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Sem confiança
nas instituições
Os protestos que ocuparam as ruas de várias capitais brasileiras não
pareceram novidades para os pesquisadores do Ibope Inteligência. A
insatisfação da população já era uma tendência captada nas pesquisas
realizadas pelo grupo. Nessa entrevista, Márcia Cavallari, diretora-
executiva dessa unidade do instituto, revela como as pesquisas são feitas
e quais são as indicações para o futuro
A
s manifestações que tomaram as mês de julho e tem a intenção de medir o grau de confian-
ruas de todo o país nos últimos ça na população em 18 instituições e quatro grupos socia-
meses deixaram quase toda a socie- is. Formada em estatística pela Universidade de São Paulo
dade atônita. “De repente” e “do e mestre em Ciências Políticas com foco em Opinião
nada” foram expressões utilizadas por analis- Pública pela Universidade de Connecticut, nos Estados
tas e pela imprensa para demonstrar esta per- Unidos, ela acumula uma experiência de 31 anos no Ibo-
plexidade. A série de protestos começou por pe. Márcia explica que a metodologia consiste em per-
causa do aumento das tarifas de ônibus e guntar a um percentual representativo da população bra-
sagrou-se vitoriosa neste item, com as passa- sileira quanta confiança eles depositam em cada institui-
gens voltando aos antigos valores. Então, por ção ou grupo social: muita, alguma, pouca ou nenhuma.
que os jovens continuam nas ruas? Ainda há Depois os técnicos fazem uma média simples deste resul-
muitas demandas e, na verdade, nada disso tado, somando as pontuações e dividindo pelo número de
aconteceu da noite para o dia. Este desconten- entrevistados. “Com isso, padronizamos as avaliações,
tamento vinha dando sinais cada vez mais gerando uma escala de zero a 100, que nos permite com-
expressivos há pelo menos cinco anos. Desde parar os resultados ano a ano, com uma margem de erro
2009, o Ibope Inteligência pesquisa o Índice de 2%”, detalha a diretora. Em 2013 foram ouvidas 2.002
de Confiança Social (ICS), que avalia o grau de pessoas maiores de 16 anos em 140 municípios, distribuí-
satisfação do brasileiro em relação às institui- dos proporcionalmente por idade, poder econômico e
ções e grupos sociais dos quais a população faz classe social, de forma que o resultado seja capaz de traçar
parte. Em agosto, o instituto publicou os resul- um quadro da opinião do país.
tados da quinta edição do ICS, confirmando Para ela, basta observar a série histórica para concluir
essa tendência: em média o grau de confiança que a insatisfação geral já estava presente na sociedade.
caiu sete pontos em relação ao ano passado. Afinal, todos os índices demonstraram queda, com exce-
Diretora-executiva (ou Chief Executive ção da família, que se manteve estável. “Veja que não são
Officer – CEO) do Ibope Inteligência, Márcia apenas as instituições. Mesmo na parte da pesquisa em
Cavallari, diz que a pesquisa é feita sempre no que avaliamos os grupos sociais, quando medimos a con-
fiança nos amigos, nos vizinhos, nos brasileiros de um esta demanda – mais qualificada e mais sofisticada”,
modo geral e na família, este é o único tópico que perma- avalia a CEO. Atualmente mais da metade da população
nece estável”, observa. Ela cita alguns exemplos, como o brasileira está inserida na classe C, e começa a exigir uma
Corpo de Bombeiros, que se manteve no primeiro lugar qualidade maior dos serviços públicos. Para ela, as mani-
no Índice de Confiança em todas as pesquisas realizadas. festações vêm ao encontro dessa necessidade por servi-
Em 2009 teve 88, no ano seguinte, 85, depois 86, 83, e ços de qualidade.
neste ano apresentou uma queda mais expressiva, che-
gando a 77. Com as igrejas aconteceu o mesmo: no início Eleições – Outra característica que difere as atuais mani-
da série alcançou o segundo lugar com 76, baixou para festações de outras já vividas no Brasil está no fato de os
73, 72, 71, e em 2013 registrou apenas 66, dez pontos partidos políticos terem sido rechaçados nas ruas. Aque-
abaixo da primeira investigação. les que tentaram participar dos protestos tiveram suas
Para a especialista, este descontentamento com o bandeiras queimadas, em um claro sinal de que as atuais
funcionamento das instituições do país pode ser explica- lideranças vêm deixando a desejar no que diz respeito à
do pela baixa qualidade que vêm sendo prestados os representação do eleitorado. O Índice de Confiança Soci-
serviços públicos. “O país passou, até agora, por uma al também já apontava essa tendência da opinião pública
mobilidade econômica, mas ainda não conseguiu pro- brasileira. Durante toda a série histórica, os partidos
mover uma mobilidade social”, analisa Márcia. De fato, a políticos figuraram como os “lanternas”, ocupando sem-
população brasileira, especialmente as classes D e E teve pre o último lugar. Em 2009, a instituição somou apenas
um expressivo aumento do seu poder de compra, conse- 31 pontos. No ano seguinte houve uma inexpressiva
guindo adquirir mais bens devido às facilidades de crédi- melhora, ainda dentro da margem de erro de 2%: 33. Em
to. “O problema é que, para alcançar a mobilidade social 2011 e 2012 os partidos foram avaliados com 28 e 29
é preciso ter acesso a serviços de saúde, escolas, cultura, pontos, respectivamente, e, na última consulta, pontua-
lazer e transportes, com qualidade. Portanto, à medida ram apenas 25.
que esta mobilidade econômica acontece, aumenta o Márcia Cavallari afirma que esta insatisfação mostra o
grau de escolarização da população e o acesso à informa- contexto no qual a eleição de 2014 estará inserida. Este
ção, tornando mais difíceis os desafios para atender a fator, segundo ela, vai pautar o clima da campanha. “No