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VI SEMINÁRIO DE LÍNGUAS E LITERATURAS CLÁSSICAS

O MITO DE ER: UMA BREVE INTRODUÇÃO E MÉTODO DE TRADUÇÃO DO


LIVRO X DA REPÚBLICA

Bruno Pontes da Costa, UFPB1.

Resumo: O presente trabalho tem por finalidade executar uma Tradução Comentada do mito
de Er no Livro X, da República de Platão, que como último livro da obra, desenvolve-se
primeiramente, na justificativa da poesia ser banida da pÒlij (cidade) grega, e logo em
seguida, expõe o relato mítico do virtuoso Er, que após sua morte em guerra, ressuscita e lhe é
permitido uma visão do que acontecera com as almas após a morte, numa reflexão de justiça e
juízo, tal mito, objeto do corpus a ser traduzido encontrado nos versos 614b – 614e da obra
platônica citada. O trabalho também se desenvolverá em três partes: a primeira trazendo uma
introdução à República de Platão e as peculiaridades do livro X, na segunda, explicando o
método e a metodologia como instrumento hermenêutico e por fim, na terceira parte, a
tradução, com suas observações analíticas e comentadas. Este estudo visa metodologicamente
manter um espelhamento mais próximo da estrutura morfossintática do escopo escolhido,
identificando as principais observações relativas aos usos contínuos de verbos nos modos
Particípios, Infinitivos e Optativos, como instrumentalidade de auxilio interpretativo.

Palavras-Chave: Platão – Justiça – Morte

1
Teólogo e Sociólogo, licenciando em Letras Clássicas (Grego e Latim), Mestre em Ciências da Educação e
Teologia. Universidade Federal da Paraíba, brunopontescosta@gmail.com.
INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por finalidade executar uma Tradução Comentada do Livro X,
da República de Platão, que analisa o conceito de imortalidade da alma a partir de suas ações
em vida terrena e de seus posteriores julgamentos ad aeternum, que como último livro da
obra, desenvolve-se primeiramente, na justificativa da poesia ser banida da pÒlij (cidade)
grega, uma breve introdução de conceitos e de valores filosóficos e culturais da época.
Logo em seguida, expõe sobre “o mito de Er”, onde razoavelmente esperançoso do
que acontecera com sua alma após a morte, recebe uma visão do que acontece após a morte.
Tal mito, que é o objeto do corpus a ser traduzido neste trabalho. Sendo assim, o trabalho
também se desenvolverá em partes para facilitar o entendimento metodológico e pedagógico
da tradução em pauta.
No primeiro momento, se fará uma breve introdução à República de Platão e as
peculiaridades do livro X, num segundo momento, verificar-se-á o método a ser utilizado pelo
tradutor-aluno e a metodologia (referencial teórico) como instrumento hermenêutico; e por
fim, a Tradução comentada e analisada durante todo o processo do projeto.
Este estudo visa metodologicamente manter um espelhamento mais próximo da
estrutura morfossintática do escopo escolhido, no caso, O Mito de Er de Platão, identificando
as principais observações relativas aos usos frequentes dos verbos nos modos Particípios,
Infinitivos e Optativos, como forma escolhida pelo filósofo e suas repercussões para nossa
língua vernácula.

I – UMA INTRODUÇÃO À REPÚBLICA DE PLATÃO E AS PECULIARIDADES DO


LIVRO X.

O livro IX finda o tema principal do livro A República, o tema da justiça. O livro X


apresenta duas partes, onde na primeira, desenvolve-se uma argumentação ad hoc e eloquente
que desqualifica a atividade do artista mimético. A segunda consiste no desenvolvimento do
argumento que afirma a imortalidade da alma, o próprio Mito de Er, escopo dessa tradução
comentada.
Na primeira parte, inicia-se o livro com Sócrates afirmando que de maneira alguma
pode se admitir a poesia imitativa, ela é uma “violência contra a inteligência” (595b).
Sócrates analisa a imitação reapresentando a teoria metafísica discutida alguns livros
atrás. Afirma que há apenas duas formas de ideias e que as aparências se distinguem em trás
níveis, que são graus de distância da essência das coisas. E sobre tal discussão se inicia o
livro.
Após análise sobre a μίμησις (imitação) ocorre uma transferência de discurso que se
translada para a imortalidade da alma, aqui defendida por Sócrates como uma possibilidade
argumentativa de que, se a alma é imortal, são sempre as mesmas almas que existem e a
natureza dela é muito bela e eterna.
A alma tem amor pela sabedoria, ela é “da mesma estirpe que o divino, o imortal e o
eterno” (611e). O livro X e, por conseguinte, A República, terminam com a bela exposição
sobre o mito de Er, o qual iremos analisar mais especificamente neste artigo.
Onde o virtuoso Er, depois de ter morrido em guerra teve seu corpo encontrado em
perfeito estado de conservação e ao ressuscitar após dez dias, e inicia sua narrativa do que viu
no mundo dos “mortos”.
Mostrando assim, uma narrativa carregada de símbolos e significantes sobre o
conceito de justiça e de imitação mítica, típico dos diálogos platônicos exposto por intermédio
do uso frequente dos verbos “possíveis”2, além de nos introduzir ao mundo clássico da
mitologia, literatura e da filosofia grega.
Utilizaremos uma hermenêutica baseada nas obras analisadas de Platão pelos
professores Jaeger3, Burnet4 e Paviani5, que auxiliará no desvelamento do Sitz im Leben6 do
escopo do mito em tradução.
Outrossim, a compreensão prévia do mito e da estrutura morfossintática do texto
corroboram para elaboração de uma tradução mais próxima da proposta acadêmica. Para as
Letras Clássicas e para a academia como um todo, onde a tradução comentada não deve levar
em consideração apenas o texto “per si”, mas, entender os motivos das escolhas de tradução e
seus desdobramentos para nosso idioma, como será apresentado no capítulo seguinte.

II – A IMPORTÂNCIA DA TRADUÇÃO COMO INSTRUMENTO


HERMENÊUTICO.

2
No caso chamaremos possíveis os verbos no Optativo, Particípio e Infinitivo.
3
Werner Wilhelm Jaeger, filólogo alemão que teve como sua principal obra, Paidéia, publicada no Brasil pela
primeira vez em 1966.
4
John Burnet, classicista escocês, especialista nas obras de Platão da Universidade de Oxford.
5
Jayme Paviani, filósofo, cientista social e jurista, doutor em estudos clássicos, professor da UCS.
6
Expressão alemã acerca de traduzir ou interpretar a "definição na vida, pano de fundo, escrita no tempo". Modo
histórico crítico para chegar ao contexto em que um determinado texto foi criado, sua função e finalidade na
época. Ao interpretar um texto, o Sitz im Leben tem que ser tomado em consideração, a fim de permitir uma
adequada compreensão do seu significado evitando assim, o anacronismo.
Para auxiliar na compreensão do texto investigado, neste momento, discutiremos sobre
o método e a metodologia aplicada nessa tradução. Sendo assim, utilizaremos como
referencial teórico e metodológico as obras dos professores doutores Henrique Graciano
Murachco7 e Juvino Alves Maia Júnior8, que norteiam a tradução de forma morfológica e
sintática para melhor compreensão gramatical da tradução e interpretação textual.
Inicialmente para tradução foi feito o levantamento léxico e morfológico oriundo do
texto acessado e extraído no sítio eletrônico do projeto perseus9, auxiliado
metodologicamente por intermédio do Dicionário Greco-hispânico da Editora Vox e as
gramáticas Gregas de teoria e prática nos cursos universitários do professor Juvino e a de
Língua grega: visão semântica, lógica, orgânica e funcional, de Henrique Murachco, todas nas
Referências Bibliográficas desta tradução.
Durante o processo de tradução foi percebido no diálogo platônico a constância das
formas verbais gregas nos modos Infinitivo, Particípio e Optativo, com a finalidade de
enunciar o discurso sob uma perspectiva de outrem não presente no diálogo, enfatizando
assim a impessoalidade do mito.

II.I – O Infinitivo.

No caso dos verbos no infinitivo, percebe-se uma necessidade da língua grega de se


adequar em suas orações subordinadas e reduzidas, que segundo Murachco (2001, p. 299):

“Infinitivo é o verbo-substantivo. É a noção substantiva do ato verbal,


também de uso intenso em grego por trazer um significado mais concreto ao
ato verbal. O infinitivo não é uma forma verbal propriamente dita;
semanticamente é a virtualidade, a essência, a noção substantiva do verbo
(processo ou estado). Por isso ele é um substantivo e se comporta como tal.
A denominação infinitivo [...] que os gramáticos latinos traduziram por
“infinitiuus”, isto é inflexionável. É assim que deve ser entendido no latim e
nas línguas românicas, por oposição aos modos finitos, isto é flexionáveis. É
uma denominação de cunho descritivista. Mas ela é verdadeira só no grego;
não é nem em latim nem nas línguas românicas”.

7
Henrique Graciano Murachco, doutor em Letras Clássicas, atualmente é adjunto da Universidade Federal da
Paraíba, nas áreas de filosofia antiga e do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas com ênfase em
Línguas Clássicas, atuando principalmente nos seguintes temas: língua grega, literatura, semântica, enunciado e
diálogo.
8
Juvino Alves Maia Júnior, doutor em Letras Clássicas, atualmente é professor associado da Universidade
Federal da Paraíba, nas áreas de Letras, com ênfase em Grego e Latim.
9
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.01.0167%3Abook%3D10%3Asection
%3D614b
Ou seja, o termo grego para o infinitivo não é formalista, é semântico, significando
algo que não diz a partir de si mesmo, como se não definisse claramente a ação, sem
determinar ou indicar, isto é, nele mesmo, ele não tem relação nem com o agente ou paciente.
No caso dos verbos εἶναι, καθῆσθαι, κελεύειν, no verso [614ξ], que apesar de se
apresentarem no modo infinitivo e pelo fato de não serem acompanhados de conjunção,
assumem um papel verbal de transitividade e pedem um sujeito no caso Acusativo e não no
Nominativo, criando assim Orações Reduzidas de Infinitivo (ORI) como característica comum
nos diálogos de Platão.
Essa denominação, contudo, foi perdendo seu conteúdo semântico também no grego,
porque no grego o infinitivo é verdadeiramente inflexionável, visto que o grego tem artigo e
que todas as funções exercidas pelo infinitivo, que é verbo-substantivo, são expressas pela
flexão do artigo.
Como substantivo, o infinitivo pode ter todas as funções do substantivo, mas ele é
invariável, não tem casos, diferentemente do latim, o infinitivo, sobretudo nas relações
concretas do diálogo do Livro X, nos auxilia na tradução criando e substituindo
morfossintaticamente nas formas verbais de Gerúndio e orações desenvolvidas para língua
portuguesa.

II.II – O Particípio.

No caso do Particípio, o professor Murachco (2001, p. 282.), diz:

“Sobre cada tema podem ser construídos os particípios ativo, médio e


passivo. O que os particípios têm de próprio é o aspecto, isto é o tempo
interno do processo verbal: O particípio não tem tempo próprio, mas sim
tempo relativo:
 Construído sobre o tema do infectum (inacabado) marca simultaneidade
com o verbo da principal;
 Construído sobre o tema do aoristo marca anterioridade em relação ao
verbo da principal, se é pontual, aoristo, ou posterioridade em relação ao
verbo da principal, se depende de verbo de movimento e intenção
(vontade);
 Construído sobre o tema do perfectum (acabado) mantém seu significado
próprio de ato acabado, terminado, sem nenhuma relatividade”.

O particípio no discurso pode ter todas as funções do adjetivo, onde traduzido como
tal, sintaticamente assume as funções de sujeito e objeto e como adjetivo nas funções de
aposto, adjunto adnominal, predicativo do sujeito e predicativo do objeto direto. Fazendo com
que certas construções em português usam o infinitivo com preposição (em ou de) ou
gerúndio do verbo complemento, e, em grego exprime a mesma ideia pelo particípio em
função predicativa ou apositiva. Transformando assim algumas orações reduzidas de
particípio (ORP).
Como por exemplo, os particípios ἔχοντας, περιάψαντας, ἀπιούσας, que optamos por
suas traduções apenas de forma verbal desenvolvida ou como gerúndio, dependendo da
melhor aplicabilidade do verso escolhido, [ἔχοντας, ter], por portando ou tendo levado,
περιάψαντας, atar, por atando ou tendo atado, e [ἀπιούσας, partir] por partindo ou tendo
partido.

II.III – O Optativo.

Já em relação ao uso e emprego do Optativo, afirma Murachco (2001, p. 27-28.), que:


“O optativo, por ser o modo do fato possível ou da atenuação da afirmação,
isto é, mais próximo da irrealidade, tem desinências secundárias e se traduz
em português ou pelo “imperfeito do subjuntivo”. Geralmente na prótase
(desejo irrealizável-irreal do presente) ou condicional simples na apódose
(fato possível ou afirmação atenuada). O optativo não exprime tempo;
somente o aspecto, o que deve ser levado em conta na tradução”.

Nestes casos como em διαδικάσειαν [614ξ], ἔπραξαν, e διακελεύοιντό[614d], a


construção foi feita se desenvolvendo os verbos como por exemplo: ao invés de tendo ou
tinham, por tendo julgado, ou tendo ordenado, ou havia feito, tentando assim, manter os
verbos presentes o mais próximo possível para a ideia “irrealidade ou possibilidade” na língua
portuguesa.

Esse modo (irreal/possível) na língua grega nos conduz a traduzir certos verbos de
forma reduzida ou desenvolvida para manter o mais original possível o aspecto atemporal do
verbo, criando um discurso que não pode ser afirmado uma vez que o mesmo foi relatado por
outrem, como no relato do diálogo retomado sempre pelo ἔφη [disse], não se podendo
afirmar, típico dos diálogos narrativos de Platão.
Tal narrativa também trás consigo toda atmosfera mítica para sua interpretação, que
segundo Pierre Grimmal:
“Dá-se o nome de mitologia grega ao conjunto de relatos fantásticos e lendas
cujos textos e monumentos representativos nos mostram que estavam em
voga nos países de língua grega entre os séculos IX ou VIII antes de nossa
era, época a que se reportam os poemas homéricos, e o fim do paganismo10,
três ou quatro séculos depois de Jesus Cristo”. (GRIMMAL, 2010, p. 07).

Ainda em sua obra Mitologia Grega11, afirma a ideia que todas as vezes que se aborda
o estudo de um mito grego, nota-se que os textos que o descrevem apresentam um número
infinito de variantes e que, de acordo com as épocas, o mito não é de modo algum o mesmo.
De certa forma os mitos viveram através dos tempos e se transformaram pelo
pensamento antigo, por várias vezes até nossos dias, e as gerações não lhes pediram para
expressar a mesma verdade a cada vez. De um modo genérico, pode-se admitir que os mitos
gregos atravessaram os tempos e se dividiram em três grandes momentos:
1. O de Idade Épica;
2. O da Idade Trágica;
3. O da Idade Filosófica.
Onde nossa tradução acaba se adequando ao 3º momento de interpretação e releitura,
ou seja, um mito de cunho e finalidade filosófica.
Sendo assim, a última etapa da interpretação é a própria tradução em si, ou seja, a
hermenêutica que é feita após uma leitura, histórica, mítica e filosófica do texto a se traduzir
gerando mais que uma tradução instrumental e sim uma tradução analítica como disposta em
todo o trabalho.

A partir disto, segue-se então a tradução textual analisada, de modo a corroborar com a
parte inicial sobre a introdução da obra Platônica da República, mais precisamente o Livro X,
nos versos 614b – 614e, e com os argumentos metodológicos e hermenêuticos da segunda
parte com breves exemplos verbais para elucidar a escolha do método de tradução e a visão
mítica e filosófica para auxiliar o processo tradutivo do texto.

III – A TRADUÇÃO.

A tradução a seguir se desenvolve a partir das notas de aula e orientações do Prof.


Felipe dos Santos Almeida12, nas ministrações da disciplina de Língua Grega IV, do 8º
Período em 2015.2, do curso de licenciatura Plena em Letras Línguas Clássicas da UFPB e
tem como finalidade, uma observação crítica do texto a partir do escopo original em língua
grega.

10
Paganismo: religião pagã, em que se adoram muitos deuses. (N.T.)
11
Nas Referências Bibliográficas.
12
Professor do Curso de Letras Clássicas da Universidade Federal da Paraíba, doutorando do Programa de Pós-
Graduação em Letras, mestre e graduado em Letras pela mesma instituição.
O MITO DE ER
(Platão. República, livro X, 614b – 614e)
[614β] ἀλλ᾽ οὐ μέντοι σοι, ἦν δ᾽ ἐγώ, Ἀλκίνου γε [614b] "Mas, entretanto," disse13 eu, "não a
ἀπόλογον ἐρῶ, ἀλλ᾽ ἀλκίμου μὲν ἀνδρός, Ἠρὸς estória de Alcino, mas, a de um valoroso
τοῦ Ἀρμενίου, τὸ γένος Παμφύλου: ὅς ποτε ἐν homem14, Er da Armênia, da família de Panfílo15,
πολέμῳ τελευτήσας, ἀναιρεθέντων δεκαταίωντῶν que certo dia na guerra morreu. Ao serem
νεκρῶν ἤδη διεφθαρμένων, ὑγιὴς μὲν ἀνῃρέθη, recolhidos, no décimo dia1617, os cadáveres já
κομισθεὶς δ᾽ οἴκαδε μέλλων θάπτεσθαι putrefatos, encontram-no ainda intacto; depois de
δωδεκαταῖος ἐπὶ τῇ πυρᾷ κείμενος ἀνεβίω, ter sido enviado para casa, prestes já a ser
ἀναβιοὺς δ᾽ ἔλεγεν ἃ ἐκεῖ ἴδοι. ἔφη δέ, ἐπειδὴ οὗ cremado no décimo segundo dia18, estirado sobre
ἐκβῆναι, τὴν ψυχὴν πορεύεσθαι a pira, ele tomou à vida, e, ao reviver, relatou
assim o que lá19 havia visto. Disse20 que, quando
sua alma partira, ela viajou junto com muitas
outras; e chegaram num lugar extraordinário21,
[614ξ] μετὰ πολλῶν, καὶ ἀφικνεῖσθαι σφᾶς εἰς [614c] onde, na terra, havia dois abismos
τόπον τινὰ δαιμόνιον, ἐν ᾧ τῆς τε γῆς δύ᾽ εἶναι contíguos e, no céu, por sua vez, na parte
χάσματα ἐχομένω ἀλλήλοιν καὶ τοῦ οὐρανοῦ αὖ superior, dois outros, do lado oposto. Havia
ἐν τῷ ἄνω ἄλλα καταντικρύ. δικαστὰς δὲ μεταξὺ juízes22 sentados entre uma e outro23 que, depois
τούτων καθῆσθαι, οὕς, ἐπειδὴ διαδικάσειαν, τοὺς de julgarem, tendo ordenado que os justos
μὲν δικαίους κελεύειν πορεύεσθαι τὴν εἰς δεξιάν seguissem a via superior da direita através do céu,
τε καὶ ἄνω διὰ τοῦ οὐρανοῦ, σημεῖα περιάψαντας atando os signos dos julgamentos na frente, ao
τῶν δεδικασμένων ἐν τῷ πρόσθεν, τοὺς δὲ passo que os injustos, a via inferior da esquerda,
ἀδίκους τὴν εἰς ἀριστεράν τε καὶ κάτω, ἔχοντας portando também esses, na parte de trás, os signos
καὶ τούτους ἐν τῷ ὄπισθεν σημεῖα πάντων ὧν de tudo o que haviam feito24.

13
O uso do optativo é uma forma polida de exortação ao discurso, mais branda que um simples imperativo;
14
Ἀλκίνου γε ἀπόλογον ἐρῶ, ἀλλ᾽ ἀλκίμου μὲν ἀνδρός 'não a estória de Alcino, mas, a de um virtuoso homem',
Há um jogo de palavras entre Ἀλκίνου e ἀλκίμου que gera a homofonia entre homem virtuoso e virtuoso
homem. Platão deve referir-se a Alcino, rei dos Feácios, que aparece na Odisseia dando hospitalidade a Odisseu
(Livros IX-XII).
15
τὸ γένος Παμφύλου “da família Panfilia ou da origem de Panfilo”, Originária da Anatólia, região onde havia
algumas colônias gregas. Na época em que Platão vivia, estava sob o domínio do Império Persa.
16
δεκαταίωντῶν “no décimo dia”, a recorrência do número dez e de seus múltiplos é um dos elementos
pitagóricos que permeiam a estória;
17
ἀναιρεθέντων δεκαταίωντῶν νεκρῶν ἤδη διεφθαρμένων “Ao serem recolhidos, no décimo dia, os cadáveres já
putrefatos, encontram-no ainda intacto”, a ausência de decomposição do corpo de Er durante esses dez dias
simbolizaria o tempo em que sua alma esteve a experimentar a vida depois da morte física Pode ser interpretada
como uma menção implícita aos episódios da llíada em que os corpos de Pátroclo (Livro XIX) e de Heitor (Livro
XXIV) não se putrefizeram devido à providência divina;
18
κομισθεὶς δ᾽ οἴκαδε ... ἀνεβίω “depois de ter sido enviado para casa, prestes já a ser cremado no décimo
segundo dia, estirado sobre a pira, ele tomou à vida”, entre os Gregos, era costume cremar os corpos dos
guerreiros mortos no próprio campo de batalha O que Platão atribui aqui aos Panfilios, i.e., enviar o cadáver à
terra pátria, era, todavia, um hábito diferenciado dos Atenienses
19
ἐκεῖ “lá”, No outro mundo/mundo dos mortos/Hades.
20
ἔφη 'disse' - O sujeito do verbo é Er e toda narração feita por ele virá a seguir mediante uma série de orações
reduzidas de infinitivo subordinadas a ἔφη;
21
εἰς τόπον τινὰ δαιμόνιον “num lugar extraordinário”, a imagem desse lugar para onde as almas se dirigem (i.e.,
'um prado') também aparece nos mitos do Fédon (107d-e) e do Górgias (524a)
22
δικαστὰς “juízes”, se considerarmos a intertextualidade dos diálogos platônicos e cruzarmos as referências dos
mitos do Górgias e da República, poderemos dizer que esses juízes eram Minas, Radamanto e Éaco (Górgias,
523e-524a), embora Platão aqui não os nomeie expressamente;
23
δικαστὰς δὲ μεταξὺ τούτων καθῆσθαι “Havia juízes sentados entre uma e outra” - a concepção do julgamento
das almas depois da morte é muito antiga e pode ter sido influenciada pela cultura egípcia sobre os gregos
(Grimmal).
24
As estórias que são contados sobre o Hades, de que quem cometera aqui injustiças lá receberá punição, até
então ridicularizados, dirigem então sua alma ao receio de que sejam verdadeiras. Na trilogia dos mitos
[614δ] ἔπραξαν. ἑαυτοῦ δὲ προσελθόντος εἰπεῖν [614d] Quando ele próprio se aproximou, os
ὅτι δέοι αὐτὸν ἄγγελον ἀνθρώποις γενέσθαι τῶν juízes disseram que ele devia se tomar
ἐκεῖ καὶ διακελεύοιντό οἱ ἀκούειν τε καὶ θεᾶσθαι mensageiro aos homens das coisas de lá e
πάντα τὰ ἐν τῷ τόπῳ. ὁρᾶν δὴ ταύτῃ μὲν καθ᾽ mandaram que escutasse e observasse tudo o que
ἑκάτερον τὸ χάσμα τοῦ οὐρανοῦ τε καὶ τῆς γῆς havia naquele lugar. Viu, então, que as almas
ἀπιούσας τὰς ψυχάς, ἐπειδὴ αὐταῖς δικασθείη, partindo, depois de submetidas ao julgamento,
κατὰ δὲ τὼ ἑτέρω ἐκ μὲν τοῦ ἀνιέναι ἐκ τῆς γῆς para um dos dois abismos, um do céu e outro da
μεστὰς αὐχμοῦ τε καὶ κόνεως, ἐκ δὲ τοῦ ἑτέρου terra, enquanto, dos outros dois, subiam da terra
καταβαίνειν ἑτέρας ἐκ τοῦ almas plenas de impureza e poeira, e desciam do
céu outras purificadas.
[614ε] οὐρανοῦ καθαράς. καὶ τὰς ἀεὶ [614e] As que chegavam a todo momento
ἀφικνουμένας ὥσπερ ἐκ πολλῆς πορείας mostravam-se como que vindo de uma longa
φαίνεσθαι ἥκειν, καὶ ἁσμένας εἰς τὸν λειμῶνα viagem, e, felizes por chegarem ao prado,
ἀπιούσας οἷον ἐν πανηγύρει κατασκηνᾶσθαι, καὶ acampavam tal qual num festival e as que se
ἀσπάζεσθαί τε ἀλλήλας ὅσαι γνώριμαι, καὶ conheciam saudavam umas às outras; as que
πυνθάνεσθαι τάς τε ἐκ τῆς γῆς ἡκούσας παρὰ τῶν vinham da terra buscavam se informar com as
ἑτέρων τὰ ἐκεῖ καὶ τὰς ἐκ τοῦ οὐρανοῦ τὰ παρ᾽ outras sobre as coisas do céu, e as do céu sobre as
ἐκείναις. da terra. Conversavam entre si,

CONCLUSÃO

O intuito deste trabalho de tradução é organizar metodologicamente os critérios e


métodos a serem utilizados em uma Tradução Comentada, como requesito de verificação de
aprendizagem para docentes e discentes em Letras Línguas Clássicas. Porém, não apenas isso,
mas, aprofundar o conhecimento teórico e prático da cultura e mitologia helênica, absorver
conceitos e valores do saber empírico da tradução pelo viés da análise morfossintática grega,
além de dirimir e construir textos próprios que mais se aproximem (espelhamento) do “pano
de fundo” do texto original grego.
Apesar de ser um mito, o escopo filosófico embasado pelos referenciais teóricos na
primeira e segunda parte deste trabalho, em nenhum momento nos deixou tentados a aceitar a
ideia de que os mitos tenham tido uma “forma primitiva” exclusiva, pois, os mitos gregos
sempre serão para nós, em algum grau, uma elaboração complexa, que exige a reflexão a seu
respeito, por ter começado muito cedo, concorreu para modificá-lo continuamente até os dias
de hoje.
Entendemos também, que um aprofundamento na língua e literatura clássica, nos
possibilita fazer melhores opções vocabulares que não destoam da realidade do mito e nem da

platônicos, presentes nos diálogos Górgias (523a-524a), Fédon (l07d-e) e República, a questão do julgamento
dos atos justos e injustos é manifesta e cumpre um papel central no sentido estritamente moral dado por Platão
ao mito. Demonstrar que o homem injusto, mesmo que passe toda a vida sem ser punido e notado pelos homens,
ao morrer receberá a pena merecida sob o olhar indelével dos deuses, é necessário para que seja justificada
suficientemente a tese central de Sócrates de que a justiça, seja em si mesma ou no tocante ao que dela deriva, é
infinitamente superior e mais vantajosa que a injustiça A figura do juiz, por conseguinte, irá alegoricamente
representar no mito a salvaguarda da moralidade platônica no além-mundo;
língua traduzida. Uma vez que a língua e os mitos não escaparam da evolução. Onde para
Platão, o mito não é senão uma forma recoberta e simbólica de verdades racionais.
Ao analisar a tradução, se pode perceber que a exegese realizada de forma a evitar o
anacronismo e o coloquialismo nos remete ao “método comparativo”, que repousa sobre o
postulado de que as ações do espírito humano são idênticas sempre, seja qual for o povo, seja
qual for o grupo étnico. Um mito grego ou romano pode ser explicado à luz de um mito
polinésio, africano, brasileiro ou nipônico. Um e outro respondem as exigências profundas do
pensamento humano, sem perder sua essência e seu significado.
Sendo assim, o papel da Tradução Comentada é de aproximar o leitor da realidade
filosófica, morfossintática e mítica grega, sem perder a elegância e o prazer da literatura
erudita em língua portuguesa, auxiliando assim, nas características mais difíceis de
compreensão para quem não é da mesma área acadêmica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BURNET, J. Platonis Opera. Recognovit brevique adnotatione critica instrvxit. Oxford:


Oxford University Press, 1900–1902 [1999].

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GRIMAL, Pierre. Mitologia Grega. Porto Alegre-RS: L&PM, 2010.

JAEGER, W. Paideia. São Paulo-SP: Martins Fontes, 1995. P. 03-40

MURACHO, Henrique Graciano, e JUNIOR, Juvino Alves Maia. Grego: teoria e prática
nos cursos universitários. 3ª ed. Revista e ampliada. João Pessoa: Idéia/Editora
Universitária, 2012.

MURACHCO, Henrique. Língua grega: visão semântica, lógica, orgânica e funcional. São
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PAVIANI, Jayme. Platão & A República. Coleção, Filosofia, Passo-a-passo; 28, Rio de
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PLATÃO. A República. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. 9ª ed. Lisboa:
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http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.01.0167%3Abook
%3D10%3Asection%3D614b-e. Acessado em 26/04/2016, às 20h.

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