dugin

O que entendemos por "Ocidente"?

O termo "Ocidente" pode ser interpretado de diferentes maneiras. Portanto, em primeiro


lugar, deveríamos definir o que entendemos por esse termo e como este conceito têm
evoluído historicamente.

É perfeitamente evidente que o "Ocidente" não é um termo puramente geográfico. A


esfericidade da Terra tem tal definição incorreta: o que para um ponto é o oeste, para outro
é o leste. Mas ninguém inclui este sentido no conceito de "Ocidente". Apesar disso,
mediante um exame mais minucioso, descobriremos aqui uma circunstância importante: a
concepção de "Ocidente" toma, no geral, como sua linha zero - a partir da qual se
estabelecem suas coordenadas -, precisamente a Europa. E casualmente a linha zero do
meridiano passa por Greenwich, de acordo com uma convenção internacional. O
eurocentrismo está já incorporado no próprio procedimento.

Embora muitos estados antigos (Babilônia, China, Israel, Rússia, Japão, Irã, Egito etc.)
tenham pensado em si mesmos como "o centro do mundo", "os impérios médios",
"celestiais", "os reinos abaixo do Sol", na prática internacional, a Europa se converteu na
coordenada central; mais estritamente; a Europa Ocidental. Precisamente, a partir daí é
comum se definir um vetor na direção leste e um vetor na direção oeste. Sucede, então,
que, inclusive do ponto geográfico, nós vemos o mundo desde um ponto de vista
eurocêntrico, e o que é chamado de "Ocidente", ao mesmo tempo apresenta a si mesmo
como o centro, o "meio".

A Europa e a Modernidade

Em um sentido histórico, a Europa se converteu nesse espaço territorial onde se produz a


transição da sociedade tradicional para a sociedade moderna. Ainda mais, a transição se
fez possível graças ao desenvolvimento das tendências autóctones da cultura europeia e da
civilização europeia. Desenvolvendo em uma direção específica os princípios estabelecidos
na filosofia grega e no direito romano, através da interpretação dos ensinamentos cristãos -
em um primeiro momento com a escolástica católica, e mais tarde no credo protestante - a
Europa chegou a criar um modelo de sociedade única entre outras civilizações e culturas.
Esta sociedade, em primeiro lugar:

- Se construiu sobre bases seculares (ateístas);


- têm proclamado a ideia do progresso social e técnico;
- criou os fundamentos da visão científica contemporânea do mundo;
- desenvolveu e introduziu um modelo de democracia política;
- têm considerado como de suma importância as relações capitalistas (de mercado);
- realizou a transição de uma economia agrária a uma economia industrial.

Resumidamente, a Europa se converteu no espaço do mundo contemporâneo.

Posto que, nas fronteiras da própria Europa, as zonas mais vanguardistas da evolução do
paradigma da modernidade foram países como Inglaterra, Holanda e França, que se
encontram ao oeste do centro da Europa (e, ainda mais, do leste), os conceitos de "Europa"
e de "Ocidente" se converteram, gradualmente, em sinônimos: o que é "europeu"
propriamente dito, a sua diferença de outras culturas, consistiu precisamente na transição
da sociedade tradicional para a sociedade moderna, enquanto isso, por sua vez, ocorreu,
em primeiro lugar, na Europa Ocidental.

Portanto, o termo "Ocidente", desde o séc. XVII ao séc. XVIII, adquire um sentido
civilizatório preciso, convertendo-se em sinônimo de "modernidade", "modernização",
"progresso", de desenvolvimento social, industrial, econômico e tecnológico. Até agora, tudo
o que esteve implicado nos processos de modernização foi automaticamente conectado ao
Ocidente. "Modernização" e "ocidentalização" demonstraram ser sinônimos.

A ideia de "progresso" como base para a colonização política e o racismo cultural

A identidade da "modernização" e da "ocidentalização" requer alguns esclarecimentos que


nos conduzirão a conclusões práticas muito importantes. A questão é que a formação, na
Europa, da civilização sem precedentes da era moderna, o estabelecimento da
"modernidade", conduziu a uma ordem cultural particular que, a princípio, formou a
autoconsciência dos próprios europeus, mas mais tarde também de todos aqueles que se
encontraram sob sua influência. Com este estabelecimento, se faz avançar a sincera
convicção de que o caminho do desenvolvimento da cultura ocidental, e especialmente a
transição da sociedade tradicional para a sociedade contemporânea, não só é uma
peculiaridade da Europa e dos narods [povos] que a povoam, mas sim uma lei universal de
desenvolvimento, obrigatória para todos os demais países e narods. Os europeus, "o povo
do Ocidente", foram os primeiros a passar por esta fase decisiva, mas todos os demais
estão condenados fatalmente a ir por este mesmo caminho; posto que tal é a lógica
supostamente "objetiva" da história do mundo, o "progresso" é exigido.

A ideia de que o Ocidente é o modelo obrigatório de desenvolvimento histórico da


humanidade e da história do mundo - tanto no passado, presente e futuro -, é concebida
como uma repetição daquelas etapas que o Ocidente, em sua evolução, já atravessou, ou
as que se aproximam no presente para eles, em vantagem aos outros povos. Em todas as
partes onde os europeus encontraram culturas "não-ocidentais" que conservaram sua
"sociedade tradicional" e seu próprio caminho, fizeram um diagnóstico inequívoco:
"barbárie", "selvageria", "atraso", "ausência de civilização", "sub-normalidade". Deste modo,
pouco a pouco o Ocidente construiu critérios normativos para a evolução dos narods e
culturas de todo o mundo. Quanto mais longe estavam do Ocidente (em sua nova fase
histórica), mais "defeituosos" e "inferiores" se pensava que eram.
As raízes arcaicas da exclusividade ocidental

É interessante analisar a origem deste acordo universalista, no qual se identificam as


etapas do desenvolvimento do Ocidente e a lógica geral obrigatória da história do mundo.

As raízes mais profundas e mais arcaicas se podem encontrar nas culturas das tribos
antigas. É característico das sociedades antigas identificar o conceito de "homem" com o
conceito de "pertencimento à tribo", "à etnia", o que leva, às vezes, a negação da condição
de "homem" ao membro de outra tribo, ou situá-lo, intencionalmente, em um nível
hierárquico inferior. Os homens de outras tribos ou de narods escravizados se converteram,
por esta lógica, na classe dos servos, levados além dos limites da sociedade humana,
privados de todo tipo de direitos e privilégios. Este modelo - companheiros de tribo =
pessoas, membros de outras tribos = não-pessoas - jaz na base das instituições sociais,
legais e políticas do passado, e foi analisado em detalhe por Hegel (em particular, pelo
hegeliano A. Kojève), examinando o par de figuras amo-escravo. O amo era tudo; o
escravo, nada. O status de homem pertencia ao amo como um privilégio. O escravo se
equiparava, inclusive legalmente, ao gado ou a um objeto de produção.

Este modelo de dominação demonstrou ser muito mais estável do que poderiam pensar, e
chegou de forma modificada à era moderna. Assim, surgiu o complexo de ideias que,
paradoxalmente, combina a democracia e a liberdade dentro de sociedades europeias em
sí mesmas com rígidas disposições racistas e uma cínica colonização em suas relações
com outros narods "menos desenvolvidos".

É significativo que a instituição da escravidão, e por motivos raciais, regressa às sociedades


ocidentais depois de uma brecha de mais de mil anos - em primeiro lugar nos EUA, mas
também nos países da Iberoamérica - precisamente na era moderna, na época da difusão
das ideias democráticas e liberais. Ainda mais, a teoria do "progresso" serve, na realidade,
como base para a exploração desumana por parte de europeus e estadunidenses brancos
sobre os aborígenes: os índios nativos e os escravos africanos.

Uma impressão começa a tomar forma; a de que, pela formação da civilização da era
moderna na Europa, o modelo amo-escravo se transfere da Europa para o resto do mundo
em forma de política colonial.
O império e sua influência na ocidentalização contemporânea

Outra fonte importante desta influência foi a ideia de Império, que os europeus rejeitaram
explicitamente no amanhecer da era moderna, mas a qual penetra no inconsciente do
homem ocidental. O império - como o Romano, mais tarde também o cristão (o Bizantino no
leste e o Sacro Império Romano das nações germânicas no Oeste) - foi pensado como o
Universo, dentro do qual vive o povo (os cidadãos), sendo que, além de seus limites, vivem
os "subumanos", "bárbaros", "hereges", "gentios" ou, inclusive, objetos fantásticos:
devoradores de homens, monstros, vampiros, "Gogue e Magogue" etc. Aqui, a divisão tribal
entre os similares (as pessoas) e os estranhos (não-pessoas) se transfere a um plano mais
alto e mais abstrato: os cidadãos do império (participantes do Universo) e os não-cidadãos
(habitantes da periferia global).

Esta etapa de generalização a respeito de quem deve ou não ser contado como pessoa
pode ser vista, em sua totalidade, como uma etapa de transição entre o arcaico e o
Ocidente contemporâneo. Havendo rejeitado formalmente o império, junto com seus
fundamentos religiosos, a Europa contemporânea conservou totalmente o imperialismo,
transferindo-o apenas ao nível dos valores e interesses. O progresso e o desenvolvimento
tecnológico foram pensados como uma missão europeia, em nome da qual foi implantada
uma estratégia de colonização planetária.

Portanto, a era moderna, havendo quebrado formalmente com a sociedade tradicional,


transferiu algumas disposições básicas precisamente desta sociedade tradicional (a divisão
arcaica no par pessoa/não-pessoa por motivos étnicos; o modelo do amo-escravo; a
identificação imperialista de sua civilização com o universo e de todos os outros como
"selvagens", etc.) para as novas condições de vida. O Ocidente como ideia e como
estratégia planetária se converteu em um ambicioso projeto para o novo estabelecimento de
um governo mundial, desta vez elevado ao status da "ilustração", o "desenvolvimento" e o
"progresso" de toda a humanidade. Isto é, uma espécie de "imperialismo humanitário".

É importante dizer que a tese sobre o progresso não era uma simples máscara para os
interesses depredadores egoístas dos ocidentais em sua expansão colonial. A fé no
universalismo dos valores ocidentais e na lógica do desenvolvimento histórico era de todo
sincera. Interesses e valores coincidiram com este caso. Isto deu uma tremenda energia
para os pioneiros, os marinheiros, os viajantes e os homens de negócios do Ocidente para
ajudar o planeta; buscavam não apenas benefícios, mas também levar o exemplo para os
"selvagens".
O roubo cruel, a exploração cínica e uma nova onda de escravismo, junto com a
modernização e o desenvolvimento tecnológico dos territórios coloniais, todo isto junto
formou a base do Ocidente como ideia e como prática global.

Modernização: endógena e exógena

Aqui deveríamos fazer uma observação importante. A partir do séc. XVI, o processo de
modernização planetária começa a desenrolar-se desde o território da Europa ocidental.
Coincide estritamente com a colonização por parte do Ocidente de novas terras, nas quais,
por regra geral, os narods preservam os fundamentos da sociedade tradicional na qual
vivem. Mas, pouco a pouco, a modernização afeta a todos: tanto os ocidentais como os
não-ocidentais. De uma forma ou de outra, todo o mundo se moderniza. Mas a essência
deste processo segue sendo diferente em diferentes casos.

No próprio Ocidente - em primeiro lugar, na Inglaterra, França, Holanda e especialmente


nos EUA, um país construído como um experimento de laboratório da Idade Moderna, em
uma suposta "terra vazia", "a partir de uma página em branco" -, a modernização se
distingue por um caráter endógeno. Cresce desde o desenvolvimento coerente dos
processos culturais, sociais, religiosos e políticos que são inclusas na base mesma da
sociedade europeia. Isto não se produz em todas as partes, simultâneamente, e com uma e
a mesma intensidade - aqui, evidentemente, deixaram para trás narodi como os alemães,
os espanhóis e os italianos, com quem a modernização procede em um ritmo um pouco
mais lento do que acontece com seus vizinhos europeus do Ocidente. Ainda assim, a era
moderna segue seu próprio horário para os narodi europeus e em correspondência com a
lógica natural de seu desenvolvimento. A modernização dos países e narodi das Europa
surge de acordo com leis internas. Sendo implantada desde precondições objetivas e
correspondendo à vontade e ao estado de ânimo da maioria dos europeus, é endógena, ou
seja, tem um princípio interno.

É um assunto completamente diferente quando se trata dos países e narodi que são
arrastados para o processo de modernização, além da sua vontade, convertendo-se em
vítimas de colonização, ou se tornando relutantes em se opor à expansão europeia. Claro
que, conquistando países e narodi, ou enviando escravos negros para os EUA, o povo do
Ocidente favoreceu o processo de modernização. Junto com a administração colonial,
promulga novas ordens e fundamentos, assim como a técnica e a lógica dos processos
econômicos, os costumes, as estruturas socio-políticas e as instituições legais. Os escravos
negros, sobretudo depois da vitória do Norte abolicionista, se converteram em membros de
uma sociedade mais desenvolvida (mesmo que tenham continuado como cidadãos de
segunda classe) que as tribos arcaicas da África que haviam sido tomadas por traficante de
escravos. O fato da modernização das colônias e das nações escravizadas não se pode
negar. O Ocidente, inclusive neste caso, é o motor da modernização. Mas este último ponto
é muito específico. Se pode chamar exógeno, ou seja, ocorrido desde fora, introduzido,
levado.

Os narodi e as culturas não-ocidentais permanecem nas condições da sociedade


tradicional, desenvolvendo-se de acordo com seus próprios ciclos e sua própria lógica
interna. Lá também há períodos de ascensão e queda, reformas religiosas e discórdia
interna, catástrofes econômicas e descobrimentos técnicos. Mas estes ritmos correspondem
a um modelo de desenvolvimento diferente, não-ocidental, seguem uma lógica diferente, se
dirigem a diferentes objetivos e decidem sobre problemas diferentes.

A modernização exógena - e sua propriedade fundamental consiste nisso - não surge das
necessidades internas e do desenvolvimento natural da sociedade tradicional, a qual,
quando se deixa funcionar por si mesma, provavelmente nunca haveria chegado a estas
estruturas e modelos que acabaram unidos no Ocidente. Em outras palavras, tal
modernização é imposta e introduzida desde fora.

Em consequência, a série dos sinônimos modernização = ocidentalização pode continuar: é


também colonização (a introdução de uma autoridade externa). A maioria oprimida da
humanidade, excluindo os europeus e os descendentes diretos de colonizadores da
América, foi sujeita precisamente a esta modernização violenta, coativa, externa. Isto teve
um impacto sobre as incoerências internas e traumáticas da maioria das sociedades
contemporâneas da Ásia, o Oriente, e o Terceiro Mundo. Esta é a modernidade doente, o
Ocidente caricato.

Dois tipos de sociedade com modernização exógena

Hoje em dia, em todas as sociedades expostas à modernização exógena, se podem


distinguir duas grandes classes:

- Aquelas que preservaram a independência político-econômica (ou que se esforçaram por


esta nas guerras anticoloniais);
- aquelas que perderam a independência política e econômica.
Se considerarmos o segundo caso, se trata de uma colônia pura, que perdeu por completo
sua independência e que não está participando nos valores da era moderna mais que os
índios das reservas da América do Norte. Tais sociedades podem ser arcaicas (como
algumas tribos do Pacífico, América do Sul ou África), mas em parte se cruzam com
estruturas tecnológicas maiores e bastante modernizadas, desenvolvidas neste mesmo
espaço territorial pelos colonizadores. Aqui quase não há interseção semântica entre os
indígenas e os modernizadores: o status das sociedades locais apenas se diferencia do
status dos habitantes dos parques zoológicos ou, no melhor dos casos, de uma área
protegida povoada por espécies em extinção (marcadas no "livro vermelho" da natureza).
Nesta situação, a modernização não se refere a população local, que segue sem notá-la,
encontrando-se apenas com as restrições, técnicas disfarçadas de arame farpado e jaulas
de aço.

Quando se trata de uma sociedade que atravessou obrigatoriamente uma rota específica ao
longo das linhas de ocidentalização e modernização exógena, mas o fez em resposta à
ameaça de colonização da Europa (Ocidente) e conseguiu preservar sua independência, o
processo de modernização (=ocidentalização) adquire um caráter mais complicado. Pode-
se chamá-lo de: "modernização defensiva".

Aqui, o centro das atenções acaba sendo o equilíbrio entre os valores peculiares da
sociedade tradicional, objeto de conservação para o apoio da identidade, e aqueles
modelos e sistemas importados, que é necessário importar do Ocidente para criar os
requisitos prévios e as condições para uma modernização parcial (defensiva). Ao mesmo
tempo, neste tipo de sociedades se conserva a subjetividade, a qual determina os próprios
interesses, predeterminando a acuidade da oposição às iniciativas coloniais do Ocidente.

Assim, surge o seguinte quadro: a fim de defender seus interesses ante a investida
ocidental, um país (a sociedade) se vê obrigado a adotar certos valores deste mesmo
Ocidente, mas os misturando com seus valores originais. Huntington chamou este
fenômeno de "modernização sem ocidentalização".

Com certeza, este conceito acarreta um par de contradições: posto que a modernização e a
ocidentalização são essencialmente sinônimos (Ocidente = Modernidade), é impossível
construir a modernização separadamente do Ocidente, sem copiar seus valores. Nas
sociedades tradicionais, que permanecem fora do habitat natural da cultura europeia, as
condições previas para a modernização estão simplesmente ausentes. É por isso que não
falamos de uma rejeição total da "ocidentalização", mas sim deste equilíbrio entre os
valores próprios e aqueles impostos pelo Ocidente, que satisfaça as condições para a
preservação da identidade (o qual é impossível de alcançar sem uma inclusão intensiva no
contexto "ocidental"). Resulta, então, que tal variedade de modernização exógena se funda
na presença de interesses independentes (principalmente diferentes das intenções
colonizadoras do Ocidente) e na combinação dos interesses próprios com os valores
importados do Ocidente de forma pragmática (podemos dizer que isso é "modernização +
ocidentalização parcial").

Dentro desta categoria de modernização exógena, entram países tais como a Rússia (ao
longo de todo o curso da era moderna, o que apresenta, por si mesmo, um caso bastante
único!), mas também as contemporâneas China, Índia, Brasil, Japão, alguns países
islâmicos, e os países da região do Pacífico (que entram neste processo muito mais tarde,
no século passado). Fora a Rússia, o resto dos países que percorreram este caminho
foram, em momentos específicos, colônias do Ocidente e receberam a independência há
relativamente pouco tempo, ou (como o Japão) sofreram a derrota na guerra e foram
ocupados.

Em qualquer caso, este tipo de modernização exógena traz ao primeiro plano a questão do
balanceamento dos interesses próprios com os estrangeiros; ou seja, o problema da
proporção e qualidade dos elementos, pertencentes a duas formas histórico-culturais e de
civilização: os fundamentos locais, conservadores, da sociedade tradicional, e os assim
chamado "universais" e "progressistas" da civilização ocidental.

O mais importante consiste nesta proporção, a qual constitui a essência das relações entre
Rússia e Ocidente.

Voltaremos a este assunto um pouco mais tarde, mas primeiro vamos fazer algumas
observações geopolíticas.

A concepção de "Ocidente" e "Oriente" nos Acordos de Yalta

Vamos considerar agora os aspectos geopolíticos dos problemas que discutimos e a


transformação do conceito de "Ocidente" no séc. XX, que estão ligados.

Depois do final da Segunda Guerra Mundial, o conceito começou a ser aplicado


geopoliticamente à totalidade dos países desenvolvidos que haviam surgido da via
capitalista de desenvolvimento. Isto era uma correção do conceito. Tal "Ocidente" é
praticamente idêntico ao capitalismo e à ideologia liberal-democrática. Aqueles países que
avançaram ao longo deste caminho mais longe do que os demais, eram de fato
considerados como "Ocidente" na construção de um mundo bipolar, chamado também
"yáltico" (pela localização da conferência dos chefes da coalizão anti-Hitler, que predestinou
o mapa do mundo na segunda metade do séc. XX: Stálin, Roosevelt e Churchill).

Desta vez, o conceito de "Ocidente" difere parcialmente do que temos proporcionado


anteriormente. Em primeiro lugar, inclusive os regimes comunistas pertenciam
ideologicamente ao "Ocidente" em um sentido amplo - primeiramente, a URSS - na medida
em que adotaram teorias do socialismo e do comunismo "da Europa ocidental" (construídas
a partir de observações relativas à história das evoluções político-econômicas das
sociedades ocidentais, junto com a correspondente fé no progresso e o universalismo
destas cronologias para toda a humanidade). Mas o marxismo, entretanto, se converteu no
modelo favorito para a modernização das sociedades tradicionais; um modelo que podia
combinar a preservação de seus próprios interesses geopolíticos e a preservação parcial
dos valores tradicionais da zona, com o poderoso e importado aparato de modernização e
ideias, estruturas, interesses e teorias peculiarmente ocidentais. Portanto, o marxismo -
soviético, chinês (maoísmo), vietnamita, norte-coreano, etc. - deveria ser examinado como
variante da modernização exógena, da qual falamos anteriormente. E mais, desde o ponto
de vista da competência tecnológica e ideológica, este projeto resultou em um êxito relativo.

Embora o marxismo dogmático pretendesse substituir o capitalismo, uma vez que este
tivera alcançado a etapa crítica de sua aplicação, na prática tudo se sucedeu de maneira
completamente diferente: os partidos comunistas ganharam naquelas sociedades onde o
capitalismo se encontrava em estado rudimentar, enquanto que a sociedade tradicional (a
agrária, primeiramente) ganhou tanto no sentido econômico quanto no cultural. Em outras
palavras, o marxismo vitorioso, o realizado, supôs a refutação da teoria de seu fundador
ideológico e, por outro lado, a história das sociedades capitalistas mostra que as previsões
de Marx, acerca do caráter inevitável nas mesmas da revolução proletárias, foram
desmentidas até então. Marx insistiu que a revolução proletária não poderia ocorrer na
Rússia (e em outros países com o predomínio do "modo de produção asiático") mas, como
é sabido, esta aconteceu aqui. Nas sociedades com um capitalismo desenvolvido, nada
similar se sucedeu.

Disto apenas se sugere uma conclusão: o marxismo nos regimes comunistas não era o que
proclamava de si mesmo, mas sim apenas um modelo de modernização exógena no qual
se adotaram valores ocidentais apenas parcialmente, e se combinaram tacitamente com
tendências religiosas, escatológicas e messiânicas locais. Em conjunto, este procedimento
de modernização específico - alter-modernização pelo caminho socialista (totalitário), não
pelo caminho capitalista (democrático) - serviu para a defesa dos interesses geopolíticos e
estratégicos de estados independentes, os quais se esforçaram para repelir os ataques
coloniais da Europa e (mais tarde) da América do Norte.

O bloco estratégico formado ao redor da URSS, a vanguarda desta alter-modernização, foi


chamado, depois da Segunda Guerra, de "Leste". Embora tal linguagem tenha sido
realmente uma variante de modernização exógena, formalmente o sistema marxista de
valores se baseava no paradigma da era moderna no mesmo grau que as sociedades
capitalistas. Às vezes, na politologia do período de Yalta, no lugar da fórmula do "Leste" ("o
Leste comunista", "o Bloco do Leste"), foi utilizada a expressão "segundo mundo", a qual é
mais precisa e abarca os países que adotaram a industrialização acelerada com uma
modernização parcial e bastante específica (do tipo comunista), e - o mais importante! -
conseguiram conservar a independência geopolítica, evitando a colonização direta (ou os
libertando).

Neste caso, o conceito de "Terceiro Mundo" adquire importância.

"O primeiro mundo", ou seja, o "Ocidente", na terminologia da época posterior à guerra, são
os países com modernizaçaõ endógena (Europa, América do Norte), e também um caso de
modernização tecnológica exógena extremamente bem sucedido, a do Japão ocupado, o
qual foi capaz de dirigir energias internas de uma nação conquistada ao crescimento
econômico massivo através de padrões ocidentais. Mas, ao mesmo tempo, o Japão perdeu
sua independência geopolítica e, em um sentido estratégico, se converteu em uma colônia
resignada e fraturada dos EUA.

"O segundo mundo" são os países de modernização exógena que conseguiram fazer uso
dos métodos totalitários socialistas de modernização, com o empréstimo parcial e
relativamente bem sucedido de tecnologia ocidental, e a preservação da independência em
relação ao Ocidente capitalista. Isto, na compreensão do mundo baseado em Yalta, foi
chamado de "Leste".

E, por último, "o terceiro mundo" faz referência aos países de modernização exógena que
ficaram para trás do desenvolvimento tanto do "primeiro" como do "segundo" mundo que,
não possuindo soberania completa, conservaram os fundamentos da sociedade tradicional,
e aos quais foram empurrados a confiança no "Ocidente" ou no "Leste", representando,
desta forma, colônias propriamente ditas, subordinadas a um ou a outro.

E, assim, limitamos nossas considerações às condições da "guerra fria" (o mundo bipolar),


então o conceito de "Ocidente", neste caso, surgirá como sinônimo do campo capitalista, "o
primeiro mundo", incluindo os países mais desenvolvidos e mais ricos da América do Norte,
Europa e Japão.
A sede intelectual da integração do "primeiro mundo", do "Ocidente" neste sentido concrto,
foi a Comissão Trilateral, criada a partir das fundações do American Council on Foreign
Relations, e composta por representantes das elites dos EUA, Europa e Japão. Portanto,
um segmento específico de intelectuais, banqueiros, políticos e acadêmicos do "Ocidente",
a partir da década de 1960, tomou sobre si a responsabilidade histórica do processo de
globalização, e a criação de um "governo mundial" como resultado do triunfo final do
"Ocidente" sobre o resto do mundo nos sentidos geopolítico, moral, econômico e ideológico.

Na década de 1990, o "Ocidente" se converte em Globalização

Outra transformação do conceito de "Ocidente" foi, todavia, posta a prova na década de


1990, quando a arquitetura do mundo bipolar (com sede em Yalta) se derrubou. A partir de
então, o modelo liberal-capitalista se converteu no mais importante e no único, o
comunismo como projeto de alter-modernização quebrou, apesar da concorrência, e o
poder político-militar e econômico dos EUA superou irrefutavelmente as posições dos
demais países. A capitulação unilateral da URSS e do Bloco de Varsóvia na "guerra fria",
com sua paralela dissolução, abriram o caminho para a globalização e a construção de um
mundo unipolar. O filósofo neoconservador estadunidense Francis Fukuyama começou a
falar do "fim da história", da "substituição da política pela economia", e da "transformação do
planeta em um mercado unificado e homogêneo".

Isto significava que o conceito de "Ocidente" se transformou em um conceito global e único,


ja que nada mais era oposto contra o mesmo, não só contra a ideia mesma de
modernização, mas também contra o seu mais ortodoxo e historicamente mais "ocidental"
projeto liberal-capitalista. Tão bem sucedida e importante vitória do "Ocidente" sobre "o
Leste" - ou seja, do "primeiro mundo" sobre "o segundo" - liquidou essencialmente as
alternativas à modernização, fazendo-a a única substância indiscutível da história do
mundo. Todo aquilo que quis permanecer ligado à "contemporaneidade" teve que
reconhecer esta preeminência incondicional do "Ocidente", expressá-lo lealdade, e também
repudiar de uma vez por todas todos os seus próprios interesses, inclusive se eram
diferentes em alguns aspectos, ou - mais ainda - contrários aos interesses dos EUA (ou, em
termos mais gerais, dos países do bloco da OTAN), como lacaios do mundo unipolar.

A partir de então, a questão foi levantada apenas desta maneira: em que segmento do
"Ocidente" global será integrado um ou outro país, um ou outro governo? Se a
modernização e, em consequência, a ocidentalização se introduzissem com êxito, então
apareceria a oportunidade de integração no "Bilhão de ouro"[*] ou na zona do "Norte rico".
Se, por alguma razão, isto não se sucedesse, este era integrado ao cinturão da periferia
mundial, na zona do "Sul pobre". Entretanto, a divisão planetária do trabalho ofereceu a
promessa da modernização, inclusive para o "Sul pobre", mas de acordo com o processo
colonial, quando a escravidão política foi substituída pela escravidão econômica, ainda que
a importação das normas culturais ocidentais erradicasse metodicamente os valores
indígenas (assim, os residentes da Coreia do Sul que, havendo recebido um impulso
vigoroso de modernização exógena de tipo colonial, junto com um volátil crescimento
econômico, foram golpeados com uma difusão quase total do protestantismo no meio de
uma sociedade tradicional, shamânica, budista e confucionista). A todos os países que se
conectavam ao Ocidente global não se garantia nada, mas era lhes dada a oportunidade.

Na Rússia também se produziram reformas neste mesmo sentido, aparecendo depois da


queda da URSS como uma nova organização que, por sua vez, herdou geopoliticamente o
Império Russo. A Rússia também tratou de integrar-se ao Ocidente global, contando como
um lugar do "Norte rico" e com a esperança de "comunar" com a modernização pela sua
rota pela sua rota principal (a capitalista), e não pela indireta (a socialista). Entretanto, à
Rússia, igual aos demais países, foi oferecido, em um primeiro momento, rejeitar suas
pretensões globais e, mais tarde, inclusive as locais, fazendo o papel de satélite estratégico
dos EUA entre as nações menos modernizadas, sem nenhum privilégio especial em
absoluto. Essencialmente, foram levados ao país controles externos.

E, em consequência, a autoridade governante recebeu a elite colonial, reformadores


ocidentais e oligarcas que pensavam em si mesmos como gerentes que trabalham para as
empresas transnacionais globais com sede no outro lado do Atlântico.

Globalização

No começo da década de 1990, quando "o fim da história" não apenas parecia próximo,
mas sim realizado na prática, o conceito de "Ocidente" quase se mistura com o conceito de
"mundo", o qual foi fixado com o termo "globalização".

A globalização representa o último ponto na realização prática das pretensões fundamentais


do "Ocidente" para a universalidade de sua experiência histórica e de seu sistema de
valores.

Penetrando em diversas sociedades e culturas, combinando projetos humanitários com


métodos coloniais de satisfação de seus próprios interesses (em primeiro lugar, na esfera
dos recursos naturais), o processo de globalização faz do "Ocidente" um conceito global. O
mundo se deu grandes passos até um modelo unipolar, com um centro desenvolvido
preocupado consigo mesmo (com os EUA no núcleo, a sociedade transatlântica), e uma
periferia subdesenvolvida.
Com o tempo, foi construído um modelo que se descreve no texto clássico de Huntington, O
Choque de Civilizações, "Ocidente e o resto". Mas no modelo da globalização, este "resto",
em nenhum caso, é visto de outra maneira que não seja em relação com "Ocidente"; é
também "Ocidente", apenas pouco desenvolvido e imperfeito, uma espécie de "médio-
Ocidente".

E aqui, já nas novas condições históricas e através de uma linha de transformações e


alterações semânticas, nos topamos novamente com o racismo cultural e o "messianismo"
secular liberal-democrático que descobrimos entre as fontes da época da modernidade e a
definição inicial do conceito de "Ocidente".

Pós-modernidade e "Ocidente"

Um dos processos mais interessantes em relação ao conteúdo do conceito de


"modernização" ocorreu na década de 1990. A modernização, que se realizou em distintas
velocidades e com diferentes características, de maneira ou outra, em todo o mundo desde
o começo da Idade Moderna na Europa Ocidental, se aproximou da sua própria conclusão
lógica nos finais do séc. XX. E mais; isto, naturalmente, se sucedeu no próprio Ocidente:
aquele que, antes de qualquer outro, e de acordo com princípios naturais, procedeu à
modernização da sociedade tradicional, chegou ao final primeiro. Portanto, superando tanto
a inércia da resistência das estruturas conservadoras como, em um dado momento e de
maneira muito efetiva, a concorrência com a alter-modernização socialista, a modernidade
em sua forma liberal-capitalista alcançou seus limites determinados e o final da prática do
seu programa: a oposição direta de ideologias alternativas terminou, enquanto a superação
da resistência passiva da periferia mundial se converteu em uma questão técnica. E onde
ainda permanece, poderia equiparar-se a "reação inercial do entorno circundante", mas não
a uma estratégia competitiva. A batalha contra a sociedade tradicional e suas intenções de
apresentar-se sob um novo traje (alter-modernização, socialismo) terminaram com a vitória
do liberalismo. E no próprio Ocidente, a modernização alcançou seus limites internos,
havendo alcançado o ponto mais baixo da cultura ocidental.

Esta condição de exaustão final da agenda do processo de modernização gerou no


Ocidente um fenômemo bastante específico: a pós-modernidade.

O essencial da pós-modernidade consiste no fato de que o fim da modernização das


sociedades tradicionais leva à população do Ocidente, principalmente, novas condições.
Pode-se comparar este longo processo com a realização de um objetivo previsto. O povo,
disposto em um trem que viaja para uma estação muito longe, se acostuma tanto com o
movimento que não o cessa durante várias gerações, que não pode imaginar a vida de
outra maneira. Eles veem a existência como o desenvolvimento, convertido em um
longínquo ponto de referência, do qual todos se recordam, para o qual todos vão, mas que
segue permanecendo muito remoto. E, de repente, o trem chega à estação final. A
plataforma, a estação... o objetivo foi alcançado; os problemas, resolvidos... mas o povo que
chegou está tão acostumado a estar viajando o tempo todo que não pode se conter depois
da comoção de ver seu sonho tornado realidade. Quando se alcança o objetivo não há
nada, outra coisa pela qual se esforçar, nenhum lugar para ir, não há para onde avançar. O
progresso chegou ao seu ponto máximo. Precisamente, este é "o fim da história", ou a "pós-
história". (A Gehlen, G. Vattimo, J. Baudrillard).

Mediante esta metáfora, pode-se descrever completamente a condição da pós-


modernidade. Aqui estão tanto o sentimento de êxito como o de decepção. De qualquer
maneira, isto já não é a modernidade, nem o Iluminismo, nem a Idade Moderna. A facção
crítica dos filósofos pós-modernistas submeteu ao escárnio os diferentes estágios do
movimento até que o objetivo fosse atingido, começando a falar ironicamente destas ilusões
e esperanças com as quais os que começaram o movimento se confortaram, não sendo
capazes de imaginar que tipo de objetivo seria este. Outros, pelo contrário, se ofereceram a
romper com o sentimento crítico e perceber "o novo mundo feliz" tal como é, sem entrar em
detalhes e dúvidas.

De qualquer forma, seja isso visto de forma positiva ou negativa, a pós-modernidade


representou o fim. A fé no progresso fechou as portas e cedeu seu lugar à temporalidade
brincalhona. A realidade, havendo desprezado anteriormente o mito, a religião e o sagrado,
se transformou em virtualidade. O homem, no amanhecer da Idade Moderna, havendo
derrubado Deus do pedestal, está disposto a ceder, de agora em diante, o lugar de rei a
uma raça pós-humana - a dos cyborgs, mutantes, clones, a todos os produtos da "técnica
liberada".

O Pós-Ocidente

Na época da globalização, o Ocidente não só se fez global e onipresente em si mesmo


(como se expressa na uniformidade da moda mundial, a difusão geral das tecnologias
informáticas e de informação, o estabelecimento onipresente da economia de mercado e os
sistemas políticos e legais liberal-democráticos), mas também em seu núcleo, no centro de
um mundo unipolar, o "Norte rico" muda qualitativamente da modernidade à pós-
modernidade.
E de agora em diante, o apelo a este Ocidente nuclear, o Ocidente em sua mais alta
manifestação, poderia ser, pela primeira vez na história, que não tenha deixado a
modernidade para trás (do tipo que seja, exógena ou endógena), já que o próprio Ocidente
é, a partir de agora, sinônimo não de modernidade, mas sim de pós-modernidade. Mas a
pós-modernidade, com suas ironias, tecnologicamente pura, reciclada da velha e gastada fé
no progresso, já não oferece a sua periferia sequer a possibilidade remota de
desenvolvimento. "O fim da história" que chegou levanta perguntas absolutamente
diferentes - a questão, antes importante, do "Ocidente" fazer subir o "Sul pobre" ao seu
próprio nível parece, agora, uma tarefa absolutamente desnecessária, sem nenhum
propósito e sem sentido: se algo pode ser encontrando lá, seguramente não serão as
respostas aos novos problemas da época pós-moderna.

Tecnicamente e tecnologicamente ele [o Ocidente] domina por completo, e os processos de


globalização se desenvolvem a toda velocidade, mas este já não é um desenvolvimento
progressivo, e sim um movimento circular ao redor de um centro ainda mais problemático.
Através de seus processos favoritos, a arquitetura da pós-modernidade faz tais
construções, onde os estilos e épocas se misturam caprichosamente, enquanto que no
lugar do ponto central do conjunto arquitetônico se abre um buraco. Este é o centro
ausente, o polo do círculo, que representa a queda no não-ser.

Tal é, também, a estrutura substancial do mundo unipolar. No centro do Ocidente global -


nos EUA e nos países da aliança transatlântica - se abre o buraco negro sem sentido da
pós-modernidade.

A brecha entre a teoria e a prática do globalismo

A última metamorfose do Ocidente durante sua transformação para a pós-modernidade, que


descrevemos anteriormente, é uma construção puramente teórica. Tal imagem foi
elaborada no início da décade de 1990, de modo que a lógica da história do mundo foi
conceitualizada, portanto, por aqueles pensadores que ainda se conservam no Ocidente,
antes que ceda-se, finalmente, o caminho à pós-humanidade (possivelmente a autômatos
pensantes). Mas entre esta concepção teórica e sua encarnação havia uma brecha
decisiva. A reflexão sobre a natureza e a estrutura de tal Ocidente e tal pós-modernidade
conduziram, inclusive a seus próprios ardentes apologistas, a um estado de horror e
desespero. Por exemplo, em certo momento, Francis Fukuyama começou a retornar desta
imagem ideológica que o mesmo desenhou no início da década de 1990 e quis voltar atrás,
mantendo o Ocidente na condição em que se encontrava antes que chegasse a sua
estação final. Os críticos de Fukuyama, incluindo Huntington, também exageraram a
qualidade e a quantidade destas barreiras a serem superadas pelo Ocidente com o fim de
se tornar verdadeiramente global e ubíquo. Desde diferentes pontos de vista, todo o mundo
começou a agarrar-se aos restos da modernidade, com seus governos nacionais, a fé no
progresso, suas moralizações, tutelagens e fobias, as quais, há muito tempo, todos estão
acostumados. Então, se decidiu prolongar o movimento ao objetivo previsto, ou ao menos
simular o balanço dos vagões e o barulho das rodas nos trilhos.

Hoje, o Ocidente mora precisamente nesta brecha entre aquilo no que teoricamente deve se
converter na época de globalização, e pelo fato de que ultrapassou todos os obstáculos e
derrotou todas as alternativas, e aquilo o que absolutamente não se quer reconhecer como
a nova arquitetura da Pós-Modernidade - com um buraco ao invés de um centro. Contudo,
nesta brecha, infinitamente pequena e constantemente se contraindo, ocorrem processos
muito importantes, que constantemente mudam a imagem do mundo em geral.

Tudo isto exerce ativamente uma influência na Rússia.

[*] O "Bilhão de ouro" (em russo: zolotoy milliard), no mundo da língua russa, é um termo
que faz referência às pessoas relativamente ricas em países industrialmente desenvolvidos,
ou no Ocidente. (Fonte: Wikipedia)
às 22:32
Compartilhar

Feminismo Rumo Ao Totalitarismo


Por Aidan Rankin
I. Bondade Compulsória e Falta de Coragem

A aceitação inquestionável das metas feministas tornou-se quase universal na vida política
e intelectual europeia. Isso não quer dizer que as populações dos países europeus se
converteram para o feminismo em massa. Pelo contrário, o feminismo e as feministas em si
são hoje em dia, provavelmente, mais objetos de repulsa do que nunca. Essa repulsa ao
ridículo é acentuada pelo medo. O medo se origina de uma consciência do poder que a
ideologia feminista exerce sobre os acadêmicos, educadores, políticos, mídia, sobre
aqueles que tomam decisões íntimas na vida de outras pessoas, como médicos e
assistentes sociais, ou aqueles que interpretam e aplicam a lei . Isso explica a tendência
das instituições, incluindo instituições altamente tradicionais, de cederem ao feminismo e
tornarem-se veículos de engenharia social dogmática. “Eu sou um feminista”, protesta o
comentarista conservador. “Eu não sou um sexista”, o tradicionalista anglicano garante a
seus críticos. “É claro” oportunidades iguais “são uma coisa boa”, declara o oficial de
Infantaria, na defensiva. Tais protestos efetivamente neutralizam argumentos morais para a
família tradicional, argumentos teológicos contra a ordenação de mulheres, ou todos os
regimentos masculinos, com o orgulho, estabilidade e o espírito da equipe gerada. Assim
argumentos importantes e valiosos estão sendo perdidos antes mesmo de começar. Isso
não tem nada a ver com o fato de estarem ‘certos’ ou ‘errados’. Para cada um dos
argumentos eu enumerei distintas questões morais, sociais e teológicas, nesse caso. Elas
podem ser resolvidas, portanto, apenas como problemas individuais, caso por caso, e não
no contexto de uma abrangente doutrina abstrata de “igualdade”. Mas assim que a palavra
“igualdade” é mencionada, os adversários do feminismo sofrem um colapso nervoso.

Essa falta de coragem tem várias causas culturais e políticos. Uma delas é a manipulação
feminista do ideal de cavalheirismo do sexo masculino, embora o condenem como machista
e ultrapassado. A nível pessoal, as feministas jogam descaradamente sobre o desejo
masculino natural de tratar mulheres com educação e respeito, e de conceder
graciosamente seus interesses ou necessidades. A impotência de muitos homens de
autoridade, quando confrontados com as demandas feministas resulta dessas tradições
próprias da cortesia masculina que as feministas menosprezam. Quando um homem de
disposição tolerante está receoso em acreditar que as feministas “representam” todas as
mulheres, e que a falta de “incluir” as mulheres ou dar-lhes nomeação sobre outros homens
é doloroso ou simplesmente cruel, então ele está destinado a se render, de uma certa
maneira. É por isso que os adversários mais eficazes do feminismo têm sido as mulheres,
em vez dos homens. Elas sabem a partir das suas experiências e observações que a
ideologia feminista é ridiculamente fora de sintonia com a maioria das necessidades e
prioridades femininas. Irrestritas pelo cavalheirismo masculino, elas podem se opor clara e
lógicamente, ou dar vazão à sua raiva sem restrição [1].
A relevância do abuso de cavalheirismo não deve ser subestimada. Isso coordena as
decisões tomadas todos os dias no mundo dos negócios, na política, na mídia e nas
instituições de ensino em todos os níveis. Em termos pessoais, portanto, as feministas
lucram com a sobrevivência dos padrões tradicionais de comportamento e pensamento.
Elas se beneficiam, também, ao terem uma visão “total” do mundo, algo que seus
adversários geralmente não têm. Ou seja, elas acreditam que todos os aspectos da vida
estão intimamente ligados e que essas conexões são inteiramente políticas. O adversário
do feminismo, por outro lado, é apto a estabelecer distinções entre sua vida profissional,
sua vida familiar e seus hobbies particulares. Pode haver sobreposições, mas elas são, no
entanto, partes distintas da sua vida e são julgadas por critérios diferentes. A feminista não
tira essas distinções, sua visão de mundo é sucintamente encapsulada na afirmação de que
“o particular é político”.

O medo de ser diferente é outro poderoso impedimento à oposição, e talvez seja


especialmente marcado entre os intelectuais. Parte disso é covardia. Quando George
Orwell descreveu seus contemporâneos como “esquerdistas homossexuais”, ele não estava
se referindo às orientações sexuais dos seus colegas literários, e sim a sua falta de
virilidade intelectual. Eles haviam se recusado a abrir os olhos para o pesadelo totalitário
que era o comunismo soviético, porque era mais fácil e mais conveniente para seus
‘companheiros de viagem’. No entanto, há mais do que isso. Um aspecto da tradição
intelectual ocidental tem sido o reducionismo, o desejo de nivelar homem, sociedade e
natureza a uma série de fórmulas simples e assim ‘resolver’ a situação humana. Isso
explica a recente popularidade, entre os intelectuais modernos, dos movimentos totalitários,
assim como dogmas religiosos inflexíveis prevaleceram entre seus antepassados
acadêmicos e escolas idealistas inspiraram os homens cultos da antiguidade.

Em oposição a isso, há uma tradição paralela do pensamento crítico, questionamento e


discussão irrestrita. Embora nunca tenha sido totalmente segura, essa tradição de liberdade
tem dado a cultura europeia seu dinamismo. Ela tem sido a fonte da nossa literatura
grandiosa e da arte, dos nossos instintos exploratórios, da investigação científica e
capacidade de raciocínio; agora está denegrida pela ideologia feminista como “patriarcal” e
“machista”. O sentido europeu de liberdade está enraizado no respeito pela comunidade.
Como tal, ele reconhece as complexidades da experiência humana e se opõe a todas as
formas de fanatismo. Ele tem ficado, com variados graus de sucesso, entre o homem
europeu e os grandes projetos que ameaçam o equilíbrio entre o indivíduo e a sociedade,
tradição e mudança, reforma e continuidade.

Esse senso de liberdade Tocqueville corretamente descreveu como “a sagrada chama da


liberdade”. Na Europa atual, essa “chama da liberdade” é mais ‘assustadora’ do que
‘sagrada’ e é notável que continua a queimar, mesmo que debilmente. O pensamento livre
só pode ter lugar em uma atmosfera de confiança. Isso significa confiança nos valores
subjacentes de uma sociedade e confiança que o indivíduo tem em si mesmo. A primeira
está sob ataque da ideologia do “multiculturalismo”, que iguala a busca da verdade,
liberdade e pensamento com a supremacia branca. Na esfera política, multiculturalistas
suprimem a ideia de igualdade para todos os indivíduos sob o domínio da lei e substituem-
na por privilégios especiais para determinados grupos: racismo reverso, conhecido como
“ação afirmativa” e legislação do “crime de ódio”, o que equivale a uma forma de
‘linchamento afirmativa’. Multiculturalistas acadêmicos, sempre que possível, impõem
currículos com base em um igualitarismo ignorante e irracional que considera as palavras
de ordem dos terroristas argelinos e os pensamentos de filósofos gregos como igualmente
“válidos”, mas não tolera nenhuma oposição às doutrinas igualitárias. Essa mentalidade é
tipificada pelo Reverendo Jesse Jackson liderando uma equipe de ativistas estudantis ao
redor da Universidade de Stanford no início de 1990 cantando ‘Hey, hey, ho, ho, a
Civilização Ocidental tem que ir!’[2]. A própria carreira de Jackson foi construída sobre a
continuação da existência da pobreza negra. Como Blake expressou em uma profecia do
socialismo de Estado:

A Piedade deixaria de existir

Se não fizéssemos nós os Pobres de pedir. [3]

A Feministas se aliam a multiculturalistas em seu ataque generalizado sobre a liberdade de


pensamento e expressão. Assim como os multiculturalistas, elas atacam a “cultura
europeia” [4] por valorizar a razão sobre a intuição, e por buscar a objetividade ao invés de
aceitar a subjetividade. Sempre que os multiculturalistas interpretam essas qualidades como
“brancas” e inferiores, as feministas interpretam-nas como “masculinas” e inconcebíveis. No
entanto, o próprio feminismo rapidamente admite conotações racistas, e até mesmo
imperialistas, no seu desprezo evidente pelas sociedades não-europeias e o papel das
mulheres dentro delas, na sua insistência de que há apenas um caminho para a
“igualdade”, que é secular, materialista e carreirista. O feminismo logo verte sua retórica
“multicultural” quando confronta estruturas tradicionais, tal como casamentos arranjados e
famílias extensas, ou culturas que reverenciam mais a maternidade do que o trabalho fora
de casa. Mulheres de sociedades tradicionais não são feitas ou não querem ser “libertadas”
pela política social feminista. Os novos missionários dos “direitos reprodutivos” e do trabalho
remunerado acreditam que elas devem mudar, querendo ou não. Os valores feministas,
portanto, desempenham um papel central no processo de “globalização" econômica e
cultural. Eles procuram abolir atitudes tradicionais em relação à família e ao trabalho, e com
eles os padrões de comportamento que questionam a dominação corporativa e o
consumismo acrítico.

O aliado do ataque multiculturalista sobre a liberdade e confiança cultural é um sistema de


educação que privilegia cada vez mais a conformidade sobre personalidade, sociabilidade
sobre idiossincrasia e ‘socialização’ passiva sobre o pensamento original. Apesar de
supostamente “progressista” e centrada no indivíduo, a pressão esmagadora da educação
de massa moderna é focada em convencer o indivíduo a se conformar. Diferente dos outros
métodos tradicionais de ensino que são difamados como opressivos, a educação moderna
favorece o consenso nivelado para baixo e substitui disciplina e orientação moral por terapia
e aconselhamento. A liberdade superficial proporcionada pela escola ou faculdade moderna
– a ausência de uniforme, código de vestimenta ou regras rígidas; estresse no igualitarismo
sexual – esconde um ambiente mais “censurado” do que em um colégio interno tradicional
para meninos. Há pouco ethos institucional, mas há uma pressão igualmente apoiada por
uma estrutura de autoridade perpetuamente afável, ainda que sufocante. Não há
observância religiosa organizada – pelo menos não com qualquer conteúdo espiritual
perigoso – mas o evangelho de igualdade é pregado assiduamente em todos os níveis. A
excentricidade, essa grande força, é desencorajada, entre educadores e educados da
mesma forma, pela “tolerância”, que é uma virtude apenas quando estendida para grupos
de vítimas, e não para pessoas que pensam de forma diferente. Há poucas regras formais,
mas há um sistema de valores que estimula obediência silenciosa (educacional e
comportamental), memorização em vez de raciocínio e cooperação em vez de descoberta.

A educação moderna, em suma, fornece um sistema que parece favorecer os valores


tradicionalmente femininos de restrição sobre os valores tradicionalmente masculinos de
independência, exploração e energia física. Isso é realmente irônico, visto que um dos
propósitos da educação “progressista” era derrubar as diferenças entre os sexos, as quais
eram consideradas como culturalmente condicionadas em vez de influenciadas pela
biologia. As feministas tendem fortemente a apoiar essa educação do sentimentalismo,
principalmente porque acreditam que ela terá um efeito castrador sobre os homens.
Conformidade passiva gratificante e valores pacíficos imponentes certamente têm o efeito
de afastar um grande número de homens jovens física e mentalmente saudáveis ,
juntamente com um bom número de mulheres jovens espirituosas também. As energias
desses jovens são, desde o início, desviadas da busca por conhecimento e seguem rumo
aos meios menos frutíferos de questionar a autoridade. Os homens jovens que não têm
mentores masculinos e se deparam com “aconselhamento” em vez de formas mais
tradicionais de treinamento de caráter, tendem a se rebelar contra a tirania da ‘bondade
obrigatória’. Com o crescimento do politicamente correto e a perda de status das Forças
Armadas (ou qualquer tipo de instiuição militar), eles têm menos saídas construtivas para
sua energia naturalmente rebelde. Esse vazio é preenchido cada vez mais por bullying,
crimes, alcoolismo e abuso de drogas. A educação – e a vida acadêmica em geral – torna-
se atraente apenas para os jovens cujo instinto é absorver e aceitar em vez de discutir e
pensar.

Em A Multidão Solitária, David Riesman e seus colegas descrevem o impacto educacional


da transição social que eles identificam na sociedade americana: da “dirigida internamente”,
onde os indivíduos recorrem aos seus recursos internos, para a “dirigida pelos outros”,
através da qual os indivíduos obtêm os valores a partir dos seus semelhantes. Eles
mostram que a escolaridade “progressista” nas cidades americanas tem se mostrado
fundamental para a transição. Como a ênfase passou da formalidade para a informalidade,
das classes formadas por um único sexo para classes mistas, da formação acadêmica pura
para 'adestramento', um novo padrão de conformidade foi imposto, mais extremo do que o
antigo porque a rebelião contra ele era quase impossível [5]:

A iniciativa é diminuir todos para nivelar quem se eleva ou se destaca em qualquer direção.
Começando com o jovem e a partir daí, a vaidade ostensiva é tratada como um dos piores
crimes, como talvez a desonestidade teria sido tratada em uma época anterior. Ser superior
é proibido.

Temperamento, ciúme manifesto, mau humor – também são delitos no código dos grupos
homólogos. Todas as qualidades “nodosas” ou idiossincráticas são mais ou menos
sistematicamente reprimidas. E o julgamento dos outros pelos membros desses grupos
homólogos são tão claramente questões de gosto que a sua expressão deve recorrer às
frases mais vagas, constantemente alteradas: fofo, ruim, quadrado, etc...

Mas dizer que os julgamentos dos homólogos são questões de gosto, e não de moralidade
ou oportunismo, não quer dizer que qualquer criança em particular pode se dar ao luxo de
ignorar esses julgamentos. Pelo contrário, elas estão a seu mercê, como nunca estiveram.
Se o grupo de homólogos for – e continuamos a lidar aqui apenas com as classes médias
urbanas – um grupo torturante, selvagem e obviamente perverso, a criança ainda poderia
sentir indignação moral como uma defesa contra seus comandos. Mas, assim como as
autoridades adultas no processo de socialização ‘dirigido pelos outros’, o grupo homólogo é
amigável e tolerante. Ele insiste no jogo limpo, e suas condições de admissão parecem
razoáveis e bem intencionados. Mas, mesmo onde não é assim, a indignação moral está
fora de moda. A criança, portanto, é exposta a julgamento pelo tribunal do júri, sem
nenhuma defesa a partir da sua própria moralidade ou dos adultos. Toda moralidade é do
grupo. [6]

A Multidão Solitária foi publicada há meio século. Desde então, o ethos “progressista” da
Bondade Compulsória tem permeado no ensino superior, bem como na educação primária
e secundária. É contra o sistema de valores que a maior parte das políticas públicas é
mensurada. A Bondade Compulsória é uma falta de coragem institucionalizada. Sua busca
por consenso brando não favorece a moderação genuína, que é intelectualmente rigorosa e
intransigente. Em vez disso, oferece um cenário de compromisso bagunçado, contra o qual
os fanáticos totalitários podem jogar fora seus dramas ideológicos. Ela também é marcada
por uma diminuição na importância do indivíduo autônomo, com uma mudança resultante
da ênfase da liberdade individual para os direitos do grupo. O governo cada vez mais é visto
como um mediador entre grupos que reivindicam direitos em detrimento dos outros grupos
ou do resto da sociedade. Quando esses grupos são apresentados como 'desfavorecidos',
ou sofreram no passado, a oposição às suas exigências é vista como uma falta de respeito
ou como um ato de crueldade implícita. Literalmente, ‘não é agradável’ ser contra o
feminismo, quando é presumido que as feministas falam por ‘todas as mulheres’. Não é
bom ser contra o ‘direito dos gays’, se os ativistas gays falam por todos os homossexuais ou
ser contra o multiculturalismo, se aceitarmos que multiculturalistas falam por todos os
negros, ou mesmo por todas as ‘minorias étnicas’. Que todas essas proposições são
manifestamente falsas é uma questão de transtorno e irritação, que pessoas ‘legais’ não
mencionam. Eles assumem que os indivíduos se encaixam perfeitamente em grupos que
agem em conjunto e se por alguma razão não conseguem fazer isso, devem ser
persuadidos e coagidos [7].

Há uma notável semelhança entre as frases sem sentido proferidas pelas crianças que
participaram da pesquisa de Riesman e os slogans de políticos e ativistas 50 anos mais
tarde. A pressão dos grupos homólogos define o que é 'legal' ou 'limpo' entre adolescentes.
Entre os intelectuais, isso define o significado de ‘diversidade’ e ‘inclusão’, duas das
palavras-chave da Bondade Compulsória. A diversidade torna-se um eufemismo para
aceitação conformista dos direitos de grupo e hostilidade contra aqueles que enfatizam a
tradição em seu lugar. A inclusão é entendida como favorecer membros de grupos
aceitáveis (mulheres, minorias étnicas, homossexuais) em detrimento de grupos
inaceitáveis (homens, “branco europeus”, heterossexuais) e ritualmente denunciar qualquer
um que questione esse processo [8]. Em nome da diversidade e inclusão, algumas ideias
são postas fora de alcance, e à outras são atribuídas uma veneração supersticiosa.

As últimas ideias são sinônimo de “progresso” e “igualdade”. Como ideias, elas estão
intimamente ligadas, porque considera-se que uma leva logicamente à outra. Ambas são
definidas como qualquer coisa que seus adeptos “escolhem para significar”. Progresso pode
significar restringir a liberdade de expressão, se o discurso for considerado “racista” ou
“sexista”. Igualdade pode significar o oposto, a desigualdade, já que isso é desigualdade
para os grupos detestado por igualitaristas. Opor-se ao progresso é ser um “reacionário”, o
que os intelectuais modernos temem mais do que qualquer outra coisa, exceto ao ser um
“fanático”, que é o seu destino caso você se oponha à igualdade concebida socialmente.

O feminismo é a ideologia derradeira dos grupos de direitos humanos. Suas defensoras


afirmam que elas são as representantes naturais de todas as “mulheres”. Elas apresentam
as mulheres como uma minoria oprimida ao reivindicar direitos especiais. Ao se afirmarem
politicamente, elas enfatizam a maioria numérica que “as mulheres” atualmente compõem.
Em nome das mulheres elas buscam reparações legais contra o “inimigo” coletivo (homens)
através das leis de divórcio distorcidas, discriminação reversa em emprego e privilégios
especiais na representação política [9]. Em certo nível, elas exigem o direito das mulheres
de fazerem exatamente as mesmas coisas que os homens em todas as esferas da vida. Em
outro, elas reivindicam introspecções especiais femininas de natureza espiritual ou
ecológica. Como um movimento fundado em um pensamento duplo, o feminismo prospera
em um clima político onde é considerado mal-educado (ou, em termos antiquados, não
cavalheiresco) para questionar as exigências de um único problema. Ele é sustentado por
uma cultura na qual a igualdade adquiriu um status totêmico e o apoio à igualdade é uma
condição de admissão para o grupo homólogo intelectual. A Bondade Compulsória impede
a consideração de que tipo de ideologia o feminismo realmente é.
II. Marxismo Com Uma Nova Face?

É tentador, quase convincente de fato, ver o feminismo como uma ideologia de esquerda ou
como um movimento que evoluiu do Marxismo. Muitos esquerdistas creem nisso, e essa é a
razão pela qual rendem-se tão facilmente às demandas feministas, mesmo quando seus
instintos clamam contra. Isso explica também o porquê de ser difícil obter oposição ou até
mesmo críticas leves à ideologia feminista a partir da esquerda política. Pois certamente, o
esquerdista com princípios vai argumentar que os objetivos do feminismo são bons, apesar
dos seus métodos às vezes serem errados. Com certeza a intenção das feministas é elevar
o status da mulher e por isso temos de apoiá-las, mesmo quando discordamos dos seus
métodos. Para esses esquerdistas, a adesão às demandas feministas é semelhante ao
apoio às ditaduras “progressistas”, porque seus métodos autoritários são apenas
“instrumentos de transição”, ou porque a “agressão imperialista” os torna necessários.

Para os esquerdistas de colégios Marxistas ou Fabianos, que têm mais em comum do que
pensamos, o feminismo oferece ricas oportunidades para soluções coletivistas ao “trazer o
Estado de volta” à vida do indivíduo. Para os radicais da Nova Esquerda, essa é a última
fase da revolução sexual. Juntamente com sua prole ilegítima, a “libertação gay” [10], o
feminismo faz uma crítica violenta à vida familiar que racionaliza o egoísmo passado e a
decepção presente. A associação com suas conquistas convenientemente compensa pelo
fracasso político. Esquerdistas que têm uma inclinação descentralista ou mais liberal veem
no feminismo, e em outras causas específicas de modo geral, uma alternativa humanitária à
política centralizadora baseada em classes da esquerda ortodoxa. Eles acreditam na
retórica de “estruturas não-hierárquicas “, “coligações sem líderes” e slogans sentimentais
meia-boca sobre “recuperar a história” (em oposição à história imposta pelos homens),
“celebrar a cultura gay” ( homossexuais como imitação de um grupo étnico) e “abraçar a
diversidade” (simbolismo patrocinado). Para esses idealistas esgotados , a realidade de
mau gosto desses movimentos é de pouca importância. Eles cumprem um desejo, talvez
uma necessidade, de agitação contínua e eles conservam esperanças débeis para a
transformação da humanidade. Os críticos do feminismo aceitam seus credenciais quase
marxistas. O “neoconservador” norte-americano Michael Levin, por exemplo, descreveu as
campanhas de “salário igual para trabalho igual” como “a estrada feminista rumo ao
socialismo”. [11] Erin Pizzey, que foi censurada, e até mesmo ameaçada pelas feministas,
quando ela apontou que as mulheres assim como os homens cometem violência doméstica
e descreveu as feministas radicais como marxistas que “pularam fora do barco“ [12].

Essa interpretação do feminismo é compreensível, devido a sua promessa de uma utopia


igualitária e sua imitação bem-sucedida da retórica marxista. Na prática, também, as
agendas feministas exigem uma grande quantidade de intervenção do Estado na economia
e na sociedade, com a aplicação das leis de “igualdade de oportunidades” tornando-se um
vasto setor nacionalizado improdutivo. Suposições feministas certamente foram
incorporadas no pensamento político marxista desde o início, apesar do conservadorismo
aparente do próprio Marx sobre tais assuntos [13]. Já em 1854, o colaborador de Marx,
Friedrich Engels, escreveu A Origem da Família, Propriedade Privada e Estado, onde ele
identificou as relações entre os sexos com o “antagonismo” da luta de classes, e não com
as qualidades humanas de lealdade, afeto ou paixão: a opressão da primeira classe que
ocorre na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a
mulher no casamento monogâmico. E a opressão da primeira classe coincide com a do
sexo feminino pelo masculino. [14]

O feminismo moderno também pode afirmar com uma boa razão os discípulos da Nova
Esquerda da década de 1960. Para Herbert Marcuse, o movimento estudantil Éminence
Rouge, acreditava que a dinâmica revolucionária passara do trabalhador homem
branco ocidental, que estava inchado com fartura, para aqueles que foram
“marginalizados” pelo sistema: negros, mulheres, estudantes e revolucionários do
Terceiro Mundo. Pouco importava se as comunidades negras eram em grande parte
conservadoras e religiosas, se muitas mulheres não se sentiam marginalizadas, se os
estudantes eram uma casta privilegiada que poderia fugir à proposta e se os revolucionários
do Terceiro Mundo aterrorizavam seus próprios povos.

Assim como os comandantes do Vietcongue, Pathet Lao e Khmer Vermelho alegavam ser a
voz dos camponeses da Indochina mas ao mesmo tempo aterrorizavam-nos, as porta-
vozes feministas de hoje alegam ser a única voz verdadeira de que as mulheres têm. Elas
pretendem impor sua visão de igualdade sobre as mulheres que rejeitam o feminismo tanto
quanto sobre os homens que resistem, através de métodos que incluem coerção estatal,
vilipêndio a críticos e esforços para doutrinar crianças e estudantes contra os valores
tradicionais. A hostilidade das feministas contra as mulheres tradicionalistas é mais virulenta
e ideologicamente carregada do que sua hostilidade contra os homens. Betty Friedan,
supostamente a face moderada ou liberal do feminismo americano, descreveu as mães que
ficam em casa com seus filhos como “obsoleto”. Mais extrema ainda, mas com a
refrescante honestidade gaulesa, Simone de Beauvoir proclamou logo em 1975 que:
“Nenhuma mulher deve ser autorizada a ficar em casa e criar os filhos. A sociedade deve
ser totalmente diferente. As mulheres não devem ter essa escolha, precisamente porque se
houver essa opção muitas mulheres fariam essa escolha” [15].

No mesmo diálogo com Friedan, a consorte de Jean-Paul Sartre define a meta central do
feminismo como “liberdade de escolha”. Visualizar essa posição como inconsistente é
incompreender a ideologia feminista. A escolha de uma mulher de ficar em casa com seus
filhos pequenos ou colocar a vida familiar antes da carreira profissional, não é uma escolha
autêntica de acordo com as feministas. Tal escolha é baseada em preconceitos
tradicionalistas sobre o papel das mulheres, o qual ela tem “internalizado” e é o dever das
feministas “libertá-la”. As feministas, por definição, representam as “mulheres” e interpretam
seus interesses, assim como uma geração marxista anteriormente interpretou a vontade da
”classe operária”. O feminismo é tranquilamente rejeitado por muitas mulheres e por isso
depende do apoio masculino, em grande parte adquirido através da chantagem emocional,
como a ameaça de ser chamado de “sexista”, o que alguns homens liberais “sensíveis”
apreciam. Da mesma forma, o socialismo de Estado dependia do apoio da classe média,
porque muitas vezes era profundamente impopular entre as comunidades da classe
trabalhadora.

Homens adeptos do feminismo são, exceto para alguns extremistas, embaraçados e


incertos. Para seguir a linha correta do feminismo, amarram-se em complicados nós
ideológicos. Quando este autor observou, em correspondência com um homem comunista
pró-feminismo, que a pobreza entre as mulheres aumentou dramaticamente após duas
décadas de política social feminista e a resultante desagregação familiar, sua resposta foi
tão nítida como honesta. “Elas podem ser mais pobres – ele me disse – mas pelo menos
estão livres de homens chauvinistas”. Tal associação tão romântica entre pobreza e
liberdade soa estranha para um “modernizador” socialista, assemelhando-se a uma certa
deformação do pensamento conservador, ou um rústico anarquismo desprezado pela
esquerda “progressista”. E isso não explica como uma nova moralidade que aceita a
deserção de mulheres pelos homens, deixando-as criar seus filhos sozinhas e em situação
de pobreza, pode ser qualquer coisa diferente de “chauvinista”. Homens pró-feministas
denunciam atributos masculinos tradicionais com o mesmo ardor que alguns liberais
brancos denunciam a “civilização europeia” e tudo que brota dela. Eles pedem desculpas,
como se representassem todos os “homens”, pelas opressões passadas, presentes e
futuras. Eles prestam tributo ritual à “ luta das mulheres por direitos, que tem uma história
longa e valorosa” [16]. Eles fazem questão de dizer “dele ou dela”, recusando-se a usar a
palavra “homem” (embora “mulher” ainda seja aceitável, por alguma razão) e babam como
os cães de Pavlov sempre que as “questões femininas” são mencionadas. A maioria faz
isso por razões puramente egoístas, ou por causa da falta de coragem discutida acima.
Alguns, no entanto, apresentam um ódio virulento contra sua própria masculinidade. Se eles
fossem homossexuais, seriam denunciados estridentemente por ódio a si mesmo pelos
intolerantes ativistas gays. Como Robert Bly explica:

[Homens feministas] apresentam a visão de que a masculinidade tradicional é autenticada


através da opressão das mulheres. A masculinidade para eles é essencialmente tóxica,
como um veneno.

Traços tradicionalmente masculinos, como a competitividade, selvageria e agressividade,


eles acreditam que brotam a partir da cultura, e não da herança genética. Uma vez que a
masculinidade é feita, também pode ser refeita. Eles querem um novo homem, e o querem
agora.

A maioria dos homens feministas odeiam o conceito de “masculinidade profunda”. O


escritor feminista Tim Beneke diz: “Não existe tal masculinidade profunda porque não existe
uma tal coisa como a masculinidade”. Tudo o que sai da alma masculina é, na sua opinião,
errado por natureza. [17]

Tais homens feministas têm muito em comum com os radicais de classe média que
ostensivamente renunciam a cultura burguesa que os sustenta e adotam falsas expressões
da classe trabalhadora. Na verdade, assim como as mulheres feministas, eles acreditam
que sabem “o que as mulheres querem” mais do que as próprias mulheres. A ideologia
feminista herda do marxismo a teoria da “falsa consciência”. Simplificando, essa é a noção
de que o trabalhador é oprimido, mesmo que ele não saiba disso ou seja ativamente hostil à
ideia. Essas lealdades que dão sentido a sua vida, como a uma igreja, a um regimento ou a
um time de futebol, são falsas lealdades, assim como seu senso de patriotismo e orgulho
em sua comunidade local. Parte do processo revolucionário é “desmitificá-lo”, de modo que
ele se torne consciente dessa opressão. Pois em termos marxistas, ele é definido por sua
relação com os meios de produção, e não com os seus semelhantes. Para as feministas, os
meios de produção são substituídos pelos meios de reprodução. A fidelidade de uma
mulher ao seu sexo vem antes dos seus gostos e preferências pessoais, suas crenças
religiosas ou morais e as relações que lhe dão sentido à vida. A ideologia feminista assume,
por exemplo, que uma mãe no Norte de Inglaterra vai estar mais interessada nas
“oportunidades para mulheres” do que no destino do seu marido desempregado (demitido
pelo declínio da produção) ou no destino dos seus filhos em um sistema de educação que é
cada vez mais anti-homem. O amor por seu marido e filhos é uma forma de “falsa
consciência”, que a impede de “fazer valer os seus direitos”.

Também herdada do marxismo é a ideia de uma luta subjacente. Para os marxistas, essa é
a luta econômica entre trabalhador e capitalista, a luta de classes, para as feministas, é uma
luta de sexos, ou “guerra dos sexos”, na qual o indivíduo é obrigado a tomar partido. E
assim como a luta de classes culmina na sociedade de classes marxista, então a “guerra
dos sexos” deve culminar na sociedade unissex. O unissexismo toma como ponto de
partida duas ideias. Primeiramente, ele insiste que as diferenças entre os sexos são
condicionadas culturalmente e não devem nada à biologia, que também é vista como uma
construção artificial. Em segundo, essas diferenças estão sempre erradas e devem ser
desafiadas e discriminadas. Seria um erro concluir que o unissexismo estava dando aos
homens e mulheres a liberdade de “serem eles mesmos” e expressarem suas verdadeiras
naturezas como indivíduos. Pelo contrário, ele procura impor a ambos os sexos um
imperativo revolucionário de mudança. Espera-se que os homens peçam desculpas,
reconheçam e reprimam sua “agressividade”, e que as fêmeas derrubem os “estereótipos
de gênero”. Como em programas políticos marxistas, o Estado é visto como o agente de
mudança e a educação como um meio de doutrinar os jovens. Sendo assim, o Estado tem o
dever de fazer cumprir os preceitos unissexistas, para garantir que as mulheres sejam
incentivadas, ou obrigadas, a executar as mesmas funções sociais dos homens. Quando
isso não acontece, uma “ação positiva” deve ser tomada, porque a revolução foi traída. A
mulher casada que fica em casa é uma contra-revolucionária. Ela e seu marido devem ser
penalizados financeiramente pelo Estado, até que ela faça a escolha politicamente correta.
É por isso que a discriminação institucionalizada contra a dona-de-casa tem sido constituída
na política de governo da Grã-Bretanha, a conclusão lógica de anos de mudança
direcionada pelo estado. Em matéria de imposto, o subsídio do casal foi substituído por um
“crédito fiscal de famílias trabalhadoras”; família trabalhadora é definida como aquela na
qual os dois parceiros trabalham . Mães solteiras de baixa renda, por sua vez, são
obrigadas a procurar trabalho fora de casa. Isso significa que uma mãe que deixa seus
próprios filhos e é paga para tratar de outro assunto, é considerada uma cidadã melhor do
que aquela que permanece com sua prole.

A política social feminista não desencoraja a mãe solteira, por causa da pobreza relativa – e
a falta de oportunidade – que isso tende a causar. Pelo contrário, ela é apresentada como
uma dentre as muitas “opções de estilo de vida”, juntamente com coabitação, monogamia
em série e maternidade lésbica. Todas essas opções são moralmente equivalentes, mas
algumas são mais equivalentes do que outras. A mais equivalente de todas são aquelas
que demonstram que as mulheres podem viver independentemente dos homens, mesmo
que essa independência seja artificial e conduza a uma forma de casamento forçado para o
estado, ou a dependência de um empregador de alguma fábrica exploradora. Assim, na
verdadeira forma de língua bifurcada do pseudo-liberalismo moderno, é politicamente
correto descartar casamentos tradicionais como reacionários, mas é incorreto ao extremo
criticar a inseminação artificial nas mulheres solteiras.

Devido aos interesses da igualdade social concebida, as feministas e seus apoiantes são
obcecados em eliminar os redutos masculinos, que variam entre profissões e organizações
profissionais, como clubes de trabalhadores e cavalheiros ou clubes desportivos. Os
métodos abrangem chantagem emocional para recorrer aos tribunais, invocação das leis
“anti-discriminação” e recusa de fundos públicos. A destruição das organizações masculinas
é considerada um objetivo ético por direito, mais importante do que as verdadeiras
aspirações femininas [18]. Na Inglaterra e no País de Gales, por exemplo, foi estabelecida
uma “meta de recrutamento” no Corpo de Bombeiros de quinze por cento por cento a mais
de mulheres, por motivos puramente ideológicos. O mesmo relatório governamental admitiu
a contragosto que o Corpo de Bombeiros era eficiente, bem projetado e mais confiável do
que qualquer outro órgão público, mas em seguida o atacou por seu etos “masculino” e
“cultura militarista”. Da mesma forma, as Forças Armadas estão sendo cada vez mais
forçadas a levarem em conta as preocupações feministas na sua política de recrutamento,
formação e estrutura disciplinar. O Ministério da Defesa tem uma “Unidade de Gênero”; o
próprio título implica um profundo viés ideológico. Sua causa inclui áreas de expansão da
“integração de gênero” e pressão para que as mulheres sejam enviadas à linha de frente.
Eficiência operacional não tem nada a ver com qualquer uma dessas considerações. Pelo
contrário, é subordinada ao dogma da “igualdade”, de modo que as próprias estruturas e
tradições que têm se formado por coesão são deliberadamente prejudicadas. As seguintes
recomendações, emitidas pela indústria anti-discriminação para um governo complacente,
bem expressam as demandas crescentes para a feminização:

A Comissão de Igualdade de Oportunidades insiste que deve ser mais fácil para as
mulheres entrarem nos Serviços. O Exército deve recrutar mais delas para uma ampla
gama de postos, disse Julie Mellor, a presidente da comissão.

“Nós acreditamos que as Forças Armadas estão perdendo muitas recrutas em potencial de
boa qualidade.

Iniciativas de formação para equipar mulheres para trabalharem em empregos


tradicionalmente realizados por homens ajudaria a aumentar o número de mulheres
solicitadas.”

A comissão diz que a cultura dentro dos Serviços deve mudar, de modo que a postura em
relação às mulheres, especialmente aquelas com filhos, não as impeçam de procurar
emprego. [19]

Os Estados Unidos fornecem evidências de que a “integração de gênero” é impopular nas


Forças Armadas, e torna-se uma fonte de indisciplina e litígio. Ali, o processo de
feminização avançou muito mais do que na Grã-Bretanha, na medida em que os direitos do
grupo são rotineiramente colocados acima das necessidades de uma força de combate.
Isso torna essa feminização um modelo para as feministas britânicas, que abominam as
culturas dos homens bem sucedidas mais do que repudiam a “violência masculina”. A
administração politicamente correta das Forças Armadas dos EUA é personificada pela
tenente-general Claudia Kennedy, a mulher oficial de patente mais elevada apelidada de
“General favorito da Hillary Clinton” e o centro de um intenso “caso de assédio sexual”.
Criticada por sua pretensa proximidade com o Partido Democrata, a General Kennedy é
lembrada por anunciar aos cadetes de West Point em voz de falsete: “Este não é o Exército
em que seus pais se alistaram” [20].

Nos dois lados do Atlântico, as Forças Armadas são usadas cada vez mais como um
laboratório social, cujo objetivo dos experimentos é provar para toda a sociedade que os
papéis tradicionais dos sexos podem ser transformados ou revertidos. Ao contrário de uma
experiência científica genuína, há pouco esforço na objetividade. A resposta para o fracasso
é não abandonar o projeto, mas retornar a ele com fervor renovado para concluir que mais
“oportunidades iguais de formação” ou mais decretos “anti-discriminação” são obrigatórios.
Na vida civil, bem como nas Forças Armadas, o feminismo unissex busca a educação como
a chave para o “progresso”. Educação, neste contexto, não significa a busca pelo
conhecimento, mas técnicas de propaganda que trazem à memória os regimes comunistas
da Europa Oriental e China sob o “grupo dos Quatro”. Entre elas estão a censura de livros
infantis tradicionais e muito amados por suposto sexismo, juntamente com outros
fantasmas, tais como “racismo”, “imperialismo” e “militarismo”. Mais proativas – uma palavra
adorada pelos engenheiros sociais – são as classes de educação social. Elas propagam
doutrinas “anti-sexistas” e outros lemas politicamente corretos, como se fossem verdades e
outras visões de mundo jamais pudessem existir. A educação sexual, também, é cada vez
mais apresentada em termos de funções corporais cruas em vez de uma escolha moral
complexa, com crianças de ambos os sexos sendo ensinadas a “encenarem” e em alguns
casos a experimentarem. Essas crianças são incentivadas a questionar os valores dos pais
se eles forem conservadores, mas se os pais forem permissivos, o hedonismo é
considerado além da crítica.

Tais métodos são justificados nos termos da promoção da prática de sexo seguro ou
prevenção da gravidez na adolescência. Essas afirmações são desmentidas pelas
estatísticas, as quais mostram que a gravidez continua aumentando em meninas com
menos de dezesseis anos, juntamente com uma epidemia de doenças sexualmente
transmissíveis entre os jovens em geral. Parece que o objetivo principal da “educação
sexual” não é informar e promover o debate livre, mas sim eliminar as barreiras de discrição
e restrição entre machos e fêmeas, juntamente com a civilização, cortesia e confiança
mútua que elas geram. Há também o propósito de acabar com a família “patriarcal”, porque
ela é a criadora da “desigualdade”. Pais britânicos não podem retirar seus filhos da
educação pessoal e social, mesmo quando se trata de um veículo de propaganda, mas
podem retirá-los da instrução religiosa. Os professores que se opõem à religião nas escolas
e desejam banir a oração nas manhãs, também tendem a ser os mais fortes defensores da
educação “anti-machista” e “anti-racista” e instrução do sexo “livre de valores” – não livre
de valores ao todo, mas muito mais “crítico” do que censura tradicional. A sala de aula não
é lugar para considerar qualquer coisa transcendente, mas pode e deve ser usada para
“falar sobre as questões de gênero” ou “eliminar o sexismo”.

Nos Estados Unidos, onde a escola pública é rigidamente secular, a intervenção feminista
no currículo é comum e vem despertando uma antipatia profunda. Asseguradamente,
talvez, as feministas americanas parecem ter um talento especial para revelar seus instintos
totalitários e se exporem ao ridículo. Alice Rossi, por exemplo, recomendou que os passeios
escolares ou excursões de campo fossem restringidos, por medo de que “ao sair para a
comunidade, os jovens pudessem observar homens e mulheres em seus papéis
ocupacionais presentes. No final de 1970, o [ex-] Departamento de Saúde, Educação e
Bem-Estar criticou os livros infantis por indícios de “sexismo”. A intenção era que os livros
destinados a crianças refletissem a realidade “não como era, mas como vai ser”. Demandas
persistem por livros escolares “unissex”, mostrando nitidamente homens e mulheres em
cargos idênticos, ou melhor ainda, em papéis invertidos. Enquanto isso, a comentarista
feminista Judith Bardwick descreve a hostilidade das crianças a tais tentativas de lavagem
cerebral como uma “reação anti-feminista”:
Outra fonte de resistência às metas feministas é o conservadorismo das crianças. Elas
parecem ser muito resistentes à mudança de ideias sobre o que os sexos devem ser e
fazer [21].

O “conservadorismo das crianças”, que Bardwick condena, surge de um senso de liberdade


instintivo e culturalmente herdado, e um desprezo por aqueles que usam posições de
confiança para impor ideologias alienígenas. Para as feministas, é mais uma prova da falsa
consciência, exigindo mais unissexismo para combater as indesejáveis “influências”
provenientes do lar, da sociedade ou dos estudantes que pensam por conta própria. O
imperativo revolucionário unissexistas de destruir estereótipos tradicionais significa que,
tanto para mulheres e homens jovens, a preferência por esses estereótipos não é uma mera
opção. Se assumirmos que os meninos brincam com soldados e as meninas com bonecas
simplesmente sem nenhum condicionamento, e que tal “condicionamento” é sempre uma
coisa ruim, então segue-se que as meninas devem ser obrigadas a brincar com os soldados
e os meninos com bonecas. Se levarmos em conta que há uma guerra dos sexos, na qual
os valores masculinos são inerentemente opressivos, segue-se que os homens jovens
devem ser obrigados se conformarem com os valores identificados como ‘femininos’. Um
bom exemplo dessa abordagem é encontrado em um relatório sobre o futuro das atividades
ao ar livre publicado na Grã-Bretanha no início de 1980, que apesar (ou talvez por causa)
de terem um fundo totalmente masculino, é descaradamente insolente das associações
“tradicionalmente masculinas” de atividades ao ar livre. Essas atividades não são mais
vistas como hobbies a serem apreciadas, mas como um meio de encaixar as crianças em
moldes unissex:

Isso pode implicar em um desvio dos modelos masculinos prevalentes de atividades ao ar


livre. No entanto, pode haver ganhos substanciais, não apenas ao capacitar e encorajar os
jovens a participarem mais prontamente, mas também para os homens jovens
experimentarem uma forma diferente de viver e se comportar. Meninos e meninas podem
se tornar mais conscientes das capacidades uns dos outros.

Mesmo esse nível de atenção na concepção das experiências ao ar livre, pode não ser o
suficiente para incentivar algumas jovens mulheres a participarem. A resposta apropriada
pode ser a de fornecer uma experiência ao ar livre totalmente feminina [22].

Como sempre acontece nos programas unissexistas, alguns são mais iguais do que outros.
Não há menção de uma provisão do mesmo sexo para os homens jovens que se
beneficiam mais assim ou acham isso preferível a atividades mistas. Além disso, os rapazes
são obrigados a ‘experimentar uma forma diferente de viver’, já que atividades privadas são
transformadas em veículos de mudança social. Um dos resultados de tais tentativas de
politizar atividades ao ar livre tem sido o de criar uma nação de jovens sedentários. A
alienação de rapazes das atividades que lhes permitem expressar positivamente sua
masculinidade e aprender com homens mais velhos, fez o comportamento anti-social
parecer mais atraente. A tentativa de domesticar os homens, assim como a tentativa
marxista de banir os instintos competitivos, tem fracassado enormemente. Enquanto isso,
as atividades ao ar livre de único sexo tornam-se cada vez mais um privilégio, para aqueles
que podem pagar ou que têm pais em casa, parentes homens por perto ou inspiradores
amigos mais velhos.

O feminismo, especialmente quando expresso através de programas unissexistas, tem


muito em comum com o marxismo dogmático. É baseado em uma visão abstrata das
mulheres e dos homens, que nega suas escolhas e suas próprias naturezas. Ele tenta, com
resultados desastrosos, transformar a natureza humana através da força do Estado. Assim
como o marxismo repudia as distinções de classe, o feminismo nega o valor das diferenças
entre os sexos, exceto quando essas diferenças podem ser usadas para vantagens
feministas. Feministas e marxistas igualmente repudiam distinções entre vida pública e
privada, e não estabelecem limites ao poder de intervenção do Estado. Ambos são
ofendidos e procuram destruir aquelas instituições que operam com sucesso sobre
princípios opostos aos deles: hierarquia, diferença, associações totalmente masculinas, ou
ocasionalmente associações de mulheres de natureza não-feminista [23]. No entanto, as
implicações totalitárias da ideologia feminista não precisam ser associadas exclusivamente
à esquerda. Pode ser mais instrutivo ver no feminismo uma mutação da tradição marxista,
ao invés de um desenvolvimento lógico do mesmo. Neste sentido, apresenta uma
semelhança notável com o totalitarismo.

Notas:

[1] As críticas ao feminismo vinda de mulheres têm uma variedade de origens políticas. Na Grã-Bretanha, elas incluem Erin Pizzey e Melanie Phillips, que

começaram suas carreiras na esquerda política e ainda se identificam com uma tradição “progressista”. Nos Estados Unidos, a mulher anti-feminista mais

proeminente provavelmente é Phyllis Schlafly, uma comentarista conservadora que ajudou firmemente a evitar a “Emenda dos Direitos Iguais” no início de

1980, porque colocava a igualdade antes da liberdade. Mais recentemente, Christina Hoff Sommers se opôs ao dogma feminista a partir de uma perspectiva

muito diferente. Como vimos no Capítulo 1, ela se considera como um “feminista de equidade”, em oposição a uma “feminista de gênero”.
[2] ‘Civilização Ocidental’ era um curso frequentado pela maioria dos estudantes universitários americanos até tempos recentes. Isso está sendo substituído

cada vez mais pelos cursos de ‘estudos culturais’ que são em grande parte um ataque à cultura, ocidental ou não.

[3] William Blake, O Abstrato Humano.

[4] É importante notar que a “cultura ocidental” é descrita por esses ideólogos como se fosse uma estrutura monolítica, em vez de uma série de círculos que se

interceptam. Ironicamente, eles ecoam falsas generalizações ocidentais sobre a África , o Oriente ou Islã.

[5] Na Grã-Bretanha, o movimento em prol da educação “abrangente” e a expansão das universidades reflete um padrão semelhante de pensamento, e teve as

mesmas consequências sociais.

[6] David Riesman, Nathan Glazer e Reuel Denney, A Multidão Solitária: Um Estudo da Mudança do Caráter Americano (Garden City, NY: Anchor Books

Doubleday, edição de 1953), p. 93

[7] Uma suposição paralela aos direitos de grupo, e possivelmente relacionado a isso, é a ideia de que uma empresa tem a condição de uma pessoa na lei, e

por isso são concedidos direitos e proteções tradicionalmente dados aos indivíduos. Esse conceito de corporação como pessoa é mais plenamente

desenvolvido sob a lei americana, e é nos Estados Unidos que a ideia dos direitos de grupo tem sido politicamente mais penetrante.

[8] Essas denúncias operam numa base de “igualdade de oportunidades”, contra oponentes de qualquer origem étnica, sexo ou orientação sexual.

[9] As ‘listas de candidatas’ aprovadas pelo Partido Trabalhista Britânico antes das eleições de 1997 são um exemplo clássico, assim como é a ideia de que

cinquenta por cento dos delegados do Estado às convenções partidárias automaticamente devem ser mulheres.

[10] A “libertação Gay”é agora ritualmente designada como “libertação lésbica e gay”, invariavelmente nessa ordem. É cada vez mais um desdobramento da

ideologia e elaboração das políticas feministas, com as demandas de seus participantes masculinos subordinadas às metas feministas. Mas isso é assunto

para uma outra discussão.

[11] Mérito Comparável: Feminismo Rumo ao Socialismo, Comentário, vol. 74, n° 3 (Setembro de 1984), p. 13-19; capítulo ‘Mérito Comparável’ em Feminismo

e Liberdade (New Brunswick, NJ: Livros de Transações, 1987), p.137-142

[12] Erin Pizzey fundou o primeiro abrigo para mulheres agredidas na Grã-Bretanha. Seu pecado, aos olhos de feministas, foi examinar as complexidades em

torno da violência doméstica, e assim ajudar mulheres e homens reais, em vez de aceitar uma linha ideológica que desafiava sua experiência.
[13] É importante notar aqui que Marx nunca se considerou um “marxista”, e de fato se opôs a esse rótulo.

[14] Engels, citado em Contra o Estado: Estudos em Sedição e Rebelião de Janet Coleman (Londres: Livros da BBC, 1990), p. 187

[15] Citado em Quem Roubou o Feminismo? Como Mulheres Traíram Mulheres de Christina Hoff Sommers (Nova York: Livros Touchstone, 1995), p. 256-7

[16] Robert Bly, A Sociedade Entre Irmãos (Londres: Hamish Hamilton, 1996), p.175

[17] Bly, op. cit., p. 175

[18] O caráter universal da propaganda unissexista é evidenciado pela seguinte carta no The Daily Telegraph, um jornal quase notoriamente conservador,

publicada em 27 de Outubro de 2000. Trata-se de tentativas de forçar o Carlton Club, associado com o Partido Conservador, de aceitar mulheres como

membros titulares, embora oitenta por cento das senhoras associadas pretendiam manter o status quo:

Sir - O problema com as mulheres como Yvonne Clifford, que estão perfeitamente “contentes com o jeito que as coisas são” no Carlton Club, desfrutamo direito

de pagar meia subscrição de membros associados aos homens, é que elas dão um prejuízo enorme para as mulheres que desejam ser tratadas como iguais.

É muito fácil ser considerada aceitável em um papel inferior. Mulheres em clubes de golfe de têm feito isso por quase um século, pagando uma assinatura mais

baixa e depois sendo confrontadas com partidas limitadas, sem direito a voto e um bar de homem.

"Damas" em conluio.Mulheres que têm um melhor senso de sua própria identidade e se afirmam. Liz Kahn, Barnet, Herts

Nota-se a hipótese de que essas senhoras têm um dever para com seu sexo, definido pelas feministas. Seus desejos expressos, já que entram em conflito com

os objetivos feministas, podem ser anulados ditatorialmente. Note também que a senhorita Kahn usa “dama” como um termo abusivo (como 'traidora da

classe’) e que ela faz a suposição totalitária de que clubes privados são propriedades públicas.

[19] ‘Mulheres Obtêm a Convocatória’, Daily Telegraph, Londres, 25 de outubro de 2000

[20] Para uma história cheia de pressões feministas sobre as Forças Armadas dos EUA e seus efeitos negativos sobre a disciplina e a moral dos homens, ver

Mulheres nas Forças Armadas: Flertando com o Desastre, de Brian Mitchell (Washington, DC: Regnery Publishing, Inc., 1998).
De “Liberalismo Autoritário: A Política da Língua Bifurcada”; Capítulo Três
Traduzido por Trebaruna em 25/01/2013

Você também pode gostar