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O QUE FOI APRESENTADO NO GT 23 DA ANPED EM 2017:

ESTUDO DE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE GÊNERO,


SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO

WHAT WAS PRESENTED IN GT 23 OF THE ANPED IN 2017:


BIBLIOGRAPHIC REVIEW ON GENDER, SEXUALITY AND
EDUCATION

QUÉ FUE PRESENTADO EN EL GT 23 DE LA ANPED EN 2017:


ESTUDIO DE REVISIÓN BIBLIOGRÁFICA SOBRE GÉNERO,
SEXUALIDAD Y EDUCACIÓN

Isabela Lia Vaccari1


Andreza Marques de Castro Leão2

Resumo: O objetivo deste trabalho foi a elaboração de uma revisão bibliográfica em relação à temática do gênero
e sexualidade na educação. Nosso corpus foram os trabalhos apresentados na 38ª Reunião Anual da ANPED,
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especificamente em seu Grupo de Trabalho 23. Através da análise dos dados ficou evidente o crescimento dos
movimentos políticos ultraconservadores e sua grande influência no ensino. Além disso, o cenário político atual
somado à falta de formação docente para se pensar as questões de gênero e sexualidade contribuem para a
propagação de estereótipos e intolerâncias de gênero e de sexualidade.
Palavras-chave: Gênero. Sexualidade. Educação. Revisão Bibliográfica. ANPED.

Abstract: The objective of this work was the elaboration of a bibliographic review in relation to the theme of
gender and sexuality in education. Our corpus was the articles presented at the 38th Annual Meeting of ANPED,
specifically in its Working Group 23. Through analysis of the data, it was evident the growth of ultraconservative
political movements and their great influence in education. Furthermore, the current political scenario coupled
with the lack of teacher training to think about gender and sexuality issues contribute to the propagation of
stereotypes and intolerances of gender and sexuality.
Keywords: Gender. Sexuality. Education. Bibliographic Review. ANPED.

Resumen: El objetivo de este trabajo fue la elaboración de una revisión bibliográfica en relación a la temática del
género y sexualidad en la educación. Nuestro corpus fueron los trabajos presentados en la 38ª Reunión Anual de
la ANPED, específicamente en su Grupo de Trabajo (GT) 23. A través del análisis de los datos quedó evidente el
crecimiento de los movimientos políticos ultraconservadores y su gran influencia en la enseñanza. Además, el
escenario político actual sumado a la falta de formación docente para pensar las cuestiones de género y sexualidad
contribuyen a la propagación de estereotipos e intolerancias de género y de sexualidad.
Palabras-clave: Género. Sexualidad. Educación. Revisión Bibliográfica. ANPED.

Envio 19/06/2018 Revisão 20/06/2018 Aceite 12/07/2018

1
Licencianda em Letras. UNESP/Araraquara. E-mail: isabelalia.ilv@gmail.com
2
Doutora em Educação Escolar. UNESP/Araraquara. E-mail: andreza_leao@yahoo.com.br

Rev. Bras. de Iniciação Científica (RBIC), Itapetininga, v. 5, n.4, p. 86-105, jul./set., 2018.
Introdução

Os estudos de gênero e sexualidade buscam compreender, discutir e problematizar que


as normas e diferenças de comportamento entre as pessoas de gêneros e orientações sexuais
diversas são produzidas por variadas instâncias sociais. A diferença é o que marca e reduz o
indivíduo ou grupos de indivíduos que pertencem a ela e pensar por essa perspectiva possibilita
colocar os aspectos aparentemente banais e naturais em questão, compreender que tanto a
normalidade quanto a diferença são social e culturalmente produzidas como tais, e que muitas
vezes isso nos passa despercebido. Todos nós participamos deste processo de produção, de
forma mais ativa ou passiva, sofrendo-os ou impondo-os, a nós mesmos e aos outros. Refletir
sobre este processo e nossa participação neles – tanto na escola, como professores, quanto em
qualquer outro espaço – é fazer uma discussão política (Meyer, 2013).

Neste sentido, como professores temos o dever e a responsabilidade de auxiliar na


deseducação destes comportamentos estereotipadores e machistas, possibilitando a criação de 87
uma sociedade justa e equânime. Para tal, trazer essas discussões para o campo político
promovendo pesquisas na perspectiva de gênero e sexualidade na educação é uma ferramenta
poderosa que temos em mãos.

O professor, ao lidar com a educação sexual, lida também com valores familiares e
modos de conduta que podem parecer, à primeira vista, estranhos ao lado de outros que nos
parecem desejáveis e corretos. Levando em conta que nossa sociedade comporta uma grande
diversidade em relação à origem, poder aquisitivo, convicções religiosas, convicções políticas
e padrões de organização familiar, cabe-nos questionar: existem modelos válidos para oferecer
às alunas e alunos? Quais critérios devem ser utilizados para fornecer as informações? Existem
parâmetros morais ou comportamentais válidos para todas as tentativas de realizar uma
educação sexual? A imposição de qualquer valor dogmático na escola confundiria as finalidades
da orientação sexual, tornando-a um mecanismo de repressão sexual. É necessário que o tema
seja abordado pelos professores, mas é fundamental que eles saibam aceitar e conviver com a
diferença, a diversidade de condutas, valores, crenças e convicções que caracterizam diferentes
grupos sociais (Reis; Ribeiro, 2005).

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Essas informações fornecidas pelos educadores quanto à sexualidade, e a forma como
eles lidam com as perguntas de seus alunos e com situações vivenciadas dentro da sala de aula
devem também mostrar preocupação no que diz respeito às questões de gênero e as
estereotipias, visto que o professor é visto como um exemplo, especialmente pelas crianças
mais jovens. De acordo com Vieira (2013), as ideias aprendidas na escola e, raramente,
questionadas, sobre o que é suposto ser-se ou fazer-se enquanto membro de um sexo ou de
outro, costumam ser reforçadas pelos agentes socializadores junto das crianças pequenas, em
contextos como a família e a escola, podendo interferir nos trajetos individuais de meninos e
meninas, nas fases subsequentes do desenvolvimento.

Com efeito, o poder normativo das crenças associadas ao gênero tem probabilidade de
arrastar consigo penalidades para as pessoas de todos os gêneros, fato que poderá constituir um
obstáculo real à liberdade individual para aprender a tomar decisões, para a escolha de áreas de
estudo e de domínios profissionais, para a iniciativa de participação cívica e política na
comunidade, ou ainda para assunção autônoma de responsabilidades ao nível familiar, quer seja 88
no cuidado a dependentes, quer no que concerne às rotinas típicas da domesticidade (Vieira,
2013).

Com o intuito de contribuir para a historiografia da temática gênero e sexualidade na


educação, este estudo teve como objetivo organizar e sistematizar as produções do Grupo de
Trabalho GT23 denominado “Gênero, sexualidade e educação” da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), apresentados na 38ª Reunião Anual, que
aconteceu entre os dias 01 e 05 de outubro de 2017, na cidade de São Luís, em Maranhão.

A escolha da ANPED como corpus deste trabalho se deve por conta de sua importância
para as pesquisas de Pós-Graduação em educação no Brasil, apresentando trabalhos nacionais
e internacionais que contribuem para a divulgação do conhecimento produzido em diferentes
temáticas. Em relação à escolha do GT23, esta se deve pelo fato de ser o grupo responsabilizado
pelas pesquisas com as temáticas escolhidas para este trabalho de conclusão.

Ademais, a escolha por se avaliar apenas esta reunião anual, considerando-se que o
GT23 teve sua criação em 2003, se deveu a questão de tempo, não sendo possível prolongar
esta pesquisa por ter consistido em um trabalho de conclusão de curso. Escolhemos os trabalhos

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da última reunião por acreditarmos que eles poderiam nos mostrar quais os caminhos que as
pesquisas no tema estão seguindo, principalmente em relação ao nosso atual cenário político,
em que muitos grupos fundamentalistas e conservadores vêm brigando pela retirada dos temas
do âmbito escolar.

Objetivos

Nesta pesquisa pretendeu-se analisar quais foram as últimas contribuições e resultados


de pesquisas sobre a temática de gênero e sexualidade na educação. Portanto seu objetivo
pautou-se em organizar uma revisão bibliográfica das pesquisas sobre Gênero, Sexualidade e
Educação a partir da análise dos trabalhos do Grupo de Trabalho 23 (GT 23), denominado
Gênero, Sexualidade e Educação, divulgados e apresentados na reunião nacional do ano de
2017. Para tal, realizamos o levantamento, mapeamento, seleção e análise da produção
encontrada, a partir da Análise de Conteúdo de Bardin (1977). A partir desta análise, tivemos
como intuito fornecer informações a respeito do que se tem produzido em educação na área de
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sexualidade e gênero, com o intuito de orientar possíveis caminhos para futuras pesquisas.

Metodologia
Caracteriza-se esta pesquisa como qualitativa de abordagem exploratória através da
elaboração de uma revisão bibliográfica, que de acordo com Lüdke e André (1986): é um ato
de investigar e buscar informações sobre determinado assunto por meio de um levantamento
realizado em bases de dados, e seu objeto é a detecção do que existe de produção de uma
determinada área de conhecimento. Este trabalho pode ser classificado como qualitativa por se
enquadrar nas características descritas por Lüdke e André (1986): na pesquisa qualitativa os
dados coletados são predominantemente descritivos; a preocupação com o processo é maior
que com o produto.

O estudo foi compreendido por análise dos trabalhos apresentados no Grupo de


Trabalho 23 (GT 23), na reunião nacional de 2017 (38ª Reunião). Foram divulgados um total
21 trabalhos, que foram analisados de maneira que pudéssemos conhecer o material e identificar
os pontos relevantes para esta pesquisa.

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Para o mapeamento dos trabalhos apresentados, examinamos todos os textos publicados
na página da internet da 38ª reunião, que os disponibiliza em arquivos pdf, classificados de
acordo com o grupo ao qual pertencem.

A leitura de todas as 21 publicações foi feita na íntegra, buscando a anotação de pontos


relevantes, bem como a realização de um fichamento com os seguintes aspectos de cada
trabalho:

Título do Tralho;

Identificação da autoria;

Identificação da metodologia utilizada;

Identificação da instituição a que pertencem o/a autor/a;

Identificação das palavras-chave.

Para análise dos resultados, utilizamos a metodologia de análise de conteúdo (BARDIN,


90
1977), criando categorias e subcategorias. A análise de conteúdo aparece como um conjunto de
técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens (Bardin, 1977, p. 38).

Os dados obtidos através do levantamento dos trabalhos divulgados pelo GT 23 foram


analisados por meio de uma categorização, baseada na Análise de Conteúdo Temática, que, de
acordo com Bardin (1977), é um conjunto de técnicas de análises que envolve procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das mensagens, permitindo inferir a
respeito dos conhecimentos relativos as condições de produção/recepção destas mensagens.
Esta análise é uma técnica de categorias, segundo agrupamentos analógicos, o que permite
identificar núcleos de sentido que integram a comunicação e a inferência de categorias e
subcategorias, o que possibilita uma análise de “significados”.

Produções

Nesta etapa buscamos realizar uma análise descritiva dos trabalhos apresentados na 38ª
Reunião Nacional, no ano de 2017, especificamente aqueles desenvolvidos no GT 23. A seguir
temos uma relação dos 21 trabalhos apresentados.

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Quadro 01 – Produções da 38ª Reunião Nacional (2017) – GT 23
Nº Título Autor/es Tipo de Universidad Palavras-chave
Metodologia e
01 OS EFEITOS DO PÂNICO Carolina Qualitativa/ UFPR Pânico moral;
MORAL SOBRE O Langnor Entrevistas/ transexualidade;
MOVIMENTO Mapeamento interseccionalidade
FEMINISTA: ECOS EM audiográfico ; teoria queer;
DIREÇÃO À AGENDA feminismo radical
CONSERVADORA
02 DA IMPORTÂNCIA DE Tiago Qualitativa/ UFMS Ideologia de
RIR COM INÊS BRASIL: Duque Análise de gênero; pânico
EDUCAÇÃO, PÂNICO artefato cultural moral; educação
MORAL E “IDEOLOGIA
DE GÊNERO”
03 O ATAQUE À DISCUSSÃO Marcos Qualitativa/ UFRJ Currículo; Escola
DE GÊNERO NA ESCOLA, Vinicius Estudos sem partido;
CONSTRUÇÃO Pereira Culturais Gênero; Identidade
IDENTITÁRIA E A Monteiro
IMPORTÂNCIA DA
LIBERDADE DOCENTE
04 O CORPO “FALA” Marcielly Qualitativo/ UFPR Corpo; Gênero;
POLITICAMENTE: AS Cristina Análise de Ocupação;
PERFORMATIVIDADES
DAS/NAS OCUPAÇÕES
Moresco performatividade
s
Performatividade
Política 91
SECUNDARISTAS DO
PARANÁ
05 PEDAGOGIAS Roney Qualitativo/ UFJF Ideologia de
RELIGIOSAS NO Polato de Análise de gênero; discursos
COMBATE À “IDEOLOGIA Castro discurso/ Análise religiosos-cristãos;
DE GÊNERO”: EFEITOS documental/ educação.
DE SABER-PODER- Grupo foca/
VERDADE Entrevistas
06 AS DIVERSIDADES Lisiane Qualitativo/ IFFar; Educação, Estado
SEXUAIS NA ESCOLA: Goettems; Análise de UNIJU; Laico, diversidade
(IN)JUNÇÕES Maria discurso em IFFar sexual, formação
DISCURSIVAS ENTRE A Simone imagem e discursiva,
RELIGIÃO E O ESTADO Vione linguagem religião.
LAICO Schwengber
; Rudião
Rafael
Wisniewski
07 IMPACTOS DA Jasmine Qualitativa/ UFPR Políticas
‘IDEOLOGIA DE Moreira Análise educacionais.
GÊNERO’ NA GERAÇÃO documental Ideologia de
DE POLÍTICAS gênero. LGBT.
EDUCACIONAIS PARA A PNE 2014
POPULAÇÃO LGBT
08 AMOR, CUIDADO E Renata Qualitativa/ UNISINOS; Gênero, Trabalho
COMPETÊNCIA: UM Porcher Análise UNISINOS Docente,
OLHAR DE GÊNERO Scherer; documental/ Profissionalização
SOBRE A Maria Grupo Focal
PROFISSIONALIZAÇÃO Cláudia
DO TRABALHO Dal`Igna
DOCENTE

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09 DOCÊNCIAS TRANS: Dayana Qualitativa/ UFPR Docência-decente.
ENTRE A DECÊNCIA E A Brunetto Entrevistas/ Gênero.
ABJEÇÃO Carlin dos Carta- Sexualidade.
Santos Cartográfica Biopolítica.
Política.
Cartografia.
Professoras trans
10 CORPOS ESCALPELADOS Edwana Qualitativa/ UFPA Corpo e escola;
NA ESCOLA: ENTRE Nauar de Análise de Escalpelamento;
MARCAS FÍSICAS, Almeida narrativas Corpo; Escola;
SOCIAIS E ESCOLARES autobiográficas Corpos na
Amazônia
11 “COISAS DE MENINOS E Francisca Qualitativa/ UFPB; Gênero e
COISAS DE MENINAS”: A Jocineide da Análise de TCCs UFPB Diversidade na
PRODUÇÃO DO CURSO Costa e Escola. Educação
GÊNERO E DIVERSIDADE Silva; Infantil. Produção
NA ESCOLA SOBRE Adenilda científica
EDUCAÇÃO INFANTIL Bertoldo
Alves de
Morais
12 BARBIE, MAX STEEL E Angélica Qualitativa/ UFSC Criança; Consumo;
OS HERÓIS QUE ESTÃO Silvana Observação de Pedagogias de
EM VOCÊ: CONSUMO E Pereira evento Gênero;
PEDAGOGIAS DE Subjetivação
GÊNERO NA PRODUÇÃO
DA CRIANÇA EM
92
TEMPOS DE
(IN)TOLERÂNCIA
13 EXPERIÊNCIAS DE Renata Qualitativa/ UFMT; Educação Infantil.
IDENTIDADES DE Aparecida Observação, UFMT Relações de
GÊNERO: CORPO Carbone entrevista gênero. Brincar
BRINCANTE EM Mizusaki; semiestruturada e
ESPAÇOS Cleomar registros
INSTITUCIONAIS – Ferreira fotográficos
ENTRE BRINQUEDOS, Gomes
BRINCADEIRAS E
OUTRAS HABITAÇÕES
LÚDICAS
14 GÊNERO, SEXUALIDADE Fernando Qualitativa/ UFRJ; UFRB Gênero;
E ENVELHECIMENTO: Altair Pesquisa Sexualidade;
UMA ABORDAGEM PÓS- Pocahy; bibliográfica Envelhecimento;
CRÍTICA NA EDUCAÇÃO Priscila Educação;
Gomes Pedagogias
Dornelles Culturais
15 EDUCAÇÃO PARA Adriane Qualitativa/ UFPA Educação, América
MULHERES NA AMÉRICA Raquel Análise textual/ Latina, Nísia
LATINA: UMA ANÁLISE Santana de História cultural/ Floresta, Soledad
DECOLONIAL DOS Lima Historia Acosta de Samper
ESCRITOS DE NÍSIA comparada e Decolonialidade
FLORESTA E SOLEDAD
ACOSTA DE SAMPER
16 A PRODUÇÃO Joyce Qualitativa/ UFPA Brinquedo de
GENERIFICADA DO Ribeiro Etnografia miriti. Cultura de
BRINQUEDO DE MIRITI: gênero. Feminismo
ESPAÇO PARA O RE- pós-colonial.

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EXISTIR POR MEIO DA Pedagogia
PEDAGOGIA decolonial
DECOLONIAL
17 DECIFRA-ME! NÃO ME Sirlene Qualitativa/ USP, UFMA Gênero.
DEVORE! GÊNERO E Mota Análise de Sexualidade. Curso
SEXUALIDADE NAS Pinheiro da narrativas/ Gênero e
TRAMAS DAS Silva História Oral/ Diversidade na
LEMBRANÇAS Entrevistas Escola
18 A CULTURA DO FITNESS Caterine de Qualitativa/ UNIJUÍ Posição de sujeito;
NOS MEMES: UMA Moura Análise de mulheres; redes
PERFORMANCE DE Brachtvogel artefato cultural sociais digitais
GÊNERO – ENTRE
TRADIÇÃO E INOVAÇÃO
19 AS DISTÂNCIAS SOCIAIS Felipe Qualitativa/ UFJF; PUC Distância social;
ENTRE ESCOLA E Bastos Aplicação de Diversidade
SUJEITOS questionários sexual; Escola;
HOMOSSEXUAIS E SUA Homofobia;
INTERFERÊNCIA NA Preconceito
PERCEPÇÃO DE
HOMOFOBIA
20 AUTORREPRESENTAÇÕE Paulo Qualitativa/ UFRJ; UFRJ Decolonialidade;
* S E SUBALTERNIDADES: Melgaço da Entrevistas ou prática
FAMILÍAS, Silva Junior; questionários/ pedagógica;
RACIALIDADES E
MASCULINIDADES NA
Ana
Ivenicki
Pesquisa-ação Cotidiano Escolar
93
ESCOLA
21 POLÍTICAS PARA Eunice Léa Qualitativa/ UFPA; UFPA Política, mulheres,
MULHERES E OS de Moraes; Análise institucionalidade,
DESAFIOS DA Lucia Isabel documental igualdade, gênero
INSTITUCIONALIDADE Conceição
da Silva
Fonte: Das autoras.

* O trabalho número 20 foi disponibilizado no site apenas com seu resumo e palavras-chave, e não foi encontrado
em outra fonte. Isto prejudicou sua análise, pois não conseguimos definir exatamente qual foi a metodologia
utilizada (embora os autores citem que adolescentes foram interrogados).

Observamos uma grande variedade de metodologias, porém todas se enquadram na


modalidade qualitativa. Entre as metodologias encontramos aplicação de questionários,
entrevistas, análises documentais, análises de artefatos culturais, análises do discurso,
cartografia, pesquisa-ação, história oral, etc. A seguir discorreremos brevemente sobre cada
trabalho e seus resultados.
O trabalho nº 1 (Efeitos do pânico moral sobre o movimento feminista: ecos em
direção à agenda conservadora) pretendeu mostrar resultados alcançados através de
entrevistas com estudantes universitárias feministas, com o intuito de identificar como o
feminismo da atualidade tem se configurado nos espaços institucionais do ensino superior. A

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autora buscou realizar um mapeamento “audiográfico”, procurando sinalizar onde as vozes do
feminismo radical atual encontram locais nas teorizações feministas. Ao analisar as entrevistas,
a pesquisadora observou que entre os grupos entrevistados houve um crescimento de rachas
entre as estudantes que em um primeiro momento se identificavam como feministas liberais
e/ou interseccionais e que, posteriormente, passaram a aderir a grupos com vertentes radicais.
A autora conclui que essa migração entre as vertentes, que produz novas pautas, mas também
segrega e exclui pautas defendidas anteriormente, evidencia uma aproximação com as agendas
conservadoras que são produzidas no escopo da política do pânico moral, que se configura
através de disputas sobre os valores sexuais e condutas eróticas de um grupo social, e que surge
de forma intensa e perigosa partir de uma desestabilização política em um determinado
momento histórico.
O trabalho nº 2 (Da importância de rir com Inês Brasil: educação, pânico moral e
“ideologia de gênero”) traz uma análise da atriz, cantora e compositora Inês Brasil como
artefato cultural, ou seja, uma produção midiática construída culturalmente, que cria, reproduz
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e divulga diversos significados. Neste sentido, a personagem se torna uma ferramenta para se
pensar a questão de gênero, sexualidade e educação no contexto atual de pânico moral que
ronda das escolas brasileiras, e, neste trabalho, especificamente em Campo Grande (MS). A
pesquisa trabalha com os aspectos educacionais da cidade no que diz respeito ao Projeto de Lei
(PL) 8242/16 (conhecida por “Escola sem Partido), considerando-se as tentativas de aprovação
da lei no município. A pesquisa chega à conclusão que o fato de Inês Brasil estar tão presente
no cotidiano dos jovens, em forma de “memes” da internet, nos mostra a importância destas
figuras inteligíveis e risíveis para se pensar as questões de diferenças de gênero e sexualidade.
O trabalho nº 3 (O ataque à discussão de gênero na escola, construção identitária e
a importância da liberdade docente) trabalha com os recentes debates a respeito da inserção
de temas como sexualidade e gênero no cotidiano escolar, bem como nos currículos. O autor
cita as políticas públicas pensadas para essas questões, e propostas de lei como o Escola sem
Partido. A conclusão da pesquisa, que consiste em um estudo cultural, é de que vivemos em um
desequilíbrio de poderes, e que os estudiosos, ativistas, educadores e políticos que prezam por
uma educação que respeita as diferenças e reforça os direitos humanos estão perdendo espaço.
Para isto, o autor afirma que os professores têm papel fundamental para uma implementação de

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ensino que potencialize essas identidades com diferentes crenças e valores, na tentativa de
erradicar a discriminação.
O trabalho nº 4 (O corpo “fala” politicamente: as performatividades das/nas
ocupações secundaristas do Paraná) traz uma reflexão acerca das ocupações secundaristas
ocorridas no ano de 2016 no Paraná sob o aspecto de performatividade política de Judith Butler.
Para a autora, essas ocupações demonstraram que a política e a educação estão permeadas
dentro de um espectro de ações, e estas são formas de produzir subjetividades,
performatividades políticas, corporalidades e alianças. Ela conclui que essa configuração revela
nos corpos a verdade das sexualidades dos sujeitos, ou seja, a sexualidade deixa de ser privada
e passa a ser política e pública.
O trabalho nº 5 (Pedagogias religiosas no combate à “ideologia de gênero”: efeitos
de saber-poder-verdade) traz uma análise sobre o debate público a respeito do gênero e
sexualidade como conteúdo escolar, levando em conta as questões religiosas ligadas a esse
debate. O pesquisador acompanhou o desenvolvimento de uma disciplina do curso de
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Pedagogia de uma universidade pública federal, cujo foco eram as discussões das relações de
gênero, sexualidades e educação, e analisou narrativas de estudantes elaboradas em diários de
bordo. Em um segundo momento, o autor aplicou questionários e desenvolveu grupos focais
com docentes de escolas públicas, a fim de problematizar a presença das religiões no espaço
público e a perspectiva fundamentalista sobre as políticas e práticas sociais. O autor, em suas
análises, entende que são diversas inseguranças e tensões que permeiam o tratamento de temas
como a sexualidade e gênero nas instituições escolares, especialmente por conta do
embaralhamento entre valores da educação familiar e os preconizados pelos projetos políticos
pedagógicos das escolas. Ele conclui afirmando que as pesquisas em educação podem
contribuir para fomentar o debate e produzir novos olhares sobre essas disputas, e que os
movimentos de pesquisa devem acompanhar e monitorar a discursividade propagada pelas
instituições religiosas, problematizando suas pedagogias. Por fim, afirma que diante dos
constantes investimentos dos/as idealizadores/as da “ideologia de gênero” em campanhas
contra as discussões de gênero e sexualidade nas escolas, faz-se importante insistir nas
abordagens das diversidades sexuais e de gênero, a partir dos estudos das relações de gênero e
sexualidades contemporâneos, em todos os espaços educativos.

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O trabalho nº 6 (As diversidades sexuais na escola: (in)junções discursivas entre a
religião e o estado laico) buscou compreender como as formações discursivas acerca da
diversidade sexual circulam (ou não) na escola e como o tom religioso, por vezes, encontra
espaço na educação, em um Estado Laico. Os autores utilizaram como objeto de análise a
imagem (charge) de Carlos Henrique Latuff de Sousa, e a linguagem (narrativas escolares)
acerca do Kit anti-homofobia, que foi organizado pelo Ministério da Educação (MEC), os
decorrentes entraves que impediram sua circulação nas escolas, bem como, as formações
discursivas que suscitaram quando de seu lançamento no Congresso e, posteriormente, nos
demais ambientes sociais. O objetivo das análises foi compreender as aproximações e/ou
distanciamentos com o Estado Laico, a Constituição Federativa da República do Brasil (1988).
Os autores chegaram à conclusão de que a diversidade sexual na educação escolar ainda
apresenta suas emergências sombreadas, e que a percepção do Outro-diferente em vivência de
alteridade é marcada mais por formações discursivas pessoais – valores familiares –, do que
pela formação discursiva constitucional (laica).
96
O trabalho nº 7 (Impactos da ‘ideologia de gênero’ na geração de políticas
educacionais para a população LGBT) traz uma análise documental a fim evidenciar como
as articulações de grupos fundamentalistas religiosos e ultraconservadores tem prejudicado o
movimento LGBT no que diz respeito às políticas públicas para educação pensadas para sua
comunidade. Para a pesquisadora, tais articulações criam um estado de pânico moral,
mascarados pela defesa da moral e luta contra o conceito de “ideologia de gênero” por eles
criado. A autora conclui que é urgente a necessidade de se descontruir este discurso por meio
da pesquisa e da prática acadêmica, evitando sua interferência sobre a produção científica, as
políticas públicas educacionais e a vida da população LGBT.
O trabalho nº 8 (Amor, cuidado e competência: um olhar de gênero sobre a
profissionalização do trabalho docente) procurou examinar os modos de constituição do
trabalho docente, em atenção aqueles vinculados aos processos de feminização e de
profissionalização do magistério. Foram dois corpora: uma obra que toma como objeto o
magistério nas escolas de 1ºgrau, publicada em 1982, e parte do material produzidos em m
grupo focal realizado com estudantes e pedagogia em 2015. As pesquisadoras escolheram
materiais diferentes no sentido de analisar a historicidade e os significados relativos à
profissionalização do trabalho docente. Concluem que a literatura pedagógica brasileira

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produzida em 1980 inaugura um debate em prol da profissionalização do trabalho docente,
deslocando a feminização do magistério para a desgenerificação da docência. Por fim, as
autoras afirmam que é preciso seguir refletindo nas pesquisas sobre um deslocamento
identificado por nós da “feminização do magistério” para a “desgenerificação da docência”,
que constitui modos distintos de ser professora (amorosa, cuidadosa, competente, flexível...) e
produz condições laborais específicas para o trabalho docente no capitalismo cognitivo.
O trabalho nº 9 (Docências trans: entre a decência e a abjeção) buscou investigar as
condições de possibilidades de rompimento com a narrativa comum de que para ser professora
da Educação Básica, a professora trans deve se assumir como transexual, pois à travesti destina-
se somente a prostituição, as ruas, as pistas e o escândalo, desconfiando desses regimes de
saber-poder-verdade, e investigando como se instituiu uma docência-decente nas escolas. A
investigação sobre as experiências docentes de professoras trans se deu pela realização de seis
entrevistas, a respeito de suas práticas docentes, das regulações de corpos e condutas na escola
e das questões que contribuíram para que tais práticas fossem possíveis na contemporaneidade.
97
Tais entrevistas produziram narrativas sobre esses processos e constituíram uma carta-
cartográfica que se distancia da noção corrente de cartografia, pois se expressa por caminhos e
territórios incomuns e sempre em movimento. A pesquisadora conclui, a partir da análise das
cartas-cartográficas, que as atitudes docentes e as formas de se colocar no mundo como
professora trans são múltiplas e singulares, e que, diante disto, qualquer generalização é
perigosa.
O trabalho nº 10 (Corpos escalpelados na escola: entre marcas físicas, sociais e
escolares) procurou analisar os sentidos e significados que permeiam as ações pedagógicas
dos(as) professores(as) das escolas públicas que trabalham com meninas vítimas de
escalpelamento na Amazônia paraense ribeirinha. A metodologia da pesquisa consistiu em
narrativas autobiográficas, e os dados orais foram obtidos com professores de duas cidades no
Pará. As narrativas demonstraram que os sentidos que permeiam o agir docente estão baseadas
não apenas nos padrões, normas ou juízos de valor determinados pelo contexto sociocultural
adquiridos desde a infância, mas em juízos práticos que também levam em conta as suas
próprias emoções, dores, desejos, sentimentos, afetos e experiências para consubstanciar a sua
tomada de decisão interventiva. A pesquisadora conclui que os professores não levam em conta
nas suas práticas pedagógicas a realidade das meninas escalpeladas e os imbricamentos sociais,

Rev. Bras. de Iniciação Científica (RBIC), Itapetininga, v. 5, n.4, p. 86-105, jul./set., 2018.
culturais e históricos da dimensão corpórea. Com estas identidades quebradas por imagens
desfiguradas, os docentes tornam-se inábeis para lidar profissionalmente com os processos de
ensinar e aprender. A autora considera urgente que se trabalhe uma visão mais profissional sobre
tais questões ligadas ao corpo nos processos educativos, observando-se como esses corpos se
socializam, pensam e aprendem.
O trabalho nº 11 (“Coisas de meninos e coisas de meninas”: a produção do curso
gênero e diversidade na escola sobre educação infantil) analisou os trabalhos de conclusão
do curso de Especialização em Gênero e Diversidade na Escola, e teve como foco as relações
de gênero nas instituições de educação infantil em diversas cidades. No total foram onze
trabalhos analisados, observando-se os temas principais, referenciais teóricos, procedimentos
metodológicos, resultados e proposições quando apresentadas. Os resultados apontaram que as
práticas pedagógicas ainda são reprodutoras da cultura androcêntrica, desvalorizando atributos
femininos. Assim, crianças de dois a cinco anos são por vezes impedidas de vivenciarem a
diversidade das relações sociais em virtude do gênero.
98
O trabalho nº 12 (Barbie, Max Steel e os heróis que estão em você: consumo e
pedagogias de gênero na produção da criança em tempos de (in)tolerância) teve como
objetivo pensar sobre as práticas de consumo na produção da criança, problematizando as
maneiras pelas quais as identidades de gênero podem ser produzidas socioculturalmente. Para
isso, a autora observou um evento de divulgação da boneca Barbie e do super-herói Max Steel
realizado num shopping center de uma capital, tecendo algumas reflexões sobre a possibilidade
de tais brinquedos operarem como referência de gênero para um grande número de crianças
consumidoras desses artefatos. Para a pesquisadora, as práticas de consumo como processos de
subjetivação que im/exprimem modos de ser e de estar no mundo, apresentam de forma
sedutora, sutil e por vezes arbitrária, modelos e referenciais de ser menina, menino, bonito/a,
feio/a, esperto/a, inteligente etc. Nesse sentido, tanto a Barbie quanto o Max Steel penetram os
corpos das crianças das mais diversas maneiras, habitando-as. Para ela, o consumo destes
brinquedos potencializa os referenciais de gênero, de sexualidade, de beleza, de
comportamento, reforçando o sexismo, a heteronormatividade, o machismo, a homofobia e
outras formas de preconceito, como o etnocentrismo etc. Assim, os mesmos brinquedos que
oferecem variadas possibilidades de ‘fazer de conta’ e de brincar com a ‘realidade’, que atuam
como mediadores do conhecimento e como promotores do processo de socialização das

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crianças, interpelam adultos e crianças com modelos capazes de remontar os arquétipos
colonialistas enaltecedores de referências corporais brancas, heterossexuais e fortemente
marcadas por definições de gênero sexistas.
O trabalho nº 13 (Experiências de identidades de gênero: corpo brincante em
espaços institucionais – entre brinquedos, brincadeiras e outras habitações lúdicas) buscou
compreender os modos pelos quais as crianças constroem experiências de identidades de
gênero, em contexto institucional, especialmente durante as brincadeiras e jogos, através de
uma leitura de inspiração etnográfica, que utiliza a observação direta de pré-escolares (Pré-I e
Pré-II), a entrevista semiestruturada e o registro fotográfico como possibilitadores da
interpretação desse fenômeno. Como a pesquisa ainda está em andamento, não há resultados,
mas a autora afirma que sua investigação seja um canal claro de comunicação social da
audiência infantil potencializada enquanto sujeitos históricos, produtores de cultura e de
saberes, sujeitos de direitos e que os resultados construídos, juntos com as crianças sinalizem
outros encontros com a Educação e com a Pedagogia.
99
O trabalho nº 14 (Gênero, sexualidade e envelhecimento: uma abordagem pós-
crítica na educação) tem como objetivo problematizar o discurso de gênero, sexualidade e
envelhecimento a partir de uma abordagem pós-crítica na educação. Foi articulado pelos autores
a estudos interdisciplinares com o intuito de evidenciar o papel central da cultura na produção
de posições de sujeito interpelados desde o engendramento de marcadores sociais de diferença,
deslocando assim a velhice da tutela discursiva das biociências e/ou mesmo da gerontologia.
Como conclusão, os pesquisadores apontam para as possibilidades e as contribuições do campo
educacional para a temática, evidenciando a urgência de pactuações ético-estético-políticas para
a problematização do envelhecimento.
O trabalho nº 15 (Educação para mulheres na América Latina: uma análise
decolonial dos escritos de Nísia Floresta e Soledad Acosta de Samper) traz os resultados de
uma tese de doutoramento e teve como objetivo analisar a concepção de educação para as
mulheres presente nas obras de Nísia Floresta e Soledad Acosta, relacionando esta concepção
com os movimentos de independência e descolonização da América Latina. A pesquisa situa-
se, metodologicamente, nos pressupostos da história cultural e história comparada do
pensamento social latino-americano, servindo-se de fontes primarias e secundárias,
especialmente os escritos das autoras relacionados com o tema educacional. Os resultados

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revelam que as duas autoras colocam em debate a formação educacional das mulheres em
estreita relação com os movimentos políticos de descolonização do continente sul-americano.
O trabalho nº 16 (A produção generificada do brinquedo de miriti: espaço para o
reexistir por meio da pedagogia decolonial) buscou analisar como a produção generificada
do brinquedo de miriti foi produzida e reproduzida, a partir dos valores da cultura portuguesa
colocados em circulação durante os processos de colonização e descolonização do Brasil. Teve
como objetivo descrever a produção generificada e interpretá-la partir do aporte teórico do
feminismo pós-colonial. As informações foram produzidas durante dez meses de trabalho
etnográfico em dois ateliês de produção do brinquedo de miriti, tendo como interlocutores duas
famílias de artesãos do miriti. Os resultados informam que a produção generificada está
naturalizada nos ateliês e resulta da cultura de gênero produzida no processo de colonização do
Brasil e, em certa medida, reafirmada no processo de descolonização; seus efeitos no cotidiano
dos ateliês são o separatismo espacial, a hierarquia e a desigualdade entre os gêneros, que se
traduzem em desvantagens para as mulheres artesãs. A autora traz como conclusão a
100
necessidade de construção de espaços que movimentem uma pedagogia decolonial capaz de
promover a apropriação, o debate e a desnaturalização da cultura de gênero e seus danosos
efeitos, particularmente para as mulheres.
O trabalho nº 17 (Decifra-me! Não me devore! Gênero e sexualidade nas tramas das
lembranças) traz uma discussão construída a partir de uma pesquisa de doutorado cujo objetivo
foi analisar o lugar que ocupam as questões de gênero e de sexualidade na trajetória pessoal,
profissional e nas práticas escolares de docentes que realizaram o Curso Gênero e Diversidade
na Escola (GDE). A metodologia utilizada foi a História Oral de Vida e a História Oral
Temática. Para tal, foram entrevistadas quatro professoras e três professores egressos/as do
Curso. O recurso à obra de Pierre Bourdieu forneceu instrumentos para compreender a
construção e a constituição do habitus e das diversas modalidades de violência simbólica que
controlam o poder sobre os outros, incluindo-se a dominação masculina onipresente em nossa
sociedade. As narrativas assinalaram que vivemos uma transição no que se refere às relações
sociais de gênero e sobre as questões da sexualidade, que desnudam algumas ambivalências: a
influência da religiosidade e a ameaça do pecado e do castigo, a ruptura entre o permitido e o
proibido, a percepção e a distinção de papeis ditos masculinos e femininos, a dúvida e a
inconstância entre o certo e o errado.

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O trabalho nº 18 (A cultura do fitness nos memes: uma performance de gênero –
entre tradição e inovação) buscou compreender como os memes relacionados à cultura do
fitness posicionam os corpos de mulheres nas redes sociais digitais. Os memes utilizados na
pesquisa foram retirados das redes sociais digitais Facebook e Instagram, selecionados no
período de um ano, do mês de setembro de 2015 a setembro de 2016. Dos enunciados
discursivos dos memes a autora localizou que os elementos da cultura do fitness, como “efeitos
de verdades” posicionam numa determinada performance de gênero, ressignificando as
posições de mulheres, entre a tradição e a inovação, sendo estas mulheres princesas, mas
princesas ativas.
O trabalho nº 19 (As distâncias sociais entre escola e sujeitos homossexuais e sua
interferência na percepção de homofobia) teve como objetivo compreender os dados sobre a
percepção de homofobia por parte de sujeitos ligados à escola em relação às suas distâncias
sociais com indivíduos homossexuais, obtidos e disponibilizados pela pesquisa Preconceito e
Discriminação no Ambiente Escolar, realizada em 2009 pela FIPE. Foram aplicados
101
questionários para diretoras, professoras, funcionárias, alunas e responsáveis, a partir dos quais
foram desenvolvidas tabelas de referência cruzada entre distância social com pessoas
homossexuais e: (i) percepção de atitudes preconceituosas específicas contra pessoas
homossexuais; e (ii) características sociodemográficas. O autor observou a tendência em todas
as análises de que pessoas socialmente muito distantes de pessoas homossexuais enxergam
menos práticas de preconceito contra homossexuais quando comparados com estudantes
socialmente mais próximos de homossexuais.
O trabalho nº 20 (Autorrepresentações e subalternidades: famílias, racialidades e
masculinidades na escola) buscou interrogar estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental de
uma escola pública na periferia da Baixada Fluminense, estado do Rio de Janeiro, sobre suas
noções de família, gênero, sexualidade e racialidade. A partir dessas noções, buscou-se a
intersecção dos marcadores identitários para produzir uma análise sobre seus efeitos nas
expectativas performáticas em torno da racialidade negra e da(s) masculinidade(s). Para tanto,
os autores buscaram, nas abordagens metodológicas da pesquisa-ação, os elementos necessários
para produzir as informações que foram obtidas por meio de encontros semanais da disciplina
“Artes Visuais e Dança”, em 2015. Ao analisar os dados, influenciados pelos estudos de gênero,
sexualidade e racialidade, observaram que, a despeito de questionamentos acadêmico ativistas

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e das políticas públicas, as expectativas sobre família, racialidade e masculinidade são mediadas
pela configuração heteronormativa, complementar e assimétrica entre os gêneros que acaba por
orientar as performatividades sexuais e raciais dos/as estudantes.
O trabalho nº 21 (Políticas para mulheres e os desafios da institucionalidade)
apresenta uma reflexão sobre as relações de gênero e os processos de institucionalidade da
Política Nacional para as Mulheres, após a criação da Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres (SPM), em março de 2003. A reflexão teve como objeto os avanços e desafios
propostos nos dois primeiros Planos Nacionais de Políticas para Mulheres (PNPM /2003 –
2007; 2008 - 2011), tomando como base os pressupostos, princípios e diretrizes gerais dessa
política nacional, expressas em documentos oficiais do governo e refletindo também sobre o
protagonismo dos movimentos de mulheres como atores políticos importantes nos processos de
construção das políticas. Como conclusão as autoras afirmam que o grande desafio consiste no
enfrentamento no campo ideológico, político, econômico e financeiro à legitimação
hegemônica neoliberal, masculina, não negra e homofóbica na gestão pública, perpetuando a
102
cultura patriarcal envolta em sexismo, racismo e transfobias que ainda assola a sociedade
brasileira. Para elas, para que a institucionalidade da política para as mulheres avance e se
consolide como política pública de Estado, é preciso, para além de vontade política dos
governantes, planejamento, recursos e acompanhamento. O planejamento deve ser a partir do
diagnóstico (realidade) das demandas oriundas da base desse grande segmento populacional de
mulheres. Portanto, a consolidação da política para as mulheres, tal como política pública,
necessita ainda superar desafios para além dos avanços legais, que sozinhos não dão conta de
transformar as práticas ideológicas de comportamentos e atitudes discriminadoras seculares,
em políticas públicas de Estado compromissadas com a sociedade.

Análise dos dados obtidos

Após as leituras dos trabalhos do GT 23 apresentados na 38ª Reunião Anual, nossa


análise mostra uma gama de indicadores que originaram as categorias: pânico moral; literatura
e movimento feminista; gênero; currículo; e sexualidade, organizadas na tabela abaixo.

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Quadro 2 – Análise Temática dos trabalhos da 38ª Reunião Anual da ANPED
CATEGORIA SUBCATEGORIA NÚMERO

Efeitos sobre os movimentos sociais / Efeitos sobre as políticas 04


educacionais / Escola sem partido
Pânico moral
Reação ao rompimento de padrões normativos / Meios de oposição à 02
igualdade entre os corpos

Literatura e Vertente radical / Contribuições para a educação / Como Respaldo para se 03


pensar nos desequilíbrios nas relações sociais
movimento feminista

Distorção de ações educativas voltadas para a sexualidade e gênero 04


(Ideologia de gênero) / Impactos desta distorção na geração de políticas
educacionais
Performatividade política / Promoção de Políticas 02
Gênero
Desgenerificação da docência / Docência Trans 02

Reforço de Estereótipos (Prática docente / Brincadeiras e brinquedos / 07


Envelhecimento
Ferramenta opressora / Desigualdade 05

Currículo Construtor de identidades 01


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Sexualidade Como norteadora para a trajetória pessoal e profissional / Homofobia / 04
Transfobia

Fonte: Das autoras.

Existe um número considerável de trabalhos que traz à tona a questão do pânico moral
que ronda os ambientes políticos e educacionais do país, e como esse estado de pânico
influencia na educação, na formulação de leis e no conteúdo escolar. Ao todo, seis trabalhos
tratam deste cenário atual, que muito se associa aos fatores políticos do país. Nos últimos anos
instaurou-se um governo longe da laicidade que a Constituição Federal institui, os
representantes políticos dos partidos conservadores e de base religiosa sustentam um discurso
em defesa da “família tradicional” propagando misoginia, homofobia e intolerância às
discussões de gênero. No que tange a educação, umas das consequências desse Congresso
ultraconservador foi o movimento nacional que buscou retirar dos planos de ensino –
municipais, estaduais e do plano nacional de educação – as menções ao gênero e sexualidade,
movimento que ficou conhecido como movimento contra a “ideologia de gênero”. Os grupos
conservadores de variados matizes acabaram enxergando em qualquer abordagem de gênero a
temível “ideologia de gênero” e em seus documentos e falas podemos observar também uma

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centralidade no que diz respeito a identidade de gênero, tomada pelos autores desse movimento
como uma invenção de educadores progressistas/feministas no sentido de fazer crer que o
gênero é algo passível de escolha (Seffner, 2016).
Em relação ao gênero, especificamente, observamos uma variedade de abordagens para
o tema. Desde a visão de gêneros definidos pelo sexo biológico, quando se fala de transfobia
dentro de vertentes radicais do feminismo, ao fato de repensarmos a figura da mulher transexual
e suas possibilidades profissionais para além daquelas estereotipadas. O tema não surgiu apenas
no contexto escolar, mas em vários outros contextos, como eventos de lançamento de
brinquedos, aparato cultural da internet, políticas públicas, etc.
No que diz respeito ao contexto escolar, observamos a confirmação do que afirma Vieira
(2013) quando diz que as estereotipias de gênero e sexualidade são muitas vezes reforçadas
pelos professores. Esse reforço está presente no discurso dos docentes, em suas práticas
educacionais, na forma como desenvolvem as brincadeiras na educação infantil, etc. Neste
sentido, o professor torna-se, por ser uma referência para os alunos, uma fonte reforçadora de
104
padrões de comportamento, aparência e vocabulário associados ao gênero.
Em relação à sexualidade, em proporção, foram poucos trabalhos que trouxeram o tema.
Tratou-se no sentido político, relacionando os movimentos ultraconservadores e a luta contra a
chamada “ideologia de gênero” com o desenvolvimento de políticas públicas para a população
LGBT e o reforço de discursos – no contexto escolar – contrários à diversidade sexual. Também
observamos trabalhos que buscaram investigar como a sexualidade está relacionada com a
trajetória pessoal e profissional, e como se dá a visão de pessoas heterossexuais em relação às
homossexuais, de acordo com a proximidade ou não entre si.

Considerações finais
Devemos destacar a importância da ANPED para o desenvolvimento de pesquisas em
instituições de ensino de Pós-graduação, bem como a importância de se ter um grupo de
trabalho específico para as temáticas de Gênero, Sexualidade e Educação. Isso nos mostra a
necessidade de pensarmos as diversas problemáticas envolvendo os temas e como nós
educadores podemos contribuir para a modificação das desigualdades de gênero e das
intolerâncias em relação às diversas orientações sexuais.

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Por meio dos resultados aqui discutidos, fica evidente o crescimento dos movimentos
políticos ultraconservadores e sua grande influência no ensino. Fala-se em um pânico moral
que traz como consequência uma grande intolerância em relação à discussão de gênero no
contexto escolar e à diversidade sexual, seja ela dos professores ou dos alunos. Os professores,
além de se sentirem despreparados para trabalhar os temas em sala de aula, agora se sentem
coagidos e amedrontados por conta da repercussão negativa que estas ações vêm tomando.
Destacamos os projetos de leis que tem ganhado força nos últimos tempos, como o Escola sem
Partido, que pode ser configurado como uma tentativa grave de censura ao trabalho docente.
Ao analisar os trabalhos, ficou evidente que existe uma relação muito forte entre o
cenário político atual e a falta de formação docente para se pensar as questões de gênero e
sexualidade, o que contribui para a propagação de estereótipos e de intolerâncias sexuais. Outro
fator importante é que percebemos a grande relação entre política e religião, o que desrespeita
completamente a Constituição Federal no que diz respeito à laicidade do Estado. É visível a
necessidade de se pensar a formação inicial e continuada dos professores, no sentido de haver
105
um preparo para o enfrentamento de questões relacionadas ao gênero e a sexualidade, evitando-
se que haja a propagação de estereotipias e preconceitos.

Referências
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70 Ltda, 1977.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E.A.D. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo:
EPU, 1986.

MEYER, Dagmar Estermann. Gênero e Educação: teoria e política. In: LOURO, Guacira Lopes;
FELIPE, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre (Org.). Corpo, gênero e sexualidade. 9. ed. –
Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. p. 11-29.

REIS, Giselle Volpato dos; RIBEIRO, Paulo Rennes Marçal. Sexualidade e educação escolar: algumas
reflexões sobre orientação sexual na escola. In.: BORTOLOZZI, Ana Cláudia; MAIA, Ari Fernando
(Org). Sexualidade e infância. Bauru: FC/CECEMCA; Brasília: MEC/SEF, 2005, p.35-42.

SEFFNER, Fernando. Atravessamentos de gênero, sexualidade e educação: tempos difíceis e novas


arenas políticas. XI Reunião Científica Regional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
graduação em Educação – ANPED SUL. Congresso. 2016.

VIEIRA, Cristina Maria Coimbra. Crescer sem discriminações. Perscrutando e combatendo


estereotipias de gênero nas práticas familiares e escolares. In: RABELO, Amanda Oliveira; PEREIRA,
Graziela Raupp; REIS, Maria Amelia de Souza (Org). Formação docente em gênero e sexualidade:
Entrelaçando teorias, políticas e práticas. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2013, p. 75-101.

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