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REPORTAGEM

Digital x Analógico
na monitoração de palco
O fundamento da discussão entre o uso de consoles digitais e analógicas
é a preferência para uns e a necessidade de adaptação ao mercado de
áudio profissional para outros. Alguns técnicos de monitor abordaram
seus conceitos e opiniões sobre a questão para a Backstage.
Karyne Lins
karyne@backstage.com.br

A discussão entre analógico e digital já está ficando antiga


até no Brasil. Para os profissionais de áudio, o investi-
mento em mesas digitais no Brasil é uma realidade e é
fundamental a adaptação dos técnicos a essa tecnologia.
Para Samir El-Shaer, técnico de monitor do cantor André
Nada de digitais
“Estive na Inglaterra e soube que os engenheiros de monitor
não aceitam a mesa digital justamente pelo problema da adap-
tação, e dificilmente vão migrar para a digital. É uma questão de
costume, a partir do momento em que eles aprenderam a utili-
Mattos, as digitais trouxeram muitos benefícios, porque imprimiram zar os recursos daquela ferramenta não vão trocar o certo pelo
agilidade aos trabalhos dos técnicos, principalmente em eventos duvidoso”, lembrou Marcos Ski.
como festivais e coletâneas com muitas trocas de palco. O fato de Alexandre Rabaço, há pouco mais de três anos com o cantor
poder salvar todos os parâmetros, inclusive os equalizadores das vias, Lulu Santos, prefere a digital, porém, para atender ao gosto pes-
é por si só um argumento convincente, segundo Samir. soal do cantor, viaja com uma analógica. Alexandre explicou
Marcos Ski, que faz monitor da dupla Gian & Giovanni há 16 que Lulu Santos gosta muito da saturação da mesa analógica,
anos, explicou que as empresas migraram muito rápido das con- porque os níveis de entrada e saída da mesa de monitor estão
soles analógicas para as digitais e os técnicos não acompanha- sempre ‘quentes’, coisa que, segundo Alexandre, não se pode
ram essa nova realidade. Marcos diz ter preferência pela fazer com uma mesa digital, onde é preciso manter os níveis em
analógica e cita a Midas como exemplo por ter timbres caracte- um patamar seguro longe da distorção digital, que realmente é
rísticos, mas também usa as digitais nos shows. bem desagradável. “Não podemos negar que a sonoridade de

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Alexandre Saieg, do Paralamas do Sucesso, viaja com uma mesa digital Eduardo Ohata, da banda Charlie Brown Jr, viaja com uma analógica

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uma mesa digital é diferente da de uma

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mesa analógica; melhor em alguns senti-
dos, pior em outros”, opinou.
A equipe técnica de Lulu Santos ge-
ralmente viaja com as mesas analógicas
fornecidas pela empresa Gabisom. Ale-
xandre diz que pode fazer pequenos
ajustes a cada show e, quando eventual-
mente tem que utilizar outras mesas,
Paulo Henrique trabalha com o cantor gospel PG Rogério faz monitor para Sepultura e Massacration
com pouco tempo para os ajustes, o resul-
tado final pode sair diferente daquele mente”, explicou Alexandre. tagem de ter uma digital é porque tenho
que seria com as mesas pré-ajustadas. os inserts prontos necessitando somente
Tendência do mercado de pequenos ajustes. Se fosse uma analó-
A opinião dos entrevistados foi unâni- gica, eu teria que equalizar os periféricos
me: os técnicos de monitor deverão se por fora”, disse Saieg.
Muitos técnicos ainda adaptar às mesas digitais para continua- Rogério Rossato, técnico de monitor das
têm dificuldade em rem no mercado de trabalho. No entanto, bandas Sepultura e Massacration, tem ex-
manusear as digitais. mesmo sabendo desta tendência, muitos periência com mesas analógicas e digitais e
“Isso vai exigir um técnicos ainda têm dificuldade em ma- concorda com Saieg quando fala das van-
curso onde o técnico nusear as digitais. “Isso vai exigir um curso tagens da digital. “Em um festival com 12
onde o técnico possa se aprimorar, estudar, bandas internacionais de grande porte,
possa se aprimorar,
saber baixar programas, mas nem sempre com certeza nenhuma delas aceitaria divi-
estudar, saber baixar
isso é possível, porque a maioria não tem dir uma mesa analógica e um rack de peri-
programas” tempo hábil para parar e se dedicar a co- féricos após ter feito um soundcheck. E 12
nhecer todas as ferramentas que as digi- mesas na house mix ou no palco ficaria
tais oferecem. O gringo não troca uma inviável. Imagine o custo para uma empre-
“Foram nessas situações que mais utiliza- analógica que tem um timbre fiel por sa levar tantas mesas para um evento. Pou-
mos mesas digitais: em festivais, com uma novidade que ele ainda terá que cas empresas dispõem de uma quantidade
pouco tempo de passagem de som. Daí, aprender a utilizar”, opinou Marcos Ski. tão grande de mesas. No entanto, com
o resultado final ficou um pouco compro- Técnico de monitor da banda Para- uma mesa digital é possível fazer as 12 ban-
metido ajudando a criar uma certa resis- lamas do Sucesso há sete anos, Alexandre das dividindo apenas os botões, pois cada
tência com as digitais por parte do Lulu Saieg diz que independentemente de ter cena é salva e garante o trabalho de cada
Santos. As minhas razões para tentar uma mesa analógica ou digital, considera técnico”, explicou Rogério Rossato.
implementar a utilização de mesas digi- um privilégio o fato de poder viajar com “A minha opção não é digital, mas
tais são basicamente ligadas às possibilida- uma. Hoje ele utiliza nas turnês da banda hoje em dia você não pode exigir muito
des e facilidades apresentadas por elas, uma Innovason, porque, segundo ele, porque, de certa forma, as empresas e lo-
além da praticidade de ter todas as ferra- atende a sua proposta de trabalho e acom- cadoras estão se padronizando”, diz
mentas que preciso para realizar meu tra- panha a tecnologia de mercado. “A van- Saieg. Paulo Henrique, técnico do can-
balho reunidas em um único lugar. Isso
sem contar com a possibilidade da grava-
ção de cenas e a portabilidade muito
maior. Outro aspecto importante é que na “As minhas razões para tentar implementar a
eventual impossibilidade de utilizarmos as utilização de mesas digitais são ligadas às facilidades
mesas da Gabisom, podemos solicitar à apresentadas por elas, além da praticidade de ter todas
produção local uma mesa digital modelo e as ferramentas que preciso para realizar meu trabalho
simplesmente carregá-la com as mesmas reunidas em um único lugar”
cenas e pré-sets que utilizamos normal-

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Alexandre Saieg, do Paralamas, viaja com as digitais Samir El-Shaer é tecnico do cantor André Mattos Marcus Cruz é técnico de César Minote e Fabiano

tor gospel PG, enfatizou que utilizando ração de palco, hoje, vieram do estúdio, Saieg. “O que dificulta trabalhar com a
analógica ou digital, o técnico na verda- outros estão da estrada há muito tempo e digital são as viradas de página. Quem
de quer chegar ao som desejado. “Tem encontram algumas resistências à digital. está mexendo nas digitais agora se atra-
locadora que busca investir nas digitais “Fazer show tem uma diferença muito palha um pouco e isso gera um certo
para ter um setup mais fiel e ao mesmo grande em relação ao estúdio, onde você atraso. Numa analógica, apesar da faci-
tempo tem cópias de caixas de monitor e tem tempo para alinhar tudo e quando lidade de se ter 58 canais ali na mão, na
P.A. Não vamos conseguir o resultado es- está tudo pronto chama os artistas para correria de um festival a melhor opção é
perado com essa aplicação”. dentro da sala. No show, você tem 40 mi- a digital. Em relação às mandadas, que
nutos para alinhar, passar o som e fazer o eu saiba, nenhuma analógica fornece a
Vantagens e sonoridades show. Essa questão de tempo é confli- quantidade de mandadas que uma di-
Alexandre Saieg comentou que mui- tante com a qualidade que se deseja tirar gital hoje tem para oferecer”, disse Ro-
tos técnicos que trabalham com monito- do sistema em muitos casos”, explicou gério Rossato.

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“Não podemos generalizar em termos fato, o equipamento deve atender a exi-
de mesas analógicas, mas a maioria dá ao gência do músico e do artista, porém,
técnico uma referência melhor em ter- existem coisas que devem ser explicadas
mos de timbre e prés. Essas mesas de pon- de forma técnica para um músico enten-
ta têm prés muito avançados, com tim- der o que se passa.
bres comparáveis aos de uma mesa ana-
lógica. Porém, não tem como diversificar A consciência de se
muito. São aqueles que ela tem e pron- adaptar às mesas digitais
to”, disse Paulo Henrique. Alexandre Saieg observou que muitos
Douglas Santos(Nechivile) gosta das digitais
técnicos que estão com as mesas digitais
Eduardo Ohata, técnico de monitor O som do artista lidam ao mesmo tempo com um compu-
da banda Charlie Brown Jr., diz que pre- A vantagem de trabalhar sempre com tador e muitos têm dificuldade de se
fere trabalhar com a analógica (em espe- o mesmo artista é que se pode desenvol- adaptarem a essa tecnologia. “Lembran-
ver um trabalho acumulativo. A cada do ainda que cada modelo de mesa digi-
show se tem a oportunidade de resolver tal possui diferentes tipos de sistemas
situações recorrentes e criar soluções es- operacionais e de um modo geral não
“Na analógica tenho a pecíficas para cada artista. Douglas San- estamos adaptados a todos eles. Isso não
visualização de tudo o tos, técnico de monitor da banda serta- quer dizer que eu posso sair por ai dizen-
neja Nechiville, diz que um diferencial do que uma ou outra é uma porcaria. Te-
que estou fazendo,
em se fazer monitoração para o artista é a nho minha preferência, mas preciso sa-
diferente da digital, questão de preservar a peculiaridade do ber utilizar o que o mercado oferece em
que é preciso ir som para cada membro da banda. Ele vi- termos de tecnologia. O som do Pro Tools
selecionando página aja com uma 0IV 96Yamaha e sistema de não é o melhor, mas é uma boa ferramen-
por página” in-ear. “Faço uma mix automatizada dife- ta para se trabalhar. Inclusive ouvir faz
rente para cada músico, assim, cada um parte do nosso aprendizado, só que hoje
ouve como lhe convém. Para conseguir isso é uma coisa muito rara no nosso
isso, fico atento aos ensaios e vejo como é meio”, disse Saieg.
cial, a Soundcraft com a qual viaja) pela feita a timbragem dos instrumentos, a or- “Eu comparo esta situação com o indi-
dificuldade mecânica da mesa digital no ganização dos músicos, etc. A vantagem víduo que está acostumado a dirigir um
monitor. “Na analógica tenho a visuali- da mesa digital é justamente esta: preser- carro com a direção do lado esquerdo e
zação de tudo o que estou fazendo, dife- var este som particular de cada artista e
rente da digital que é preciso ir selecio- levá-lo para qualquer lugar do Brasil.
nando página por página e o técnico tem Acredito que em termos de sonoridade,
“Faço uma mix
que ter mais tempo para abrir e levantar as fábricas conseguiram chegar com bons
tudo”, opinou Ohata. prés”, disse Douglas, que trabalha com
automatizada
Marcílio Resende é técnico de moni- música sertaneja em Goiânia há dez anos. diferente para cada
tor há seis anos da dupla sertaneja Gui- Paulo Henrique lembrou que existe músico, assim,
lherme & Santiago e prefere a sonorida- também a exigência e o nível de profissio- cada um ouve como
de de uma mesa analógica. “Em termos de nalismo e conhecimento que o artista de- lhe convém. Para
sonoridade, particularmente, não troco as senvolve. “Quando ele (o artista) é conhe- conseguir isso, fico
analógicas Series Five da Soundcraft por cedor de áudio e dos equipamentos que atento aos ensaios”
nenhuma digital. Mas, claro, as digitais são vai utilizar, neste caso, a equipe técnica
muito bem-vindas e já tomaram conta do tem que levar em consideração o que o ar-
mercado. Como eu não viajo com a mesa, tista determina”, opinou Paulo Henrique.
se a locadora de som viabiliza uma digital Rogério Rossato diz que sempre existe tem que dirigir um carro com a direção ao
eu não vou deixar de trabalhar por causa um parâmetro e um princípio indepen- lado direito. Com certeza, vai levar algum
disso”, opinou Marcílio. dente de qualquer gosto do artista. De tempo para ele se adaptar com essa nova

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“Prefiro a digital. Consegui mudar meu


raciocínio em relação a essas definições
de que uma mesa é boa e outra não é.
Percebi que muitos técnicos não sabem
o que é um paramétrico!”

situação. O importante é que ele seja um bom piloto”, definiu


Marcos Ski.
Antenor Pereira, o Índio, tem experiência no segmento de
música sertaneja e viu a necessidade de se adaptar rapidamen-
te ao mercado de áudio. Apesar de o técnico viajar com a du-
pla João Bosco & Vinicius levando uma DM 2000 Yamaha, diz
que é fundamental conhecer profundamente tanto analó-
gicas quanto digitais. “Gosto da digital por causa da rapidez e
da analógica pelo timbre. A opção pela digital é andar junto
com o mercado”, disse. Rogério Rossato se adaptou com o tem-
po de estrada e com interesse em conhecer cada vez mais o
equipamento, a rapidez do manuseio veio com o tempo.
Marcus Cruz, técnico há cinco anos e trabalhando com
monitoração de palco para a dupla César Minote & Fabiano há
um ano e meio, se considera um exemplo da nova geração de téc-
nicos conscientes no mercado. “Definitivamente, prefiro a digi-
tal. Consegui mudar meu raciocínio em relação a essas definições
de que uma mesa é boa e outra não é. Percebi que muitos técnicos
não sabem o que é um paramétrico! Muitos deles utilizam recur-
sos ‘decoreba’ e quando pegam uma digital, a ´decoreba´ não
funciona. E dizem que a digital é ruim. Não é bem por aí. A qua-
lidade de áudio de uma mesa digital não deixa nada a desejar.
Quem não se atualizar não pega estrada”.
Paulo Henrique comentou que hoje existem novos técnicos
chegando no mercado e querendo informação de quem já está
na profissão há muito tempo. “Somos referência. Não podemos fa-
zer maus comentários de um equipamento só porque, na verda-
de, não disponibilizamos de tempo para aprender a usar uma fer-
ramenta nova”, disse Paulo Henrique.

Fim da polêmica?
Para Marcos Ski, essa discussão vai permanecer por um bom
tempo, mas os técnicos vão acabar aderindo ao que as empresas
de locação dispõem no mercado. “Sou técnico de artista e sou
obrigado a usar o que é fornecido pela empresa. Posso até sugerir,
mas a realidade é que nenhum artista cancela show por falta de
mesa digital ou analógica. Já passou essa época. É uma questão de
mercado. Não tem como escapar”, enfatizou Marcos.

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