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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

MESTRADO EM LINGUÍSTICA
DISCURSOS NA MÍDIA: DO ÓDIO AO AFETO – VISÃO
SEMIOLINGUÍSTICA
Aluno: Beatriz Bezerra Carvalho Maia.
Texto: CHARAUDEAU, Patrick. Reflexões para a análise da violência verbal. Revista
do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo, v. 15, n. 3,
p. 443-476, set./dez. 2019.

O texto propõe a observação do discurso ordinário para, dos termos veiculados pela
linguagem, estabelecer conceitos e categorias, evitando essencializações. Inicialmente,
contrapõe-se violência e agressão. A primeira designa um estado global marcado por
força e potência de diversas ações, o sujeito que a sofre é considerado uma vítima, a
segunda designa um ato singular e concreto, ataque físico ou psicológico que implica
um agressor e um agredido.
Também não se confundem as relações de dominação e de poder com a
violência. A relação de força está para a construção da identidade do indivíduo, o modo
como o indivíduo se alinha ou se opõe contra o outro, podendo ser, a depender do
momento, uma interação igualitária, hierárquica, de solidariedade ou outros tipos de
força. As relações de dominação “são um dos meios de realizar a relação de forças
correspondente ao desejo de submeter, controlar o outro, obter dele algo contra sua
vontade”(p.446). Assim, a violência não é uma finalidade e não se deve esquecer que a
relação de dominação e seus meios podem inverter a relação de força quando em um
combate.
A violência verbal vem de um ato de linguagem e , diferentemente da violência
física, o sentido e o impacto deste ato dependem da interpretação do receptor. Esta
violência precisa da reação de alguém que sentirá, avaliará e julgará o ato de linguagem.
Assim, esta funciona em relação de alteridade e o outro só é vítima quando se considera
vítima.
O autor também diferencia termos (em francês) semanticamente próximos que
denunciam violências: Insulto/ofensa como orientado para um alvo que é denegrido.
Jurar como dirigido não diretamente ao interlocutor, mas como um ato pulsional de
liberação da raiva. Injuriar/ofender como uma imprecação contra alguém, contra seu
pertencimento a um grupo. Ultraje como aquilo que atinge a honra, algo de valor
simbólico: um título, uma função, um comportamento, um objeto. Blasfêmia que “tem
como alvo um poder superior sagrado”. Difamação que atinge a reputação e a calúnia
que é da mesma ordem, mas implica que a acusação é mentirosa. Invectiva que indica
fortes divergências e transforma os debates em polêmica. Deste grande número de
termos não se pode escolher um como genérico para indicar uma agressão verbal.
Uma vez que a violência verbal depende da interpretação do outro, nem sempre
a agressão se dá por meio de insultos e insultos não necessariamente implicam uma
agressão, sendo “sempre pelo emprego que o valor ofensivo ou afetivo pode ser
avaliado”.(p.452) Entretanto, há palavras cuja carga semântica negativa impede que
sejam utilizadas com efeito positivo de maneira fácil.
Assim, também se torna difícil avaliar a força de insulto visto que a violência
verbal, como todo ato de linguagem, depende do conjunto de condições de sua
produção, ou seja, da situação de comunicação, implicando conhecer a identidade dos
interlocutores, o contrato de comunicação, como este é posto em cena e do valor social
das palavras e fórmulas. Então, uma vez que buscam a submissão do outro, os atos de
linguagem considerados violentos estão relacionados as estratégias discursivas de
captação, sendo seu emprego resultado da escolha (calculada ou espontânea) do sujeito
falantes.
Neste ato de linguagem estão envolvidos “um locutor que insulta, o interlocutor
que o testemunha e o alvo que é insultado.”(p.455). O interlocutor e o alvo podem
coincidir. Desse modo, os efeitos do ato ofensivo são diferentes quando este ocorre em
um espaço privado e quando ocorre em um espaço público ou se o destinatário está
presente ou ausente.
Portanto, para analisar a violência verbal é necessário interrogar o status social
de quem fala e qual a relação de poder entre eles, como se dá a interação: o ato de
linguagem leva em conta, a identidade sexual, a faixa etária, a identidade nacional, e a
identidade psicológica dos indivíduos. O endereçamento pode se dar de vários modos:
diretamente ao tu-alvo com palavras ofensivas e desabonadoras. Indiretamente ao tu-
alvo com palavras não-ofensivas, mas desabonadoras. Indiretamente ao tu-alvo com
palavras não-ofensivas, desabonadoras. E, por fim, não endereçado ao interlocutor, mas
um terceiro-alvo com palavras ofensivas ou desabonadoras. Neste caso o alvo está
ausente e o interlocutor serve como testemunha ou é solicitado a ser cumplice.
A violência verbal está presente em diversas situações comunicativas. Dentre
elas, o discurso político a tem como parte constitutiva, ao estigmatizar o adversário. No
discurso de humor, o caráter violento é neutralizado pelo ato humorístico quando em
uma relação interpessoal. Quando em uma relação com o público, as declarações de teor
violento estão protegidas pelo contrato humorístico.
Para que exista assédio verbal, é necessário que haja uma repetição insistente de
falas, em caso em que o insulto é único, têm-se a agressão verbal. Além disso, é
necessário que o discurso escolha como alvo uma pessoal ou um grupo de pessoas. Os
discursos de propaganda (como o discurso de ódio, negacionismo ou de exclusão) são
muito semelhantes ao assédio, porém não se dirigem a um público diverso.
A agressão e a violência acarretam diversas respostas, sendo elas:
 O retorno, devolver o insulto de modo direto ou indireto, invertendo a
relação de forças.
 A neutralização que neutraliza a injúria e ridiculariza o seu locutor por
meio do humor ou da reivindicação do qualicativo.
 A conivência, ou seja, a instauração de uma comunidade de pensamento
do locutor com o interlocutor ao se atacar um terceiro ausente.
 A paranoia quando não se pode “imputar ao locutor a intenção de insultar
o interlocutor”, tal intenção insultando o locutor.
Em vista da diversidade de efeitos, empregos e situações em que a violência verbal
ocorre, é difícil estabelecer motivos e objetivos para a ocorrência deste ato de fala.
Além disso, este, além do valor negativo, também pode abrir espaços para discussão e
melhoramento da sociedade, além de construir, em parte, discursos de contrapoder.
Deve-se, por tanto estar atento a todas as condições que circundam a ocorrência deste
ato de fala.

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