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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades


Instituto de Psicologia

Fernanda Simplício Cardoso

Paternidade na berlinda: convivência com os filhos


em tempos de Lei Maria da Penha

Rio de Janeiro
2017
Fernanda Simplício Cardoso

Paternidade na berlinda: convivência com os filhos em tempos de Lei Maria da


Penha

Tese apresentada, como requisito parcial


para obtenção do título de Doutor, ao
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Social, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.

Orientadora: Profa. Dra. Leila Maria Torraca de Brito

Rio de Janeiro
2017
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A

C268 Cardoso, Fernanda Simplício.


Paternidade na berlinda: convivência com os filhos em tempos de Lei
Maria da Penha / Fernanda Simplício Cardoso. – 2017.
218 f.

Orientadora: Leila Maria Torraca de Brito.


Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Instituto de Psicologia

1. Psicologia social – Teses. 2. Família – Teses. 3. Paternidade –


Teses. 4. I. Brito, Leila Maria Torraca de. II. Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Instituto de Psicologia. III. Título.

es CDU 316.6

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou


parcial desta dissertação, desde que citada a fonte.

___________________________________ _______________
Assinatura Data
Fernanda Simplício Cardoso

Paternidade na berlinda: convivência com os filhos


em tempos de Lei Maria da Penha

Tese apresentada, como requisito parcial para


obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Social, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.

Aprovada em 29 de março de 2017

Banca Examinadora:

_____________________________________________
Profa. Dra. Leila Maria Torraca de Brito (Orientadora)
Instituto de Psicologia da UERJ

_____________________________________________
Profa. Dra. Maria Lívia do Nascimento
Universidade Federal Fluminense - UFF

_____________________________________________
Profa. Dra. Estela Scheinvar
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

_____________________________________________
Profa. Dra. Laura Cristina Eiras Coelho Soares
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

_____________________________________________
Prof. Dr. Adriano Beiras
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Rio de Janeiro
2017
DEDICATÓRIA

À Professora Leila Maria Torraca de Brito, por tudo que ela representa para a
Psicologia Jurídica no Brasil.
AGRADECIMENTOS

A Deus, por tudo que Ele me ensina sobre a fé, o amor e a perseverança.
À orientadora de minha tese, Professora Doutora Leila Maria Torraca de Brito,
pelos seus ensinamentos e, sobretudo, por sua demonstração de simplicidade para
expor a exuberância de seus conhecimentos.
Ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, representado pelos seus professores e funcionários, pela
oportunidade que me foi propiciada de estudar nessa instituição.
À Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pelo
incentivo, concedendo-me licença parcial do trabalho pelo período de um ano,
através do Programa Permanente de Capacitação Docente, para realização do
Doutorado.
Ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, instituição onde exerço a Psicologia
Jurídica e local que serviu de campo para minha pesquisa de doutoramento.
Às psicólogas do TJMG das Varas Criminais referentes à Lei Maria da Penha
e Varas de Família que, direta ou indiretamente, colaboraram com a realização
desta tese.
Aos admiráveis professores que gentilmente aceitaram o convite para compor
a banca examinadora deste trabalho, mesmo as contingências não tendo sido tão
favoráveis.
Aos colegas integrantes do Grupo de Pesquisa liderado pela Profª Leila, pela
troca de saberes e pelo afeto partilhado no decorrer do Doutorado.
Aos meus amigos da PUC Minas e da Rodovia 050, professores Érica e
Cadu, pelas intermináveis prosas sobre as nossas (des)construções no doutorado:
“câmbio desliga.”
Aos meus ex-alunos da PUC Minas unidade Arcos, pelo incentivo, carinho e
reconhecimento. À Luisa, estagiária do TJMG, supervisionada por mim, por me dizer
todos os dias: “calma, no final vai dar tudo certo”.
Aos homens participantes desta pesquisa, pela colaboração espontânea com
as entrevistas.
À Professora Marlene Machado Zica Vianna, pelos encontros que excederam
o espaço da tese, transformando a técnica em amizade e admiração.
Ao meu irmão Frederico e à minha cunhada Luciana, pelo calor da acolhida
nas noites em Niterói no meu primeiro ano de doutorado.
À minha amada família, especialmente minha mãe Ana, meus irmãos
Frederico, Thalles e Thayana, os Alexandres (marido e filho), vovó Elza e Axl.
Toda a lei que oprime um discurso está insuficientemente fundamentada.
Roland Barthes.
RESUMO

CARDOSO, Fernanda Simplício. Paternidade na berlinda: convivência com os filhos


em tempos de Lei Maria da Penha. 2017. 218 f. Tese (Doutorado em Psicologia
Social) – Instituto de Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2017.

O presente estudo teve como objetivo principal analisar possíveis


interferências das medidas protetivas previstas na Lei 11.340/2006 – conhecida
como Lei Maria da Penha – sobre o direito de convivência dos filhos com o pai.
Elegeu-se a abordagem da Psicologia Jurídica no campo social para nortear os
caminhos dessa pesquisa. O interesse pelo assunto surgiu da prática profissional
realizada na instituição judiciária, no atendimento em psicologia de casos
encaminhados pelos juízes das Varas de Família, em que se constatavam
obstáculos na convivência paterno-filial. O percurso metodológico foi realizado por
meio de estudo teórico e pesquisa de campo. A literatura científica utilizada constou
de publicações a respeito da Lei Maria da Penha, das políticas judiciárias criminais,
do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes, da paternidade e do
processo de judicialização. Buscou-se não só historicizar o surgimento da Lei Maria
da Penha e seus desdobramentos na esfera cível e criminal, como também analisar
a relação paterno-filial na atualidade e os efeitos da judicialização nas relações
familiares. Em campo, foram realizadas entrevistas individuais abertas com sete
homens denunciados com base na Lei 11.340/2006, selecionados a partir da leitura
de processos criminais existentes nas quatro Varas Especializadas de Violência
Doméstica e Familiar, em Belo Horizonte, durante o ano de 2016. Os entrevistados
estavam cumprindo medidas protetivas decorrentes da Lei Maria da Penha,
possuíam filhos menores de idade com a suposta vítima e ainda não haviam sido
julgados. As entrevistas foram submetidas ao método de análise de conteúdo, e
delas foram extraídos os analisadores que permitiram interpretá-las. Os resultados
apontaram que a conjugalidade e a parentalidade podem ser confundidas em
contextos de rompimento conjugal, sobretudo, quando atravessados pela violência
de gênero. Nesse caso, a medida protetiva passa a ser um entrave para o convívio
dos pais com os filhos, tendo em vista que, ora o homem denunciado está impedido
de se aproximar da suposta ofendida – geralmente guardiã e cuidadora dos filhos -,
ora as visitas paternas são suspensas ou restritas com base no inciso IV, artigo 22
da mencionada lei. Considerou-se, a partir desses resultados, que a expansão das
leis e o enrijecimento dos mecanismos punitivos não garantem a efetividade da Lei
Maria da Penha, mas tem contribuído para o sentimento negativo desses homens a
respeito da justiça e de seus dispositivos empregados para punir. Além disso,
considerou-se que, o uso excessivo das medidas protetivas colabora para a
expansão do Estado Penal, transformando a justiça criminal no regente da vida em
sociedade.

Palavras-chave: Convivência familiar. Lei Maria da Penha. Medidas Protetivas.


Relação paterno-filial.
ABSTRACT

CARDOSO, Fernanda Simplício. Paternity in jeopardy: father-child relationship under


the Maria da Penha Law. 2017. 218 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) –
Instituto de Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2017.

The present study had as its principal objective the analysis of possible
interference from the protective measures stipulated in Law 11.340/2006−also known
as the Maria da Penha Law−in the rights related to father-child relationships. The
approach selected to direct the course of this research was that of Legal Psychology
in the social field. Interest in the subject emerged from professional activity in a
judicial institution and from psychological counseling in cases referred by judges in
Family Court in which obstacles to the father-child relationship were observed. The
scientific literature employed consisted of publications related to the Maria da Penha
Law, of criminal-judicial policies, of children and adolescents' family rights, of
paternity, and of the process of judicialization. Not merely the historicization of the
emergence of the Maria da Penha Law and of its consequences in the civil and
criminal spheres were sought, but also the analysis of the father-child relationship in
contemporary times and of the effects of judicialization on family relationships. Open
individual interviews were conducted in the field with seven men denounced
according to Law 11.340/2006, who were selected from reading of criminal
processes existing in the four Special Courts of Family and Domestic Violence in
Belo Horizonte, during the year of 2016. The interviewees were bound by protective
measures stipulated by the Maria da Penha Law, had under aged children with the
supposed victims, and had not yet been tried. The interviews were subjected to the
method of content analysis and from them were extracted the analyzers which
allowed for their interpretation. The results indicated that conjugality and paternity
can be confused in contexts of marital rupture, especially when the rupture is related
to gender violence. In such situations, the protective measures become obstacles to
the relationship between father and child, given that the man accused of violence is
either forbidden to approach the supposed victim−who generally is the guardian and
caretaker of the child−or his contact with the child is restricted or suspended
according to section IV, article 22 of the aforementioned law. It has been observed,
following these results, that the expansion of regulations and the hardening of
punitive mechanisms do not guarantee the effectiveness of the Maria da Penha Law,
but rather contributes to fostering these men's negative feelings towards justice and
its punitive devices. Furthermore, it has been considered that the excessive use of
protective measures entails the expansion of the Penal State, thus transforming
criminal justice into the ruler of life in society.

Keywords: Family relationship. Maria da Penha Law. Protective measures. Father-


child relationship.
RÉSUMÉ

CARDOSO, Fernanda Simplício. Paternité en question: la relation parents-enfant em


temps de la Loi Maria da Penha. 2017. 218 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social)
– Instituto de Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2017.

Cette étude a eu pour objectif d'analyser les interférences possibles des mesures
de protection prévues par la Loi 11.340 / 2006 – connu comme la loi Maria da Penha –
sur le droit des enfants de vivre avec son père. L‟approche suivi, pour guider les
chemins de cette recherche, a consisté à faire un étude avec la psychologue juridique
dans le contexte social. L'intérêt pour le sujet est devenu de la pratique professionnelle
dans une institution judiciaire au service de la psychologie des cas visés par les juges
des tribunaux de la famille, dans laquelle trouvaient des obstacles dans les relations
paternelles-filiale. L'approche méthodologique a été accompli par l'étude théorique et la
recherche sur le terrain. La littérature scientifique utilisée est composée de publications
sur la Loi Maria da Penha, la politique judiciaire pénale, le droit à la vie familiale des
enfants et des adolescents, la paternité et le processus de judiciarisation. On a cherché
non seulement historiciser l'émergence de la Loi Maria da Penha et ses conséquences
dans le domaine civil et pénal, mais également d'analyser la relation paternelle-filiale de
nos jours et les effets de la judiciarisation dans les relations familiales. Sur le terrain, ont
été faites des entretiens ouverts individuels avec sept hommes dénoncés en fonction de
la loi 11.340 / 2006, sélectionné à partir de la lecture de poursuites pénales en vigueur
dans les quatre tribunaux spécialisés en violence domestique et familiale, à Belo
Horizonte, au cours de l'année 2016. Les enquêtés étaient sous des mesures de
protection découlant de la loi Maria da Penha, et ont eu des enfants mineurs avec la
victime présumée et n'on pas encore été jugé. Les entretiens ont été soumises au
méthode d'analyse de contenu, et ceux-ci ont été prises à partir des analyseurs qui ont
permis de les interpréter. Les résultats ont montré que la conjugalité et la parentalité
peuvent être confondus dans les contextes de la rupture du mariage, surtout quand
traversé par la violence de genre. Dans ce cas, la mesure de protection devient un
obstacle à la relation parent-enfant, si l‟on considère que le père dénoncé est empêché
de s'approcher de la mécontente – habituellement tuteur et gardien des enfants –, et si
l‟on considère que les pères parfois sont empêchés, soit partiellement, soit entièrement
de rendre visite à ses enfantes sur la base de l'incise IV, l'article 22 de cette loi. On peut
conclure, d'après ces résultats, que l'expansion des lois et renforcement des
mécanismes punitifs ne garantissent pas l'efficacité de la loi Maria da Penha, mais
contribuent à disséminer un sentiment négatif de ces hommes par rapport à la justice et
de les dispositifs utilisés pour punir. En outre, il a été constaté que l'utilisation excessive
des mesures de protection contribue à l'expansion de l'État pénal, ce qui rend le
système de justice pénale au statu de régent de la vie en société.

Mots-clés: Relation parent-enfant. Loi Maria da Penha. Mesures de Protection.


Relation paternelle-filiale.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 11
1 LEI MARIA DA PENHA: CONTEXTO, PRESSUPOSTOS E APLICAÇÃO ... 20
1.1 A Construção de uma Política de Enfrentamento da Violência Contra
as Mulheres no Brasil ................................................................................... 20
1.2 Implicações da Lei Maria da Penha e os Desafios para sua Efetivação .. 32
2 DO PEDAGÓGICO AO TERAPÊUTICO: VESTES PENAIS PARA A
DIFUSÃO DA LEI MARIA DA PENHA........................................................... 54
2.1 Intervenções Educativas ou Soluções Penais? ......................................... 66
2.2 O Abecedário da Prevenção: de Cartilhas às Respostas Instantâneas ... 80
3 A CONVIVÊNCIA PATERNA EM CONTEXTOS DA LEI MARIA DA
PENHA ........................................................................................................... 92
3.1 A Convivência Familiar no Âmbito Jurídico-Legal e das Políticas
Sociais ........................................................................................................... 94
3.2 As Vicissitudes da Paternidade na Família Pós-Moderna......................... 98
3.3 Pontos e Contrapontos da Judicialização na Esfera Familiar ................ 117
4 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA ................................................................ 124
4.1 Dos Pressupostos Metodológicos ............................................................ 125
4.2 Dos Métodos de Investigação ........................................................................ 127
4.3 Dos Critérios para a Escolha do Campo Investigado .............................. 130
4.3.1 Seleção dos Participantes da Pesquisa ........................................................ 132
4.3.2 Caracterização dos Participantes ................................................................. 135
4.4 Estratégia de Análise e Interpretação das Informações .......................... 137
5 RESULTADOS ............................................................................................. 140
5.1 Das Histórias Contadas nos Autos ........................................................... 140
5.2 Análise e Interpretação das Entrevistas ................................................... 144
5.2.1 Entre o Conjugal e o Parental ....................................................................... 145
5.2.2 Relação Paterno-Filial................................................................................... 154
5.2.3 Repercussão Social ...................................................................................... 159
5.2.4 Dispositivos Penalizadores ............................................................................. 164
5.2.5 Implicações da Judicialização ........................................................................ 167
5.3 Breve Discussão dos Resultados ............................................................. 170
CONCLUSÃO ............................................................................................... 174
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 185
ANEXO ......................................................................................................... 203
11

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa de doutorado, realizada no âmbito do Programa de Pós-


Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), aborda o tema “Convivência Familiar.” Propõe-se a analisar possíveis
interferências das medidas protetivas previstas na Lei 11.340/2006 – conhecida
como Lei Maria da Penha – sobre o direito de convivência dos filhos com o pai. Para
tanto, um longo percurso foi realizado até a definição do objeto de estudo, a
formulação do problema e a escolha dos meios que seriam empregados para
pesquisá-lo. É sabido que a construção de um problema de pesquisa requer tempo e
resulta da lapidação do conhecimento acadêmico e profissional, sendo esse um
processo de transformação do pesquisador, que se torna sensível às causas que,
por determinado prisma, buscam explicar fatos e fenômenos. Sendo essa uma
pesquisa circunscrita no campo de interface entre a Psicologia e o Direito, elege-se
a perspectiva da Psicologia Jurídica fundamentada na Psicologia Social para tratar o
assunto.
O tema convivência familiar de crianças e adolescentes pode ser discutido
não só pela via das teorias psicológicas, como também pela alçada dos direitos
infantojuvenis previstos em legislações específicas, nacionais e internacionais, como
a Convenção sobre os Direitos da Criança (1990), o Estatuto da Criança e do
Adolescente (BRASIL, 1990), a Lei de Adoção (BRASIL, 2009), a Lei de Guarda
Compartilhada (BRASIL, 2014), entre outras. Pode-se discutir, também, esse tema
no contexto da Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006b), que, embora tenha sido
implantada com a finalidade de coibir a violência doméstica e familiar contra a
mulher, dispõe de medidas protetivas de urgência que, aplicadas em favor da
mulher, podem dificultar a convivência paterno-filial pelo fato de restringir ou
suspender as visitas do homem que está sendo acusado e, por conseguinte,
respondendo a processo criminal. Esse é um aspecto pouco explorado até o
momento, pois a centralidade dessa lei é a proteção dos direitos da mulher,
supondo-se que a questão da convivência dos filhos com o pai seja tratada como um
“apêndice” no processo criminal.
A Lei 11.340/2006 estabelece que os crimes, decorrentes da violência de
gênero praticada contra a mulher na esfera doméstica e familiar, serão julgados nos
12

Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que


terão competência híbrida para conhecer e julgar matéria de natureza cível e
criminal. Na falta desses Juizados ou de Varas Especializadas, 1 os processos
tramitarão nas Varas Criminais que acumularão competência cível e criminal. Essa
prerrogativa não exclui a possibilidade de as partes do processo criminal decorrente
da Lei Maria da Penha buscarem o amparo nas Varas de Família, para resolver
questões atinentes ao divórcio. Entretanto, existindo dois feitos judiciais em varas
independentes, pode ocorrer de a mesma matéria cível ser julgada diferentemente
pelos juízes, que decidem de maneira divergente e, às vezes, conflitante. Poderá um
juiz criminal suspender as visitas paternas, com fundamento no inciso IV, artigo 22
da Lei 11.340/06, enquanto o da Vara de Família decide favoravelmente à realização
das mesmas, levando-se em conta que uma das molas propulsoras do Direito de
Família é a garantia da convivência familiar. Nesse caso, não são os direitos da
mulher que assumem centralidade, mas a equidade entre os direitos e deveres do
homem e da mulher, e o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente,
quando envolvidos no litígio conjugal.
Dessa forma, os impasses que podem ser provocados pela Lei Maria da
Penha e que interferem na relação paterno-filial ganham relevo nas Varas de
Família, para onde são endereçadas as demandas de pais que perderam o convívio
com os filhos após a aplicação das medidas protetivas provenientes da mencionada
lei. É nesse contexto de trabalho nas Varas de Família, que surgiu o interesse pelo
presente estudo. A autora desta pesquisa trabalha no serviço de psicologia do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desempenhando suas atividades na capital,
junto a uma equipe formada por psicólogos e assistentes sociais, que atendem,
prioritariamente, às demandas provenientes das Varas de Família do Fórum
Lafayette. Na última década, notou-se o aumento do número de processos de pais
que deixaram de ter contato com os filhos. Alguns alegavam ser em função da
medida protetiva decorrente da Lei Maria da Penha, ao passo que outros não
estabeleciam uma relação direta, embora destacassem que o distanciamento
ocorreu depois do processo criminal. Somado a isso, observou-se que os conflitos

1
Segundo dados consultados na página eletrônica do Conselho Nacional de Justiça (BRASIL. CNJ,
2017), entre o ano de 2006 até 2015, foram criadas 91 unidades de varas especializadas em
atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar contra a mulher, não havendo
informações a respeito da existência de Juizados Especializados, conforme roga a Lei 11.340/2006.
13

de competência entre os juízes criminais e cíveis, nos processos em que as


decisões sobre a mesma matéria eram divergentes, também impactavam o trabalho
do psicólogo que não sabia, ao certo, qual decisão deveria prevalecer para
direcionar seu trabalho. Assim, na hipótese da presença de somente um psicólogo
para atender a ambos os juízos mencionados - como é comum ocorrer em comarcas
do interior do estado-, caberia a esse profissional pautar seu trabalho na decisão do
juiz criminal, que suspendeu ou restringiu as visitas paternas, ou acatar a ordem do
juiz cível, favorável à regulamentação dessas visitas? Esses questionamentos
iniciais – talvez os mais simples para um assunto tão complexo – foram se
desdobrando em outros à medida que novas situações surgiam e interpelavam a
prática do psicólogo junto aos casos de família entrecortados pela Lei Maria da
Penha.
Na busca de literaturas específicas para dar sustentação ao desenvolvimento
do trabalho nesse novo cenário que se impunha, deparou-se com um significativo
volume de informações disponíveis na mídia a respeito da Lei Maria da Penha, com
o objetivo de divulgá-la e difundi-la junto à população em geral, incluindo-se as
crianças e os adolescentes. Reportagens sobre mulheres agredidas, cartilhas de
prevenção à violência doméstica e familiar contra a mulher dirigidas ao público
feminino e infantojuvenil, matérias de campanhas de conscientização contra a
violência estavam disponíveis para o leitor. Em contrapartida, identificou-se reduzido
material que abordasse não só a condição do homem acusado frente à denúncia e
aos filhos da relação com a suposta ofendida, como também em relação aos
tratamentos impostos, às medidas punitivas aplicadas e aos seus direitos.
Observou-se que os estudos estatísticos, revelando o alto índice de
homicídios praticados contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, influenciavam
as informações veiculadas pela mídia, reduzindo o debate ao apontamento das
vítimas e dos culpados, e dos meios para punir quem pratica a violência. Assim,
produzia-se uma leitura esvaziada dos elementos sociais, históricos, econômicos,
políticos e religiosos que ajudam a problematizar e a explicar a violência contra a
mulher.
O estudo denominado “O Mapa da Violência – Homicídio de Mulheres no
Brasil”, em sua última edição publicada no ano de 2015 por Júlio Jacobo Waiselfisz,
do Instituto Sangari, ao fazer o retrato da violência contra a mulher nos últimos anos,
revelou que o Brasil está na 5ª posição em relação às taxas de homicídios
14

praticados contra a mulher, quando comparado a um grupo de 83 países


pertencentes à Organização das Nações Unidas (ONU). A respeito da estatística
sobre a violência contra as mulheres no Estado brasileiro, o autor pondera que

[...] entre 1980 e 2013, num ritmo crescente ao longo do tempo, tanto em
número quanto em taxas, morreu um total de 106.093 mulheres, vítimas de
homicídio. Efetivamente, o número de vítimas passou de 1.353 mulheres
em 1980, para 4.762 em 2013, um aumento de 252%. A taxa, que em 1980
era de 2,3 vítimas por 100 mil, passa para 4,8 em 2013, um aumento de
111,1%. (WAISELFISZ, 2015, p.11).

O Mapa da Violência (WAISELFISZ, 2015) apontou uma taxa relevante de


homicídios de mulheres praticado na unidade doméstica, cerca de 27,1%.
Demonstrou, também, por meio de uma pesquisa realizada no ano de 2014, que, na
fase adulta da mulher, predominam as agressões cometidas pelo cônjuge, cuja
porcentagem é de 34%.
Quando acontecem crimes praticados na esfera familiar pelo homem com
quem a mulher mantinha o convívio afetivo, principalmente se envolvem figuras
públicas, eles ganham destaque na mídia e alavancam os pontos de audiência,
sendo rentável para os meios de comunicação noticiá-los. Reportagens sobre esse
assunto geralmente começam com uma manchete sensacionalista e de cunho
apelativo, influenciando a opinião do ouvinte ou do leitor a respeito do fato. Não há
uma análise contextual dos elementos e nenhuma historicização a respeito da vida
em comum do casal, predominando o destaque dado à figura das vítimas e à
culpabilização do autor. “Preocupados” com a vítima, expõem sua imagem, viva ou
morta, apropriando-se dos fatos da maneira como querem e insistindo com sua
divulgação enquanto houver interesse pelo assunto.
Recentemente, na virada do ano de 2016, teve destaque uma manchete
difundida na internet informando a ocorrência de uma “chacina”, em que foram
assassinadas 12 pessoas de uma mesma família, entre elas a ex-mulher e o filho do
autor. (ATIRADOR..., 2017). Supõe-se que reportagens sobre crime, tanto dando
ênfase às vítimas e explorando sua imagem, como também expondo mensagens e
áudios deixados pelo “assassino”/ “criminoso”/ “atirador”, compreensivelmente, abalam
os leitores e expectadores desses noticiários. Lendo as reportagens e os trechos da
carta deixada pelo técnico de laboratório, autor do fato, que se matou depois de praticar
os homicídios, deduz-se que se tratava de uma história conjugal e familiar judicializada.
15

Existiam nessas matérias tanto denúncias de violência doméstica contra a mulher e de


abuso sexual contra o filho, quanto informações sobre tentativas implementadas pelo
denunciado para se defender dessas acusações, porque ele se sentia injustiçado e
desamparado pelas leis.
Nas histórias conjugais entrecortadas pela Lei Maria da Penha, em que há a
presença de filhos em comum, o que se observa é que, por um lado, as leis rogam pela
proteção do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes e, por outro, pela
proteção dos direitos da mulher vítima da violência doméstica e familiar. Em meio a
isso, há um homem que não é só pai, mas também um homem acusado de praticar a
violência de gênero, tentando se defender e proteger o que ele entende ser seu direito.
Assim sendo, quem são as vítimas da história? A resposta dependerá da seara onde se
discute a ação judicial? Em se tratando da Lei Maria da Penha, seus dispositivos se
sobrepõem aos direitos infantojuvenis, na hipótese da existência de filhos em comum
entre a mulher – suposta ofendida – e a parte acusada?
O rol das medidas protetivas de urgência previstas no artigo 22 da Lei
11.340/2006 (BRASIL, 2006b), aplicadas em conjunto ou separadamente, visam
proteger a mulher da ação do “agressor”. Essas medidas implicam alguma proibição,
impedimento ou restrição, impostos ao homem que está sendo acusado, ou para
impor-lhe alguma obrigação. Em caso de descumprimento, elas podem ser
transformadas em punição severa, tal como, pena de prisão. São aplicadas tão logo
é iniciada a ação criminal, bastando que a mulher registre a queixa na delegacia e
solicite que o juiz as determine. O inciso IV da referida lei estabelece ao homem “a
restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de
atendimento multidisciplinar ou serviço similar.” Pergunta-se: Todos os juízes que
atuam nas Varas Criminais Especializadas na aplicação da Lei Maria da Penha são
assessorados por equipe multidisciplinar? O que seria compreendido como um
“serviço similar” no âmbito da instituição judiciária? Nos lugares onde não há equipe
multidisciplinar, caberia às mães decidirem se os pais estão aptos ou não a
conviverem com seus filhos, menores de idade? Essas mulheres, supostamente
vitimizadas pela violência, estariam em condições emocionais para tomarem esse
tipo de decisão?
Na literatura científica que já se produziu sobre o assunto, observa-se a
predominância de publicações a respeito da violência doméstica e familiar contra a
mulher e da Lei Maria da Penha subsidiadas em teorias de gênero e nos
16

mecanismos educativos e/ou punitivos para cessar a violência, dando centralidade


aos direitos da mulher na perspectiva da igualdade de gênero, do empoderamento,
de sua autonomia e emancipação (MENDES, 2016; OLIVEIRA, 2004, SOUZA,
2013). São estudos que não fazem recortes das denúncias de violência conjugal
ocorridas em contextos de litígios, onde circulam outras demandas submersas à
queixa principal, nem dos interesses que podem advir dos filhos. Nesse sentido, a
violência é analisada unilateralmente, na perspectiva do binômio vítima-agressor,
sem relativizar as particularidades de situações que, embora não justifiquem a
violência, permitem problematizá-la.
Em um seminário promovido, no ano de 2015, pelo Ministério Público do
Estado de Sergipe, na cidade de Aracaju, com a finalidade de se discutir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, despertou a atenção da autora deste trabalho,
que era uma das palestrantes e compunha a mesa de abertura do evento, a maneira
como uma psicóloga, convidada pelos dirigentes do Ministério Público, deu início às
palestras. Na ocasião, ela narrou, em tom de suspense, a história de um conto
infantil intitulado “O Barba Azul”, escrito por Charles Perrault. A história, retratada
aqui de maneira sucinta, é a de um homem rico e atraente, que seduzia as
mulheres, se casava com elas e depois as matava. Ao finalizar a narrativa, a
psicóloga se dirigiu ao público feminino presente no auditório, alertando para que
tivesse cuidado com os homens que, comumente disfarçados de “príncipes”, podem
ser, na verdade, monstros e algozes. Prolongou-se por alguns minutos, fazendo
recomendações desse tipo às mulheres, uma espécie de aconselhamento e, em
seguida, passou a palavra aos demais palestrantes. Naquele momento, enquanto
ouvinte, precipitou-se, internamente, a seguinte pergunta: Para que um seminário
sobre a violência contra a mulher, considerando que vítima e agressor já foram
definidos antecipadamente? Em qual momento serão discutidos os processos de
escolha, os motivos internos e os interesses da mulher na esfera dos
relacionamentos amorosos? Em vez de contar uma história envolvendo sapos e
princesas a profissionais que atuam na rede de atendimento à mulher vítima de
violência doméstica e familiar, não teria sido mais adequado indicar a leitura de um
clássico, por exemplo, o romance “O Repouso do Guerreiro” (1980), escrito por
Christiane Rochefort, que aborda toda a destrutividade que pode existir em um
relacionamento amoroso, marcado por ambiguidades e por elementos simbióticos
que unem o casal?
17

Em relação ao uso dos dispositivos da Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006b),


é de se notar que alguns autores problematizam sua aplicação na esfera cível e
fazem ressalvas importantes. Amaral (2010) e Segata (2008) alertam para os riscos
iminentes na aplicação da medida protetiva que restringe ou suspende o convívio do
pai com os filhos. Rifiotis (2008) destaca as implicações do processo de
judicialização nas relações familiares e conjugais, ao passo que Batista (2008), ao
falar sobre a Lei 11.340/2006, ressalta o predomínio da penalização exacerbada do
homem e o destaque à vítima como alvo de proteção.
Batista (2008), apesar de reconhecer a relevância da Lei Maria da Penha,
aponta o perigo do uso abusivo das medidas protetivas de urgência, sobretudo da
medida de suspensão das visitas paternas, nos casos em que a relação do pai com
os filhos não tiver sido afetada. Na esteira desse pensamento, seguem outros
autores como Karam (2006), ao afirmar que a suspensão ou restrição de visitas viola
o direito da criança à convivência familiar. A autora, para firmar seu posicionamento
contra a violação desse direito, faz referência ao caput do artigo 227 da Constituição
Federal Brasileira (1988) (BRASIL, 1988) e ao parágrafo 3º do artigo 9º da
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989).
Estudiosos do Direito Penal (GARLAND, 2008; ZAFFARONI, 2013;
WACQUANT, 2010, 2012) também avaliam com cuidado as metodologias criadas
pela política judiciária criminal, ao estabelecerem práticas judiciárias de controle do
crime, que contribuem para a construção da figura do criminoso. Nesse sentido,
Batista (2008) chama a atenção para o aspecto criminalizante da Lei Maria da
Penha, afirmando que a intervenção primordialmente punitiva por parte do Estado
pode contribuir para neutralizar o debate sobre as opressões sofridas pelas
mulheres no âmbito doméstico e para aumentar os níveis de controle e vigilância do
Estado sobre a vida privada. Como consequência, os sistemas penais são
reforçados, transformando os interesses da vida privada em pública.
Tomando como referência esses autores, há que se problematizar a decisão
do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que, no mês de novembro de 2016,
divulgou uma nota técnica orientando a quebra do sigilo profissional em casos de
violência contra a mulher. (CFP, 2017). O Conselho permite que o psicólogo faça
esse tipo de denúncia se constatado que a vida da mulher, de seus filhos ou de
pessoas próximas estiver seriamente ameaçada. Um detalhe importante é que a
denúncia não depende de consentimento da paciente quando for identificado risco
18

de feminicídio. São diversas as inquietações que essa decisão do CFP provoca.


Estariam os psicólogos preparados para definir o que são casos de grave ameaça?
Ao assumir a função de denunciante, sobretudo sem o consentimento da paciente,
quais as possibilidades de se dar continuidade ao tratamento? Qual o compromisso
ético assumido diante dos desdobramentos da denúncia para os envolvidos? Ao
decidir pela quebra de sigilo profissional, uma dimensão ética tão cara à psicologia
desde os seus primórdios, estaria o CFP atribuindo poder de polícia aos psicólogos?
O sigilo também poderá ser quebrado quando a vítima em potencial for o homem?
A discussão de Nascimento e Scheinvar (2005) sobre as políticas sociais e
seus equipamentos de proteção à infância auxilia no entendimento não só das
políticas judiciárias de cunho criminal, voltadas à proteção da mulher supostamente
vítima da violência, como também da ação do Conselho Federal de Psicologia do
país ao permitir a quebra do sigilo profissional em nome de uma suposta proteção.
As autoras analisam a utilização dos dispositivos de proteção junto às famílias
consideradas em situação de risco e, segundo concluem, trata-se de práticas de
poder que visam ao controle social, embora sejam justificadas na proteção.
Nascimento e Scheinvar asseveram:

O poder disciplinar, segundo Foucault, implica em um conjunto de instrumentos,


técnicas, procedimentos, assumidos pelos equipamentos sociais que objetivam
vigiar e controlar. Esta prática se desenvolve tanto por aqueles que têm função
coercitiva, como é o caso da Justiça, como por aqueles onde é mais velada a
relação disciplinar, como no caso da escola e do atendimento à saúde. Todos
eles funcionam pela vigilância, que no Brasil é controlada pelas elites políticas.
(NASCIMENTO; SCHEINVAR, 2005, p.59).

Partindo do pressuposto de que as medidas protetivas de urgência previstas


na Lei Maria da Penha são dispositivos de poder, que alinhadas ao discurso de
proteção servem para disciplinar, controlar e classificar tanto os acusados, quanto as
supostas vítimas, objetivou-se nesta pesquisa, analisar possíveis interferências da
Lei Maria da Penha na convivência dos filhos com o pai acusado. Para alcançar
esse objetivo, foi necessário, primeiramente, historicizar o surgimento da Lei
11.340/2006 no contexto da política de enfrentamento à violência doméstica e
familiar contra a mulher no Brasil e problematizar as políticas judiciárias criminais
criadas para difundi-la. Posteriormente, analisar as possíveis consequências da
indiferenciação entre conjugalidade e parentalidade no manejo da convivência
19

parental com os filhos e averiguar os impasses do processo de judicialização na


esfera da relação paterno-filial.
O percurso metodológico adotado pautou-se na abordagem qualitativa, tendo
sido realizado um estudo de natureza exploratória no campo social. A coleta de
informações foi feita a partir de pesquisa bibliográfica e de campo. Buscou-se, por meio
de livros, periódicos científicos, legislações, cartilhas, reportagens jornalísticas,
informações que contribuíssem para atingir o objetivo deste trabalho. A pesquisa de
campo, submetida à Plataforma Brasil e autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa,
e também pelo representante do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, foi realizada nas
Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, em Belo
Horizonte. O público deste estudo constituiu-se de sete homens denunciados pela
prática de violência doméstica e familiar contra a mulher e, por isso, cumprindo as
medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Os critérios para a participação
exigiam que os homens tivessem filhos em comum com a ex-companheira que os
acusou e que o processo estivesse ativo, sem julgamento. Selecionaram-se os
participantes com base na leitura dos processos judiciais, seguida do contato telefônico
para efetuar o convite. Mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido pelos participantes, passou-se à etapa das entrevistas, que foram abertas,
individuais e iniciadas com uma pergunta disparadora.
Realizou-se a análise de conteúdo das entrevistas utilizando-se a técnica de
Bardin (2011) e os passos propostos por Fontanella, Campos e Turato (2006). Para
tanto, foram construídos cinco analisadores: Entre o conjugal e o parental; Relação
paterno-filial; Repercussão social; Dispositivos penalizadores e Implicações da
judicialização.
Os resultados desta pesquisa contribuíram para a compreensão sobre a
transversalidade da Lei Maria da Penha no que tange à convivência dos filhos com o
pai acusado. Eles demonstraram que a expansão das leis e o enrijecimento dos
mecanismos punitivos não garantem a sua efetividade, mas têm contribuído para a
judicialização da relação paterno-filial e para o sentimento negativo desses homens
a respeito da justiça. Além disso, apontaram a importância de realização de novos
estudos qualitativos no campo da violência conjugal e da convivência familiar,
relativizando o universal e o particular na relação homem/mulher.
20

1 LEI MARIA DA PENHA: CONTEXTO, PRESSUPOSTOS E APLICAÇÃO

O surgimento da Lei 11.340 – popularmente conhecida como Lei Maria da


Penha e sancionada em 07 de agosto de 2006, no Brasil – carrega em seu bojo
marcas de uma história de batalhas empreendidas pelos movimentos sociais e
políticos, destacadamente de certos grupos feministas, em prol do reconhecimento
dos direitos da mulher e da criação de uma legislação específica para punir crimes,
cuja natureza reflete a desigualdade de gênero contra a mulher.
Portanto, a Lei Maria da Penha é o dispositivo jurídico-legal que tem, como
finalidade, prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Trata-se
de uma lei amplamente divulgada no meio jurídico, midiático e, de modo geral, na
sociedade como um todo. No âmbito das instituições que compõem o sistema de
justiça, são desenvolvidas estratégias com o objetivo de efetivá-la, visando atingir
seus fins desejáveis. A proposta de resgate da história da Lei Maria da Penha e sua
contextualização possibilitam conhecer os mecanismos empregados para sua
efetivação e seus possíveis efeitos na esfera familiar, na relação dos filhos com o
pai, quando este é acusado de cometer violência contra a mulher no âmbito da
conjugalidade.

1.1 A Construção de uma Política de Enfrentamento da Violência Contra as


Mulheres no Brasil

Para compreender o contexto de criação da Lei Maria da Penha, faz-se


importante mencionar a influência de determinados movimentos feministas, 2 cujo
ressurgimento no Brasil ocorreu na segunda metade do século XX (LAGO; RAMOS;
BRAGAGNOLO, 2010; MORAES; SORJ, 2009; OLIVEIRA, 2004). Fala-se de
ressurgimento porque, como já explicou Oliveira (2004), o feminismo despontou na II
Revolução Industrial Europeia, e suas raízes, no Brasil, também datam desse

2
Oliveira (2004) explanou que o movimento feminista não é homogêneo, existindo controvérsias em
seu interior motivadas pelos desdobramentos teóricos. Porém, escapa ao objetivo desta pesquisa
explorar os diferentes pressupostos que definem cada grupo feminista.
21

período. À época, o foco das lutas era o direito ao trabalho e o voto das mulheres.
Moraes e Sorj (2009) destacam que a retomada do movimento, na década de 1970,
após o regime militar em 1964, é marcada por outras experiências importantes,
como a passagem das mulheres pela militância em organizações de esquerda, sua
inserção em grupos feministas no país e no exterior e a luta pelo fim da ditadura.
Os movimentos sociais que surgiram na segunda metade do século XX
também desempenharam um papel importante na afirmação dos grupos feministas
no âmbito brasileiro e internacional. Rodrigues e Sierra (2011) apontam que os
denominados novos movimentos sociais, constituídos nas décadas de 1960 e 1970,
além de lutarem pela garantia dos direitos trabalhistas e pelo bem-estar social,
incluíram, em sua agenda de reivindicações, o interesse por questões relacionadas
à esfera da vida privada. Nesse sentido, a militância em favor de grupos socialmente
menos favorecidos – como mulheres, crianças, idosos, negros, homossexuais,
deficientes – entre outras minorias assumiu centralidade no debate sobre igualdade
e direitos. De acordo com as autoras, foi nesse contexto de reivindicações,
sustentado pelos movimentos sociais, que os Direitos Humanos foram aclamados
como bandeira das lutas democráticas no país, inclusive no que se refere ao
reconhecimento dos direitos das mulheres. No entendimento de Rifiotis (2012, p.3),
“os Direitos Humanos hoje dão fundamento, coerência e legitimidade aos próprios
movimentos sociais” e representam a tônica das lutas sociais, sobretudo por
reconhecimento jurídico.
Não há dúvidas de que o esforço de redemocratização da sociedade,
encabeçado pelos movimentos sociais após o regime militar, contribuiu
sobremaneira para a união das feministas a outros grupos mobilizados ao combate
às desigualdades sociais, resultando no fortalecimento dos movimentos feministas e
viabilizando sua participação nos segmentos políticos. Prado e Costa (2011)
denominam como estratégia de aliança o estabelecimento de vínculos entre os
sujeitos políticos, cujo foco da ação é a “[...] tentativa de fortalecer bandeiras
específicas presentes na relação entre eles.” (PRADO; COSTA, 2011, p. 694). O
resultado dessa aliança no contexto brasileiro, segundo expõe Moraes e Sorj (2009),
foi a construção de um feminismo muito mais sensível às questões das
desigualdades sociais.
Nessa perspectiva, Alonso (2009) afirma que os movimentos sociais
construíram um projeto cultural, uma vez que substituíram os movimentos de classe
22

por “novos movimentos expressivos, simbólicos, identitários, caso do feminismo, do


pacifismo, do ambientalismo, do movimento estudantil.” (ALONSO, 2009, p. 67).
Sobre esse aspecto inovador desses movimentos sociais, constituídos na segunda
metade do século XX, Brito (2014) explana que uma de suas características é a
ênfase dada aos temas da vida cotidiana, privilegiando mudanças culturais relativas
a pequenos grupos, como mulheres, crianças, idosos, homossexuais. Levando em
consideração o interesse predominante dos novos movimentos sociais, Rodrigues e
Sierra questionam se as questões culturais, tratadas na esfera dos Direitos
Humanos, não estariam se sobrepondo às lutas de classes e, por conseguinte,
explicando a “conflitividade social como resultado das experiências de injustiça
causadas por atitudes que expressam o desrespeito, ou que ferem a auto-estima
do(s) sujeito(s)” (RODRIGUES; SIERRA, 2011, p.32). O pensamento das autoras
reflete o cuidado para que as questões decorrentes da vida privada e dos
relacionamentos sociais não sirvam de subterfúgio para compensar a desigualdade
na estrutura de classes, desincumbindo as instituições públicas de assumirem sua
responsabilidade frente aos direitos do cidadão.
Segundo Prado e Costa, a expressão “novos movimentos sociais” não
significa oposição aos “velhos movimentos sociais”, cuja ênfase era a luta de
classes, “[...] mas sim na expansão, propiciada por eles, do imaginário democrático a
um conjunto de novas relações sociais características das sociedades industriais
avançadas” (PRADO; COSTA, 2011, p. 688).
Em relação ao discurso feminista, foram os direitos sociais que inicialmente
conferiram legitimidade às suas demandas e instituíram uma agenda de
reivindicações ao Estado, concentrada, prioritariamente, em torno de três eixos –
saúde, violência e trabalho. A origem social das ativistas que compuseram esses
grupos feministas foi identificada por Moraes e Sorj:

O movimento feminista que ressurge no Brasil em meados da década de


1970 é um produto da modernização do país. A origem social de suas
ativistas encontra-se nas classes médias de profissionais altamente
escolarizadas e, portanto, mais expostas e sensíveis aos desenvolvimentos
do feminismo internacional (MORAES; SORJ, 2009, p. 11).

Oliveira (2004) menciona que a reestruturação do movimento feminista no


Brasil foi impulsionada por ações lideradas por três grupos sociais: o Movimento
Feminino pela Anistia, que reivindicava ao governo resposta sobre os parentes
23

desaparecidos na ditadura militar; o Movimento contra a Carestia, com foco na


conscientização política e o Movimento de Luta pelas Creches, que indagava sobre
o lugar ocupado pela mulher na família. Nessa época, outros grupos sociais
feministas foram se constituindo e dando continuidade à proposta de se criar uma
política de enfrentamento às desigualdades de gênero para garantir o
reconhecimento dos direitos da mulher. A violência na relação conjugal mobilizou
grupos feministas que passaram a reivindicar do Estado uma solução para a
questão da mulher vítima de violência no âmbito doméstico e familiar. Conforme
Oliveira (2004), o debate sobre a temática violência conjugal e, posteriormente,
acerca da violência de gênero3 passou a compor a pauta de reivindicações dos
principais grupos feministas, que proliferaram por todo o país, como, por exemplo, o
SOS Mulher.
A mídia também desempenhou um papel relevante na disseminação do
discurso feminista, dando ênfase às questões afetas à violência conjugal. A
divulgação de matérias que retratavam a mulher como vítima do pacto conjugal e da
sociedade, de modo geral ganhava destaque nos principais noticiários. Aleixo, ao
analisar a produção de vítimas no contexto contemporâneo, pondera: “A imagem
santificada da vítima sofredora se tornou um bem valioso nos circuitos políticos e
midiáticos” (ALEIXO, 2012, p.109). Assim sendo, os noticiários sobre a mulher, vista
na condição de vítima, causavam impacto e indignação, repercutindo na urgência de
se criar meios para combater a violência, o que tornava o acesso à justiça e à
criminalização do agressor um dos caminhos desejados.
Naquele período, histórias de assassinatos, praticados por homens e
envolvendo suas esposas ou companheiras como vítimas, inclusive com grande
repercussão na sociedade por se tratar de figuras públicas, serviram de justificativa
para a intensificação da ação de grupos feministas em favor de uma política pública
de atenção especial às mulheres. O argumento desses grupos era combater as
injustiças observadas na relação homem/mulher, principalmente no âmbito conjugal
(MORAES; SORJ, 2009; OLIVEIRA, 2004).
Em meio à efervescência de movimentos provenientes de diversos grupos
sociais, o movimento político por parte das mulheres começa a solidificar-se, dando

3
Entende-se por gênero um conceito ancorado numa abordagem relacional, em que prevalece a
ideia de que ser homem e ser mulher é uma construção social (OLIVEIRA, 2004).
24

ênfase ao combate à violência praticada pelo homem, conforme assinalam Brazão e


Oliveira:

O final da década de setenta e início da década de oitenta foi significativo


para a luta das mulheres contra a violência. Datam desse período as
mobilizações de rua contra a violência machista e as primeiras
organizações feministas para receber as denúncias e acolher as mulheres
(BRAZÃO; OLIVEIRA, 2010, p.19).

Desse cenário, surge a necessidade de compreender o campo conceitual que


define e diferencia “violência conjugal” e “violência contra a mulher”. Soares entende
que, por um lado, a violência conjugal

[...] permite abarcar o caráter dinâmico das interações humanas e captar,


assim, a convergência dos múltiplos fatores que contribuem para a geração
de comportamentos violentos: os aspectos históricos e idiossincráticos de
cada indivíduo e da própria relação; o universo sociocultural em que ela se
inscreve; as formas de poder e contrapoder que caracterizam as relações
conjugais; a cultura particular de cada casal, as acoplagens neuróticas que
permeiam necessariamente (embora em graus variados) as relações
amorosas; as desigualdades de ordem física, os contextos societários e os
instrumentos formais e informais de contenção ou de estímulo à violência
(SOARES, 2009, p. 144-145).

Por outro, a violência contra a mulher se enquadra no recorte de gênero


fundamentado nas abordagens do campo feminista. Assim, elas partem de
premissas que estabelecem quem são as vítimas e os algozes, antecipando as
soluções com saídas que privilegiam a criminalização e a punição dos culpados. “O
foco, nesse caso, se concentra, sobretudo nos agentes e não nas dinâmicas e nas
relações” (SOARES, 2009, p. 145).
A esse respeito, Larrauri (2007), ao analisar pesquisas e publicações feitas na
Espanha sobre a violência contra a mulher, identificou as categorias conceituais
violência de gênero e violência familiar. Observou que o discurso feminista,
denominado feminismo oficial, adota a expressão violência de gênero para designar
a desigualdade estrutural de gênero, dando ênfase à análise de sua influência na
violência contra a mulher nas relações de casal.4 Ela distingue, portanto, a violência
de gênero da violência familiar, usando como analisador da primeira a violência
conjugal, por entender que a desigualdade entre homens e mulheres é marcante nas

4
Tradução livre.
25

relações conjugais, em que o poder masculino predomina e determina o lugar de


subordinação da mulher. De acordo com a autora, na perspectiva da violência
familiar se analisam os conflitos no âmbito da organização familiar e não o motivo
pelo qual as mulheres são, majoritariamente, vítimas desta violência, conforme
pretende o discurso feminista. No Brasil, de acordo com Soares (2009), a maior
parte dos estudos se apropria do campo conceitual da violência contra a mulher,
dando ênfase às relações de gênero entre parceiros íntimos. Nesse caso, a mulher é
tratada de antemão como vítima da violência unilateral.
Compreendendo a violência de gênero como uma expressão mais genérica,
que engloba a violência conjugal, Rifiotis, por seu turno, faz algumas ponderações a
esse respeito. Ao analisar o campo conceitual da violência na contemporaneidade, o
autor expõe que a categoria “violência” é empregada como um qualificador,
geralmente de cunho negativo e dicotomizante, separando vítimas e agressores. No
que se refere à violência conjugal, considera que o emprego do termo violência é
substantivado, significando também uma estratégia política adotada pelos
movimentos feministas em seu esforço de afirmação dos direitos das mulheres,
recordando que, nos anos 80, significou o ícone das lutas feministas. O autor
questiona “se a centralidade da noção de „violência conjugal‟ não se teria tornado
uma espécie de operador simbólico de catálise das formas assimétricas,
hierárquicas e excludentes da desigualdade de gênero?” (RIFIOTIS, 2008, p. 227).
Em sua percepção, apesar de outras estratégias políticas para o enfrentamento da
violência de gênero, a violência conjugal permanece sendo um importante operador
simbólico de facilitação do acesso à justiça.
A preocupação de Rifiotis (2008) converge para o mesmo raciocínio de
Rodrigues e Sierra (2011), quando expõem o receio de que toda questão social seja
tomada como situação de violação de direitos. Se assim for, o Poder Judiciário
assumirá a centralidade para resolver os problemas sociais independentemente de sua
natureza, normatizando a vida e esvaziando as instituições públicas de sua
responsabilidade para com os direitos de cidadania. Segundo as autoras, um problema
ainda maior é que o acesso à justiça, não raras vezes, ocorrerá pela via da
criminalização.
Soares (2009) considera que, no contexto brasileiro, a maior parte dos
estudos, relacionados à violência entre parceiros íntimos e os movimentos sociais
vinculados aos direitos da mulher, se organizaram em torno do conceito de violência
26

de gênero. Contribuiu para esse entendimento a interpretação feita dos princípios


consagrados da Doutrina dos Direitos Humanos e das respectivas convenções
internacionais que os definem, pois ela serviu de pressuposto para a afirmação dos
direitos das mulheres como direitos humanos, possibilitando a interferência do poder
público no lar e na família. Com isso, os movimentos feministas e outros grupos
sociais, engajados com a política dos direitos humanos, demandaram não só a
criação de legislações específicas para tratar do fenômeno da violência doméstica e
familiar contra a mulher, bem como o fortalecimento dos sistemas de justiça criminal
para punir os agressores (LAGO; RAMOS; BRAGAGNOLO, 2010).
A articulação dos grupos feministas com as políticas voltadas à defesa dos
direitos humanos gerou um impasse dentro do próprio campo dos Direitos Humanos,
no âmbito nacional e internacional, devido à divergência de paradigmas adotados.
Soares (2009) esclarece que a luta do movimento feminista reivindicava, por um
lado, o endurecimento das leis e dos mecanismos jurídicos para punir o agressor,
com a aposta no aprisionamento como solução para banir a violência contra a
mulher. Por outro lado, na perspectiva dos Direitos Humanos, o movimento era no
sentido da adoção de medidas despenalizadoras e humanizadas, vislumbrando
outras formas de tratamento do infrator, como a aplicação de medidas alternativas e
o uso de métodos consensuais de resolução de conflitos ao invés da prisão.
Sobre a divergência de paradigmas adotados, Rifiotis (2014) também observa
algumas tensões, mencionando pelo menos três: aquelas relativas ao caráter
universal e local dos direitos humanos, a demanda por justiça e a criminalização
como resposta ao clamor por direitos e, por fim, a questão da legitimação dos
costumes das mulheres indígenas frente ao debate sobre igualdade de gênero. O
referido autor afirma ser a criminalização uma das vertentes pelas quais os Direitos
Humanos tentam se afirmar. Nesse sentido, revela sua inquietação com a possível
transformação dos Direitos Humanos em uma ortopedia social, esvaziando-se sua
dimensão vivencial e, por conseguinte, interferindo no exercício de responsabilidade
de cada sujeito, fazendo com que o outro seja sempre o culpado.
Romeiro (2009) acredita que tanto as feministas como os operadores jurídicos
compreendem a violência no âmbito da relação conjugal como um problema real,
que necessita ser discutido e reconhecido pelo Estado como violação dos direitos
humanos. Mesmo assim, adverte que persiste o impasse sobre o modo como cada
um desses segmentos da sociedade – movimento feminista e sistema de justiça –
27

lidam com o fenômeno do universalismo e relativismo 5 dos direitos humanos. Em


sua pesquisa sobre o bullying, Brito (2014) discute a questão do universalismo das
políticas de direitos humanos e tece comentários pertinentes a respeito da limitação
de cada uma das vertentes que formulam essas políticas. A autora constata, a partir
de outros estudos, que a junção dos aspectos universais e locais deve estar
presente na formulação de leis e políticas de garantia dos direitos humanos.
Moraes e Gomes comentam: “Os diferentes caminhos percorridos na
trajetória de incorporação destes novos conteúdos, [...] introduziram um plano
permanente de tensões entre valores e direitos universais e práticas sociais locais
que orientam os atores e as instituições” (MORAES; GOMES, 2009, p.76). Eles
assinalam que existiram três contextos que influenciaram a construção das políticas
públicas de combate à violência conjugal no país. O primeiro se refere às
“expectativas e valores do feminismo, bem como as suas possíveis influências na
produção dos estudos sobre gênero e violência no Brasil” (MORAES; GOMES,
2009, p. 77). O segundo não apenas trata da judicialização das relações de
intimidade no âmbito das famílias, como também das relações afetivas, e o último,
dos rumos das políticas públicas brasileiras de combate à violência conjugal.
Ainda que os grupos feministas no Brasil reconhecessem o avanço na
conquista de direitos sociais das mulheres, persistia um evidente descontentamento
justificado na falta de um instrumento jurídico-legal para proteger os direitos da
mulher contra qualquer tipo de violência de gênero. Segundo Moraes e Sorj (2009),
o argumento apresentado pelas feministas era que, por mais que se afirmassem
conquistas do movimento feminista no país, tais avanços careciam de uma ação
consistente por parte do Estado no sentido de não somente regularizar os direitos da
mulher no âmbito social, como também de adentrar na esfera privada – doméstica e
familiar, garantindo-lhe proteção contra qualquer tipo de crime.
Dessa forma, no Brasil, as primeiras ações concretas dirigidas à formulação
de uma política pública para enfrentamento da violência contra a mulher, efetivaram-
se por meio da criação dos Conselhos Estaduais e Nacional dos Direitos da Mulher
e suas subsecretarias, seguidas da implantação da primeira Delegacia

5
Segundo Alves (2012), relativismo significa a defesa dos direitos particulares, enquanto
universalismo diz respeito aos direitos imprescindíveis à sobrevivência de todos os seres humanos,
conforme disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948.
28

Especializada de Atendimento às Mulheres (DEAM), em 1985, no Estado de São


Paulo (MORAES; GOMES, 2009). As delegacias foram se expandindo para outros
estados e municípios do país e, durante um certo período, foram o principal
instrumento de combate à violência contra a mulher, de modo especial no âmbito
doméstico. Abdala, Silveira e Minayo assinalam que “as DEAMs foram frutos da
reivindicação de grupos de defesa dos direitos da mulher, visando a garantir às mu-
lheres reconhecidas como vítimas de violência um atendimento humanizado e
específico para suas necessidades” (ABDALA; SILVEIRA; MINAYO, 2011, p.573).
Moraes e Sorj, por sua vez, comentam que

as DEAMs constituem a principal política pública de combate e prevenção à


violência contra a mulher no Brasil, especialmente a violência conjugal. Sua
função legal é detectar transgressões à lei, averiguar a sua procedência e
criminalizar a violência doméstica (MORAES; SORJ , 2009, p.14).

Segundo autores que abordaram a situação das DEAMs em suas pesquisas


(LAGO; RAMOS; BRAGAGNOLO, 2010; MORAES; SORJ, 2009; OLIVEIRA, 2011;
ROMEIRO, 2009; RIFIOTIS, 2004; SILVA; SOARES, 1992), o principal desafio junto
às delegacias de polícia foi enfrentar os preconceitos dos agentes em relação às
mulheres que, depois de registrarem queixas contra seus parceiros, por reiteradas
vezes, retornavam para retirá-las, negando-se a prosseguir com o inquérito policial.
Ou seja, elas desejavam o fim da violência, mas não que os companheiros
agressores fossem punidos com penas severas ou com o afastamento do lar.
Pretendiam, em sua maioria, restabelecer a relação conjugal isenta da violência.
Os estudos realizados por Rifiotis (2004) revelaram duas condições que
advinham dessa realidade. Por um lado, a primeira era decorrente da visão
predominante dos agentes policiais a respeito das mulheres vítimas que procuravam
as delegacias, fazendo com que muitas queixas não fossem atendidas. Isso porque
eles entendiam que não era obrigação da polícia interferir na vida conjugal das
pessoas. A concepção que sustentava essa recusa se justificava no preceito de que
não é dever do Estado interferir nas relações de intimidade das pessoas, fazendo jus
à expressão popular “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher.” Por
outro, a segunda condição observada era a tentativa de se fazer intervenções
extrajudiciais, seja por meio de punições em formato de broncas, seja por mediação
29

através de conselhos e tentativa de conciliação do par conjugal. Sobre a função


mediadora da polícia, Moraes e Sorj ressaltam:

Se em outros contextos de tradição liberal a polícia é, via de regra, uma


instituição legalmente acionada todas as vezes que estão em jogo os
direitos à segurança, à privacidade e à vida, no Brasil a polícia é procurada,
predominantemente, como forma extraoficial de arbitragem com vistas à
renegociação dos pactos domésticos. (MORAES; SORJ, 2009, p.15)

Rifiotis (2004) observou, num estudo realizado a partir de dados colhidos


numa Delegacia da Mulher, no município de João Pessoa/PA, alguns aspectos que
caracterizam esse tipo de serviço, visando propiciar o acesso à justiça por meio da
promoção da “judiciarização das relações interpessoais”. Para ele, as DEAM‟s
servem como recursos coletivos de reordenamento de conflitos, cujo horizonte é o
campo jurídico. Elas representam um espaço público de controvérsia que visa ao
reordenamento da vida privada, com o auxílio da autoridade policial e, nos casos de
violência conjugal, podem se constituir em um espaço de reconhecimento da culpa e
de uma possível continuidade da vida conjugal.
De acordo com Silva e Soares (1994), concomitantemente à proliferação das
DEAMs no país, surgiram os Centros de Referência em alguns Estados, ofertando
atendimento psicossocial e jurídico a mulheres vítimas de violência. Como exemplo,
as autoras citaram o centro PRÓ-MULHER,6 no Rio de Janeiro, cuja finalidade do
serviço era fortalecer e orientar a mulher em torno das decisões que ela iria tomar.
Segundo Silva e Soares (1994), das 1.509 mulheres atendidas à época do estudo,
85% não registraram a ocorrência nas delegacias.
Após dez anos de inauguração da primeira DEAM no Brasil, surge a lei que
institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Com a criação desses Juizados,
através da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, as tensões no campo das políticas
públicas para o combate à violência contra a mulher foram intensificadas, tendo em
vista a sua finalidade. Os Juizados Especiais Criminais (JECRIMs) foram
constituídos para julgar os delitos considerados de menor potencial ofensivo,
seguindo os princípios da Lei 9.099/95, que visa à celeridade, informalidade,
economia processual e despenalização (BRASIL, 1995). Nesse sentido, admite-se a

6
Segundo informações extraídas do artigo, o centro PRÓ-MULHER deixou de funcionar no ano de
1993.
30

transação penal e a conciliação como meios de responsabilização pela autoria do


crime, sendo os mecanismos punitivos adotados as penas alternativas, que variam
entre pagamento de cestas básicas, prestação de serviços à comunidade ou
cumprimento de medidas educativas (BRASIL, 1995).
Como os principais motivos de queixa ou denúncia, apresentados nas
delegacias de mulheres, eram de ameaça e lesão corporal leve – delitos tipificados
de menor potencial ofensivo –, tais demandas eram encaminhadas aos JECRIMs
para julgamento. Obviamente, o atendimento às partes era enquadrado nos
princípios da Lei dos Juizados Especiais, possibilitando a transação penal e a
aplicação de penas alternativas. A principal crítica em relação aos JECRIMs referia-
se à banalização da violência contra a mulher, sob o argumento de que, com a
transação penal, não havia condenação e, portanto, não existia punição ao agressor.
Ocorre que um dos princípios basilares do JECRIM é justamente a despenalização.
Os grupos feministas alegaram a sua falta de rigor penal pelo fato de ele não punir
os supostos agressores e, consequentemente, não contribuir para sanar o ciclo de
violência contra a mulher. Moraes e Gomes assinalam:

A principal rejeição das organizações feministas às atuações destes


Juizados foi a de que, na prática, as mulheres eram pressionadas à
realização de acordos ou à aceitação de penas alternativas cujas sanções
para os agressores restringiam-se ao pagamento de cestas básicas,
participações em grupos terapêuticos, prestação de serviços à comunidade,
entre outras que implicavam despenalizar os crimes (MORAES; GOMES,
2009, p. 86).

Diante desse cenário, mais uma vez o Estado foi pressionado a repensar os
mecanismos jurídicos e legais de combate à violência de gênero com ênfase na
proteção dos direitos da mulher e na punição do agressor. Com isso, toma corpo o
movimento em favor da criação de uma legislação especial, para prevenir e coibir a
violência de gênero contra a mulher.
Paralelamente ao fervor da discussão sobre feminismo e violência de gênero
no Brasil, as contingências foram favoráveis à proposta de se criar uma legislação
específica sobre o tema quando ocorreu o caso de violência conjugal, envolvendo a
vítima Maria da Penha Fernandes, nos idos anos 1980 (ROMEIRO, 2009). Maria da
Penha, cidadã brasileira, após sofrer atos recorrentes de violência praticados pelo
marido, foi vítima de tentativa de homicídio e ficou paraplégica. Segundo Romeiro
(2009), à época o agressor foi denunciado e condenado pela justiça brasileira, mas
31

cumpriu somente parte da pena. A vítima, não conformada com o resultado da


condenação, denunciou o Estado aos órgãos internacionais de proteção aos Direitos
Humanos, alegando omissão e negligência na execução da pena.
Tendo em vista que o Brasil é signatário da Convenção sobre Eliminação de
todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), da Convenção
Americana de Direitos Humanos (1992), da Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção
de Belém do Pará (1994), além de membro da Organização dos Estados
Americanos (OEA), o estado brasileiro foi obrigado a responder pela omissão e
negligência reclamadas no caso Maria da Penha (CNJ, 2010).
De acordo com Oliveira (2011), os tratados internacionais sobre os direitos
humanos são reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como direitos e
garantias fundamentais, regulamentados pela Emenda 45, por meio da inclusão do
§3º ao art. 5º da Constituição Federal de 1988. Assim, a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos, juntamente com o Centro para Justiça e o Direito Internacional
e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher,
julgou o governo brasileiro e condenou-o a criar mecanismos legais específicos para
punir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Segundo Romeiro (2009), com o objetivo de se criar uma legislação nacional
específica para prevenir, coibir e erradicar a violência contra a mulher, no início de
2004, um Grupo de Trabalho Interministerial reuniu um Consórcio Feminista, 7 que
representava seis Organizações Não Governamentais articuladas com organizações
internacionais, dedicadas à defesa dos direitos das mulheres, para elaborar o
Projeto de Lei 4.559/2004, encaminhado à Câmara dos Deputados. Aprovado no
legislativo, esse projeto foi sancionado pelo Presidente da República, na ocasião
Luís Inácio Lula da Silva. Criou-se, então, a Lei de nº 11.340, de 07 de agosto de
2006,8 em vigor a partir do dia 22 de setembro do mesmo ano.
A referida lei foi batizada com o nome de “Lei Maria da Penha” em
homenagem à mulher, vítima de violência conjugal, que se tornou uma figura
emblemática da luta pelos direitos femininos, sobretudo de proteção contra qualquer

7
O Consórcio Feminista foi composto pelas seguintes ONG‟s: CEPIA, CFEMEA, CLADEM, THEMIS,
ADVOCACI, AGENDE (ROMEIRO, 2009, p. 61).
8
A Lei 11.340 está disponível no anexo da tese.
32

tipo de violência, sendo ela física, sexual, psicológica, moral, patrimonial, entre
outras tipificações que possam surgir.

1.2 Implicações da Lei Maria da Penha e os Desafios para sua Efetivação

No cerne da Lei Maria da Penha, está expressa, claramente, a finalidade de


prevenir e coibir crimes praticados contra a mulher (BRASIL, 2006b). Trata-se de
uma legislação que, recentemente, completou uma década de vigência, repercutindo
amplamente na mídia, nos meios sociais e jurídicos, sendo aclamada como
promissora no combate à violência doméstica, uma vez que seus dispositivos
preveem a punição do agressor como forma de coibir a prática de outros atos da
mesma natureza. Assim, os crimes praticados contra a mulher no âmbito doméstico,
cuja natureza expresse a desigualdade de gênero,9 são transferidos dos JECRIM‟s
para os Juizados ou Varas Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher, onde questões cíveis e criminais decorrentes da violência contra a mulher
serão apreciadas. Na falta dos Juizados ou Varas Especializadas de Violência
contra a Mulher, os juízes criminais acumularão competência cível e criminal para
julgar os processos, conforme preceitua o artigo 33 da Lei 11.340/06 (BRASIL,
2006b).
Em seus dispositivos, esse diploma legal prevê medidas preventivas e
protetivas em favor da mulher que sofre a agressão, estabelece medidas contra o
agressor, além de tipificar a violência e adotar outras providências contra sua
ocorrência no âmbito doméstico e familiar. De acordo com o artigo 7º da referida lei,
as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher podem ser: a violência
física, a violência psicológica, a violência sexual, a violência patrimonial e a violência
moral, cada qual com suas especificidades, ocorrendo juntas ou separadas
(BRASIL, 2006b).

9
O Projeto de Lei 7551/14 propõe alteração na Lei Maria da Penha (11.340/06), visando substituir as
referências a “gênero” pela palavra “sexo”. A justificativa é evitar que a referida Lei seja aplicada no
caso de violência contra homossexual e até mesmo contra homens.
33

Segundo Souza (2013), as formas de violência previstas na Lei 11.340/06 não


esgotam outras condutas que são passíveis de enquadramento nesse contexto,
desde que tenham ocorrido na esfera da unidade doméstica, no âmbito da relação
familiar e/ou na relação íntima envolvendo o vínculo de afeto. Para Guimarães e
Moreira (2014), a definição de violência contra a mulher, que fundamenta a política
criminal referente à Lei 11.340/06, está embasada em alguns pressupostos: a
desigualdade de gênero; a necessidade de enrijecimento das penas ao invés de
transação penal; a criação de mecanismos para que a vítima não desista da ação; o
reconhecimento dos diversos tipos de violência e a garantia da intervenção penal.
Como se observa, os fundamentos da referida Lei se chocam com os propósitos da
Lei 9.099/95, que, por seu turno, prioriza o afrouxamento dos mecanismos punitivos
e prevê a transação penal, objetivando a despenalização, sem vislumbrar questões
relativas à desigualdade de gênero.
No que se refere ao texto da Lei Maria da Penha, entende-se, por violência
doméstica e familiar contra a mulher, “qualquer ação ou omissão baseada no gênero
que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial” (BRASIL, 2006b). O doméstico refere-se ao ambiente, onde exista uma
relação de familiaridade, afetividade ou coabitação. Familiar, como o próprio termo
indica, refere-se às relações entre os membros da mesma família, formada por
vínculos de parentesco natural, civil, afinidade ou afetividade. Afetivo se expressa
“em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido
com a ofendida, independentemente de coabitação” (BRASIL, 2006b). Por sua vez,
compreende-se, por violência de gênero, “a violência sofrida pelo fato de se ser
mulher, sem distinção de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra
condição, produto de um sistema social que subordina o sexo feminino” (CNJ, 2010).
Souza (2013) acentua que a Lei Maria da Penha além de esgotar todos os
tipos possíveis de condutas consideradas formas de violência doméstica e familiar
contra a mulher, também conceituou cada uma visando facilitar o manejo de sua
aplicação. Para melhor entendimento do que seja cada uma dessas formas de
violência praticadas contra a mulher, segue abaixo o que dispõe o artigo 7º, da Lei
11.340/06:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua


integridade ou saúde corporal;
34

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause


dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e
perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas
ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância
constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização,
exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe
cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada,
mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a
comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a
impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao
matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação,
chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de
seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos,
instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou
recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas
necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure
calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, 2006b).

De posse da definição das formas de violência, o artigo 8º da Lei 11.340/06


determina que a política pública de combate à violência doméstica contra a mulher
deve ancorar-se em um conjunto de ações articuladas, envolvendo a União, os
Estados, o Distrito Federal e os munícipios. Para tanto, ele determina como uma de
suas diretrizes “a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e
da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde,
educação, trabalho e habitação.” (BRASIL, 2006). Serão realizadas ações efetivas
para a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres. Para
tanto, os policiais serão submetidos a programas de capacitação permanente com o
objetivo de atender melhor ao público feminino. Além disso, serão promovidas
campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a
mulher, destinadas ao público escolar e à sociedade em geral. Com foco na
prevenção, uma das propostas da Lei 11.340/06 é disseminar os valores éticos de
respeito à dignidade humana, com ênfase nas questões de gênero, raça e etnia.
As ações de assistência à mulher vítima de violência doméstica e familiar
serão garantidas com a oferta de serviços provenientes do Sistema Único de
Assistência Social, Sistema Único de Saúde e Sistema Único de Segurança Pública.
Propõe-se que as ações desses órgãos ocorram de forma articulada, seguindo os
princípios e as diretrizes legais que fundamentam tais serviços. Souza esclarece:
35

A norma é incisiva ao dispor, não como faculdade, mas como um dever do


juiz, determinar a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e
familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal,
estadual e municipal (SOUZA, 2013, p. 78).

Entre as medidas para prevenir e coibir a violência, a mencionada lei


determina a implantação de atendimento policial especializado às mulheres. As
providências legais cabíveis variam desde a prisão em flagrante do suposto
agressor, até ações de cunho educativo que pretendam potencializar a vítima para
reconhecer a violência, apresentar denúncia e prosseguir com a ação na justiça.
Souza (2013) assinala que as Delegacias de Atendimento à Mulher permanecem
compondo o rol de ações da política de combate à violência, funcionando com
profissionais treinados e, preferencialmente, do sexo feminino.
No âmbito do Sistema Judiciário, caberá ao juiz, no prazo de até 48 horas
após o recebimento do expediente policial, aplicar as medidas protetivas de urgência
em favor da vítima e/ou que obrigam o suposto agressor a realizar determinadas
ações. As medidas protetivas de urgência podem ter efeitos criminais e cíveis,
servindo tanto para garantir a prisão preventiva em situações específicas, quanto
para determinar, na seara cível, a restrição ou suspensão de visitas do suposto
agressor aos filhos. Moreira (2009) esclarece que a previsão de algumas dessas
medidas protetivas encontra respaldo na Resolução n. 45-110, da Assembleia Geral
das Nações Unidas – Regras Mínimas da ONU para a Elaboração de Medidas Não
Privativas de Liberdade.
As medidas de urgência de proteção à mulher podem ser encaminhamento da
ofendida a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
determinação de seu afastamento do lar, sem prejuízo de outros direitos; a
separação de corpos e a proteção do patrimônio. As medidas que obrigam o suposto
agressor versam sobre matéria criminal e cível: suspensão ou restrição do porte de
armas; afastamento do lar; proibição de determinadas condutas, entre elas, sua
aproximação em relação à ofendida, a seus familiares e testemunhas. Além disso,
outras modalidades de intervenção judicial podem ser tomadas isolada ou
cumulativamente:

As medidas protetivas de urgência são espécies de medidas


essencialmente cautelares, que objetivam garantir principalmente a
integridade psicológica, física, moral e material (patrimonial) da mulher
vítima de violência doméstica e familiar, com vistas a garantir que ela possa
36

agir livremente ao optar por buscar a proteção estatal e em especial a


jurisdicional, contra o(a) seu(sua) suposto(a) agressor(a), o que em ultima
ratio significa garantir o resultado útil do processo (SOUZA, 2013, p. 176).

Conforme assinalado anteriormente, para que as medidas protetivas sejam


efetivadas, deve haver uma política pública de enfrentamento à violência doméstica
e familiar contra a mulher que contenha vários dispositivos, como programas,
projetos e ações, desenvolvidos nas áreas de saúde, assistência social, segurança e
educação propiciando sua devida efetivação.
No que tange à estrutura do Poder Judiciário para operar com a Lei Maria da
Penha, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) elabora políticas judiciárias e incentiva
os Tribunais do país a promoverem ações e projetos levando em consideração as
necessidades locais. Entende-se por políticas judiciárias

[...] o conjunto de ações formuladas e implementadas pelo Poder Judiciário


em sua própria esfera para o aprimoramento de sua atuação e efetivo
exercício de suas atribuições. As políticas judiciárias ocorrem a partir da
identificação, análise e diagnóstico dos problemas que afetam a função
jurisdicional do Estado, podendo abranger, entre outros aspectos: a
definição de normas; a articulação de recursos humanos, financeiros e
tecnológicos; a fixação de metas, diretrizes e estratégias para o tratamento
da litigiosidade; a implementação de soluções e filtros pré-processuais; a
modernização da gestão judicial; a coleta sistemática de dados estatísticos;
a avaliação permanente do desempenho judicial; a efetivação racional do
acesso à justiça; e a análise e o estudo de propostas de reformas e
modificações processuais para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional
(SILVA; FLORÊNCIO, 2011, p. 126).

O Conselho Nacional de Justiça, inaugurado em 2005 pela Emenda


Constitucional nº 45, é o órgão responsável pelo planejamento das políticas
judiciárias, fazendo o controle administrativo do Poder Judiciário e estabelecendo as
coordenadas que orientam as ações desenvolvidas pelos tribunais espalhados no
país. Sobre a finalidade do CNJ, Silva e Florêncio, comentam:

A instituição tem se consolidado como órgão central de planejamento do


Judiciário, com vistas a uniformizar procedimentos e metas, racionalizar a
prestação jurisdicional e aperfeiçoar o acesso à justiça, para além do seu
papel como instância de acompanhamento disciplinar (SILVA; FLORÊNCIO,
2011, p. 123).

O CNJ integra a política de Reforma do Judiciário, pensada a partir de 1990,


com foco na modernização e no controle administrativo da instituição judiciária, no
Brasil. Nesse sentido, identificam-se diversos programas e ações criados e/ou
37

desenvolvidos pelo CNJ, baseados na Resolução nº 125, de 29 de novembro de


2010, abrangendo várias esferas da vida humana no campo dos direitos. A referida
resolução dispõe sobre a Política Judiciária Nacional, que visa ao tratamento
adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, à garantia do
acesso à justiça e à eficiência operacional:

Cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos


problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e
crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional,
não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também
os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos,
em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação (CNJ,
2013).

No que tange à violência doméstica e familiar contra a mulher, o CNJ


desenvolve ações de prevenção e de combate junto aos Tribunais brasileiros, sendo
uns mais atuantes do que outros. Ao visitar a página eletrônica do CNJ, é possível
identificar, sob a rubrica “Mulher”, a política judiciária implementada para garantir os
efeitos desejados da Lei Maria da Penha, com informações sobre campanhas,
cartilhas, notícias, estatísticas, estrutura do Judiciário para a aplicação da Lei. O
CNJ promove, também, desde o ano de 2007, as Jornadas de Trabalho sobre a Lei
Maria da Penha, realizadas anualmente, com a finalidade de propiciar o debate da
magistratura sobre o referido tema. Além disso, ela trata da implantação das Varas
Especializadas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher nas comarcas do
país e da uniformização de procedimentos. Durante os eventos da Jornada, instalou-
se o Fórum Permanente de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher (FONAVID). Por meio da Portaria nº 54, publicada pelo CNJ no ano de 2016
e baseada na Resolução 128/2016 do mesmo órgão, foram instaurados os grupos
de trabalho para a criação de Coordenadorias Estaduais das Mulheres em Situação
de Violência Doméstica e Familiar no âmbito dos Tribunais de Justiça dos Estados e
do Distrito Federal (CNJ, 2016).
Os resultados apresentados pelo CNJ sobre as metas alcançadas com a
aplicação da Lei Maria da Penha no Brasil demonstram que, no primeiro ano de sua
vigência, em 2007, as taxas de violência sofreram discreto decréscimo, voltando a
crescer rapidamente até o ano de 2010 (CNJ, 2013a). A agência de notícias do CNJ
divulgou, em 2016, dados mais recentes sobre a violência no Brasil, obtidos na
Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência. Segundo informação
38

colhida no site da instituição, nos primeiros dez meses de 2015, o Brasil, através da
Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência – Ligue 180, registrou
uma denúncia a cada sete minutos. De acordo com o teor das denúncias, 85,85%
dos atos de violência foram praticados por cônjuges, ex-cônjuges, namorados e ex-
namorados, no ambiente familiar e doméstico. Em 27% dos casos, a vítima foi
agredida por algum amigo, familiar, vizinho ou conhecido. Levando em consideração
indicadores internacionais, o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking de países com
maiores índices de homicídios femininos, o que revela a taxa de 4,8 por 100 mil
habitantes (CNJ, 2016).
O Mapa da Violência – Homicídio de Mulheres no Brasil, elaborado, em 2012,
por Júlio Jacobo Waiselfisz e citado em um dos documentos produzidos pelo CNJ
sobre a atuação do Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha, apresenta
alguns números relacionados à violência. De acordo com o Mapa, o número de
homicídios praticados contra as mulheres, em 2010, foi de 4.465, sendo a taxa de
ocorrência no ambiente doméstico de 71,8% (WAISELFISZ, 2012). O Mapa da
Violência, editado em 2015, indicou o crescimento de 252% da taxa de homicídio
contra a mulher no Brasil, considerando o intervalo de tempo entre 1980 a 2013. Os
números atuais revelam crescimento da violência na maioria dos estados brasileiros,
atingindo índices de aumento de 3,1% a 131,3%. Apenas em cinco estados, 10
verificou-se a queda das taxas de violência contra a mulher tendo em vista a
vigência da Lei Maria da Penha. Constatou-se, também, que o aumento da violência
prevaleceu no interior de cada estado, e não exatamente nas capitais, onde se
averiguou a redução das taxas de violência. (WAISELFISZ, 2015).
O jornal O Globo, em matéria publicada em 26 de setembro de 2013, divulgou
resultados de uma pesquisa, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), a respeito da violência contra as mulheres, concluindo que a morte de mulheres
por agressões de maridos, companheiros e parceiros sofreu pequena redução numérica
desde a criação da Lei Maria da Penha. Esses dados divergem das informações
apresentadas pela Secretaria de Política para Mulheres do governo federal, que,
naquela ocasião contestou o IPEA, afirmando que a Lei Maria da Penha tem cumprido
a sua finalidade de proteger as mulheres (APESAR..., 2013, p. 8).

10
As Unidades Federativas são Rondônia, Espírito Santo, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro.
(WAISELFISZ, 2015).
39

Até o momento, as publicações oficiais, divulgadas pelo CNJ a respeito da


política judiciária para aplicação e difusão da Lei Maria da Penha, não apenas dão
ênfase às pesquisas quantitativas que mapeiam a existência dos Juizados ou Varas
Especializados instalados nas comarcas do país, bem como fornecem o número de
medidas protetivas aplicadas e a quantidade de processos judiciais distribuídos e
conclusos. No Brasil, “desde o advento da Lei Maria da Penha, em 2006, até o
primeiro semestre de 2012, foram criadas 66 varas ou juizados exclusivos para o
processamento e julgamento das ações decorrentes da prática de violências contra
as mulheres.” (CNJ, 2013a, p. 26). Na região sudeste, de acordo com o CNJ
(2013a), concentra-se o maior número de secretarias especializadas em violência
doméstica e familiar contra a mulher, ao passo que a região sul possui o menor
número delas. O Estado de Sergipe, por sua vez, até o ano de 2012, não possuía
Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. De acordo
com o CNJ (2013), os estados do Espírito Santo, Alagoas, Bahia, Rio Grande do
Norte e Pará apresentam a menor disponibilidade média de servidores por Vara ou
Juizado.
Segundo informações atualizadas, de 2012 a 2016 foram instaladas mais 40
varas especializadas, perfazendo o total de 106 unidades judiciárias para 430 mil
processos distribuídos (CNJ, 2016). Conforme o CNJ (2016), somente em 2015, a
justiça brasileira recebeu 263.426 novos processos referentes à violência doméstica
e familiar contra a mulher, sendo aplicadas, no mínimo, 328.634 medidas protetivas.
O CNJ, em nota divulgada11 em 2016, reconheceu que o judiciário brasileiro
precisa de aprimoramento de seus recursos materiais e pessoais para servir com
eficiência à população que busca atendimento em virtude de processo de natureza
criminal, proveniente da Lei Maria da Penha. Apesar de novas varas especializadas
terem sido instaladas para atender às demandas relacionadas à Lei Maria da Penha,
seu número é limitado frente a necessidades prementes. Com base nos números
divulgados pelo CNJ, verifica-se que o Judiciário brasileiro possui poucas comarcas
com Varas ou Juizados Especializados de Violência Doméstica contra a Mulher,
havendo uma desproporção na distribuição dessas secretarias por estados

11
Ler matéria publicada no site do Conselho Nacional de Justiça, no dia 26 de agosto de 2016.
Endereço eletrônico: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83252-justica-concedeu-mais-medidas-
protetivas-a-mulheres-em-2015>.
40

brasileiros, mesmo quando se leva em conta o contingente populacional de cada


região ou comarca.
Nas comarcas onde não há Juizado ou Varas Especializadas, as ações
decorrentes da aplicação da Lei Maria da Penha são julgadas pelas varas criminais.
Nesses casos, nem sempre existe o suporte da equipe de atendimento multidisciplinar
para assessorar os juízes, e as equipes são incompletas, compostas por um número de
profissionais insuficiente para atender à demanda. O artigo 29 da Lei 11.340/06 reza
que “os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser
criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada
por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde” (BRASIL,
2006b). Embora a Lei não determine a obrigação de constituição de equipe
multidisciplinar, a natureza da demanda, por si só, demonstra a necessidade de outros
profissionais para assessorar os juízes na análise da matéria em questão.
O Manual de Rotinas e Estruturação dos Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher (CNJ, 2010), produzido pelo CNJ e em vigência, estabelece
a estrutura mínima dos JVDFM. No que tange à equipe multidisciplinar e de
execução, ele estabelece que os Juizados com até 2.000 processos em trâmite
devem funcionar com equipe multidisciplinar composta de dois psicólogos, um
assistente social e um servidor. Nos Juizados com 2.000 a 5.000 processos em
trâmite, a equipe deve ser composta de dois psicólogos, dois assistentes sociais e
um servidor. Por fim, nos Juizados com 5.000 a 10.000 processos, pede-se que a
equipe seja formada por cinco psicólogos, três assistentes sociais e dois servidores.
Se o número de processos for superior a 10.000, torna-se necessário o
desmembramento dos Juizados para tantas outras unidades quanto possíveis.
Tomando por base o Tribunal de Justiça de Belo Horizonte/MG, cidade situada
na região sudeste do país, onde se concentra o maior número de Varas Criminais
Especializadas, verifica-se, pelas informações colhidas no Portal Transparência da
instituição, que, até o final de 2013, a comarca possuía três varas criminais
respondendo pelas ações de violência doméstica e familiar contra a mulher. O número
de processos dessa natureza, entre os meses de janeiro a agosto de 2013, foi de
14.628, para cada secretaria, o que representa uma média de 1.828 processos
distribuídos mensalmente para cada juiz, com uma equipe de atendimento
multidisciplinar composta por dois psicólogos e dois assistentes sociais para atender às
três secretarias. No mês de agosto de 2014, foi inaugurada mais uma vara criminal para
41

responder às demandas referentes à violência doméstica e familiar contra a mulher,


tendo em vista o aumento do número de ações tramitando na comarca. O relatório de
movimentação processual do TJMG, referente ao ano de 2014, apresentou o número
de processos tramitando nas Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher, revelando o fechamento do ano com 48.205 feitos ativos nas quatro
varas especializadas.12 No ano de 2015, o relatório anual desses feitos, do mesmo
tribunal apontou um pequeno decréscimo relativo ao número de processos em trâmite,
fechando o ano com 41.022 ativos na Comarca de Belo Horizonte. Mesmo com a
criação de novas Varas Especializadas, não foi encontrada informação a respeito da
ampliação da equipe multiprofissional.
O aumento vertiginoso do número de processos, cuja natureza é a violência
doméstica e familiar contra a mulher, fez com que o tribunal mineiro adotasse
medidas para agilizar o julgamento de tais processos na capital. No ano de 2012, a
Assessoria de Comunicação Institucional do TJMG noticiou matéria publicada no
Jornal O Tempo, edição de 15 de março de 2012, intitulada “Mutirão para agilizar
apoio a mulheres”, informando: “A iniciativa faz parte do primeiro mutirão de
conciliação do Tribunal neste ano, que terá início em abril, e tem como objetivo
agilizar a análise dos 30 mil processos acumulados em duas varas da capital.”
(MINAS GERAIS, 2012a, p. 30). No mesmo ano, o Informativo Periódico do
Sindicato dos Servidores de Justiça de Primeira Instância de Minas Gerais
(SERJUSMIG Notícias) publicou matéria sobre entrevista realizada com o vice-
presidente desse sindicato, veiculada no programa “Segurança e Cidadania”
transmitido pela rede de televisão Band Minas, cujo tema foi a precariedade das
Varas Maria da Penha de BH. A reportagem destacou o aumento crescente do
número de processos nos anos de 2009 a 2012, contrastando com a informação de
que “não houve acréscimo no quadro de pessoal da Primeira Instância.”
(SERJUSMIG Notícias, 2012).
Em abril de 2013, o Jornal Estado de Minas veiculou a seguinte reportagem:
“Agressões demais, punição de menos”, alertando que a capital mineira apresenta
defasagem de Varas Especializadas para atender aos casos de violência doméstica
e familiar contra a mulher, informando que apenas 20% dos processos são
concluídos, por ano, na capital (AGRESSÕES..., 2013b, p. 18).

12
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Transparência – TJ em números?
42

No que se refere às condições do Sistema Judiciário para aplicação da Lei


Maria da Penha, a situação apontada na capital mineira (Belo Horizonte/MG) não
difere da realidade evidenciada em outras capitais do país. A pesquisa intitulada
“Violência contra a mulher e acesso à justiça: estudo comparativo sobre a aplicação
da Lei Maria da Penha em cinco capitais”, realizada pelo Instituto Cidadania, Estudo,
Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA),13 nas cidades de São Paulo, Porto Alegre,
Recife, Rio de Janeiro e Salvador, chegou a conclusões bem semelhantes sobre os
setores de segurança e justiça. O relatório final, divulgado em outubro de 2013,
revelou que a criação de órgãos especializados, cujo objetivo é a implementação da
Lei Maria da Penha, não tem sido suficiente para modificar os contextos
institucionais e promover a aplicação integral da Lei:

A falta de estrutura administrativa, financeira e de recursos humanos são


reveladores de sua baixa institucionalidade, mas as limitações de natureza
política, de coordenação e gestão das atividades e projetos que devem
desempenhar, é o maior problema que esses órgãos enfrentam para
alavancar sua atuação, decorrentes da estrutura tradicional das instituições
e da leitura tradicional do Direito que orienta as práticas dos profissionais
(CEPIA, 2013, p. 99).

Em síntese, a pesquisa também concluiu que, nessas capitais, não há uma


política intersetorial atuante, conforme previsto na Lei 11.340/06. Falta capacitação
dos profissionais que atuam nessa área, uma vez que é exigida uma formação
devida que possibilite conhecer, com profundidade, as complexidades envolvidas na
violência de gênero; não há um número suficiente de equipes para atender à grande
demanda de casos de violência encaminhados aos Tribunais e Delegacias; inexiste
um protocolo de atendimentos e encaminhamentos para orientar as ações dos
profissionais e dos beneficiários da Lei. Ademais, a polícia revela despreparo e o
tempo que ela leva para concluir um inquérito policial, impacta o andamento do
processo na justiça, fazendo com que uma quantidade considerável de processos
seja prescrita sem julgamento.

13
A CEPIA é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, criada em 1990, com a
finalidade de desenvolver estudos, pesquisas e projetos que contribuam para a promoção e a
efetivação dos direitos humanos e o fortalecimento da cidadania. A UNICEF e a Comissão Europeia
são algumas das instituições que apoiam a CEPIA. (CIDADANIA, estudos, pesquisa, informação e
ação, 2015).
43

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (BRASIL, 2013), presidida pela


deputada federal Jô Soares e constituída não só para investigar situações de
violência contra a mulher no Brasil, bem como apurar omissões do poder público
frente à mulher vítima de violência, publicou o Relatório nº 1, em julho de 2013,
referente à situação averiguada em todos os Estados da Federação e no Distrito
Federal. Concluiu-se que os Estados necessitam, de modo geral, de estrutura
administrativa e de recursos humanos para aplicação da Lei Maria da Penha. A
CPMI sugeriu ao Conselho Nacional de Justiça a criação de uma coordenadoria de
âmbito nacional, para estudar a viabilidade de se criar política pública na área e para
auxiliar os tribunais de justiça do país, visando à efetiva aplicação dessa lei. Essa
comissão recomendou ao Estado do Sergipe, a instalação do Juizado Especializado
de Violência Doméstica e Familiar, tendo em vista que, no período da pesquisa, o
referido Estado não o possuía (COMISSÃO..., 2013).
Junto a outras instituições públicas, aparentemente cientes da frágil estrutura
do Estado para garantir a devida aplicação da Lei Maria da Penha, o Poder
Judiciário tenta amenizar a situação, realizando campanhas, no âmbito nacional, a
fim de obter celeridade no julgamento de processos. Um exemplo dessa iniciativa é
a parceria firmada entre o governo federal e instituições que compõem o sistema de
justiça, no lançamento da campanha “Compromisso e Atitude pela Lei Maria da
Penha – A lei é mais forte”, em 2012. O objetivo dessa parceria foi justamente
garantir celeridade ao julgamento de casos provindos da Lei Maria da Penha e
sensibilizar a sociedade brasileira para o enfrentamento do problema. Segundo
informações obtidas no Portal Compromisso e Atitude, a campanha foi liderada pela
Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR),
juntamente com “o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Reforma do
Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério
Público, o Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça, o Conselho
Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União e o
Conselho Nacional de Defensores Públicos Gerais” (COMPROMISSO..., 2016).
No ano de 2015, foi lançada outra campanha pelo Conselho Nacional de
Justiça “Justiça pela Paz em Casa: Chega de Violência Doméstica”, visando “dar
celeridade aos processos que têm como motivação o crime de gênero, priorizando,
na ocasião, audiências, júris, sentenças e despachos nos quais mulheres figuram
44

como vítimas” (CNJ, 2016). A justiça mineira aderiu à quarta edição da campanha,
realizada no ano de 2016.
Observa-se que a inexistência ou defasagem do número de Juizados ou
Varas Especializadas, para atender às demandas decorrentes da violência
doméstica e familiar contra a mulher no território nacional, é um dos motivos que
comprometem a devida aplicação da Lei Maria da Penha. Por se tratar de uma lei de
“natureza híbrida” (CNJ, 2010, p. 19), torna-se ainda mais comprometedora não
somente a falta de uma estrutura institucional que abarque toda complexidade
envolvida no tema, bem como os discursos que atravessam a própria concepção de
violência, gênero, direitos humanos e se traduzem nos meios empregados para lidar
com o problema. Interroga-se, por exemplo, quais são os critérios adotados para a
aplicação das medidas cíveis, uma vez que estas implicam efeitos que podem
interferir na convivência dos filhos com o pai, suposto autor de agressão contra a
mulher. Ressalta-se que a medida protetiva, prevista no inciso IV, do artigo 22 da Lei
11.340/2006, determina a “restrição ou suspensão de visitas aos dependentes
menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar”
(BRASIL, 2006b).
Se há defasagem de Varas Especializadas e, consequentemente, de
profissionais para compor as equipes multidisciplinares ou mesmo a inexistência
dessas equipes, pergunta-se: Como são feitas as avaliações para apurar o interesse
e a possibilidade de os filhos menores terem preservado o convívio com o pai e em
que fase do processo isso é feito? Os filhos recebem algum tipo de atendimento
quando o pedido da medida protetiva de suspensão de visitas feito pela vítima é
acatado pelo juiz?
“Quais as garantias para filhos de casais em conflito doméstico?” Com esta
pergunta, o CNJ iniciou uma matéria publicada no dia 29 de agosto de 2016,
referente aos contextos de aplicação da Lei Maria da Penha, no caso da presença
de filhos. A reportagem cita o inciso IV, artigo 22, da Lei 11.340, para afirmar que é
possível a restrição ou até mesmo a suspensão de visitas aos dependentes
menores, quando há medida protetiva de não aproximação do cônjuge. Ela
acrescenta ainda que “o juiz pode fazer essa avaliação no momento do deferimento
da medida, ou posteriormente, a fim de ajustar o direito à visita aos filhos, com as
circunstâncias necessárias para o cumprimento das medidas protetivas” (CNJ,
2016). Além disso, essa reportagem menciona alguns critérios e condições utilizados
45

no sentido de se definir as visitas paternas. Assim, o CNJ estabelece que, para


homens agressivos, as visitas podem ser restringidas ou até suspensas, evitando-se
que eles pratiquem violência contra os dependentes para atingir a mulher e o
mesmo acontece se constatada que a violência se estende aos filhos. Esse órgão
estabelece ainda que as visitas assistidas no Judiciário podem ser uma alternativa,
quando comprovado que o pai não representa perigo. A prisão imediata será
decretada nas circunstâncias em que a mãe (mulher agredida) alegar que o pai
(homem acusado) está utilizando a visitação para se aproximar dela.
Existem espaços físicos nos fóruns instalados nas diversas comarcas do país,
que viabilizem as visitas assistidas? Existem profissionais disponíveis para fazerem
o acompanhamento dessas famílias? Será de competência do Judiciário assumir
essa função de execução das visitas autorizadas ao pai? Na falta dos Juizados
Especializados, realidade esta evidenciada, as visitas ficarão sob a responsabilidade
da justiça criminal ou cível?
Embora esses questionamentos não desconheçam ou neguem a centralidade
da mulher nas demandas amparadas pela Lei Maria da Penha, eles problematizam
seus efeitos na esfera cível, principalmente quando envolvem os direitos de filhos
menores de idade. Garland (2008), ao discorrer sobre a função das leis no campo
criminal, por um lado expõe que elas possuem uma atuação simbólica, definida por
ele como ações expressivas usadas de forma a censurar o crime e a confortar o
público. Por outro lado, ele considera que as leis não se detêm nos problemas
subjacentes. Seguindo o raciocínio desse autor, pode-se pressupor que a Lei Maria
da Penha assume uma função simbólica, visto que sua finalidade é coibir o crime e
dar uma resposta para a sociedade sobre o controle da criminalidade. Porém, as
questões subjacentes à violência contra a mulher não aparecem no texto da referida
lei, embora fiquem evidentes na prática.
Até o presente momento, constatam-se poucos estudos ou pesquisas
publicados no Brasil que abordam os possíveis impasses da Lei Maria da Penha
sobre o direito da convivência dos filhos com os pais supostamente autores de
agressão (AMARAL, 2010; BATISTA, 2008; BEIRAS; MORAES; ALENCAR-
RODRIGUES; CANTERAS, 2012; RIFIOTIS, 2008; SEGATA, 2010). Não se sabe
exatamente quais os critérios adotados pelos juízes na aplicação do inciso IV, artigo
22, da Lei Maria da Penha e pouco se conhece sobre a opinião e o comportamento
dos filhos perante a imposição da referida medida, quando esta atinge seus direitos.
46

Também não se sabe em que fase do processo os homens são ouvidos no


Judiciário, ou até mesmo se são ouvidos, inclusive para receber as orientações e os
esclarecimentos sobre as medidas protetivas, sobretudo quando implicam a
suspensão da convivência com os filhos.
Noutro giro, observa-se que a Lei 11.340/06 tem aparecido cada vez mais nos
processos judiciais que tramitam nas Varas de Família dos Tribunais de Justiça, às
vezes criando impasses em relação aos direitos dos envolvidos. É quase inevitável a
aplicação da medida protetiva de afastamento do homem em relação à mulher,
quando há denúncia de qualquer forma de violência doméstica e familiar prevista na
Lei. No entanto, mesmo não tendo sido aplicada a medida de suspensão ou
restrição de visitas aos filhos, a maior parte dos homens entrevistados nas Varas de
Família se queixa da ruptura da convivência paterno-filial. Eles alegam que não
veem os filhos, geralmente por tempo superior a um ano, devido à aplicação da
medida de afastamento em relação à mulher. Relatam que, em algum momento,
obtiveram conhecimento da medida protetiva, mas nunca foram atendidos nas Varas
Especializadas para expor sua versão sobre os fatos e requerer seus direitos, entre
eles o de manter o convívio com os filhos, independentemente da situação conjugal
com a suposta vítima.
De acordo com Andrade (2005), a seletividade é a função real e a lógica do
sistema de justiça criminal, e a criminologia crítica e feminista opera nessa mesma
lógica, atuando na construção seletiva de autores e vítimas. Essa seletividade
aparece na organização de um sistema patriarcal expresso na divisão de papéis
entre homens e mulheres, na esfera pública e privada. A autora afirma que é
desejável que os homens sejam trabalhadores e revelem características de
racionalidade, força, virilidade e vida pública, ao passo que é esperado que as
mulheres levem uma vida privada dedicada à educação dos filhos, ao trabalho
doméstico e marcada pela discrição, principalmente em relação à sua sexualidade.
As pretensas características pessoais da mulher são antagônicas àquelas que são
esperadas dos homens no Direito Penal:

Na bipolaridade de gênero, não é difícil visualizar, no estereótipo do homem


ativo e público acima referenciado, as potencialidades do seu próprio outro,
a saber, o anti-herói socialmente construído como o criminoso, tanto mais
perverso quanto temida a biografia de seu desvio; como não será difícil
visualizar na mulher encerrada em seu espaço privado, o recato e os
47

requisitos correspondentes à estereotipia da vítima (ANDRADE, 2005, p.


86).

Com base nos dizeres de Andrade (2005), depreende-se que as mulheres


ocupam o lugar, genuinamente, de vítimas em contraposição ao dos homens,
reconhecidos pelo sistema de justiça criminal, como culpados, o que reafirma sua
percepção de uma justiça de natureza patriarcal. Larrauri (2007), desenvolvendo o
mesmo raciocínio, assevera que o Direito Penal é chamado para proteger, aumentar
a igualdade e o poder das mulheres. Assim sendo, pouca opção resta ao homem
quando acusado de cometer qualquer tipo de violência contra a mulher, pois há um
determinismo do sistema de justiça criminal pronto para condená-lo.
Andrade (2005) explica o sistema de justiça criminal com base em três
dimensões: a primeira se refere à da lei e das instituições formais de controle, como
o Judiciário, o Ministério Público e as Delegacias; a segunda é representada pelos
mecanismos de controle informais, como a escola e a família; a última, considerada
a dimensão ideológica, mais capilarizada, é composta pelas instituições formais e
pelos saberes informais. Nela, transmite-se a ideia de que todos nós somos a
justiça, e o discurso penal prevalece desde as instituições formais até o senso
comum punitivo, reproduzido, sobretudo, pelos meios de comunicação.
Mello (2010) tece críticas contundentes a respeito do papel da mídia,
alegando que a mesma distorce a realidade e contribui para a produção de uma
política social punitiva. Ela acrescenta que a mídia não discute os problemas
estruturais mais graves que afetam a sociedade e, por consequência, dissemina a
ideia de que é preciso a criação de leis mais duras para combater a criminalidade e
garantir proteção às pessoas. De acordo com essa autora, não é possível falar em
proteção na justiça criminal. Ela pondera que, mesmo a lei penal tendo se esforçado
para estabelecer paridade entre homens e mulheres, deixando para trás o
julgamento moral que se fazia sobre o comportamento das mulheres frente a crimes
sexuais, a Lei Maria da Penha instituiu tratamento desigual para julgar a violência de
gênero. A proteção das mulheres foi condicionada à punição dos homens, mas elas
não sofrem o mesmo julgamento que eles caso cometam crimes da mesma
natureza.
Um dos aspectos da Lei 11.340, criticado por Mello (2010), diz respeito à
ausência de impessoalidade ao batizá-la com o nome de uma mulher, Maria da
Penha, reconhecida por sua história de violência conjugal no casamento e que se
48

tornou, mais tarde, símbolo político da luta contra a violência doméstica no Brasil.
Assim, qualquer questionamento a respeito da lei, é visto como insensível ao
sofrimento de Maria da Penha. A autora comenta:

Exige-se que todas as mulheres sejam percebidas como Maria da Penha,


vítimas dos seus algozes, quase sempre seus maridos ou companheiros, e
que desejam, a todo custo, a sua punição para poder continuar a sua vida
com tranquilidade. É importante ressaltar que, casos como esses, são
exceções e não regra no dia-a-dia, pois em grande parte das agressões as
mulheres não querem a prisão do marido ou companheiro, mas apenas que
a agressão não se repita (MELLO, 2010, p.940).

Observa-se, habitualmente que, mesmo não se tratando de histórias que


envolvam a violência, qualquer comentário sobre questões de gênero, caso seja
interpretado como crítica ou ataque a qualquer direito da mulher e à igualdade de
gênero, é duramente confrontado pelas feministas que assumem uma posição rígida
em defesa das mulheres. Haja vista o que ocorreu recentemente com a atriz e
escritora brasileira Fernanda Torres, ao publicar no blog “Agora é que são elas” da
Folha (2016), um artigo intitulado “Mulher”,14 expressando seu incômodo com o que
denominou “vitimização do discurso feminista”. Devido à repercussão negativa
causada na mídia, pelo fato de suas palavras terem contrariado certo discurso
feminista, ela teve, logo em seguida, que se retratar, publicamente, através de outro
texto a que ela deu o título “Mea culpa”. O fato de o discurso da cronista colidir com
algumas premissas do movimento político dos feminismos fez com que suas ideias
fossem mal-interpretadas. Situação semelhante é observada por Alves (2012) nos
discursos sobre Direitos Humanos, que, supostamente inspirados na ética, definem
as terminologias politicamente corretas, que devem prevalecer no vocabulário dos
cidadãos, sob pena de retaliação para quem insiste no uso de termos historicamente
construídos, mas que estão em desuso na atualidade, em função da ideologia dos
Direitos Humanos.
Quando a história envolve a violência contra a mulher, sobretudo praticada no
âmbito doméstico e familiar, a repercussão é ainda maior, principalmente quando se
mencionam direitos dos supostos agressores. A atenção, nesse caso, é sempre
voltada para a proteção das vítimas e a criminalização dos supostos “algozes”. O
interessante é que os comentários tecidos por Torres (2016), considerados de cunho
49

machista, são os mesmos que servem de argumento para o Direito Penal punir os
homens. No entanto, grupos feministas são favoráveis ao emprego desse
argumento.
Souza (2012) esclarece que, a respeito da Lei Maria da Penha, há uma
importante defesa da Lei por parte dos movimentos de mulheres que participaram de
sua construção e cultivaram a crença de que o aumento da punição contribui com a
redução da violência. Mesmo grupos feministas adeptos de uma criminologia crítica
apostaram no Direito Penal para enfrentar a violência contra a mulher. O resultado é
a prevalência de uma lógica penalista no tratamento das demandas de defesa dos
direitos da mulher vítima de violência. Observa-se, também, segundo a autora, a
falta de diálogo entre as instâncias judiciais que realizam o atendimento das
demandas cíveis e criminais que chegam aos Juizados ou às Varas Especializados
de Violência Doméstica de Familiar contra a Mulher. Souza (2012) pondera que as
demandas cíveis são as mais evidentes em processos de natureza criminal
motivados pela violência contra a mulher:

Em verdade, nas situações de violência doméstica e familiar cometida


contra a mulher é a demanda cível uma das maiores preocupações das
mulheres. São as questões cíveis que a mulher precisa com mais urgência,
tais como: separação de corpos, pensão alimentícia, indenização pelos
danos materiais e morais, partilha de bens, guarda. São impostos, contudo,
inúmeros obstáculos para o atendimento destas demandas, como a própria
falta de capacitação dos profissionais de direito que militam no JVDFCM
que tem formação penalista e a exigência de uma demanda penal iniciada,
como a ocorrência policial e/ou o oferecimento da denúncia pelo Ministério
Público (SOUZA, 2012, p.157).

Resende e Mello (2013), com base no mesmo entendimento, avaliam ser


esse o motivo de muitas mulheres se negarem a registrar queixa contra seus
parceiros ou desistirem da ação tão logo ela começa. Em outras palavras, as
autoras afirmam que o processo penal nem sempre atende aos interesses das
supostas ofendidas, apesar de algumas persistirem no caminho da denúncia e do
processo criminal. As autoras explicam:

A solução proporcionada pelo sistema penal através da medida privativa de


liberdade coloca o agressor, marido/companheiro, pai de família dentro do
cárcere, afasta-o da vítima, criando novos problemas ao invés de solucionar

14
Material disponível no anexo da tese.
50

o conflito, já que além inibir a vítima no processo, coloca o homem dentro


de um sistema de sofrimentos que acarretará vários efeitos negativos sobre
o agressor, que aos poucos se tornará a própria vítima do sistema, tendo
em vista que, o controle penal só pune os pequenos, tornando, tanto os
delinquentes, quanto as vítimas, todos esses, vítimas. (RESENDE; MELLO,
2013, s/p).

Observam-se casos atendidos nas Varas de Família da capital mineira, em


que a história da violência está circunscrita ao contexto do divórcio, sem histórico de
conduta violenta praticada pelo homem em outras fases da vida conjugal. Outro
aspecto observado é que a violência é muitas vezes recíproca, ou seja, praticada
por ambas as partes, mas só o homem responde nesse lugar de “réu”, “criminoso”.
Mesmo sem evidências de violência praticada contra os filhos, o que se percebe é a
descontinuidade das visitas paternas, quando aplicadas as medidas protetivas em
favor da mulher.
A história de Sofia e Miguel,15 atendidos no serviço de psicologia do Judiciário
em razão de pedido de regulamentação de visitas, demonstra que a violência
conjugal pode interferir no convívio do homem com os filhos. As partes processuais,
ambos com escolaridade de nível superior, apresentando condição socioeconômica
e cultural privilegiada, tiveram uma filha na constância do casamento e, quando
decidiram se separar, a guarda ficou com Sofia. Ocorre que os conflitos advindos do
divórcio geraram brigas e tumultos motivados por diversos problemas, sobretudo a
partilha de bens. Numa das discussões, o ex-casal se exaltou, e Sofia acusou
Miguel de praticar a violência doméstica, o que culminou no registro de boletim de
ocorrência na Delegacia de Polícia. Devido à aplicação de medida protetiva
decorrente da Lei Maria da Penha, Miguel foi impedido de se aproximar da ex-
mulher e, consequentemente, ficou afastado da filha que, à época, estava com cinco
anos de idade. Ele não podia frequentar as festividades da escola, onde a filha
estudava, uma vez que a ex-mulher ameaçava de chamar a polícia caso
comparecesse ao local. Sofia, respaldada pela medida protetiva, continuou a residir
no imóvel que, por direito, pertencia a Miguel, pois fora adquirido antes do
casamento, regido por comunhão parcial de bens. A situação já se arrastava por
mais de um ano, e Miguel ainda não tinha sido ouvido na Vara Criminal destinada a
julgar processos de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

15
Os nomes citados neste estudo são fictícios e escolhidos pela pesquisadora.
51

Situação similar aconteceu com Jorge e Irene, casados, escolaridade de


ensino médio, pobres economicamente, pais de dois filhos. A família residia em casa
própria construída na constância do casamento no terreno de propriedade dos pais
de Jorge, que também possuíam residência no local. Numa briga motivada por
ciúmes, o casal trocou ofensas, e Jorge, ao tentar se defender das agressões de
Irene, acabou empurrando-a em direção à parede. Ela acionou a polícia e registrou
ocorrência contra o marido. No prazo de 48 horas, a medida protetiva foi aplicada
obrigando Jorge a se afastar do lar. Passados alguns dias, Irene tentou reatar o
relacionamento, mas ele não aceitou. Respaldada por essa medida, ela não só
impediu que o mesmo levasse até suas ferramentas de trabalho, como também
proibiu o contato com os filhos. Como a residência deles ficava ao lado da casa dos
pais de Jorge, Irene ameaçava chamar a polícia sempre que o ex-marido visitava os
genitores, justificando que ele não estava respeitando a distância determinada pelo
juiz. Assim, o vínculo de Jorge com os pais e com os filhos ficou prejudicado e,
quando a relação paterno filial foi avaliada na Vara de Família, verificou-se que a
convivência familiar estava interrompida há mais de um ano como efeito das
medidas protetivas aplicadas em favor da mulher.
Histórias como as de Miguel e Jorge são parecidas com aquelas relatadas por
Carlos, Antônio, Marcos e outros homens que também tiveram o convívio com os
filhos interrompido após a imposição de medidas provenientes da Lei Maria da
Penha. Esses homens, ao serem atendidos nas Varas de Família, afirmaram que
não foram ouvidos nas Varas Criminais, nem receberam orientação de como
proceder em relação à vigência e ao término das medidas. Noutro giro, as crianças
atendidas nas Varas de Família costumam revelar pouco conhecimento sobre o
motivo que as separa do pai e se revelam, na maioria dos casos, interessadas em
ter a convivência restituída.
Obviamente não se trata de negar que existam filhos que presenciam a
violência conjugal dentro de casa e que podem, igualmente, ser alvos dessa
violência. Nesses casos, há uma situação de risco evidente, e o afastamento
provisório poderá ser necessário. Porém, quando a violência se restringe à esfera
conjugal e não põe em risco a vida dos filhos, há que se pensar em canais para
viabilizar o convívio paterno filial, mesmo que existam medidas protetivas em favor
da mulher.
52

Para tanto, faz-se importante conhecer, mais detalhadamente, as políticas


judiciárias brasileiras criadas para coibir a violência doméstica e familiar contra a
mulher, cujas ações podem extrapolar o objetivo a que se destinam e interferir no
interesse de outros atores envolvidos. Mello (2010) adianta que o Direito Penal não
é meio legítimo para fazer política social e que as mulheres não devem buscar a
igualdade no poder punitivo. Ela chama a atenção para o fato de que elas, no
passado, foram vítimas da carga simbólica do Direito Penal devido ao julgamento
que era feito com base em sua honestidade. Ressalta que, desde a Lei Maria da
Penha, maior rigor penal foi empregado para julgar os homens, inclusive com o
afastamento das medidas despenalizadoras e algumas penas alternativas. A autora
comenta que, se o homem é a vítima de um crime de baixo potencial ofensivo
praticado pela mulher, são aplicados dispositivos de um Direito Penal mais brando.
Como exemplo, os serviços de conciliação realizados nos Juizados Especializados
Criminais. No caso de crimes graves, não há uma lei específica como a de
Feminicídio, cuja finalidade é agravar a pena em razão do conflito de gênero.
No 2º Fórum Nacional de Alternativas Penais, realizado pelo Conselho
Nacional de Justiça em fevereiro de 2016, foram discutidas alternativas penais para
o encarceramento de homens nos casos de aplicação da Lei Maria da Penha.
Segundo informações obtidas na página eletrônica do CNJ (2016), no painel
“Alternativas penais e a Lei Maria da Penha: um diálogo essencial”, a expositora
Marília Montenegro, professora de Direito Penal da UFPE, defendeu a aplicação de
medidas alternativas como as audiências de custódia e o incentivo à conciliação
para crimes de baixo potencial ofensivo. Seu principal argumento é que o
encarceramento não resolverá o problema das mulheres, que, muitas vezes, querem
a proteção, mas não desejam a prisão do pai de seus filhos, com quem viveram uma
história de convivência de anos. Às vezes, deixam de fazer a denúncia para evitar
esse encarceramento e eximir-se da culpa pela prisão do ex-companheiro/marido.
Outro risco iminente, gerado pelo aprisionamento, é a proximidade do homem com
facções criminosas, o que pode ser um fator favorecedor da criminalidade. O
problema se acentua quando ele sai da prisão e sua condição social passa a ser
comprometida pelo desemprego e pela violência psicológica sofrida no período de
reclusão. Com base em suas pesquisas, feitas em delegacias de mulheres
supostamente vítimas de violência praticada no âmbito familiar e conjugal, Rifiotis
afirma “que a intervenção penal nem sempre corresponde às expectativas dos
53

sujeitos atendidos em instituições como as delegacias da mulher e tampouco aos


serviços nelas realizados.” (RIFIOTIS, 2015, p. 265)
Acredita-se que os efeitos produzidos pelas políticas públicas dirigidas à
proteção da mulher e à disseminação da Lei Maria da Penha têm despertado a
necessidade de que sejam discutidos outros conteúdos subjacentes à própria Lei.
Em se tratando da relação dos filhos com o pai acusado de praticar a violência
conjugal, há de se trazer para o debate questões relativas ao direito à convivência
familiar, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). Trata-se
de um direito tão relevante quanto o direito da mulher sabendo-se, de antemão, que
um direito não se sobrepõe ao outro e nem o substitui. Por isso, é necessário pensar
formas de dar continuidade à política de proteção à mulher, preservando os direitos
dos filhos.
54

2 DO PEDAGÓGICO AO TERAPÊUTICO: VESTES PENAIS PARA A DIFUSÃO


DA LEI MARIA DA PENHA

Considerando o interesse de compreender e analisar a difusão da Lei Maria


da Penha (BRASIL, 2006b), tendo em vista as políticas públicas e judiciárias, parte-
se do entendimento de que o Direito é uma disciplina normativa que tem, como
objetivo, regular as relações sociais e afetivas.
Para o professor de Direito, Luiz Eduardo de Vasconcellos Figueira, “o direito
é um mecanismo que operacionaliza categorias, formas de interpretação e sistemas
de classificação, todos muito específicos, com o objetivo de dar respostas às
questões por ele – direito – reguláveis” (FIGUEIRA, 2010, p. 290). O autor ensina
que o Direito constrói a realidade por meio de sua linguagem, produzindo uma visão
normativa dos fatos, iniciada pela avaliação do que é lícito e ilícito, até jurisdicizar
tais fatos, reconstruindo-os no campo jurídico e tornando-os acessíveis à linguagem
jurídica.
Moretzsohn (2010), ao discorrer sobre a relação entre justiça e mídia, situa a
origem do Direito contemporâneo nos ideais iluministas regidos pela sociedade
democrática, sendo seu objetivo a produção da verdade com fulcro na defesa da
cidadania. Legendre (1999) chama a atenção para a importante função dogmática
do Direito na sustentação das montagens institucionais, através do Princípio da
Razão, resgatando sua base no Direito Romano Tradicional e no Cristianismo. “O
direito é, antes de mais nada, uma operação do discurso e a normatividade que
preza só funciona se tal discurso for considerado apropriado justamente na forma
dogmática.” (LEGENDRE, 1999, p. 19). Essa forma é tratada pelo autor como o
discurso que diz sempre a verdade, impossível de ser apreendido, contudo, ele é
necessário de ser representado. O autor indaga, em sua explanação, o que o Direito
representa, sendo sua resposta: “O direito representa algo que ele não diz, que só
pode ser dito [...], através de procedimentos de consagração que visam colocar em
cena um absoluto da verdade e do poder, impossível de apreender de outra forma.”
(p. 19).
A tentativa de reduzir o Direito ao cientificismo – proclamado como valor
inquestionável no mundo contemporâneo – pode comprometer sua função primordial
que, que nos dizeres de Legendre (1999), é a de instituir a vida por meio de seus
55

enunciados e representações. Nesse sentido, impõe-se um desafio ao campo de


interface do Direito com outras áreas, como as Ciências Humanas e Sociais, para
que a busca de humanização da justiça não se confunda com o exercício onipotente
do pensamento científico e o excesso de psicologismo para explicar os fatos.
Oliveira e Brito (2016) asseveram que a propagada busca por uma justiça
humanizada precisa ser tomada com precaução. Pontuam que esse modelo de
justiça é capaz de interferir maciçamente nos relacionamentos sociais nas mais
diversas áreas de domínio, com a oferta de proteção e garantia dos direitos,
sobretudo os individuais. Com base no estudo realizado em três cartilhas produzidas
por instituições que compõem o sistema de justiça, abordando temas como divórcio
e bullying, as autoras demonstraram a maneira como, na atualidade, o Direito tem
contribuído para a autoridade de pais e professores que, tradicionalmente, exercem
um papel importante na educação e socialização de crianças e adolescentes. No
estudo por elas realizado, foram apresentados trechos de textos contidos nas
cartilhas, ensinando aos pais como se divorciarem, aos filhos como lidarem com o
divórcio dos pais e aos professores como colaborarem para uma cultura de paz
entre adolescentes e jovens nas escolas. Oliveira e Brito (2016) concluíram que as
cartilhas representam um extrato da lógica neoliberal, em que a superficialidade e a
velocidade predominam sobre o pensamento crítico. As cartilhas são verdadeiros
manuais de bem-viver, completamente desconectados da realidade, da vida vivida
em sua singularidade, sendo cada experiência uma história diferente daquelas
contadas pelos “papagaios”.16
Arantes (2013), instigada a pensar sobre a relação entre o Direito e a
Psicologia, propõe uma discussão a respeito de certas metodologias que sustentam
certo discurso do Direito no campo da interdisciplinaridade, envolvendo ambas as
áreas do conhecimento. Em seu artigo, a autora reflete acerca de algumas práticas
judiciárias disfarçadas em roupagens como “melhor interesse da criança”, “Justiça
Terapêutica”, “medidas socioeducativas”, “Depoimento sem Dano”, criadas para
compor o figurino das políticas judiciárias no Brasil. Ela, mesmo reconhecendo a
função precípua do Direito, tão importante enquanto mecanismo de regulação da
convivência humana, não nega sua preocupação com o uso que tem sido feito pela

16
A “Cartilha da Família – não à alienação parental”, produzida pelo Tribunal de Justiça da Bahia,
ano de 2013, é narrada por um papagaio falante. (OLIVEIRA; BRITO, 2016).
56

Psicologia ao reduzir a realidade subjetiva às demandas da instituição. Por isso,


levanta questionamentos sobre o lugar da Psicologia em sua interface com o Direito
e sobre o discurso que sustenta as práticas do psicólogo na instituição judiciária.
Partindo de uma perspectiva foucaultiana e se valendo dos escritos de
Fonseca (2002),17 Arantes (2013) problematiza os impasses advindos da prática
judiciária dedicada a produzir verdades pautadas em concepções normalizadoras
como normal/patológico, vítima/agressor, proteção/risco. Esse movimento de reduzir
os conhecimentos no campo das interfaces a ferramentas de controle e disciplina
não acontece sem consequências, haja vista a existência de determinadas zonas de
tensão entre Direito e Psicologia, justamente por existirem profissionais da área “psi”
que resistem à condição de meros instrumentos em busca da verdade jurídica dos
fatos e sujeitos.
No que tange à Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006b), cuja finalidade é
prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, observa-se, em
seus dispositivos, que, sob a insígnia da proteção, são determinadas medidas
judiciais que variam desde as educativas e terapêuticas até as práticas penais, cujo
propósito é de garantir segurança às vítimas e a criminalização do suposto autor da
agressão. Embora a finalidade de tais medidas seja garantir proteção jurídica às
mulheres, seus efeitos podem não se restringir a esse fim e atingir diretamente os
interesses de outros envolvidos. Quando a mulher é detentora da guarda dos filhos,
as medidas protetivas podem ser usadas para justificar o afastamento do pai em
relação aos filhos, desincumbindo a mulher de qualquer implicação com os direitos
da prole à convivência familiar. Batista advertiu sobre esse risco ao manifestar-se
sobre a relevância das medidas protetivas, alertando para o emprego abusivo desse
dispositivo.

Certamente o setor mais criativo e elogiável da lei reside nas medidas


protetivas de urgência (arts. 22, 23 e 24). Ali estão desenhadas diversas
providências que podem, no mínimo, assegurar níveis suportáveis no
encaminhamento de solução para conflitos domésticos, até patrimoniais. O
perigo estará potencialmente, aqui, num abusivo emprego penal das
medidas protetivas de urgência, que estão amplamente legitimadas
enquanto coerção direta. Mas a suspensão de visitas aos filhos (art. 22, inc.
IV) pode ser abusivamente manejada como pena sempre que, a despeito da

17
Arantes (2013) fundamenta seu texto na teoria foucaultiana, a partir da leitura do livro de
Fonseca (2002), a quem faz referência ao longo de sua explanação.
57

agressão contra a mãe, a relação do agressor com seus filhos não estiver
afetada (BATISTA, 2008, p. 12).

Esse alerta não significa negar a importância das medidas protetivas, mas
pressupõe o reconhecimento de que a sua aplicação sem critérios claros e definidos,
principalmente quando existem demandas cíveis, pode prejudicar outros envolvidos
na dinâmica familiar. Convém avaliar os prejuízos que podem advir de uma situação
em que a mulher é atendida na delegacia, geralmente em circunstância de
sofrimento emocional, desespero, raiva e, na sequência, solicita a medida protetiva
de suspensão ou restrição de visitas do companheiro aos filhos, sendo tal pedido
acatado pelo juiz, sem averiguação da relação paterno filial. Mesmo que o inciso IV
do artigo 22 da Lei 11.340/06 preveja a intervenção de equipe multidisciplinar para
subsidiar a decisão do juiz quando existem filhos envolvidos, sabe-se que são
poucas as comarcas do país que possuem profissionais de outras áreas para
intervir. (CNJ, 2010). E, quando essas os possuem, muitas vezes a equipe conta
com reduzido número de profissionais, fato que dificulta o atendimento da grande
demanda que chega aos serviços da justiça, diariamente. Supõe-se que essa
realidade possa resultar, por vezes, na aplicação de medidas protetivas com base,
exclusivamente, em queixas das vítimas, sem apuração dos reais motivos que
justificam o pedido de suspensão das visitas paternas e seus possíveis
desdobramentos na esfera familiar.
Através da Resolução nº 128, de 17 de março de 2011 (CNJ, 2011), o
Presidente do Conselho Nacional de Justiça “determina a criação de
Coordenadorias Estaduais das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e
Familiar no âmbito dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal”.
Assim, cabe aos tribunais de cada Estado colaborar efetivamente na construção e
implementação da política pública relativa à violência contra a mulher no âmbito
doméstico e familiar. O parágrafo 2º do artigo 3º da referida Resolução estabelece
que “A Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e
Familiar deverá contar com estrutura de apoio administrativo e de equipe
multiprofissional, preferencialmente do quadro de servidores do Judiciário”.
Enquanto isso, a Lei 11.340/06 (BRASIL, 2006b, grifo meu), em seu artigo 29, dispõe
que “os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a
58

ser criados poderão contar18 com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser
integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de
saúde”. A lei mencionada abre uma brecha para a justiça atuar com a escassez ou
precariedade de recursos humanos e materiais necessários à efetivação da política
de proteção às mulheres vítimas da violência na vida privada.
Em conversa com servidores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que
atuam nas Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,
os profissionais da área de psicologia se queixaram da precariedade dos serviços
para realizar os atendimentos, cuja matéria, além da violência contra a mulher,
envolve questões de natureza cível, como guarda e regulamentação de visitas. As
queixas relativas à falta de espaço físico adequado, ao número reduzido de equipes,
ao aumento vertiginoso do número de processos e ao tempo insuficiente para intervir
foram apontadas como comprometedoras da qualidade do serviço prestado.
O pedido recorrente de atendimento de crianças do sexo feminino nas Varas
Criminais Especializadas na aplicação da Lei Maria da Penha é outro impasse que
vem sendo enfrentado pelas equipes multiprofissionais. Observa-se que a questão
de gênero prevalece sobre as especificidades das crianças, até então encaminhadas
para as Varas da Infância e Juventude, como ainda ocorre com meninos
supostamente vítimas de violência doméstica. Nesses processos em que a menina,
supostamente vítima de algum tipo de violência praticada no âmbito intrafamiliar, é
encaminhada à Vara Criminal referente à Lei Maria da Penha, verificam-se algumas
situações em que o motivo subjacente à queixa/denúncia se refere às questões
atinentes ao divórcio dos pais. Quando isso acontece, a demanda chega
acompanhada de reclamações sobre alienação parental, pedidos de regulamentação
de visitas e denúncias diversas, como as de abuso sexual, que comumente geram o
afastamento imediato do genitor devido à imposição das medidas protetivas. Por
conseguinte, suspeita-se que o acúmulo de processos tramitando nas “Varas Maria
da Penha” tenha, como consequência, a duração da medida protetiva por tempo
demasiadamente prolongado, sem previsão de julgamento para absolver ou
condenar o acusado. O jornal O Tempo publicou uma matéria datada de 13 de
outubro de 2016, noticiando que, no Estado de Minas Gerais, a cada hora um
processo referente à Lei Maria da Penha prescreve, sendo que, de 2011 a julho do

18
Grifo meu.
59

ano de 2016, foram prescritos 51.020 processos sem julgamento. Segundo a


reportagem, o tempo médio para um processo chegar às mãos de um juiz é de três
anos (DINIZ, 2016).
No IV Congresso Brasileiro de Psicologia: Ciência e Profissão, ocorrido em
São Paulo, no mês de novembro de 2014, uma palestrante de uma das mesas que
tratou da temática violência doméstica contra a mulher, expôs parte de suas
experiências na área de psicologia jurídica, atuando em um Juizado Especializado
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, de uma capital localizada na
região sudeste do país.19 Essa profissional relatou que, durante um ano de atuação
nesse setor, atendeu a 12 mulheres, uma criança do sexo masculino e
aproximadamente 70 crianças do sexo feminino. A determinação nos autos era de
perícia psicológica da vítima, com emprego obrigatório da metodologia Depoimento
sem Dano20 em uma das etapas da avaliação pericial. Mesmo não creditando
confiança no DSD para realização desse trabalho, a profissional era “obrigada” a
realizá-lo. O principal motivo da perícia era averiguar suspeita de abuso sexual. Tais
pedidos de avaliação, entretanto, eram encaminhados ao setor depois de
transcorridos, em média, dois anos do fato alegado. Entre os processos recebidos, a
psicóloga mencionou um em que o acusado era vizinho da criança, gerando a
dúvida sobre como circunscrever o vínculo doméstico e familiar numa relação entre
vizinhos. Essa observação corrobora com a impressão de que os Juizados ou Varas
Especializados de Violência contra a Mulher não dispõem, por vezes, de critérios
claros sobre o alcance de seus serviços. Sua natureza híbrida favorece o
acolhimento de demandas judiciais, contanto que a vítima se configure como pessoa
do sexo feminino, supostamente ofendida no âmbito doméstico ou familiar.
Essas questões apontadas retratam parte das dificuldades enfrentadas pelos
profissionais, principalmente pelos psicólogos que atuam nesse setor do Poder
Judiciário, lidando rotineiramente com as demandas decorrentes do que é entendido
como violência doméstica e familiar contra a mulher e da forma como é tratada na

19
Palestra proferida no dia 22 de novembro de 2014, durante o IV Congresso Psicologia Ciência e
Profissão realizado entre os dias 19 a 23 de novembro de 2014, na cidade de São Paulo/SP.
20
O Depoimento sem Dano “consiste basicamente em realizar a inquirição da criança e do
adolescente, vítimas ou testemunhas de abuso sexual, em sala distinta daquela em que ficam as
partes processuais, a qual é ambientada para recebê-las de modo a lhes proporcionar maior
„tranquilidade‟ antes, durante e após o depoimento” (NASCIMENTO, 2012, p. 12).
60

esfera judicial. São situações novas que impõem desafios e, às vezes, geram
tensionamentos na relação entre Psicologia e Direito.
Ao lado dos problemas enfrentados pelos profissionais no cotidiano de
trabalho, verifica-se a existência de ações, projetos e programas criados pelo Poder
Judiciário, ou apoiados por ele, que visam garantir efetividade à Lei Maria da Penha.
Conforme mencionado anteriormente, a ideia difundida pela Lei 11.340/06 é que
Tribunais de Justiça, Ministério Público, Defensorias e setores das áreas de
assistência social, educação, saúde e segurança se unam para criar uma política
intersetorial de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher (BRASIL,
2006b).
No âmbito do Poder Judiciário brasileiro, a representação do sistema judiciário
se faz pelo Conselho Nacional de Justiça e pelos Tribunais de Justiça em cada
unidade federativa. Essas instituições estabelecem suas frentes de trabalho criando
estratégias para efetivar sua ação no combate à violência contra a mulher.
Entretanto, o CNJ é o órgão responsável por instituir a política judiciária que irá
nortear as atividades dos tribunais. “Para a coordenação de ações de grande escala
e, sobretudo, levando-se em conta a heterogeneidade do Judiciário brasileiro,
somente o CNJ reúne condições para a definição de políticas judiciárias nacionais
[...]” (SILVA; FLORÊNCIO, 2011, p. 127). O referido órgão apoia não apenas as
instituições públicas pertencentes ao sistema de justiça, as Organizações Não
Governamentais (ONG‟s), que se propõem a militar em defesa da causa feminina,
como também os movimentos que não se intitulam feministas, mas, sob o manto dos
Direitos Humanos, participam da construção da política de enfrentamento à violência
de gênero no país.
De modo geral, as ações de combate à violência contra a mulher no âmbito
doméstico e familiar, coordenadas pelo CNJ ou apoiadas por esse órgão, parecem
destinadas à proteção dos direitos da vítima e à penalização do agressor,
pressupondo que a violência é um fenômeno dicotomizado que delimita claramente
o lugar de cada um dos atores envolvidos. Nesse sentido, prevalece o que Garland
(2008, p. 317) chamou de “santificação das vítimas” e, como consequência, sua
incompatibilidade total com o agressor, fazendo com que qualquer atitude de
compaixão ou invocação de direitos desse último, seja vista como insulto aos que
supostamente necessitam de proteção.
61

O ex-presidente do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal


Federal, Ministro Ricardo Lewandowski, em fala proferida no VIII Encontro Nacional
do Poder Judiciário,21 afirmou que a política pública judiciária, que ele pretendia
implementar em sua gestão, é de redução da litigância serial e da adoção de
medidas que transformem a cultura de judicialização das relações sociais. Para
tanto, propôs investimentos em métodos alternativos de resolução de conflitos, com
medidas voltadas para a conciliação e a mediação. Em outro pronunciamento, o
presidente do CNJ disse que a missão do Poder Judiciário é concretizar os direitos
sociais e garantir a paz social. Para isso, creditou sua esperança na difusão da
Justiça Restaurativa22 pelas instituições judiciárias espalhadas no país. Mais
recentemente, antes de concluir sua gestão, Lewandowski instituiu a Portaria 54 de
13 de maio de 2016, prevendo o uso da Justiça Restaurativa para resolver conflitos
em que são aplicáveis a Lei Maria da Penha, dando destaque às audiências de
custódia. A audiência de custódia23 consiste em um procedimento de rápida
apresentação do preso a um juiz, no caso de prisões em flagrante. Participarão da
audiência o juiz, o representante do Ministério Público e o Defensor Público (ou
advogado contratado pela parte). Na oportunidade, o juiz decidirá qual procedimento
será adotado: manter a prisão ou optar por uma alternativa penal.
Parece óbvio que esse novo posicionamento do CNJ sinaliza uma sutil
mudança nos rumos da política judiciária no tratamento dispensado ao homem que
responde criminalmente com base na Lei Maria da Penha. Antes da referida
Portaria, não se cogitava o emprego da Justiça Restaurativa em crimes praticados
contra a mulher na esfera doméstica e familiar, ao contrário, previa-se o aumento e o
rigor das punições. Mesmo diante do posicionamento firmado pelo Conselho
Nacional de Justiça em favor da disseminação dos parâmetros da Justiça
Restaurativa, existem críticas levantadas por estudiosos da matéria, que analisam as
alternativas penais por outro prisma, geralmente crítico ao sistema de justiça penal e
a seus novos dispositivos de gestão do crime.

21
O evento que reuniu presidentes dos tribunais de todo o país aconteceu em novembro de 2014, na
cidade de Florianópolis/SC.
22
De acordo com Howard Zehr (2008), a Justiça Restaurativa envolve a vítima, o ofensor e a
comunidade na busca de solução dos conflitos por meio da reparação, reconciliação e segurança.
62

Aleixo (2012), em sua pesquisa sobre política criminal dirigida a adolescentes


autores de ato infracional, tece críticas contundentes a respeito da Justiça
Restaurativa. Ela acredita que existem casos em que a intervenção do Estado é
essencial, no sentido de garantir o direito à defesa e à não assunção da
responsabilidade por uma ação da qual não foi comprovada sua autoria. A autora
demonstra que se trata de uma prática de exercício de poder que potencializa a
participação popular na produção dos meios de controle social. Ela acrescenta que a
ênfase dada à participação das vítimas nas propostas de acordos consensuais se
espelha em práticas medievais pautadas na confissão do suposto culpado, condição
que desonera o Estado de assegurar as garantias constitucionais imprescindíveis a
qualquer tipo de responsabilização. Para Aleixo, o incentivo à implementação da
Justiça Restaurativa no Brasil representa o novo papel do Estado na gestão do
crime. Nas palavras da autora, “A nova estratégia do Estado não é mais
exclusivamente comandar e controlar, mas, persuadir e convencer” (ALEIXO, 2012,
p. 153). Nesse caso, a justiça busca o estabelecimento de acordo, onde cada um
dos envolvidos assume sua parcela de culpa e supostamente resolvem o impasse
com o mínimo de intervenção do aparelho estatal, produzindo estatísticas que,
aparentemente, revelam a eficácia do método.
Augusto (2012) considera a Justiça Restaurativa mais uma “prática de
julgamento” do que uma “prática libertadora”. Nesse modelo de justiça, o infrator é
também entendido como vítima, e a justiça seria distribuída com equidade na
comunidade. A prática restaurativa envolve a participação das partes e da
comunidade na gestão dos conflitos e, segundo o autor, pode ser definida da
seguinte maneira:

[...] é uma proposta que se inspira em uma crítica ao sentido moderno de


justiça, de característica de enfrentamento de um adversário, a partir de um
princípio cristão de justiça, pelo qual o primeiro a reconhecer a necessidade
de punição é o próprio ofensor ou, em linguagem religiosa, o pecador. Esse
aceita de bom grado o que seja necessário para receber o perdão e
restaurar o equilíbrio ao se colocar na condição de inferior em relação a sua
vítima [...] (AUGUSTO, 2012, p. 36).

23
De acordo com o CNJ (CNJ, 2014a), “a audiência de custódia está prevista em pactos e tratados
internacionais assinados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a
Convenção Interamericana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose”.
63

No que se refere aos procedimentos criados para operacionalizar as ações e


os programas de difusão da Lei Maria da Penha, até o momento, observa-se tanto
iniciativas com as quais o Estado se impõe de forma inflexível como ações
nomeadas de boas práticas, sustentadas em discursos de ordem disfarçados em
alternativas para punir o crime. Pressupõe-se que as políticas judiciárias, criadas
para difundir a Lei 11.340/06, se fundamentam na lógica da política criminal
brasileira, para a qual a segurança é “a palavra de ordem, sempre associada à
proteção” (COIMBRA; SCHEINVAR, 2012, p. 61). Nessa perspectiva, Coimbra e
Scheinvar apontam que “a lógica dos direitos é a lógica punitivo-penal, segundo a
qual ante a violação de uma lei cabe um julgamento e a decorrente punição.”
Observa-se que, sob o manto da proteção caracterizado de “boas práticas”,
geralmente associadas a supostos conteúdos pedagógicos e terapêuticos, a
metodologia das políticas criminais brasileiras adota ferramentas ideológicas,
jurídicas e tecnológicas experts em classificar, controlar, regular e punir a população
flagrada pelas malhas da justiça penal. Andrade (2012) expressa seu entendimento
sobre a política criminal, caracterizando-a da maneira que se segue:

Trata-se de um saber essencialmente tecnológico da cura, auxiliado pela


criminologia do diagnóstico, e a dogmática da decidibilidade dos conflitos
criminais, que coroa aquele modelo cientificista, defensivista, e periculosista
que veio a legitimar a história da pena de prisão e do sistema penal
moderno desde o capitalismo industrial até o capitalismo globalizado
(ANDRADE, 2012, p. 283).

Outra característica evidenciada nessas políticas judiciárias foi comentada por


Nascimento (2008) ao fazer a apresentação da obra de David Garland, “A cultura do
controle” (2008), à edição brasileira. Ele assinalou que as políticas criminais no
campo do controle do crime enfatizam o interesse das vítimas, usando-as, até
mesmo para disseminar o sofrimento e homenageá-las batizando as leis com seus
respectivos nomes, como é o caso da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06). Citem-
se ainda leis brasileiras mais recentes, como a Lei nº 12.737/12, batizada de “Lei
Carolina Dieckmann” e a Lei nº 13.010/14, conhecida como “Lei Menino Bernardo”.
Mazzurana (2010, p. 372) declara que nomear as leis com o nome das vítimas faz
com que estas passem “a merecer toda a atenção, informação, indenização e
reparação a que tiver direito”. O resultado desse movimento de controle penal,
segundo exposto por Garland, é que “os interesses e os sentimentos das vítimas –
64

vítimas verdadeiras, famílias das vítimas, vítimas potenciais, a figura projetada da


„vítima‟ – agora são rotineiramente invocados em apoio às medidas de segregação
punitiva” (GARLAND, 2008, p. 55).
Para Andrade, a política criminal contemporânea é marcada por contradições,
ambiguidades e complexidades. Por isso, a autora afirma:

O horizonte de projeção da Política Criminal é hoje, portanto, no contexto do


capitalismo globalizado neoliberal, um campo complexo e ambíguo,
atravessado por respostas contraditórias, que invocam tanto uma
maximização da luta contra a criminalidade (maximização eficientista da
criminalização) quanto uma minimização e abolição da própria
criminalização; oscilando entre mais pena, menos ou nenhuma pena, perto
do estado x longe do estado, a Política Criminal cresce em importância,
recuperando seu histórico complexo de inferioridade em relação às ciências
da criminalidade (a Criminologia) e do Direito Penal (a Dogmática), porque
hoje o reinado parece ser dela (ANDRADE, 2012, p. 299).

Wacquant, ao definir o neoliberalismo como “um projeto político transnacional


que visa a refazer o nexo do mercado, Estado e cidadania a partir de cima”
(WACQUANT, 2010, p. 151), assinala que a política neoliberal, além de reafirmar as
prerrogativas do capital e a promoção do mercado, opera em quatro lógicas
institucionais, sendo uma delas relativa à supervalorização do Estado Penal:

Um aparato penal em expansão, invasivo e agressivo, que penetra nas


regiões inferiores do espaço social e físico para conter as desordens e os
tumultos gerados pela difusão da insegurança social e pelo aprofundamento
da desigualdade, para estender a supervisão disciplinar sobre as frações
precarizadas do proletariado pós-industrial e para reafirmar a autoridade do
Leviatã de modo a reforçar a legitimidade que se evapora dos funcionários
eleitos. (WACQUANT, 2010, p. 151-152)

Em outro momento, esse mesmo autor, estabelece semelhança entre as


políticas penais e assistenciais, defendendo que ambas convergem para as mesmas
populações e os mesmos territórios marginais, reduzindo as liberdades individuais e
solapando os ideais da democracia. Em outras palavras, o autor explica que as
montagens do sistema penal são influenciadas pelo pensamento neoliberal e,
portanto, reforçam a estratificação da sociedade, sendo as políticas penais dirigidas
à população de necessitados e socialmente marginalizados. O mesmo autor afirma
que o neoliberalismo “está intimamente associado à difusão internacional de
políticas punitivas, tanto no domínio da assistência social quanto no domínio
criminal” (WACQUANT, 2012, p. 16).
65

Em entrevista concedida, em 2005, a Bocco, Nascimento e Coimbra e


posteriormente publicada no ano de 2008, Wacquant expõe as fragilidades do
Estado do neoliberalismo e afirma que a resposta à demanda da população por
segurança social foi atendida com investimentos na segurança criminal. Ainda nessa
entrevista, ele lembra que, no século XXI, vivemos a era de uma cidadania jurídica,
que significa para ele “uma cidadania negativa para os pobres, os que estão nas
classes baixas, que são processados e marcados pelo Estado Penal, e terão
consequências reais pelo resto de suas vidas” (WACQUANT apud BOCCO;
NASCIMENTO; COIMBRA, 2008, p.328).
A partir da Lei 13.104 de 09 de março de 2015, o feminicídio passou a ser
considerado uma circunstância qualificadora do crime de homicídio praticado contra
a mulher, por razões da condição de sexo feminino. A referida lei altera o artigo 121
do Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal. Desde então,
o feminicídio foi incluído no rol dos crimes hediondos no Brasil. Essa mudança teve
o propósito de enrijecer o poder punitivo do Estado sobre a pessoa que comete
homicídio contra a mulher. Os homens, por sua vez, quando vítimas, não se
beneficiam da mesma circunstância qualificadora, mesmo se destacando nas
estatísticas que revelam serem eles os principais alvos de violência fora de casa.
Constata-se, com essa nova lei, que o tratamento diferenciado dispensado a
homens e mulheres que cometem homicídios não se restringe à ocorrência do fato
na esfera doméstica, mas se expande a qualquer circunstância em que o crime é
praticado contra a mulher. A partir da Lei do Feminicídio, entende-se que a diferença
de gênero é um motivo relevante para condenar que se sobrepõe a qualquer
circunstância do crime. Nesse sentido, também se percebe que o investimento no
aumento da punição define a política judiciária brasileira, enquanto pouco se faz em
termos de problematização a respeito do fenômeno da criminalidade, em um país
marcado pelas desigualdades sociais (e não somente de gênero) motivadas pelo
capitalismo.
Neri (2010), partilhando das ideias de Wacquant, considera que a política
neoliberal investe no sistema penal como instrumento de controle social e,
consequentemente, de gestão da pobreza. Ele adverte que o momento atual não é
de enfraquecimento da Lei, como a mídia e os discursos políticos partidários tentam
enfatizar para convencer a sociedade. Ao contrário, o que se observa é o aumento
66

do poder punitivo do Estado, fazendo com que pobreza, miséria e criminalidade


apareçam associadas e se tornem o alvo da política criminal no Brasil.
No que se refere à abordagem da violência praticada contra a mulher no
âmbito doméstico, o resultado de um tratamento essencialmente punitivo pode
contribuir para uma possível neutralidade do debate a respeito da temática e,
consequentemente, aumentar os níveis de controle e vigilância do Estado sobre a
vida privada, reforçando os sistemas penais e transformando os interesses da vida
privada em domínios públicos. As consequências podem significar um retrocesso no
próprio avanço do movimento feminista em sua frente político-criminal, não só por se
afastar do pensamento pautado numa criminologia crítica, como também por apostar
no populismo penal como saída para tratar a violência. Ao analisar criticamente o
poder punitivo, Batista adverte:

Para expandir-se, o poder punitivo, depois de inventar os tipos legais mais


imaginosos, caminha do dano objetivo para o sujeito: primeiro criminaliza o
perigo de dano, depois o perigo de perigo, logo os atos preparatórios, e em
seguida – como na tradição canônica – os desejos (BATISTA, 2008, p. 17).

Outro desdobramento proveniente do investimento exaustivo no poder


punitivo é a proliferação dos mecanismos de vigilância que se propõem a controlar e
garantir segurança à vida das pessoas. Bauman, ao refletir sobre a vigilância na
contemporaneidade, comenta que temos investido numa densa rede de medidas de
vigilância, seleção e exclusão para “proteger-nos dos perigos e de sermos
classificados como um perigo” (BAUMAN, 2013, p. 98). Coimbra e Scheinvar alertam
para o resultado dessas ações em que “segurança e pena se associam como
referência à resolução de conflitos, em uma perspectiva centrada no indivíduo como
o responsável pelos delitos, tornando-o, em decorrência, a razão da lógica penal”
(COIMBRA; SCHEINVAR, 2012, p. 63).

2.1 Intervenções Educativas ou Soluções Penais?

Ao encontro da lógica punitivo-penal, sustentada no discurso das boas


práticas de caráter pedagógico/terapêutico, uma das exigências impostas aos
67

homens autores de agressão contra a mulher é a sua frequência obrigatória a


programas de recuperação e reeducação. Trata-se de uma medida sancionatória,
haja vista seu caráter obrigatório, mas que, muitas vezes, é aplicada na fase
processual, como medida protetiva de urgência que obriga o suposto agressor a
frequentar tais grupos, mesmo sem a devida sentença condenatória. Essa situação
pode comprometer os direitos da pessoa humana, tendo em vista que o homem é
posto antecipadamente no lugar de réu, sendo obrigado a cumprir “pena” mesmo
sem provas que o condenem. Azevedo e Celmer comentam:

As medidas não-penais de proteção à mulher em situação de violência,


previstas nos arts. 9º, 22º e 23º da Lei Maria da Penha, mostram-se
providências muito mais sensatas para fazer cessar as agressões e, ao
mesmo tempo, menos estigmatizantes para o agressor. Entretanto,
inseridas em um contexto criminalizante, pode-se imaginar que logo
estaremos assistindo à colonização das medidas protetivas pelas iniciativas
tendentes à punição (mesmo antes da condenação) dos supostos
agressores, nos casos que conseguirem ultrapassar a barreira do inquérito
e alcançarem uma audiência judicial, quem sabe quanto tempo depois da
agressão (AZEVEDO; CELMER, 2007, p. 16).

Diante de situações como essa, a justiça parece dedicar-se exclusivamente


aos interesses das vítimas, pois “qualquer atenção aos direitos ou ao bem estar do
agressor é considerada como defletiva das medidas apropriadas de respeito às
vítimas” (GARLAND, 2008, p. 55). Assim sendo, pressupõe-se que quanto mais
medidas protetivas são deferidas pelo juiz, maior segurança é garantida à mulher.
Justifica-se, assim, a notícia veiculada pelo CNJ (2016) de que, no ano de 2015,
foram aplicadas 328.634 medidas protetivas em ações criminais relativas à Lei Maria
da Penha, correspondendo a um aumento de10% em relação à quantidade aplicada
no ano anterior.
Segundo autores pesquisados (ACOSTA; BRONZ, 2014; ANDRADE, 2014;
BEIRAS; CANTERA, 2014; MARQUES, 2009; TONELI; LAGO; BEIRAS; ASSIS
CLÍMACO, 2010), nos grupos formados com homens supostamente autores de
agressão, os atendimentos comumente realizados se restringem a indicações e
obrigações impostas, partindo de uma lógica dicotômica que polariza a relação
homem e mulher. Trata-se de abordagens essencialistas, que não exploram o viés
relacional que pode ter ocasionado a violência e não se propõem a compreender a
dinâmica das subjetividades em jogo. Elas não atentam para as questões culturais,
sociais, políticas, afetivas e emocionais envolvidas na condição de quem pratica a
68

violência, aprofundando-se, pouco ou nada, em temas transversais, que, de fato,


importam ao homem e constituem seu modo de se posicionar, por vezes, nas
relações. Nesse contexto, os efeitos cíveis decorrentes da aplicação da Lei Maria da
Penha, como a suspensão de visitas aos filhos, parecem ser algo que não integra a
pauta de discussão de alguns grupos, mesmo porque prevalece uma tendência a se
pensar que a paternidade não é assunto de interesse para o homem, principalmente
para aquele que pratica a violência.
Observam-se variações no emprego do termo usado para nomear os grupos
voltados aos homens supostamente agressores. Segundo Beiras e Cantera, eles
podem variar de “terapêutico, reflexivo, psicoeducativo e de reabilitação” (2014,
p.29). O formato desses grupos irá depender de seus objetivos, sua epistemologia e
dos pressupostos metodológicos. Contudo, para os autores, é a concepção de
gênero com a qual se trabalha que determinará as diretrizes técnica e
epistemológica adotadas nos atendimentos. Nesse sentido, os autores advertem que
“é pertinente um debate sobre o masculino e o feminino e as relações com a
violência, de uma forma crítica, política, não dicotômica, implicada em desestabilizar
determinadas relações de poder” (BEIRAS; CANTERA, 2014, p. 32).
No município de Belo Horizonte, o Instituto Mineiro de Saúde Mental e Social
(ALBAM), uma organização não governamental, realiza intervenções com homens
em cumprimento de pena24 decorrente de aplicação da Lei Maria da Penha e que
são encaminhados pelos juízes das Varas Especializadas de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, da referida capital. Na página eletrônica da referida ONG,
foram pesquisados artigos que explicam a metodologia dessas intervenções,
fazendo alguns apontamentos teóricos e apresentando relatos colhidos no grupo de
reflexão de gênero. Contudo, a problemática relacionada ao convívio do homem com
os filhos é pouco mencionada nos artigos. Apenas um deles aborda a temática
paternidade na perspectiva do agressor,25 trazendo uma análise do relato dos
participantes do grupo sobre o exercício paterno. A conclusão, exposta no referido

24
De acordo com o artigo 152, Parágrafo Único da Lei 11.340/06: “Nos casos de violência doméstica
contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de
recuperação e reeducação.” (BRASIL, 2006).
25
O artigo não se encontra disponível no site, inviabilizando a identificação do autor. A consulta feita
com essa finalidade foi realizada no dia 08 de setembro de 2015.
69

artigo, é a de que existe afeto na relação dos sujeitos pesquisados com os filhos e
que a participação nos grupos favorece não apenas o diálogo do homem com a
mulher e os filhos, bem como a tomada de consciência dos papéis desempenhados.
Porém, o artigo não aborda a situação de pais que, por motivo de medida protetiva,
tiveram o convívio com os filhos interrompido.
É sabido que outros programas de intervenção com homens autores de
agressão contra a mulher são desenvolvidos no país, como, por exemplo, o Instituto
de Pesquisas Sistêmicas e Desenvolvimento de Redes Sociais – Instituto NOOS, na
cidade do Rio de Janeiro/RJ. As metodologias empregadas nesses programas
diferem umas das outras, não sendo possível tratar de forma homogênea seus
resultados. A título de ilustração, citou-se o Instituto ALBAM, pelo fato de estar
sediado no município de Belo Horizonte e atender às demandas judiciais dessa
cidade.
Ao analisar os grupos de reflexão para homens autores de violência no
contexto brasileiro, Marques (2009) observou que o foco é o agressor. Para essa
autora, os programas de intervenção destinados aos homens autores de agressão
são recentes e pouco explorados no Brasil, além de se restringirem, basicamente, à
análise do perfil do agressor e ao estudo das masculinidades.
Na página eletrônica do CNJ (2014b), é possível obter informação sobre os
“cursos de responsabilização”, referindo-se à experiência dos programas de
reabilitação e reeducação realizados com os homens autores de violência contra a
mulher no âmbito doméstico, nos estados do Ceará, São Paulo e o Distrito Federal.
No Ceará, os autores da violência cumprem a pena26 e, posteriormente, participam
das oficinas por um ano, condição determinada por meio de uma medida cautelar da
Justiça, para que eles possam refletir sobre os seus atos. Na reportagem, a juíza da
Vara de Execução de Fortaleza afirmou que, após a terceira sessão, os participantes
do grupo já estão aptos a “pedir perdão” (CNJ, 2014b).
Após o cumprimento da pena, a participação obrigatória nesses grupos e a
demonstração pública do pedido de perdão suscitam dúvidas relativas à condição
atribuída ao homem que, de réu, ao cumprir a pena, passa a pecador, devendo,
publicamente, confessar seus atos para, só assim, libertar-se deles. Essa prática

26
A reportagem não especificou o tipo de pena aplicada aos homens autores de agressão. (CNJ,
2014b).
70

judiciária, implantada na atualidade, lembra as confissões empregadas na liturgia


dos suplícios, em que o condenado deveria proclamar sua culpa “reconhecendo-a
publicamente de viva voz, pelo cartaz que levava, e também pelas declarações que
sem dúvida era obrigado a fazer.” (FOUCAULT, 1987, p. 54). Para Garland, esses
são procedimentos de “penas à moda „letra escarlate‟” (2008, p. 385), uma vez que
obrigam os criminosos a proclamarem sua culpa com placas e sinais – o que
acarreta a estigmatização pública do criminoso.
Além da participação obrigatória em grupos de reflexão antes da condenação
ou até mesmo após o cumprimento da pena, outras práticas têm surgido, inspiradas
em certo discurso da prevenção. O Tribunal de Justiça do Maranhão decidiu inovar,
realizando a campanha educativa de prevenção intitulada “Aprendendo com Maria
da Penha no cotidiano”, dirigida a potenciais agressores de mulheres. O Portal do
Poder Judiciário do Estado do Maranhão informa:

O público-alvo do projeto são os agressores em potencial, cujo perfil


socioeconômico foi identificado em pesquisas realizadas pelas varas de
violência doméstica e familiar contra a mulher das comarcas de São Luís e
Imperatriz. Os resultados do levantamento indicaram que os agressores
mais recorrentes estão entre os operários da construção civil, motoristas e
vigilantes, nessa ordem (MARANHÃO, 2014).

A identificação das pesquisas citadas de que operários da construção civil,


motoristas e vigilantes seriam agressores recorrentes colabora no sentido de que se
recorde dos escritos de Lopes (2010). Ao tratar do tema política e segurança
pública, o autor tece críticas sobre a seletividade das políticas de segurança que
elegem grupos vulneráveis, para impor-lhes os sistemas de controle da
criminalidade. Assim, essas políticas miram grupos ou pessoas que tenham mais
possibilidade de sofrer ou causar violências e crimes. Obviamente, a população
pobre é o alvo dessas políticas que fazem das periferias os campos de concentração
na sociedade de controle.

A periferia, associada ao lugar de condutas perigosas – também vista


como zona povoada pelo trabalhador honesto que deve ser protegido e
premiado –, de suspeitos e acusados, compõe a vulnerabilidade
compartilhada – entre „sangue bom‟ e „sangue ruim‟ – associada à
periculosidade presumida, que tanto pode ser a base para o investimento
social (projetos e programas de prevenção) como da imposição de penas
sem sentença condenatória formal à maior parte da população encarcerada
(LOPES, 2010, p. 362).
71

A seleção de perfil de homens potencialmente agressivos, como se faz no


Maranhão, corrobora com a construção do estigma de agressor e aumenta as
possibilidades de se criar grupos de pessoas socialmente criminalizadas pelo que
parecem ser e não exatamente pelo que são. Caberia, nesses casos, repetir a
pergunta formulada por Garland ao discutir a cultura do controle: “Por que os
governos adotam, tão rapidamente, soluções penais para lidar com o
comportamento de populações marginalizadas, em vez de cuidarem das fontes
sociais e econômicas de sua marginalização?” (GARLAND, 2008, p. 423). Para
responder, recorre-se ao comentário de Mendes, ancorado na obra de Foucault,
“Vigiar e Punir” (1987), quando afirma: “A introdução do biográfico é importante na
história da penalidade. Porque ele faz existir o criminoso antes do crime [...]”
(MENDES, 2010, p. 29).
Na comemoração dos 10 anos de Lei Maria da Penha, o Instituto Patrícia
Galvão27 (2016), divulgou, em seu portal, que o desafio da Lei Maria da Penha na
atualidade é a ressocialização de agressores por meio da participação em
programas de reeducação, nos moldes dos grupos existentes para usuários de
álcool. Depreende-se que, se esse é o objetivo atual da política pública de
enfrentamento à violência contra a mulher, pode ser que, nos próximos anos, outras
experiências exitosas sejam identificadas, diferentes de algumas que se conhecem
hoje, em que o foco é a proteção da vítima versus a punição severa do agressor.
Entre as estratégias atuais para garantir segurança às mulheres vítimas de
violência, acolhidas no sistema de justiça, alguns tribunais no Brasil recorrem ao
emprego dos dispositivos de monitoramento eletrônico, determinando o uso da
tornozeleira pelo agressor28 ou munindo a mulher com o chamado botão do pânico.
Ambos são mecanismos de vigilância usados para controlar os passos do agressor,
inibindo sua aproximação em relação à vítima. O “botão do pânico” foi criado pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo para oferecer segurança à mulher,
quando as medidas protetivas decorrentes da Lei Maria da Penha forem aplicadas.

27
O Instituto Patrícia Galvão é uma organização social sem fins lucrativos que atua nos campos do
direito à comunicação e dos direitos das mulheres brasileiras.
28
O jornal Estado de Minas publica matéria, na edição de 10 de abril de 2013, intitulada “Segurança
com tornozeleira”, noticiando que o monitoramento eletrônico está sendo utilizado em Minas para
garantir o cumprimento das medidas protetivas decorrentes de aplicação da Lei Maria da Penha.
(LOPES; AYER, 2013, p.18).
72

Na iminência da aproximação do agressor, o dispositivo poderá ser acionado e irá


disparar um alarme. A ideia é que a vítima possa receber a devida segurança do
Estado, que providenciará patrulha policial imediata no local onde ela se encontra. O
Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo ganhou o Prêmio Innovare em 2013,
tendo em vista à criação desse dispositivo eletrônico de segurança. (TRIBUNAL...,
2013). O Instituto Innovare, ao veicular informações em sua página eletrônica sobre
os benefícios do referido dispositivo, assinala que ele “significa o fim da insegurança
das vítimas e mais um importante forma de engrandecimento do prestígio da justiça”
(INSTITUTO INNOVARE, 2014).
Apesar de serem proclamados como práticas inovadoras que compõem o
conjunto de ações que constituem a política de enfrentamento à violência doméstica
e familiar, esses dispositivos também representam estratégias de vigilância que
evocam questões éticas e morais. Nessa perspectiva, Bauman adverte que

as linhas separando „proteção‟ de „dependência‟ e „liberdade‟ de „abandono‟


são endemicamente contenciosas; cada aparente oposição parece mais um
par de aspectos inseparáveis (complementares, com efeito) da mesma
relação. Simplificando: sim, a vigilância pode anular alguns escrúpulos
morais ao manifestar suas „aplicações de proteção‟. Mas isso tem um preço
– de maneira alguma moralmente inocente (BAUMAN, 2013, p. 129).

O autor prossegue pontuando que as formas de controle na atualidade


apresentam diversas faces e não possuem uma conexão direta com o
aprisionamento. Ao contrário, elas possuem como característica a flexibilidade,
levando a supor que são menos invasivas que outros modos tradicionais de se fazer
o controle da sociedade. Ocorre que esses dispositivos eletrônicos de vigilância
interrogam a “responsabilidade para com o ser humano diante de nós” (BAUMAN,
2013, p. 15), uma vez que parecem sutis, mas podem gerar consequências sociais
significativas.
Coimbra e Scheinvar (2012) defendem a ideia de que, apesar de a prisão ser
a forma mais visível de punição, as medidas em meio aberto, com controles parciais
do tempo e do espaço, são formas de ampliação do sistema punitivo na
contemporaneidade. Com base nesse raciocínio, elas afirmam: “A proliferação de
dispositivos cria um ambiente festivo, que com entusiasmo saúda a modernidade e a
criatividade da sofisticação de sistemas de controle, ocultando serem estas algumas
73

das formas de atualização do mercado, impondo padrões de consumo” (COIMBRA;


SCHEINVAR, 2012, p. 66).
Garland (2008) compreende o uso desses dispositivos eletrônicos como parte
da política de gerenciamento dos riscos e da regulamentação das novas rotinas de
trabalho no controle do crime. O Grupo de Pesquisa Política Criminal (2010) do
Centro Universitário de Brasília, ao analisar criticamente o emprego dessas
ferramentas tecnológicas nas políticas de segurança, denomina-as de “prevenção
situacional”, alertando para os limites éticos e jurídicos do uso desses dispositivos,
sobretudo quando são discutidas ações preventivas numa perspectiva de natureza
social.
Para ampliar a efetividade da ação do Estado na política de enfrentamento à
violência contra a mulher, propiciando maior agilidade na aplicação das medidas
protetivas previstas na Lei Maria da Penha, foi criado o Projeto de Lei inscrito sob o
número 6433/2013,29 de autoria de Bernardo Santana de Vasconcellos, em
tramitação no Congresso Nacional (VASCONCELLOS, 2013). A proposta
apresentada visa dar poderes à autoridade policial para aplicar as medidas
protetivas previstas na Lei Maria da Penha, atualmente restritas à decisão do juiz,
que, após receber a denúncia, tem o prazo de até 48 horas para aplicá-las. O PL
apresentado por esse deputado sugere que o delegado de polícia tenha poderes para
determinar a saída imediata do agressor do ambiente doméstico, a proibição de o
mesmo visitar o local de trabalho da vítima e de se aproximar dos filhos ou dos
familiares.
Outra proposta semelhante aparece no projeto de Lei da Câmara, nº 7, de 2016,
de autoria do Deputado Sérgio Vidigal, em tramitação no Senado, que pretende alterar a
Lei Maria da Penha, visando permitir ao delegado de polícia conceder medidas
protetivas de urgência a mulheres vítimas de violência doméstica e a seus dependentes.
O Projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania em junho de
2016 e aguarda votação no Plenário do Senado. Segundo o relator, a proposta é
prevenir a revitimização da mulher, evitando o constrangimento de ela ter que repetir
várias vezes a sua história de violência nas etapas de investigação e de julgamento do
processo (BRASIL, 2016). Caso o projeto seja aprovado, o papel da polícia emparelhará

29
O Projeto de Lei 6145/2016 de autoria do Deputado Luiz Lauro Filho foi apensado ao PL 6433/2013
(VASCONCELLOS, 2013).
74

com a função do juiz de julgar dada situação e avaliar a pertinência ou não das medidas,
inclusive podendo decretar a prisão do suposto agressor. A única ressalva é que a
polícia comunique a concessão das medidas ao juiz no prazo de 24 horas.
Por ora, até que o Congresso aprove ou refute os Projetos de Lei mencionados, a
participação da polícia já acontece, mas de forma sutil. No que tange ao controle da
violência doméstica contra a mulher, existem projetos criados pela polícia, no Brasil,
visando combater esse tipo de violência ou evitar que novos casos apareçam. Para
efetivar essas políticas, a criação da polícia comunitária foi considerada primordial, tendo
em vista o saber constituído em torno de seus propósitos de ação. Garland (2008)
aponta que o objetivo percorrido pela polícia comunitária é atuar junto às vítimas e à
população, conscientizando-as sobre a finalidade das medidas judiciais e ensinando
os meios adequados para o gerenciamento dos riscos. Ele pressupõe que a
proximidade da polícia comunitária junto ao público favorece a sua aceitação por
parte da comunidade e contribui para o ajuste das expectativas sociais às
possibilidades da ação policial. Mazzurana compartilha desse mesmo pensamento e
assinala:

A inclusão dos cidadãos numa relação de confiança e cooperação mútua


com a polícia permite à comunidade compreender a atuação policial através
de uma ideia mais ampla, concebendo como um dos papéis das agências
policiais a sua participação em situações não criminais. (MAZZURANA,
2010, p. 379).

Parte daí a iniciativa da polícia em realizar campanhas educativas nas ruas,


escolas e ser aceita nos ambientes domésticos com o intuito de aconselhar às
mulheres vítimas de violência.
Essa prerrogativa da Polícia Comunitária viabiliza o Projeto “Patrulha Maria da
Penha”, desenvolvido em alguns estados do país, como Rio Grande do Sul, Minas
Gerais, Paraná, Bahia, Acre e Rio de Janeiro (COMPROMISSO..., 2016). No estado
gaúcho, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) (2015), o projeto recebe
apoio do Banco Mundial30 e oferece atendimento policial às mulheres, com carros
especiais identificados para prestar esse tipo de serviço. A patrulha ronda os
endereços das vítimas com o objetivo de fiscalizar a execução das medidas
protetivas; realiza visitas domiciliares no intuito de prestar amparo e encorajar a
75

mulher a prosseguir com a denúncia. Em relação aos homens acusados de praticar


a violência, não há relatos de ações desenvolvidas dirigidas a esse público, além
das atividades de vigilância e fiscalização. Em Belo Horizonte, o 21º Batalhão da
Polícia Militar desenvolve o Projeto “Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica
contra a Mulher”, sendo que essa ação foi premiada pela Secretaria de Estado de
Defesa Social do Estado de Minas Gerais, em 2012. (MINAS GERAIS, 2012b).
A ação da Polícia Comunitária incentiva a população a contribuir com a
manutenção da ordem social participando da solução do problema referente à justiça
criminal. Segundo Garland (2008), o seu objetivo é pulverizar a responsabilidade
pelo controle do crime com as pessoas ou organizações, criando uma rede
otimizada que complementa a ação do Estado. E é justamente sobre esse aspecto
que o autor tece sua crítica, alertando para o risco de esses serviços da polícia junto
à comunidade representarem o braço estendido do Estado, participando ativamente,
mas de forma disfarçada, das estratégias de controle do crime e das forças que
movimentam a justiça criminal.
Pautado nessa lógica de possibilitar formas de maior participação da
comunidade no controle da segurança pública e no entendimento de que a violência
contra a mulher é um problema que afeta toda a sociedade, o Supremo Tribunal
Federal decidiu que os crimes de lesão corporal contra a mulher são de ação penal
pública incondicionada. Assim, a denúncia passa a ser de responsabilidade de todo
cidadão, isso quer dizer que o Ministério Público ou qualquer pessoa pode denunciar
a violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente do
conhecimento e interesse da agredida (CEPIA, 2013). Embora o propósito seja fazer
com que a mulher não fique sobrecarregada com a responsabilidade de fazer a
denúncia, o resultado pode ser o aumento das formas de controle do crime pela
sociedade.
Em que pese a boa intenção do Estado de permitir que qualquer pessoa faça
a denúncia, é necessário refletir sobre a posição da mulher diante da violência
sofrida, quando a relação com o suposto agressor implica o vínculo de convivência
permeado por questões afetivas e emocionais. As medidas protetivas serão
aplicadas com base na denúncia feita por um terceiro, mesmo sabendo que podem
gerar, por exemplo, o afastamento do suposto agressor da convivência com os

30
Organização das Nações Unidas, 2013.
76

filhos. Parece importante refletir sobre a responsabilidade dos envolvidos na história


de violência, sobretudo no papel de quem denuncia, pois a intervenção judicial gera
consequências.
Zaffaroni (2013) afirma que o poder punitivo surge quando quem quer que seja
confisca a vítima, tratando-a como um dado e obrigando-a a mostrar aquilo que o
agressor lhe fez. Para o autor, o punitivo além de não resolver o conflito, impede que
outros modelos de efetiva solução sejam adotados. Esses outros modelos são
chamados pelo autor de reparadores, terapêuticos e conciliatórios. Eles podem ser
aplicados juntos ou separados, diferentemente do que ocorre com o modelo punitivo,
cujo poder é imposto verticalmente e impede que qualquer outro tipo seja aplicado em
conjunto. O autor salienta modelos de “efetiva solução”, e não políticas criminais ditas
terapêuticas, mas que de terapêutico nada apresentam.
Sob o fundamento de se ampliar o acesso à justiça – entendendo que esse é
um dos requisitos que definem uma sociedade democrática – e também de colaborar
com a redução da criminalidade, como se ela pudesse ser resolvida com a boa
gestão das penas, foram criados os Juizados Itinerantes da Lei Maria da Penha.
Desenvolvido em alguns tribunais do país, esse projeto de juizados itinerantes se
fundamenta na Recomendação nº 9/2007 (CNJ, 2014c) e da Resolução nº 128/2011
(CNJ, 2014c), ambas do Conselho Nacional de Justiça. O Juizado Itinerante utiliza
um ônibus, identificado com o nome “Maria da Penha”, para percorrer os municípios
onde o acesso à justiça é precário, ou não existe, levando informação a respeito da
violência doméstica e familiar, dos meios que podem ser utilizados para a proteção
da mulher e, além disso, oferecendo atendimento judiciário às mulheres vítimas
desse tipo de violência.
Embora a premissa que sustenta essa iniciativa seja a garantia de acesso à
justiça, da mesma forma que se pensou quando foi instituída a justiça itinerante para
tratar as denúncias de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, o Judiciário,
ao priorizar um tema, acaba por negligenciar uma agenda de outras necessidades
da população subjugadas às questões relacionadas aos direitos da mulher. Na
verdade, essa premissa fere o próprio sentido da democracia, pois, para ter
garantido o direito de uns, não se deve excluir o direito de outros (MOUFFE, 1992),
mesmo o dos homens apontados como supostos agressores. O projeto de justiça
itinerante não prevê atendimento aos homens visando incluí-los na política criminal
de prevenção à violência contra a mulher. Conforme alerta Rifiotis,
77

[...] no Brasil os direitos humanos são entendidos de forma particularizada,


fazendo com que cada categoria reivindique competitivamente os „seus‟
direitos humanos, como se a concessão dos direitos de uns excluísse
automaticamente o direito de outros de usufruí-los (RIFIOTIS, 2008, p. 71).

Além disso, criar meios para facilitar o acesso à justiça não pode ser
confundido com a disseminação da cultura de judicialização das relações
interpessoais, desincumbindo a sociedade de qualquer responsabilidade para com o
outro e consigo próprio.
O inciso V, artigo 8º da Lei Maria da Penha determina, como medida de
prevenção da violência contra a mulher, “a promoção e a realização de campanhas
educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas
ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos
de proteção aos direitos humanos das mulheres” (BRASIL, 2006b). Com a pretensão
de tornar a Lei uma ferramenta educativa, o Conselho Nacional de Justiça apoia as
iniciativas voltadas para crianças e adolescentes, que visem disseminar a Lei Maria
da Penha no contexto escolar. As ações têm a finalidade de conscientizar o público
escolar sobre a ocorrência do crime de violência doméstica, tornando crianças e
adolescentes exímios identificadores das diversas formas de violência e,
consequentemente, delatores de seus pais, parentes ou pessoas com quem mantêm
vínculos de afinidade. Com base nesse pressuposto da Lei, em Minas Gerais, a
Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (SEDESE) iniciou, em
2012, o Projeto Maria da Penha vai à escola. Para viabilizar as ações, criou o gibi 31
“As Marias em: Maria da Penha vai às escolas”, material que é distribuído nos
estabelecimentos de ensino selecionados para participar do projeto. A revista segue
acompanhada de um manual com sugestão de atividades pedagógicas para se
trabalhar com as crianças em sala de aula (MINAS GERAIS, 2013a). Outros estados
como Rio de Janeiro, Pernambuco e o Distrito Federal também aderiram à proposta
de divulgar a Lei Maria da Penha nas escolas.
Uma campanha, realizada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais,
denominada “Justiça vai à Escola”, visa dar visibilidade à Lei Maria da Penha
através de ações educativas. De acordo com informações obtidas na página
eletrônica da instituição (www.tjmg.jus.br), o projeto é desenvolvido pela

31
Revista infanto-juvenil em quadrinhos. Holanda, 2009, p. 1993.
78

Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, e suas


atividades foram iniciadas no segundo semestre de 2014, na cidade de Belo
Horizonte/MG. Trata-se de um projeto integrante do Programa Atitude Legal, criado
pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (EJEF), com base na
Resolução 70, de 18 de março de 2009, do Conselho Nacional de Justiça, cuja
finalidade é promover boas práticas. A proposta consiste em visitas periódicas de
juízes, desembargadores e outros profissionais, envolvidos com a temática em tela,
a escolas das redes pública e privada para ministrar palestras sobre a Lei Maria da
Penha e a violência doméstica. O público-alvo são alunos do Ensino Médio, com
idades entre 15 a 17 anos, e o objetivo é prevenir para que esses jovens não se
tornem futuras vítimas e agressores. (CNJ, 2013a).
Um aspecto que chama atenção nesse projeto se relaciona aos conteúdos
discutidos nas palestras, cujos temas, apresentados na página do TJ, versam sobre
dois eixos, sendo o primeiro de orientação quanto ao desenvolvimento de relações
afetivas equilibradas e a respeito de características de parceiros violentos; e o
segundo de orientação quanto ao que é violência doméstica e quanto à Lei Maria da
Penha e os aspectos relativos à prevenção e à punição. Nesse sentido, dicas para
manter uma relação afetiva saudável e reconhecimento de sinais de que a relação
afetiva não vai bem e pode tornar-se violenta são alguns dos assuntos tratados.
Para alcançar esse objetivo, é sugerido discutir temas como respeito, liberdade,
diálogo, admiração, zelo, cumplicidade, objetivos em comum, ciúmes em excesso,
brigas em demasia, comparações, comportamento truculento, falta de diálogo e falta
de prazer. São apresentados também alguns aspectos da Lei Maria da Penha, como
a tipificação das formas de violência, as medidas de proteção à mulher e aquelas
que obrigam o agressor a cumprir alguma determinação da justiça.
Essas visitas dos operadores do direito às escolas para proferir palestras,
divulgar leis, conscientizar sobre algum tema (geralmente sobre conteúdo que
contempla a violência), não é iniciativa nova do Poder Judiciário. O programa Justiça
nas Escolas existe há mais tempo e serviu de palco para divulgação do bullying à
comunidade escolar32 e, como de praxe, para proclamar a cultura de paz (BRITO,

32
Ver pesquisa de pós- doutorado realizada pela Doutora Leila Maria Torraca de Brito (2014),
abordando a temática do bullying sob o viés crítico, relacionando-o com as práticas de controle
presentes na economia de mercado predominante no mundo globalizado.
79

2014). De acordo com Brito, “nesses programas, várias atividades e conselhos são
propostos, com caminhos a serem perseguidos” (BRITO 2014, p. 139), sendo a
construção do que se denominou como uma cultura de paz e a suposta garantia de
felicidade os fins desejáveis.
Em Manaus/AM, foi divulgada a notícia de que os filhos de mulheres
agredidas, protegidas pela Lei Maria da Penha, têm preferência de vagas nas
escolas de ensino fundamental, creches públicas e conveniadas com o município
(BEZERRA, 2014). Esse direito foi assegurado pela Lei Municipal nº 395, aprovada
em 30 de setembro de 2014 (COMITÊ..., 2013). Partindo do entendimento de que o
direito à educação é um direito de todos e que o Estatuto da Criança e do
Adolescente – Lei 8.069/90 (BRASIL, 1990) protege o direito à educação escolar até
o Ensino Fundamental, qual seria o sentido de se dar preferência para filhos de
mulheres amparadas pela Lei Maria da Penha? O que dizer dos direitos da criança e
do adolescente, filhos de mães que não sofreram a violência, mas que necessitam
de vagas na escola? O mesmo ocorreu em outros municípios, como o de Caratinga,
em Minas Gerais, onde foi publicada, no Diário Eletrônico, a Lei nº 3.496/2014,
garantindo prioridade de vagas em creches para filhos de vítimas de violência
doméstica (SANCIONADA..., 2014).
Conforme apontado, os programas desenvolvidos com base nas
determinações da Lei Maria da Penha compõem a política de enfrentamento à
violência doméstica e familiar e dão ênfase aos direitos da mulher. Sem
desconsiderar a importância dessa política, há que se pensar em formas de ampliar
o debate, levando em conta outras questões envolvidas no contexto da violência
contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. Os aspectos atinentes aos efeitos
cíveis da referida Lei não foram suficientemente explorados na literatura, não tendo
sido contemplados nos projetos e programas desenvolvidos com a finalidade de
efetivá-la. Até o momento, não se tem conhecimento da existência de uma
discussão aprofundada a respeito do atendimento de crianças do sexo feminino nos
JVDFM, nem mesmo uma definição clara de critérios para a intervenção das equipes
multidisciplinares em juizados de competência híbrida. Apesar de se reconhecer a
existência de uma política pública para tratar dessa temática, sabe-se que as
intervenções, voltadas exclusivamente para os denominados interesses das
mulheres, predominam nessa seara.
80

Em relação aos homens, a impressão que se tem é que as ações dirigidas aos
mesmos abrangem somente a questão criminal, limitando-se à aplicação de medidas e
penas, com pouco espaço para a escuta e a avaliação dos resultados das intervenções
de cunho exclusivamente penalizantes. A ausência de oportunidade para o diálogo com
os homens autores de agressão contra as mulheres pode colocá-los às margens das
políticas públicas e, às vezes, até reforçar comportamentos violentos. Medrado,
Bernardes e Mello (2010, p. 127) indagam: “Por que na Lei o homem só aparece como
agressor?” Os autores tecem comentários sobre o espaço físico das delegacias de
mulheres, citando exemplo observado na capital do país, onde o lugar reservado aos
homens para espera era o lado de fora, pois na parte de dentro, na sala com sofá e
televisão, o espaço era destinado somente às mulheres. Assim, acontece em vários
outros lugares que atendem a homens acusados, e não condenados, de praticarem a
violência contra a mulher.

2.2 O Abecedário da Prevenção: de Cartilhas às Respostas Instantâneas

Na busca de constante atualização de informações referentes à política de


enfrentamento à violência doméstica contra a mulher e a Lei Maria da Penha,
algumas publicações foram despertando o interesse devido à diversidade de fontes
autorais em contraponto à mesmice de seus conteúdos. Trata-se das cartilhas sobre
a Lei Maria da Penha, geralmente disponíveis on-line, e que também serviram de
material bibliográfico para o presente estudo. O contato com as primeiras cartilhas
se deu despretensiosamente, por meio de consultas à página do CNJ e dos
Tribunais de Justiça, que divulgavam o material como produto da política de difusão
da Lei Maria da Penha. Ao verificar a ênfase dada a esse material como recurso
informativo e didático, para ser usado em diversos contextos, como, por exemplo,
pelo professor nas escolas, tornou-se relevante conhecer o conteúdo dessas
cartilhas e ampliar a busca de materiais semelhantes na internet. Assim, com ajuda
do descritor “Cartilha sobre a Lei Maria da Penha”, foram identificadas 23 cartilhas
on-line, sendo três delas voltadas para crianças e adolescentes e uma para os
homens. As 19 restantes são dirigidas à população feminina adulta.
81

São autoras de tais cartilhas não somente instituições que pertencem ao sistema
de justiça, mas também outras instituições públicas, privadas e organizações não
governamentais. Observou-se, a partir da data de publicação e do conteúdo das
cartilhas, que todas foram produzidas após o surgimento da Lei Maria da Penha.
Destarte, constata-se que elas estão inseridas na política pública de enfrentamento à
violência contra a mulher e resultam do esforço da União, dos Estados e Municípios
brasileiros, representados pelos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Segue o quadro expositivo das cartilhas identificadas, contendo informações
sobre título, autoria e ano de publicação.

QUADRO 1
Título da Cartilha Autor (instituição) Ano de
Publicação
Conhecendo a Lei Maria da Penha Secretaria de Estado de Segurança Pública 2008
Lei Maria da Penha: do papel para Centro Feminista de Estudos e Assessoria 2009
a vida
Eletrobrás – Exija seus direitos. Eletrobrás 2010
Está na Lei. Lei Maria da Penha
Lei Maria da Penha & Direitos da Ministério Público Federal 2011
Mulher
O Enfrentamento à Violência Contribuições dos Ministérios Públicos Estaduais e da 2011
Doméstica e Familiar Contra a União
Mulher: Uma Construção Coletiva
OIT – Lei nº 11.340 Maria da Organização Internacional do Trabalho 2012
Penha
A Lei Maria da Penha Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio, 2013
Conservação, Trabalho Temporário, Prestação de
Serviço e Serviços Terceirizáveis no Distrito Federal
A Lei Maria da Penha e a Atitude Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Escola 2013
para a Paz Paulista da Magistratura
Cartilha Lei Maria da Penha na Prefeitura Municipal de Luziânia – Secretaria Municipal 2013
Escola de Educação
Diga não à violência contra a Sindicato de Engenheiros de Minas Gerais 2013
mulher
Violência Doméstica e Familiar Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 2013
Contra a Mulher. Nós vamos
acabar com ela!
Lei Maria da Penha – Diga não ao Ministério Público do Estado de Rondônia 2014
medo e à impunidade
Papo de Homem: unidos na Ministério Público do Estado da Bahia 2014
prevenção da violência doméstica
e na promoção da convivência
pacífica
Lei MP – perguntas e respostas – Procuradoria Especial da Mulher 2015
Em favor da vida, pelo fim da Bancada Feminina do Senado
impunidade Comissão Permanente Mista de Combate à Violência
contra a Mulher
Mulher seus direitos estão na lei. Secretaria Municipal Extraordinária da Mulher – 2015
Lei Maria da Penha. Lei Curitiba/PR
11.340/2006
Viver sem violência é direito de Secretaria de Políticas para Mulheres – Presidência da 2015
toda mulher República
82

Título da Cartilha Autor (instituição) Ano de


Publicação
As Marias em: Maria da Penha vai Proteja nossas crianças – Governo de Minas Não consta
às escolas
Conhecendo um pouco mais sobre Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – Não consta
a Lei Maria da Penha – para Centro de Apoio Operacional das Promotorias de
crianças Justiça de Violência Doméstica contra a Mulher
Lei Maria da Penha: como aplicar Tribunal de Justiça de Minas Gerais Não consta
no dia a dia
Lei Maria da Penha – Sua vida Defensoria Pública do Estado de São Paulo Não consta
recomeça quando a violência
termina
Mulher vire a página... e seja Ministério Público do Estado de São Paulo Não consta
protagonista de um final feliz!
Não violência doméstica. Instituto Avon Não consta
Convivência e Parceria
Você não está sozinha – Lei Maria Senadora Ana Rita Não consta
da Penha e a rede de proteção da
mulher

Com base na leitura das cartilhas, é possível tecer uma série de


considerações a respeito de seu conteúdo, formato e das similaridades identificadas
entre uma e outra. Das cartilhas listadas no quadro acima, nove são ilustradas com
imagens de família, crianças ou de mães com filhos. As imagens dão centralidade à
mulher, reproduzindo sua figura junto aos filhos e a do pai em posição mais
afastada. As imagens reforçam a ideia de que os filhos são das mães,
principalmente quando estas são vítimas da violência conjugal. Somente quatro
dessas cartilhas abordam a convivência familiar dos filhos com o pai na hipótese de
aplicação das medidas protetivas em relação à mulher. Nesse sentido, percebe-se
que a falta de distinção entre conjugalidade e parentalidade pode levar os filhos a
serem envolvidos no conflito dos pais, influenciando a identificação dos mesmos
com a figura da vítima, por ora, a mãe. A crítica de grupos feministas ao Direito
tradicional (ROMEIRO, 2009), por sua disposição de proteger a função social da
família, sobrepondo-se ao direito da mulher de ser protegida da violência conjugal,
parece perder seu fervor diante de tais cartilhas, que vinculam o lugar do feminino
junto aos filhos e à família.
Moraes e Gomes (2009) entendem que, no contexto dos conflitos conjugais,
deve haver uma relativa fixidez de papéis atribuídos, tradicionalmente, a homens e
mulheres nas relações de gênero. Para as autoras, publicizar a violência conjugal
exigirá da mulher – ao se recusar a manter uma relação violenta – a conjugação de
seu direito individual à sua preocupação com a coesão e solidariedade familiar. As
cartilhas, de certo modo, ao serem ilustradas com imagens da mulher vinculadas à
83

família, reproduzem o tradicional lugar do feminino, em que pode ocorrer de a


mulher imputar responsabilidade a si pelo bem-estar da família. As imagens
comumente vistas nas cartilhas podem até dificultar o processo de efetuar a
denúncia e a busca de apoio a serviços de atendimento de combate à violência.
As cartilhas, geralmente, introduzem a temática da violência doméstica contra
a mulher, destacando a importância de romper com a lógica sexista e machista, que,
por tanto tempo, perdurou nas montagens sociais, visando garantir a igualdade entre
homens e mulheres. A justificativa para a violência doméstica está centrada na
desigualdade de gênero. Além disso, ao definirem critérios para os serviços de
abrigamento para mulheres vítimas da violência doméstica e familiar, elas preveem
condições específicas para receber os filhos da agredida com base na distinção de
sexo. Por exemplo, na cartilha “Mulher seus direitos estão na lei”, produzida pela
Secretaria Municipal Extraordinária da Mulher, em Curitiba/PR, no tópico sobre Casa
abrigo, especifica-se: “Meninos até 14 anos e meninas até 18 anos poderão
acompanhar a mãe durante o abrigamento.” (PARANÁ, 2015, p.17). O mesmo
ocorre com a cartilha produzida pela Polícia Civil do Estado do Acre (2008, s/p), ao
estabelecer que a mulher “pode ser abrigada junto com seus filhos (as), de até 13
anos de idade do sexo masculino e sem limite de idade para o sexo feminino”.
Como explicar a diferença atribuída ao sexo dos filhos para justificar o tempo
permitido de abrigamento junto às mães? As necessidades dos filhos homens são
diferentes daquelas das filhas mulheres? Em se tratando dos direitos infanto-juvenis,
o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) não estabelece distinção
entre meninos e meninas. Seriam essas cartilhas sexistas e, portanto, reforçadoras
de posturas machistas e geradoras de desigualdades entre homens e mulheres?
A cartilha publicada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (SÃO
PAULO, [s.d.], p. 7), ensina:

As relações de gênero se expressam na forma como a sociedade vem


construindo, ao longo dos tempos, as ideias sobre o masculino e o feminino,
sobre como homens e mulheres devem se comportar e se relacionar. Até
hoje, o masculino é considerado superior ao feminino, mesmo com as
conquistas alcançadas pelas mulheres.

Nesse sentido, acredita-se que as cartilhas, da forma como expõem seu


conteúdo, podem contribuir para a construção de relações de gênero desiguais, pois
partem do pressuposto de que filhos homens necessitam de menos cuidado que as
84

filhas, supondo que são mais fortes e capazes do que as mulheres desde tenra
idade. Tal concepção fere o que está disposto no próprio Estatuto da Criança e do
Adolescente (1990), que garante proteção irrestrita à população de crianças e
adolescentes, independentemente do sexo.
Outro aspecto peculiar, evidenciado nas cartilhas e que reflete a visão
antecipada que se tem do homem acusado de praticar a violência, é relativo ao
termo usado para se referir a ele. Em 20 cartilhas o homem é nomeado
exclusivamente como “agressor”, o que contribui para reproduzir uma visão
dicotômica da violência, explicada a partir do binômio vítima/agressor, sem
problematizar as vicissitudes presentes na relação conjugal. Brito, Beiras e Oliveira
refletem sobre o uso do termo agressor, avaliando-o como um marcador identitário
para o homem, conforme já o fizeram outros autores. Assim sendo, pontuam que
“esse rótulo pode dificultar o objetivo de transformar, de alterar atitudes, de
promover a mudança daquele que praticou violência” (BRITO; BEIRAS; OLIVEIRA,
2012, p. 28). Sugerem o uso do termo “autor de violência” em vez de agressor. Mello
(2010) também se pronuncia a respeito do assunto e chama a atenção para o texto
da lei 11.340/06, em que o homem também é chamado diversas vezes de agressor.
A autora considera estigmatizante essa forma de se referir ao homem, além de
reforçar os papéis de homens e mulheres representados pela sociedade, sendo o
sexo masculino colocado no polo ativo e o sexo feminino no polo passivo. Essa
visão de homem agressor influencia também a escolha pelo melhor tratamento,
sendo a via desejada aquela que prioriza a punição, motivada pela crença de que o
aumento da rigidez garantirá maior proteção à mulher.
De acordo com Soares (2009), a violência conjugal na concepção sugerida
pela Organização Mundial da Saúde, em 2002, abarca o caráter dinâmico das
relações humanas, compreendendo o comportamento violento como reflexo de uma
junção de fatores sociais, culturais, próprios do sujeito, relativos às formas de poder
e contrapoder presentes na relação conjugal, ao modo particular de cada casal
interagir, entre outros motivos. A concepção de violência contra a mulher, por sua
vez, reside no campo do feminismo e privilegia o recorte de gênero, conforme é
identificado nas cartilhas comentadas. Para Soares (2009, p. 145), essa visão “limita
os atores envolvidos, estabelece quem são as vítimas e os algozes, diagnostica
suas causas [...] e, com isso, antecipa soluções, como as que têm sido preconizadas
pelos movimentos de mulheres: criminalização e punição dos culpados.” Constata-
85

se que somente duas cartilhas recomendam aos homens ajuda terapêutica ou


participação em grupos de reflexão para rever sua posição frente às mulheres,
sendo que somente uma delas é voltada exclusivamente aos homens.
Entre as cartilhas mencionadas, algumas afirmam que a violência não escolhe
condição social, raça, etnia e pode estar presente em diferentes tipos de relações de
afeto e nas diversas camadas sociais. Além disso, elas explicam que as
desigualdades entre homens e mulheres é que geram o comportamento violento. As
mesmas instituições que lançam cartilhas contendo essas informações são aquelas
que investem em programas de prevenção dirigidos a homens, pressupondo que
eles tenham tendência ao comportamento violento em virtude da camada social à
qual pertencem. Nesse caso, as cartilhas propagam a ideia de que a violência
escolhe classe social e, geralmente, ocorre em camadas sociais menos favorecidas
economicamente. A miscelânea de informações, que a política de enfrentamento à
violência doméstica e familiar contra a mulher quer transmitir, muitas vezes tentando
simplificar o tema a ponto de reduzir sua complexidade, acaba revelando algumas
inconsistências significativas. Ao tachar o homem de agressor e identificá-lo,
previamente, em função de sua camada social, e não pelo conjunto de
condicionantes históricos e sociais que agem sobre cada indivíduo, fomenta-se o
preconceito e a desigualdade social produtora de violência.
Moraes e Gomes (2009) assinalam, com base em suas pesquisas em
delegacias, que é comum os policiais associarem a violência conjugal à pobreza,
mesmo sabendo que ela pode se manifestar em qualquer classe social. A diferença
é que a violência praticada em estratos médios e altos da sociedade geralmente não
é publicizada, permanece oculta.
De modo geral, as cartilhas explicam a violência como um acontecimento
cíclico denominado “Ciclo da Violência”33 e descrito em três fases: Fase 1: Evolução
da Tensão; Fase 2: Explosão/Incidente de Agressão; Fase 3: Comportamento Gentil
e Amoroso. Nesse caso, o temperamento dos envolvidos é o principal fator que
explica a violência. Não é por acaso que, usualmente, elas mencionam o Ciclo da
Violência e, em seguida, apresentam um checklist de comportamentos preditores da
violência masculina. Ensinam a mulher como identificar um perfil violento e a evitar o

33
Trata-se de um modelo construído por uma psicóloga americana, Leonare Walker (1979), e
introduzido em estudos brasileiros sobre a violência conjugal.
86

relacionamento com homens que apresentam tais características. Quando se lê as


cartilhas, presume-se que a vida acontece como nos clássicos infantis, em que o
príncipe vira sapo. Ou melhor, o sapo se disfarça de príncipe para caçar e atrair sua
presa. Em contrapartida, a realidade aponta um conjunto de fatores que envolvem o
comportamento violento, não cabendo polarizar a relação vítima e agressor,
principalmente em se tratando da violência conjugal. Esta, por sua vez, dificilmente
se resolve inteiramente com denúncia e punição. Ao contrário, pesquisas revelam a
dificuldade para resolver os impasses da violência conjugal, justamente por envolver
outros motivadores da relação, como filhos, dependência econômica, tempo de
convivência, sentimentos ambivalentes, entre outros.
Moraes e Gomes (2009) entrevistaram 50 mulheres que recorreram à
Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), na cidade do Rio de
Janeiro para prestarem queixa de violência doméstica contra seus parceiros. As
pesquisadoras constataram a preocupação dessas mulheres entrevistadas com a
coesão familiar e, sobretudo, com a situação dos filhos após a denúncia e seus
possíveis desdobramentos. Elas não estavam interessadas na prisão do agressor,
mas sim na restituição da solidariedade familiar. Resende e Mello (2013) chegaram
a conclusões semelhantes com os resultados de sua pesquisa realizada no 1º
Juizado de Violência Doméstica e Familiar do Recife. Constataram que várias
mulheres que procuraram a justiça não desejavam criminalizar o agressor, mas tão
somente fazer cessar o comportamento violento e obter a mediação entre as partes,
almejando, acima de tudo, o possível restabelecimento do laço familiar. Tal
motivação foi o que justificou os inúmeros pedidos de retratação feitos nos autos do
processo.
As cartilhas sobre a Lei Maria da Penha dirigidas às crianças despertam
questionamentos a respeito de sua finalidade de ensinar como denunciar o pai pela
prática de violência conjugal. Nota-se uma desconsideração por parte de quem as
publica com a questão afetiva e emocional, que envolve as crianças e os
adolescentes no trato com seus pais. Cessar a violência é o objetivo, mas não se
deve desmerecer o peso de uma denúncia, principalmente quando ela recai sobre
um familiar com quem o menor mantém vínculo afetivo e relação filial preservada.
Caberia ao Estado capacitar a criança para exercer o papel de polícia dentro de
casa, fazendo a denúncia contra o pai? Ela tem a função de proteger a mãe das
87

investidas violentas do pai? Como lidar com seus sentimentos depois de feita a
denúncia que acarretou o afastamento do genitor?
A Cartilha “Conhecendo um pouco mais da Lei Maria da Penha”, produzida
pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (RIO DE JANEIRO, s/d), em formato de
gibi, conta a história de uma família composta pelos pais e o filho, ainda criança, que
presencia a violência conjugal praticada pelo pai. As ilustrações retratam as imagens
de um homem violento, de uma mãe com medo e de uma criança com semblante
triste e concentrada em resolver o problema dos pais. Léo, a personagem infantil,
aprende com uma amiga como denunciar o pai e age, assim, para proteger sua
mãe. Há, na cartilha, uma cena que mostra o homem deixando o lar, e a imagem de
fundo retrata a mãe e o filho como se estivessem contemplando sua saída, dando à
impressão de um fato corriqueiro para a família.

A história termina com Léo segurando a mãe pelas mãos e ambos


caminhando sorridentes em busca dos serviços assistenciais para a mulher vítima
de violência.
88

Na última página da cartilha, apresenta-se a brincadeira do labirinto, para que


a criança aprenda, ludicamente, a encontrar o Centro Especializado de Atendimento
à Mulher Vítima. O mesmo ocorre com a cartilha “As Marias em: Maria da Penha vai
às Escolas!”, em que o ponto central é a denúncia e a punição. Essa cartilha termina
com uma brincadeira de caça-palavras usando termos relacionados à violência
contra a mulher.

Usadas nas escolas, essas cartilhas suscitam dúvidas quanto ao papel do


professor: seria de sua competência ensinar a criança como prevenir a violência
89

dentro de casa, como denunciar o pai e como proteger a mãe? O investimento em


educação de gênero, e não no combate da violência em si, seria um meio mais
eficaz de formar cidadãos conscientes da importância de igualdade entre homens e
mulheres?
Essas reflexões demonstram a importância de se avaliar a efetividade das
políticas públicas e judiciárias, criadas para difundir a Lei Maria da Penha e
combater a violência doméstica e familiar contra a mulher. Deve-se indagar sobre o
alcance dessas ações, em termos de garantia de direitos e cidadania para todos os
envolvidos, incluindo os homens. É preciso indagar também sobre como é tratada a
relação familiar do homem com os filhos após a aplicação da Lei Maria da Penha. É
preciso saber de que maneira essa questão é conduzida pelo Poder Judiciário,
considerando a necessidade de equipes multidisciplinares para auxiliar na avaliação
da relação paterno-filial.
Observa-se que aspectos relacionados à constituição das subjetividades
masculinas precisam ser explorados com maior profundidade, levando em conta a
influência do processo histórico e social de construção das masculinidades. Assim,
espera-se que o lugar do homem na sociedade seja ressignificado, rompendo-se
com os discursos patologizantes e essencialistas que o classificam como
naturalmente violento em contraste com a figura da vítima por antecipação – a
mulher. Dessa forma, a responsabilidade do Estado, que se arvora como protetor
único, também passa a ser questionada.
Em relação à atuação do psicólogo nos programas de atendimento à mulher
vítima de violência, ainda não está claro como deve ser a sua atuação e para que
ela serve. Sabe-se, apenas, que o profissional de psicologia é convocado a intervir
nessa seara. Há divulgação na mídia de um projeto desenvolvido no sistema
judiciário carioca, denominado Projeto Violeta (MACEDO, 2015), idealizado por uma
magistrada agraciada com o Prêmio Innovare,34 em 2014, na categoria juiz. O
objetivo do serviço é prestar atendimento à mulher, supostamente vítima de
violência doméstica, no prazo de até quatro horas, contando do registro da queixa

34
O Prêmio Innovare é concedido pelo Instituto Innovare a operadores do direito que contribuíram de
forma significativa com a qualidade da prestação jurisdicional e a modernização da justiça brasileira.
(INSTITUTO INNOVARE, 2015).
90

até a conclusão do processo. Segundo a reportagem publicada na página eletrônica


do Jornal Estadão:

No Violeta, todo o processo deve ser concluído em cerca de quatro horas. A


vítima registra o caso na delegacia, que encaminha de imediato para
averiguação do juiz, após escuta do testemunho por uma equipe
multidisciplinar do Juizado e a mulher sai com uma decisão judicial em
mãos.

Ao ler a reportagem informando que há intervenção da equipe


multiprofissional, surgiram alguns questionamentos: O psicólogo que integra a
equipe multiprofissional estará ali apenas para responder, em tempo instantâneo, se
houve ou não a violência, atestando a veracidade da queixa/denúncia? Que tipo de
atendimento poderá ser oferecido pelo psicólogo no tempo recorde determinado?
Ainda que se reconheça o esforço despendido pelo operador do direito
implicado com as questões sociais e engajado em construir caminhos para tornar a
justiça célere e eficiente, “violeta” não é necessariamente a "cor que protege as
mulheres".35 Isso porque a violência é um fenômeno multifacetado, como ensina
Aleixo (2012). Ao discorrer criticamente sobre o Projeto Justiça Instantânea 36 no
controle do ato infracional praticado por adolescentes, essa autora problematiza: se,
por um lado, a velocidade de resposta do Estado garante eficiência punitiva, ela
pode, por outro lado, desconsiderar a história do indivíduo, os aspectos
psicossociais envolvidos e o contexto em que os fatos acontecem, situação esta que
compromete os direitos dos envolvidos.
Como pode ser observado, são muitas questões suscitadas e que merecem
maior aprofundamento no que diz respeito aos desdobramentos da Lei Maria da
Penha, tanto para as mulheres como para os supostos agressores e os filhos
destes. Há que se interrogar por que questões decorrentes da conjugalidade, como
a violência doméstica contra a mulher, aparecem tão imbricadas com as
expectativas depositadas no exercício da paternidade, e quais as implicações disso
para a convivência familiar dos filhos com o pai acusado de cometer agressão. Por
fim, há que se considerar os efeitos da judicialização quando esse processo

35
Ver "Violeta, a cor que protege mulheres em perigo" (ESCÓSSIA, 2014).
36
De acordo com Aleixo (2012), o Projeto Justiça Instantânea foi criado em Porto Alegre, pelo
Conselho da Magistratura do Rio Grande do Sul, visando garantir agilidade no atendimento inicial do
91

intervém na regulação do campo afetivo que une o homem e a mulher, sobretudo


nos casos em que há a presença dos filhos, que sofrem o peso das decisões que
recaem sobre seus interesses.

adolescente autor de ato infracional (ALEIXO, 2012).


92

3 A CONVIVÊNCIA PATERNA EM CONTEXTOS DA LEI MARIA DA PENHA

Uma campanha de combate à violência contra a mulher, realizada pelo


Instituto Patrícia Galvão, cujo folder de divulgação está disponível na internet em
vários sítios,37 despertou a atenção pelo seu slogan "Quem bate na mulher
machuca a família inteira" e pela ilustração de uma família composta pelo casal e
os filhos, sendo a imagem do pai retratada pela criança na figura de um monstro.
Uma rápida visada no material trouxe algumas inquietações: A utilização da imagem
dos filhos junto ao pai “monstro” seria uma estratégia para sensibilizar o público em
relação à questão da violência que vitimiza a mulher? A imagem do pai “monstro”
reflete a visão dos filhos sobre o mesmo? Quais as consequências para os filhos,
para o homem e para a mulher, no que diz respeito à não diferenciação entre a
conjugalidade e a parentalidade quando se faz a leitura da violência no âmbito
conjugal?
Supõe-se que, quando a violência ocorre entre o par conjugal, o alvo principal
de proteção é a mulher. Ao se misturarem as categorias mulher e família, outras
questões são suscitadas, uma vez que não só os interesses dos filhos podem se
confundir com os da mulher, bem como o exercício de paternidade, a priori, pode ser
prejudicado mediante a prática de violência contra a parceira, a mãe dos filhos.
Certamente não se está desprezando a ocorrência de situações nas quais os filhos
presenciam atos de violência no lar e sofrem com eles. Acredita-se, porém, que é
preciso cuidado para não generalizar as situações que se apresentam de formas
distintas nas diferentes famílias.
Partindo dessas indagações, importante se faz estabelecer a diferenciação entre
conjugal e parental, visando tratar cada um em seus lugares apropriados, evitando-se a
sobreposição de interesses, em que, para se proteger a mulher, negligencia-se o direito
à convivência familiar dos filhos com a mãe e o pai, e com os familiares desses, tendo
em vista que essa condição deve ser desvinculada da situação de conjugalidade dos
genitores. Por isso, causa certo estranhamento ver a imagem da mulher colada à dos

37
Não foi identificado o ano de publicação do folder, mas o mesmo foi encontrado em diversos
endereços eletrônicos e com datas diferentes, variando de 2011 a 2015. A pesquisa do material foi
feita usando como descritor o slogan da campanha. A imagem pode ser consultada na página
eletrônica: http://www.suport-es.org.br/images/mulher.JPG. Acesso em: 26 ago 2016.
93

filhos em campanhas e cartilhas de combate à violência de gênero, constatação que


contraria os próprios discursos feministas que criticam a cultura patriarcal, em que a
mulher é considerada a figura frágil, passiva e naturalmente preparada para servir os
filhos e atender às demandas domésticas do lar.
Andrade assinala que o eixo da dominação patriarcal atribui à mulher os
papéis matrimoniais, exercidos no espaço privado e a constrói “femininamente como
uma criatura emocional /subjetiva/ passiva/ frágil/ impotente/ pacífica/ recatada/
doméstica/ possuída”. (ANDRADE, 2005, p. 85). Inevitavelmente, as imagens
comentadas se assemelham àquelas da descrição dos atributos da mulher, segundo
a lógica patriarcal.
No Brasil, como em outros países do Ocidente, existem legislações
infraconstitucionais com a finalidade de atender aos direitos e interesses de grupos
específicos, como crianças e adolescentes, mulheres, idosos, pessoas com
deficiência. Percebe-se, no que tange à convivência familiar de crianças e
adolescentes, que, apesar de existirem leis38 que a asseguram, outras legislações
podem suspender ou proibir o convívio dos filhos com os pais. A Lei 11.340/06,
discutida anteriormente, apesar de ter sido criada para combater a violência familiar
e doméstica contra a mulher, tem competência híbrida para julgar matéria cível, além
de criminal, o que possibilita sua aplicação para dirimir questões relacionadas ao
divórcio e à dissolução da união estável, à guarda de filhos, à pensão alimentícia, à
partilha de bens, não havendo necessidade de serem deslocadas para as Varas de
Família.
Em se tratando de uma lei originalmente criminal, criada para proteger os
direitos da mulher, que subsídios ela oferece para tratar a questão da convivência
familiar de crianças e adolescentes com os pais? Os pressupostos legais que regem
os direitos infantojuvenis e a proteção da entidade familiar se harmonizam com os
preceitos das políticas criminais para efetivação da Lei 11.340?

38
Ver artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) e artigos 4º e 19
do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). Ambos dispõem sobre o direito de
crianças e adolescentes à convivência familiar.
94

3.1 A Convivência Familiar no Âmbito Jurídico-Legal e das Políticas Sociais

A convivência familiar de crianças e adolescentes é um direito preconizado


pela Constituição da República Federativa do Brasil, conforme disposto em seu
artigo 227:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao


adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

O mesmo diploma legal, em seu artigo 226, estabelece que a família é a base
da sociedade, devendo, portanto, ser objeto de proteção do Estado (BRASIL, 1988).
O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, em
consonância com a Carta Magna, em seu artigo 4º – reafirma a responsabilidade da
família, da sociedade e do Estado em garantir os direitos infantojuvenis, sendo um
deles a convivência familiar (BRASIL, 1990). O artigo 19 estabelece que “é direito da
criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e,
excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e
comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral” (BRASIL,
1990).
As referidas legislações brasileiras têm assento em normativas internacionais
proclamadas pelas Nações Unidas, como a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (ONU, 1948) e a Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989),
entre outros documentos ratificados pelos Estados Parte,39 que reforçam sua
relevância.
O artigo 9, item 3 da Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo
governo brasileiro em 24 de setembro de 1990, define que “Os Estados Partes
respeitarão o direito da criança que esteja separada de um ou de ambos os pais de
manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos, a menos que

39
Somam-se às normativas internacionais a Declaração de Genebra de 1924 e a Declaração dos
Direitos da Criança de 1959.
95

isso seja contrário ao interesse maior da criança”. Entende-se, com base nesse
artigo, que o direito da criança à convivência familiar é superior a qualquer condição
alheia ao seu interesse e que a impeça de estar com ambos os pais, ou com um
deles, em sua rotina diária.
Em caso de divórcio ou dissolução do vínculo conjugal dos pais, o Código
Civil Brasileiro (BRASIL, 2002) apregoa: “A separação judicial, o divórcio e a
dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto
ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos” (Art.
1.632, Lei 10.406/02). O mesmo Código é claro ao afirmar, em seu artigo 1.634, que
qualquer que seja a situação conjugal dos pais, compete a ambos o pleno exercício
do poder familiar.
A perda desse poder pode ocorrer mediante ato judicial, quando comprovadas
faltas graves cometidas pelos pais ou por qualquer um deles. O artigo 1.638 elenca
os motivos que podem levar à perda do poder familiar: “castigar imoderadamente o
filho; deixar o filho em abandono; praticar atos contrários à moral e aos bons
costumes; incitar, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente”. 40
(BRASIL, 2002). Excluindo-se os motivos que dão causa a essa perda, entende-se,
novamente, que a convivência familiar é um direito que deve ser assegurado à
criança e ao adolescente.
A Lei 12.010 de 3 de agosto de 2009 dispõe sobre a adoção e estabelece
uma série de ações voltadas à preservação dos vínculos familiares da criança e às
condições para sua inserção em família substituta, quando comprovada a
impossibilidade de mantê-la junto à família natural ou extensa. A referida lei busca
cercar, de todos os lados, intervenções apressadas do Estado e da sociedade no
sentido de destituir os vínculos familiares da criança e do adolescente, sem antes
oferecer o apoio necessário às famílias, para que possam manter o convívio com
seus descendentes. De acordo com seu artigo 1º, “Esta Lei dispõe sobre o
aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência
familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei no 8.069, de
13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente”. (BRASIL, 2009).

40
O Artigo 1637 do Código Civil determina: “Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando
aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum
parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do
menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha” (BRASIL, 2002).
96

Outras leis infraconstitucionais, como a Lei 12.318 de 12 de agosto de 2010,


que dispõe sobre a alienação parental, e a Lei 13.058 de 22 de dezembro de 2014,
que estabelece o significado da expressão Guarda Compartilhada e regulamenta
sua aplicação, são documentos que se propõem a proteger o direito de convivência
dos filhos com os pais, desvinculado do estado de conjugalidade dos últimos. Em se
tratando de guarda unilateral, a Lei 13.058/2014 protege o genitor não detentor da
guarda de conviver com os filhos e participar da tomada de decisão referente aos
interesses da prole. Prevalece o entendimento de que, independentemente de quem
detém a guarda, ambos os pais têm a obrigação de assumir a responsabilidade para
com os filhos, zelando pela segurança, pela proteção e pelo bem-estar dos mesmos.
Distanciando-se um pouco das leis, mas ainda percorrendo os caminhos que
reconhecem a convivência familiar como um direito da criança e do adolescente –
sendo, portanto, um bem a ser respeitado pelo Estado –, há que se mencionar os
rumos das políticas públicas de assistência social voltadas à população
infantojuvenil. Nesse sentido, observa-se que o Conselho Nacional da Criança e do
Adolescente (CONANDA) desempenha um papel importante na formulação de
políticas que visam à efetivação do rol de direitos reservados à pessoa com idade
inferior a 18 anos. Por isso, mostra-se pertinente mencionar sua política pública para
promoção, proteção e defesa do direito à convivência familiar e comunitária.
O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, elaborado pelo Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, junto ao Conselho Nacional de
Assistência Social, publicado no ano de 2006, enaltece o papel da família,
reconhecendo-a como um lugar de “referência de afeto, proteção e cuidado”
(BRASIL, 2006a, p. 29). Esse plano acrescenta que é, no interior da família, que as
pessoas constroem seus primeiros vínculos afetivos, o que lhes possibilita não só a
vivência de emoções, perdas e conflitos, como também o desenvolvimento da
autonomia e capacidade para tomada de decisão.
De acordo com o plano, uma das diretrizes da política para efetivação do
direito à convivência familiar é o reconhecimento das competências da família na
sua organização interna e na superação de suas dificuldades. O documento reza:

É preciso reconhecer que a família apresenta capacidade de criar soluções


para seus problemas, em sua relação com a sociedade e em sua rede de
97

relações internas e de rever e reconstruir seus vínculos ameaçados, a partir


do apoio recebido das políticas sociais. (BRASIL, 2006a, p. 70).

A realidade demonstra que nem tudo o que está regulamentado na legislação


ou previsto nas diretrizes das políticas públicas é, na prática, efetivado. Haja vista os
enunciados do PNPDCA (2006) ao confiar à família o poder de superação de suas
dificuldades contando com o amparo das políticas sociais. Primeiramente, essa
visão não condiz com o que ocorre no Brasil, em que o processo de judicialização
favorece a intervenção da justiça na vida das pessoas, estabelecendo um tipo de
serviço call center,41 disposto a receber qualquer tipo de demanda e reclamação
sem, no entanto, dar garantias de que irá resolvê-las. Dessa forma, questões ligadas
à convivência familiar são rapidamente judicializadas, por vezes negligenciando o
potencial de cada família encontrar os caminhos para uma solução, apoiada pelas
políticas sociais. O paradoxo é que a judicialização expressa, entre outros aspectos,
o enfraquecimento de políticas públicas sociais implementadas pelo Estado,
conforme atestam Vianna, Burgos e Salles (2007).
Scheinvar (2013), com base em suas pesquisas em Varas da Infância, da
Juventude e do Idoso, avalia que a proteção exercida por essas varas às demandas
da população se faz com o custo de maior intervenção em suas vidas, o que pode
ser interpretado como aumento de poder do Estado para a manutenção da ordem e
não em conforto social. Assim, constata que “[...] o poder é exercido por meio das
práticas cotidianas e são os conteúdos delas que expressam tanto as leituras das
demandas que lá chegam quanto os ideais que instrumentalizam as equipes
técnicas para abordá-las.” (SCHEINVAR, 2013, p. 178). A autora questiona o próprio
uso da palavra problema para definir as situações tidas como suscetíveis de
intervenção da justiça. Ela questiona se o que está sendo nomeado como problema
constitui, de certo, uma questão de tal natureza. Ao discorrer sobre os dispositivos
de proteção e segurança para falar sobre as práticas do Poder Judiciário, conclui,
entre outros aspectos mencionados no texto, que os ideais presentes nas Varas da
Infância, da Juventude e do Idoso se constituem a partir de relações de poder, o que

41
Expressão cunhada pela autora da tese comparando a judicialização a uma espécie de serviço call
center, em que é disponibilizado um canal aberto de telefonia para a comunicação do cliente e o
endereçamento de suas demandas, visando atender melhor a ele.
98

dificulta a produção de “processos de singularização na leitura dos acontecimentos


[...]”. (SCHEINVAR, 2013, p. 179).
Ainda que o conteúdo das legislações e das políticas sociais brasileiras
reconheça a relevância da convivência familiar para o desenvolvimento psicossocial
de crianças e adolescentes, a forma como esse direito é operacionalizado varia de
acordo com os contextos dentro do próprio sistema de justiça, que ora prioriza a
convivência com os pais biológicos, ora com a família extensa ou substituta. O
ideário em torno da família, de sua constituição e seu valor na sociedade e os
modelos identitários atribuídos ao homem e à mulher no exercício da paternidade e
maternidade sinalizam os rumos das políticas públicas em defesa da convivência
familiar. Por conseguinte, no cenário atual de transformações sociais, esta é a
pergunta que se instala: Que arranjo de família, ou de famílias sobressai?

3.2 As Vicissitudes da Paternidade na Família Pós-Moderna

“Família, Família/ Vive junto todo dia/ Nunca perde essa mania”, os versos da
canção “Família”, composta por Antunes e Belotto, na década de 1980, no Brasil,
parece que já não traduzem mais a realidade dos arranjos familiares na atualidade.
Observa-se que a solidez dos lugares ocupados por cada uma das pessoas, nos
moldes da família nuclear, não responde à realidade social do momento, em que as
relações são caracterizadas por sua dinamicidade e pluralidade. Conforme assinala
Costa (2012): “A família nem é mais um modo de transmissão do patrimônio
material; nem de perpetuação de nomes de linhagens; nem da tradição moral ou
religiosa; nem tampouco a instituição que garante a estabilidade do lugar em que
são educadas as crianças.” (p.3).
Então, o que é a família? Como defini-la, considerando que uma de suas
marcas na pós-modernidade é justamente a falta de definição? Bilac (2003, p.31)
antecipa que “a variabilidade histórica da instituição família desafia qualquer
conceito geral de família.”
Fachin (2002), ao se pronunciar a respeito da família atual, expõe:
99

A família constitui um corpo que se reconhece no tempo. Uma agregação


histórica e cultural como espaço de poder, de laços e de liberdade. Uma
aliança composta para representar harmonia e paradoxos. Uma agremiação
destinatária de projetos e de discursos, especialmente da alocução
normativa, junção que encarna o elo entre o Direito, a família e a sociedade.
(FACHIN, 2002, p. 15).

Roudinesco (2003) postula que a família “contemporânea” (ou “pós-moderna”)


é aquela que se forma pautada no interesse de um homem e de uma mulher em se
realizarem afetiva e sexualmente, o que tem impacto sobre o tempo de duração da
sua relação e de seu rompimento.
A centralidade assumida pelos interesses individuais no mundo
contemporâneo é um dos aspectos que influenciam a singularidade de cada família
e distinguem os propósitos que justificam a escolha de duas pessoas ou mais
viverem juntas, compartilhando regras, necessidades e obrigações. Se não é fácil
definir a família, é legítimo o esforço de tentar decifrar quem é o homem pós-
moderno e quais as necessidades emergentes que o impulsionam ao encontro com
o outro, seja no espaço social, seja no interior da família, produzindo significados e
razões que o lançam na busca de realização.
De acordo com Dufour (2005), o neoliberalismo caracteriza a nova face do
capitalismo na pós-modernidade e tem, como consequência, a fabricação de um
homem novo. Para o autor, trata-se do homem pós-moderno, produto de um
processo de des-simbolização, observado na perda de valor do elemento simbólico
em detrimento da grandeza atribuída aos objetos. Assim, exige-se desse homem a
sua adaptação ao consumo de mercadorias como base de troca das relações
estabelecidas na pós-modernidade.

O valor simbólico é assim desmantelado, em proveito do simples e neutro


valor monetário da mercadoria, de tal forma que nada mais, nenhuma outra
consideração (moral, tradicional, transcendente, transcendental...) possa
entravar sua livre circulação. (DUFOUR, 2005, p. 13).

A pós-modernidade, segundo Dufour (2003), adestra o indivíduo de maneira a


torná-lo resignado e impossibilitado de confrontar-se com essa nova ideologia.
Dessa forma, o sujeito adapta-se ao mundo dessimbolizado, não se opondo à
redução de sua mente pela necessidade de ajustar-se aos valores impostos pelo
capitalismo. “O novo adestramento do indivíduo efetua-se, pois, em nome de um
"real" que é melhor acatar com resignação do que se opor: ele deve parecer sempre
100

agradável, querido, desejado como se se tratasse de entertainments (televisão,


publicidade...)” (DUFOUR, 2003, p. 2).
Para o autor, a pós-modernidade produz um sujeito não engendrado, o que
significa dizer que “[...] ele se vê na posição de não dever mais nada à geração
precedente”. (DUFOUR, 2005, p. 149). Trata-se de uma condição que comporta
riscos, pois, segundo Dufour (2005), desaparece o motivo geracional. No que tange
à família, a consequência é o surgimento de relações pautadas em trocas reais e
carentes de valores simbólicos que se contraponham à lógica do consumo. Assim,
assiste-se a uma ruptura na ordem da transmissão, gerando indivíduos desprovidos
de uma identidade sólida, condição esta que acarreta a redução de sua capacidade
crítica e dificulta o estabelecimento de compromisso com a causa que lhe precede.
Bauman (2007), aproximando-se das proposições de Dufour (2005), afirma
que a sociedade exige que todos seus membros sejam indivíduos, o que significa
serem diferentes uns dos outros. Ocorre que, para o autor, “os membros dessa
sociedade são tudo menos indivíduos diferentes ou únicos.”(BAUMAN, 2007, p. 26).
Portanto, ele pondera que a individualidade requer que os membros de uma
sociedade desenvolvam padrões de vida semelhantes e compartilhem dos mesmos
símbolos comuns. Entende tal demanda como um paradoxo, pois implica reconhecer
que a individualidade, nos termos pretendidos, é um projeto irrealizável.
Prosseguindo, Bauman explica que individualidade, nos dias de hoje,
“significa em primeiro lugar a autonomia da pessoa, a qual, por sua vez, é percebida
simultaneamente como direito e dever”. (BAUMAN, 2007, p. 30). Assim, ser
indivíduo é assumir as responsabilidades por fracassos e sucessos, concepção esta
que enfraquece ou desestimula a constituição dos laços sociais. Além disso, a busca
pela individualidade é um caminho longo, exposto às ofertas do consumismo e
suscetível à conformidade dos indivíduos. Por isso, o autor pontua, com uma dose
de ironia, que a individualidade é um privilégio: “Ser indivíduo numa sociedade de
indivíduos custa dinheiro, muito dinheiro. A corrida pela individualização tem acesso
restrito e concentra os que têm credenciais para participar.” (BAUMAN, 2007, p. 37).
Ele acrescenta que, é na busca de individualização, que se constituem as
identidades líquido-modernas, cuja característica é a sua indeterminação e a falta de
referenciais confiáveis.
Esse “indivíduo sitiado”, conforme expresso por Bauman (2007), “sujeito não
engendrado”, nos dizeres de Dufour (2005), compõe a face da família pós-moderna,
101

cujas relações são marcadas pelo descompromisso com os valores simbólicos e


pela busca incessante de satisfação pela via de sempre consumir mais.
Costa (2006), ao discorrer sobre a família na pós-modernidade, explica que o
movimento feminista e das diferenças sexuais, o consumismo e os meios de
comunicação de massa, sobretudo os dois últimos, provocaram o deslocamento do
debate ético sobre a família para o seu controle instrumental. Assim, a identidade da
família também se submeteu à manipulação das regras de mercado, e seus valores
passaram a ser como mercadorias prontas para consumo. Dessa maneira, os meios
de comunicação se ocuparam de estabelecer os padrões a serem seguidos pela
família, visando ajustá-la às demandas do homem pós-moderno. O imperativo de
felicidade como regra tornou esses sujeitos consumidores de sonhos e de
promessas propagadas pela cultura do entretenimento e transmitidas pela mídia.
Costa sintetiza o que se espera do homem na sociedade pós-moderna, ao dizer: “O
ideal é que as pessoas não tenham memória moral e estejam prontas a trocar de
crenças éticas como quem troca de camisa ou de marca de dentifrício”. (2006, p.
25).
Szapiro (2003) reflete que, na pós-modernidade, o sujeito perde a referência
simbólica que o sustenta, fazendo supor a existência de um sujeito autofundado.
Nesse sentido, surge a problemática da transmissão intergeracional, pois a diferença
de lugares entre pais e filhos, professor e alunos desaparece frente ao ideal
democrático de igualdade. Em nome da democratização das relações, Szapiro
(2003) visualiza um mal-estar contemporâneo, que interfere nos novos processos
identitários e tem implicações na sociabilidade familiar. A expor seu pensamento, ela
destaca:

As sociedades contemporâneas democráticas têm apresentado, como


tendência crescente, um elevado grau de apatia e conformismo. Os
indivíduos se afastam da cidade. Há um crescente alheamento e mesmo
enfraquecimento dos laços sociais nestas sociedades. O indivíduo afastado
da cidade é, certamente, o resultado de todo um processo de des-
simbolização do sujeito, como aqui procurei examinar, um processo
marcado pela inflexão sobre a idéia de um sujeito de “si mesmo” e pela
recusa ao diferente como dimensão de alteridade. (SZAPIRO, 2003, s/p).

Observa-se que Szapiro (2003) avalia, com precaução, a ideologia do


liberalismo econômico e seus efeitos sobre a sociabilidade familiar. Além disso, ela
pondera que a exacerbação das demandas por relações igualitárias fez irromper o
102

que chamou de crise da família, levando à crença em um sujeito que seria causa de
si mesmo. Coadunam-se com as suas proposições aquelas de Figueira (1987),
quando ele afirma que a ideologia igualitarista predominante interfere na
demarcação da diferença de lugares entre pai e filhos. Conforme assinalado pelo
autor, a noção de indivíduo definidora do ideal de igualdade e liberdade aproxima as
categorias homem/mulher, adulto/criança, pais/filhos, enfraquecendo as fronteiras
que diferenciam tais identidades, tornando-as comuns, dependentes das escolhas
pessoais do indivíduo. A democratização da família, por sua vez, tem influência na
indiferenciação das identidades assumidas pelos membros que a compõem.
Romanelli (2003, p. 87) assevera que o esforço de democratizar a família também
contribuiu “[...] para que o individualismo dos filhos prevaleça sobre as aspirações de
cunho coletivo”, gerando consequências para as novas formações familiares na pós-
modernidade.
Figueira (1987) prossegue afirmando que essas mudanças pressupõem
processos complexos e não lineares. Utilizando como exemplo o que acontece no
contexto brasileiro, o autor assevera que os aspectos socioculturais das mudanças
na família foram mais fáceis de serem introjetados, por ocorrerem no nível da
superficialidade. Em contrapartida, as mudanças requeridas no domínio da
subjetividade, relativas às emoções e fantasias, aos sentimentos e desejos, se
revelam mais resistentes às modificações, pois exigem do sujeito um
reposicionamento. Para ele, esse sujeito “é o agente socializado que sofre a ação de
regras transindividuais, mas que é dotado de uma subjetividade que, nos dramas da
mudança social em famílias de classe média, ocupa o centro do palco”. (FIGUEIRA,
1987, p. 14). Por isso, afirma existir um descompasso entre a velocidade do
processo de modernização e a lentidão da subjetividade para se adequar, fazendo
com que elementos do passado se mantenham presentes na nova família, mesmo
que a proximidade entre o moderno e o arcaico não seja tão evidente.
Na família pós-moderna, ao se impor o “novo” como regra, muda-se o seu
conteúdo, mas o mecanismo de determinar, de fora para dentro, o que o sujeito
deve fazer não se altera. No passado, as famílias tinham pouca ou nenhuma
liberdade para sustentar um modo de vida singular e satisfatório para os desejos de
cada integrante e era cobrado um preço alto daqueles que assumissem um modo de
vida diferente do aceito e legitimado pela sociedade. Na família moderna, também
não é dada a opção de escolha ao sujeito, embora ele se comporte como se tivesse
103

liberdade suficiente para decidir, sem interferência dos ditames sociais, seja o seu
modo de vestir, seja o tipo de relacionamento que ele quer ter. Dessa forma, ainda
que se pretenda estabelecer barreiras para separar a família tradicional da nova,
constata-se que o moderno e o arcaico convivem juntos na família brasileira, sendo
incoerente qualificar como “nova família” os arranjos na atualidade.
Costa (2012) desenvolve raciocínio semelhante, ao revelar que considera
difícil classificar os arranjos familiares na atualidade. Primeiramente, pela própria
força semântica contida na palavra família, que continua abarcando todos os
arranjos possíveis de agrupamento familiar. Em seguida, porque, mesmo repudiando
o modelo de família burguesa, é a esta que se reporta quando o assunto é família. O
autor comenta:

Não tenho certeza, mas penso que, diante dessa aridez humana, a família
voltou a representar – depois dos ataques críticos vindo da contracultura e
das ideias marxistas dos anos 1960 – uma promessa de solidariedade,
afetividade, lealdade, entre os sujeitos, sem contar o prêmio em prazer
sexual e sentimental implícitos na relação do casal. (COSTA, 2012, p. 3).

Ele prossegue, advertindo que as transformações na família não devem ser


tratadas como banalidades, uma vez que seus impactos psicológicos são
marcantes. Adiciona que tais mudanças não devem desincumbir a família de
assumir o papel de educar seus descendentes, permitindo que se delegue a
educação dos filhos a terceiros: “[...] se os pais se comportam como crianças que
ainda não sabem qual a fronteira relevante entre o Bem e o Mal, as crianças
pagarão o preço dessa puerilidade irresponsável”. (COSTA, 2012, p. 4). Nesse
sentido, Costa (2012) ressalta que o discurso científico, ainda que atual e relevante,
não significa dispensa dos saberes instituídos pelos pais.
Ramires (2014) assume uma posição mais radical, defendendo que não há
nada de novo em termos de estruturação dos grupos familiares na
contemporaneidade. O que ocorre, segundo a autora, é apenas o reconhecimento e
a legitimação dos arranjos que, outrora, viveram na clandestinidade. Do ponto de
vista da subjetividade, ela pontua: “Nessa dimensão, persistem velhos ideais de
família e de relacionamento, convivendo com os novos valores e ideais, o que
provoca uma tensão e um desmapeamento, e uma nostalgia da família “perfeita”, ou
ideal, do passado”. (RAMIRES, 2014, p. 32).
104

Tanto o reconhecimento social e jurídico de arranjos que já existiam no


passado, quanto as mudanças nas demandas do homem pós-moderno
influenciaram as transformações familiares gerando impacto na maneira como os
pais se posicionam frente ao desenvolvimento emocional e educacional de seus
filhos. A respeito desse aspecto, Lebrun (2004) e Roudinesco (2003) alertam para
uma crise de autoridade na sociedade ocidental, que compromete a organização
familiar de cumprir sua função de instituir o limite. Ambos explicam esse fenômeno
pela via do declínio da função paterna. Lebrun (2004) enfatiza que a família está
cada vez mais se estruturando em torno dos membros que a compõem,
desarticulada do social, bastando-se a si mesma. Como consequência, ele observa
o enfraquecimento das referências que instituem o limite para o sujeito, pontuando:

O que será posto à luz serão tanto os mecanismos que operam em nossa
sociedade assim marcada – desabono da função paterna, infiltração por um
simbólico virtual, abalo da responsabilidade e desinscrição da referência –
quanto as consequências, para cada um, do fascínio pelo método científico
– elisão da enunciação, desaparição do sentido do limite, perda da
faculdade de julgar. (LEBRUN, 2004, p. 20).

Lebrun (2004) explica seu pensamento argumentando que, no lugar do pai,


maior espaço foi destinado às mães que, no entanto, ficaram desprovidas de um
contrapeso na relação com os filhos. Foi justamente nessa brecha que o discurso
científico ocupou o lugar de terceiro simbólico, de autoridade portadora dos
enunciados que enredam o sujeito pós-moderno, afastando o pai da cena e
inserindo outros discursos como referência. Roudinesco (2003), por sua vez,
pressupõe ser necessário, para enfrentar essa crise de autoridade, estabelecer uma
nova ordem simbólica que possibilite a reinvenção da família do futuro, por se tratar
de uma instituição que ainda representa um valor seguro. De acordo com Brito
(2012), trata-se, inclusive, de um paradoxo para o sujeito pós-moderno, pois, ao
mesmo tempo que recusa os enquadramentos institucionais, ele se mostra inseguro
frente à ausência da solidez dos referenciais.
O desafio de reinventar a família pressupõe o reconhecimento da miscelânea
de valores, normas, leis que, não raras vezes, se sobrepõe à educação que os pais
querem transmitir aos seus descendentes e implica a revisão do lugar da
paternidade na organização familiar nos dias de hoje. (BITTAR, 2007; ZANETTI;
105

GOMES, 2009; 2011). Os manuais, as cartilhas42 e os check lists, que ensinam


como educar os filhos com a promessa de um futuro de sucesso, distante de
possíveis males provocados pela proximidade com as drogas, a criminalidade, o
divórcio dos pais, o bullying, a violência de gênero, entre outros, proliferam nas
prateleiras das livrarias e de locais antes improváveis, como em balcões de
farmácias, padarias e outros estabelecimentos comerciais.
Recentemente, o folhetim de uma renomada rede de farmácias da cidade do
Rio de Janeiro divulgou, no verso da página de oferta de medicamentos, uma
matéria assinada por um laboratório, alertando para os riscos da prática de
Alienação Parental. Em se tratando de um tema relativamente novo no Brasil,
tomando por base seu reconhecimento na esfera legal43 no ano de 2010, e que
versa sobre o relacionamento entre pais e filhos, pensa-se, inicialmente, que não
existe relação alguma entre laboratório de medicamentos e problema de ordem
familiar envolvendo crianças e adolescentes. Contudo, quando se analisa com
criticidade, alerta-se para o fato de que a indústria de fármacos anda de braços
dados com os dispositivos de poder da pós-modernidade,44 principalmente quando
comercializa seus produtos como antídotos contra qualquer espécie de sofrimento,
inclusive os da alma. A prescrição de uso é seguida da promessa de cura e garantia
de bem-estar e felicidade. Conforme assinala Sousa (2014), na sociedade das
vítimas existem medidas de reparação e tratamento para qualquer espécie de
infortúnio, como a depressão o estresse pós-traumático, a angústia, e outros
estados diagnosticados como patológicos.
A esse respeito, Lemos (2014) assevera que a medicalização está a serviço
da lei e da ordem social, uma vez que visa normalizar os corpos, diminuindo as
resistências por meio de mecanismos de silenciamento das diferenças e de controle
da saúde, da educação e da segurança. Na perspectiva da lógica de consumo, é
possível compreender os agenciamentos da indústria farmacêutica sobre os
relacionamentos familiares: primeiro patologiza, depois vende o produto com a
promessa de cura.

42
O capítulo 3 desta tese apresenta um tópico específico sobre cartilhas.
43
Lei 12.318 de 26 de agosto de 2010.
44
Ver NASCIMENTO; LACAZ; ALVARENGA FILHO, 2010.
106

Mais comum ainda é aquilo a que se assiste em programas de televisão e se


ouve em rádios que incluem, em sua grade de programação, quadros ensinando
como ser pai e ser mãe. Os protagonistas das entrevistas geralmente são figuras
que se destacam na mídia por exibirem corpos esculturais que lhes garantem
visibilidade e o status de celebridade. Muitas vezes, não se trata de pais e nem de
especialistas, mas simplesmente de pessoas que têm fama e, por isso, seu saber é
facilmente flagrado pela mídia e partilhado nos meios de comunicação de massa.
Dessa forma, os espectadores e ouvintes podem consumir esses ensinamentos da
forma como lhes convém, pois as ofertas são muitas, a varejo ou atacado, tudo
dependerá dos contextos e das demandas.
Em meio a esses discursos que assopram de vários lugares – desde os
saberes especializados provenientes da pedagogia, psicologia, medicina, sociologia,
até aqueles que se produzem na mídia, internet, escola, televisão e assim por diante
– o que menos se ouve é a fala dos pais, pois estes também vivem nesse tempo de
transformações, carentes de seus próprios referenciais, como ressaltou Costa
(2005). Nessas circunstâncias, muitas vezes inseguros diante de tantas vozes que
ecoam de fora para dentro de seus lares, eles emitem como resposta o silêncio das
línguas cansadas ou se contentam em aceitar, como verdade inconteste, os ventos
que tocam de fora.
Zanetti e Gomes (2009), ao discutirem o princípio da autoridade na família
contemporânea, supõem que o avanço científico trouxe impasses à esfera dos
relacionamentos sociais, sobretudo quando analisam seus impactos sobre a família.
A ciência, para elas,

contribuiu para que a ideia do saber natural dos pais ficasse desqualificado
em relação ao dos especialistas e, desta forma, também retirava dos pais a
autoridade inerente sobre seus filhos, pois esta se justificava quando
podiam se responsabilizar inteiramente pela educação deles. (ZANETTI;
GOMES, 2009, p. 196).

Bilac (2003) desenvolve raciocínio semelhante ao dizer que os pais lançam


mão de seu saber em detrimento do conhecimento técnico de especialistas. Bittar
(2007), por sua vez, comenta que o processo de fragilização da família é como um
jogo de empurra-empurra entre aqueles que deveriam se ocupar com a tarefa de
formar indivíduos: ora os pais, ora a escola ou as instituições, de um modo geral.
Como resultado, ele avalia que as irresponsabilidades sobre a formação dos
107

indivíduos vão sendo parceladas, correndo-se o risco de alijá-los de desenvolver a


autonomia, tornando-os cada vez mais dependentes dos ícones comercializados.
Na prática cotidiana, escutando pais e mães em um serviço de psicologia no
Judiciário, tem sido comum colher queixas e lamentações sobre a sua dificuldade de
se posicionarem como figuras de autoridade perante os filhos. Em alguns casos,
esses mesmos pais recorrem às lembranças do passado, em uma época de
tradicionalismo da entidade familiar, para comparar a relação que tiveram com os
pais à relação que possuem hoje com os seus filhos. Comentam que perderam ou
nunca tiveram a autoridade desejada dentro de casa e lamentam que suas vozes
não produzem os efeitos desejados, mencionando não saberem como agir diante
dessa nova realidade que se lhes impõe.
Zanetti e Gomes (2011), supondo que haja uma confusão no entendimento a
respeito do que seja autoritarismo e o princípio da autoridade, explicam que o
esforço dos especialistas para barrar as condutas autoritárias, outrora exercidas no
interior de algumas famílias, acabou por abalar o princípio da autoridade. Para as
autoras, o movimento em favor de relações igualitárias entre crianças e adultos
contribuiu para que a figura dos pais se enfraquecesse e, consequentemente, para
que se sentissem intimidados frente à tarefa de educar. Paralisados, esses pais
foram se tornando submissos e conformados com as verdades produzidas pelos
saberes dominantes.
Ramires (2014) corrobora com as ideias de Zanetti e Gomes (2011) no que
diz respeito à fragilização do lugar dos pais na sociedade contemporânea e
considera relevante distinguir autoridade de autoritarismo:

Autoridade não significa, necessariamente, opressão. Significa que os


lugares de pai e filhos são diferentes – há diferença de geração e há a
diferença de papéis e responsabilidades. Essas bordas e limites são
necessários e sua ausência não gera liberdade e criatividade. Ao contrário,
gera confusão, insegurança e indiscriminação. (RAMIRES, 2014, p. 35).

Dito isso, a autora elenca duas hipóteses que podem explicar a fragilização
do discurso dos pais. A primeira sugere que os pais estejam paralisados pelo
sentimento de culpa decorrente da quebra de compromisso com o modelo
tradicional de família nuclear e a consequente inauguração de novos arranjos
familiares. Assim, eles agem como se tivessem uma dívida impagável com os filhos
e consideram que a demarcação de limites, por meio do exercício da autoridade
108

parental, é mais um sacrifício imposto aos seus descendentes que, no passado, já


foram desapontados com as transformações evidenciadas na família nuclear. A
segunda hipótese supõe que, no contexto socioeconômico vigente, em que se
destaca a cultura do individualismo e o consequente esvaziamento dos antigos
referenciais provenientes da família, da cultura e da religião, sobrepõem-se outros
valores, ditados pelas mídias e o consumismo.
Julian (2000) explica que, diferente da família no século XIX, em que o
aconchego do lar era garantido pela presença maciça da mãe, que é quem
transmitia o equilíbrio e a estabilidade, no século XX aparece o que ele denomina de
terceiro social, representado pela figura dos especialistas: do professor, do médico,
do psicólogo, do juiz, etc. Essa interferência dos representantes da sociedade torna
pública a parentalidade, diferente da conjugalidade, que permanece no campo do
privado. O autor comenta:

À diferença da conjugalidade, cada vez mais discreta, a parentalidade


passa a depender abertamente do social por intermédio de peritos
chamados para dizer quais são os direitos da criança e, em caso de conflito
conjugal, o que convém mais ao filho ou à filha: novos papais e mamães em
posição de tutores e de tutoras em razão de sua suposta capacidade de
resolver tanto os sintomas das crianças quanto os conflitos entre pais.
(JULIAN, 2000, p. 16).

Nota-se, a partir dessas mudanças no âmbito dos relacionamentos familiares


e da influência do cientificismo no modo de operar dos indivíduos, uma estreita
relação com o discurso de democratização da família e a influência de forças
hegemônicas inerentes ao neoliberalismo. A pretensão de transformar a família em
uma unidade fluida, menos hierárquica e mais igualitária, para além de um ideal
democrático proclamado com reverência, pressupõe o propósito de tornar a
sociedade ainda mais produtiva com a soma da força de trabalho da mulher, em
contrapartida com a pouca valorização que lhe é atribuída.
Miranda Júnior (2010) explica que, na prática, a divisão de papeis sociais
atribuídos historicamente ao homem e à mulher, nunca estiveram tão delimitados da
maneira como foram idealizados. No entanto, como Romanelli (2003), afirma que
não só a crescente inserção da mulher no mercado de trabalho no século XX, como
força produtiva e visando à complementação do orçamento doméstico, bem como a
luta feminina pelos direitos individuais foram fatores que contribuíram para sua
ascensão social e o afastamento do homem da posição de chefe de família. Sarti
109

(2003) acrescenta que o controle do processo de reprodução humana também


contribuiu para o reposicionamento da mulher na esfera privada e pública.
Ao situar os fatos desde a segunda metade do século XX, tem-se que os
homens começaram a cuidar diretamente de seus filhos, exercendo papéis antes
desempenhados com exclusividade pelas mulheres. Assim sendo, supõe-se que
puderam expressar seus sentimentos paternos sem medo de serem confundidos
com figuras frágeis. Dessa forma, ficaram mais próximos, corpo a corpo, de sua
prole. De acordo com Ramires, “o modelo do pai-provedor, pai-autoritário, figura
distante do cuidado direto dos filhos parece ter se afastado do cenário, dando lugar
a um pai que divide e compartilha com a companheira os cuidados dos filhos,
aproximando-se afetivamente deles.” (RAMIRES, 2014, p. 29).
A despeito das observações de Ramires (2014), abrem-se parênteses para os
achados de Brito (2008) demonstrando que, socialmente, ainda predomina a visão
de que os homens não sabem cuidar adequadamente de crianças. A constatação da
autora se fundamenta em pesquisas coordenadas por ela, e em outros estudos
feitos no cenário brasileiro e internacional, realizados com homens e mulheres, ex-
parceiros, pais de filhos em comum. Os resultados da pesquisa “Rompimento
conjugal e parentalidade: impasses e (des)orientação”,45 coordenada por Brito
(2008), revelaram as dificuldades e os impasses vividos por homens e mulheres na
gestão da convivência com os filhos após a separação conjugal. Uma das queixas
apresentadas pelos homens entrevistados é justamente sobre o preconceito a que
estão sujeitos no que tange aos cuidados paternos oferecidos aos filhos. Eles
revelaram que se sentem subjugados quando comparados às mães, uma vez que as
mulheres são vistas pela sociedade como figuras naturalmente dotadas de
capacidade para atender melhor às necessidades dos filhos. De acordo com Brito
(2008, p. 31), “Os homens ressaltaram que a maneira como lidam com as crianças
pode ser diferente da empregada pelas mulheres, mas isso não significa que seja
inadequada – fato que gostariam que fosse reconhecido”.
Retomando a questão dos novos papéis paterno e materno, assumidos pelo
homem e a mulher no trato com os filhos na atualidade, observa-se que as mães

45
A pesquisa foi desenvolvida junto ao Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, no período de 2002 a 2005. O livro Famílias e Separações: perspectivas da psicologia
jurídica, publicado em 2008, reúne artigos produzidos a partir dos desdobramentos da pesquisa.
110

não perderam poder sobre os filhos, embora tivessem que contar com a ajuda direta
dos homens, seus companheiros, para conciliarem a rotina doméstica com o
trabalho fora de casa. Assim sendo, para as mulheres, ao papel de mãe somaram-
se outras funções necessárias ao seu reconhecimento social.46 Para os homens,
destinaram-lhes tarefas bem semelhantes às exercidas pelas mulheres no trato com
seus filhos.
Estudiosos como Hurstel (1999), Lebrun (2004) e Ramires (2014)
problematizam a repercussão da indiferenciação de papéis, paterno e materno na
constituição psíquica das crianças, e questionam o lugar da função paterna na
organização familiar, na atualidade. Considerando que não cabe mais atribuir ao
homem o papel de chefe da família, provedor, arrimo e outros tantos dizeres
empregados para designá-lo na esfera privada, qual o impacto dessas mudanças na
concepção da paternidade e no novo lugar assumido pelo pai na esfera familiar?
Fachin (2008, p. 9), ao prefaciou o livro de Leila Maria Torraca de Brito sobre
contestação de paternidade, usou a expressão “paternidade líquida” para, de
maneira sutil, apontar a importância de não se transformar a paternidade em uma
mercadoria de consumo, como se o passado nada valesse diante da possibilidade
de se fabricar novos pais, ou até mesmo, se abster deles.
Ao teorizar sobre a problemática da paternidade na contemporaneidade,
Ramires (2014) assevera que as dimensões da paternidade não se esgotam com as
práticas de cuidado e atenção, sendo necessário compreender a diferença entre
função e desempenho de papéis sociais. Para a autora, mesmo que nas sociedades
ocidentais os papéis desempenhados pelos homens e mulheres na prática diária
com os filhos demonstrem similaridade, é necessário indagar sobre a função
simbólica da autoridade paterna na atualidade e em que aspecto ela se diferencia do
desempenho de papéis.
Hurstel (1999) assinala que as mudanças na paternidade tiveram início no fim
da Segunda Guerra Mundial e se estendem até os dias de hoje. Ela expõe que,
durante muito tempo, o termo “papel” foi usado para designar a imagem do pai e seu
papel familiar. Segundo Hurstel (1999a), o uso expandido do termo papel para falar
acerca do pai se prestou a caracterizar todos os aspectos da paternidade: “aspectos

46
Os movimentos sociais e feministas tiveram notória influência na reorganização dos papeis
atribuídos a homens e mulheres no âmbito familiar. Ver: CAMPOS, 2013.
111

psicológicos, sociológicos, modos de ser dos pais” (p.107), mas sem definir, com
exatidão, o sentido que lhe era dado. Para a autora, a indiferenciação dos termos
para falar sobre o pai é consequência da falta de teorização no campo da
paternidade, assinalando dois motivos que explicam essa constatação. Um deles é a
ausência de distanciamento para tratar de um assunto que exige a redução do
sentimento passional, afastando-se, então, das experiências pessoais de quem se
propõe a examiná-lo. O outro motivo é a apropriação indevida pelo campo social e
pedagógico das teorizações da psicanálise sobre o pai. Desse modo, a ausência de
domínio teórico leva ao uso indevido ou inapropriado de palavras para significar o
que vem a ser o pai. A autora reconhece o quão complexa é a noção de pai e
propõe uma abordagem pluridisciplinar para compreender seu significado.
Na tentativa de explicar a constituição da paternidade na contemporaneidade,
Hurstel (1999a) pontua que a função do pai deve ser compreendida em dois campos
distintos: o campo social e o campo do psiquismo. O campo social é relativo à norma
e não se confunde com a dimensão psicológica. Nesse caso, espera-se que o pai
cumpra com os ideais sociais de comportamento, preferencialmente que ele esteja
presente em “carne e osso” para ser considerado um pai presente ou um bom pai.
Esse campo está associado ao exercício de papéis, que são definidos pela
moralidade de uma época. O campo do psiquismo reside no registro da linguagem e
das significações. Ele se refere a uma presença simbólica que permitirá ao próprio
sujeito dizer se teve ou não um pai.
Ao discorrer sobre a paternidade, Hurstel (1999a) distingue três termos que a
designam – função, papel e pessoa – e explica cada um deles. A função se amarra
ao simbólico e se refere às representações; o papel, ao imaginário e opera na
produção de imagens e de ideais sociais. Por fim, a pessoa está no registro do real e
é aquela nomeada como pai, segundo as leis sociais vigentes. Embora as três
dimensões mencionadas definam o campo da paternidade, segundo Hurstel
(1999a), é a função seu determinante. A autora complementa seu raciocínio
postulando que, no campo social, a função paterna se inscreve, predominantemente,
no registro das montagens jurídicas e, no campo da subjetividade, através das
montagens familiares.
De acordo com Lebrun (2004), do ponto de vista da realidade psíquica, a
função paterna precisa de, pelo menos, dois elementos para se efetivar. Necessita
112

tanto do pai simbólico, quanto do pai real, sendo o primeiro relacionado ao exercício
da função, e o segundo, ao desempenho de papéis:

Em primeiro lugar, lhe é preciso a palavra de uma mulher, é preciso que


uma palavra seja dita pela mãe sobre o que sustenta o lugar do pai,
condição indispensável para que o pai simbólico opere [...]. Depois, é
preciso que aquele que sustentará para a criança ser o pai real intervenha
em carne e osso para atualizar concretamente essa terceridade [...].
(LEBRUN, 2004, p. 42).

Para além da palavra da mulher, Lebrun (2004) acredita ser importante que o
social ratifique a função paterna e que o Estado valide o lugar do pai e, na falta
deste, se posicione como o terceiro interventor para salvar a criança da propensão
incestuosa da mãe. Esse entendimento faz recordar os ensinamentos de Dolto
(2003), expressos em sua obra “Quando os pais se separam”, ao afirmar que não é
função do juiz e dos especialistas garantir que a criança seja feliz, mas sim
possibilitar que ela possa dar continuidade à sua dinâmica estrutural. Ora, é cabível
que o Estado opere com os elementos simbólicos em jogo, representando o terceiro
interventor, visando instaurar a função paterna e não reduzi-la ao exercício de
papéis desempenhados por homens e mulheres em sua prática de cuidados com os
filhos.
Hurstel (1999) vale-se de Lacan para explicar que a presença do pai, no nível
da realidade, não garante a emergência de sua função simbólica, uma vez que a
base dessa última é subjetiva e está relacionada com a fala e a linguagem. Assim
sendo, ela explica que são outros os mecanismos que operam para possibilitar o
lugar simbólico do pai que, sem dúvida, depende de autorização da mãe para que se
efetive. “[...] é a autoridade da palavra do pai que é operante. Primeira via: no que é
reconhecida pela mãe; segunda via: no que é assumida pelo pai.” (HURSTEL, 1999,
p. 173). É necessário que o pai faça uso dessa função, outorgada pela mãe, de falar
aos filhos, transmitindo-lhes seus enunciados. Entende-se, pois, que a função
paterna se faz pelas duas vias: do pai e da mãe. O Direito, por sua vez, pode ser o
garantidor dessa transmissão genealógica, atuando como mediador da palavra
enunciada pelos pais.
Todavia, como o Direito intervém nos novos arranjos familiares frente às
novas demandas do homem pós-moderno guiadas pela lógica do consumo? A
113

operacionalização do Direito pela instituição judiciária possibilita a emergência da


função simbólica do pai?
Legendre (1999), em seu texto intitulado “Poder Genealógico do Estado”,
define genealogia como: “[...] o poder de se reproduzir, ou melhor dizendo, o poder
de se reproduzir conforme à lei da espécie.” (p. 87). Para o autor, trata-se da função
do pai e da mãe de instituir a vida por meio de sua função simbólica, mediada e
garantida pelo poder da palavra. Ele indaga como esse poder genealógico se
organiza nas sociedades ocidentais hiperindustrializadas, tomadas pelo cientificismo
e pelas mídias atuais. Em outras palavras, a pergunta que se apresenta é: Como se
funda a vida nas sociedades ultramodernas? Legendre pontua: “Fundar [...] quer
dizer autorizar a criança a viver, introduzindo-a nas categorias da identidade [...]”
(LEGENDRE, 1999, p. 90).
Prosseguindo, o autor estabelece que tanto os pais quanto o Estado têm
funções a desempenhar e é preciso que eles saibam operar com os elementos
simbólicos em cena. Da parte do juiz, espera-se que ele seja o representante da Lei
e exerça a função de Terceiro para os pais e para as crianças. Isso quer dizer que
deve estabelecer os limites para a demanda, não reduzindo sua função à de uma
“máquina registradora” (LEGENDRE, 1999, p. 90) dos pedidos desmedidos que lhe
são endereçados. Seguidamente, espera-se que seja garantida à criança a via legal
das identificações genealógicas. Nos dizeres de Legendre, significa o Estado
garantir a imagem simbólica do Pai, seja para o filho, seja para a filha. Por fim, é
necessário que exista um sistema normativo que estruture os lugares das
Referências e que, de modo geral, seja um sistema subjetivamente vivível para as
novas gerações.
Ao se tomar por base os ensinamentos de Legendre (1999) sobre o poder
genealógico que funda a vida e as demandas sociais que buscam seu
reconhecimento pela via normativa, é possível afirmar que o Direito vem cumprindo
sua função? As respostas aos pedidos encaminhados à justiça, para avaliar a
convivência familiar de crianças e adolescentes com os pais, levam em conta as três
dimensões da paternidade, sobretudo a dimensão simbólica, conforme explicitado
por Hurstel (1999a)?
As respostas para esses questionamentos não parecem simples, tendo em
vista as mudanças do próprio ordenamento jurídico no contexto do novo regime
político e econômico denominado neoliberalismo. Brito (2008) estabelece uma
114

análise do Direito sob a influência da globalização e constata mudanças relevantes,


destacando sua repercussão no Direito de Família. Por meio de sua pesquisa sobre
paternidade, pautada em um extenso referencial teórico, ela expõe que o Direito do
século XXI está atrelado à lógica que rege o mercado de capitais, endossando não
só os mecanismos que valorizam maior participação das instituições privadas no
controle da sociedade, bem como dando destacada atenção aos organismos
internacionais em detrimento da cultura local. Além disso, ela assinala que os
interesses individuais têm destaque e prevalecem sobre as demandas coletivas
encaminhadas à instituição judiciária. Em outro momento, Brito (2014) expõe que as
agências internacionais, algumas com fins econômicos e lucrativos, influenciadas
pelos valores do capitalismo, produzem as estatísticas que definem os rumos das
políticas sociais, incluindo as judiciárias, permutando interesses com os setores
públicos e privados. O Direito, por seu turno, para atingir seu objetivo de satisfazer o
cidadão, consumidor ávido por soluções rápidas para seus dilemas, assume a
função de gestor da vida, adotando metas de produtividade e eficiência, comuns ao
mercado de bens e serviços.
Brito (2012) reitera seu entendimento afirmando que o apelo coletivo a
soluções rápidas, a simplificação de temas complexos a respostas sumárias e o
deflagrar de novas leis produtoras de um Direito atomizado compõem a estrutura de
um Judiciário inflado de demandas alinhadas com os valores próprios do
neoliberalismo. Conclui seu pensamento, pontuando:

A premência de obter ampla satisfação, a constante evocação dos direitos


individuais que devem ser garantidos e o superficial conhecimento a
respeito de como obtê-los são fatores que colaboram com o clamor e a
aprovação de novas leis e, em consequência, com novas demandas ao
Judiciário (BRITO, 2012, p.573).

Diante desse “novo” Direito, de que maneira autores como Lebrun (2004),
Roudinesco (2003) e Hurstel (1999), entre outros citados, explicam o declínio da
função paterna na contemporaneidade? Quais as balizas norteiam a compreensão
da paternidade no século XXI?
Hurstel (1999) analisa as implicações de mudanças na legislação francesa e
sua significação na esfera do psiquismo, no que tange à demarcação do lugar do
pai. Ela comenta que as alterações introduzidas pela lei de 17 de julho de 1970, no
Código Civil francês, reposicionaram cada membro da família e substituíram o
115

conceito de autoridade paterna por autoridade parental, tendo por efeito incluir as
mães nesse enunciado legal. Assim, a representação do pai se aproximou daquilo
que as mães já exerciam e foi se redefinindo à semelhança do modelo materno.
Com efeito, ampliou-se a autoridade das mães sobre os filhos e o maior controle
sobre a paternidade foi atribuído a elas, cuja palavra conquistou status de verdade
para nomear quem é o pai. Para a autora, essa inovação no campo da legalidade,
seguida de outras, aponta para a necessidade de criação de um novo espaço
paterno, para que o encontro da criança com a função simbólica do pai aconteça,
sem ameaça de um poderio exercido, desmedidamente, pelas mães.
No contexto de ruptura da relação conjugal dos pais e da disputa de guarda
dos filhos, Hurstel (1999) alerta para o risco de esfacelamento da dimensão real e
simbólica do pai, uma vez que a autoridade parental, estendida às mães em
substituição à autoridade paterna, pode transmitir a ideia de que os filhos pertencem
somente a elas.
Partindo da mesma perspectiva, Lebrun (2004) afirma que, na
contemporaneidade, vive-se o problema de declínio da identidade do pai e a invasão
do poder das mães, o que desperta para o seguinte questionamento: “Vivemos num
mundo sem pais? Ou num mundo sem Pai?” (LEBRUN, 2004, p. 17). Para o autor, a
introdução do conceito de autoridade parental no lugar de autoridade paterna
privilegiou as mães e influenciou o declínio da função paterna. Como consequência,
o autor menciona a confusão entre o registro real e o simbólico, levando a criança a
crer que pai e genitor são similares e que não há incerteza relativa à paternidade,
atribuindo sua garantia à dimensão biológica. Assim, a paternidade ficou reduzida ao
critério biológico, e sua dimensão simbólica foi esvaziada. A esse respeito, o autor
adverte que é preciso que o pai esteja ali, não estando ali demais e fazendo
contrapeso à mãe, sendo o outro da relação e se diferenciando dessa. “O pai tem,
portanto, o encargo de fornecer à criança o que lhe permite pôr obstáculo à
devoração pela mãe...” (LEBRUN, 2004, p. 33). Essa incerteza, que diferencia os
pais das mães e contribui para a estruturação da realidade psíquica da criança,
constitui-se numa alteridade necessária.
Julian (2000), por seu turno, acentua que a disjunção entre o privado e o
público repercute na maneira como a sociedade moderna concebe a paternidade e
ela explica, em parte, como ocorre o declínio da imagem social do pai. Para o autor,
por um lado, é na esfera do privado que o conjugal se constitui e, por isso, mantém-
116

se preservado da intervenção da sociedade. Por outro lado, é na esfera do público


que o parental se produz e é reconhecido. Assim, a parentalidade não se constitui
somente pela via do pai e da mãe, mas depende do terceiro social para legitimar a
autoridade desses sobre seus filhos. Ocorre que o desnível entre o conjugal e o
parental pode causar efeitos no exercício da parentalidade, termo empregado para
se referir ao pai e à mãe.47 Julian explana que, quando esse terceiro social
preconiza os deveres dos pais para com seus filhos, múltiplas vozes ecoam seus
enunciados sobre os direitos e o bem-estar das crianças e dos adolescentes. Dessa
forma, a transmissão intergeracional não fica limitada à família, mas passa a ser
exercida pelo social.
O autor segue afirmando que não é possível sustentar a parentalidade na
garantia do bem-estar dos filhos, nem mesmo pela lei do dever enquanto imperativo
moral, cujo enunciado universal é para todos. Também, de acordo com Julian
(2000), não é pelo critério biológico que se define a paternidade e a maternidade,
conforme discursos que se pretendem firmar no campo da legalidade e do saber
biologizante. Destarte, é preciso que haja o reconhecimento da sexualidade e do
desejo daqueles que se nomeiam como pais, pois a parentalidade se funda no
desejo conjugal, vivido na esfera do privado e, por conseguinte, engajado em tornar
público a nova família, que se constitui das gerações seguintes. A esse respeito, o
autor ensina:

A lei do bem e a lei do dever por certo transmitem muito à geração seguinte.
Mas esta transmissão não basta nunca se mascarar a historicidade inteira –
de A a Z – dos acontecimentos que tiveram por consequência o nascimento
de um novo ser humano. Estes acontecimentos dão lugar à sexualidade e
ao encontro de dois desejos; eles não podem, portanto, reduzir-se nem ao
discurso jurídico sobre a parentalidade legal, nem ao discurso médico sobre
a parentalidade dita “biológica”. (JULIAN, 2000, p. 57).

Nesse sentido, não apenas a judicialização das questões que envolvem a


família, os direitos da criança e do adolescente, como também as obrigações e os
direitos dos pais para com seus filhos geram o debate sobre a função materna e

47
Souza e Fontella (2016), na tradução realizada da obra de Gérard Neyrand, sociólogo e psicólogo
francês, estudioso da parentalidade, apresentam a seguinte definição do termo dada pelo autor: “A
parentalidade é o nome dado a uma política de gestão de populações é, em seguida, o termo
empregado para designar a construção social e psíquica da relação entre pais e filhos, insistindo
sobre seu caráter dinâmico e em constante mudança, de uma situação familiar à outra, de uma
sociedade à outra e de uma época à outra ...” (SOUZA; FONTELLA, 2016, p. 117).
117

paterna na contemporaneidade. Já se sabe que o neoliberalismo e as novas


economias provocaram impactos na esfera dos relacionamentos sociais e na
produção de novas demandas do homem pós-moderno. No Brasil, houve a
expansão das legislações e o endereçamento dos conflitos à instância judiciária foi
facilitado pela Constituição Federal (BRASIL, 1988), que preconiza o acesso à
justiça como um bem jurídico a ser protegido.
Cabe indagar se o processo de judicialização das relações familiares tem
colaborado no sentido de que a lei se interponha como um elemento regulador dos
referenciais fundantes da vida, ou se ela simplesmente tem contribuído para que a
justiça seja reduzida a um lugar, onde abrigar e resolver as demandas individuais,
desconsiderando outros meios de resolução dos conflitos e a natureza desses antes
de judicializá-los.

3.3 Pontos e Contrapontos da Judicialização na Esfera Familiar

De acordo com Vianna, Burgos e Salles (2007), a judicialização começa a se


manifestar nos países ocidentais a partir de 1970, com os juízes, cada vez mais,
ocupando os lugares antes reservados à política e à autogestão da sociedade. Para
os autores, a expansão da justiça atinge quase todos os setores da vida social e
está associada à cultura da democracia. Segundo afirmam, a judicialização não se
confunde com ativismo judiciário ou com o aumento de poder, mas se revela como
um processo complexo, com raízes históricas e permanentes.
Guiando-se pelas ideias desses autores, entende-se que o enfraquecimento
do Estado de Bem-Estar Social e a ascensão do neoliberalismo geraram profundas
mudanças nas regras de mercado, na economia, nos setores sociais e no mundo do
trabalho. Por conseguinte, o acesso à justiça, um dos princípios da democracia,
tornou-se um fenômeno mundial e um foro aberto à litigância.

Ao mundo da utopia do capitalismo organizado e do que deveria ser da


harmonia entre as classes sociais, induzida pela política e pelo direito,
sucede uma sociedade fragmentada entregue às oscilações do mercado,
onde o cimento das ideologias e da religião, mesmo o dos laços da família
tradicional, perde força coesiva. Sem Estado, sem fé, sem partidos e
sindicatos, suas expectativas de direitos deslizam para o interior do Poder
118

Judiciário, o muro das lamentações do mundo moderno, na forte frase de A.


Garapon. (VIANNA, BURGOS, SALLES, 2007, p. 40).

Vianna, Burgos e Salles (2007) afirmam que os grupos sociais mais


vulneráveis, formados por crianças e adolescentes, idosos e pessoas com
deficiência, constituem, prioritariamente, o principal foco da justiça, fator este
explicado pelo enfraquecimento das políticas sociais do Estado. Assim, buscam-se,
no juiz, a defesa e a garantia dos direitos sociais.
Sadek (2014), estudiosa da Reforma do Judiciário, aponta que o sinalizador
clássico da judicialização da política no Brasil é o significativo aumento do número
de ações diretas de inconstitucionalidade, reforçando os achados de Vianna, Burgos
e Salles (2007) sobre o assunto. Essa constatação, inevitavelmente, tem relação
com a expansão das leis no Brasil. A despeito do acesso à justiça, a autora adverte
que, somente se efetiva, quando o cidadão atravessa a porta de saída do Poder
Judiciário. Em outras palavras, significa dizer que não basta o acesso, é necessário
que a justiça seja célere e consiga solucionar as demandas que lhe são
endereçadas.
Engelmann (2015) corrobora com as proposições de Sadek, assinalando que
o fenômeno da judicialização, no Brasil, coincide com a Reforma do Judiciário e a
redemocratização política. Assim sendo, o Judiciário é convocado a ser o interventor
das disputas entre o Legislativo e o Executivo e o preceptor dos direitos coletivos,
sociais e econômicos reclamados pela sociedade. Constata-se, com base nos
autores, duas frentes da judicialização – uma referente à política, e a outra, às
relações sociais.
No que tange à judicialização das relações sociais, pesquisas brasileiras
(NASCIMENTO, 2014; OLIVEIRA; BRITO, 2013, 2016; RIFIOTIS; 2008, 2012)
analisam, com criticidade, esse processo e demonstram seus impactos na vida do
cidadão e de segmentos sociais, como a criança e o adolescente, a mulher, o idoso
e a família. Esta última, por diversas vezes, adentra as portas do sistema de justiça,
submetendo sua vida ao escrutínio dos tribunais. De acordo com Rifiotis, a
“judiciarização das relações sociais”48 se expressa pela criminalização secundária,

48
Os termos judicialização e judiciarização são utilizados pelos autores pesquisados como
equivalentes, significando o processo de ampliação do acesso ao sistema judiciário e à
desvalorização de outras formas de resolução dos conflitos (RIFIOTIS, 2004). A autora desta tese
119

ou seja, sem um tipo penal específico, e são desenvolvidas políticas específicas


para os serviços de polícia, ou adaptações de mecanismos jurídicos” (2008, p.227) .
Ao se pronunciar a respeito da judicialização de segmentos sociais, a
exemplo do que acontece com as políticas de atenção ao idoso, Rifiotis afirma:
“Trata-se de um amplo processo que atua como uma matriz fundamental para a
compreensão da sociedade brasileira contemporânea, e que marca a passagem de
discursos de práticas voltadas sobre os sujeitos de direitos para os dos direitos do
sujeito”. (RIFIOTIS, 2012, p. 3). Estabelecendo os pontos e contrapontos da
judicialização, ele menciona dois movimentos provocados por tal processo: um que
promove o acesso à justiça e o reconhecimento social, e o outro que desconsidera
as soluções não normativas de resolução dos conflitos sociais. Para o autor, a
judicialização é entendida como

[...] um conjunto de processos que envolvem práticas e valores que


reinterpretam relações sociais tidas como problemáticas a partir de um viés
normativo, por vezes criminalizante, e sempre estigmatizante contido na
figura dos direitos e deveres regulados por uma instância de Estado.
(RIFIOTIS, 2012, p. 18).

Nascimento compreende a judicialização como “uma construção subjetiva que


implanta a lógica do julgamento, da punição, do uso da lei como parâmetro de
organização da vida” (NASCIMENTO, 2014, p. 460). De modo semelhante, Oliveira
e Brito explicam a judicialização como “o movimento de regulação normativa e legal
do viver, do qual os sujeitos se apropriam para a resolução dos conflitos cotidianos
(OLIVEIRA E BRITO, 2013, p. 80).
No Brasil, frente às necessidades de segurança e proteção clamadas pela
população, elege-se a via da legalidade como caminho para conquista da paz social.
Rodrigues e Sierra (2011, p. 31) comentam que “[...] as relações sociais se tornaram
também relações jurídicas, pois o aumento da regulação entre as pessoas da
mesma família, vizinhança, grupos profissionais e religiosos, fez com que toda forma
de relação social fosse jurisdicizada.” Nesse cenário, o Judiciário se apresenta como
o regente da vida dos cidadãos; e o discurso político, que sobressai na atualidade,
proclama o ideal de sociedade, pautado na defesa dos Direitos Humanos e na

adotará, preferencialmente, o termo judicialização quando tiver que se reportar ao emprego dessa
palavra.
120

convicção da construção de uma cultura da paz.49 Com base nessa concepção de


democracia, investe-se na pacificação dos conflitos e na produção de discursos que
possibilitem seu alcance. Contudo, Rodrigues e Sierra (2011) advertem que a
aproximação dos direitos com a política e as relações sociais não significa o
aprofundamento da democracia, mas o risco de aumento do controle social pelas
agências legitimadoras do Direito.
No campo da infância e adolescência, Nascimento (2014) avalia que os
discursos em defesa dos direitos da população infantojuvenil em condições de
vulnerabilidade são práticas de poder disfarçadas de boas intenções e usadas para
justificar os mecanismos de controle da vida. Portanto, a autora compreende a
proliferação de leis e do uso de dispositivos jurídicos como formas coercitivas de
poder camufladas em tecnologias de proteção. Nascimento (2014), partindo dos
ensinamentos de Foucault, afirma que o discurso da proteção é “uma prática de
governo biopolítico que controla as famílias pelos dispositivos da segurança e da
prevenção”. (2014, p. 3). Ela alerta para os riscos de se manter a confiança cega no
poder regulador do Estado, negligenciando a segregação de alguns segmentos da
população e o enfraquecimento das construções coletivas para a solução dos
conflitos sociais.
Em se tratando da violência contra a mulher, observa-se que a judicialização
aparece por diversas frestas. Embora a centralidade do tema seja a mulher, sua
identidade multifacetada e diluída em variados papéis – ora esposa, ora
companheira, ora mãe, ora filha, ora irmã – traz para o centro do debate questões
relativas a outros personagens partícipes da cena jurídica. Quando a violência atinge
o campo conjugal, na hipótese da existência de filhos, estes podem aparecer
enredados na trama conjugal dos pais. Nesse caso, a justiça determina contextos
específicos de convivência dos pais com os filhos com base na virtualidade do risco
identificado na relação após a denúncia de violência contra a mulher. Sob o
fundamento da proteção, a lei dispõe de dispositivo para restringir ou suspender as
visitas paternas; e a justiça atua para determinar o modus operandi da convivência
dos filhos com o pai. Ocorre que a não diferenciação dos direitos dos filhos, do
homem e da mulher pode gerar resultados desastrosos.

49
Ver Brito (2014); Rifiotis (2014).
121

Considerando que a convivência do filho com o pai e a mãe é um direito


inexorável, conforme explicitado anteriormente, supõe-se que a convivência paterno-
filial não possa se confundir com os direitos da mulher em situação de violência
conjugal. Haja vista o alerta de Rifiotis (2008) para a importância de uma abordagem
analítica da violência contra a mulher, justamente para não simplificar a discussão
em torno do binômio vítima-agressor, sem contextualizar outros elementos
envolvidos.
Reis (2010) chama a atenção para o que se passa no espaço jurídico,
sobretudo nas Varas de Família, pontuando que ele é um lugar de apelo aos
modelos identitários de homem e mulher, pautados por arranjos classificatórios de
gênero e pelo desenho de família burguesa. A autora, sabiamente, comenta:

Quando se trata de litígios em varas de família, pode-se considerar que a


preeminência da maternidade representa a maior das continuidades
normativas, vez que ela continua cercada por série de mitos, deveres,
funções, prerrogativas, exaltações, fantasias e romantismos. Por isso não
chega a surpreender o fato de as mulheres-mães continuarem favorecidas
nas questões de guarda ou de regulamentação de visitas, posto que, há
séculos, lhe foi concedido o pleno direito de cercar, invadir e conduzir a vida
dos filhos. (REIS, 2010, p. 174).

Em data recente, uma reportagem veiculada na mídia eletrônica (EX


RECORREU..., 2015) narrou a trágica história de uma família. Segundo noticiado, o
pai estava há quase dois meses sem ter contato com os quatro filhos, menores de
idade, devido à aplicação de medidas protetivas de urgência decorrentes da Lei
Maria da Penha, por ter sido acusado de praticar violência contra a mulher, mãe das
crianças, de quem se encontrava separado. Na oportunidade que teve de visitar os
filhos, envolveu-se em um acidente de carro, com indícios de crime de homicídio,
seguido de suicídio, tirando a própria vida e das quatro crianças. Na carta de
despedida deixada para a ex-mulher, referiu-se às questões relacionadas ao litígio
conjugal. Quanto ao exercício da paternidade, um parente entrevistado frisou que o
autor do fato era um bom pai. Não se tem acesso a pormenores da história da
família mencionada, contudo, depreende-se, das informações obtidas pela mídia,
que a judicialização do conflito não garantiu proteção à família. Ao contrário,
supostamente precipitou reações destrutivas que se encerraram na morte das
crianças.
122

De acordo com Nascimento (2014), o disciplinamento da conduta dos pais em


relação aos filhos se fundamenta na concepção de risco, sustentada nos dispositivos
de judicialização. Nesse sentido, o sistema de justiça cria suas tecnologias de
gestão do risco a fim de justificar as práticas de poder coercitivo que criminalizam as
ações que escapam à ordem pretendida. A família considerada negligente, por
exemplo, segundo Nascimento (2012), é produto da lógica segregativa dominante
que, ao estabelecer o formato de família desejável, não explora outras
possibilidades de convivência e de enfrentamento das fragilidades identificadas.
A autora analisou o contexto de abrigamento de crianças e de adolescentes
provenientes de famílias consideradas negligentes e constatou que a criminalização
é a solução adotada pelo Estado para justificar o afastamento dos filhos, mesmo
quando outras soluções criativas poderiam ter sido adotadas. Em prol do discurso do
bem-estar e dos interesses da criança, a justiça aciona seus dispositivos em
desfavor dos pais, criminalizando-os.
Outro efeito marcante da judicialização é a potencialização da denúncia sob o
argumento de que qualquer pessoa pode denunciar. No coro da democracia, as
vozes entoam que cada cidadão deve se ocupar da segurança no espaço social.
Essa economia de poder exercida pelo povo é explicada por Nascimento (2014) com
base na noção de risco: “O risco é sempre atrelado ao comportamento de cada um –
portanto o processo de culpabilização e de acusação se faz pela redução do outro à
condição de objeto a ser denunciado, seguindo um vetor de individualização”.
(NASCIMENTO, 2014, p. 466-467).
No que tange à violência no âmbito familiar, especificamente, Rifiotis (2008)
chama a atenção para os desdobramentos da denúncia em sua dimensão ética e
teórica:

[...] é possível afirmar que devemos problematizar a retórica da denúncia


quando ela implica na redução da complexidade e da diversidade dos
próprios fenômenos denunciados, e, sobretudo, no limite, quando ela é
colocada como um lugar de discurso político auto-suficiente e
autoconfirmador. (RIFIOTIS, 2008, p. 226).

Menciona-se, novamente, o que se vê na mídia como retrato dos mecanismos


que operam em prol da judicialização. O jornal O Globo veiculou uma matéria no dia
27 de junho de 2016, cuja manchete dizia: “Menino usa internet para denunciar
agressão à mãe” (CANDIDA, 2016). Segundo a reportagem, a acusação da criança
123

contra o pai foi publicada na página do facebook do menor, 11 anos de idade, e, no


mesmo dia, foi compartilhada mais de dez mil vezes. Em um trecho do texto
publicado estava escrito: “[...] Eu sou testemunha, então peço que compartilhem
para que a justiça seja feita [...]”. Ao mencionar trechos dessa reportagem, o que se
pretende não é questionar a complexidade das experiências singulares de quem
presencia a violência dentro de casa, menos ainda a legitimidade da denúncia, mas
de problematizar a ingerência da sociedade no governo das vidas, principalmente
quando um clique de compartilhamento nas redes sociais equivale a um
denunciador em potencial. Indaga-se: O que se pretende produzir com a denúncia?
A respeito da denúncia, Augusto (2012) expõe que a palavra mágica da
democracia é “participar”, um correlativo do termo empoderamento comumente
empregado em substituição. Dessa maneira, é esperada a participação da
sociedade nas práticas de disciplinamento e assujeitamento dos corpos,
contribuindo para a produção de sentenças, julgamentos e decisões coletivas de
cunho inclusivo e participativo.
Depreende-se, pelos exemplos citados e da teorização a respeito da
judicialização, que a função paterna se encontra, muitas vezes, fundida entre tantos
outros discursos a professarem a ordem do dia. No âmbito dos relacionamentos
familiares, sobretudo, o lugar da mãe e do pai aparece entrecortado por outras
vozes vindas de fora, cujo poder é legitimado pelas novas tecnologias de controle da
vida. Por conseguinte, o risco e a denúncia se revelam como dois dispositivos
importantes para os partícipes dessa engrenagem de controle da vida. Saber operar
com eles implica maior poder sobre o outro, mesmo ao custo de barrar da cena o
poder simbólico que institui a vida.
A análise da paternidade exclusivamente pela via do exercício de papéis é
mais suscetível à interferência do poder público e da sociedade, justamente por
partir de ideias preconcebidas a respeito de determinadas condutas esperadas de
um pai e, geralmente, baseadas nos anseios individuais do homem pós-moderno.
Nesse caso, excluem-se do campo de observação as questões internas, subjetivas,
às vezes não captadas pelos olhares de quem avalia, mas evidentes quando os
elementos simbólicos em jogo são postos em cena. Partindo dessa perspectiva, as
montagens jurídicas têm muito a contribuir com o fortalecimento da função paterna,
dando causa aos direitos e às obrigações do pai e da mãe, sem que para isso a
prioridade seja destituí-los da autoridade parental.
124

4 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

A delimitação do objeto de estudo desta pesquisa foi a Lei Maria da Penha e


seus efeitos na esfera cível, com a finalidade de analisar possíveis interferências das
medidas protetivas no direito de convivência familiar dos filhos com o pai, acusado
de praticar violência contra a mulher. Partindo desse objetivo, foi desenvolvida
pesquisa qualitativa de natureza exploratória, realizada no campo social. De acordo
com Gil (2002), a pesquisa exploratória tem por escopo propiciar maior familiaridade
do pesquisador com um problema até então pouco investigado, visando aprimorar o
conhecimento sobre o mesmo.
A coleta de informações foi realizada por meio de pesquisa bibliográfica e de
campo. O material bibliográfico pesquisado constou de livros, publicações em
periódicos, cartilhas e impressos diversos, como reportagens divulgadas na mídia. O
campo investigado foram quatro Varas Criminais, localizadas em Belo Horizonte,
capital de Minas Gerais, destinadas, exclusivamente, à aplicação da Lei 11.340/06.
Foram realizadas entrevistas abertas com homens acusados de praticar violência
contra a mulher e cumprindo as medidas protetivas decorrentes da referida lei,
conforme detalhamento realizado em tópico específico. A técnica de entrevista
utilizada visou propiciar maior liberdade ao entrevistado para expressar suas
opiniões e sentimentos. De acordo com Fontanella, Campos e Turato (2006, s/p. ),
nas entrevistas abertas “o pesquisador propõe um assunto e posteriormente apenas
catalisará o discurso do entrevistado, usando-se estímulos sonoros de comunicação,
que facilitam a manifestação das possibilidades de expressão do entrevistado”.
Para explanar a trajetória metodológica empregada neste estudo, o presente
capítulo foi subdividido em quatro seções. Na primeira seção, são apresentados os
pressupostos metodológicos da pesquisa qualitativa; na segunda, os métodos de
investigação utilizados; na terceira, os critérios para a escolha do campo investigado
e a caracterização dos participantes da pesquisa; na quarta e última seção, a
estratégia de análise e interpretação das informações obtidas.
125

4.1 Dos Pressupostos Metodológicos

A pesquisa qualitativa é uma forma de investigação em que o pesquisador


tenta aproximar-se da realidade das pessoas, buscando apresentar o fenômeno
social no contexto em que ele ocorre. Visa obter uma compreensão ampla e
profunda do comportamento e da experiência humanos; do processo de construção
de significados e a descrição dos mesmos. (BOGDAN; BIKKLEN, 1994;
FIGUEIREDO; SOUZA, 2010; MEDEIROS, 2004; SEVERINO, 2007). O presente
estudo situa-se no campo da pesquisa social, utilizando-se, para tanto, de
metodologia científica e buscando construir novos conhecimentos a partir da
realidade social pesquisada.
De acordo com Figueiredo e Souza (2010, p.84), “o método qualitativo
fundamenta-se em informações deduzidas das interações interpessoais e da
coparticipação dos informantes”. O fundamento da investigação qualitativa aponta
uma ligação dinâmica entre indivíduo e sociedade, uma interdependência viva entre
o sujeito e o objeto de estudo, um elo indissociável entre o mundo objetivo e a
subjetividade do sujeito. Para Minayo (2004), ao incorporar essa visão do fenômeno
humano, a pesquisa qualitativa amplia as condições de interpretação e
compreensão do cotidiano e oferece meios para apreender a complexidade humana.
A pesquisa qualitativa implica a abordagem interpretativa dos fenômenos
sociais, partindo do pressuposto de que a ação social é aquela na qual as pessoas
constroem significados sobre as mesmas. Portanto, o pesquisador busca
compreender o que está subjacente à ação, ou seja, o mundo subjetivo que se
constrói na experiência singular de cada pessoa e se expressa nos valores, nas
crenças e na linguagem. Godoi, Mello e Silva discorrem sobre o assunto:

A abordagem interpretativa do significado da ação social ocorre através da


observação direta detalhada das pessoas no ambiente natural, a fim de
chegar à compreensão e interpretação de como as pessoas criam e
mantêm o seu mundo social (GODOI; MELLO; SILVA, 2006, p. 94).

Boeira e Vieira (2006) ensinam que a compreensão das ações humanas


pressupõe a investigação da dimensão subjetiva ou autoreflexiva. Dessa forma,
busca-se ir além da dimensão objetiva dos fatos e dos fenômenos investigados,
126

tentando-se compreender o sentido e o significado em sua dimensão subjetiva.


Nesse tipo de abordagem, pretende-se entender o modo como as pessoas
constroem e transformam a realidade, partindo do pressuposto de que a realidade
não é estática, uma vez que ela está em constante transformação, sendo a visão de
mundo dinâmica e própria do esquema de valores e arcabouço simbólico de cada
pessoa.
Moreira (2000) apresenta, sinteticamente, as principais características da
pesquisa qualitativa, a saber:
a) foco na interpretação em vez da quantificação: geralmente, o
pesquisador qualitativo está interessado na interpretação que os
próprios participantes fazem da situação estudada;
b) ênfase na subjetividade ao invés da objetividade: aceita-se que a
busca de objetividade é um tanto quanto inadequada, já que o foco
de interesse é justamente a perspectiva dos participantes;
c) flexibilidade no processo de conduzir a pesquisa: o pesquisador
trabalha com situações complexas que não permitem a definição
exata e a priori dos caminhos que a pesquisa irá seguir;
d) orientação para o processo e não para o resultado: a ênfase está no
entendimento e não num objetivo predeterminado, como na
pesquisa quantitativa;
e) preocupação com o contexto, no sentido de que o comportamento
das pessoas e a situação se ligam intimamente na formação da
experiência;
f) reconhecimento do impacto do processo de pesquisa sobre o
resultado da pesquisa: admite-se que o pesquisador exerce
influência sobre a situação de pesquisa e é por ela também
influenciado.
Creswell (2010) adverte que a interpretação dos fenômenos pesquisados não
pode ser separada das origens, da história, dos contextos e dos entendimentos
anteriores do próprio pesquisador. Expressando opinião semelhante, Gibbs (2009)
destaca:

Os pesquisadores, em si, são uma parte importante do processo de


pesquisa, seja em termos de sua própria presença pessoal na condição de
pesquisadores, seja em termos de suas experiências no campo e com a
127

capacidade de reflexão que trazem ao todo, como membros do campo que


se está estudando (GIBBS, 2009, p.9).

Assim, compreende-se a pesquisa qualitativa como um método indicado para


explorar o universo social, tendo em vista seu caráter dinâmico, flexível, dialógico e
interpretativo, levando em conta os contextos e as particularidades dos indivíduos e
grupos sociais.

4.2 Dos Métodos de Investigação

A pesquisa que aqui se apresenta foi dividida em duas etapas concomitantes,


sendo uma destinada à revisão bibliográfica e a outra ao trabalho de campo para a
coleta de informações por meio de entrevistas abertas.
Segundo Medeiros (2004), a pesquisa bibliográfica “é aquela que busca o
levantamento de livros e revistas de relevante interesse para a pesquisa que será
realizada. Seu objetivo é colocar o autor da nova pesquisa diante de informações
sobre o assunto de seu interesse” (MEDEIROS, 2004, p. 51). Figueiredo e Souza
(2010) consideram a pesquisa bibliográfica o primeiro passo que possibilita a
investigação científica de uma questão, pois oferece a fundamentação teórica para o
problema. De acordo com Severino (2007), esse método de investigação parte de
categorias e conceitos teóricos trabalhados por outros pesquisadores e já
referenciados na literatura científica.
A entrevista, por sua vez, é uma técnica utilizada com frequência em estudos
de abordagens interpretativas. É definida como “um encontro entre duas pessoas, a
fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto,
mediante uma conversação de natureza profissional” (MARCONI; LAKATOS, 2002,
p. 92). De acordo com Marconi e Lakatos (2002), trata-se de uma técnica que possui
vantagens e limitações, e seu resultado dependerá do planejamento e da
experiência do entrevistador. Dessa forma, são propostas algumas diretrizes que
podem ajudar o entrevistador a alcançar êxito com o uso dessa técnica, tais como: a
preparação para o contato inicial, a formulação de perguntas, o registro de respostas
e o término da entrevista.
128

Figueiredo e Souza (2010) assinalam que as entrevistas são direcionadas


para um determinado propósito e que podem ser dirigidas ou não dirigidas. O
primeiro tipo segue um roteiro preestabelecido, ao passo que a não dirigida se
baseia no discurso livre. Nas entrevistas não dirigidas, chamadas por Marconi e
Lakatos (2002) de despadronizadas ou não estruturadas, a pergunta ou as
perguntas são abertas, e o pesquisador irá incentivar o entrevistado a responder
dentro de uma conversação informal ou focalizada, dependendo do objetivo. Minayo
(2004) expõe que a informação não estruturada viabiliza a descrição do caso
individual, a compreensão das especificidades culturais dos entrevistados e a
comparabilidade de diversos casos.
Fontanella, Campos e Turato asseveram que “as entrevistas não dirigidas são
instrumentos interativos complexos, em que o investigador não deveria – e de fato
não pode – controlar variáveis emocionais, cognitivas e comportamentais”
(FONTANELLA; CAMPOS, TURATO, 2006, s/p). De acordo com esses autores,
nesse tipo de entrevista o pesquisador não precisa formular muitas perguntas, mas
convida o entrevistado a falar sobre o assunto que está sendo pesquisado.
Na presente pesquisa, o contato com o entrevistado foi direto e optou-se pela
entrevista aberta que, segundo Fontanella, Campos e Turato (2006), consiste em um
instrumento de exploração de problemas novos para o campo científico. Nesse caso,
a conversa foi iniciada por uma questão disparadora, que será apresentada mais
adiante e relacionada diretamente com o objetivo geral da pesquisa. Sobre a
questão disparadora, os autores ensinam:

Ela focaliza o trabalho de investigação, encorajando a geração de ideias,


deve ser bem entendida para a resposta ser suficientemente desenvolvida.
A pergunta não deve se referir a um assunto ambíguo, nem deve
endereçar-se a um tópico sobre o qual o entrevistado não tenha habilidade
emocional ou cognitiva para falar. A frase usada para focar o problema não
deve ser muito geral, nem muito específica, impedindo desenvolvimentos
que não tenham sido de interesse do entrevistador (FONTANELLA;
CAMPOS, TURATO, 2006, s/p).

Os mesmos autores explicam que o entrevistador pode não só retomar pontos


já abordados, visando esclarecer alguma dúvida ou complementar a informação,
como também levantar novos tópicos de acordo com o que foi previsto no projeto de
pesquisa. Deve-se fazer esse levantamento de maneira aberta e imparcial, sabendo-
se que o mesmo tema e seus subtemas não serão igualmente propostos aos
129

diferentes entrevistados, pois isso dependerá também das características pessoais


de cada participante.
Segundo Cavalcante, Calixto e Pinheiro (2014, p. 15) “a construção de uma
pergunta na pesquisa qualitativa é uma tarefa dotada de complexidade e método,
pois requer uma imersão prévia no ente com o intuito de compreender o ser e sua
essência”. Por esse motivo, Minayo (2012, p. 626) entende que é necessário ao
pesquisador “dirigir-se informalmente ao cenário de pesquisa, buscando observar os
processos que nele ocorrem”. Segundo a autora, é preciso buscar uma aproximação
entre o quadro teórico e a realidade pesquisada, visando fazer com que o
pesquisador, por conseguinte, amplie seu olhar analítico durante todo o percurso do
trabalho de campo.
Seguindo essas recomendações, antes de realizar as entrevistas que
compuseram o material analítico deste estudo, a pesquisadora percorreu
informalmente o campo investigado, estabelecendo diálogos com profissionais do
sistema judiciário, que atuam diretamente com a temática violência doméstica e
familiar contra a mulher. Ela visitou uma ONG que realiza grupos de reflexão com
homens acusados de cometer violência contra a mulher e participou de eventos
científicos que abordaram a temática em questão. Além disso, a experiência
profissional da pesquisadora atuando nas Varas de Famílias do sistema judiciário
mineiro, também contribuiu para a exploração do campo de pesquisa.
Para alcançar o objetivo principal deste estudo, questionou-se se a Lei Maria
da Penha, aplicada no contexto de violência conjugal, cria possíveis obstáculos à
convivência do pai com os filhos. Para averiguar essa questão, a entrevista com os
homens acusados de cometerem agressão contra a mulher no contexto conjugal foi
iniciada com a seguinte pergunta disparadora: “Você foi acusado de ter praticado
violência contra mulher e por isso tem que cumprir algumas medidas judiciais.
Como está sua vida e o relacionamento com seus filhos após esse fato?”
No tópico seguinte, será feito o detalhamento do campo investigado e dos
participantes da pesquisa.
130

4.3 Dos Critérios para a Escolha do Campo Investigado

A pesquisa de campo foi realizada com sete homens acusados de praticar a


violência doméstica e familiar, selecionados nas Varas Criminais Especializadas de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Belo Horizonte, no
Estado de Minas Gerais. Até o período de encerramento da etapa de coleta de
informações, no mês de junho de 2016, a cidade de Belo Horizonte contava com
quatro varas criminais especializadas na matéria em questão, sendo as 13ª, 14ª, 15ª
e 16ª destinadas, exclusivamente, ao julgamento de crimes tipificados pela Lei
11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha.
A 13ª, 14ª e 15ª Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar são,
originalmente, varas criminais adaptadas para aplicar exclusivamente a Lei
11.340/06. Elas compõem um dos serviços oferecidos pelo Centro Integrado de
Atendimento à Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (CIM), situado na
Avenida Olegário Maciel, nº 600, na região central de Belo Horizonte/MG. O CIM foi
inaugurado no dia 05 de junho de 2009 e conta com outros serviços de atenção e
proteção à mulher vítima de violência, inclusive em parceria com o executivo.
A 16ª Vara Criminal, também especializada na aplicação da Lei 11.340/06, foi
inaugurada no dia 19 de agosto de 2014 e funciona em outro endereço: Rua
Curitiba, 632, 4º andar – Centro. Essa última foi criada para ter competência híbrida,
conforme Resolução 772/2014 – TJMG, cujo artigo 2º define que “a 16ª Vara
Criminal da Comarca de Belo Horizonte terá competência cível e criminal para
conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos da Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006”.
Mesmo com a referida Resolução em vigor, a desembargadora Kárin Liliane de Lima
Emmerich e Mendonça proferiu palestra no IV Congresso do Instituto Brasileiro de
Direito de Família (IBDFAM), realizado em Belo Horizonte, no ano de 2016 e afirmou
que “não existe no Brasil Juizado ou Vara com competência híbrida para julgar
matéria cível decorrente da Lei 11.340/06”.50 Segundo relatos de profissionais que

50
Palestra proferida pela Desembargadora responsável pela COMSIV – Coordenadoria da Mulher
em Situação de Violência Doméstica e Familiar – TJMG, no dia 30 de junho de 2016, no IV
Congresso IBDFAM/MG – O direito das famílias e das sucessões e o novo Processo Civil, 2016.
131

trabalham na referida secretaria criminal, os julgados se restringem à matéria


criminal, sendo as demandas cíveis encaminhadas para o juízo específico.
A escolha da Comarca de Belo Horizonte como local para realização da
pesquisa se deu por três motivos: o primeiro é devido à existência das Varas
Criminais Especializadas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;
segundo, em razão da expressiva demanda atendida pelo Judiciário na capital, cuja
estatística referente ao ano de 2015 revelou o montante de 40.020 51 processos no
acervo ativo das quatro varas criminais exclusivas para à aplicação da Lei
11.340/06; terceiro, devido à proximidade da pesquisadora com o campo
investigado, tendo em vista que é servidora pública do TJMG.
Inicialmente, cogitou-se recrutar os participantes da pesquisa nas Varas de
Família da capital, juízo competente para julgar matéria cível, inclusive decorrente
dos processos criminais referentes à Lei Maria da Penha. Tendo em vista que a
pesquisadora atua junto às Varas de Família da capital, na especialidade psicóloga
judicial, optou-se por realizar a pesquisa de campo nas Varas Criminais, visando
minimizar os riscos de enviesamento do estudo, mesmo considerando que os
processos de violência doméstica e familiar contra a mulher, envolvendo filhos
menores de idade, podem tramitar, concomitantemente, nas duas varas judiciais.
Por se tratar de uma pesquisa envolvendo seres humanos, foi necessário
submetê-la ao Comitê de Ética em Pesquisa, por meio do sistema eletrônico criado
pelo governo federal, denominado Plataforma Brasil. O Projeto de Pesquisa foi
submetido à plataforma no dia nove de setembro de 2015, com o título “Os efeitos
da aplicação da Lei Maria da Penha na convivência dos filhos com o pai.” No mês
seguinte, dia 29 de outubro de 2015, recebeu-se o parecer consubstanciado do
CEP, registro número 1.301.823, com aprovação da pesquisa sem necessidade de
apreciação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). O cronograma
de execução aprovado sofreu alteração, tendo em vista que seu início, previsto para
dezembro do ano de 2015, foi adiado para janeiro do ano seguinte, devido ao
recesso forense. A última etapa, dedicada à análise das entrevistas, cujo término
estava previsto para o mês de abril do ano de 2016, foi encerrada em junho do
mesmo ano. As mudanças no cronograma não causaram prejuízos ao
desenvolvimento da pesquisa e não comprometeram seus resultados.
132

Atendendo às exigências do CEP, dois documentos foram produzidos e


submetidos à avaliação na Plataforma Brasil: a declaração do representante do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais autorizando a pesquisa na instituição judiciária e
o modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para ser assinado pelos
participantes entrevistados.
O Termo de Concordância do representante da instituição foi assinado pelo
Juiz Auxiliar da Corregedoria e Diretor do Foro da Capital, autorizando à realização
do estudo nas Varas Criminais Especializadas destinadas à aplicação da Lei 11.340.
Tal documento foi assinado quando da visita da pesquisadora ao Fórum Lafayette,
ocasião em que apresentou o planejamento da pesquisa, com uma breve exposição
do tema, do problema a ser pesquisado, da sua relevância social, dos cuidados
éticos e formas de utilização dos resultados. Além do juiz corregedor, houve
concordância do Juiz de Direito Titular da 15ª Vara Criminal, que disponibilizou todo
o acervo de sua secretaria, ressalvando a importância de se resguardar o princípio
do segredo de justiça. Esse magistrado autorizou o contato com a equipe técnica
composta por psicólogos e assistentes sociais que assessoram as 13ª, 14ª, 15ª e
16ª Varas Criminais, para realizar a etapa de recrutamento, compreendida como a
fase de seleção dos participantes, em que os processos foram lidos e os contatos
realizados, conforme será descrito no próximo subitem.
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi elaborado pela
pesquisadora contendo o título do projeto, o objetivo da pesquisa, a finalidade da
entrevista e outras informações sobre o sigilo, os riscos e os benefícios, o caráter
livre e voluntário da participação e como será feita a divulgação dos resultados. Ao
final, os espaços para data e assinatura do participante, formalizando seu
consentimento livre e esclarecido.

4.3.1 Seleção dos Participantes da Pesquisa

O público da pesquisa foi composto de sete homens, designados como réus,


com processo criminal nas varas de competência exclusiva para aplicação da Lei

51
Portal Transparência. TJ em Números.
133

11.340/06, em Belo Horizonte, e cumprindo medidas protetivas aplicadas em favor


da suposta vítima. Os critérios adotados para seleção dos participantes foram: i)
possuir filhos menores de idade com a mulher supostamente vítima; ii) a guarda dos
filhos ser exercida pela mulher ou outro familiar; iii) processo ativo com aplicação de
medidas protetivas, mas sem julgamento da ação.
O período entre a seleção dos participantes e a conclusão das entrevistas
perdurou de janeiro a junho de 2016, perfazendo o total de seis meses. O
levantamento e a leitura de processos para identificação dos participantes foram
realizados no setor técnico, constituído por psicólogos e assistentes sociais, que
atendem às mencionadas varas criminais, que compõem o campo investigado. A
pesquisadora foi auxiliada pela secretária do setor, que ficou encarregada de
disponibilizar os processos para leitura e, posteriormente, de devolvê-los ao mesmo
local. Quando necessário, ela se encarregou de solicitar os autos à secretaria.
Decidiu-se iniciar os trabalhos com a leitura de processos mais antigos, cuja
distribuição para o setor técnico ocorreu no mês de agosto de 2015, intercalando-a
com a leitura de processos mais recentes, despachados para o setor técnico no mês
de janeiro de 2016.
Na etapa de seleção e recrutamento dos participantes, foram necessárias
quatro visitas ao prédio onde fica o setor técnico que atende às 13ª, 14ª e 15ª Varas
Criminais. Dois aspectos despertaram a atenção da pesquisadora. O primeiro
aspecto se refere à desproporcionalidade entre a quantidade de processos com
determinação de estudo técnico e o número reduzido de profissionais de psicologia
e do serviço social para atender à ampla demanda. À época da pesquisa de campo,
a equipe interprofissional contava com três psicólogos e cinco assistentes sociais. O
outro diz respeito à variedade de situações identificadas nos autos: queixas
relacionadas à violência sexual contra crianças do sexo feminino, brigas entre irmãs
por motivos fúteis, desentendimentos entre nora e sogra, violência contra idoso e
outras demandas, cujo conflito de gênero não era facilmente identificado. Esse
aspecto exigiu um dispêndio maior de tempo para finalizar a leitura dos autos, tendo
em vista ser o objetivo dessa etapa o levantamento de casos em que os homens
estavam sendo acusados de praticar a violência contra a mulher, a mãe de filhos em
comum. Percebeu-se, em alguns processos, o uso exacerbado da justiça para
solucionar determinados impasses da vida cotidiana, que poderiam ser resolvidos
em vias alternativas à judicial. Esse fenômeno, denominado judicialização, tinha sido
134

abordado anteriormente na pesquisa e constituiu-se como uma das categorias para


a análise das entrevistas.
Em média, foram manuseados 100 processos, todos ativos, sem julgamento,
ou seja, sem sentença de condenação ou absolvição da parte acusada. Desses,
foram selecionados 35 para leitura, priorizando aqueles em que constavam o
endereço e o número de telefone do acusado. Posteriormente, levando em conta os
demais critérios mencionados – a existência de filhos menores da suposta vítima
com o acusado e o fato de este não ser o detentor da guarda – foram selecionados
12 processos para realizar o contato com os homens acusados, quantidade superior
ao número desejado de participantes, considerando que seria preciso um para
entrevista-piloto e seis para compor o público da pesquisa.
Os participantes em potencial foram contatados por meio de ligação
telefônica, momento em que foi exposto, sucintamente, o objetivo e a relevância da
pesquisa. A forma escolhida para contatá-los demonstrou, em alguns casos, ter
favorecido o aceite e o compromisso de comparecimento às entrevistas. No entanto,
a pesquisadora deparou-se com situações em que as pessoas não aceitaram
participar por diferentes motivos. Houve um caso em que uma delas alegou sentir-se
muito fragilizada com os efeitos da denúncia; outras alegaram que o convívio com o
filho tinha sido restaurado; houve casos em que não se obteve êxito com as
tentativas de contato telefônico e, por fim, um dos possíveis entrevistados não
compareceu ao agendamento. Assim, prolongou-se o período de tempo para
compor o grupo de sete homens dispostos a participarem das entrevistas. Por esse
motivo, o prazo previsto no cronograma inicial da pesquisa para seleção dos
participantes foi ultrapassado.
Ao realizar o convite para a participação voluntária, a priori, foram propostos
dois locais onde poderiam ocorrer as entrevistas: no Fórum Lafayette, numa sala de
atendimento adequada, considerando a importância do sigilo e a segurança do
entrevistado; ou na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas),
campus Coração Eucarístico, no espaço de uma sala de aula desocupada, também
apropriada para receber o entrevistado. Dos sete participantes, seis optaram por
serem ouvidos no Fórum Lafayette, alegando maior facilidade de acesso devido à
sua localização na área central da cidade. Nesse caso, foram recebidos em uma
sala de atendimento da Central de Serviço Social e Psicologia, setor destinado ao
atendimento das Varas de Família do Fórum de Belo Horizonte. Um dos
135

participantes demandou ser entrevistado no seu local de trabalho, e seu pedido foi
prontamente atendido. Assim, a pesquisadora se deslocou até o local no horário
agendado, tendo sido recebida em uma sala reservada, em condições adequadas
ao sigilo.
As entrevistas individuais com os sete participantes foram marcadas para dias
e horários diferentes, em conformidade com a disponibilidade de cada um. No início
de cada entrevista realizou-se o acolhimento visando estabelecer uma relação
empática e proporcionar ao entrevistado um ambiente seguro. Em seguida, foram
dadas explicações a respeito do objetivo principal da pesquisa, da sua não
vinculação com o processo judicial a que o sujeito estava respondendo na justiça, do
sigilo das informações e da forma como os dados obtidos seriam divulgados. Lido o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, depois de assinado em duas vias,
uma delas foi entregue ao entrevistado.
As respostas dos participantes foram registradas no momento da entrevista,
mediante o uso de papel e caneta, considerando ser essa a forma de registro em
que a pesquisadora se sente mais à vontade para utilizar. Além disso, por se tratar
de homens acusados de praticar a violência doméstica contra a mulher e
respondendo a processo criminal, o uso de gravador poderia causar medo,
ansiedade e resistência. Outras anotações foram complementadas, no diário de
campo, depois do término do encontro. Realizada a entrevista com cada
participante, que teve a duração aproximada de duas horas, ela foi encerrada
segundo o critério de saturação do assunto.

4.3.2 Caracterização dos Participantes

Os participantes das entrevistas são homens, adultos e possuem filhos.


Alguns relataram ter sofrido mais de uma denúncia de prática de violência contra a
mulher, que se configura como vítima e denunciante. No início da pesquisa, todos
possuíam processos ativos, portanto não haviam sido julgados, embora estivessem
cumprindo as medidas protetivas. Com a finalidade de resguardar o sigilo sobre a
identidade dos participantes, evitou-se o detalhamento do seu perfil e, além disso,
136

foram atribuídos nomes fictícios a cada um deles. As variáveis – nome, idade,


escolaridade, número de filhos com a suposta vítima – aparecem no quadro abaixo:

Quadro 2 - Caracterização dos participantes


Nome* Idade Escolaridade Número de filhos
Francisco 38 anos Ensino Médio Completo 1
Paulo 44 anos Curso Superior Completo 1
Jorge 56 anos Ensino Médio Completo 1
Mateus 47 anos Ensino Superior Completo 1
Tadeu 43 anos Ensino Fundamental 3
Incompleto
Rodrigo 48 anos Não informada 4
Gustavo 46 anos Ensino Superior Completo 1
*Nomes fictícios.

Os sete entrevistados tiveram um relacionamento afetivo, namoro, casamento


oficial ou união estável com as mães dos filhos, sendo que a denúncia de violência
doméstica ocorreu quando já estavam, de dois a quatro anos, separados. De
maneiras diferentes, as sete histórias foram permeadas por demandas cíveis
relativas à guarda, a visitas, a alimentos e/ou à partilha de bens.
Durante as entrevistas, os participantes pareceram motivados a falar sobre
sua situação no relacionamento com os filhos depois de aplicadas as medidas
protetivas. Eles expressaram expectativa de que a pesquisa contribuísse para a
mudança de atitude por parte dos operadores do direito e da sociedade em geral, no
que tange ao tratamento dispensado aos homens acusados de praticarem a
violência doméstica e familiar contra a mulher. Assim sendo, manifestaram interesse
de obter informações sobre os resultados deste estudo e solicitaram o envio da tese.
Mencionaram que há esperança de que a pesquisa reflita não só no modo de se
fazer justiça, como na divulgação de novos conhecimentos sobre o assunto.
A escolha da entrevista aberta, iniciada com uma pergunta disparadora,
propiciou maior liberdade aos entrevistados para exporem suas ideias, seus medos,
suas fantasias, suas expectativas e seus planos. A pesquisadora, por sua vez,
orientou-se pela fala dos entrevistados e, quando necessário, foram realizadas
pontuações no sentido de pedir esclarecimento a respeito de alguma fala ou
informação não compreendida, ou de algum tópico importante, mas não abordado
espontaneamente pelo entrevistado. O propósito desse tipo de entrevista é
aprofundar as particularidades de cada história contada e captar a experiência
137

singular vivida por cada um dos entrevistados, sem perder de vista o objetivo da
pesquisa.
No decorrer das entrevistas, alguns participantes se revelaram mais emotivos,
com manifestação de choro, dizendo-se perplexos e desnorteados com os efeitos da
Lei Maria da Penha no relacionamento com os filhos. Outros expuseram sentimento
de raiva e revolta, não só em relação à mulher, mas principalmente em relação à
justiça, por se sentirem lesados mediante a imposição das medidas protetivas sem a
apuração dos fatos. De modo geral, os sete entrevistados demonstraram atitude
empática e colaborativa com a pesquisadora, dispondo-se a participar de novas
entrevistas, caso fosse necessário a complementação das informações.

4.4 Estratégia de Análise e Interpretação das Informações

De acordo com Alencar (2004), a análise dos dados deve ser realizada após
cada etapa do trabalho de campo. O autor explica que esse procedimento consiste
na checagem de todo material coletado para permitir a orientação e a realização da
etapa seguinte da pesquisa. Essa análise parcial das informações (trabalho de
campo-análise-trabalho de campo-análise e assim por diante) indica o caráter
interativo da pesquisa qualitativa e pode auxiliar na identificação de novas situações
a serem observadas e das fontes secundárias a serem consultadas novamente,
caso seja necessário.
Bardin (2011) propõe, como ferramenta para auxiliar nessa fase da pesquisa,
a análise de conteúdo, sugerindo que esse método seja organizado em três etapas,
iniciando-se pela pré-análise, seguida da exploração do material e, por fim, pelo
tratamento dos resultados por meio da inferência e da interpretação. Neste estudo, a
análise e a interpretação das informações colhidas nas entrevistas foram feitas
segundo o método proposto por Bardin (2011).
A primeira etapa de pré-análise consistiu na checagem de todo o material
colhido nas entrevistas, com o objetivo de organização em formato de relatos e
posterior digitação, para facilitar o manuseio do material. Nessa etapa, decidiu-se
incluir a entrevista-piloto junto ao material a ser analisado, tendo em vista que não
houve alterações em seu formato e manejo.
138

Bardin (2011) didaticamente expõe que, na pré-análise, o pesquisador deve


seguir alguns procedimentos, como:
a) a leitura flutuante;
b) a escolha dos documentos;
c) a formulação das hipóteses e dos objetivos;
d) a referenciação dos índices e a elaboração de indicadores;
e) a preparação do material.
No momento da organização dos dados, tomando por base os passos
indicados por Fontanella, Campos e Turato (2006), a redação das palavras foi feita
de acordo com a norma culta, visando obter maior produtividade nas etapas
posteriores. As estruturas sintáticas indicadoras do universo sociocultural dos
entrevistados foram mantidas, tendo em vista seus significados interpretáveis.
Na etapa de exploração do material, foram realizadas a codificação e a
categorização das entrevistas construindo-se os analisadores. A categorização “é
uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por
diferenciação e, em seguida, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com
os critérios previamente definidos” (BARDIN, 2011, p. 147).
Campos e Turato (2009) asseveram que a análise do conteúdo das
entrevistas se dá a partir de inferências e possibilita que a interpretação seja feita
sob a perspectiva dos indivíduos estudados, e não pela visão do pesquisador. Assim
sendo, são construídas as categorias que exprimem significados importantes que
atendem aos objetivos do estudo e, além disso, contribuem para o surgimento de
novos conhecimentos. A respeito da categorização, Campos e Turato (2009)
pontuam que “o processo de categorização pode ser compreendido como um
processo de apresentação didático-científica dos resultados e discussões”. Eles
propõem que, para a escolha das categorias, sejam usados os critérios de
relevância, assinalando que a palavra relevância denota

um tema importante que, embora não apresente repetição numérica dentre


os relatos, sua importância para responder às hipóteses inicialmente
formuladas mostra-se de grande potencial e riqueza para o
desenvolvimento de conhecimentos novos, garantindo, por si só, material
consistente para maior aprofundamento do fenômeno (CAMPOS; TURATO,
2009, p.127).
139

Considerando o conteúdo das entrevistas foram construídas duas matrizes de


análise: Convivência Familiar e Processos de Criminalização. Destas, extraíram-se
cinco analisadores, a saber: entre o conjugal e o parental; relação paterno-filial;
repercussão social; dispositivos penalizadores e implicações da judicialização.
Usando os analisadores mencionados e baseando-se no referencial teórico da
pesquisa, buscou-se responder à questão inicial: As medidas protetivas decorrentes
da Lei Maria da Penha repercutiram na convivência dos filhos com o pai, suposto
autor de agressão contra a mulher?
A etapa final de interpretação da narrativa dos entrevistados será apresentada
no capítulo seguinte.
140

5 RESULTADOS

Este capítulo foi dividido em dois tópicos. Primeiramente, apresenta-se uma


breve explanação das histórias contadas pelos sete homens entrevistados,
circunscritas pela Lei Maria da Penha, com foco na convivência paterna dos
acusados com os respectivos filhos. Em seguida, realizou-se a análise de conteúdo
das entrevistas utilizando-se os analisadores: 1. Entre o conjugal e o parental; 2.
Relação paterno-filial; 3. Repercussão social; 4. Dispositivos penalizadores; 5.
Implicações da judicialização. Os dois primeiros foram extraídos da matriz analítica
“Convivência Familiar” e os demais de “Processos de Criminalização”. Das histórias
contadas por Francisco, Paulo, Jorge, Mateus, Tadeu, Rodrigo e Gustavo,52 faz-se
importante frisar que não se caracterizou como objeto de análise a violência contra a
mulher, logo, não foram exploradas questões relativas à desigualdade de gênero,
aos motivos que explicam a violência e aos meios eficazes para combatê-la.
Todavia, isso não significa atribuir pouca importância ao debate sobre gênero e
violência doméstica e familiar contra a mulher, nem também desconsiderar a
necessidade de se criar meios de combate às desigualdades motivadas pela
diferença de gênero.

5.1 Das Histórias Contadas nos Autos

Caso 1. “De pai guardião a visitante” (Francisco)


Francisco, 38 anos de idade, separado da suposta vítima há três anos, pai de
uma criança com 10 anos de idade nascida desse relacionamento, cuja guarda era
exercida pelo mesmo após a separação conjugal. Ele foi acusado pela ex-mulher de
cometer violência contra ela, depois do rompimento da conjugalidade, à época em
que ainda mantinham contato em virtude do filho em comum. Foram aplicadas
medidas protetivas em favor da mulher, proibindo não só o contato e a aproximação
do entrevistado em relação à ofendida, aos familiares desta, bem como a
141

frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e


psicológica da mulher. Na data da entrevista de pesquisa, Francisco relatou que as
medidas haviam sido aplicadas há dez meses e que, somente depois de passados
sete meses, o juiz criminal determinou a realização de estudo por equipe
interprofissional. Assinalou que, transcorridos três meses do despacho, o estudo
ainda não havia sido realizado. Na opinião de Francisco, o processo criminal teve
desdobramentos na Vara de Família, contribuindo para que ele perdesse a guarda
do filho e seu convívio ficasse restrito às visitas, com frequência quinzenal. O
entrevistado acusa a ex-mulher de praticar a alienação parental.

Caso 2. “Quem manda na casa dela são as mulheres” (Paulo)


Paulo, 44 anos de idade, divorciado da autora da acusação há dois anos, pai
de uma menina de cinco anos de idade, nascida desse relacionamento. Ele foi
acusado pela ex-mulher de praticar violência sexual contra a filha quando já estava
separado e seu contato com a criança ocorria através das suas visitas com
frequência quinzenal. Não tinha um bom relacionamento com a ex-mulher depois do
fim do casamento, e tudo piorou com a denúncia. Foram aplicadas medidas
protetivas em favor da criança, com a suspensão das visitas paternas. Ele informou
que essas medidas protetivas repercutiram nas decisões da Vara de Família e
alegou que teve todos os pedidos, relacionados à convivência paterna, negados pela
juíza responsável pelo processo. Relatou que estava há doze meses sem ter contato
com a filha e, à época da entrevista de pesquisa, havia sido atendido pela equipe
técnica da vara criminal e aguardava o resultado dos estudos psicológico e social.

Caso 3. “A história da mocinha e do bandido” (Jorge)


Jorge, 56 anos de idade, relatou que rompeu o relacionamento com a suposta
vítima há dois anos. É pai de uma criança do sexo masculino, de sete anos de
idade, nascida desse relacionamento conjugal, que ele denominou de namoro.
Acusado pela ex-companheira de praticar violência psicológica (ameaça), foram
aplicadas medidas protetivas em seu desfavor, proibindo-lhe o contato e a
aproximação com a ofendida e os familiares e a frequentação de determinados
lugares, a fim de preservar a integridade física e psicológica da suposta vítima. Além

52
Nomes fictícios.
142

das medidas convencionais, foi determinada sua participação obrigatória em um


grupo de reflexão dirigido a agressores. À época, ficou afastado do filho por cinco
meses. As medidas haviam sido aplicadas há onze meses, considerando a data da
entrevista de pesquisa, sendo o estudo técnico determinado nos autos depois de
quatro meses e, passados sete meses, ainda não havia sido realizado.

Caso 4. “É como uma marca de touro no corpo” (Mateus)


Mateus, 47 anos de idade, divorciado da suposta ofendida há três anos, pai
de um adolescente com 12 anos de idade nascido desse relacionamento. Segundo
relatou, teve um divórcio litigioso motivado pela partilha de bens e, depois que já
estava separado, foi acusado pela ex-mulher de praticar violência física contra ela.
Por isso, foram aplicadas as medidas protetivas de proibição de contato e
aproximação com a ofendida e os familiares desta, e sua frequência em
determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da
denunciante. À época, contratou uma pessoa para buscar o filho na casa da ex-
mulher nos dias estipulados para a visitação até ser acusado de cometer violência
física contra o menor. A ex-mulher pediu extensão da medida protetiva para o filho e,
como seu pedido foi negado na Vara Criminal, entrou com uma nova ação na Vara
da Infância e Juventude, acusando-o de agressão contra a criança, além de pedir a
suspensão de visitas paternas na Vara de Família. Ambos os processos não foram
adiante e, segundo relatou, a ex-mulher foi advertida pelo juiz da Vara de Família de
estar fazendo alienação parental com a criança. Na data da entrevista de pesquisa,
completavam-se oito meses que o entrevistado não tinha contato com o filho, sendo
que estava há dois anos e um mês cumprindo as medidas protetivas. Ademais,
aguardava há seis meses a realização de estudo técnico, conforme determinação do
juiz da Vara Criminal. O entrevistado disse que impetrou uma ação de alienação
parental contra a ex-mulher na Vara de Família.

Caso 5. “É quase uma inquisição” (Tadeu)


Tadeu, 43 anos de idade, divorciado da suposta vítima há dois anos, pai de
três filhas, com idades de 20, 13 e 6 anos, nascidas desse relacionamento. Relatou
que, no primeiro processo criminal, foi acusado de praticar violência psicológica
contra a ex-mulher e, por ausência de provas, a ação foi arquivada. Posteriormente,
foi acusado por ela de crime de perturbação de sossego, sendo aplicadas as
143

medidas protetivas em seu desfavor, proibindo-lhe o contato e a aproximação com a


ofendida e os familiares e a frequentação de determinados lugares a fim de
preservar a integridade física e psicológica da mesma. Na data da entrevista de
pesquisa, estava há onze meses cumprindo as medidas protetivas e impossibilitado
de ter contato com as filhas mais velhas, que passaram a esnobá-lo e a não aceitar
sua interferência na vida delas. O estudo técnico na Vara Criminal foi realizado
depois de nove meses do despacho judicial. O entrevistado relatou que entrou com
uma ação de Alienação Parental contra a ex-mulher na Vara de Família.

Caso 6. “Nunca fui ouvido: só eu que estou errado?” (Rodrigo)


Rodrigo, 48 anos de idade, divorciado da suposta vítima há quatro anos, pai
de seis filhos, sendo os menores com idades de 17, 15, 10 e 8 anos, nascidos desse
relacionamento. Foi acusado pela ex-mulher de praticar violência física e psicológica
contra ela. Foram aplicadas medidas protetivas em seu desfavor, proibindo-lhe o
contato e a aproximação com a ofendida e os familiares e a frequentação de
determinados lugares, a fim de preservar a integridade física e psicológica da
denunciante. Segundo relatou, em função de reiteradas denúncias feitas pela ex-
mulher de que ele não estava cumprindo a medida, o juiz criminal determinou o uso
da tornozeleira eletrônica. Diga-se, de passagem, que Rodrigo é vizinho da ex-
mulher. Concomitantemente ao processo na Vara Criminal, o entrevistado perdeu a
guarda dos filhos na Vara de Família, sendo resguardado seu direito de visitação.
Desde as ocorrências relatadas, não havia tido contato com a filha mais velha, uma
vez que esta não aceitava seu convívio. Na percepção dele, a adolescente se
beneficia do seu afastamento porque, assim, pode usufruir de maior liberdade. Ele
relatou que nunca foi atendido pela equipe técnica da Vara Criminal, embora fosse
seu interesse receber atendimento no setor psicossocial. Logo após encerrar a
pesquisa de campo, teve-se notícia de que o processo criminal de Rodrigo havia
sido arquivado.

Caso 7. “O pai bandido” (Gustavo)


Gustavo, 46 anos de idade, na data da entrevista relatou que havia rompido o
namoro com a suposta vítima há três anos. É pai de uma criança do sexo feminino,
dois anos e seis meses de idade, nascida desse relacionamento amoroso. Foi
acusado pela ex-namorada de praticar violência física contra ela, sendo aplicadas
144

medidas protetivas em seu desfavor, proibindo-lhe o contato e a aproximação com a


ofendida e os familiares e a frequentação de determinados lugares a fim de
preservar a integridade física e psicológica da suposta vítima. O pedido de extensão
das medidas protetivas para a criança, conforme pretendido pela mãe, foi negado
pelo juiz, que determinou, primeiramente, a realização do estudo pela equipe
interprofissional da Vara Criminal. Transcorridos três meses, o estudo técnico foi
realizado e, segundo relatou, foi constatada a ausência de elementos que
justificassem a extensão das medidas para a criança. O entrevistado queixou-se de
que, mesmo assim, estava há um ano sem ter contato com a filha tendo sido
obrigado, com outros supostos agressores, a participar de um grupo de reflexão.
Paralelamente ao processo criminal, o entrevistado impetrou ação de guarda da filha
junto à Vara de Família, acusando a ex-namorada de praticar Alienação Parental.

5.2 Análise e Interpretação das Entrevistas

A partir da análise de conteúdo das entrevistas, extraíram-se cinco analisadores,


conforme o modelo proposto por Bardin (2011) para explicar a construção das
categorias. Segue abaixo o quadro com a descrição dos analisadores.

Quadro 3 - Dispositivos analisadores


Matrizes Analisadores Conteúdos analisados
analíticas
Retrata-se a distinção entre conjugalidade e parentalidade
Entre o Conjugal e na perspectiva dos entrevistados e a maneira como a
o Parental parentalidade é administrada em um contexto de conflito
entre o ex-casal.
Examinam-se aspectos da convivência do pai com os filhos
Convivência
Relação Paterno- após a aplicação das medidas protetivas decorrentes da
Familiar filial Lei Maria da Penha, levando em consideração as possíveis
consequências das medidas para o exercício da
paternidade.
Repercussão Analisa-se a repercussão social das medidas protetivas e
Social sua influência no que se refere ao direito do exercício da
paternidade dos homens acusados de praticar a violência
Processos de contra a mulher.
Dispositivos Examina-se, a partir dos relatos, a concepção dos
Criminalização
Penalizadores entrevistados a respeito das medidas educativas e penais e
também seus efeitos sobre suas vidas.
Implicações da Explicam-se as implicações da judicialização para os
Judicialização homens acusados, no que tange à preservação do vínculo
familiar com os filhos.
145

5.2.1 Entre o Conjugal e o Parental

Por meio das entrevistas de pesquisa, constatou-se que os entrevistados já


haviam rompido o relacionamento conjugal quando foram acusados pelas ex-
companheiras de praticar a violência de gênero. Assim sendo, o contato que
mantinham com elas era justificado pela existência de filhos em comum. Porém, os
fatores motivadores do conflito não foram, necessariamente, relacionados aos filhos,
mas sim a questões ligadas ao contexto financeiro, à interferência na vida pessoal
um do outro e, de modo geral, aos restos cíveis não resolvidos e desembocados na
instância criminal. Antes da imposição das medidas protetivas decorrentes da Lei
Maria da Penha, existia ação judicial de litígio tramitando na Vara de Família,
revelando pontos de conflito e de discordância a respeito de assuntos atinentes ao
divórcio ou à dissolução da união estável, como guarda, partilha e alimentos.
Observou-se, pelos relatos, que as demandas que deveriam ser discutidas no
âmbito do casal, ou melhor dizendo, do ex-casal, ao não serem resolvidas,
refletiram-se no manejo da convivência com os filhos, gerando afastamentos e
reforçando a guarda unilateral em favor da mulher. É de se lembrar que, durante o
período da pesquisa, nenhum dos homens entrevistados era detentor da guarda dos
filhos ou a compartilhava.
Nesse sentido, as entrevistas evidenciaram que conjugalidade e
parentalidade, apesar de distintas, facilmente se misturam aos contextos em que as
demandas conjugais e a desigualdade de gênero estão afloradas. Seja devido ao
conflito iniciado na esfera cível, seja por motivo de violência discutida na seara
criminal, o fato é que, quando o problema envolve as sobras da conjugalidade, a
exposição dos filhos é maior e a chance de sofrerem as consequências da
desarmonia entre os pais aumenta. Conforme visto, Brito (2003) chama a atenção
para a importância de se proteger a convivência familiar dos filhos em situações de
rompimento conjugal dos pais. As recomendações da autora alertam: “Retirar as
alianças sem quebrar a solidez essencial dos papéis parentais, mantendo-se a dupla
inscrição do sistema de filiação, ou seja, as linhagens materna e paterna” (BRITO,
2003, p. 326).
Os entrevistados pareciam convictos de que as demandas cíveis não
resolvidas geraram o processo criminal e, por conseguinte, o afastamento em
146

relação aos filhos. Quando das entrevistas, todos possuíam processos ativos na
Vara de Família. A queixa dos entrevistados, pais de filhos na faixa etária da
adolescência, além de se referir ao afastamento, abarcava a perda de autoridade.
Na visão deles, os filhos, ora se identificavam com o discurso da mãe, ora
aproveitavam de seu distanciamento para usufruírem de uma rotina com
afrouxamento das regras e, por consequência, com maior liberdade. Alguns dos
entrevistados relataram que perderam o contato com os filhos desde que foram
aplicadas as medidas protetivas de afastamento e proibição de aproximação em
relação à ofendida; outros, mesmo com as dificuldades impostas pelas medidas
protetivas, conseguiam manter contato com os filhos nos dias estipulados para as
visitas.
Cabe lembrar que a pesquisa denominada “Separação, divórcio e guarda de
filhos”, coordenada por Brito (2008), no Rio de Janeiro, entre os anos de 1999 a
2002, apontou uma série de dificuldades dos participantes para administrarem os
papéis parentais após o rompimento da conjugalidade. Nos anos posteriores, a
mesma autora deu continuidade ao estudo – cujo tema investigado foi “Rompimento
conjugal e Parentalidade” (2008) – desvelando alguns aspectos da experiência
daqueles que vivenciam o rompimento conjugal, numa relação em que existem
filhos. O grupo de pessoas entrevistadas demonstrou que a extinção da
conjugalidade não fez cessar os conflitos e que estes repercutiram na convivência
com os filhos. Constatou-se, com base nos resultados que

[...] o desenlace conjugal pode acarretar uma série de mudanças no


cotidiano dos membros da família, com alterações no desempenho dos
papéis parentais e no relacionamento entre pais e filhos, considerando-se
também a impossibilidade de se pensar no papel do pai independentemente
do da mãe. (BRITO, 2008, p. 18/19).

Embora o cenário aqui investigado seja a convivência paterno-filial no


contexto da violência conjugal contra a mulher, as demandas cíveis sobressaíram na
fala dos entrevistados, reforçando a percepção de que a linha divisória entre
conjugalidade e parentalidade é frágil nos contextos em que persistem os conflitos
conjugais após o fim do relacionamento. A proximidade cultural e historicamente
explicada entre o feminino e a maternidade contribui para que, em casos de
violência contra a mulher, predomine a guarda dos filhos com a mãe em prejuízo da
convivência com o pai. Os homens participantes dessa pesquisa afirmaram que
147

possuíam um bom relacionamento com os filhos na constância do casamento e que


os problemas relativos à convivência paterno-filial despontaram depois da aplicação
das medidas protetivas decorrentes da Lei Maria da Penha.
Paulo, acusado pela ex-esposa de praticar violência sexual contra a filha de
cinco anos de idade, mostrou-se perplexo frente à natureza da acusação e de suas
consequências. No entanto, afirmou que sua ex-mulher já sinalizava que, em caso
de separação, a convivência dele com a filha seria cerceada. Destarte, entendia que
a acusação foi usada como subterfúgio para afastá-lo da criança. Contudo,
assinalou que, no passado, não imaginava que sua ex-mulher seria capaz de
levantar uma suspeita de tamanha gravidade e geradora de consequências. Expôs
os acontecimentos do passado interpretados à luz do problema vivido na atualidade.

Sempre tive problemas no casamento e minha ex-mulher não me dava


liberdade de sair com minha filha. Já avisava que, se um dia a gente se
separasse, eu poderia pegar T., mas teria que devolver no mesmo dia.
(Paulo)

O mesmo entrevistado relatou que, após a separação, insistiu com a ex-


mulher para realizar as visitas com pernoite e, por um determinado período, sua
convivência aconteceu da forma pretendida. Entretanto, logo surgiu a acusação de
abuso sexual perpetrado contra a filha, e ele foi enquadrado na Lei Maria da Penha,
em função da suposta vítima ser do sexo feminino. Como resultado, foi aplicada a
medida protetiva de suspensão das visitas paternas, prevista no artigo 22, inciso IV,
da Lei 11.340/06. Na data em que participou da entrevista, informou que estava há
mais de um ano sem conviver com a criança.
Amendola (2009), em seu livro sobre falsas acusações de abuso sexual,
comentou o resultado de pesquisas sobre o tema realizadas nos Estados Unidos, na
década de 1980. Esses estudos revelaram um aumento do número de acusações
feitas pelas mães contra o pai de seus filhos no contexto de rompimento conjugal.
No Brasil, a autora citada conduziu uma pesquisa com dez pais, provenientes dos
estados brasileiros – Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul
e Goiás – acusados de cometer abuso sexual. Segundo informações obtidas na
publicação da referida pesquisa, todos os entrevistados foram acusados de cometer
abuso sexual contra seus filhos, após a separação conjugal e depois que
148

requereram, na justiça, a regulamentação da convivência com os filhos ou alguma


definição referente à pensão alimentícia. A autora pondera:

Nos casos em que as alegações de abuso sexual estão inseridas no


contexto da separação conjugal, constatamos que a principal consequência
é o total afastamento do genitor acusado, normalmente, o pai não-guardião,
pela suspensão de visitas como medida protetiva judicial. (AMENDOLA,
2009, p. 141).

No que se refere ao afastamento dos filhos, Amendola (2009) acrescenta que


identificou casos em que as mães, para manterem o distanciamento do pai em
relação à prole, associaram o processo de abuso a ações de outra natureza,
tornando a situação ainda mais complexa.
Francisco relatou que, no início da separação, ficou com a guarda de fato do
filho, obtendo o consentimento da ex-esposa.

“Eu fiquei com a guarda do meu filho quando ocorreu a separação porque a
minha ex-mulher achou melhor assim.” (Francisco)

Quando resolveu regulamentar a guarda na justiça, ele começou a enfrentar


atritos com a mãe da criança, ora em torno da educação do filho, ora por
interferência dela em sua vida pessoal. As discussões foram tomando proporções
maiores, até que ocorreu uma altercação no espaço público, dentro da escola do
filho, gerando um Boletim de Ocorrência.

“As brigas pela guarda começaram e recebi ameaça do namorado da minha


ex-mulher.” “Ela começou a mexer nas minhas coisas quando ia na minha
casa levar o nosso filho.” “Brigamos dentro da escola dele, e ela me xingou,
cuspiu e ameaçou.” “Depois registrou um Boletim de Ocorrência me
acusando de praticar violência contra ela”. (Francisco)

O entrevistado disse que o resultado da acusação, respaldada pela Lei Maria


da Penha, culminou na alteração de guarda em favor de sua ex-esposa. De
guardião, Francisco passou a pai visitante, com autorização para estar com o filho
somente aos finais de semana alternados. Além disso, foi necessário que um
terceiro se encarregasse de buscar a criança na casa de sua ex e devolvê-la em
razão das medidas protetivas proibindo sua aproximação.
Ambos, Paulo e Francisco, expressaram que as ex-companheiras foram
responsáveis pelo afastamento dos filhos, tendo em vista a natureza das acusações
149

que pesaram sobre as decisões judiciais. Para eles, os problemas na esfera da


conjugalidade prejudicaram o exercício da paternidade, gerando o distanciamento da
prole. Francisco perdeu a guarda do filho, e Paulo teve as visitas paternas
suspensas por tempo indeterminado. Eles alegaram que as medidas protetivas
foram usadas com o objetivo de prejudicá-los.
Jorge narrou a história de um relacionamento que ele classificou de namoro,
embora tenha comentado que a ex-parceira insistia no reconhecimento de uma
união estável. Contou que foi acusado de praticar a violência contra a mulher na
circunstância de um litígio na Vara de Família, cuja centralidade era o
reconhecimento da união estável, a partilha de um imóvel e a pensão alimentícia.
Ele compareceu à entrevista completamente revoltado com a ex-namorada,
queixando-se de prejuízos na esfera do relacionamento com o filho.

“Nunca confiei na mãe do meu filho”[...] “Estou exaurido de tantas


exigências financeiras.” “Depois que terminei o relacionamento, se não
fosse agradando A., não conseguia ver meu filho.”(Jorge)

A fala do entrevistado reflete a fusão mulher/mãe e como essas categorias


aparecem juntas, quase sem distinção, dificultando a separação entre o que é
demanda ou direito da mulher e o que se situa na esfera dos direitos e deveres
parentais em contextos de rompimento conjugal. Jorge se queixou de receber
chantagens de cunho financeiro da mãe de seu filho e disse que a mesma tentou
barganhar a retirada da denúncia na Vara Criminal em troca de vantagem financeira
no processo cível.

“A. me procurou dizendo que tira todos os processos caso eu aceite o


acordo na vara cível. Ela quer ficar com o apartamento, a guarda e a
pensão.” (Jorge)

O entrevistado encerrou sua fala, dizendo: “Continuo refém dela.” Na história


de Jorge, os fatos indicavam que existia uma condição de dependência financeira da
mulher, que não exercia profissão e vivia às suas expensas. Com o fim do
relacionamento amoroso, as necessidades econômicas foram justificadas na
existência do filho em comum e a demanda principal era definir as obrigações
financeiras de Jorge, possibilitando à mulher e à criança de manterem o mesmo
padrão de vida que tinham antes. Percebeu-se, nessa história, que o distanciamento
150

entre pai e filho foi consequência de desacordos entre Jorge e sua ex-namorada em
relação aos bens e à pensão alimentícia, fato que gerou desdobramentos, como a
acusação de crime de ameaça feita por ela. Não havia elementos desfavoráveis
relativos ao tratamento que ele dispensava à criança.
Miranda Júnior (2010) discorreu sobre a questão financeira nas relações
conjugais discutidas nos tribunais. O autor afirma que, em termos gerais, o dinheiro
tem valor de troca e está emaranhado nas demandas de amor. Miranda Junior
(2010, p. 254) acentua que “o dinheiro organiza as relações e, nesse sentido,
interfere fortemente na montagem de muitas cenas jurídicas.”
Madaleno (2003), em seu artigo denominado “O débito e o créditoconjugal”,
abordou as mudanças sociais que elevaram a mulher ao patamar de igualdade com
os homens e o reflexo dessas transformações nas relações conjugais. Segundo o
autor, não cabe mais à mulher arcar com o débito de uma relação que não deu
certo, enquanto o homem contabiliza os créditos conjugais. Contudo, há de se
acrescentar que a condição de igualdade conquistada pela mulher pressupõe que o
homem também não carrega a obrigação de ser o provedor único da prole, nas
situações em que ela também se apresenta apta para auferir renda e contribuir para
o sustento de si mesma e dos filhos.
Mateus afirmou que pediu o divórcio e, desde então, começaram as
desavenças em relação à partilha dos bens. Nesse contexto, surgiu a denúncia de
violência doméstica praticada contra a ex-mulher, e, por isso, foram aplicadas as
medidas protetivas, determinando seu afastamento de casa e proibindo sua
aproximação da ofendida e dos familiares, e o impedimento de frequentação de
determinados locais. Em seguida, Mateus disse que começou a enfrentar problemas
para ver o filho.

“Minha ex utiliza das medidas protetivas para eu não ver meu filho.”
(Mateus)

Para o entrevistado, a situação se agravou quando impetrou um pedido de


guarda compartilhada e, em resposta, a ex-mulher pediu extensão das medidas
protetivas para o infante, alegando que Mateus batia no filho quando eram casados.
Como as medidas contra ele foram negadas, posteriormente surgiu outra ação
contra sua atual namorada, acusando-a de bater no enteado. Mateus defendeu que
as demandas cíveis foram propulsoras das acusações de violência, dizendo que a
151

vontade da ex-mulher de obter vantagem financeira com a separação fez com que
ela buscasse uma saída na justiça criminal. Para o entrevistado, as acusações na
Vara Criminal devem ser devidamente apuradas antes de gerar efeitos de conteúdo
desastroso que atingem outros membros da família. A expectativa do entrevistado
em demonstrar que não havia sentimentos de afeto em relação à ex-esposa fez com
que, em algum momento da entrevista, enaltecesse a importância das medidas para
sua vida.

“A medida protetiva foi boa em certo ponto porque tirou dúvidas de que
ainda gosto dela.” (Mateus).

Depreende-se, pelos relatos de Mateus, que a certeza do fim do amor não foi
desvelada com o divórcio, mas necessitou da instância criminal para se confirmar.
Da mulher, nada se ouviu, sabe-se apenas que, até a data da entrevista, os
processos cíveis e criminal estavam ativos. Embora o divórcio tenha descruzado os
caminhos da conjugalidade colocando o ex-casal em linhas paralelas, o filho
permaneceu entre um e outro. Ao que tudo indica, as medidas protetivas lançaram o
adolescente para o interior do conflito dos pais entrecortado pela queixa de violência
conjugal.
Gustavo foi acusado pela ex-namorada, com quem tem uma filha, de praticar
violência física e psicológica contra ela. Após a acusação, ele disse que a
convivência paterna ficou prejudicada, alegando que a ex-namorada se valeu das
medidas protetivas decorrentes da Lei Maria da Penha para conseguir seu
afastamento. Foi solicitada pela demandante a extensão das medidas para a
criança, porém sem êxito. Para ele, bastaram as medidas aplicadas em favor da
mulher para que sua relação com a filha ficasse prejudicada, uma vez que o
processo teve início quando a criança contava com dois anos de idade e dependia
integralmente da mãe para viabilizar seu contato com o pai.
De acordo com o entrevistado, os conflitos com a ex começaram quando ela
ainda estava grávida e não aceitou o término do relacionamento. Ele relatou que,
depois do nascimento da criança, passou a ser insultado e agredido fisicamente pela
mãe de sua filha por ocasião das visitas paternas. Destacou que a situação foi
agravada após se casar. Gustavo compreendia as medidas protetivas como um
“castigo forjado” pela ex-namorada pelo fato de ele ter colocado um fim no
relacionamento. Em sua avaliação, as decisões do juiz criminal repercutiram
152

negativamente sobre seu direito de exercer a paternidade da forma pretendida, sem


depender da vontade da mãe da criança, que agia movida por mágoa e raiva. Em
contrapartida, Gustavo impetrou outras ações na Vara de Família: Alimentos,
Regulamentação de Visitas e Alienação Parental, em que pleiteia a guarda.
Rodrigo, por sua vez, ao ser entrevistado, revelou que responde a mais de um
processo referente à acusação de violência contra a sua ex-companheira e expôs o
quanto essas denúncias afetaram seu relacionamento com os filhos.

“Perdi a guarda dos meus filhos por causa de desentendimentos com a


minha ex-mulher.” “Minha filha mais velha não fala comigo porque tomou
partido da mãe.”(Rodrigo).

Na percepção do entrevistado, a acusação de violência contra a mulher,


ocorrida no contexto de conflito conjugal, teve reflexos negativos em sua relação
com os filhos, afetando, principalmente, o comportamento da filha adolescente.
Segundo declarou, a adolescente começou a desrespeitá-lo, e sua autoridade
paterna mostrou-se enfraquecida. A adolescente deixou de lhe dar satisfação sobre
seus atos e se tornou “parceira de baladas” da mãe. O entrevistado disse que
perdeu seu poder de argumentação e sentia-se muito mal com a situação. Ainda que
se identifique um tom de machismo na fala de Rodrigo, suas palavras expressam a
sua preocupação com o exercício da paternidade durante a fase adolescente da vida
de sua filha.
Brito (2008), conforme estudado, constatou, em sua pesquisa, que é comum
aos filhos, sobretudo os de tenra idade, estabelecer aliança com o guardião e se
afastar do outro genitor em situações de separação conjugal. No caso explicitado,
tratava-se de uma adolescente, mas nem por isso se pode descartar que a
vinculação maior com o detentor da guarda pudesse ocorrer, principalmente quando
há algum tipo de vantagem evidente.
Tadeu relatou que as medidas protetivas foram aplicadas após o fim do
relacionamento com a mãe de suas filhas. Disse que os conflitos com a ex-mulher
foram motivados por discordância na maneira de como educar as filhas, pois,
sempre que tentava corrigi-las, sua atitude era confundida como afronta à ex-mulher
devido a sentimentos conflitantes.

“Quando faço queixas sobre alguma situação das minhas filhas, a resposta
é de que estou interessado na ex-mulher.” “Existe justiça quando o pai é
153

ausente, mas, quando ele é apegado às filhas, fala que é na ex-mulher.”


(Tadeu).

Nota-se que, de acordo com o entrevistado, o conjugal e o parental para a


justiça estão entrelaçados, sendo difícil distingui-los. Tomando como ponto de
partida a afirmação de Magalhães (2009, p. 209) de “que a conjugalidade e a
parentalidade desafiam a autonomia e a maturidade emocional dos parceiros”, há
que se admitir que elas desafiam, também, os operadores do sistema de justiça,
que, às vezes, desavisados do que vem a ser cada uma dessas dimensões e
amarrados em concepções arraigadas de preconceito, desconsideram a
complexidade dos relacionamentos humanos marcados pelo afeto. Conforme visto
na pesquisa de Amendola (2009), a autora identificou que a opinião dos pais
atendidos em serviços de assistência a casos de suspeita de abuso sexual contra
crianças é a de que os profissionais são despreparados.
Tadeu queixou-se de que a Lei Maria da Penha contribuiu para afastá-lo dos
filhos e foi usada por conveniência pela ex – ora para se aproximar, ora para se
afastar dele.

“Quando K. quer, ela conversa comigo sobre nossos filhos, quando não
quer, justifica com a Lei Maria da Penha.”(Tadeu).

Percebe-se, pelas entrevistas, que o enquadramento do homem na Lei Maria


da Penha desvela outras questões importantes – como as necessidades e os
interesses dos filhos em comum – que sobrevivem ao rompimento do ex-casal. Os
efeitos das medidas protetivas sobre os interesses da mulher é sabido e esperado,
mas sua ação na relação paterno-filial ainda é pouco explorada, predominando
estudos que dão centralidade à questão feminina. Os aspectos subjacentes, como o
relacionamento do pai acusado com os filhos, merecem atenção e serão melhor
compreendidos no caso a caso, pois cada história apresenta um desenvolvimento
próprio, dependendo também dos partícipes que a conduzem. Embora os relatos
contados aqui não se repitam, eles possuem pontos de similaridade, uma vez que
revelam o embaraço entre conjugalidade e parentalidade no manejo da convivência
paterna em contextos de violência conjugal contra a mulher.
154

5.2.2 Relação Paterno-Filial

A não diferenciação entre conjugalidade e parentalidade no contexto da Lei


Maria da Penha passou a ser um complicador para a relação paterna, pois, na
experiência dos homens entrevistados, as medidas protetivas tiveram impacto
negativo na relação paterno-filial.

“As medidas protetivas prejudicaram o contato com meu filho porque perdi a
guarda e não posso ir na residência dele”. “Dependo de favor das pessoas
para pegar meu filho e diminuiu meu tempo com ele”. “Meu filho está
desolado, chora e pede para voltar para minha casa.” “Tinha quatro anos
que ele estava morando comigo.” “M. fez um termo dizendo que eu não
poderia visitar meu filho”. “Isso que M. está fazendo é alienação parental”.
(Francisco).

A vinculação da experiência vivida com a alienação parental apareceu em


vários relatos, o que contribui para acirrar os conflitos e gerar outras ações judiciais,
intensificando os ataques entre o ex-casal e provocando efeitos na convivência dos
filhos com os mesmos. Considerando que os entrevistados não eram detentores da
guarda no período da pesquisa e estavam sendo acusados criminalmente,
observou-se que a relação paterna, nessas circunstâncias, ficou mais suscetível a
interferências das leis.
A convivência familiar com a linhagem materna e paterna é reconhecida como
um direito amparado pelas legislações brasileiras como a Constituição Federal
(BRASIL, 1988), o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), o Código
Civil (BRASIL, 2002), a Lei 12.010 (BRASIL, 2009). No entanto, com base nos
depoimentos dos entrevistados, observou-se que nem sempre o que está
estabelecido nas leis acontece na realidade. Os pais entrevistados, na qualidade de
homens enquadrados na Lei 11.340, se queixaram de que estavam sendo
cerceados no seu direito de exercer a paternidade.
Dos sete entrevistados, somente um teve a visita paterna suspensa
judicialmente, porém todos lamentaram o afastamento dos filhos em função da
medida protetiva de proibição de aproximação em relação à ofendida. Alguns
comentaram que a mulher havia formalizado o pedido da medida de restrição ou
suspensão das visitas paternas, mas esse pedido foi negado pela justiça. Contudo,
155

comentou-se que a recusa do juiz em aplicá-la pouco mudou a realidade, pois houve
afastamento dos filhos da forma pretendida pelas mães.
Paulo foi proibido de ter contato com a filha devido à acusação de estupro de
vulnerável, seguida de aplicação da medida protetiva de suspensão das visitas
paternas. Na entrevista, lamentou que, há mais de um ano, não vinha tendo contato
com a criança. Inconformado com a situação, principalmente porque o processo não
havia sido julgado, ele estava vivendo uma espécie de condenação decorrente da
suspeita alegada pela ex-mulher. Relatou que, quando foi atendido pela equipe
interprofissional da Vara Criminal, participou de um atendimento junto à filha, de
cinco anos de idade, ocasião em que a mesma reagiu com alegria, revelando que o
vínculo filial estava preservado, apesar do período prolongado sem que tivessem
mantido contato. Posteriormente, foi informado pelos profissionais que o atenderam
que a mãe da criança não tinha aprovado seu reencontro com a filha.

“Encontrei minha filha uma vez na justiça e ela festejou quando me viu. A
mãe dela procurou a justiça no dia seguinte e reclamou que foi
desrespeitada porque a psicóloga realizou o encontro sem a autorização
dela.” (Paulo)

Tadeu se afastou a contragosto das filhas devido à medida protetiva aplicada


em favor da mulher, ora ofendida. Ela levantou suspeita de crime de abuso sexual
praticado contra as filhas. Mostrou-se perplexo com a acusação, e a saída
encontrada, segundo mencionou, foi impetrar uma ação de Alienação Parental na
Vara de Família.
Mateus estava em cumprimento de medida protetiva de afastamento em
relação à mulher, e seu processo criminal ainda não havia sido julgado quando
conseguiu a regulamentação de visitas paternas na Vara de Família. A decisão do
juízo mencionado contrariou a vontade da mãe da criança, que havia pedido a
suspensão das visitas paternas à Vara Criminal. Ao se aproximar da casa da ex-
mulher para devolver a criança para devolver a criança, ao fim de um dia de visita,
surpreendeu-se ao saber que havia sido filmado.

“Parei o carro na porta da casa de S. para entregar meu filho, e ela filmou
minha aproximação e colocou a filmagem nos autos.”(Mateus)
156

Novamente denunciado pela ex-mulher e punido por descumprimento de


medida protetiva, ele teve que contratar uma pessoa para buscar o filho nos dias
estipulados para as visitas e, posteriormente, devolvê-lo para a mãe. Porém, a
solução encontrada não foi adiante, e as visitas deixaram de acontecer mediante
alegação de que a criança se recusava a realizar os encontros com o pai.

“Minha ex entrou com processo para me afastar do meu filho na vara


criminal, infância e juventude e de família.” “S. destruiu todo vínculo que eu
possuía com meu filho.”(Mateus)

O entrevistado manifestou que se sentia vítima de alienação parental


praticada pela ex-mulher e afirmou que a situação piorou quando pediu, na justiça, a
guarda compartilhada do filho. Segundo informou, a mãe da criança recebeu
advertência do Juiz da Vara de Família por estar praticando tal alienação. Conforme
observado, a alegação de Alienação Parental contra a ex-companheira foi a maneira
escolhida por alguns entrevistados para proteger o direito de convivência com os
filhos. Lei Maria da Penha, Alienação Parental e Guarda Compartilhada apareceram,
por diversas vezes, interligadas nos discursos dos entrevistados, lembrando o que
ocorria nos dramas poéticos das trilogias gregas.53
Constatou-se, pelas entrevistas, que o afastamento dos filhos em relação ao
pai se estendia aos familiares paternos, ficando as crianças alijadas da convivência
com parentes próximos: avós, tios(as), primos(as), entre outros. Francisco e Gustavo
lamentaram que as suas respectivas filhas tenham perdido o contato com os avós.
Esse afastamento foi motivo de queixa por parte de cinco dos sete
entrevistados e, embora os filhos não tenham sido ouvidos, existem estudos que
apontam a percepção de filhos de pais separados, sobre o afastamento vivido no
passado, quando eram crianças, e suas consequências. Cabe lembrar a pesquisa
de Brito (2008) junto a grupos de filhos de pais separados, na faixa etária de 21 a 29
anos, colhendo relatos de que o afastamento, de fato, se estendia à família paterna.
Alguns dos pesquisados disseram que, na fase adulta, tentaram restituir os vínculos
com o pai, mas não obtiveram êxito. De acordo com a autora, “A essa altura, alguns
entrevistados compreendiam que o afastamento do pai ocorrera por conta das

53
“Na Grécia Antiga, poema dramático constituído de três tragédias sobre o mesmo tema, para
apresentação nos concursos públicos” (AURÉLIO, 2009, p. 1993).
157

desavenças do casal, sugerindo o quanto a conjugalidade e o desempenho de


papéis parentais podem permanecer unificados mesmo após o desenlace conjugal.”
(BRITO, 2008, p. 37).
Os homens entrevistados ressaltaram que as medidas protetivas refletiram
também em outros espaços sociais que os filhos frequentavam, como a escola.
Nesse caso, alguns foram impedidos de participar da vida escolar da prole, pois não
podiam frequentar o mesmo espaço onde a mulher estivesse presente, e a
prioridade era dada a ela. O status de vítima do homem e guardiã dos filhos rendia a
elas um lugar privilegiado no campo social. As mães tinham preferência em estarem
presentes em eventos festivos realizados pela escola.
Mateus se queixou de que a escola não apenas omitia informações sobre seu
filho, como também o recebia mal. Gustavo, por sua vez, relatou que se dirigiu até a
escola para ver a filha e só obteve o consentimento da instituição, depois que a mãe
da criança foi consultada e autorizou. No dia de sua ida à escola, a ex-parceira
apareceu no local, e os dois acabaram discutindo. Como havia medida protetiva, ele
se tornou responsável pela altercação.

“Conversei com a orientadora educacional para visitar minha filha na


escola”. “Ela disse que consultaria a mãe. Na data marcada da visita, V.
apareceu na escola e nós discutimos”.(Mateus)

Cardoso (2008), em sua pesquisa de mestrado, entrevistou profissionais de


11 escolas particulares da cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de conhecer
como as escolas lidam com a família após o divórcio do casal. Segundo informou, o
interesse pelo tema surgiu da experiência com um grupo de reflexão constituído por
homens e mulheres separados. Nessa pesquisa, ela ouviu reiteradas queixas dos
pais, que não detinham a guarda dos filhos, a respeito do tratamento recebido na
escola, alegando que não eram informados sobre o desenvolvimento escolar dos
infantes. A autora, ao avaliar como a escola se comunicava com os pais separados,
constatou que os informes e recados eram encaminhados via agenda da criança,
sendo o receptor o responsável guardião. De acordo com Cardoso (2008), as
escolas pesquisadas somente se comunicavam com o genitor não residente com a
criança, quando isso era solicitado por ele e, também, autorizado por quem efetuou
a matrícula do aluno. Verificou que, mesmo a escola reconhecendo a existência de
inúmeros casos de alunos, filhos de pais separados, não havia uma prática
158

diferenciada para se comunicar com o genitor não guardião e incluí-lo nas atividades
rotineiras da instituição.
A título meramente informativo, uma vez que não abrange os casos
circunscritos pela Lei Maria na Penha, menciona-se a Lei 13.058/2014 (BRASIL,
2014), de abrangência federal, que dispõe sobre a Guarda Compartilhada, cujo teor
respalda os pais a terem acesso, em qualquer estabelecimento, público ou privado,
a informações referentes aos filhos, sob pena de multa aplicada a quem negá-las.
Além das situações resguardadas pela Lei de Guarda Compartilhada, cabe
mencionar a existência da Lei Estadual 3.849 de 20 de abril de 2006 (BRASÍLIA,
2006), publicada pelo Distrito Federal, que dispõe sobre a matéria em questão,
determinando que as instituições de Ensino Fundamental e Médio, da rede pública e
privada, garantam equidade no envio de informações escolares aos pais ou
responsáveis, conviventes ou não. A referida Lei, em seu artigo 2º, dá pleno acesso
aos pais ou responsáveis não guardiães ao espaço físico das instituições de ensino,
desde que eles respeitem as normas comuns.
Jorge relatou que ficou 150 dias sem ter contato com o filho, após serem
aplicadas as medidas protetivas decorrentes da Lei 11.340/06, em favor de sua ex-
namorada, mãe da criança em questão. Quando foi autorizado pela justiça a retomar
a convivência com o filho, teve que contratar uma pessoa para buscá-lo em casa e
devolvê-lo à mãe. Comentou que sua relação paterno-filial ficou completamente
comprometida, pontuando que os conflitos conjugais prejudicaram essa relação,
além de afetarem o comportamento da criança na escola.

“Depois destes problemas, meu filho começou a manifestar


comportamentos diferentes na escola”. “Ele ficou rebelde e
desobediente.”(Jorge).

Conforme exposto por Cardoso (2008) com base em seus estudos, observa-
se que, por um lado, os pais nem sempre comunicam à escola que estão em
processo de separação e, por outro, os filhos começam a apresentar mudanças de
comportamento evidenciando que as coisas não estão bem. Nesse caso, os
profissionais, entrevistados na pesquisa da referida autora, assinalaram a
importância de uma boa comunicação dos pais com a escola, reconhecendo as
dificuldades enfrentadas pela família frente ao rompimento conjugal.
159

Os sete entrevistados questionaram a forma como a Lei Maria da Penha é


aplicada e protestaram em relação às medidas protetivas, sobretudo as de restrição
ou suspensão das visitas paternas, serem aplicadas, com base, exclusivamente, no
depoimento da mulher. Ainda que não tenham sido ouvidos como homens
acusados, consideram que deveriam ter sido atendidos como pais, com direitos
cerceados em decorrência da Lei Maria da Penha.

5.2.3 Repercussão Social

Um aspecto observado nas entrevistas e estudado na literatura (BATISTA,


2008; GARLAND, 2008) trata da repercussão social das medidas/penas na vida dos
acusados/condenados. Os entrevistados, embora não condenados, pois os casos
ainda não haviam sido julgados, sentiam-se como se já tivessem sido julgados,
expondo a maneira como foram abordados dentro do sistema de justiça e, para além
deste, pela sociedade, de modo geral.
Os sete entrevistados apresentaram relatos de vivências negativas e
constrangedoras relacionadas ao processo em que foram acusados de cometer
violência contra a mulher. Reclamaram que se sentiam alvo de preconceito e
expuseram situações em que sofreram retaliação por parte de pessoas com quem
se relacionavam no trabalho, em ambientes de lazer e no próprio sistema de justiça.
Não se viam como agressores e se mostraram incomodados com tal qualificação.
Garland (2008), conforme exposto, ao discorrer sobre a nova cultura do
controle do crime, acenou que a estigmatização do criminoso se tornou útil no
sistema de justiça criminal, tanto para punir o criminoso, como para chamar a
atenção da comunidade em relação ao perigo que ele representa. Nesse viés,
percebe-se que as medidas protetivas decorrentes da Lei Maria da Penha, em seu
condão de proteger a suposta vítima, produzem a figura do criminoso, tendo, por
efeito, sua criminalização e, por conseguinte, sua punição. Sousa (2014, p.6)
assinala “que essas demandas por castigo apontam ainda para a fé na lei penal
como superação da conflitividade social”.
160

Mateus relatou que sua mãe, com idade avançada, foi surpreendida com a
chegada de um oficial judiciário em sua casa para entregar a intimação, tachando-o
de agressor, em vez de se referir ao mesmo pelo nome.

“O oficial de justiça chegou em minha casa e perguntou para minha mãe,


idosa: „Cadê o agressor‟?”(Mateus)

O entrevistado sentiu-se constrangido porque ela, até então, não tinha


conhecimento da existência do processo criminal e, em sua opinião, deveria ser
poupada em saber dos fatos em função de sua condição senil. Mateus questionou o
uso inadequado do termo “agressor”, numa situação em que não havia provas que o
condenassem. Referiu-se à expressão “suposto ofensor”, como a mais apropriada
para o tratamento dispensado aos homens acusados, ponderando que ser tratado
como criminoso, tão logo surja o processo criminal, é uma condição que, para ele,
fere a dignidade humana.
Paulo afirmou que, ao ser acusado de praticar abuso sexual contra a filha,
percebeu um impacto negativo em sua vida, alegando que a acusação repercutiu em
seus relacionamentos sociais. Acrescentou que a medida protetiva de suspensão
das visitas paternas soa como uma prova de que o crime aconteceu e de que ele
está pagando pelo que fez. As medidas protetivas, segundo seu parecer,
implicitamente, impõem a pecha de criminoso.

“Tomei nome de criminoso”. “Quando você chega nos lugares é tratado


como tal.” “A comunidade ficou contra mim.” “Se a pessoa não tiver apoio
da família, temor a Deus, ela não suporta.” (Paulo).

Garland (2008), em sua discussão sobre crime e ordem social, problematiza o


enaltecimento das vítimas no processo criminal, assinalando que elas são as vozes
dominantes da política criminal. Cabe lembrar o questionamento do autor a respeito
da centralidade atribuída à imagem sofredora da vítima para tratar a questão do
crime, ao pontuar: “Vítimas específicas devem ter voz, seja fazendo impactantes
declarações vitimizadas, seja através das consultas sobre punição e decisão de
soltura, seja pela sua notificação dos movimentos subsequentes do agressor.”
(GARLAND, 2008, p. 56).
Em se tratando de criança, a vitimização é ainda maior, pois a identificação
com a figura de uma pessoa indefesa, frágil e impotente prevalece sobre a
161

capacidade de enxergar o que pode estar por trás da denúncia. Novamente Garland
(2008) contribui com a discussão, ao asseverar que os interesses pela vítima são
expandidos em contraponto a um descaso absoluto com aquele dado como
criminoso.

“Quando o homem recebe uma marca de medida protetiva, é uma marca


que não sai mais”. “Não existe negociação”. (Mateus).

Mateus relatou que sofreu “várias condenações” provenientes de seu meio


social, sendo malrecebido pela pedagoga da escola do filho e malvisto pelas
pessoas que tinham conhecimento do fato. Tadeu, por sua vez, também narrou
enfrentamentos com a escola onde as filhas estudavam, dizendo que foi impedido
de vê-las porque estava cumprindo medida protetiva.

“Fui marginalizado pelas minhas filhas, vizinhança.” “Teve uma escola que
tentou me impedir de ver minha filha em função da medida protetiva
aplicada em relação a minha ex-mulher.”(Tadeu).

Se os achados de Cardoso (2008) revelam a falta de preparo das escolas


para lidarem com as peculiaridades da família pós-divórcio, pressupõe-se que não é
fácil lidarem com a realidade de pais acusados de praticarem a violência doméstica,
sobretudo o abuso sexual contra os filhos, alunos da instituição. Coadunam com
esse pressuposto os resultados da pesquisa de Amendola (2009), revelando que,
mesmo os profissionais que trabalham em serviços de atendimento às supostas
vítimas de abuso sexual, como delegacias, conselhos tutelares e instituições
judiciárias, carecem de formação específica e capacitação para intervirem nessa
seara. Essa formação evitaria que se chegasse a conclusões precipitadas e
pautadas apenas nos discursos da mãe e da criança.
Segundo Garland (2008), nas sociedades em que se aposta na criminalização
como forma de controle da ordem social, como se supõe ser a politica criminal no
Brasil, atribui-se importância destacada à fala das vítimas. Conforme visto: “Os
sentimentos das vítimas, das famílias das vítimas ou de um público aviltado e
temeroso são agora rotineiramente invocados em apoio às novas leis e políticas
penais”. (GARLAND, 2008, p. 52).
Zaffaroni (2013) assevera que o poder punitivo se expressa, igualmente, na
maneira como uma sociedade lida com suas vítimas. Nesse sentido, “quem não
162

ratifica o que as vítimas ou seus parentes expressam é estigmatizado como débil,


perigoso e acobertador, além de insensível à dor da pobre vítima.”54. (ZAFFARONI,
2013, p. 209).
Os entrevistados se queixaram ora por não serem ouvidos pela justiça, ora
por serem humilhados pelos operadores de direito e de outros profissionais pelos
quais foram atendidos no âmbito do sistema de justiça. Mateus usou o termo
“fuzilado” para se referir à maneira como saiu da Delegacia de Mulheres. De modo
geral, relataram que a força do processo criminal era tamanha que seus efeitos
ressoavam em outros campos do direito, sobretudo na Vara de Família.

“Na audiência para decidir a guarda do meu filho, fui tratado pelo juiz como
marginal”. “Ele me disse: „Você tem medida protetiva, hein?!‟” “Depois fui
maltratado na delegacia quando fui buscar o BO” (Francisco).

As narrativas de Francisco remetem à discussão feita por Coimbra e


Scheinvar (2012) sobre a sociedade de controle. As autoras afirmam que “a lógica
da punição é mais potente que o ato de punir” (2012, p. 64). Nessa perspectiva,
nota-se que a medida protetiva porta um conteúdo de verdade sobre os fatos,
tornando-se um dispositivo penalizador para o acusado, que passa a ser tratado
como criminoso, despotencializando sua condição de suposto.

“Fui levado de viatura para a delegacia.” “A delegacia trata muito mal a


gente”. “A gente entra como bandido”. “Sou a vítima da história”. (Gustavo).

Jorge relatou que o processo criminal estabeleceu um paralelismo na leitura


do problema, dicotomizando o lugar do homem e da mulher na relação conjugal e,
portanto, reforçando os papéis de vítima e criminoso. Trata-se de um modelo,
conforme exposto por Oliveira (2004), centrado na argumentação da opressão das
mulheres pelos homens. Nesse caso, a premissa adotada é a de que toda mulher é
vítima em potencial, enquanto os homens são vistos como agressores.

“Da maneira como a justiça age, fica parecendo a história da mocinha e do


bandido.” (Jorge)

54
Grifo do autor.
163

Jorge e Gustavo mencionaram a influência da mídia nas decisões judiciais,


ilustrando seu ponto de vista com experiências próprias vividas no processo criminal.
Segundo relataram, a decisão de aplicação das medidas protetivas em favor da
mulher foi influenciada por outros crimes que chocaram a sociedade e repercutiram
nos meios de comunicação de massa, na mesma época em que foram objeto de
denúncia. Embora os entrevistados tenham manifestado sua indignação frente aos
crimes envolvendo grave violência, eles achavam que estavam sendo injustiçados
pelo rigor da Lei Maria da Penha, para servirem de exemplo de que a justiça é
atuante e não está inerte. Gustavo mencionou que o juiz havia aplicado a medida
protetiva por precaução, tendo em vista que, no passado, pelo fato de ela não ter
sido aplicada, uma mulher foi assassinada. Jorge também comentou um crime de
homicídio, o que seria tipificado nos dias de hoje como feminicídio, ocorrido na
capital mineira, e que gerou elevada repercussão nos meios midiáticos.

“Acho que o caso de homicídio de uma cabeleireira que repercutiu na mídia


influenciou a decisão do juiz no meu processo.” (Jorge).

Não está em pauta, nesse estudo, analisar o que pensam os juízes que
aplicam as leis, mas há que se concordar que a mídia desempenha um papel de
destaque na produção do Estado punitivo. Para Nascimento (2008, p. 28), “[...] a
mídia é hoje o elemento que mais alavanca o poder punitivo, através da
disseminação maciça do discurso único segundo o qual todos os conflitos sociais
devem ser resolvidos pelo sistema penal”. Dessa forma, ele expõe que os interesses
das vítimas se vinculam ao interesse público, tornando-se inconciliáveis com
possíveis direitos e garantias do acusado.
Zaffaroni (2013) discorreu sobre a influência da mídia na produção da vítima e
do criminoso e atribuiu à criminologia midiática a “criação da realidade através de
informação, subinformação e desinformação em convergência com preconceitos e
crenças, baseadas em uma etiologia criminal simplista, assentada na causalidade
mágica”.55 (ZAFFARONI, 2013, p. 194). Essa realidade promovida pela criminologia
midiática, segundo o autor, separa homens do bem da massa de criminosos,
valendo-se, para tanto, de estereótipos. Consequentemente, surge a necessidade

55
Grifo do autor.
164

de se proteger dos ditos criminosos, e, nesse sentido, os controles estatais em prol


da segurança são justificados, sem evidenciar que também reduzem a liberdade de
quem é protegido.
Rauter (2012) alerta que, no neoliberalismo, o papel “educativo” da televisão,
em sua tarefa de propagar o medo na população, estimulando as práticas punitivas
aplicadas aos criminosos e, disfarçadamente, instigando o consumo, é um fenômeno
que representa as novas técnicas de gestão da vida, nomeadas de biopoder por
Foucault, conforme lembrado pela autora.

5.2.4 Dispositivos Penalizadores

Além da aplicação das medidas protetivas previstas nos artigos 22, 23 e 24


da Lei 11.340/06, outros dispositivos de segurança e prevenção foram empregados
pela justiça com o intuito de garantir proteção à suposta vítima. Tais dispositivos
foram concebidos pelos entrevistados como medidas penais, portanto,
criminalizadoras, embora aplicadas sem a sentença de julgamento. Os entrevistados
estavam se referindo à obrigatoriedade de participação em grupos de reflexão para
homens agressores.
A experiência dos homens que participaram dos grupos de reflexão revela
que estavam sendo punidos, e não submetidos a práticas educativas. Para eles, a
medida foi aplicada arbitrariamente, sem sentença condenatória e sob ameaça de
punição mais severa, como pena de prisão, caso não cumprissem a determinação
judicial. Um entrevistado indagou: “Como receber pena sem condenação?”
Os participantes dos grupos de reflexão revelaram terem se submetido à
ordem do juiz por medo do castigo, e não porque entendessem que o grupo poderia
ajudá-los. Sentiam-se como se tivessem perdido todos os direitos frente à acusação
e avaliaram que havia uma desproporção na balança da justiça para julgá-los.
Lamentaram que foram “condenados” por antecipação, sentindo-se, portanto, sem
direito à voz. Utilizaram termos como monstros, perversos, bandidos, culpados,
criminosos, agressores para se referirem à maneira como estavam se sentindo
perante a justiça e à sociedade em geral.
165

Jorge explanou que lhe foi aplicada a medida obrigatória de participação em


grupo de reflexão para agressores, na fase inicial do processo, com base somente
no depoimento da suposta ofendida, sem nunca ter tido, sequer, uma audiência para
expor sua versão sobre os fatos.

“Logo no início do processo, fui obrigado a participar de um grupo de


reflexão, sob ameaça de ser preso ou usar a tornozeleira eletrônica.”
(Jorge).

O entrevistado avaliou que o grupo não foi producente, comentando que a


particularidade de cada história não possibilita que o curso atinja as múltiplas
diferenças, levando em conta, desde a gravidade do crime cometido e as
circunstâncias, até o perfil socioeconômico e cultural dos participantes. Jorge
acrescentou que reconhece a história da marginalização da mulher na sociedade e a
importância da Lei Maria da Penha. Contudo, pontuou que uma denúncia de
tentativa de homicídio não deve estar no mesmo patamar que uma acusação de
suposto crime de ameaça, cometido por meio de ligação telefônica. Assim, concluiu
que não é produtivo reunir homens acusados de praticar diferentes tipos de violência
e ajuntá-los a outros, já condenados, usando a mesma metodologia de ação.
Gustavo fez considerações semelhantes às apresentadas por Jorge,
relatando que também foi obrigado a frequentar um grupo de reflexão para
agressores, sem nunca ter sido ouvido pelo juiz, somente com base no depoimento
da mulher na delegacia. Embora tenha participado de todas as etapas do grupo,
concluiu que não houve aproveitamento, criticando a metodologia e a imposição de
uma medida de caráter punitivo, e não educativo, sem condenação. Ressaltou que
só participou do grupo para não ser preso.

“Fui obrigado a fazer o curso “Dialogar” sem condenação”. “Nenhum


aproveitamento”. “Ridículo”. “O desnível social e econômico dos homens
que participam é gigantesco”. (Gustavo)

Garland (2008) assinala que os programas de reabilitação são voltados para o


controle do crime, mas não para o bem-estar do indivíduo, e visam beneficiar as
futuras vítimas e não o tratamento dos criminosos (supostos?). Consoante isso, têm
a finalidade de diminuir os riscos e aumentar a segurança da população.
Recordando seus ensinamentos: “O escopo imediato não é mais melhorar a auto-
166

estima do criminoso, aperfeiçoar sua capacidade cognitiva ou prestar-lhe os serviços


necessários, mas sim impor restrições, reduzir o crime e proteger o público”
(GARLAND, 2008, p. 378). Assim, na hipótese de ineficiência de tais programas,
medidas mais eficazes são adotadas e, entre elas, o encarceramento.
Observou-se, nos relatos dos entrevistados, que a visão que os mesmos
constroem a respeito da justiça é extremamente negativa, expressando que se
sentiam completamente desamparados, vitimizados por um processo criminal em
que não puderam se defender, limitando-se a cumprir as obrigações impostas pelo
juiz. Francisco relatou que tomou conhecimento das medidas protetivas depois de
cinco meses de sua aplicação; Tadeu explanou que sua “pena” foi ter perdido o
contato com as filhas.
Rodrigo viveu a experiência de usar a tornozeleira eletrônica por um ano e
quatro meses devido à reiterada acusação de violência doméstica e familiar contra a
mulher. Primeiramente, foi acusado de praticar violência física e, posteriormente, de
perturbação do sossego. Na entrevista, expôs o constrangimento que o uso de tal
dispositivo de segurança lhe causou e como se sentiu penalizado por não ter sido
ouvido, antes, pelo juiz. Relembrou que a medida imposta pela justiça teve, como
efeito, colocar um de seus filhos contra a mãe, que a culpabilizou pela tomada de
decisão do juiz. Antes de usar a tornozeleira, ficou detido na Delegacia de Polícia
por um dia.

“Passei um dia preso de 9 às 16 horas. Durante um ano e quatro meses,


56
usei a tornozeleira eletrônica.”(Rodrigo) .

Paulo estava em processo de divórcio quando foi acusado de estupro de


vulnerável contra a filha. Nessa ocasião, o imóvel que pertencia a ele e a ex-mulher
ainda não havia sido partilhado e ela residia no local. No decorrer do processo
criminal, por opção, ela se mudou para a casa dos pais, mas continuou com a posse
do imóvel, inclusive trocando as fechaduras e impedindo o acesso do entrevistado.

“Não tive mais acesso ao meu apartamento porque Z. trocou as chaves. Ela
se mudou de lá, alegando que o vizinho colocava minha filha para falar
comigo no telefone e deixou a casa fechada. Estou morando de favor na

56
Ao final do trabalho de campo, a pesquisadora teve conhecimento de que o processo de Rodrigo
havia sido arquivado sem condenação.
167

casa de minha irmã, porque não tenho condições de pagar um aluguel e


não posso voltar para meu apartamento.” (Paulo).

Paulo reclamou da morosidade da justiça e se queixou por se sentir lesado


diante das ações da ex-mulher, entendendo que tinha o direito de residir em seu
imóvel, que se encontrava desocupado e, além disso, ele não tinha outra residência.
O entrevistado expôs seu sentimento de humilhação perante tais ocorrências,
alegando que estava sendo punido por um crime que afirmava não ter cometido.
Amendola (2009) refletiu sobre a morosidade da justiça em processos de
abuso sexual contra crianças. Conforme visto em sua pesquisa, os homens
entrevistados se queixaram do tempo prolongado de espera para o julgamento do
processo, enquanto aguardavam pelo direito de ter a convivência paterna
restaurada. Constatou-se que os pais ficavam meses ou até anos sem poder ver os
filhos, à mercê de procedimentos e recursos jurídicos, às vezes solicitados pela
parte litigante com o intuito de postergar a conclusão do processo. Para a autora, da
mesma maneira que é preciso tempo para realizar uma análise minuciosa do caso, o
atraso na solução do impasse pode violar os direitos de quem está sendo acusado e
da criança que, por seu turno, cresce longe do pai.
Conforme dito por Zaffaroni, “o punitivo não resolve o conflito, mas sim o
suspende, como uma peça de roupa que se retira da máquina de lavar e se estende
no varal até secar”. (ZAFFARONI, 2013, p. 19).
5.2.5 Implicações da Judicialização

Os entrevistados relataram fatos que conduzem à análise do processo de


judicialização em suas vidas. Pode-se retomar esse tema levando em consideração
a definição proposta por Nascimento (2014, p. 460): “uma construção subjetiva que
implanta a lógica do julgamento, da punição, do uso da lei como parâmetro para
organização da vida”. As falas dos entrevistados evidenciaram impasses
decorrentes desse processo de judicialização e de seus desdobramentos sobre a
visão que possuem da justiça e seu impacto no exercício da paternidade.
Paulo se queixou da morosidade da justiça e do custo emocional do processo
criminal em sua vida, alegando sofrimento diante do distanciamento da filha. Disse
que não teve chance de defesa e que a acusação criminal refletiu as decisões cíveis
do juiz.
168

“A juíza da Vara de Família não aceitava meus pedidos devido ao processo


na Vara Maria da Penha.”(Paulo).

O fato de figurar como parte de um processo na justiça fez o entrevistado


sentir-se inseguro e menos confiante no poder das leis, expondo seu sentimento de
descrédito para com o sistema judiciário.
Francisco, que havia perdido a guarda do filho após o processo criminal em
que foi aplicada a Lei Maria da Penha, mostrou-se decepcionado com a intervenção
da lei e injustiçado diante da medida tomada pelo juiz de reverter a guarda em favor
da mulher, sem elementos que o descredenciassem de assumir a função de
guardião. Reiterou que exercia com zelo a paternidade, possuindo um bom vínculo
com a criança, tanto que, na separação, sua ex-mulher consentiu em deixá-la sob os
seus cuidados. A condição imposta de pai visitante foi assimilada como punição
dada a ele, e também ao filho, privilegiando os interesses da mulher.

“Muitos pais vão se distanciando devido às barreiras que vão criando.”


(Francisco).

A experiência de Tadeu fez com que ele construísse um conceito negativo de


justiça e se desincumbisse de avaliar o próprio comportamento, responsabilizando o
sistema judiciário pelo caos instalado em sua vida, sobretudo no relacionamento
com as filhas. Para ele, a Lei Maria da Penha havia servido para distanciá-lo da
prole e cerceá-lo de exercer a paternidade. Não visualizou nenhuma contribuição
positiva decorrente da lei. Ao contrário, sentiu-se desamparado e desanimado com
as “soluções” jurídicas.
Rifiotis (2012) ensina que a judicialização é uma espécie de solução de
problemas, em que se transfere para um terceiro a responsabilidade para decidir,
expandindo o direito e os procedimentos jurídicos sobre a vida social. Ele a define
como

[...] um conjunto de processos que envolvem práticas e valores que


reinterpretam relações sociais tidas como problemáticas a partir de um viés
normativo, por vezes criminalizante, e sempre estigmatizante contido na
figura dos direitos e deveres regulados por uma instância de Estado.
(RIFIOTIS, 2012, p. 18).
169

Rodrigo explanou que esteve na Delegacia de Mulheres por mais de uma vez
e que, em nenhuma delas, foi ouvido pelos profissionais. Mostrou-se insatisfeito
perante a maneira como foi tratado e inconformado com a aplicação da Lei Maria da
Penha, mencionando que não lhe foi dada a oportunidade de expor sua versão dos
fatos. Lamentou que as filhas não tivessem sido atendidas por equipe
interprofissional no judiciário, mesmo com tantas complicações evidenciadas na
relação paterno-filial depois de aplicadas as medidas protetivas.
Gustavo lembrou que, em visita à filha, teve um desentendimento com a ex-
namorada. Foi conduzido à Delegacia de Polícia na viatura, sendo tratado como réu,
mesmo estando com ferimentos evidentes no corpo. No local, não pôde prestar seu
depoimento, e apenas a mulher foi ouvida.

“Fiquei aguardando três horas na delegacia e não foi colhido meu


depoimento. Eu estava machucado, porque havia sido agredido por V., mas
só ela foi ouvida”. (Gustavo).

O entrevistado disse que já havia feito três boletins de ocorrência contra a ex-
namorada, por agressão ocorrida nas ocasiões em que ia buscar a filha na casa
dela. Segundo informou, os boletins ficaram parados na delegacia aguardando
denúncia e estavam quase prescrevendo. Gustavo manifestou sua indignação com
as instituições de justiça, revelando-se completamente descrente com o trabalho dos
operadores de direito no manejo da Lei Maria da Penha, reclamando da falta de
equidade no tratamento recebido.

“O mesmo Estado que protege ela, nunca me protegeu”. “O Estado me tira


o direito de ser pai, me afasta da minha filha”. (Gustavo).

Jorge também levantou episódios em que foi agredido fisicamente e


verbalmente pela ex namorada, narrando que, mesmo denunciando-a, nada havia
sido feito pelas autoridades judiciais. Sentia-se completamente desassistido pela
justiça e estava desacreditado nas instituições públicas que representam o Direito.
Para ele, a medida protetiva só teve aspectos negativos, além de ter interferido no
processo cível e prejudicado seu direito de exercer a paternidade. Segundo relatou,
a juíza, que conduziu seu processo na Vara de Família, mudou uma decisão relativa
à reintegração de posse, quando tomou ciência das medidas protetivas. Jorge
afirmou que estava decepcionado com a Lei Maria da Penha. Mateus, por seu turno,
170

alegou ter perdido a esperança na justiça, queixando-se por não ter sido ouvido pelo
delegado, pelo juiz, entre outros operadores do direito.

“Se o juiz tem uma suspeita, ele arrebenta para depois ver.” “Criaram um
caminho das pedras para resolver a situação.” (Mateus).

A experiência de Mateus com as medidas protetivas o levaram a conclusão


de que há uma desigualdade no tratamento dado a homens e mulheres na justiça.
Além de mencionar os desdobramentos vivenciados na relação com o filho, finalizou
com a reflexão de que, ao contrário do que acontece com os direitos da mulher, os
seus ficaram desprotegidos, sobretudo, o direito de exercer a paternidade.

“O lado de lá tem uma arma poderosa.” “Pega o documento certificado e


leva na Vara de Família. Está virando moda. O homem não tem defesa.” “A
Lei Maria da Penha é uma fábrica de medidas protetivas e tem servido para
me afastar do meu filho.” (Mateus).

O entrevistado se mostrou exaurido com a batalha judicial travada com a ex-


mulher na justiça cível e fomentada pela Vara Criminal. Em sua percepção, o
processo criminal foi uma estratégia respaldada nas medidas protetivas
provenientes da Lei Maria da Penha e utilizada pela ex para afastá-lo do filho.

5.3 Breve Discussão dos Resultados

Alguns aspectos gerais foram observados nas entrevistas e despertaram


atenção da pesquisadora. Referem-se à insatisfação dos entrevistados frente ao
tratamento recebido no âmbito do sistema de justiça, ora citando as delegacias de
polícia e a instituição judiciária, ora os grupos de reflexão com agressores, do qual
foram obrigados a participar, mesmo antes de serem ouvidos pelo juiz. Alguns
alegaram que foram tratados com descaso e desprezo nas instituições mencionadas
e afirmaram que houve diferença no tratamento dado à mulher, que eram recebidas
como vítimas, ao passo que eles eram tratados como culpados. Queixaram-se de
que tiveram os seus direitos violados, principalmente por não terem sido ouvidos em
171

nenhuma instância judicial antes da aplicação das medidas protetivas em favor da


mulher, sendo, portanto, obrigados a cumpri-las.
No que tange às questões afetas ao exercício da paternidade, os
entrevistados deixaram transparecer emoção ao falar sobre os filhos, e alguns
revelaram desesperança em relação à justiça, afirmando que as medidas protetivas
repercutiram, negativamente, no relacionamento paterno-filial.
Observou-se, por parte dos entrevistados, certo incômodo devido ao uso
generalizado do termo agressor pelos profissionais que atuam nos serviços que
compõem o sistema de justiça, tais como delegacias e foros, para se referirem a
eles. Comentaram que não era assim que se sentiam, embora fossem vistos dessa
forma pelos serviços que operam com a Lei Maria da Penha e por determinados
segmentos da sociedade. Medrado, Lemos e Brasilino (2011), ao entrevistarem
profissionais que atuam em serviços de acolhimento da denúncia e
acompanhamento de casos de violência contra a mulher na região metropolitana de
Recife, perceberam na fala dos entrevistados que a maneira de se referirem ao
homem é como autor do fato, agressor, opressor, bandido, criminoso, desumano, ao
passo que se referem à mulher como vítima, ofendida, submissa, abandonada,
espancada, entre outros termos que denotam uma condição de passividade e
vitimização.
O próprio texto da Lei 11.340/06, conforme assinalado por Medrado e Méllo
(2008), não faz uso da palavra homem, e sim agressor, o que contribui para reforçar
a visão dicotômica agressor-ofendida que, comumente, prevalece nas práticas
sociais de intervenção no âmbito da violência doméstica contra as mulheres. Para os
autores, “o termo „agressor‟ é um marcador identitário que muitas vezes não permite
alguma transformação ou empenho na possibilidade de mudanças nas atitudes e
reações de alguém”. (MEDRADO; MÉLLO, 2008, p. 84).
Cabe ressaltar as cartilhas sobre a Lei Maria da Penha que, conforme
apontado, usaram, predominantemente, a palavra agressor para se referirem aos
homens supostos agressores, corroborando para a concepção da violência conjugal
a partir do dualismo vítima-agressor. O mesmo tratamento costuma ser observado
em campanhas publicitárias de prevenção à violência contra a mulher, quando
divulgam a imagem de mulheres espancadas, com marcas da violência em
evidência, reduzindo o debate a soluções simplistas, que visam à identificação e à
punição do culpado.
172

Assim sendo, entende-se que as estratégias de prevenção observadas nos


programas implementados pelo Estado, conforme roga a Lei 11.3440/06, ao focarem
sua ação na proteção das mulheres e punição dos (supostos) culpados, não
despertam uma reflexão crítica e ética a respeito dos processos de socialização
masculina e os repertórios interpretativos, conforme proposto por Medrado e Méllo
(2008). Esses autores asseveram que as ações previstas na Lei Maria da Penha
deixam lacunas no que diz respeito à perspectiva de garantir a equidade de gênero.
Inicialmente, porque elas não explicitam quais trabalhos serão desenvolvidos
objetivando a promoção da saúde dos homens, como também não são claras para
explicar a estrutura e a organização dos serviços de atendimento à população
masculina em cumprimento de medidas ou penas. Soma-se a essas considerações
a identificação de 23 cartilhas on-line sobre a temática violência doméstica e familiar
contra a mulher, todas elas publicadas após o advento da Lei Maria da Penha.
Apenas uma delas é dirigida aos homens. O conteúdo predominante nas 22 cartilhas
versa sobre a proteção da vítima e sobre a denúncia do agressor, sem levar em
conta a dimensão relacional da violência no âmbito conjugal e a ineficiência da
punição para resolver esse tipo de problema.
Em nome da prevenção, as cartilhas também investem em propostas voltadas
às crianças para que aprendam, desde cedo, como identificar e denunciar a
violência, podendo o acusado ser o pai. Trata-se de uma estratégia política de
suposta prevenção à violência doméstica contra a mulher, que envolve questões
delicadas de ordem da conjugalidade e parentalidade. Tomando por base o relato
dos entrevistados de que a Lei Maria da Penha acarretou desdobramentos sobre a
relação paterno-filial, acredita-se que seus efeitos serão acentuados na medida em
que os filhos forem inseridos nas políticas de prevenção voltadas para a punição.
Em relação aos programas de reeducação ou recuperação, na visão de
Medrado e Méllo (2008), eles têm, como efeito, o fortalecimento dos estigmas e não
contribuem no sentido de que os homens também possam rever seu posicionamento
frente às mulheres. Tendo em vista não só a fala dos entrevistados encaminhados
para os grupos de reflexão, como também a forma como a proposta foi executada,
entende-se que essa experiência não teria contribuído para fins de reeducação. A
obrigatoriedade de participação nesses grupos fez aparecer neles o sentimento de
descaso pela Lei Maria da Penha e a descrença na atuação da justiça, por
considerá-la sexista e preconceituosa. Essas observações fazem lembrar os
173

programas de prevenção dirigidos aos agressores em potencial, conforme


explicitado no capítulo anterior. O Estado, por meio de suas instituições de
segurança e justiça, partindo do pressuposto que homens de camadas menos
favorecidas economicamente, com baixa escolaridade e trabalhadores da
construção civil são naturalmente propensos a cometerem violência contra as
mulheres, oferece aos mesmos cursos de reeducação como medida de prevenção à
violência, intensificando o estigma existente em torno daqueles que são apontados
como os responsáveis.
Na pesquisa realizada por Medrado, Lemos e Brasilino (2011), os autores
analisaram os argumentos construídos pelos entrevistados a respeito das
possibilidades de intervenção dirigida aos homens denunciados. De modo geral,
considerando a variedade de olhares e os posicionamentos a respeito da
importância ou necessidade de atendimento aos homens denunciados, foram
identificados três tipos de proposição: medidas punitivas, mencionando-se a prisão
ou as penas complementares; medidas preventivas, partindo-se do entendimento de
que a reeducação é um direito; e, por fim, medidas assistenciais, baseadas nos
modelos empregados com usuários de álcool e drogas. Levando-se em conta as
proposições construídas pelos entrevistados, os autores concluíram que é
necessário “ampliar estudos referentes a homens envolvidos em episódios de
violência contra a mulher e de investir em processos de sensibilização de gênero e
ressignificação simbólica dos próprios profissionais” (MEDRADO, LEMOS E
BRASILINO, 2011, p. 471).
A conclusão dos autores mencionados remete à fala dos entrevistados nesta
pesquisa, ao manifestarem descontentamento com os serviços onde foram
atendidos para responderem à denúncia de violência contra a mulher. Eles
reclamaram que foram tratados com preconceito e descaso, já tachados como
criminosos e sem direito à voz. Argumentaram que o fato de responder ao processo
criminal já os coloca na condição de culpados, sendo, portanto, tratados como réus
174

CONCLUSÃO

Cada fim venta um começo


Ruben Alves

A presente seção, além de finalizar esta tese, representa, também, o


inacabado das tessituras que compõem a produção escrita e que possibilitam o
surgimento de novos começos. Ao dar início ao doutorado e decidir-se pelo tema de
pesquisa, tinha-se em vista uma questão, um problema. O restante, qualquer que
fosse ele, estava na dimensão de um devir. Assim, a passos lentos, foram sendo
construídos os objetivos deste estudo e os caminhos que levariam ao seu propósito
principal. Em seguida, passou-se à etapa de escolha da maneira como essa rota
seria percorrida, mesmo não se podendo antever como seria sua chegada. No ponto
final do trajeto, teve-se a certeza de que, aquele que chegou não era o mesmo que
partiu – um sujeito inacabado, porém transformado pela experiência de alteridade
proporcionada pela pesquisa.
Desde o início, sabia-se que o estudo a respeito da convivência paterno-filial
em contextos familiares, perpassados pela Lei Maria da Penha, envolvia dois eixos
analíticos de grupos vistos atualmente por muitos como mais vulneráveis: a mulher e
a criança. Cada qual composto de suas peculiaridades, eles possuem, em comum,
alguns aspectos coincidentes. Mulher e criança são alvos das políticas de Direitos
Humanos, uma e outra pertencem a grupos sociais com maior propensão a
vulnerabilidades e, além disso, possuem legislações específicas57 para proteção e
defesa de seus direitos.
Nesse sentido, verificou-se a importância de se compreender, primeiramente,
o cenário político-social brasileiro onde aflorou o debate sobre os Direitos Humanos
e o fio condutor das reivindicações de alguns segmentos da sociedade
representados pelas bancadas políticas, ONGS e pelos movimentos sociais.
(ALONSO, 2009; PRADO; COSTA, 2011; RIFIOTIS, 2012; RODRIGUES; SIERRA,
2011). De acordo com os autores estudados, foram os Direitos Humanos que, na
175

segunda metade do século XX, no Brasil, impulsionaram as lutas sociais e


democráticas em favor da igualdade de direitos nas esferas pública e privada.
Rodrigues e Sierra (2011) ressaltaram que os movimentos sociais que surgiram
nesse período, além de reivindicarem os direitos trabalhistas e o bem-estar social,
se interessaram por questões relacionadas à vida privada. Para Alonso (2009),
esses novos movimentos sociais se tornaram mais expressivos, simbólicos e
identitários, mencionando, entre outros grupos, o feminismo que, segundo Moraes e
Sorj (2009), ressurgiu na década de 1970 muito mais sensível às questões
provenientes das desigualdades sociais. Rodrigues e Serra (2011), conforme visto,
problematizam se as questões culturais tratadas na esfera dos Direitos Humanos
não estariam se sobrepondo às lutas de classe e mudando o foco das instituições
públicas a respeito de suas responsabilidades.
Rifiotis (2012) apontou que, nos últimos anos, o sistema protetivo de direitos
no Brasil foi o eixo condutor das reivindicações que se ancoraram nos Direitos
Humanos e que não apenas trouxeram avanços, mas também desigualdades e
dificuldades decorrentes dos próprios direitos. O autor assinalou um paradoxo no
campo desses direitos, chamando a atenção para alguns aspectos, como, por
exemplo, o interesse especial pelas vítimas – figuras construídas antecipadamente a
partir da concepção de pessoas em condição de vulnerabilidade e de violação de
direitos. A esse respeito, Rifiotis (2012) destacou que os Direitos Humanos não
devem comprometer a capacidade de solução que as pessoas possuem de resolver
certos impasses que surgem em suas vidas.
Dada a semelhança atribuída às categorias “mulher” e “criança” pelos Direitos
Humanos, um dos desafios desta tese foi delimitar seu objeto de estudo. Focando
no direito à convivência familiar da criança e do adolescente (BRASIL, 1990),
elegeu-se a análise da convivência de filhos menores de idade com o pai acusado
de praticar a violência contra a mulher e cumprindo medidas protetivas de urgência
previstas na Lei 11.340/2006. No entanto, não foi afastada do campo de visão a
relevância da Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006) implantada com a finalidade de
coibir a violência de gênero e o que ela representa enquanto símbolo das lutas e dos
movimentos sociais, sobretudo de certos grupos feministas, empenhados na
conquista dos direitos das mulheres e no combate à violência doméstica e familiar

57
Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha e Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente.
176

motivada pela desigualdade de gênero (BRAZÃO; OLIVEIRA, 2010; MORAES;


SORJ, 2009; OLIVEIRA, 2004). Conforme alertou Mouffe (1992), a garantia de
direitos de um grupo social que implique a exclusão dos direitos de outros
segmentos sociais fere o próprio sentido da democracia, embora Rifiotis (2008)
tenha afirmado que, no Brasil, os Direitos Humanos são, comumente, tratados de
forma particularizada, como se, para defender os direitos de uns, fosse necessário
excluir os de outros.
Assim sendo, os questionamentos realizados nesta pesquisa a respeito da
transversalidade da Lei Maria da Penha na esfera cível tiveram o intuito de colaborar
com a produção de novos conhecimentos sobre o assunto, explorando, com maior
profundidade, os dispositivos utilizados para difundi-la e para coibir a violência
contra a mulher. Recordando os ensinamentos de Rifiotis (2012), o reconhecimento
dos direitos não garante à existência de políticas públicas que os efetivem, e a
expansão da intervenção do Estado, principalmente por meio da judicialização, não
é sinônimo de solução das demandas sociais. Dessa forma, o propósito deste
trabalho não foi retroceder em relação ao campo de direitos conquistados pelas
mulheres e muito menos fazer campanha difamatória contra o dispositivo jurídico-
legal criado para proteger as vítimas da violência doméstica e familiar. A violência,
na esfera privada ou pública, é um fenômeno que compromete a convivência com o
outro e, dessa premissa, parte o reconhecimento da importância de se criar
mecanismos para seu enfrentamento, tanto do ponto de vista jurídico, quanto no
âmbito social e da saúde. Neste estudo, o destaque foi dado a situações em que o
homem, acusado de praticar a violência contra a mulher, se vê cerceado do direito
de conviver com os filhos menores de idade, nascidos do relacionamento com a
suposta ofendida.
Em se tratando da violência conjugal contra a mulher, em virtude do conjunto
de elementos que estão envolvidos, o problema se torna ainda mais delicado,
interrogando a própria eficácia dos dispositivos que visam combatê-lo. Em razão de
a conjugalidade situar-se muito próxima das questões que envolvem a família e os
filhos e, além disso, de a relação da mulher com a prole ser, culturalmente,
acentuada pela maternidade, verificou-se a importância de se fazer a distinção entre
o conjugal e o parental, visando resguardar a convivência paterno-filial nos contextos
em que as medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha foram
aplicadas em favor da mulher.
177

Conforme exposto por Soares (2009), a violência conjugal no Brasil é


conceituada com base no recorte de gênero fundamentado nas abordagens do
campo feminista. Nesse sentido, a mulher é, antecipadamente, tratada como vítima
da violência unilateral, e o que se busca nas políticas de enfrentamento é a criação
de mecanismos a fim de protegê-la e, também, punir os culpados. Laurrari (2007)
corrobora com pesquisas realizadas no contexto espanhol e pontua que, em seu
país, a violência de gênero emprega, como analisador, a violência conjugal,
entendendo ser no campo da conjugalidade que a desigualdade entre homens e
mulheres predomina. Segundo Rifiotis (2008), a violência conjugal não apenas tem
sido um “operador simbólico” (p.227) de facilitação do acesso à justiça, como
também um impasse no campo dos Direitos Humanos, pois, enquanto estes
preconizam a adoção de medidas despenalizadoras e humanizadoras no tratamento
penal, a luta dos movimentos feministas buscou o endurecimento das leis e dos
mecanismos jurídicos, para punir os autores da violência (LAGO; RAMOS;
BRAGAGNOLO, 2010; SOARES, 2009).
Como resultado do conjunto de ações, desencadeadas pelos grupos de
defesa dos direitos das mulheres em favor da implantação de uma política pública
para enfrentamento da violência contra a mulher, criou-se, no Brasil, em 1985, a
primeira Delegacia Especializada de Atendimento às Mulheres, no Estado de São
Paulo, seguida da instalação de outras delegacias espalhadas pelo país. (ABDALA;
SILVEIRA; MINAYO, 2001; MORAES; GOMES, 2009). Após 10 anos de
inauguração da primeira DEAM, foram instituídos os Juizados Especiais Cíveis e
Criminais, regulamentados pela Lei 9.099/1995 (BRASIL, 1995), com o objetivo de
julgar delitos de menor potencial ofensivo, como os de ameaça e lesão corporal leve.
Estes crimes eram passíveis de transação penal, possibilitando o emprego das
alternativas penais. A flexibilização das penas proporcionada pelos Juizados foram
alvo de críticas feitas pelas organizações feministas, que alegaram a banalização da
violência contra a mulher (MORAES; GOMES, 2009), dando ensejo à construção
uma legislação específica para proteção das mulheres vítimas de violência no
âmbito doméstico e familiar. O caso emblemático da cidadã brasileira Maria da
Penha Fernandes e a pressão exercida pelos organismos internacionais de defesa
dos Direitos Humanos, sobretudo os que militam em favor dos direitos da mulher,
influenciaram a criação da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha.
(OLIVEIRA, 2011; ROMEIRO, 2009).
178

Antes de adentrar na questão da convivência paterno-filial no contexto da Lei


Maria da Penha, fez-se necessário problematizar o cenário das políticas judiciárias
brasileiras, que foram implementadas para difundir a Lei Maria da Penha e coibir a
violência contra a mulher. Observou-se um interesse acentuado por parte do
Conselho Nacional de Justiça na realização de ações, na formulação de programas,
nas recomendações e resoluções que contribuíssem para a difusão da Lei Maria da
Penha. Por conseguinte, verificaram-se duas frentes da política judiciária
implementada pelo CNJ: uma que investia nos métodos alternativos de resolução de
conflitos (LEWANDOWSKI, 2014), e outra que apostava no enrijecimento dos
mecanismos punitivos para combater a violência contra a mulher. A opção do CNJ,
no que tange à Lei Maria da Penha, foi investir na produção de metodologias de
enfrentamento à violência contra a mulher pautada numa leitura criminalizante,
privilegiando os métodos punitivos para o tratamento da violência. Somente no ano
de 2016, uma Portaria do CNJ previu o uso da Justiça Restaurativa para resolver
conflitos em que é aplicável a Lei Maria da Penha. Considerando as críticas tecidas
por Aleixo (2012) e Augusto (2012) a respeito desse modelo de justiça, que pode
tanto obliterar o direito de defesa, quanto confundir-se com “prática de julgamento”
(AUGUSTO, 2012, p. 36), sugere-se cautela diante dessa nova iniciativa do CNJ.
Constatou-se, com base nesta pesquisa, que o conteúdo do material, tanto
veiculado na mídia - em campanhas, reportagens, projetos de lei e cartilhas -, como
também extraído de documentos oficiais produzidos pelo Conselho Nacional de
Justiça e pelas instituições judiciárias, como manuais, portarias, resoluções e
recomendações sobre a política de enfrentamento à violência contra a mulher
contempla, em sua maioria, os dispositivos que compõem as políticas criminais. A
partir dessa constatação, pode-se concluir que a política judiciária, implementada
para difundir a Lei Maria da Penha, é, essencialmente, de cunho criminal. Assim,
não parece adequado se referir às “políticas judiciárias”, mas sim à política judiciária
criminal (ANDRADE, 2012; WACQUANT, 2010), criada para operacionalizar os
dispositivos da Lei 11.340/2006.
A leitura desse material possibilitou identificar três eixos operacionais da
política criminal para efetivação da Lei Maria da Penha: a produção da denúncia, a
proteção da vítima e a punição do culpado (ANDRADE, 2012; BATISTA, 2008;
COIMBRA, SCHEINVAR, 2012; GARLAND, 2008; ZAFFARONI, 2013). De acordo
com Coimbra e Scheinvar (2012), a segurança está sempre associada à proteção
179

nas políticas criminais, fazendo pressupor que o aumento da punição para quem
pratica crimes irá resguardar os interesses das vítimas. Andrade (2012) concebe a
política criminal como uma metodologia de cura, que visa, por meio do diagnóstico,
controlar, regular e punir a população flagrada pelo sistema penal. Nascimento
(2008) comenta que o interesse pelas vítimas cresce no contexto das políticas
criminais, sendo comum às iniciativas para homenageá-las com o nome das leis. A
ausência de políticas sociais, segundo Wacquant (2005), explica o investimento do
Estado em segurança criminal, fato que, para Neri (2010), aumenta o controle social.
Decorre daí o envolvimento da comunidade na produção da denúncia e no
gerenciamento do risco (MAZZURANA, 2010).
As medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha,
conforme visto, possuem o condão de proteger a mulher, afastando o agressor de
seu convívio. A suspensão ou restrição das visitas paternas também se configura
como medida protetiva aplicada, seja com o intuito de conter a suposta violência
praticada contra os filhos, seja para evitar que eles fiquem expostos à violência
conjugal dos pais. Na hipótese da ausência de estudo prévio da relação do pai com
os filhos, realizado por equipe inter/multidisciplinar ou de provas que evidenciem
risco na relação dos filhos com o pai, restaram dúvidas sobre os critérios adotados
pelo juiz no momento de aplicar a medida. Sabe-se, apenas, que as medidas
protetivas de urgência existem e são amplamente empregadas não somente em
nome da proteção de mulheres adultas, como também de crianças e adolescentes
do sexo feminino.
Conforme exposto nesta tese, as crianças do sexo feminino, supostamente
vítimas de violência na esfera doméstica e familiar, são comumente atendidas nas
Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar, enquanto os meninos
permanecem sendo atendidos nas Varas da Infância e da Juventude, em
conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). Supõe-
se que a prerrogativa do artigo 5º, da Lei 11.340/2006: “Para os efeitos desta Lei,
configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão
baseada no gênero58 que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou
psicológico e dano moral ou patrimonial”, seja estendida para todas as situações que
envolvem a mulher, mesmo não sendo possível identificar o conflito de gênero que
180

antecedeu a prática do crime. Noutro giro, se é verdade que a violência contra a


criança do sexo feminino reflete a desigualdade de gênero, ficou pendente de
resposta que fator explica a violência perpetrada contra meninos no ambiente
intrafamiliar.
O mesmo pode ser dito sobre as situações em que as mulheres são
encaminhadas para as casas-abrigos. O inciso II, artigo 35, da mencionada lei,
estabelece que esses estabelecimentos, se necessário, devem ser disponibilizados
“para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência
doméstica e familiar”. Viu-se, nesta pesquisa, a existência de um tratamento
diferenciado dado às crianças com base no sexo e na faixa etária, permitindo que as
meninas com idade inferior à dos meninos sejam abrigadas, junto às mães, por um
período superior ao que é permitido aos meninos. Também careceu de uma
explicação plausível, a prioridade na concessão de vagas em creches para filhos de
mulheres agredidas. Estaria o direito à educação infantil condicionado à vitimização
das mães? Essas foram questões que permaneceram sem resposta.
A respeito da convivência dos filhos com o pai no contexto de aplicação das
medidas protetivas decorrentes da Lei Maria da Penha, a investigação realizada por
meio de pesquisa bibliográfica revelou poucas informações sobre o assunto, ao
passo que a pesquisa de campo evidenciou vários problemas relacionados às
dificuldades ou à perda da convivência dos homens com os filhos durante o período
de cumprimento dessas medidas. A informação de que o tempo previsto para o
julgamento dos processos criminais nas Varas de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher, em Belo Horizonte, dura, em média, três anos, contribuiu para
problematizações a respeito do exercício da paternidade em tempos de Lei Maria da
Penha.
Verificou-se, a partir dos resultados desta pesquisa, que as Varas
Especializadas de Violência Doméstica e Familiar de Belo Horizonte dificilmente
exercem a competência híbrida prevista na Lei 11.340/2006, encaminhando para as
Varas de Família as demandas referentes à guarda, à regulamentação de visitas,
aos alimentos. As Varas Criminais e as Varas de Família, eventualmente,
compartilham seus feitos no interior dos processos, e não através do diálogo
sistematizado entre os profissionais do sistema judiciário que atuam no atendimento

58
Grifo meu.
181

às demandas de partes processuais em comum. Pode ocorrer de a informação


sobre a aplicação da Lei Maria da Penha chegar ao conhecimento do psicólogo da
Vara de Família através dos próprios jurisdicionados, de um boletim de ocorrência
ou de qualquer documento acostado nos autos. Sobre esse aspecto, Mendes (2016)
comentou que a Justiça Penal e a Justiça de Família agem de maneira
compartimentada, não havendo comunicação entre elas. A autora defende a
comunicação entre os dois juízos para firmar seu posicionamento de que a Guarda
Compartilhada não deva ser deferida nas Varas de Família, se houver medidas
protetivas de urgência deferidas pelo juiz criminal, alegando ser essa modalidade de
guarda uma fonte potencializadora de mais violência não só contra a mulher, mas
também contra os filhos.
Não há dúvidas de que a comunicação entre as duas searas do Direito –
Justiça Penal e Justiça Cível - possa favorecer a prestação jurisdicional, porém
considerou-se inócua a escolha de uma área ou de outra a ser privilegiada,
conforme pretendeu Mendes (2016). Partir desse raciocínio, faria com que os
direitos fossem escalonados com base em uma visão particularizada dos Direitos
Humanos, ferindo, portanto, o próprio sentido da democracia (MOUFFE, 1992;
RIFIOTIS, 2008).
Por um lado, constatou-se, nesta pesquisa, que a Guarda Compartilhada, a
qual a Justiça Cível atribui grande importância, perde sua substância na Vara
Criminal, onde os interesses da mulher prevalecem. De outro, observou-se que
cresce a quantidade de processos com alegação de alienação parental impetrados
nas Varas de Família por homens enquadrados na Lei Maria da Penha. Em
consequência dessa situação, cresce a quantidade de demandas encaminhadas ao
Judiciário, contribuindo para a criação de leis e, por conseguinte, para a expansão
da judicialização dos conflitos familiares. Cria-se uma espécie de “roleta russa”59 da
justiça, em que todos os envolvidos são, potencialmente, atingidos. A judicialização,
conforme assinalado pelos autores (NASCIMENTO, 2014; OLIVEIRA, BRITO, 2013;
RIFIOTIS, 2008; 2012), é um processo que elege a via da legalidade para solucionar
os conflitos. De acordo com Nascimento (2014), o processo de judicialização

59
Expressão cunhada pela autora dando uma interpretação figurativa para o excesso de litigância no
Judiciário.
182

caminha nas frestas da punição, do julgamento e do uso da lei para regulação da


vida.
Os homens entrevistados nesta pesquisa expressaram seu descontentamento
com a justiça, alegando que se sentiram punidos antes do julgamento do processo,
pois tiveram que cumprir medidas protetivas de urgência fundamentadas em
proibições e obrigações impostas a eles. Relataram que a convivência paterno-filial
ficou prejudicada pelas medidas protetivas, tendo em vista que estavam proibidos de
se aproximarem da casa onde os filhos residiam e de participarem do dia a dia
deles, pois não podiam estar nos mesmos locais frequentados pela mulher. Em
alguns casos, tiveram as visitas paternas restringidas ou suspensas. Eles
mencionaram que só o fato de cumprirem medidas judiciais/educativas/terapêuticas
bastou para que fossem tratados como criminosos, sendo alvo de preconceito
perpetrado no meio social ao qual pertencem. Para eles, a Lei Maria da Penha não
só contribuiu para prejudicar o convívio paterno-filial, como também alimentou o
sentimento de desamparo e desesperança frente à justiça no Brasil.
Conforme visto nesta pesquisa, em contextos de ruptura conjugal ou de
disputa de guarda, é preciso ter cuidado para que a dimensão simbólica da
paternidade não seja negada aos filhos (HURSTEL, 1999) e que os novos arranjos
familiares da atualidade, caracterizados por sua dinamicidade e pluralidade, e
influenciados pela cultura do individualismo (BAUMAN, 2007; DUFOUR, 2005), não
negligenciem a importância da função paterna na constituição do psiquismo da
criança. A paternidade, designada com base nas três dimensões – função, papel e
pessoa – não se restringe ao desempenho de papéis, mas se constitui muito mais
pela função simbólica que ela representa (HURSTEL, 1999, LEBRUN, 2004). Assim
sendo, o descarte da função do pai se reveste de elementos subjetivos, que podem
interferir até mesmo na noção de limites pelos filhos na vida adulta (LEGENDRE,
1999).
Caso haja o enfraquecimento do lugar simbólico do pai causado pelos
conflitos conjugais dos genitores, a justiça tem uma função importante para
desempenhar, podendo operar como o terceiro interventor na trama familiar,
instituindo o limite para os próprios pais. Nesse caso, não se trata de uma justiça
empenhada em garantir os direitos individuais desconectados da vida e do social,
mas sim de uma justiça capaz de ser garantidora das montagens sociais que servem
de referência para a vida. Nas situações de proibição das visitas paternas em razão
183

de suposta violência conjugal, espera-se que a justiça saiba operar com seus
dispositivos, diferenciando a parentalidade da conjugalidade, não reduzindo a
paternidade ao desejo da mulher de que o pai exista ou não na vida de um filho.
As narrativas analisadas demonstraram que a emergência de soluções
instantâneas e simplistas para problemas complexos (BRITO, 2012) e
historicamente enraizados nas montagens sociais (COSTA, 2006; FIGUEIRA, 1987;
RAMIRES, 2014) não garantem à eficácia das políticas públicas implementadas sob
fundamento na Lei Maria da Penha. A adoção de uma política judiciária criminal,
pautada na criminalização do suposto culpado e na proteção da suposta vítima, não
contribui para o aprofundamento do debate a respeito da violência no campo
conjugal, uma vez que esvazia a dimensão subjetiva dos envolvidos, reduzindo a
discussão ao limite superficial da vítima e do culpado.
Observou-se que a política de enfrentamento à violência contra a mulher no
Brasil foca-se no discurso das vítimas, ao passo que oprime a fala dos acusados. Os
motivos que unem o casal e localizam-se subjacentes à queixa, dificultando a
manutenção ou o rompimento do vínculo de conjugalidade são minimamente
explorados e, por conseguinte, quase não se intervém sobre eles. A própria vontade
das mulheres é descartada quando ela desiste da denúncia por não desejar o
tratamento penal para seu caso. Nessas circunstâncias, a denúncia é levada adiante
pela justiça, passando a ser um problema do Estado, anulando-se os elementos
subjetivos que levam a denunciante a desistir da ação. A existência de pesquisas,
ainda que escassas, revela que a denúncia de violência por parte da mulher tem o
intuito de fazer cessá-la. Entretanto, isso não quer dizer que seja ao custo da
penalização do homem com quem ela possui uma relação de afeto. (MEDRADO,
2008; MEDRADO; LEMOS; BRASILINO, 2011; MELLO, 2010).
Ao final deste estudo, concluiu-se pela importância da inclusão dos homens
nas políticas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher,
investindo-se na criação de mais espaços de acolhimento e conversação para que
eles possam falar a respeito de sua condição frente às questões de gênero, à
construção das masculinidades, à violência nas relações familiares, à conjugalidade
e à paternidade. Embora os grupos com homens já existam, as pesquisas
consultadas a respeito desse assunto apontaram os desafios dessa modalidade de
intervenção no contexto da violência de gênero, revelando a importância de se
produzir metodologias que explorem o viés relacional e não reproduzam uma visão
184

unilateral da violência. (ACOSTA; BRONZ, 2014; BEIRAS; CANTERA, 2014). Assim,


espera-se também que a estrutura prevista na Lei Maria da Penha para o
enfrentamento da violência seja implementada na sua integralidade, e que o
Judiciário possa dispor de equipes inter/multiprofissionais para assessorar os juízes
e acolher os jurisdicionados.
Em relação à convivência paterno-filial, sugere-se que, junto à aplicação das
medidas protetivas de urgência em favor da mulher, sejam construídos meios para
viabilizar os encontros entre pai e filhos, sem expor a mulher a riscos, mas também
não subjugando o direito de convivência familiar de crianças e adolescentes às
questões de gênero entre o homem e a mulher. O investimento em espaços de
convivência, para acolher os homens na companhia de seus filhos contando com o
assessoramento de profissionais treinados, pode se configurar como uma solução
possível para os casos em que há proibição de aproximação do acusado em relação
à mulher – também mãe e guardiã da prole. Escutar as crianças também pode
ajudar na compreensão da relevância desses encontros, que marcam a
diferenciação entre conjugalidade e parentalidade, impedindo que o conflito conjugal
prejudique o exercício da paternidade.
Por fim, aspira-se a que o acesso à justiça se concretize pela porta de saída
do sistema judiciário, conforme proposto por Sadek (2014), e não seja confundido
com procedimentos de acolhimento da denúncia e de instantaneidade na aplicação
das medidas protetivas, uma vez que a efetividade da Lei Maria da Penha não se
afere pela quantidade de medidas aplicadas, mas, sim, pelos processos
solucionados que levam em conta a cidadania e a dignidade humana de todos os
envolvidos.
185

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203

ANEXO

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006.
(Vide ADI nº 4427)
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do
§ 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o
Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu


sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros
tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece
medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e
familiar.

Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda,
cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à
pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem
violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e
social.
204

Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à
vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à
justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e
à convivência familiar e comunitária.
§ 1o O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das
mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 2o Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o
efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.
Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina
e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica
e familiar.

TÍTULO II
DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher
qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico,
sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015)
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente
de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são
ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade
expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com
a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação
sexual.

Art. 6o A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de
violação dos direitos humanos.
205

CAPÍTULO II
DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA A MULHER
Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde
corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional
e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou
que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante
ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante,
perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito
de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a
manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça,
coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua
sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao
matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno
ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção,
subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos
pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a
satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou
injúria.

TÍTULO III
DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CAPÍTULO I
DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO
Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-
se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:
I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria
Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e
habitação;
206

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a


perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à
freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de
dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das
medidas adotadas;

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e
da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a
violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no
inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;
IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular
nas Delegacias de Atendimento à Mulher;
V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência
doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e
a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;
VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de
promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-
governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da
violência doméstica e familiar contra a mulher;
VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo
de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I
quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;
VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito
respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;
IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos
relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da
violência doméstica e familiar contra a mulher.

CAPÍTULO II
DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada
de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da
Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública,
entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o
caso.
207

§ 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência


doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e
municipal.
§ 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para
preservar sua integridade física e psicológica:
I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta
ou indireta;

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de


trabalho, por até seis meses.
§ 3o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o
acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os
serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente
Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros
procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.

CAPÍTULO III
DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL
Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a
mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as
providências legais cabíveis.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida
protetiva de urgência deferida.
Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a
autoridade policial deverá, entre outras providências:
I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério
Público e ao Poder Judiciário;
II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;
III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro,
quando houver risco de vida;
IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do
local da ocorrência ou do domicílio familiar;
V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro
da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos,
sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
208

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se


apresentada;
II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas
circunstâncias;
III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o
pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;
IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros
exames periciais necessários;
V - ouvir o agressor e as testemunhas;
VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes
criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências
policiais contra ele;
VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.
§ 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:
I - qualificação da ofendida e do agressor;
II - nome e idade dos dependentes;
III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.
§ 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de
ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.
§ 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos
por hospitais e postos de saúde.

TÍTULO IV
DOS PROCEDIMENTOS
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes
da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos
Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao
adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça
Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito
Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das
causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme
dispuserem as normas de organização judiciária.
209

Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta
Lei, o Juizado:
I - do seu domicílio ou de sua residência;
II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;
III - do domicílio do agressor.

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata
esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência
especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o
Ministério Público.

Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher,
de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de
pena que implique o pagamento isolado de multa.

CAPÍTULO II
DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Seção I

Disposições Gerais
Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48
(quarenta e oito) horas:
I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;
II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for
o caso;
III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a
requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato,
independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público,
devendo este ser prontamente comunicado.
§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e
poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os
direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.
210

§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder


novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender
necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o
Ministério Público.

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão
preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público
ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo,
verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem
razões que a justifiquem.

Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor,
especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação
do advogado constituído ou do defensor público.
Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.

Seção II

Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor


Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos
desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente,
as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão
competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo
de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de
comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e
psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de
atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
211

§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na


legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem,
devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.
§ 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições
mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o
juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de
urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior
imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de
incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz
requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos
§§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

Seção III

Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida


Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de
proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio,
após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens,
guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de
propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes
medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação
de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos
materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos
incisos II e III deste artigo.
212

CAPÍTULO III
DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais
decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de
violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:
I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e
de segurança, entre outros;
II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em
situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas
ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;
III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

CAPÍTULO IV
DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência
doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art.
19 desta Lei.

Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso
aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei,
em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

TÍTULO V
DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR
Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser
criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por
profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe
forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério
Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e
desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas,
213

voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e


aos adolescentes.

Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá
determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de
atendimento multidisciplinar.

Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever
recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos
termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

TÍTULO VI
DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e
julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher,
observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual
pertinente.
Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o
processo e o julgamento das causas referidas no caput.

TÍTULO VII
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 34. A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de
assistência judiciária.
Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover,
no limite das respectivas competências:
I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos
dependentes em situação de violência doméstica e familiar;
II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de
violência doméstica e familiar;
III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia
médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e
familiar;
IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;
214

V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Art. 36. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a adaptação de


seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta Lei.

Art. 37. A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser
exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área,
regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil.
Parágrafo único. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando
entender que não há outra entidade com representatividade adequada para o ajuizamento
da demanda coletiva.

Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão
incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim
de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.
Parágrafo único. As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal
poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça.

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas


competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão
estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a
implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.

Art. 40. As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios
por ela adotados.

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,
independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de
1995.

Art. 42. O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo
Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:

“Art. 313. .................................................


................................................................
IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei
específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (NR)
215

Art. 43. A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940


(Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 61. ..................................................
.................................................................
II - ............................................................
.................................................................
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou
de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;
........................................................... ” (NR)

Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal),
passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 129. ..................................................
..................................................................
§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou
companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o
agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
..................................................................
§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for
cometido contra pessoa portadora de deficiência.” (NR)

Art. 45. O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa
a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 152. ...................................................
Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá
determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e
reeducação.” (NR)

Art. 46. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação.
Brasília, 7 de agosto de 2006; 185o da Independência e 118o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Dilma Rousseff
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.8.2006
216

Mulher
POR #AGORAÉQUESÃOELAS
Por Fernanda Torres*
http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2016/02/22/mulher/
No presente, a mulher ainda apanha, ganha menos do que o homem e fechou um contrato
social impossível de ser cumprido, já que cabe a ela não só cuidar da prole, do lar, se
manter jovem e desejada, como também trabalhar para contribuir para o sustento da casa.
Sobra tempo nenhum para dormir e, muito menos, sonhar com alguma realização que vá
além dos deveres do dia.
Nas camadas mais desassistidas, o fim do casamento indissolúvel produziu milhares de
lares sem pai, onde a avó e a mãe servem de esteio para a estrutura familiar. Na falta de
creches, de escolas, do estado para ampará-las, a tarefa de criar rapazes que não repitam a
violência e o abandono dos pais e meninas que deem um basta na escravidão das mães, é
uma missão que beira o inatingível.
A maternidade interfere na vida da mulher de uma forma mais arraigada do que a
paternidade na do homem. Temos um relógio biológico certeiro, que coincide com nosso
período produtivo, interferindo nas decisões profissionais e pessoais. A fragilidade no
emprego, a dependência dos cônjuges, a falta de liberdade de ir e vir passa pela
incapacidade do feminino de se desapegar das crias. Um homem, seja ele pobre, rico, preto
ou branco, baixo, alto, feio ou bonito, dorme quando está cansado, sai quando deseja e dá
prioridade à própria agenda, sem nenhuma pressão que não a da vontade.
Algumas correntes defendem que essa diferença é cultural, mas eu acho que é biológica,
carnal, imemorial.
Sou pela licença paternidade. É um passo e tanto para que o casal, unido, divida a
responsabilidade dos primeiros meses exaustivos de um bebê. Sou favorável a que toda
fábrica tenha uma creche e tenho gratidão pelas babás que me criaram e que criaram meus
filhos, cumprindo a função da mãe social, que nos tempos da vovó menina era feito pelas
tias, primas, avós e irmãs da casa.
Invejo o companheirismo dos homens, o prazer que eles sentem de estarem juntos e se
divertirem com qualquer bobagem. Homem gosta muito de estar com homem. Não me
incomoda o machismo, confesso, talvez seja uma nostalgia de infância que carrego. A
geração que me criou era formada por machões gloriosos, de Millôr a Miéle, irresistíveis até
nos seus preconceitos.
Um editor alemão recusou publicar meu livro, Fim, dizendo que era machista. Explicaram
que a obra havia sido escrita por uma mulher e ele disse que não importava, que era
machista do mesmo jeito e não iria pegar bem na Alemanha. Está certo o editor, eu sou
latina, não consigo entrar numa sauna com todo mundo pelado e me manter isenta.
Os estupros da passagem de ano na mesma Alemanha advogam em favor do editor avesso
ao machismo. A violência contra a mulher é menor em lugares onde a igualdade entre os
sexos é melhor resolvida. Nos países muçulmanos que visitei, Marrocos, Egito, Malásia,
sempre me incomodou o olhar guloso, reprimido e repressor dos homens.
O Brasil está entre um e outro.
Minha babá era um avião de mulher, uma mulata mineira chamada Irene que causava furor
onde quer que passasse. Eu ia para a escola ouvindo os homens uivando, ganindo,
gemendo, nas obras, nas ruas, enquanto ela seguia orgulhosa. Sempre associei esse
217

fenômeno à magia da Irene. O assédio não a diminuía, pelo contrário, era um poder
admirável que ela possuía e que nunca cheguei a experimentar.
Estou certa de que essa é a minha primeira encarnação como mulher.
Apesar do talento para ser mãe, sou menos feminina do que gostaria de ser. Já beirando a
idade em que nos tornamos invisíveis ao peão da obra da esquina, rejeito as campanhas
anti fiu fiu e considero o flerte um estado de graça a ser preservado. É claro que um chefe
que mantém uma subalterna sob pressão constante merece retaliação, mas uma vida de
indiferença, onde todo mundo é neutro, não falo igual, digo neutro, sem xoxota, sem peito,
sem pau, bigode, ah… é uma desgraça.
Tenho admiração pelas mulheres livres, que não conhecem o medo e são plenas na sua
feminilidade. Certa feita, um mulherão me explicou que terminou um casamento sem brigas
e sem sofrimento porque o marido ficou homem demais. Na casa dela, pontuou a morena,
só havia lugar para um homem, e esse homem era ela.
Nunca fui mulher o suficiente para chegar a ser homem.
A vitimização do discurso feminista me irrita mais do que o machismo. Fora as questões
práticas e sociais, muitas vezes, a dependência, a aceitação e a sujeição da mulher partem
dela mesma. Reclamar do homem é inútil. Só a mulher tem o poder de se livrar das próprias
amarras, para se tornar mais mulher do que jamais pensou ser.
Um homem fêmea.

* Fernanda Torres é atriz e escritora


218

Leia também: Mea Culpa


Venho aqui pedir desculpas pelo artigo Mulher que publiquei no Blog Agora É Que São Elas,
daFolha. Jamais pensei que ele seria uma afronta tão profunda a nós mulheres. Não o teria
escrito se achasse que era esse o caso.
As críticas procedem, quando dizem que eu escrevi do ponto de vista de uma mulher branca
de classe média. É o que sou.
Minha mãe sempre trabalhou, teve um casamento que nunca cerceou o seu direito
profissional, eu cresci num ambiente de extrema liberdade, conquistada, diga-se, com a
ajuda de movimentos feministas anteriores a mim. Era uma época de um machismo muito
arraigado, do qual guardo heranças, mas que, lamentavelmente, ainda à época não estava
identificado de forma direta com o estupro e a violência.
Entendi com as respostas ao meu artigo que, hoje, os movimentos feministas lutam para
que essa associação seja clara. Inclusive no que se refere ao direito de ir e vir sem assédio.
Esperava-se de uma voz feminina que tem um espaço para se posicionar, uma opinião
menos alienada e classista diante da luta pelo fim de tanta desigualdade e sofrimento que
as mulheres enfrentaram e enfrentam pelos séculos.
Refleti durante toda semana e o que me cabe são profundas desculpas. Procurarei estar
atenta e comprometida com essas reinvindicações.
Entendi que existe uma discussão maior, que vai da cidadania ao direito ao próprio corpo, e,
acima de tudo, uma luta pela erradicação da violência contra a mulher num país já tão
violento, discussão essa que não comporta meios termos.
Sou contra o estupro, a violência, o baixo salário, o racismo, e reafirmo a importância dos
movimentos que lutam pela melhoria das condições de vida da mulher e das minorias no
Brasil.
Sou mulher e não gostaria de ser vista como inimiga desses movimentos, e nem de vê-los
como tal, porque isso não corresponde à realidade do meu sentir.
Toda vontade de mudança parte do indivíduo, é o que estou fazendo aqui. Sem a
coletividade é impossível avançar.
Prometo estar atenta. Perdão por ter abordado o assunto a partir da minha experiência
pessoal que, de certo, é de exceção.
Mea culpa.

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