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Zonas de crise na geoplítica mundial

Marco António Martins

As duas Coreias: zona crítica tiva a projecção da diplomacia pública, da ima-


gem para a arena internacional, sobretudo para
e pela defesa da prevenção de conflitos na re-
gião, mantendo com Pyongyang a cooperação
de tensão internacional a Coreia do Sul e EUA, de uma liderança política nos sectores militar, educação, científico, tec-
com intuito de preparar não só a sucessão para nológico e desportivo.
o filho mais novo de Kim Jong-il, Kim Jong-un O Japão, embora defenda oficialmente a reu-
APÓS A REUNIFICAÇÃO DA ALEMANHA, as Em Agosto de 1948 forma-se a Coreia do Sul, (nasceu entre 1983 e 1985, teria estudado, sob nificação, teme o fortalecimento militar da
duas Coreias permanecem os únicos países após eleições gerais supervisionadas pela Or- um pseudónimo de Pak Un, ou na Escola In- Coreia dotada de capacidade de dissuasão
da arena internacional divididos pelo Paralelo ganização das Nações Unidas, tendo a Coreia ternacional de Berna ou na Escola Alemã Stei- nuclear; daí que pretenda alargar o seu papel
38 N, composto por uma zona desmilitarizada do Norte recusado a via de democratização, o nholzli em Liebefeld, na Suíça, nos anos 90), político-militar na região por considerar que a
(DMZ) cuja largura é de 4 km para uma exten- que leva ao eclodir da Guerra da Coreia por como também uma adaptação às mudanças estabilidade e a manutenção da paz entre as
são de 250 km. De lado a lado um milhão de reivindicarem a soberania da península. inevitáveis do tempo e à gestação de uma nova Coreias influenciam directamente os seus in-
soldados vigiam ininterruptamente a fronteira ordem mundial. teresses. Assim, Tóquio opta simultaneamente
no quadro da prevenção de incidentes que O processo de reunificação: Apesar da aparente continuidade das linhas- pelo reforço estratégico das relações Tóquio-
poderiam colocar em risco não só a região do a sunshine policy de-força da política norte-coreana, em Julho
Nordeste Asiático como também a estabilidade Quanto ao processo de reunificação pacífica, de 2000, em Pyongyang, Kim Jong-il reúne-se SINOPSE CRONOLÓGICA
mundial. A importância geoestratégica marca- existem duas vias. A Coreia do Norte propõe com o seu homólogo sul-coreano Kim Dae- 1945: divisão da Coreia ao longo do Paralelo
se pelo estreito da Coreia que controla parte uma aproximação no quadro político no qual jung (1924-2009, presidente de 1997 a 2003) 38N, a norte (influência soviética), a sul (es-
do acesso ao oceano Pacífico além de estabe- procura a constituição da República Federal da – tendo este último recebido pelo esforço do fera norte-americana).
lecer uma ponte de ligação entre o triângulo Coreia incumbida de duas pastas em matéria processo de paz e reunificação o prémio Nobel 25 de Julho de 1950: início da Guerra da
República Popular da China, Japão e Rússia. de política externa e de segurança, como a da Paz nesse ano – delineando um gesto de re- Coreia.
diplomática e a da defesa nacional, permane- conciliação sob o desígnio da sunshine policy. 27 de Julho de 1953: assinatura do armistício,
que cria a zona desmilitarizada (DMZ).
Contexto histórico cendo os assuntos internos enquadrados nos A sunshine policy visa a diminuição progressi-
24 de Setembro de 1991: adesão das duas
Numa perspectiva histórica das relações inter- governos socialista a norte e capitalista a sul. A va das tensões pela promoção de reencontros
Coreias à ONU.
nacionais, importa sublinhar a existência de Coreia do Sul defende uma aproximação fun- de famílias separadas, de excursões turísticas 29 de Janeiro de 2002: o presidente dos EUA
três teses quanto à guerra da Coreia (25 de Ju- cionalista alicerçada na promoção das trocas ao Monte Kumgang (costa leste da Coreia do George W. Bush inclui a Coreia do Sul nos
nho de 1950 - 27 de Julho de 1953): a tradicio- intercoreanas nos domínios não políticos para Norte), de eventos culturais e desportivos, e ao países do Eixo do Mal.
nalista tem por fundamento o ataque norte-co- estabelecer o princípio de confiança mútua, estabelecimento de empresas sul-coreanas em 10 de Abril de 2003: a Coreia do Norte aban-
reano através do acordo secreto soviético por tendo em perspectiva a possibilidade de se território norte-coreano que levaram à criação dona o Tratado de Não-Proliferação Nuclear.
Joseph Estaline (1878-1953), considerado o chegar a acordo quanto a questões de índole de três zonas económicas especiais: Sinuiju, 05 de Julho de 2006: lançamento de múlti-
instigador, e pelo dirigente norte-coreano Kim militar e política até à proclamação de uma Re- junto à fronteira com a China, é considerada plos mísseis balísticos pela Coreia do Norte.
09 de Outubro de 2006: ensaio nuclear da
Il-sung (1912-1994), com a cumplicidade de pública da Coreia. como uma zona internacional financeira, co-
Coreia do Norte.
Mao Zedong (1893-1976). A leitura do apoio mercial e industrial; Kaesong, a setenta e dois
14 de Outubro de 2006: Resolução 1718 do
à decisão do ataque baseia-se em impressio- quilómetros de Seul a norte da DMZ, constituí- Conselho de Segurança das Nações que con-
nar a administração norte-americana de Harry Apesar de aparente, a do como um complexo comercial e de turismo dena o ensaio nuclear.
Truman (1884-1972, presidente de 1945-1953) China, o Japão e a Rússia com hotéis, golfe, centros comerciais, uni- 13 de Fevereiro de 2007: as seis partes che-
no tocante à capacidade militar soviética; a não demonstram interesse dades fabris e residenciais; monte Kumgang, gam a acordo quanto ao desmantelamento
revisionista consiste em explicar que a guerra como enclave turístico. das instalações nucleares, incluindo o reac-
efectivo na reunificação das
adveio na sequência de uma provocação mili- Apesar de aparente, a China, o Japão e a Rús- tor Yongbyon.
duas Coreias. 05 de Abril de 2009: a Coreia do Norte lança
tar da Coreia do Sul sob a ordem do general sia não demonstram interesse efectivo na
o míssil de longo alcance Taepodong-2.
Douglas MacArthur (1880-1964); a terceira tese reunificação das duas Coreias. Para a Rússia, a
25 de Maio de 2009: a Coreia do Norte proce-
pretende encontrar justificações nas clivagens O campo ideológico da Coreia do Norte tem emergência de uma Coreia reunificada a médio
de a ensaio nuclear subterrâneo.
político-ideológicas entre os dirigentes políti- por base o cruzamento entre marxismo-leni- prazo na região significaria o surgimento de um 12 de Junho de 2009: Resolução 1874 do
cos e as classes sociais coreanas que levariam nismo e a defesa da revolução proletária e do Estado politicamente nacionalista cuja capaci- Conselho de Segurança que condena o en-
ao despoletar de uma guerra civil. Segundo homem como guia da revolução. Da intersec- dade militar se reveria reforçada além da dina- saio nuclear e reafirma as sanções.
os arquivos tornados públicos pelo Kremlin, a ção de ambas, nasce a ideologia oficial Juche mização económica que levaria ao desapareci- 12 de Maio de 2010: a Coreia do Norte reivin-
Guerra da Coreia fora projectada por Kim Il- (marxismo-leninismo kimilsonguismo) do Par- mento dos Estados-tampão da Coreia do Norte dica o sucesso da fusão nuclear.
sung com o apoio de Estaline. tido dos Trabalhadores da Coreia do Norte, que e, para a China e Japão, da Coreia do Sul. A re- 26 de Maio de 2010: afundamento da corveta
de guerra sul-coreana Cheonan.
Os EUA propõem a divisão da Coreia em que defende uma posição de independência e de aproximação de Moscovo-Pyongyang baseia-se
07 de Julho de 2010: a Coreia do Norte anun-
uma parte ficaria sob a sua influência e outra na auto-suficiência económica. Nas duas últimas no apaziguamento das tensões regionais pela
cia o reforço do seu arsenal nuclear.
esfera soviética, utilizando como ponte de refe- revisões da Constituição, 1998 e 2009, os ter- aproximação diplomática para impedir o de- 09 de Julho de 2010: o Conselho de Segu-
rência a linha de demarcação Paralelo 38 para mos “marxista”, “leninista” e “comunismo” não senvolvimento de armas de destruição maciça. rança condena o afundamento da corveta
facilitar o desarmamento das tropas japonesas se encontram mencionados, apesar de se veri- Por seu turno, a China continua a manter a sua Cheonan.
estacionadas no território. Tal divisão acaba por ficar uma leitura do reforço do papel de Kim postura de equilíbrio e de manutenção da paz, 10 de Julho de 2010: a Coreia do Norte anun-
levar à separação efectiva da Coreia em duas Jong-il enquanto filho do líder Kim Il-sung. A quer regionalmente, quer internacionalmente cia a intenção de retomar as negociações
“irmãs inimigas” que persiste até à actualidade. presente revisão da Constituição tem por tenta- pelo reforço das suas relações de cooperação quanto ao desarmamento nuclear.
JANUS 2011-2012 2.13

Seul-Pyongyang e incremento da cooperação gyang decide nesse mês retirar-se do diálogo a Fevereiro de 2007 quanto ao desmantelamento energético equivalente a 1 milhão de toneladas
com a ONU e AIEA. seis partes (duas Coreias, China, Rússia, Japão e das instalações nucleares, incluindo o reactor de petróleo por ano além do levantamento das
No caso dos EUA, a posição assumida por Ba- EUA), o que coloca em causa o acordo de 13 de Yongbyon, e a obtenção em troca do apoio sanções comerciais impostas pelos EUA e o des-
rack Obama (1961, presidente desde 20 de Ja- congelamento de verbas no Banco Delta Asia.
neiro de 2009) tem por objectivo o estabeleci- 0 50 100 A Coreia do Norte opta pela continuidade do
Milho Arroz
mento de um sistema de cooperação nas áreas 3 km programa nuclear, tendo efectuado um ensaio
económicas e de segurança, por entender que nuclear subterrâneo a 25 de Maio de 2009 que
a península coreana representa a base de apoio 2 se sentiria no Japão e o qual viria a ser objecto
RÚSSIA
estratégico norte-americano na região Ásia-Pa- CHINA de condenação. Recorde-se que a 9 de Outu-
cífico. Respeitante ao desenvolvimento da via 1 bro de 2006 já tinha efectuado um ensaio
Musan
diplomática, as opções estratégicas do governo Najin nuclear subterrâneo. Praticamente um ano
0
de Seul visam a aliança, a manutenção do equi- depois, a 27 de Fevereiro de 2010, as seis par-
1982 1988 1994 2000 Chongjin
líbrio regional e a segurança multilateral. tes encontram-se aparentemente preparadas
Coreia do Norte: queda da NANAM
No caso das duas Coreias, a interligação dos produção agrícola. para prosseguir a ronda de negociações que
(milhões de toneladas p/ano) Hyesan
actores estratégicos encontra-se nos campos levam à desnuclearização da Coreia do Norte
Jian Manpo
históricos e políticos, derivado da proximidade e à estabilidade regional; só que pouco tempo
geopolítica das principais potências regionais KANGGYE depois, a 9 de Julho, o Conselho de Segurança
como sendo os casos do Japão e da China. Na Kimchaek condenaria, sem se referir à Coreia do Norte, o
COREIA DO NORTE
esfera-de-influência norte-americana localizam- afundamento da corveta de guerra sul-coreana
Dandong KUMCHANGNI SIMPO
se o Japão e a Coreia do Sul, enquanto a China Hongwon
Cheonan no mar Amarelo no dia 26 de Maio
Sinuiju TAECHON
liga-se com a Coreia do Norte. No quadro do YONGBYON Hamhung
de 2010. Seul elabora um relatório no qual
KUSONG
desenvolvimento de resolução de conflitos ou PAKCHON Hungnam População das aglomerações conclui que a corveta fora atingida por um
Chongju
de manutenção do equilíbrio regional, as alian- Anju 11.000.000 torpedo lançado pelo seu vizinho. Este ataque
SUNCHON
ças e contra-alianças basear-se-ão nos interes- 4.000.000 surge na sequência da reivindicação por parte
Wonsan 2.500.000
ses comuns político-ideológicos. 1.000.000 500.000 de Pyongyang do sucesso da fusão nuclear a 12
Pyongyang
de Maio. A posição do Conselho de Segurança
Nampo
A questão nuclear é a da urgência de a Coreia do Norte retomar
PYONGSAN
Sariwon Pyonggang
Três anos após a adesão simultânea das duas o diálogo a seis partes para manter a paz na
Changyon
Coreias à Organização das Nações Unidas Haeju Chorwon região. A 7 de Junho, Pyongyang anuncia a con-
(ONU) a 17 de Setembro de 1991, o líder his- Kaesong tinuidade do reforço do arsenal nuclear, mas
Chunchon
Kangnung
tórico norte-coreano morre no dia 8 de Julho Uijongbu a 10 de Julho revela a intenção de retomar as
Seul ULJIN
de 1994, abrindo a sucessão para o seu filho Wonju negociações quanto ao desarmamento nuclear.
Inchon
Kim Jong-il que, perante o núcleo duro do Suwon As posições ora divergentes ora convergentes
Partido dos Trabalhadores da Coreia, fez prova Osan COREIA prendem-se com a sucessão e com a penúria
Pyontaek DO SUL
em prosseguir não só a luta contra o “gigante Chonan
alimentar. Pyongyang procura apoio interna-
imperialista americano”, como também de se Chongju Andong cional para fazer face à situação dramática hu-
subtrair a partir de 10 de Abril de 2003 às obri- Taejon manitária e, nesse quadro, desde Maio de 2001
CHEJU (Coreia do Sul)
WOLSONG
gações do Tratado de Não-Proliferação Nuclear. IRI tem relações diplomáticas junto da União Eu-
Pohang
Pyongyang decide abandonar a Agência Inter- Kunsan Taegu ropeia. Refira-se que o ministro para a Unifica-
nacional da Energia Atómica (AIEA), estabe- Chonju Ulsan ção sul-coreano, Hyun In-taek, considera que
lecida em 29 de Julho de 1957. A posição do YONGGWANG a reunificação significa o surgimento de uma
KORI
director-geral Yukiya Amano da AIEA revela Kwangju
economia avançada e de um sistema político
MASAN Pusan
preocupação, visto não possuir desde 15 de Kwangyang
estável que contribuiriam para a paz global. ■
Mokpo
Abril de 2009 inspectores no terreno que pos- Yosu

sam reportar o progresso nuclear, alertando Referências bibliográficas


para a sensibilidade do assunto e da urgência
Indústria agro-alimentar CORDONNIER, Isabelle; TERTRAIS, Bruno – L’Asie
da desnuclearização. O mesmo sublinha que o Nucléaire. Paris: IFRI, 2001.
Eixos principais de comunicação Instalações nucleares: reactores,
KAPUR, Ashok – Regional Security Structures in Asia.
país se encontra sob a obrigação imposta pelas Estradas secundárias
centros de investigação militares e civis,
London, New York: Routledge Curzon, 2003.
transformação de urânio
Resoluções do Conselho de Segurança da ONU Passagens encerradas MCDOUGALL, Derek – The International Politics of the
Zonas francas
New Asia Pacific. Singapore: ISEAS, 1997.
1718 (2006) e 1874 (2009), devendo actuar em Portos principais
Regiões de acesso interdito ao Programa OBERDOFER, Don – The Two Koreas. London: Little
acordo com a AIEA e com o Tratado de Não-Pro- Base do exército de terra (EUA) Alimentar Mundial (PAM) Brown, 1998.
Base aérea (EUA) Regiões em que o PAM procedeu a uma
liferação Nuclear. A ausência de observadores distribuição de alimentos em larga escala
Efectivos de bases americanas Internet
da AIEA resulta do lançamento do míssil de lon- (um quadrado = 1.000) Grandes regiões industriais Gateway to Korea in [http://www.korea.net].
go alcance (6.700 km) Taepodong-2, que teria Korean Central News Agency in [http://www.kcna.co.jp].
As duas Coreias. Fonte: AAVV — Atlas da Globalização. Le Monde Diplomatique. Lisboa: Campo da Korea is One in [http://www.korea-is-one.org].
sobrevoado o Japão a 5 de Abril de 2009. Pyon- Comunicação. 2.ª ed., 2003, p. 161. Ministry of Reunification in [http://www.unikorea.go.kr].

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