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[1] O ônibus espacial Orion alcança a Estação Espacial Cinco.

Esta e a maioria das fotos


apresentadas neste caderno são de filmagens raras em 65 milímetros que não foram usadas no filme.
“2001” FX team, © & ™ Turner Entertainment Co. (s17)
[2] Arthur C. Clarke e Stanley Kubrick no módulo de pouso lunar Aries.
© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

[3] Pierre Boulat fotografa ao alvorecer, ajudado por Catherine Gire.


[4] Buscando locações para a Aurora do Homem no deserto Namib.

[5] Teste para tomada do monólito e do céu africano antes de o Sol e a Lua serem adicionados,
usando o conceito de “ponto pivotal” de Colin Cantwell.
FX team, © & ™ Turner Entertainment Co. (s17)
[6] Dan Richter como Moonwatcher intui um novo uso para o enorme fêmur.
John Alcott, © & ™ Turner Entertainment Co. (s17)
[7] O ônibus espacial de Heywood Floyd aproxima-se da estação espacial.
Geoffrey Unsworth, “2001” FX team, © & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

[8] William Sylvester como Floyd encontra um grupo de curiosos cientistas russos.
Geoffrey Unsworth, “2001” FX team, © & ™ Turner Entertainment Co. (s17)
[9] A nave espacial Aries em sua área de pouso. As janelas ainda não haviam sido preenchidas com
imagens da base lunar.
“2001” FX team, © & ™ Turner Entertainment Co. (s17)
[10] Acompanhado por funcionários da Base Clavius, Floyd examina o monólito lunar.
Geoffrey Unsworth, “2001” FX team, © & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

[11] Sylvester toca o monólito — uma ação que Dan Richter repetirá um ano mais tarde para a
sequência da Aurora do Homem.
Geoffrey Unsworth, © & ™ Turner Entertainment Co. (s17)
[12] Kubrick trabalha com seus atores sob a costumeira nuvem de fumaça de cigarro.
[13] O nascer do sol sobre o monólito lunar — a segunda tomada de “ponto pivotal” de Cantwell.
“2001” FX team, © & ™ Turner Entertainment Co. (s17)
[14] Os astronautas recuam diante de um poderoso sinal de rádio.
Geoffrey Unsworth, “2001” FX team, © & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

[15] A espaçonave Discovery rumando para Júpiter.


“2001” FX team, © & ™ Turner Entertainment Co. (s17)
[16] O olho vermelho de HAL era, na verdade, uma lente Nikon grande angular de 8 milímetros
iluminada por trás.
Geoffrey Unsworth, “2001” FX team, © & ™ Turner Entertainment Co. (s17)
[17] Gary Lockwood, no papel do astronauta Frank Poole, jogando xadrez com HAL.
Geoffrey Unsworth, “2001” FX team, © & ™ Turner Entertainment Co. (s17)
[18 e 19] Keir Dullea, no papel de Dave Bowman, sendo lançado da Discovery em sua cápsula
espacial.
Geoffrey Unsworth, “2001” FX team, © & ™ Turner Entertainment Co. (s17)
[20] Keir Dullea e Gary Lockwood, no papel dos astronautas Dave Bowman e Frank Poole, sentados
diante do painel do computador HAL no formidável cenário de centrífuga da Discovery.
[21] Balançando preso a cabos, o dublê Bill Weston atua como Dave Bowman recuperando a unidade
guia da antena.

[22] O controlador de missão Frank Miller dá a notícia de que HAL está cometendo erros.
[23] Poole e Bowman conversam sobre HAL, visível através da janela da cápsula em que eles
estavam, ostensivamente para que ele não os ouvisse — embora HAL esteja lendo os lábios deles.
[24] Visto aqui em um momento mais descontraído, Kubrick com frequência empunhava uma ou
mais câmeras durante a produção. Nessa foto ele tem duas.
[25] Assistindo a um vídeo de dentro da centrífuga durante a filmagem. O cinegrafista Geoffrey
Unsworth está à esquerda de Kubrick e o assistente de câmera John Alcott está atrás.
[26] Poole vai recuperar uma segunda unidade guia da antena supostamente defeituosa.

[27] Imitando uma pose do filme Frankenstein, de 1931, a cápsula de Poole ataca o astronauta no
espaço quando sob o controle de HAL.
[28] Bill Weston como Poole, esforçando-se para reconectar seu tubo de oxigênio, que foi cortado.
Diante das condições de trabalho de Weston, a sensação não era estranha a ele.
[29] Bowman recupera o corpo de Poole, que girava pelo espaço — uma das atuações mais difíceis
de Weston como dublê.

[30] Bowman marcha com uma expressão sombria em direção ao Compartimento do Cérebro de
HAL.
[31] Após desligamento de HAL, seu olho se apaga completamente.
[32] Uma das primeiras tomadas com efeitos mostrando a silhueta do monólito contra a versão de
Doug Trumbull do planeta Júpiter.

[33] Material não utilizado do Portal Estelar no qual a cápsula espacial em alta velocidade (a esfera
branca perto do centro) era vista do lado de fora.
[34] Kubrick enquadra uma tomada no Quarto de Hotel.
[35 e 36] Dullea como Bowman morre e renasce como Filho das Estrelas.
[37] Recorte de uma tomada na qual o Filho das Estrelas se aproxima do planeta Terra.
[38] Com quase doze metros de diâmetro e pesando trinta toneladas, a centrífuga de 2001, vista aqui
de fora, foi um dos maiores e mais caros cenários móveis já construídos.
Michael Benson

2001:
Uma odisseia no espaço
Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke
e a criação de uma obra-prima

tradução
Álvaro Hattnher
Cláudio Carina
Em memória do meu pai, Raymond E. Benson,
2 de novembro de 1924 – 12 de novembro de 2017
Política e religião estão obsoletas.
Chegou a vez da ciência e da espiritualidade.
Vinoba Bhave

Citado por Arthur C. Clarke em sua apresentação no quinto simpósio


Robert Goddard Memorial na American Astronautical Society, em
Greenbelt, Maryland, no dia 14 de março de 1967. Clarke erroneamente
atribuiu a frase ao primeiro-ministro indiano Jawaharlal Nehru, que
frequentemente citava Bhave. A última frase foi grifada por Stanley
Kubrick em sua cópia do discurso de Clarke.
Personagens principais

1. Prólogo: A odisseia
2. O futurista
3. O diretor
4. Pré-produção, Nova York
5. Borehamwood
6. A produção
7. Na corda bamba
8. A Aurora do Homem
9. Fim de jogo
10. Simetria e abstração
11. Lançamento
12. Resultados
Agradecimentos

Termos para busca

Crédito das imagens

Autor
Créditos
Personagens principais
(Em ordem de aparição)

Stanley Kubrick – diretor e produtor do filme


Arthur C. Clarke – futurista, escritor de ficção científica, ensaísta
Christiane Kubrick – artista plástica, atriz, esposa de Stanley
Carl Sagan – astrônomo; posteriormente um célebre autor
Mike Wilson – parceiro de Clarke nos anos 1950 e 1960
Roger Caras – assessor de imprensa e vice-presidente das duas empresas
de Kubrick, Hawk Films e Polaris Productions; depois, um proeminente
defensor dos direitos dos animais
Scott Meredith – agente literário de Clarke em Nova York
Hector Ekanayake – assistente e, posteriormente, sócio de Clarke
Ray Lovejoy – assistente de Kubrick e principal montador do filme
William Sylvester – ator, fez o papel de Heywood Floyd
Con Pederson – supervisor de efeitos visuais
Doug Trumbull – supervisor de efeitos visuais
Robert Gaffney – diretor de fotografia, conselheiro de Kubrick, diretor de
segunda unidade dos planos aéreos
Louis Blau – advogado de Kubrick em Los Angeles e figura próxima do
diretor
Wally Gentleman – diretor de efeitos visuais do filme, posteriormente
substituído
Douglas Rain – ator canadense, a voz do computador HAL-9000
Fred Ordway – consultor técnico-científico
Harry Lange – artista gráfico e designer de produção do filme
Robert O’Brien – presidente e CEO da MGM
Keir Dullea – ator, fez o papel de Dave Bowman
Gary Lockwood – ator, fez o papel de Frank Poole
Victor Lyndon – produtor associado
Tony Masters – designer de produção chefe
Bob Cartwright – cenógrafo do filme, posteriormente substituído
Tony Frewin – assistente do diretor
Ernie Archer – designer de produção, assistente de Tony Masters
Wally Veevers – supervisor de efeitos visuais
Brian Johnson – assistente de efeitos especiais
Robert Beatty – ator, fez o papel de Ralph Halvorsen
Geoffrey Unsworth – diretor de fotografia
Derek Cracknell – primeiro assistente de direção
Kelvin Pike – operador de câmera
David de Wilde – primeiro assistente do montador
John Alcott – assistente de Geoffrey Unsworth, diretor de fotografia da
sequência Aurora do Homem
Bryan Loftus – assistente de efeitos especiais
Andrew Birkin – assistente do diretor
Stuart Freeborn – chefe de maquiagem
Dan Richter – mímico, fez o papel de Moonwatcher
Bill Weston – dublê
Tom Howard – supervisor de efeitos visuais
Pierre Boulat – fotógrafo de stills dos cenários desérticos da sequência
Aurora do Homem
Colin Cantwell – efeitos especiais
Jan Harlan – Cunhado de Kubrick e conselheiro musical informal do
diretor
Capítulo 1

Prólogo:
A odisseia
A falta de sentido da vida faz o homem criar seu próprio sentido.
Stanley Kubrick

O século XX produziu duas grandes versões modernas da Odisseia de


Homero. A primeira foi o Ulysses de James Joyce, que concentrou a
jornada de uma década de Ulysses em uma única cidade, Dublin, e em um
dia aparentemente arbitrário, 16 de junho de 1904. Em Ulysses o papel do
astuto rei de Ítaca foi interpretado por um cidadão comum, Leopold Bloom
— um pacífico judeu, traído pela mulher, dono de uma vida interior
fascinante e incomum, uma vida que o autor nos permite ouvir de maneira
muito vívida. Serializado entre 1918 e 1920, foi publicado na íntegra em
1922.
A segunda foi 2001: Uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick e
Arthur C. Clarke, filme no qual as ilhas do sudeste do Mediterrâneo se
transformaram nos planetas e luas do sistema solar, e o mar cor de vinho se
transformou no vácuo do espaço interplanetário, interestelar e até
intergaláctico.
Filmado em 65 milímetros, em formato panorâmico e inicialmente
exibido em gigantescas telas curvas de Cinerama em salas especialmente
adaptadas, 2001 estreou em Washington em 2 de abril de 1968 e na cidade
de Nova York no dia seguinte. Produzido e dirigido por Kubrick e
concebido em colaboração com Clarke, um dos principais escritores da “era
de ouro” da ficção científica, o filme tinha originalmente 161 minutos de
duração. Porém, depois de uma desastrosa série de exibições prévias e
estreias, o diretor o reduziu para mais enxutos 142 minutos.
Se a estratégia de Joyce foi transformar Odisseu em um flâneur
meditativo e benevolente e reduzir dez anos de perigos e fugas engenhosas
a 24 horas nas proximidades do rio Liffey, Kubrick e Clarke fizeram a
abordagem oposta. Usando a ciência como uma espécie de prisma, que
durante os séculos XIX e XX transformou totalmente nossa percepção de
tamanho e duração do Universo, eles expandiram enormemente os
parâmetros espaço temporais de Homero. 2001: Uma odisseia no espaço
abarcou 4 milhões de anos de evolução humana, desde os homens-macacos
australopitecos que lutavam para sobreviver no sul da África até o Homo
sapiens que viaja pelo espaço no século XXI, para finalmente chegar à morte
e ao renascimento de seu Odisseu astronauta, Dave Bowman, como uma
misteriosa “criança das estrelas” pós-humana. Na cena final, o feto
flutuante retorna à Terra enquanto Assim falou Zaratustra, de Richard
Strauss, explode na trilha sonora.
Em 2001: Uma odisseia no espaço, os intrometidos deuses da
Antiguidade se tornaram uma super-raça alienígena inescrutável e vigilante.
Nunca vistos diretamente, eles se precipitam de tempos em tempos de seu
Olimpo galáctico para intervir nos assuntos humanos. O instrumento de seu
poder, um monólito negro retangular, aparece em pontos de inflexão
fundamentais do destino da humanidade. Visto pela primeira vez entre
esfomeados homens-macacos em uma desértica paisagem africana na
Aurora do Homem, o totêmico artefato extraterrestre de 2001 faz surgir em
nossos distantes ancestrais a ideia da utilização de ossos como armas para
ter acesso à proteína animal abundante que pastava à sua volta. Essa
sugestão do uso de armas orienta implicitamente a espécie na direção da
sobrevivência, do sucesso — e, finalmente, da dominação do mundo por
meio da tecnologia.
Depois de saltar para esse futuro feliz com um corte temporal que
merecidamente ganhou a reputação de ser a transição mais extraordinária da
história do cinema, ficamos sabendo que uma equipe de pesquisa lunar
descobriu outro monólito — ao que tudo indica, enterrado milênios atrás,
sob a superfície da Lua. Quando escavado e atingido pela luz do sol pela
primeira vez em milhões de anos, o monólito dispara um poderoso sinal de
rádio em direção a Júpiter — evidentemente um sinal que alerta seus
construtores sobre o surgimento de uma espécie terrestre capaz de
empreender viagens espaciais. Uma gigantesca espaçonave, a Discovery, é
enviada para investigações.
Embora os paralelos com a Odisseia não estejam tão costurados na
estrutura de 2001 como em Ulysses, eles certamente existem.
Provavelmente incitado por uma programação errônea, um
supercomputador chamado HAL-9000 — representado por uma voz calma e
incorpórea e por brilhantes olhos ciclópicos posicionados por toda a
Discovery — se rebela e mata a maior parte da tripulação. O único
astronauta sobrevivente, o comandante da missão Dave Bowman
[literalmente, Homem do Arco], precisa travar um duelo mortal com o
computador. Além de duelar com um ciclope cibernético, o nome do
astronauta remete a Odisseu, que retorna a Ítaca e, com o Arco de Apolo,
dispara uma flecha que atravessa doze cabos de machado para matar os
pretendentes de sua esposa. Uma nostos, ou volta ao lar, era tão necessária
para a Odisseia de Kubrick e Clarke quanto para a de Homero.
Da mesma forma que Joyce, os autores de 2001, ao manter sua visão
expansiva, tomaram os paralelos com Homero como um ponto de partida,
não como palavra final. Quando os dois começaram a trabalhar, em 1964, a
motivação inicial era estudar as estruturas universais de todos os mitos
humanos. Nisso eles foram ajudados pelo magistral estudo de Joseph
Campbell, O herói de mil faces, que forneceu um modelo para a criação de
uma nova obra mitológica. No início da colaboração entre os dois, Kubrick
mencionou a Clarke um trecho relacionado ao rito universal de passagem de
todos os heróis mitológicos, que Campbell dizia abranger invariavelmente
“separação — iniciação — retorno”. Essa estrutura tripartite “pode ser
chamada de unidade nuclear do monomito”, escreveu Campbell — termo
emprestado de Joyce, que o cunhou em seu último grande trabalho,
Finnegans Wake.
O trabalho de Campbell ajudou Kubrick e Clarke a pesquisar os anseios
mitológicos humanos em trabalhos arquetípicos, expandindo o modelo para
abranger não somente uma história e um herói, e nem mesmo apenas uma
espécie, mas toda a trajetória da humanidade — “de macaco a anjo”, como
definiu Kubrick em 1968. Nisso eles remetem abertamente ao Assim falou
Zaratustra, o romance filosófico de Friedrich Nietzsche de 1891, com seu
conceito de humanidade como mera espécie em transição — senciente o
bastante para entender suas origens animais, mas ainda não
verdadeiramente civilizada. Foi uma ideia a que ambos puderam aderir,
Clarke com seu otimismo inato quanto às possibilidades humanas, e
Kubrick com seu ceticismo profundamente arraigado. Foi esse aparente
entrelaçamento contraditório de visões de mundo que conferiu a 2001: Uma
odisseia no espaço sua instigante fusão entre agnosticismo e fé, entre
cinismo e idealismo, entre morte e renascimento.
Kubrick encontrou em Clarke a parceria criativa mais equilibrada e
produtiva de sua carreira. Embora o diretor tenha tomado todas as decisões
cruciais durante a produção do filme, o projeto teve início — e continuou
assim nos aspectos mais importantes — com uma relação basicamente
igualitária entre dois personagens muito diferentes e criativos, cada um à
sua maneira. Assim como Joyce, ambos eram expatriados, pois Kubrick e
família se estabeleceram definitivamente na Inglaterra durante a produção
de 2001, e Clarke já morava no Ceilão — atual Sri Lanka — desde 1956,
onde morreu em 2008.
Quando do lançamento de 2001, em 1968, Kubrick tinha 39 anos — a
mesma idade de Joyce quando Ulysses foi serializado. Kubrick estava no
auge de sua criatividade, tendo realizado dois dos maiores filmes do século
XX. Os dois faziam uma devastadora crítica ao comportamento humano,
moldado por uma mentalidade militar. Lançado em 1957, Glória feita de
sangue condenava de maneira incisiva a hipocrisia do alto-comando francês
durante a Primeira Guerra Mundial — ainda que seu significado não se
limitasse somente a um Exército ou conflito específicos. E Dr. Fantástico,
escrito em colaboração com Peter George e Terry Southern, tocou no ponto
nevrálgico da questão da corrida armamentista nuclear da Guerra Fria: ao
mesmo tempo uma crítica radical e uma comédia cáustica de humor negro.
Estrondoso sucesso de crítica e público, o filme estabeleceu a base para o
necessário apoio de um grande estúdio para a realização de 2001.
A intenção de Kubrick era encontrar um romance já publicado ou um
conceito-fonte e adaptá-lo para a tela, com sua visão sempre sombria —
mas não necessariamente desesperada — da condição humana. Polímata
autodidata, em diversos aspectos Kubrick foi um diretor perfeito em
diferentes gêneros, transitando de modo virtuosístico entre categorias e
formas cinematográficas estabelecidas com uma inteligência indócil e
analítica, sempre transcendendo e expandindo seus limites. Durante sua
carreira, reinventou e redefiniu os filmes noir, os filmes de guerra, de
época, de terror e os épicos de ficção científica, sempre transformando e
revigorando o gênero com uma pesquisa extensa e prolongada, seguida por
um intransigente rompimento com clichês e elementos irrelevantes.
Kubrick abordava cada filme como uma grande investigação,
esmiuçando seu tema com uma incansável tenacidade perfeccionista, como
se quisesse abrir todos os seus segredos e possibilidades. Quando se decidia
por um tema, submetia-o a anos de questionamentos, lia tudo a respeito e
explorava todos os aspectos antes de acionar o incômodo maquinário de
filmagem. Tendo concluído sua pesquisa de pré-produção, dirigia seus
filmes com a autoridade de um déspota esclarecido. Depois de ter se
submetido às restrições de trabalhar como diretor de aluguel em Spartacus,
em 1960, Kubrick organizou uma espécie de revolta de escravos pessoal e
nunca mais trabalhou num projeto que ele mesmo não produzisse. Ainda
que estúdios como a MGM na prática pagassem as contas e exercessem certa
influência, Kubrick gozava de independência artística quase completa.
(Ainda, Spartacus, produzido e estrelado por Kirk Douglas, marcou a
introdução definitiva de Kubrick no cinema de grandes orçamentos de
Hollywood. O filme, que dramatiza a trajetória sangrenta de um gladiador
trácio enquanto lidera uma revolta contra Roma, ganhou quatro Oscars e
um Globo de Ouro por Melhor Filme Dramático.)
Como exemplo de seus métodos ne plus ultra, 2001: Uma odisseia no
espaço se baseou num extenso trabalho de campo de pré-produção que
continuou durante a produção — um projeto ininterrupto e bem
fundamentado que permeou as filmagens e se estendeu também pelo
processo de pós-produção (que, dada a importância de seus efeitos visuais,
foi na verdade uma produção com outro nome). Durante todo o processo,
Kubrick e sua equipe inauguraram uma variedade de técnicas
cinematográficas inéditas e inovadoras. Extremamente heterodoxa em
produções de grande orçamento, essa abordagem improvisadora e baseada
em pesquisas era muito incomum em um projeto dessa escala. O filme 2001
nunca teve um roteiro definitivo. Aspectos essenciais do enredo
permaneceram desconectados mesmo durante as filmagens. Cenas
importantes foram modificadas até se tornarem irreconhecíveis ou serem
totalmente descartadas quando chegava sua vez no cronograma. Chegou a
ser filmado um prólogo em forma de documentário apresentando cientistas
renomados discutindo inteligência extraterrestre, projeto depois
abandonado. Foram construídos cenários gigantescos, considerados
necessários, que acabaram rejeitados. Um monólito de plexiglas
transparente de duas toneladas foi produzido a um custo enorme para depois
ser descartado como inadequado. E assim por diante.
Durante todo esse tempo, Kubrick e Clarke não deixaram de dialogar.
Uma estratégia com que os dois concordaram antecipadamente foi a de que
a metafísica, e mesmo os elementos místicos de sua história, tinham de se
basear em conceitos técnicos e científicos absolutamente realistas. Os
ônibus espaciais, as estações orbitais, as bases lunares e as missões a Júpiter
de 2001 se basearam em pesquisas reais e em sua confecção foram
adicionadas informações rigorosas, em geral prestadas por empresas
americanas de destaque na época, ativas no fornecimento de tecnologia e
expertise para a Nasa. No final de 1965, George Mueller, diretor do
programa lunar Apollo, visitou as instalações do estúdio de 2001 ao norte de
Londres. Depois de um passeio pelos cenários em construção e de examinar
detalhados modelos em escala de centrífugas e espaçonaves, o homem
encarregado de transportar pessoas à Lua e trazê-las de volta à Terra em
segurança — sem dúvida, a viagem mais odisseica realizada pela espécie —
ficou tão impressionado que chamou a produção de “Nasa Leste”.
Clarke tinha cinquenta anos quando 2001 foi lançado. Quando Kubrick
entrou em contato com ele, em 1964, o autor já tinha uma carreira
extraordinariamente prolífica. Mais conhecido como escritor de romances e
contos de ficção científica de imaginação fértil, era também um vigoroso
ensaísta e um dos principais defensores da expansão da humanidade pelo
Sistema Solar. Além de sua produção ficcional e não ficcional, um artigo de
Clarke, de 1945, sobre “relés extraterrestres”, publicado no periódico
britânico Wireless World, propunha um sistema global de satélites
geoestacionários, que, ele argumentava, revolucionaria as telecomunicações
globais. Embora algumas das ideias apresentadas já estivessem em
circulação, ele as sintetizou de forma impecável, e o trabalho foi
considerado um documento importante da Era Espacial e da Revolução da
Informação.
Os livros de ficção de Clarke foram muito influenciados pelo trabalho
do escritor de ficção científica britânico Olaf Stapledon (1886-1950), cujos
seminais Last and First Men e Star Maker abordaram múltiplas fases da
evolução humana ao longo de incomensuráveis escalas de tempo. Os
primeiros romances de Clarke, O fim da infância (1953) e A cidade e as
estrelas (1956), também abarcaram períodos de tempo tão extensos que
analisaram, em grandes e monumentais detalhes, diversas mudanças
civilizacionais. Considerado seu melhor trabalho, O fim da infância termina
com a raça humana rumo a uma acelerada transformação evolucionária,
operada por uma raça alienígena benevolente, os “Senhores Supremos”. Em
O fim da infância, a humanidade é retratada como obsoleta — destinada a
ser substituída por uma espécie sucessora relacionada, estranhamente
composta por crianças. A estranha visão que Clarke tinha da humanidade
ultrapassando sua infância foi também diretamente influenciada pelo grande
cientista espacial russo e futurista Konstantin Tsiolkovsky, que afirmou em
ensaio publicado em 1912: “A Terra é o berço da mente, mas a humanidade
não pode continuar em seu berço para sempre”. Como credo utópico central
da Era Espacial, o pronunciamento de Tsiolkovsky encontraria uma
expressão direta nas cenas finais de 2001.
Bem como em Ulysses, 2001 foi inicialmente recebido com variados
graus de incompreensão, indiferença e desdém — mas também com
admiração e espanto, principalmente pela geração mais jovem. As primeiras
apresentações foram uma provação angustiante, e a estreia em Nova York
provocou reações como vaias, assobios e saídas de espectadores em massa.
A maioria dos principais críticos da cidade repudiou o filme, alguns em
termos pessoais e humilhantes. E assim como ocorreu com Joyce cinquenta
anos antes, alguns pares de Kubrick e Clarke se excederam na depreciação
do longa. O diretor russo Andrei Tarkovsky, talvez o maior cineasta do
século XX, considerou 2001 repulsivo. Definindo-o como “falso em muitos
pontos”, ele argumentou que sua fixação nos “detalhes da estrutura material
do futuro” resultou numa transformação da “fundação emocional de um
filme, como obra de arte, em um esquema sem vida, apenas com pretensões
à verdade”. Logo após o lançamento, o amigo e colega Ray Bradbury
escreveu uma resenha negativa, criticando o ritmo lento e os diálogos
banais de 2001. E ofereceu uma solução: deveria ser “impiedosamente
passado por um moedor”.
Em retrospecto, essas manifestações iniciais de hostilidade e
incompreensão podem ser entendidas como resultado das inovações
radicais do filme em termos de técnica e estrutura — outra semelhança com
Ulysses. Elas foram seguidas por relutantes reavaliações, ao menos por
parte de alguns, que passaram a perceber o filme como a materialização de
uma obra de arte realmente importante. Hoje, 2001: Uma odisseia no
espaço é reconhecido como um divisor de águas, um desses trabalhos
extremamente raros que definirão para sempre seu período histórico e serão
objeto de estudo enquanto nossa civilização se mantiver reconhecível como
humana. De modo mais simples, o filme mudou a maneira como pensamos
sobre nós mesmos. Por esses mesmos motivos, também resiste a
comparações com a obra-prima de James Joyce.
As duas Odisseias modernistas pediam à plateia que aceitasse novas
maneiras de absorver uma narrativa. Embora não tenha inventado o fluxo
de consciência e o monólogo interior como artifícios literários, Joyce
transportou-os a níveis novos de proficiência e complexidade. Kubrick não
criou vias indiretas autorais e narrativas imagéticas sem diálogos —, mas,
ao transpor esses elementos para o gênero da ficção científica e
estabelecendo-os dentro de uma vasta expansão de espaço e tempo de toda
a espécie humana, o diretor de fato elevou seu patamar. O filme 2001 é
essencialmente uma experiência não verbal, mais comparável a uma
composição musical do que ao cinema comercial comum, baseado em
diálogos. Filme de arte com orçamento de blockbuster hollywoodiano, 2001
exigiu das plateias algo a que não estavam habituadas: “Prestar atenção com
os olhos”, como definiu Kubrick.
O retrato fluido e impressionista de uma Dublin provinciana nos
permitiu experimentar correntes de pensamento humano e sentimentos
previamente inacessíveis. Com 2001: Uma odisseia no espaço, Kubrick e
Clarke apresentaram uma visão perturbadora da transformação humana
associada à tecnologia, posicionando assim nossos esforços dentro de uma
estrutura colossal e evocando a existência de entidades extraterrestres tão
poderosas a ponto de serem divinas. Ambas as obras foram altamente
influentes, com inúmeras sucessoras lutando para se igualar a elas em
termos de fôlego filosófico e virtuosismo técnico. Nenhuma das duas ainda
foi superada.

***

Meu envolvimento de toda uma vida com 2001 começou na primavera de


1968, quando eu tinha seis anos de idade. Minha mãe, uma legítima
admiradora de Clarke, me levou a uma matinê algumas semanas depois da
estreia do filme. Não sei bem se foi em Washington (onde então
morávamos) ou em Nova York (que é como me lembro). Apesar de
empolgado com a aventura especial representada na época pelo programa
Apollo — que já havia lançado dois de seus foguetes lunares Saturn V em
testes de voos não tripulados —, eu não estava preparado para uma primeira
exposição a uma obra poderosa, ambígua e visualmente brilhante como
aquela.
Aos seis anos, claro que nossos receptores sensoriais estão mais abertos
do que nunca, e me considero afortunado por ter assistido ao filme naquela
idade. O prólogo da Aurora do Homem foi ao mesmo tempo inquietante e
arrebatador, e a misteriosa aparição do monólito, acompanhada pelo lúgubre
e profano Requiem, de György Ligeti, reverberou na minha imaginação
infantil com poderosas nuances de mistério, admiração e horror. A
descoberta extasiante do líder dos homens-macacos de que um osso pesado
poderia ser usado como arma, cena que Kubrick concebeu com uma
afirmação cinemática sem palavras, não precisava de explicação e nem ao
menos exigiu uma compreensão consciente. Falava sua própria linguagem
e, como o restante do filme, a autoridade e o poder das imagens não
precisavam de uma compreensão literal.
As cenas lunares, de voos e caminhadas espaciais, se mostraram
hipnóticas. Os efeitos de gravidade zero no corpo humano foram
transmitidos com um realismo absolutamente convincente. A metódica
lobotomia realizada por Bowman em HAL não poderia ser mais inquietante e
estranhamente amedrontadora. E a sensacional sequência abstrata do Portal
Estelar, que transforma Bowman num homem mais velho, em múltiplos
estágios antes de ser visto em seu leito de morte, dentro de um
fantasmagórico quarto de hotel — e sua transformação final num etéreo feto
flutuante —, foi para mim fascinante.
Mas boa parte do filme também foi incompreensível, e saí andando com
minha mãe pela calçada dessa cidade, exauridos com a sobrecarga de
deslumbramento e sendo obrigados a estreitar os olhos na ofuscante luz do
sol do final da tarde. “Mas o que significava aquilo?”, eu choramingava.
“Eu não sei!”, respondia minha mãe, resposta a que dou muito valor. Ela
sempre foi honesta comigo — continua sendo até hoje.
Muito mais tarde entendi que o poder de 2001 sobre mim, na época e
nos anos seguintes, derivava ao menos parcialmente de circunstâncias
pessoais. Filho de pais do Corpo Diplomático, eu já tinha morado em
Belgrado, na Iugoslávia, e em Hamburgo, na Alemanha Ocidental — dois
países que não existem mais. Embora fosse americano de nascimento, meu
mundo era o mundo, e minha identidade em desenvolvimento era global por
natureza. O ponto a que estou querendo chegar é que acredito que, mesmo
aos seis anos de idade, eu apreendi de um jeito pré-consciente e precoce que
vivemos num mundo complexo, permeado por múltiplas culturas,
perspectivas e maneiras de ser contraditórias. Infelizmente, um indesejado
efeito colateral de mudar de país com tanta regularidade pode resultar numa
sensação de não pertencer a lugar nenhum — a chamada síndrome da
“terceira cultura” do garoto expatriado.
Eu arriscaria cair num clichê simplificador se dissesse que 2001: Uma
odisseia no espaço me ajudou a me sentir em casa no mundo. Mas não há
dúvida de que, como qualquer grande obra-prima que exerça um impacto
decisivo sobre uma pessoa, o filme fez isso por uma excelente razão. Com o
passar dos anos, assisti ao filme muitas vezes, e sempre me impressionou
por ser um relato extraordinariamente revelador da condição humana em
um cosmo assombrosamente enorme e indiferente. A magnificência visual e
a integridade artística inflexível da realização de Kubrick e Clarke tornaram
irrelevante a exatidão de seus detalhes específicos. Desde que o filme foi
lançado, por exemplo, os paleoantropólogos invalidaram boa parte da
representação da transição entre homens-macacos vegetarianos e caçadores
carnívoros, que na época baseou-se no trabalho do paleontólogo Raymond
Dart. E, ao menos até agora, não dispomos de evidências convincentes nem
mesmo de vida microbiológica fora da Terra, muito menos da existência de
intrusos extraterrestres superpoderosos, misteriosamente interessados em
nosso progresso evolutivo. (Claro que um forte indício de que existe vida
inteligente lá fora pode muito bem ser o fato de os extraterrestres não terem
vindo até aqui — como Clarke costumava brincar.)
Infelizmente, a previsão de Kubrick e Clarke de que a Lua e outros
planetas seriam colonizados por seres humanos não se realizou — ou ao
menos nem chegou perto do que os autores imaginaram. O filme foi feito
quando o orçamento da Nasa estava em seu auge absoluto, por isso a
extrapolação dos dois autores é compreensível. (Clarke chegou a fazer uma
previsão para Kubrick: “Este será o último grande filme espacial que não
será rodado em locação”.) Na verdade, desde o retorno da última tripulação
da Apollo do Vale de Taurus-Littrow, na Lua, em 1972, quatro anos após o
lançamento do filme, nenhum ser humano se aventurou para além da baixa
órbita terrestre. De lá para cá a verdadeira exploração espacial tem sido
conduzida exclusivamente por espaçonaves automatizadas. Mesmo se
considerarmos as tentativas de HAL de matar a tripulação da Discovery a fim
de seguir para Júpiter sem a incômoda interferência humana como uma
previsão dessas circunstâncias (e trata-se de uma interpretação válida), as
falhas do filme em sua precisão são irrelevantes. Assim como Joyce — ou
como o próprio Homero — os autores de 2001 estavam arquitetando uma
história. Como em qualquer ficção, eles criaram sua própria realidade, que
precisa ser considerada sob esse ponto de vista.
De qualquer forma, o retrato de Kubrick e Clarke da humanidade do
século XXI suspensa em uma trajetória evolucionária que se estende por
milhões de anos, o transcorrer da história dentro de um universo estelar
potencialmente pleno de civilizações antigas, a representação dos seres
humanos como peças dessensibilizadas da maquinaria que criaram e a
evocação de uma inteligência artificial criada pela genialidade humana,
ainda que motivada por um erro humano em conflito com seu criador —
tudo isso tinha, e ainda tem, um toque de verdade aguda e sinistra. Nunca
pergunte por quem os monólitos dobram.

***

Não cheguei a conhecer Kubrick, embora tenha tido o privilégio de


conversar durante horas com sua viúva, Christine, na impressionante
residência do casal em Childwickbury, no norte de Londres. Mas conheci
Arthur C. Clarke durante sua última década de vida, e o visitei três vezes no
Sri Lanka, da última vez com minha família a tiracolo. Quando o encontrei
pela primeira vez, justamente em 2001, ele já estava confinado a uma
cadeira de rodas devido a uma doença progressiva chamada síndrome de
pós-poliomielite, mas ainda era uma figura atenta, otimista, com um senso
de humor cáustico, sempre pronto para uma discussão profunda e disposto a
mobilizar uma pequena carreta motorizada para me mostrar os arredores e a
parte sul da ilha. Conversamos bastante sobre 2001: Uma odisseia no
espaço, e apesar do fato de que tudo o que ele tinha a dizer já ter sido
publicado de uma forma ou de outra, às vezes Clarke surgia com lampejos
que se provaram valiosos na elaboração deste livro. Foi Clarke, por
exemplo, quem me contou sobre a antipatia instantânea de Kubrick por seu
amigo Carl Sagan — algo que eu não poderia supor sem essa informação.
Em um de nossos primeiros encontros, tive a ousadia de perguntar quem
havia escrito a cena que talvez seja a mais poderosa de 2001, aquela em que
Dave Bowman, depois de reentrar à força em sua nave, vai ao
Compartimento do Cérebro de HAL e desprograma o computador. “Quem
você acha que a escreveu? Fui eu!”, Clarke vociferou, fingindo indignação.
Apesar de ter aceitado sua afirmação, o motivo da minha pergunta — e eu
disse isso a ele — foi o fato de a sequência ter uma intensidade gélida que
me parecia mais kubrickiana do que clarkeana. No fundo, como costuma
acontecer com qualquer grande dupla de colaboradores, a verdade fica em
algum ponto no meio do caminho. Enquanto Clarke parece ter concebido a
cena até certo ponto — ou ao menos apresentado a proposta cartesiana de
que uma inteligência artificial está viva, e que portanto pode ser ferida —,
foi Kubrick quem de fato a escreveu, assim como a maior parte dos
diálogos de 2001. Diálogos que afinal não são muitos: o filme tem menos
de quarenta minutos de palavras faladas em seus 142 minutos de duração.
Pode-se dizer que, nesse caso, Kubrick cuidou da letra e Clarke compôs a
melodia — algo que o último não estava particularmente preparado para
admitir mais de três décadas depois para um tipo pretensioso como eu, o
que é compreensível.
É claro que isso cria um paradoxo. Clarke era o escritor e Kubrick era o
cineasta, por isso qualquer um pode ser perdoado por supor que as falas
presentes em 2001 deveriam ter sido geradas na máquina de escrever
portátil de Clarke em algum momento entre 1964 e 1968. Mas não. Quase
todas as cenas foram reescritas inúmeras vezes pelo diretor durante as
filmagens, que se prolongaram por mais de seis meses — sem considerar a
sequência sem diálogos da Aurora do Homem —, do final de dezembro de
1965 a meados de julho de 1966. (O prólogo pré-histórico foi rodado no
verão de 1967.) Ao longo de toda a produção do filme, especialmente
durante a edição, o instinto de Kubrick foi remover o máximo possível de
explicações verbais em favor de indicações puramente visuais e sonoras.
Para consternação de seu colaborador, isso incluiu as narrativas em off, que
tinham como função original enquadrar a história.
Assim, Kubrick eliminou o que teria sido uma superestrutura de
verdades declaradas de forma ostensiva. Fez isso sem necessariamente
perdê-las por completo; apenas ficaram implícitas, e não explícitas. O
resultado foi uma obra-prima de significados oblíquos, viscerais e apenas
intuídos. A representação intencional da estrutura mitológica de 2001, sua
insistência num cinema experimental e em primeira pessoa e a inerente
opacidade de suas “verdadeiras” mensagens permitiram que os espectadores
projetassem suas próprias interpretações. É uma das principais razões da
força e da relevância duradouras do filme.
Finalmente, 2001: Uma odisseia no espaço fala da nossa situação como
criaturas conscientes de nossa própria mortalidade, cientes das limitações
inerentes à nossa imaginação e capacidade intelectual, ainda que almejando
estados mais exaltados e planos mais elevados do ser. E é nesse aspecto que
o filme mais se revela como um trabalho profundamente colaborativo.
Embora seja obviamente de Kubrick, o filme também é de Clarke, e
representa uma grande síntese de temas sobre os quais o escritor vinha
trabalhando havia décadas.
Estes incluem o renascimento da espécie em uma nova forma
transcendente. Apesar de ter sido necessário o brilho de Kubrick para
representá-la dessa maneira, não foi por acaso que a única visão mais
otimista do filme — o Filho das Estrelas de 2001 — tenha sido ideia de
Clarke. A aliança entre esses dois homens talentosos e idiossincráticos
durante os quatro anos decorridos até que 2001: Uma odisseia no espaço
chegasse às telas exigiu paciência e sensibilidade de ambas as partes. Foi a
colaboração mais importante da vida dos dois.
Capítulo 2

O futurista
INVERNO – PRIMAVERA DE 1964

Cada especialista tem um especialista equivalente e oposto.


Arthur C. Clarke

As coisas não andavam muito bem na Associação Astronômica do Ceilão.


Na reunião do dia 19 de março, Herschel Gunawardena havia se mostrado
pouco entusiasmado, por assim dizer, com o trabalho realizado por Chandra
de Silva — de graça, deve-se observar — na composição do Boletim
Trimestral e na preparação de sua publicação. Um dos motivos foi ele ter
fornecido somente uma percentagem da resma de quinhentas folhas de
papel necessárias para imprimir o Boletim — o número exato foi tema de
um debate mais acalorado. Como resultado, Harry Pereira, vice-presidente
do Conselho, só poderia produzir 35 cópias ou algo assim. Isso era um
problema, é claro: o número aceitável de cópias era oitenta, algo muito bem
estabelecido e ratificado nas reuniões do Conselho. Para piorar a situação,
Herschel insistiu que havia fornecido a resma inteira, insinuando que, de
alguma forma, aquilo era culpa de Harry — por ter contratado uma gráfica
pouco qualificada e administrada por amadores, ou ter perdido parte do
material por conta de algum descuido ou desperdício que somente Harry
saberia confirmar.
De sua parte, Harry tinha uma visão bem diferente dos acontecimentos.
De jeito nenhum as perdas seriam maiores do que 15%, digamos, e
certamente não de 50% das folhas que Herschel teria supostamente
fornecido. Quando questionada, a gráfica afirmou, em termos categóricos,
que não havia recebido todas as quinhentas folhas; aliás, o pacote tinha se
rompido. Do ponto de vista de Harry, por esses e outros motivos ficava
claro que Herschel não era a pessoa adequada para gerenciar os fundos da
Associação e cuidar dos materiais, e que sua atitude, ao tentar jogar a culpa
em Harry e em Chandra, fora — nas palavras de Harry — intempestiva,
irresponsável.
E a coisa não terminava ali. Havia muito tempo Herschel vinha deixando
de ler as minutas das reuniões do Conselho, com a desculpa de baixo
comparecimento. O mais provável, na opinião de Pereira, é que ele não
estava se dando ao trabalho de mantê-las em dia. E Harry não podia deixar
de observar que, em relação ao papel de Herschel na produção do Boletim
— altamente dúbio, para início de conversa —, ele considerava cabível
inserir uma apreciação do recente Livreto sobre Construção de Telescópios
de Herschel! Nitidamente isso era uma violação de privilégios, para dizer o
mínimo. Mais uma vez, nas palavras de Pereira, Herschel não tinha chegado
ao calibre de um Arthur C. Clarke para imaginar que poderia usar a
Associação como uma plataforma para glória ou vantagens pessoais, e se
ainda não havia recebido a aprovação da Associação, sua conduta deveria
ser considerada repreensível.
Se acrescentarmos as constantes e irascíveis interrupções por parte de
Herschel a Pereira — que, afinal de contas, era o vice-presidente e portanto
tinha todo o direito de dirigir as reuniões na ausência do presidente —, a
situação era evidentemente insustentável. E assim, Pereira — com a
convicção de não admitir qualquer culpa pessoal no caso — se sentiu
obrigado a anexar uma quantia de cinco rúpias cingalesas, que ele
acreditava ser o valor aproximado do percentual desaparecido, fosse qual
fosse, dos papéis em questão. De todo modo ele era — mais uma vez, em
suas próprias palavras — na melhor das hipóteses um pseudovice-
presidente de um Conselho espúrio, e por esse motivo estava renunciando.
O presidente da Associação Astronômica do Ceilão, Arthur C. Clarke,
reclinou-se na cadeira e se permitiu um breve suspiro. Ele lera a carta por
alto — estivera distraído atualizando a correspondência do dia anterior
enquanto esperava pela de hoje —, mas já tinha lido o suficiente para
resmungar consigo mesmo, sentado à escrivaninha de seu estúdio na
Gregory’s Road. Enveredou então por uma meditação sobre as diferenças
entre a política interpessoal na Sociedade Interplanetária Britânica (BIS) —
da qual já fora presidente duas vezes, entre 1946 e 1953 — e a de Colombo,
a capital do Ceilão.
Com certeza essas políticas existiam na primeira, é claro. O processo de
preparação de seu periódico para publicação poderia causar certas tensões e
mal-entendidos. A não ser que ele estivesse permitindo que a nostalgia
distorcesse suas lembranças, os desentendimentos da BIS costumavam ser
menos acalorados e ressentidos, menos venenosos ou conspiratórios —
mais parecidos com choques parlamentares, na verdade, resolvidos com um
tapinha nas costas e um tanto de sarcasmo — do que nessa ilha em forma de
lágrima, suspensa na foz da baía de Bengala. Em outras palavras, mais
trabalho efetivo e menos picuinha.
Clarke lembrou-se de ter revisado seu ensaio “The Challenge of the
Spaceship”, apresentado pela primeira vez numa palestra na Escola Técnica
de St. Martin, em Charing Cross Road, no outono de 1946, depois
publicado em uma das primeiras edições pós-guerra da BIS Journal. Ele
estava com o ensaio, que fora cuidadosamente datilografado por Dot, para
entregar em mãos a Phil Cleator, editor e fundador da revista, com quem
costumava se encontrar pessoalmente. Como sempre, a primeira esposa de
seu irmão fizera um excelente trabalho, datilografando novamente, de
forma impecável, seu original rabiscado, e ele agora se acomodara no metrô
e relia partes do texto imaculado com um pouco de orgulho. Dessa vez ele
tinha realmente conseguido. Era uma espécie de declaração ou manifesto
para uma Era Espacial, até então apenas imaginária:

O ímpeto de explorar, descobrir, “seguir o conhecimento como uma


estrela que submerge” é um impulso humano primário que não precisa
de nenhuma outra justificativa a não ser sua própria existência e
tampouco necessita ser endossada. A busca pelo conhecimento, afirmou
um moderno filósofo chinês, é uma espécie de brinquedo. Se isso for
verdade, a espaçonave, quando surgir, será o brinquedo definitivo que
poderá transportar a humanidade de seu berçário enclausurado para o
playground das estrelas […]. Esse é o futuro que se apresenta diante de
nós, se nossa civilização sobreviver às doenças de sua infância.

Infelizmente a Associação Astronômica do Ceilão não era nenhuma


Sociedade Interplanetária Britânica, nem nunca seria, e tampouco seu
Boletim poderia competir com o BIS Journal. Abrindo uma gavetinha em
sua mesa, Clarke guardou a carta de Harry com a amarrotada nota de cinco
rúpias em uma pasta marcada como “CAA” e se virou quando Pauline
entrou, agora com a correspondência do dia. Clarke andava muito atento à
chegada do correio nesses dias — um misto de agitação e entusiasmo.
Um dos motivos de seu estado emocional era ter que lidar com uma
enxurrada de más notícias. Sua beligerante esposa americana tinha
finalmente encontrado advogados competentes, que foram atrás dos ativos e
dos rendimentos futuros de Clarke nos EUA. Embora tivessem se separado
poucos meses depois do casamento, os dois nunca formalizaram os
procedimentos do divórcio, ocorrido uma década antes — situação que
Clarke lamentava a cada entrega de correspondência. De uma forma meio
apressada, ele tinha conseguido desviar rendimentos de direitos de
publicação para sua empresa no Reino Unido, a Rocket Publication, mas
não havia dúvida de que Marilyn o colocara numa situação difícil. Os
advogados dela o processavam em um tribunal de Nova York com um
pedido de 22 mil libras por pagamentos atrasados de pensão — cerca de
175 mil dólares em dinheiro de hoje — e tinham conseguido confiscar e
congelar sua conta nos Estados Unidos.
Os Estados Unidos eram de longe sua maior fonte de renda — aliás, ele
era aguardado nos escritórios da Time em Nova York ainda naquele mês
para a edição de seu próximo livro, O homem e o espaço — e embora seus
dólares durassem muito mais no Ceilão que nos EUA, suas necessidades
financeiras tinham um jeito misterioso de dilapidar todo o seu rendimento, e
até exceder o valor, onde quer que estivesse.
Nesse quesito ele tinha uma boa ajuda de Mike Wilson, seu sócio, que
podia ser ouvido na sala ao lado, pontificando em voz alta para um grupo de
cineastas cingaleses reunidos enquanto comemorava o lançamento de seu
segundo filme. “É sobre a construção e a corrida de barcos, com
informações sobre a cena local e críticas aos abutres bitolados pela cultura
ocidental”, escreveu Clarke a um amigo, o major R. Raven-Hart. “Chama-
se Getawarayo, que significa, até onde entendi, algo como Os selvagens.”
O que ele não disse, pois Raven-Hart já devia saber, era que todos os barcos
que ilustravam a construção de embarcações haviam sido construídos com
seu dinheiro, sem mencionar câmeras, equipamento de som, bobinas de
filme, processamento, suprimentos e salários. Mesmo no Ceilão, não era
barato produzir um filme. Ainda assim, com um pouco de sorte eles
recuperariam pelo menos parte do investimento com venda de ingressos.
Enquanto isso, com base num incoerente pastiche de regulamentações,
as desorganizadas porém vorazes autoridades fiscais cingalesas tinham feito
de Clarke um refém antes de permitirem que fosse a Nova York. Residentes
estrangeiros tinham sempre de se cuidar em relação a um potencial conflito
com agentes do Tesouro quando planejavam uma viagem, e Clarke,
residente desde 1956, era conhecido como um homem de posses — e não
adiantava explicar que gastara tudo que tinha nos projetos cinematográficos
de Mike, em barcos oceânicos para mergulho, em utilitários, tubos de
mergulho, compressores de ar, peças mecânicas, filés, mulheres, bebidas,
cigarros exóticos e contas hospitalares.
[39] Arthur C. Clarke e seu sócio Mike Wilson com equipamento de mergulho no fim dos anos 1950.

Embora sua condição de expatriado preso a amarras fiscais devesse ser


tratada pessoalmente — comparecendo aos abafados escritórios da Receita
com rábulas locais a tiracolo, felizes diante de outra exasperante sessão de
negociações —, Clarke ainda tinha de se preparar mentalmente para outras
más notícias a cada vez que o correio chegava, por conta das maquinações
de Marilyn. E havia mais do que a ansiedade habitual. Pois o jogo
continuava.
Por exemplo, no mês anterior Clarke recebera indicações tortuosas de
que um jovem diretor de Nova York — na verdade uma espécie de menino
prodígio chamado Stanley Kubrick — estaria interessado em conversar com
ele. E, recentemente, Clarke tinha iniciado uma interessante
correspondência com um professor-adjunto de Harvard, um astrônomo
chamado Carl Sagan. Assim como Clarke, Sagan era atraído pela ideia de
uma inteligência alienígena. Ambos acreditavam que essa inteligência
existia lá fora, em algum lugar entre as estrelas. Sagan tinha a capacidade
rara de se manifestar sobre o assunto em periódicos científicos de destaque,
sem se constranger.
Havia algo de animador em seu recente artigo no Planetary and Space
Science a respeito de um contato direto entre civilizações intergalácticas,
um tema que até bem recentemente era prerrogativa da ficção científica,
mas, neste caso, estava exposto na linguagem objetiva de uma publicação
científica. Sagan tinha somente trinta anos, era quase duas décadas mais
novo que Clarke. Apesar de desconhecido, escrevia com uma autoridade
analítica tranquila ao apresentar seu argumento de que qualquer estimativa
do número de civilizações tecnológicas avançadas em planetas de outras
estrelas depende de nosso conhecimento sobre formação estelar, o número
de mundos posicionados de forma favorável, as probabilidades da origem
da vida — sem mencionar inteligências e civilizações tecnológicas — e os
tempos de vida dessas civilizações. Era uma atitude confiante,
principalmente em vista do fator de risco envolvido no assunto.
“Esses parâmetros são muito pouco conhecidos”, escreveu Sagan,
fazendo uso de um considerável eufemismo. Esse tipo de cálculo em
guardanapos já havia sido feito antes, é claro, sendo que o mais famoso era
o do astrônomo Frank Drake, usado como ferramenta analítica durante a
primeira reunião da Search for Extraterrestrial Intelligence (Seti), de 1961
— uma reunião em que Sagan estivera presente. Depois de muito debate, o
grupo da Seti apresentou um número entre mil e 100 milhões de
civilizações somente na Via Láctea — uma variação muito grande, com
certeza, mas, por outro lado, os dois números por si já eram extraordinários.
Em seu artigo, Sagan tentou refinar esses dados, chegando a uma estimativa
de algo na ordem de 106 civilizações tecnológicas existentes somente na Via
Láctea — 1 milhão redondo — e arriscando que a distância mais provável
até a comunidade mais próxima seria de várias centenas de anos-luz. Bem
próxima, considerando os 180 mil anos-luz de diâmetro de nossa galáxia.
Mas foi a terceira seção do artigo, intitulada “Feasibility of Interstellar
Spaceflight”, que chamou a atenção de Clarke. Depois de lembrar que
precisaríamos confiar em sinais de rádio para cumprir essa tarefa e que
levaríamos no mínimo mil anos para qualquer intercâmbio simples entre
civilizações galácticas — notícias a respeito de um clima inclemente, por
exemplo —, Sagan previu a dificuldade de encontrar sinais emitidos pelo
mesmo comprimento de onda. De forma bem literal: afinal, a questão de
qual frequência de sinal usar não chegava a ser abordada nem mesmo entre
cientistas terrestres dispostos a considerar essas questões.
“Por fim”, escreveu Sagan, trocando as equações por um momento de
entusiasmo, “a comunicação eletromagnética não possibilita duas das mais
animadoras categorias de contato interestelar — ou seja, um contato entre
uma civilização avançada e uma sociedade inteligente pré-tecnológica ou o
intercâmbio de artefatos e espécimes biológicos entre as diversas
comunidades.” Uma sentença que fez Clarke aquiescer em aprovação. Ele
também havia previsto a possibilidade de já ter ocorrido contato com uma
civilização extraterrestre avançada durante algum período da história
registrada.
Na verdade, Clarke já havia sugerido a maioria dessas conjeturas, tanto
na forma de ficção como em não ficção, e é fácil imaginar o escritor
sentando-se diante de sua Selectric IBM após ter chegado à conclusão de
Sagan:

Não está fora de questão que artefatos dessas visitas ainda existam, ou
que seja mantido um tipo de base (possivelmente automatizada) no
Sistema Solar para facilitar uma continuidade de sucessivas expedições.
Devido ao desgaste e à possibilidade de detecção e interferência pelos
habitantes da Terra, seria preferível não construir essa base na superfície
da Terra. A Lua parece ser uma alternativa razoável.

Na verdade, Clarke já havia lido um resumo da ideia da base lunar


automática de Sagan numa resenha escrita por seu amigo Isaac Asimov na
edição da Magazine of Fantasy and Science Fiction de setembro de 1963,
que o levou a escrever para o astrônomo. Se havia algo de que Clarke não
gostava era não ser citado quando uma ideia original sua viesse à luz sob o
nome de outra pessoa — principalmente em uma publicação científica. Por
conta disso, naquele novembro, ele escreveu sua primeira carta a Sagan:

Fiquei particularmente interessado na sua sugestão de que já poderia


haver uma base automática no Sistema Solar. Desenvolvi essa ideia em
um conto chamado “A Sentinela” […]. A analogia empregada foi a de
um alarme de incêndio e sugeri que, na medida em que raças avançadas
só estariam interessadas em espécies que tivessem atingido um nível
razoável de tecnologia, elas montariam sua estação na Lua para que só
pudesse ser acionada quando chegássemos lá.

Clarke considerava interessante e também animador, mas inquietante, que


esse conceito, que ele realmente havia elaborado primeiro, estivesse agora
sendo proposto em publicações científicas consagradas, não em revistas
populares com imagens espalhafatosas de donzelas sumariamente vestidas
sendo resgatadas por cruzados encapuzados das garras de vilões barbudos
empunhando chicotes. “A Sentinela” fora escrito em 1948 para um
concurso de histórias da BBC, mas nem chegou a se classificar — às vezes
Clarke se perguntava quem tinha vencido —, antes de ser publicado na
única edição de uma revista barata intitulada 10 Story Fantasy. Chamada de
capa: “Tirano & Garota Escrava no Planeta Vênus”. Vinte e cinco centavos
de dólar, por favor.
[40] A história “A Sentinela” de Clarke, publicada pela primeira vez em 1951.

“A Sentinela” foi publicado depois em duas antologias de Clarke. Era de


questionar se os cientistas estavam pegando material lido na adolescência
— ou mesmo na quinta-feira passada —, e dado uma ensaboada, uma
enxaguada e depois se apoiado em equações antes de assinar seus nomes
em periódicos de destaque. Contando a seu favor, contudo, está o fato de o
jovem Sagan ter respondido quase de imediato com uma calorosa carta
referindo-se a dois trabalhos de não ficção de Clarke, “A exploração do
espaço” e “Voo interplanetário”, que haviam propiciado certo “estímulo na
direção de minha atual linha de trabalho”.
Quanto ao contato de Kubrick, até então tinha se mostrado frustrante e
inconclusivo. Em 17 de fevereiro, Clarke recebeu um telegrama promissor
de seu amigo Roger Caras, de Nova York, do departamento de
comunicações da Columbia Pictures. Clarke conhecera Roger quando
Jacques Cousteau os apresentou num almoço em Boston em homenagem ao
livro de Cousteau, O mundo silencioso, de 1953, e os dois se deram bem de
imediato. Caras afirmou que Kubrick estava interessado em trabalhar com
ele, mas achava que Clarke era um “recluso”. Diante disso, Clarke riu com
ironia — se o diretor soubesse que na verdade ele morava numa pequena
comunidade beatnik composta por cineastas, escritores, frequentadores
casuais, secretárias, empregadas, namorados e namoradas… Um grupo de
gays, bissexuais, héteros, anglos e asiáticos enfurnados num bangalô
ensolarado na capital de uma ex-colônia britânica. Como recluso, ele era
um fracasso total.
De qualquer modo, Clarke se endireitou na cadeira com o telex de Roger
e respondeu imediatamente ao telegrama, dizendo-se “temerosamente
interessado em trabalhar com o enfant terrible”. Ao solicitar que Caras
entrasse em contato com seu agente, ele perguntou: “O que faz Kubrick
pensar que sou um recluso?”.
A primeira mensagem de Caras foi seguida por uma carta aérea entregue
menos de uma semana depois, mas evidentemente escrita no mesmo dia do
telegrama. “Eu estava conversando com Stanley Kubrick hoje e ele deu a
entender que gostaria de entrar em contato com você num futuro não muito
distante”, escreveu. “Tomei a liberdade de passar seu endereço, e você
deverá ter notícias dele em breve.” No papel de carta timbrado da Columbia
Pictures e com o traquejo prático de um relações-públicas, ele continuou:

Como você insiste em escapar dos rigores da civilização para morar em


seu paraíso cercado de palmeiras, é concebível que não esteja a par das
últimas e fenomenais realizações do sr. Kubrick. Para seu
esclarecimento, segue em anexo uma série de resenhas do último filme
do sr. Kubrick — uma verdadeira obra-prima com o título extremamente
improvável de Dr. Fantástico — Ou como aprendi a parar de me
preocupar e amar a bomba.

À parte as produções locais em cingalês de Mike, Clarke vinha tentando


entrar na indústria cinematográfica havia anos, e sabia muito bem que
Robert Heinlein fizera isso mais de uma década antes com seu manuscrito
de Destino à Lua, de 1950. Outro amigo, Ray Bradbury, também tinha
trabalhado para o cinema, escrevendo o roteiro de Moby Dick para John
Huston — apesar de ter sofrido muito com isso, pois o diretor se mostrara
um ególatra abusivo e de maus bofes.
Havia pouco tempo, Clarke tinha escrito ao seu amigo escritor Sam
Youd (mais conhecido pelo pseudônimo John Christopher): “Continuo
sendo o escritor mais bem-sucedido do mundo, mas sem filmes baseados
em meus livros”. Verdade que seu romance O fim da infância — que
contava a chegada de gigantescas naves espaciais de uma benevolente raça
superior, os Senhores Supremos, que impunham a paz a uma humanidade
beligerante — fora selecionado pelo produtor neófito Arthur Lyons em
1958. O produtor chegara a contratar o roteirista Howard Koch, vencedor
do Oscar por Casablanca. Mas apesar de Koch ter realizado um trabalho
razoável, o projeto não foi a lugar nenhum — embora, supostamente, a MGM
o estivesse examinando naquele momento.
Quanto a Kubrick, Clarke havia assistido a Lolita no Regal em
Colombo, um dos palácios cinematográficos da era colonial, e ficara bem
impressionado. Como ouvinte diário da BBC World Service, ele sabia muito
bem que Dr. Fantástico estava tendo repercussões internacionais. Aliás,
poucos dias antes da carta de Caras, Clarke tinha recebido uma carta de um
amigo engenheiro de foguetes, Val Cleaver — projetista do míssil Blue
Strike, que deveria ser usado como uma forma de intimidação nuclear
britânica, mas que agora enfrentava uma morte lenta por conta de cortes de
orçamento. Cleaver tinha acabado de assistir ao novo filme de Kubrick.

Dr. Fantástico é uma obra-prima. Eu jamais acreditei que fosse possível,


e fui ao cinema com muita hostilidade e convencido de que deveria ser
de péssimo gosto; por mera curiosidade, devido aos elogios universais
da crítica […]. Mas funciona muito bem. Você precisa assistir. Talvez
tenha sido um golpe de gênio, e essa é a única maneira de se fazer um
filme sobre esse assunto.
Clarke respondeu à carta de Roger, mencionando ter assistido a Lolita e
estar ansioso para assistir a Dr. Fantástico. “Kubrick é claramente um
homem extraordinário”, escreveu, antes de comunicar a Roger, com
orgulho, sobre a segunda produção de Mike, que tinha “passado pelos
censores com aclamações, ontem, e será lançada em vinte cinemas na
próxima semana. Desta vez é em preto e branco, uma sátira social com uma
empolgante corrida no fim, inspirada em Ben-Hur”.
Depois daquele dia, porém, não aconteceu muita coisa. Foi um pouco
frustrante esperar por mais notícias, e Clarke passava parte do tempo
trabalhando na revisão de seu livro para a Time e conversando com seu
advogado Bob Rubinger, de Nova York, sobre seu caso de “problema
conjugal”. Antes de conseguir pôr um fim na intolerável situação atual —
na qual seu agente, Scott Meredith, era obrigado por lei a depositar todos os
rendimentos do autor em juízo e em que sua conta em Nova York estava
bloqueada até que houvesse uma audiência —, Clarke explicou o histórico
do caso. “Para ter uma ideia, eu me casei em Nova York em 1953”,
escreveu. “O casamento foi contraído de forma fraudulenta, pois minha
esposa não me informou ter passado por uma histerectonomia [sic] depois
de seu primeiro casamento: ela só me contou isso vários dias depois de
estarmos casados.”
Clarke deixou de mencionar, claro, que houve outro nível de fraude em
ação, ou seja, que ele próprio era gay. Em resumo, um fiasco total. De todo
modo, ele havia aceitado um acordo de separação logo após o casamento,
mas fez isso sem assessoria jurídica, e desde então pagava uma pensão
alimentar mensal à mulher… ou pelo menos até ter se tornado “totalmente
incapacitado pela pólio (ou uma lesão na coluna — os especialistas
discordavam) em março de 1962. Como minha capacidade de obter
rendimentos caiu para zero, e logo depois descobri que minha esposa havia
saído da Inglaterra e não se encontrava mais em posição de molestar minha
família, eu suspendi o pagamento”.
Tudo isso resultara naquela situação, que Clarke esperava resolver com
um acordo final e, se possível, com o divórcio. Na verdade, escreveu a
Rubinger, poderia haver outros bons motivos para um acordo:
Existe também a possibilidade de que um grande negócio esteja para
acontecer a qualquer momento: vários de meus livros estão em discussão
em companhias cinematográficas e na semana passada ouvi dizer que
Stanley Kubrick (cujo Dr. Fantástico parece estar quebrando todos os
recordes de crítica) está ansioso para entrar em contato comigo. Por isso
estou preparado para considerar um acordo razoável.

Enquanto isso as semanas se passavam, e Clarke já estava quase desistindo


— pois sabia por experiência própria como costumavam ser tênues essas
abordagens do mundo do cinema —, quando Pauline entrou, meneou a
cabeça sem uma palavra e deixou a correspondência numa pilha bem
organizada.
Clarke foi até a pilha e examinou-a por alto, notando com contrariedade
uma carta de Rubinger, antes de chegar à que vinha esperando receber havia
semanas — com endereço do remetente em Nova York, da Polaris
Productions, Inc. Rua 56 East, 120. Poderia ser de Kubrick? Pegou a
pequena adaga cingalesa que servia de abridor de cartas, cortou o envelope
de ponta a ponta com precisão e extraiu o papel.

***

Anos depois de colaborar com Mike Wilson em três filmes no início dos
anos 1960, o diretor cingalês Tissa Liyanasuriya ainda mantinha uma
lembrança vívida de Arthur C. Clarke trabalhando na casa que dividia com
Wilson na Gregory’s Road. Liyanasuriya foi diretor assistente em Ran
Muthu Duwa [A ilha dos tesouros], primeira produção de Mike. Cheio de
ação, com trilha sonora eficiente e cenas submarinas, o longa foi um
tremendo sucesso, tendo atingido um público de mais de 1 milhão de
pessoas entre 1962 e 1963 — aproximadamente um décimo da população
do país. As músicas do filme são populares até hoje. Parece que nenhuma
cópia sobreviveu.
Tissa também trabalhou ainda mais próximo de Mike numa segunda
produção, Getawarayo. Depois de dirigir pessoalmente as cenas de aldeia e
de ser chamado para assumir a cadeira de diretor pelo exasperado produtor
Sheha Palihakkara em várias ocasiões em que Wilson saía do estúdio mais
cedo “para relaxar”, Mike foi generoso e insistiu para que Liyanasuriya
recebesse os créditos como codiretor. Em parte devido a esse impulso
inicial, Tissa iniciou uma longa e destacada carreira como diretor solo.
Getawarayo, que terminava com uma prodigiosa corrida de barcos pela
cintilante superfície esverdeada do lago Bolgoda, estreou em fevereiro de
1964. Também foi um sucesso, ainda que pouco menor do que Ran Muthu
Duwa. E também desapareceu.
Liyanasuriya teve muitas oportunidades de observar Clarke, responsável
pela maior parte do financiamento para os dois filmes, pois o escritório da
Serendib, companhia produtora de Clarke, Wilson e Palihakkara, era bem
ao lado do estúdio do escritor, no andar térreo da casa. Quando as coisas
estavam relativamente calmas, Clarke deixava a porta parcialmente aberta.
Mais de meio século depois, Tissa ainda se lembrava claramente do “tac tac
tac” do teclado da máquina de escrever saindo por aquela porta, e um
“ding” abafado sinalizando o fim de cada linha — esse som há muito
desaparecido da indústria autoral. Curioso para observar o grande homem
trabalhando, ele se posicionava no ângulo certo, espiando discretamente lá
dentro.
“Eu o via começar a escrever assim”, contou Liyanasuriya, debruçando-
se sobre uma máquina de escrever invisível para ilustrar. “Então de repente
ele parava. Pegava os óculos, limpava um pouco, punha-os de volta e
começava a escrever outra vez. Na mesa. Na máquina de escrever. Ele
estava trabalhando naquilo. Então de repente ele se levantava. E andava até
o jardim.”
Alto, com uma calvície incipiente e um jeito severo temperado por
tiradas rápidas e bem-humoradas, Clarke adotou o hábito masculino
cingalês de usar um sarongue de cores vivas, sem camisa, durante o dia, a
fim de se aliviar do calor tropical opressivo. Só que não conseguiu aprender
o jeito de amarrá-lo na cintura, por isso enfiava o tecido dentro do elástico
da cueca. Como resultado, o sarongue começava a cair quando ele andava
até a porta do jardim, o que o obrigava a voltar a enfiar o tecido por baixo
do elástico. “Ele não estava acostumado a usar sarongue”, lembra Tissa
com uma risadinha.
“E lá ia ele para o jardim, onde ficava sua poltrona. Sentava na poltrona
assim”, diz, imitando Clarke reclinado, de pernas abertas, olhando para
cima, perdido em pensamentos. “E ficava olhando para o céu. Pensando.
Pensando. Continuava olhando para o céu por algum tempo, talvez cinco ou
dez minutos. Depois se levantava, entrava correndo na sala e recomeçava a
escrever. Eu gostava muito disso. Ele era adorável, era uma pessoa
realmente adorável.”

***

Clarke desdobrou a carta de duas páginas e confirmou que era de Kubrick.


Relativamente curta, direto ao ponto, parecia ter dois objetivos claros. Um
deles era uma consulta sobre a possível compra de um telescópio (o diretor
mencionou um telescópio Questar na primeira e na última frase). O outro
era seu desejo de discutir “a possibilidade de realizar o proverbial filme de
ficção científica ‘realmente bom’”. Essa linha — a segunda depois da
menção ao Questar — se tornaria bem conhecida, e certamente orientou o
nascente projeto que Kubrick estava propondo.
“Meu principal interesse se situa ao longo das seguintes grandes áreas,
obviamente com um grande enredo e um grande personagem”, escreveu
Kubrick. “1. Os motivos para acreditar na existência de vida inteligente
extraterrestre. 2. O impacto (e talvez até a falta de impacto em algumas
regiões) que essa descoberta teria na Terra no futuro próximo. 3. Uma sonda
espacial com pouso e exploração da Lua e de Marte.” Kubrick continuou
dizendo que Caras o havia informado sobre uma possível ida de Clarke a
Nova York em breve, insinuando que ele talvez pudesse ir um pouco antes
“com uma reunião em vista, cujo propósito seria determinar se haveria ou
se poderia surgir uma ideia de suficiente interesse para que a partir dela nós
dois quiséssemos colaborar num roteiro”. Se esse “evento muito agradável”
ocorresse, Kubrick estava “razoavelmente certo” de que poderia chegar a
um entendimento em relação aos serviços de Clarke. E concluía com sua
segunda referência ao Questar — perguntando qual modelo de tamanho
médio o escritor poderia recomendar.
Clarke adorava estar na posição de especialista, e ser consultado sobre
telescópios por um diretor internacionalmente reconhecido — um assunto
sobre o qual poderia discorrer o dia inteiro — era um bônus inesperado ao
impacto da carta. Clarke não necessariamente concordava que não havia
bons filmes de ficção científica, mas sabia muito bem que a maioria era
bobagem e admitia que ainda não havia sido realizado um filme realmente
bom. Mais especificamente, já tinha um bom tempo que ele próprio estava
ansioso por uma oportunidade de entrar no cinema. Se não agora, quando?
E quem melhor do que Kubrick?
Tendo concluído suas ruminações, Clarke abriu a gaveta da direita de
sua mesa, pegou uma folha de papel timbrada em branco — “Arthur C.
Clarke; Clarke-Wilson Associates, Undersea, Colombo” — e enfiou no rolo
da máquina de escrever. Depois de algumas frases preparatórias
mencionando Roger Caras, seu interesse em assistir a Dr. Fantástico e o
fato de já ter assistido a Lolita, informou sobre sua chegada a Nova York
dali a dez dias, sugerindo que seu trabalho no departamento de livros da
Time-Life certamente não interferiria no encontro e nem na discussão da
proposta de colaboração.
Clarke também informou a Kubrick que teria de voltar ao Ceilão “bem
depressa — isto é, provavelmente em meados de junho, pois tenho aqui
uma grande empresa com um bocado de problemas”. Na verdade, ele tinha
gastado quase todas as rúpias, libras e dólares de que dispunha no filme de
Mike. “Também porque, como devo incalculáveis milhares de rúpias, eles
só me deixam sair do país com a condição de voltar em dois meses. Para
garantir que isso aconteça, eles me injetaram uma misteriosa droga oriental,
desconhecida pela ciência do Ocidente, que me fará convulsionar até a
morte no dia 15 de junho, a não ser que eu vá até o Ministério da Fazenda
(com um cheque) para receber o antídoto.” Depois de passar a ideia de sua
situação financeira, com senso de humor brilhante, ele retornou ao ponto
principal da carta.
Quanto ao principal ponto de sua carta, também acho, assim como você,
que há muitos anos não se faz um filme de ficção científica “realmente
bom”. Os únicos que chegam perto de se qualificar de alguma forma são
O dia em que a Terra parou, Planeta proibido e, claro, aqueles
documentários clássicos, Destino à Lua e A vida futura. A guerra dos
mundos e O fim do mundo também têm seus momentos, em termos de
catástrofe.

Pronto: apesar da advertência, ele não se conteve — não conseguiu evitar.


Citou não um, ou dois, mas seis filmes de ficção científica de que gostava.
(Não se sabe por que ele chamou dois de “documentários”; ambos são de
ficção. H. G. Wells, o escritor de ficção científica britânico e precursor de
Clarke, já havia escrito The Shape of Things to Come e A guerra dos
mundos.) Clarke continuou, mencionando O fim da infância — “que todo
mundo concorda ser meu melhor livro e […] aborda o impacto de uma raça
superior sobre a humanidade” —, repetiu que realmente precisava “voltar
logo para o Ceilão” e encerrou com um convite. Caso eles “conseguissem
elaborar uma ideia que valesse a pena em Nova York”, esperava que
Kubrick pudesse dar seguimento ao trabalho com ele no Ceilão: “Nós temos
nossa empresa aqui e produzimos dois filmes no ano passado, inclusive o
primeiro filme Tecnicolor cingalês. Acho que posso lhe garantir momentos
muito interessantes”.
Concluiu dizendo a Kubrick que o Questar era realmente o melhor
telescópio de chão, explicou que estava levando o seu para Nova York para
uma revisão e que teria prazer em mostrar como usá-lo. A carta foi enviada
naquela tarde, e poderia ter ficado só nisso até o encontro dos dois em Nova
York, mas naquela noite Clarke começou a pensar. O sol sempre se põe
perto das seis no Ceilão, e embora ele costumasse dormir cedo, ainda havia
algumas horas de vigília, durante as quais Clarke considerou a questão de
fazer “o proverbial filme de ficção científica ‘realmente bom’” e seu
envolvimento no projeto. Qual de suas ideias poderia servir como base?
Aquiescendo, a Lua surgiu acima das palmeiras que rodeavam sua casa
— com os troncos na horizontal, não verticais, como acontece em alguns
trópicos. Clarke ouviu um longínquo cântico budista vindo de uma janela
aberta num terreno vizinho, saindo de um sistema de alto-falantes
escondido em algum lugar — um estranho e tranquilizador sing-song-sing-
sing-song-sang-sang. Budistas praticantes entoavam seus cânticos a noite
toda, e alguns eram o som ao vivo vindo dos templos de Kandy; também
havia estações de rádio que só tocavam isso. Mesmo sem partilhar da fé em
que se baseavam, Clarke não se incomodava com aquilo. Na verdade, sentia
que o cântico humanizava a noite.
Enfim, refletiu que, dentre todas as religiões da Terra, o budismo e o
hinduísmo pelo menos tinham intuído de alguma forma um sentido
aproximado da vasta escala do espaço e do tempo que a ciência havia
demonstrado — o infinito nos dois lados daquele estreito lampejo de luz
que constituía a vida individual. Mike e sua mulher Liz tinham saído.
Depois de ter cuidado das necessidades de Arthur, verificado os tubos de
mergulho, lubrificado o compressor da garagem e partido em seu triciclo,
Hector Ekanayake, o braço-direito de Clarke, encontrava-se agora no
ginásio esportivo, esmurrando um saco de areia com luvas de boxe. Laika, a
leal pastora de Arthur — nome recebido por causa da cadelinha enviada à
órbita da Terra pelos soviéticos em 1957, e que nunca retornou —,
aninhava-se confortavelmente a seus pés, às vezes levantando as orelhas na
direção de algum disparo de escapamento de um automóvel. Fora isso, a
casa estava em silêncio.
Deveria ser mesmo “A Sentinela”, percebeu Clarke.

***

No dia seguinte Clarke acordou cedo, preparou um bule de chá, sentou-se à


máquina de escrever e inseriu outra folha em branco no rolo. Era a hora do
dia que ele mais valorizava. O sol ainda não tinha se levantado, mas os
morcegos frugívoros do Ceilão já tinham voltado às suas árvores e
cochilavam tranquilamente, suspensos de cabeça para baixo, como enfeites
de Natal originários de um pesadelo, com suas imensas asas coriáceas
dobradas.
Kubrick tinha mencionado a Lua, e estava nitidamente interessado em
inteligência extraterrestre como mote para a história. “A Sentinela” já
matava dois coelhos. Talvez ele pudesse acrescentar Marte depois. Ou não.
Começou a datilografar:

Abertura: Tela repleta de estrelas. Um disco totalmente negro aparece


lentamente da esquerda e preenche o meio da tela, eclipsando as estrelas.
A borda da direita se ilumina, surge o brilho da corona, e o sol se
levanta. Quando isso acontece, percebemos que estamos vendo o lado
escuro da Lua e transitando ao seu redor, como em um satélite próximo,
em direção ao lado iluminado.

Parou e meditou por um minuto: nada mau. O disco negro era um belo
componente gráfico. Afinal, aquilo era um filme.

A cratera iluminada pelo crescente se expande constantemente, passando


de um arco estreito para uma meia-lua. Nesse processo, surgem vozes na
trilha sonora. São americanos, russos, britânicos — as várias bases
lunares de expedições exploratórias falando umas com as outras,
pedindo suprimentos, trocando informações, brincando, resmungando…

Até aí tudo bem. Competição internacional. Vamos manter os britânicos no


jogo.

Ouve-se o término de uma contagem regressiva, e um brilho se


movimenta contra o fundo escurecido da Lua quando uma nave decola
para Marte.

Ele queria Marte. Então darei Marte a ele.

A trilha sonora se concentra em uma expedição exploratória, um trator


se movimentando pelo Mare Crisium. A câmera fecha na cena, as outras
vozes esmaecem. Podemos dizer pelo entusiasmo crescente e as frases
incoerentes que a equipe de reconhecimento encontrou alguma coisa —
alguma coisa que, mesmo na Lua, é muito extraordinária.

Tudo bem, talvez isso seja suficiente — uma espécie de amostra instigante.
Mas como Kubrick vai entender isso, sem qualquer outra explicação?
Digitando uma linha pontilhada abaixo do curto esboço em prosa, Clarke
acrescentou outro parágrafo, remetendo o diretor ao conto “A Sentinela” e
descrevendo em poucas palavras a essência da história, na qual uma equipe
de reconhecimento descobre uma pirâmide de cristal, densa como diamante
e de origem alienígena, que claramente esteve na superfície lunar por
milhões de anos. Quando aberta depois de muito esforço, o sinal que envia
às estrelas é interrompido. “Na discussão decorrente, alguns dos cientistas
decidem, corretamente, que se trata de um monitor — o equivalente de um
alarme de incêndio celestial.”
Em seguida escreveu uma folha de rosto. “Pensei numa boa abertura
para um filme espacial […]. Pode levar a um grande número de situações,
não só à descrita em O fim da infância.”
E também pôs no correio — duas cartas em dois dias.
Capítulo 3

O diretor
PRIMAVERA DE 1964

É raro você obter algo pelo que pagou, mas nunca vai obter nada pelo que não pagou.
Stanley Kubrick

A sede da Polaris Productions vinha emitindo mensagens ambíguas, pistas


estranhas e insinuações enigmáticas havia semanas. Às vezes eram do
próprio Kubrick, porém com mais frequência vinham de seus associados.
Assim como folhas de chá ou limalha de ferro, elas não significavam nada
individualmente. Mas, quando cotejadas em conjunto, produziam um
padrão heurístico — uma espécie de padrão indicando o que se passava pela
cabeça do diretor.
No dia 10 de março, por exemplo, Ray Lovejoy, assistente de Kubrick,
escreveu para a Sky Publishing em Cambridge, Massachusetts, expressando
interesse em adquirir edições antigas da Sky and Telescope Magazine. E no
dia 19 de março, Lovejoy (cujo nome era uma fonte de fascínio para o
diretor, tanto que ele brincava com o nome já em 1963, chegando afinal à
intrigante composição “Strangelove”) escreveu para a Pocket Books, na rua
39 West, solicitando gentilmente o envio de um exemplar do romance
Areias de Marte, de Arthur C. Clarke, para a Polaris.
Nesse ínterim houve muitas ligações telefônicas e visitas a livrarias.
Depois de quase um mês, Lovejoy, que fora assistente de edição no Dr.
Fantástico, voltou a se manifestar. Dessa vez com uma carta à Cinerama,
empresa fundada em resposta à invasão da televisão na psique dos
americanos — e, em consequência, também no principal fluxo de caixa dos
EUA, fazendo Hollywood tremer de medo. O resultado foi a aposta da
indústria cinematográfica no aperfeiçoamento da resolução, das cores e do
esplendor como um todo. A Cinerama conseguiu isso por meio de grandes
negativos de 65 milímetros, resultando em cópias maiores de 70 milímetros,
que passavam por múltiplos projetores que trabalhavam simultaneamente
em telas imensas e curvas. Todos esses fatores produziam uma experiência
cinemática panorâmica e envolvente.
Até então o melhor exemplo de Cinerama tinha sido A conquista do
Oeste, da MGM, uma produção tão épica que utilizou três diretores para
seguir quatro gerações de colonizadores rumo ao oeste, em exibições que
exigiam três projetores. Lançado em 1962, o grande espetáculo se tornou
um grande sucesso financeiro, conseguindo colocar a televisão em seu
devido lugar — pelo menos por algum tempo. De todo modo, em 13 de
abril, Lovejoy escreveu para a empresa solicitando ingressos “para qualquer
pré-estreia que vocês possam considerar” de um pequeno curta
experimental, To the Moon and Beyond, na Feira Mundial de Nova York de
1964. Segundo seu entendimento, o curta exigia somente um projetor com
uma lente olho de peixe, apontado diretamente para um domo em formato
de planetário.
Todas essas sondagens, é claro, indicavam um impulso temático — para
o alto, para o firmamento. Às vezes, no entanto, eram acompanhadas por
comunicados aparentemente fora do assunto, vindos do próprio Kubrick.
Em meados de abril, por exemplo, Kubrick respondeu à dúvida de uma
revista holandesa.

Em resposta à sua pergunta quanto ao motivo de eu produzir meus


próprios filmes, posso dizer de cara que é muito mais simples assim.
Existe uma grande diferença entre ter de convencer alguém e estar numa
situação em que uma pessoa precisa convencê-lo. Mesmo tendo um
produtor maravilhoso, que o entenda e tenha bom gosto, você continua
forçado a gastar um bom tempo convencendo-o de coisas que podem
não ser imediatamente compreensíveis para ele quando você as
apresenta, e também precisa lutar contra ideias que ele pode ter ou
gostar e de cuja opinião você não compartilha.
Durante esse período, Kubrick costumava ir ao escritório de produção no
final da manhã ou no início da tarde, quando ia. Apesar de estar dormindo
menos que de costume, o diretor andava expansivo e confiante. Mesmo sob
circunstâncias normais, Kubrick dormia somente quatro ou cinco horas por
dia e passava o resto do tempo incansavelmente envolvido com o mundo —
em geral através de palavras, fossem impressas, ao telefone ou em
encontros pessoais. Mas naqueles dias as coisas não estavam normais, pois
sua filha Vivian, de quatro anos, fora diagnosticada com difteria crônica.
Essa inflamação da laringe e da traqueia pode ser perigosa para crianças
pequenas, e era exacerbada pelo ar poluído da cidade. Por esse motivo,
Kubrick e sua mulher Christiane se revezavam ao lado da cama da filha,
monitorando sua respiração durante o sono. É possível morar no endereço
mais exclusivo de Nova York — e os Kubrick tinham se mudado
recentemente para uma cobertura na Lexington Avenue na esquina com a
rua 84 —, mas não é possível ficar incólume ao ar da cidade.
Mesmo assim, apesar da privação de sono, Kubrick estava de ótimo
humor. Seu filme Dr. Fantástico era exibido desde janeiro e ia muito bem,
tanto comercialmente como em termos de crítica. Na edição de 5 de
fevereiro, o título da primeira página da Variety estampou em letras
grandes: FLASH! DR. FANTÁSTICO DE STANLEY KUBRICK QUEBRA TODOS OS
RECORDES DE ESTREIA DE FIM DE SEMANA NA HISTÓRIA DO CINE VICTORIA (NOVA
YORK), NO CINE BARONET (NOVA YORK) E NO CINE COLUMBIA (LONDRES).
Surfando nessa onda, Kubrick estava em busca de um elenco para um
novo projeto, escrevendo cartas e surpreendendo Christiane ao se mostrar
socialmente gregário, o que não era habitual. Quando chegava à Polaris,
depois de uma breve reunião com Lovejoy, de examinar os últimos
relatórios sobre a bilheteria e de olhar a correspondência, ele normalmente
encostava uma cadeira na máquina de escrever em sua mesa de metal batida
e disparava mensagens curtas e bem direcionadas. Kubrick apreciava a
linguagem precisa, tentando manter até mesmo cartas cruciais em uma
única página lacônica. “Mais do que isso e eles vão pensar que você não
tem nada melhor a fazer”, observava, fazendo referência a uma transmissão
da Segunda Guerra Mundial de um avião de patrulha da Marinha dos EUA
que sobrevoava o Atlântico Norte como o modelo perfeito: “Vi navio
afundei o mesmo”.
No dia 31 de março — uma terça-feira —, Kubrick disparou onze cartas,
e somente a carta dirigida a Clarke tinha mais de uma página. Para Michael
Vosse, em Los Angeles: “Não faço a menor ideia de que filme vou fazer
agora, por isso é um pouco difícil falar sobre o elenco”. Para Shael C.
Harris, da Canada Life Insurance em Winnipeg: “O nome Bat Guano se
refere aos excrementos de esterco encontrados nas cavernas de morcegos e
utilizados como fertilizante. Devo dizer que você ganhou a aposta”. (O
coronel “Bat” Guano era um dos personagens de Dr. Fantástico.)
Uma semana depois, em 6 de abril, Kubrick escreveu dezessete cartas —
talvez um recorde. Para Alexander Singer, seu antigo produtor e parceiro,
agora também diretor: “Sue Lyon parece estar ótima em A noite do iguana.
Você deveria assistir ao novo filme de Ingmar Bergman, O silêncio. Mas
chega disso. Estou trabalhando em algumas ideias para um filme, apesar de
não ter me decidido sobre o que fazer a seguir”. Para Gilbert Seldes, reitor e
fundador da Escola de Comunicações Annenberg, na Universidade da
Pensilvânia, respondendo ao convite para uma palestra: “Eu nunca faço
discursos ou escrevo artigos. Gosto de pensar que faço isso por humildade,
mas provavelmente é uma forma do mais supremo egoísmo. Sério, sempre
achei que existe algo de errado com cineastas ou escritores que resolvem se
tornar críticos ou palestrantes”.
Apesar disso, Kubrick se envolvia intensamente na promoção de seus
filmes — mas sem se colocar na frente ou no centro. Depois de voltar a
morar em Nova York, no outono de 1963, ele se concentrou em garantir que
a Columbia Pictures dedicasse o mesmo tempo e dinheiro dispendidos no
lançamento de Os canhões e Navarone, em 1961, ao seu Dr. Fantástico —
o segundo filme em faturamento daquele ano. Ao agir dessa forma, Kubrick
adquiriu a reputação de ser um pouco maníaco por controle, e ele e
Christiane se tornaram parte de um círculo social que incluía o grande
jazzista Artie Shaw, que abandonara a clarineta uma década antes e agora
estava muito envolvido na distribuição de filmes e em textos de ficção; a
mulher de Artie, a atriz Evelyn Keyes; o escritor Terry Southern e sua
mulher, Carol; e o diretor britânico Bryan Forbes, que ia a Nova York com
certa frequência.
Certo dia, no inverno de 1963-4, Forbes estava de visita quando surgiu o
assunto de qual seria o passo seguinte depois de Dr. Fantástico. Kubrick
apreciara os elogios de seu trabalho por Forbes nos jornais do Reino Unido
havia alguns anos, e também gostava dos filmes de Forbes, incluindo os
aclamados pela crítica Também o vento tem segredos e Farsa diabólica.
Apesar de terem ficado amigos, Kubrick continuava se incomodando com
as atitudes críticas do inglês. Era um inverno frio, e em seu típico
alheamento em relação a artigos de vestuário, Kubrick comprara um gorro
barato de pelo falso de nylon, numa loja qualquer, e passou a usá-lo — o
tipo de atitude que deixava a estilosa Christiane arrepiada e que a fazia
tentar controlá-lo, em geral sem sucesso.
Apesar de algumas tentativas bem divulgadas de tornar o gênero
respeitável na década anterior ou pouco antes, no início dos anos 1960 a
ficção científica estava um ou dois degraus abaixo da pornografia na escala
de aceitação social. Era um “negócio de homenzinhos verdes”, lembra-se
Christiane. Nesse dia com temperaturas abaixo de zero, Forbes e Kubrick
caminhavam em meio ao ruído do tráfego enquanto papeavam, com nuvens
de condensação se formando acima de suas cabeças. Talvez estivessem
discutindo as relativas vantagens de filmar em Londres ou em Los Angeles
— o governo do Reino Unido tinha anunciado significativos incentivos para
atrair produções hollywoodianas para a Grã-Bretanha, e o país dispunha de
estúdios formidáveis. De todo modo, Forbes, que agora trabalhava também
como ator, falava com uma dicção aristocrática, adquirida em seu curso na
Real Academia de Arte Dramática, e, quando Forbes perguntou que tipo de
projeto ele pensava em realizar a seguir, Kubrick respondeu, com seu quase
sarcástico sotaque nova-iorquino de periferia, que estava examinando a
possibilidade de fazer um filme de ficção científica.
“Ah, Stanley, pelo amor de Deus!”, exclamou Forbes, virando-se para o
diretor. “Ficção científica? Você deve estar brincando.” Kubrick observou-o
calmamente. Não, não estava, respondeu. Aliás, já tinha pensado em várias
ideias. Ao se convencer de que seu interlocutor estava realmente falando
sério, Forbes examinou o gorro de Kubrick com desagrado. “Sabe de uma
coisa, Stanley, você não pode andar por aí desse jeito”, comentou.
Kubrick olhou para ele durante um bom tempo. “Você se sente…
descontente com as minhas roupas?”, perguntou, incrédulo. “Você parece a
minha mãe.”
Quando voltou para casa, Kubrick descreveu o incidente a Christiane.
Ele queria gostar de Forbes, mas não conseguia acreditar no que tinha
ouvido. Tentou atribuir aquilo a diferenças culturais. “Acho que deve ser
coisa de inglês”, comentou.
“Não, Stanley”, replicou Christiane. “É babaquice mesmo.”
Mais tarde ela se recordou da desavença com Forbes como o começo de
um capítulo decisivo na vida de Stanley — o capítulo em que ele faria
2001: Uma odisseia no espaço.

***

Durante os anos anteriores, enquanto trabalhava em Lolita e Dr. Fantástico


— ambos rodados em estúdios no Reino Unido —, Kubrick ouvia muito a
BBC nos fins de semana. Em novembro e dezembro de 1961, ele ouviu um
novo drama radiofônico de ficção científica que chamou sua atenção,
Shadow on the Sun. Escrito por Gavin Blakeney e apresentando no papel
principal o ator expatriado americano William Sylvester, a trama envolvia
uma sucessão de misteriosos eventos após a queda de um grande meteorito
na Terra, juntamente com um misterioso escurecimento do sol. Enquanto a
temperatura caía por causa da obstrução da luz solar, Sylvester e outros
personagens descobriram que um vírus alienígena viera com o meteoro. O
vírus tornava os humanos incólumes ao calor, mas também os fazia perder
gradualmente todas as inibições sexuais.
Apesar de parecer uma trama banal, uma das máximas de Kubrick era a
de que bons livros resultavam em filmes ruins, e vice-versa, e ele viu um
bom potencial na história. Começou a considerar a aquisição dos direitos,
mas queria que um escritor desse uma olhada primeiro. Ficou intrigado com
o retrato de uma crise global provocada pela necessidade de se aquecer
misturada a um frenesi sexual, o que provocava a disseminação inexorável
do vírus alienígena entre os seres humanos. Em meados dos anos 1960, as
restrições do Código de Produção Cinematográfica começavam a ser
gradualmente afrouxadas. Depois de ter sofrido limitações no que pôde
fazer com Lolita, seu filme de 1962 baseado no romance polêmico de
Vladimir Nabokov, Kubrick ficou muito interessado em explorar formas
originais de explicitação sexual na tela. Shadow on the Sun tinha o potencial
de permitir isso enquanto explorava um tema de ficção científica.
Na verdade, o roteiro de Dr. Fantástico tinha um enfoque de ficção
científica até pouco antes do início das filmagens, em 1963. Os créditos do
filme deveriam começar com “uma criatura peluda, estranha e com cabeças
de hidra” rugindo para a câmera sob o título de abertura “Um Filme da
Macro-Galaxy-Meteor”. Depois de uma tomada na qual a câmera avançava
por estrelas, planetas e luas, um narrador, evidentemente de origem
alienígena, teria explicado que a “antiga comédia” que a plateia estava
prestes a assistir fora “descoberta, em uma fenda profunda no Grande
Deserto do Norte, por tripulantes de nossa sonda na Terra, a Nimbus-II”. No
final, depois do crescendo de explosões de bombas de hidrogênio, a
passagem dos títulos deveria terminar com a observação de que “esta
estranha comédia da pré-história da Galáxia” era “mais uma de nossa série
The Dead Worlds of Antiquity”.
Assim como Stanley, Christiane se interessava por ficção científica
desde os primeiros anos de escola. Por isso, a rejeição automática de Bryan
Forbes ao gênero apenas aumentou o interesse de ambos pelo tema, fazendo
os dois se afastarem do diretor. Stanley tocava bateria em grupos de jazz
desde o ensino médio, e continuava a tocar regularmente. Ficou amigo de
Artie Shaw, um dos maiores clarinetistas de jazz, e Christiane e Stanley
visitavam regularmente Shaw e sua esposa, Evelyn. Além de jazz, Stan e
Art também se interessavam por armas — Shaw era um atirador de renome
nacional — e Kubrick, que tinha uma coleção de armas trancada em casa,
gostava de apreciar tanto os instrumentos como as armas de Shaw.
“Eu ficava chateada”, recordou-se Christiane anos depois, referindo-se a
Shaw. “Não gostava da expressão que ele fazia quando lustrava e brincava
com aquelas coisas.”
Durante um encontro social no inverno de 1963-4, ficou evidente que
Shaw também era fã de ficção científica. Intrigado, Kubrick disse que
estava em busca de material do gênero. “Eu quero fazer o primeiro filme de
ficção científica que não seja considerado um lixo”, explicou. Discorrendo
sobre o Shadow on the Sun, Kubrick disse a Shaw que estava procurando
um grande escritor para adaptar a radionovela. Nesse ponto Shaw sugeriu
que ele lesse Arthur C. Clarke — especificamente, seu romance O fim da
infância. Os Kubrick não perderam tempo e logo compraram um exemplar
do livro, que começaram a ler ao lado da cama de Vivian enquanto
monitoravam sua respiração.
Ao tomar conhecimento da visão de Clarke de extraterrestres todo-
poderosos chegando para intervir em assuntos humanos, Kubrick ficou cada
vez mais entusiasmado. “Você precisa ler isso”, dizia, arrancando os
capítulos do livro e passando-os para Christiane assim que os terminava.
“Nós precisávamos nos revezar para ficar acordados”, lembra Christiane,
“por isso estávamos sempre exaustos, líamos aquelas coisas e achávamos
Arthur o máximo.” Uma edição brochura custava apenas 25 centavos de
dólar, o que estimulava o consumo desse tipo de literatura naqueles dias.
Quando afinal chegou ao último fragmento rasgado — em que a raça
humana renasce em uma nova espécie e a Terra evapora numa bruma, um
destino não muito diferente do exemplar do livro —, Kubrick leu a
biografia do autor na contracapa e então soube que o escritor morava em
Colombo, no Ceilão.
No dia seguinte ele pediu a Lovejoy que averiguasse a situação dos
direitos autorais de O fim da infância, e logo descobriu que eles tinham sido
adquiridos nos anos 1950. Não havia jeito de Kubrick comprar os direitos
— não sem o adiantamento de uma grande soma — e o próprio Clarke
estava morando em algum lugar nos trópicos, fazendo Deus sabe o quê.
Ocupado com os estágios finais da campanha publicitária de Dr. Fantástico,
Kubrick tirou o assunto da cabeça — mas continuou se dedicando
intensamente aos romances de ficção científica durante a noite.
Em 17 de fevereiro, poucas semanas depois da estreia de Dr. Fantástico,
Kubrick encontrou-se com Roger Caras para almoçar em um de seus locais
favoritos, o Trader Vic’s, no Savoy-Plaza Hotel. Figura falstafiana e com
um vozeirão exuberante, Caras era um dos principais divulgadores da
Columbia Pictures havia uma década. A decoração brega com motivos
polinésios do restaurante — uma entrada imitando ilha gramada, altos
totens “tiki” e uma gigantesca parede de conchas iluminadas — não
compunha exatamente um ambiente de classe, mas “no fundo, Stanley era
um camponês”, explicou Caras. “Ele não era nada pretensioso. Só que era
um gênio. Foi uma coisa curiosa que aconteceu na sua trajetória.”
Depois de conversarem sobre os rumos que Dr. Fantástico estava
tomando, Caras perguntou o que o diretor pensava em fazer a seguir.
Kubrick o examinou com seus olhos cor de oliva. “Você vai rir”, respondeu,
lembrando-se da reação de Forbes. “Acho que não”, replicou Caras — que,
ao se recordar da conversa três décadas depois, comentou: “Eu nunca faria
qualquer gozação com Stanley Kubrick. Mesmo assim, ficou claro o que ele
estava… Isso se revelou ao longo dos anos, mas já naquela época ficou
patente. E ele falou: ‘Bem’, e seus olhos lampejaram enquanto observava
minhas reações faciais e determinava se eu sabia do que ele estava falando.
E a expressão ‘ET’ não era tão comumente lembrada ou usada como hoje
em dia, por causa de Spielberg. E ele falou: ‘Eu quero fazer um filme sobre
ETs’”.
[41] Stanley Kubrick e Roger Caras.

A essa afirmação, Caras respondeu prontamente: “Fantástico. A


propósito, vou participar de um programa de rádio sobre extraterrestres hoje
à noite. No Long John Nebel, que começa à meia-noite”. Às vezes Kubrick
ouvia Nebel, um programa de rádio popular transmitido tarde da noite pela
WOR-AM New York ao longo de décadas. O apresentador se concentrava em
fenômenos inexplicáveis, inclusive OVNIs, bruxaria e parapsicologia. Caras
explicou que era um dos convidados regulares do programa, e que Nebel
costumava aparecer na primeira hora, deixando os convidados conduzirem
o programa pelo resto da noite.
Kubrick explicou que tinha pedido ao seu assistente para reunir vários
livros, e que vinha lendo tudo o que já tinha sido escrito por todo mundo.
Quando começou a listar os autores, Caras o interrompeu: “Por que você
está passando por tudo isso? É só contratar o melhor e partir daí”,
recomendou.
“E quem é o melhor?”, perguntou Kubrick.
“Eu disse que era Arthur C. Clarke”, relembra Caras. “E ele disse: ‘É,
mas pelo que sei ele é meio maluco, um recluso que mora numa árvore na
Índia’.” Anos mais tarde, Caras riria dessa recordação — em 1999, e sem
dúvida também riu em 1964. Em seguida volta à sua resposta. “‘Na
verdade, não, ele mora no Ceilão.’ Na época era Ceilão, não Sri Lanka. ‘Ele
mora no Ceilão, não é maluco e tem uma casa muito bonita lá, leva a vida
em grande estilo, com criados, motorista e tudo mais.’ E Kubrick
perguntou: ‘Você o conhece?’. Eu respondi: ‘Muitíssimo bem. Eu e Arthur
somos amigos há muitos anos’.”
“Puxa vida, você poderia fazer a gentileza de entrar em contato com
ele?”, pediu Kubrick.

***

Clarke teve mais dificuldade do que a habitual para se desvencilhar do


Ceilão. Apesar de todos os esforços de seu advogado, as autoridades do
fisco exigiram um depósito substancial antes que ele pudesse sair do país.
Mas com seus bens nos EUA bloqueados e todo seu dinheiro investido no
filme de Wilson, ele tinha poucos recursos a que recorrer. Em 9 de abril,
Clarke mandou um telegrama urgente para Scott Meredith, seu agente nos
EUA, que imediatamente interveio junto à Time pedindo um adiantamento
pelo livro. A quantia foi devidamente remetida e depositada — mas o
Comet da Air Ceilão teve problemas mecânicos e o voo teve que ser
postergado não por horas, mas por dois dias enquanto a empresa esperava
as peças do jato chegarem de Londres.
A caminho de Nova York, Clarke parou em Londres, onde sempre
passava alguns dias com seu irmão Fred e a família, e aproveitou para
assistir a Dr. Fantástico no Cine Columbia — um amontoado modernista na
Shaftesbury Avenue. Além de se admirar com o brilhante domínio de Peter
Sellers em seus três papéis — inclusive o do cientista do título, claramente
modelado em Wernher von Braun, amigo de Clarke —, ele ficou
impressionado com a maneira como Kubrick havia lidado com a tecnologia
do filme. Pelo jeito, Kubrick dava muito valor ao realismo, o que se
revelava principalmente no interior dos bombardeiros B-52 com seus
armamentos nucleares. As externas, rodadas sobre uma sequência
retroprojetada de picos nublados, também não eram ruins. “Seu
impressionante virtuosismo técnico fazia supor que seria capaz de projetos
ainda mais ambiciosos”, observou o autor.
Ao chegar a Nova York em 18 de abril, Clarke se instalou em seu quarto
no Chelsea Hotel. Ele sempre se hospedava naquela surrada construção de
tijolos vermelhos na rua 23 West, onde se misturava com outros inquilinos e
hóspedes regulares como Arthur Miller, William Burroughs, Allen Ginsberg
e Gore Vidal. A Biblioteca Muhlenberg ficava do outro lado da rua, o que
era útil, e ele podia fazer uma espécie de desjejum na cafeteria na esquina
da Sétima Avenida. Os elevadores quase sempre cheiravam a fumaça de
maconha, e o saguão às vezes parecia um espetáculo de aberrações. Mas
ninguém prestava muita atenção a estilos de vida alternativos no Chelsea,
que entre outras coisas era um ponto de encontro gay.
O encontro de Clarke com Kubrick seria no Trader Vic’s na semana
seguinte, portanto ele tinha alguns dias para se adaptar à diferença de fuso
horário, comprar uma Smith Corona elétrica portátil e se encontrar com
alguns amigos. Na segunda-feira ele se instalou em um “adorável escritório
no trigésimo segundo andar” do edifício da Time-Life no centro de
Manhattan, e começou a trabalhar junto a seus editores na preparação de
seu livro O homem e o espaço. “Foi estranho voltar a Nova York depois de
tantos anos morando no paraíso tropical do Ceilão”, escreveu. “Pegar o
metrô — mesmo que apenas por três estações — era uma novidade exótica
depois de minha vida enfadonha entre elefantes, recifes de coral, monções e
navios naufragados com tesouros. Os gritos estranhos, as simpáticas
expressões sorridentes e os indefectíveis modos corteses dos moradores de
Manhattan enquanto cuidavam de suas vidas eram uma constante fonte de
fascinação.”
Na quarta-feira ele desceu de seu ninho envidraçado e foi andando até o
velho Savoy-Plaza Hotel, no lado leste da Quinta Avenida. Era 22 de abril
— o dia da abertura da Feira Mundial. Recém-chegado de seus elefantes e
de suas monções, Clarke examinou a falsa decoração tropical do restaurante
com certo deleite e seguiu até o bar. Estava adiantado.
Kubrick chegou na hora certa, percorrendo o trajeto entre as mesas
lotadas até o autor, que ele reconheceu pela foto da orelha do livro. Quando
foram para a mesa e se sentaram, Clarke notou “um nova-iorquino (do
Bronx, para ser exato) de estatura média e de poucas palavras, sem
nenhuma das idiossincrasias associadas a grandes diretores de cinema de
Hollywood, em grande parte resultado dos filmes de Hollywood […]. Ele
tinha a palidez de uma pessoa notívaga…”. O Kubrick da primavera de
1964 não usava barba, era formal, com um humor discreto e “certa
aparência boêmia de um jogador de navio ou de poeta romeno”, como
definiria Jeremy Bernstein, médico e colaborador da New Yorker alguns
anos mais tarde, num perfil do diretor. Depois de fazerem seus pedidos,
começaram uma intensa maratona de conversas que se estenderia durante os
quase quatro anos seguintes.
Uma característica que chamou a atenção de Clarke quase de imediato
foi a “inteligência pura” do diretor, segundo escreveu. “Kubrick apreende
novas ideias, por mais complexas que sejam, quase instantaneamente.
Também parece se interessar por praticamente tudo.” O primeiro encontro
entre os dois, que se prolongou por oito horas, cobriu tópicos como ficção
científica, política, discos voadores, o programa espacial e Dr. Fantástico.
Quando Clarke disse ao diretor que havia assistido ao filme em Londres, e
que conhecia pessoalmente Wernher von Braun, Kubrick comentou: “Por
favor, diga a Wernher que eu não o estava retratando”. Mais tarde Clarke
comentaria: “Eu nunca disse nada, porque (a) eu não acreditei; (b) mesmo
se Stanley não estivesse retratando, com certeza Peter Sellers estava”.
Os conceitos-chave por trás do que se tornaria 2001: Uma odisseia no
espaço nasceram em 1964 de conversas entre Kubrick e Clarke sem
nenhuma terceira pessoa presente. Eles estavam “em camera”, como
definiu Roger Caras — um termo jurídico em latim que significa em
particular, literalmente “em câmaras”, mas que tem a mesma raiz do
principal instrumento de Kubrick, se acrescentarmos a palavra “Panavision”
e encaixarmos uma lente Zeiss na frente. Sabemos, contudo, que de alguma
forma o primeiro encontro entre Kubrick e Clarke foi uma mistura perfeita
de conteúdo com criatividade, e vice-versa.
Clarke estava então com 47 anos e tinha passado a maior parte da vida
absorvendo tudo o que pudesse sobre espaço, cosmologia, foguetes,
astronomia, futurismo e ficção científica. Além de sua própria produção
ficcional, que era considerável, ele já havia participado de campanhas
ferozes pela expansão da humanidade através do Sistema Solar em diversas
manifestações, inclusive com uma série de trabalhos influentes de não
ficção. Era articulado, espirituoso, egocêntrico — características que
conseguia exercer de uma forma notavelmente nada ofensiva — e ficava
feliz por ser considerado uma autoridade mundial. Apesar de acostumado a
fazer as coisas do seu jeito quando escrevia, sabia muito bem que o cinema
era uma mídia colaborativa e que o diretor era o chefe.
Kubrick tinha 36 anos, mais de uma década mais novo, e estava
chegando ao auge de sua força criativa. Era paciente, de fala mansa,
educado, astuto, cortante, definitivamente implacável e capaz de equilibrar
no ar vários pratos intelectuais a qualquer momento. Quando se tratava de
absorver conteúdo necessário para criar filmes atraentes e provocativos, a
metáfora utilizada por quase todos os seus colaboradores era de uma
esponja. Acontece que uma esponja é um objeto basicamente passivo, e sua
mulher descreve um processo mais ativo.
“Stanley tinha uma grande capacidade de concentração, e se alguém
soubesse algo que ele desejasse saber, ele faria de tudo para extrair isso da
pessoa!”, explica Christiane com uma risada: “Era um observador voraz de
qualquer um que dominasse um assunto que ele não dominava mas queria
dominar. Por isso, era bem divertido ensinar coisas a ele, pois ninguém seria
capaz de ouvir com tamanha atenção”.
Durante um farto churrasco — os dois eram grandes carnívoros —,
Kubrick e Clarke discutiram a sugestão do escritor para a sequência de
abertura e a possível utilização de “A Sentinela”, que fora republicado em
uma das antologias que Scott Meredith havia mandado à Polaris algumas
semanas antes. Clarke ficou desapontado ao perceber que Kubrick parecia
disposto a adaptar um drama radiofônico da BBC para a tela e que queria a
opinião do escritor. Depois de ouvir diplomaticamente um resumo de
Shadow on the Sun, Clarke expressou sua preferência por trabalharem numa
história original baseada em seus próprios conceitos, ou talvez em ideias
que pudessem ser desenvolvidas de forma colaborativa.
Três anos depois, Clarke descreveu a conversa entre os dois no esboço
de um artigo para a Life intitulado “Filho do Dr. Fantástico: ou como
aprendi a parar de me preocupar e amar Stanley Kubrick”: “Com pesar,
percebi que Stanley já estava interessado em um roteiro convencional, do
tipo ‘Invasão da Terra’, e deixei claro que eu não estava interessado em
trabalhar com ideias de outras pessoas”. Segundo suas anotações, no
entanto, Shadow on the Sun continuou em pauta até dia 2 de maio — mais
de uma semana e dois encontros depois —, por isso Clarke pode ter sido
menos enfático do que deu a entender. De qualquer forma, em 1967 Clarke
já fora convencido a submeter tudo o que escrevesse sobre 2001 ao diretor,
para comentários, e numa cópia datilografada do rascunho de seu artigo
essa frase foi riscada, e o comentário de Kubrick na margem diz: “Isso é
uma falta de generosidade e faz com que eu me saia como um idiota”. (O
artigo nunca foi publicado, pois, estranhamente, os editores o consideraram
hagiográfico demais.)
Depois de engavetar o drama da BBC, os dois discutiram em termos
gerais o que o diretor queria realizar. “Desde o começo ele já tinha uma
ideia clara de seu objetivo final e estava em busca da melhor maneira de
realizá-lo”, escreveu Clarke oito anos mais tarde. “Ele queria fazer um
filme sobre a relação do Homem com o Universo — algo nunca tentado
antes, muito menos conseguido, na história do cinema.” Kubrick, escreveu
Clarke, “estava determinado a criar uma obra de arte que despertasse
espanto, deslumbramento — e até, se apropriado, terror”.
Kubrick também demonstrou muito interesse pelo que Clarke tinha a
dizer sobre a questão dos OVNIs. “Quando conheci Stanley”, comentou, “ele
já tinha absorvido uma imensa quantidade de fatos científicos e de ficção
científica, e corria o risco de acreditar em discos voadores; senti que eu
tinha chegado bem a tempo de salvá-lo desse destino terrível.”
Kubrick surpreendeu Clarke ao pedir que não entrasse em contato com
Caras naquele momento, pois temia que o divulgador pudesse atrapalhar o
trabalho dos dois. Um tanto surpreso, Clarke concordou, conjeturando se
esse tipo de jogo de cena seria uma constante na colaboração entre os dois.
(Ele ainda não tinha visto nada.) Depois de oito horas de conversa, durante
as quais concordaram em visitar a Feira Mundial juntos, saíram do hotel
para uma Quinta Avenida já escura. Estavam contentes. Kubrick, por ter
conhecido um colaborador competente, adequado e potencialmente útil, e
Clarke, porque a notável capacidade intelectual de Kubrick e sua
despretensão foram uma espécie de revelação.
Muitos anos mais tarde, ele definiria o diretor como “talvez a pessoa
mais inteligente que já conheci”.

***

Naquela sexta-feira eles se reuniram na cobertura de Kubrick, onde Clarke


conheceu Christiane e as filhas do casal, Katharina (do primeiro casamento
de Christiane), Anya e Vivian. Com teto baixo, porém enorme, o labirinto
de quartos compunha originalmente dois apartamentos, antes de as paredes
serem derrubadas. Era totalmente rodeado por uma varanda, sobre a qual a
chaminé do incinerador, no telhado do edifício, produzia um rumor baixo e
abafado e despejava uma contínua precipitação de flocos finos de cinza.
Dentro, protegidos da fuligem, as pinturas a óleo de Christiane se
espalhavam pelas paredes. A sala de estar apresentava os habituais efeitos
colaterais da bagunça das crianças.
O estúdio de Kubrick estava abarrotado de equipamentos de gravação,
amplificadores, alto-falantes e coisas do gênero, e tinha numa prateleira um
volumoso rádio de ondas curtas Zenith Transoceânico de painel prateado
que ele vinha usando na tentativa de sintonizar a reação de Moscou ao
início da ofensiva americana no Vietnã. “A preocupação com equipamentos
de alta-fidelidade e gravadores portáteis faz parte do meu interesse geral por
qualquer coisa que poupe tempo”, comentou Kubrick depois — uma
anotação rabiscada na margem da prova tipográfica de Jeremy Bernstein,
que escreveu o já citado perfil do diretor para a New Yorker em novembro
de 1966.
Como prometido, Clarke levara seu Questar, e os dois o montaram no
tripé do lado de fora, tremendo de frio apesar dos casacos, e o apontaram
para a Lua a quatro dias do plenilúnio. A zona sombreada a oeste
proporcionava uma visão clara das montanhas em forma de crescente ao
redor do Oceanus Procellarum, com sombras invadindo em tons dramáticos
as vastas crateras de Grimaldi e Riccioli. O sexto voo de teste do foguete
Saturn-1 de Von Braun seria lançado em algumas semanas, e apesar de que
sua missão se reduzisse a contornar a órbita da Terra, os dois podem ter
especulado onde a Nasa acabaria pousando. (Os foguetes Saturn acabariam
levando os astronautas à Lua, mas na primavera de 1964 a Nasa ainda
realizava lançamentos não tripulados de suas cápsulas Gemini. O programa
Gemini, para órbita em torno da Terra, foi projetado para demonstrar as
técnicas de voo espacial necessárias para que a Apollo chegasse à Lua e
retornasse em segurança.)
O que se seguiu foi mais ou menos um mês de intensas reuniões durante
as quais muitas informações foram trocadas, principalmente numa direção
— do amável e volúvel intelecto de Clarke para o intelecto faminto de
Kubrick. “Toda vez que passo por uma sessão com Stanley eu preciso me
deitar em seguida”, comentaria mais tarde o autor. Nenhum acordo havia
sido fechado e nenhum contrato assinado, embora as coisas estivessem
claramente rumando nessa direção. Quando indagado, anos depois, se
Kubrick dominava as conversas entre eles, Clarke as definiu como
equilibradas. Pressionado nesse quesito por Neil McAleer, seu biógrafo, que
observou que Kubrick sempre controlava todos os aspetos de suas
produções, Clarke respondeu: “Não sou fácil de ser controlado”.
Foi uma boa resposta. Mas não foi bem assim que as coisas se passaram.
Clarke ainda estava ocupado com a conclusão de seu livro no edifício da
Time-Life, então em 30 de abril Kubrick foi sozinho a Flushing Meadows,
no Queens, assistir a uma pré-estreia de To the Moon and Beyond no
pavilhão de “Transporte e Viagem” da Feira Mundial de Nova York. O
pavilhão abrigava um “Domo Lunar” de trinta metros com uma paisagem
topográfica estilizada de crateras e montanhas sob o teto curvo. A produção
experimental de dezoito minutos fora realizada por meio de um processo
especial de “Cinerama 360º”, envolvendo uma lente olho de peixe e
projetores montados na vertical que lançavam imagens em 70 milímetros no
côncavo do domo.
Como prometido, o filme mostrava imagens de uma superfície lunar
rugosa (com a Terra no horizonte) e também uma viagem pelo Sistema
Solar dentro de uma grande espaçonave interplanetária com um
compartimento rotativo para a tripulação. Tudo isso seguido por animações
feitas pelo pioneiro em efeitos especiais de Los Angeles, John Whitney,
incluindo uma representação do Big Bang, anéis de material expandindo-se
no universo recém-criado e uma exuberante nébula multicolorida. Via-se
também uma galáxia espiral se formando gradualmente a partir de uma
nuvem de hidrogênio coalescente.
As sequências eram feitas com técnicas de animação que não podiam ser
vistas como representações fotográficas realistas do tipo que Kubrick tinha
em mente para seu projeto, mas ele ficou impressionado com a integridade
da produção. Ao examinar seu ingresso, viu que o filme fora escrito e
dirigido por Con Pederson e produzido pela Graphic Films, uma empresa de
Los Angeles. Apesar de não ser mencionado no ingresso, a galáxia espiral
rotativa tinha sido pintada por um jovem funcionário da empresa chamado
Doug Trumbull.
No sábado seguinte, 2 de maio, Clarke visitou os Kubrick novamente,
levando para o diretor uma cartilha sobre astronomia posicional — uma
técnica antiga para localizar objetos no céu. “Falar com Arthur era
realmente como falar com um tiozão, que faz questão de ensinar tudo o que
existe sobre ficção científica, sobre ciência”, recorda-se Christiane. “Eles
foram para o telhado e Arthur mostrou a Stanley como localizar certos
planetas e estrelas. Na verdade, é difícil focar esses corpos, e fazia muito
frio, mas aprendemos muito com Arthur. Parecíamos crianças.”
[42] Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke com um telescópio Celestron no telhado da cobertura de
Kubrick, na Lexington Avenue, Nova York, 1964.

Depois de saírem do frio, eles voltaram a discutir o projeto provisório.


Clarke repetiu seu ponto de vista, de que “A Sentinela” seria uma excelente
base para o filme, argumentando que a história de Shadow on the Sun não
fora criada para dar margem a sequências espaciais, estando mais próxima
de um drama tipo A guerra dos mundos, totalmente passada na Terra.
Kubrick acabou concordando em descartar a radionovela e se concentrou no
desenvolvimento do conto de Clarke para um longa-metragem. Uma das
primeiras dúvidas era se a descoberta do artefato alienígena na Lua seria o
clímax ou somente um aspecto da trama. Caso não fosse a conclusão, como
eles terminariam o filme?
“Eu estava trabalhando na Time-Life durante o dia e fazendo serão com
Stanley à noite, e enquanto o trabalho na Time-Life ia se concluindo, o
trabalho com Stanley se avolumava”, disse Clarke a Jeremy Bernstein em
1969. “Nós conversamos durante muitas semanas — às vezes durante dez
horas seguidas — e andamos por toda Nova York.” Os dois também
assistiram a muitos filmes, inclusive Destino à Lua, O dia em que a Terra
parou e Planeta proibido. Kubrick logo percebeu que Clarke era tolerante
com material que o diretor considerava constrangedor, superficial e
malfeito. Quando o autor insistiu em projetar o clássico de ficção científica
britânico Daqui a cem anos, escrito por H. G. Wells e baseado em vários de
seus contos, Kubrick “exclamou, angustiado: ‘O que você está tentando
fazer comigo? Nunca mais vou assistir a nada que você recomendar!’”,
lembrou-se o autor em 1972.
Apesar de não se sentir muito bem — estava com tosse e uma fadiga
generalizada —, Clarke visitou Washington entre 11 e 13 de maio, onde
jantou com a maioria dos chefões da Nasa. Sem ressentimentos pelo fato de
o principal redator de discursos da agência “estar usando ideias” de seu
livro Perfil do futuro, de 1962, em nome do administrador da Nasa James
Webb, Clarke ficou especialmente entusiasmado quando George Muller,
diretor do projeto Apollo, quis saber quais eram suas ideias sobre o que a
Nasa deveria fazer depois de pousar na Lua. Quando voltou a Nova York,
ele escreveu a Mike Wilson: “Ainda passando cada minuto de folga com
Stanley K., tentando fazer a história funcionar. Acho que estamos chegando
a algum lugar, mas ainda não há um acordo definitivo. Cruze os dedos…”.
Também lembrou a Wilson que o limite de saque da conta conjunta dos dois
precisava ser coberto e perguntou se o sócio estava em condições de
colaborar com algum dinheiro.
A essa altura, Kubrick pegou um gravador de fita e tomou um táxi até o
apartamento de Joseph Heller, no número 390 da West End Avenue, perto
do Museu de História Natural. Kubrick gostava muito do romance Ardil-22,
de Heller, pois além de sua estrutura não linear — as diversas histórias do
livro são habilmente costuradas fora de ordem —, apresentava o tipo de
efeito “comédia de pesadelo” que ele acreditava ter conseguido em Dr.
Fantástico — um filme de que Heller também havia gostado muito.
Embora os motivos para aquela gravação sejam desconhecidos, a conversa
foi muito reveladora.
Acomodado na mesma saleta em que Heller, então com 41 anos, tinha
escrito Ardil-22, Kubrick falou: “Um enredo muito bom é um pequeno
milagre, é como um hit musical”.
“Essa é muito boa”, concordou Heller.
“Em Aspectos do romance”, prosseguiu Kubrick:

E. M. Forster fala sobre como é lamentável ter de haver uma trama, mas
também o quanto ela é necessária. Quando os primeiros homens das
cavernas se sentaram ao redor de uma fogueira, se o contador de
histórias não mantivesse o interesse, eles iriam dormir ou bateriam nele
com uma pedra. Mas você paga um preço terrível por uma boa trama,
pois no momento em que estão todos atentos, imaginando o que vai
acontecer a seguir, não há muito espaço para eles se preocuparem com
como vai acontecer e por que aconteceu. Um dos truques mais hábeis é
não ter uma boa trama e mesmo assim manter o interesse, seja lidando
com algo inimaginável e tornando-o realista — que é quando a
característica surrealista, fantástica ou onírica do seu livro assume o
controle —, ou chegar tão perto do cerne do fato ou do personagem que
eles se mantêm imóveis como se seu coração não estivesse batendo.

Heller concordava. “Você realmente só se torna um criador quando ganha a


plateia em seus próprios termos”, observou.
Kubrick continuou: “Por causa do formato do cinema e de sua
capacidade de gerar um bocado de emoções, existe espaço para o que se
pode chamar de história sem trama, ou um filme ‘antitrama’. Quando a
gente se imbui disso, começa a vibrar com uma espécie mais sutil de
vibração. Funciona principalmente em filmes, mas em livros também”.

***

Durante suas caminhadas por Nova York — que se estendiam pelo Central
Park, pelo Museu Guggenheim e chegavam até o East River, incluindo
“restaurantes e cafeterias, cinemas e galerias de arte” —, Kubrick explicava
o formato Cinerama a Clarke. Era de uma resolução tão alta que conseguia
transportar a plateia para uma espécie de viagem, por meio da mistura das
palavras “cinema” e “panorama”. Os primeiros filmes em Cinerama foram
lançados em grandes cidades como “espetáculos ambulantes”, com lugares
reservados, com programa impresso e um intervalo, como nos teatros. As
pessoas chegavam a se vestir formalmente para as apresentações.
Tendo discutido extensivamente a questão com o amigo e cinegrafista
Robert Gaffney, Kubrick queria que seu filme fosse uma produção em
Cinerama — a única que utilizava um processo mais novo, exigindo apenas
uma câmera de 65 milímetros e um único projetor. Citou A conquista do
Oeste, que não apresentava apenas um único conjunto de personagens, mas
múltiplas gerações deslocando-se para o Oeste. Com quase três horas de
duração, fora o último épico de grande orçamento da MGM a obter sucesso
comercial, e Kubrick achava que valia a pena tomar o filme como um
modelo, especialmente em vista do escopo que o empreendimento vinha
ganhando. Com cinco seções principais e um epílogo, e sem um
personagem principal, tratava-se mais de um docudrama — apesar de
espetacular — do que de um drama no sentido convencional.
Clarke concordou que a luta de pioneiros para se estabelecer em outros
planetas poderia funcionar como uma espécie de eco futurístico da
exploração do Oeste americano na era espacial. Mas em sua visão, as
viagens interplanetárias eram a única forma de conquista ainda compatível
com a civilização. Nas duas semanas anteriores, os dois chegaram a tocar
no problema de como chamar seu épico espacial. No momento eles
decidiram que o título provisório seria Como o Sistema Solar foi
conquistado. “O que tínhamos em mente era uma espécie de
semidocumentário sobre os primeiros tempos da nova fronteira. Apesar de
termos logo deixado esse conceito para trás, ainda parece uma boa ideia”,
escreveu Clarke em 1972.
Enquanto discutiam, Clarke se referia a uma ideia que já havia
apresentado por escrito — que o verdadeiro paralelo entre o salto da
humanidade para o espaço e algum fato histórico ia muito além da
exploração do Oeste americano, de Cristóvão Colombo ou até mesmo de
Odisseu. A viagem espacial representava um salto evolucionário tão
significativo quanto a transição da vida do mar para a terra, segundo
acreditava — só que a exploração do espaço era um movimento consciente
de uma espécie senciente. “Raramente paramos para pensar que ainda
somos criaturas do mar, que só conseguimos sair da água porque usamos
trajes espaciais cheios de água, a nossa pele, do nascimento até a morte”,
observou Clarke. “Somente as criaturas que se atreveram a sair do mar para
uma terra estranha e hostil foram capazes de desenvolver inteligência.
Agora que essa inteligência está prestes a enfrentar um desafio ainda maior,
pode ser que a Terra não passe de um breve local de descanso entre o mar
de sal e o mar de estrelas.”
Outro ponto levantado por Clarke em suas perambulações por
Manhattan foi que os primeiros usuários de ferramentas não eram humanos,
mas primatas pré-humanos — e que o uso de ferramentas foi sua perdição.
Pois até mesmo as ferramentas mais primitivas obrigaram seus usuários a
desenvolver destreza manual e a alterar a postura — por exemplo, passando
a andar eretos. “A antiga ideia de que o homem inventou ferramentas é
enganosa, é uma meia-verdade. É mais preciso afirmar que as ferramentas
inventaram o homem”, escreveu Clarke em 1962. “Tratava-se de
ferramentas primitivas, nas mãos de criaturas que eram pouco mais que
macacos. Mas elas resultaram em nós — e na extinção final do homem-
macaco que primeiro as utilizou.”

***

Depois de quatro longos encontros e mais de uma dezena de ligações


telefônicas, o formato do filme começou a surgir a partir “da névoa das
palavras”, como definiu Clarke. No domingo, 17 de maio, Clarke voltou ao
apartamento de Kubrick e o diretor se disse pronto para fazer uma oferta de
trabalho para um filme que, ele estimava, levaria dois anos a ser concluído.
A Polaris Production adquiriria seis histórias de Clarke, que seriam
mescladas para servir como espinha dorsal do filme. O longa que queria
realizar abrangeria o próximo século e meio ou algo assim — um escopo
comparável ao de A conquista do Oeste —, cobrindo o primeiro capítulo da
Era Espacial e culminando com o primeiro contato com uma inteligência
extraterrestre.
Clarke teria que protelar seu sonho de retornar brevemente ao Ceilão, e
o advogado Louis Blau, de Los Angeles, um associado próximo de
Kubrick, se propôs a negociar os termos com Scott Meredith, o agente de
Clarke. A Polaris ofereceria um salário semanal enquanto o autor
trabalhasse no roteiro. Blau tinha os detalhes, disse Kubrick, e esperava que
Clarke ficasse satisfeito. O diretor calculou que o roteiro tomaria de catorze
a vinte semanas, com um pagamento mínimo garantido para catorze
semanas na improvável eventualidade de que fosse concluído antes.
Clarke sentia muita falta de Mike Wilson, do jovem amigo Hector
Ekanayake e da vida no Ceilão, mas concordou, relutante, em continuar em
Nova York pela maior parte do restante do ano. Os dois discutiram as
histórias adicionais que considerariam elementos constituintes de um filme
baseado numa expansão de “A Sentinela”. “Em busca do futuro” era uma
vinheta a respeito da descoberta de uma forma de vida primitiva no subsolo
de Vênus por uma expedição de reconhecimento feita pela Terra. Quando os
terráqueos partiram, deixaram um saco de resíduos para trás. Os organismos
venusianos estenderam suas gavinhas até o lixo, absorvendo “todo um
microcosmos de criaturas vivas — as bactérias e vírus que, em um planeta
mais antigo, se desenvolveram em mil cepas mortais”. A história concluía:
“Abaixo das nuvens de Vênus, a história da Criação estava terminada”.
“Ao centro do cometa” era sobre a entrada de uma espaçonave na
concha de gás e poeira ao redor de um cometa, mas que fica presa por causa
de um defeito do computador. Usando ábacos improvisados, a tripulação
calcula a trajetória para escapar do perigo. “Acidente espacial” dizia
respeito a um meteoro que perfura os tanques de oxigênio de uma
espaçonave interplanetária com propulsão nuclear e somente um dos dois
homens a bordo poderia sobreviver até a chegada ao destino. A nave é
descrita no formato de um haltere, com uma grande esfera em uma das
extremidades contendo os alojamentos, ligados por um longo cilindro ao
sistema de propulsão, mantido à distância por conta da radiação. “Todo o
tempo do mundo” trata de um astronauta apreensivo em um casulo espacial
cilíndrico — uma espécie de espaçonave para uma pessoa só — que se
sente cada vez mais ansioso quando pequenas movimentações o fazem
suspeitar que o casulo, previamente usado por um tripulante falecido, estava
assombrado. Depois de ter o maior choque de sua vida ao sentir algo quente
e felpudo na nuca, o astronauta descobre que o que considerava ser um
fantasma na verdade era um dos vários e agitados filhotes que a gata da
nave levara para dentro.
Nem Clarke nem Kubrick estavam satisfeitos com o título provisório do
filme, mas ainda não tinham muita noção da identidade do longa a fim de
que pudessem arranjar algo melhor. O quinto conto de Clarke, “Fora do
berço, em órbita para sempre”, foi publicado pela primeira vez em 1959 na
revista The Dude — uma rival da Playboy de meados do século XX, com
pretensões literárias e muitos decotes. Começava com um narrador
resmungão meditando sobre datas na base lunar onde se encontra:

Antes de começarmos, gostaria de dizer uma coisa que um bom número


de pessoas parece não ter percebido. O século XXI não começa amanhã;
começa um ano depois, em 1º de janeiro de 2001. Ainda que o
calendário indique 2000 a partir da meia-noite, o velho século ainda tem
doze meses a percorrer. A cada cem anos nós astrônomos temos de
explicar tudo isso de novo. Mas não faz diferença, as comemorações
começam assim que sobem os dois zeros.

A história termina com o narrador mudando seu tom de fastio com o mundo
para descrever “o som mais espantoso que já ouvi na minha vida. Era o
choro agudo de um bebê recém-nascido, a primeira criança na história da
humanidade a nascer em outro mundo que não a Terra”. O título da história
é referência a uma afirmação do visionário cientista espacial russo
Konstantin Tsiolkovsky. “A terra é o berço da mente, mas a humanidade
não pode ficar em seu berço para sempre.”
Finalmente, é claro, “A Sentinela”, que os dois já haviam concordado
que serviria como o principal componente do filme. Referindo-se ao
artefato alienígena do título, a história terminava de forma agourenta.

Agora que seus sinais cessaram, aqueles que têm essa missão voltarão
seus pensamentos para a Terra. Talvez eles queiram ajudar nossa infante
civilização. Mas devem ser muito, muito antigos, e os velhos costumam
ser loucos de ciúmes com os mais jovens.
Nunca mais conseguirei olhar para a Via Láctea sem ponderar de
quais bancos de nuvens estelares os emissários virão. Se me permitirem
uma comparação corriqueira, nós disparamos um alarme de incêndio e
não temos nada a fazer a não ser esperar.
Acho que não esperaremos por muito tempo.

Uma história que nenhum dos dois pensou em incluir nas discussões
daquele mês de maio foi “Encontro no amanhecer”. Publicada pela primeira
vez em Amazing Stories, em 1953, o conto segue uma expedição de
reconhecimento alienígena que chega à Terra pré-histórica, onde descobre
uma primitiva tribo de hominídeos não muito diferentes dos próprios
alienígenas sob certos aspectos, só que num estágio bem anterior de
evolução — “primos selvagens esperando pela aurora da história”. Um dos
três membros da tripulação, Bertrond, fica amigo de um caçador chamado
Yaan, “vestido com a pele de um animal e […] segurando uma lança de
ponta de sílex”. Entretanto, parece que o império galáctico que os enviara
naquela missão está com problemas e a nave é chamada antes de concluir
sua antropologia interestelar.
“Eu esperava que, com nosso conhecimento, pudéssemos tirar vocês da
barbárie em uma dezena de gerações”, diz um agitado Bertrond para um
perplexo Yaan. “Mas agora vocês terão que batalhar para sair da selva
sozinhos, e pode ser que isso leve um milhão de anos para acontecer.”
Deixando algumas ferramentas, inclusive uma faca — “vão se passar eras
até seu mundo construir coisas assim” —, Bertrond e seus colegas partem
em sua nave, decolando “com tanta suavidade quanto fumaça saindo de
uma fogueira”. Ao observar a nave se transformar “numa longa linha
luminosa rumando em direção às estrelas”, Yaan entende de forma difusa
que “os deuses se foram e nunca mais voltarão”. Atrás dele, vê-se um
sinuoso rio passando por planícies férteis “nas quais, mais de mil séculos
mais tarde, os descendentes de Yaan construiriam a grande cidade que
chamariam de Babilônia”.

***

Depois de apertarem-se as mãos para fechar o acordo, ou pelo menos com a


intenção de negociar um acordo, autor e diretor retornaram ao pátio. Os
dois tinham estabelecido um diálogo aberto nos meses anteriores, e
quaisquer reservas tinham sido abandonadas havia muito tempo. Ambos se
sentiam entusiasmados e não se incomodavam em demonstrar isso. Era um
lindo dia de fim de primavera, com temperaturas chegando a 24 graus, uma
noite perfeitamente amena, com uma lua crescente suspensa numa névoa
tênue vários graus acima do horizonte do sudeste. Felizmente o sistema de
aquecimento do prédio fora trocado algumas semanas antes e a chaminé que
exalava cinzas estava agora em silêncio. Em direção ao sul, todo o centro de
Manhattan se descortinava diante deles, as luzes piscando.
De repente, eles notaram um ponto de luz branco brilhante e estável
acima do horizonte no sudoeste. Radiante como um facho de navegação,
ascendia de forma constante no céu noturno. Clarke já tinha visto o satélite
Echo 1 no Ceilão muitas vezes, mas esse objeto parecia muito mais
brilhante. Em cinco minutos já havia subido ao zênite absoluto no céu — e
pareceu ter parado ali. Os dois foram envolvidos por uma sensação de
deslumbramento e exaltação. “É impossível”, gaguejou Clarke. “Em seu
ponto mais próximo, um satélite artificial tem de se mover com sua máxima
velocidade aparente!” Um pensamento lampejou em sua mente: “Isso é
coincidência demais. Eles estão querendo nos impedir de fazer esse filme”.
Apressados, os dois entraram em casa, pegaram o novo Questar de
Stanley e o instalaram numa escada de metal no ponto mais elevado do
terraço do edifício. O objeto continuava pairando, quase na vertical.
Ajustando os botões, e com o tripé fixado no telhado, Clarke conseguiu
colocar o objeto em seu campo de visão: um brilhante ponto de luz branca,
sem dimensões visíveis. Eles se revezavam nas observações enquanto o
objeto gradualmente descia em direção ao nordeste, passando pela Ursa
Maior antes de desaparecer no horizonte. O episódio não durou mais que
dez minutos. “Esse foi o OVNI mais espetacular entre as dezenas que
observei nos últimos vinte anos”, disse Clarke, com a voz trêmula.
Descendo muito animados para a sala de estar, encontraram uma edição
do New York Times e localizaram a tabela de “Satélites Visíveis” que o
jornal começara a publicar alguns anos antes. No início dos anos 1960, a
Nasa havia lançado alguns satélites infláveis gigantescos para atuarem
como refletores passivos de sinais de comunicação e micro-ondas. O Echo
2, lançado numa órbita polar em 24 de janeiro de 1964, tinha quarenta
metros de diâmetro e uma superfície de alumínio brilhante e refletora. Mas
não havia nenhum trânsito programado para as nove da noite — embora o
Echo 1, um pouco menor, mas também muito brilhante, estivesse
programado para passar às onze da noite e mais uma vez à uma da manhã.
Embora Clarke tivesse tentado convencer Kubrick de que os OVNIs
tinham uma explicação racional e não deveriam ser considerados evidência
de inteligência extraterrestre, Kubrick tinha sua própria opinião. Mas agora
que eles realmente tinham visto um desses objetos, Kubrick se sentiu
vingado. Já Clarke se sentiu genuinamente abalado. A coisa mais intrigante,
observou, foi a aparente imobilidade do objeto no zênite. Isso desafiava
toda a lógica. Simplesmente não era assim que um satélite deveria ou
poderia se comportar.
Às onze horas eles voltaram para a cobertura e tiveram uma excelente
visão do Echo 1, quase idêntica ao que haviam visto antes, ascendendo
exatamente como previsto. Mas não parou no zênite, simplesmente
continuou sua trajetória, inscrevendo uma linha reta perfeita e geométrica
no céu. “E foi assim que Stanley viu seu primeiro satélite artificial”,
escreveu Clarke, “e ficou devidamente impressionado. A aparição das nove
horas, no entanto, continuou um completo mistério.” Apesar de ter certeza
de que deveria haver uma explicação, Clarke não conseguiu pensar em
nenhuma.
Os dois pensaram em preencher um relatório de avistamento para a
Força Aérea dos Estados Unidos, mas Kubrick ficou relutante. Ele
acreditava que a Força Aérea ainda estaria irritada com a maneira como
fora retratada em Dr. Fantástico e que consideraria a coisa toda um golpe
publicitário. No fim, eles acabaram mandando um relatório, e Clarke pediu
a seus contatos no Planetário Hayden para consultar o banco de dados de
trânsito de satélites. Finalmente, tanto a Força Aérea como Hayden
responderam que o Echo 1 havia de fato transitado por Nova York às nove
horas da noite, com subsequentes passagens às onze e à uma da manhã. O
“satélite-balão” tinha um período orbital de apenas 118 minutos — quase
exatamente duas horas — o que correspondia perfeitamente ao que eles
tinham visto.
“O único verdadeiro mistério foi o fato de isso não ter sido mencionado
no Times”, concluiu Clarke. “A ilusão de o objeto ter pairado por um
momento no zênite foi consequência de fatores astronômicos,
meteorológicos e — vamos admitir — psicológicos.” Mais tarde, citou
ainda a ausência de pontos de referência no “brilhante céu enluarado” como
um dos fatores — embora fosse possível ver menos da metade da Lua
naquele momento.
Fosse qual fosse a explicação, foi um incidente adequadamente estranho
e sincronizado, que definiu o início formal do que se tornaria uma aliança
marcante.

***

Durante as semanas seguintes, os dois conduziram uma negociação


contratual que de muitas formas estabeleceria o tom do trabalho em
parceria. Como tudo em sua vida profissional, Kubrick era escrupuloso
quanto a essas questões, relutante em abrir mão daquilo a que realmente não
precisasse ceder. Em Louis Blau ele tinha um competente advogado da
indústria de entretenimento, cujos clientes incluíam figuras como Lana
Turner, Walter Matthau e François Truffaut. Mesmo confiando nele e o
colocando como presidente da Polaris Productions, Kubrick costumava
monitorar e acompanhar de perto o que Blau fazia.
Em comparação, Clarke não gostava de se envolver muito nessas
negociações, preferindo deixá-las para Scott Meredith. Infelizmente para
Clarke, apesar dos quase vinte anos de experiência de Meredith — sem
mencionar que ele já conseguira aproximar Peter George e seu romance
Alerta vermelho, base de Dr. Fantástico, de Kubrick, via Blau —, o agente
se sentiu preterido e em desvantagem.
Era do interesse de Kubrick manter Clarke sujeito à sua vontade naquele
trabalho. Um jeito de fazer isso foi persuadi-lo a se tornar um funcionário
assalariado de sua produtora. Embora o contrato final assinado incluísse
diversas parcelas de vulto — inclusive uma quantia de 10 mil dólares pelos
direitos das seis histórias de Clarke —, os pagamentos só começariam no
início da produção ou no dia 1º de outubro de 1965, o que chegasse
primeiro — em termos realistas, mais de um ano depois. Tendo concordado
em adiar a volta para casa para trabalhar com Kubrick, o único dinheiro que
Clarke — um renomado escritor com cerca de vinte livros escritos —
receberia por seus serviços seriam mil dólares por semana enquanto
escrevia o roteiro, com garantia de um mínimo de catorze semanas. Não
havia menção a um romance baseado no roteiro ou vice-versa.
Não havia garantias, apesar de o contrato prometer que a Polaris tentaria
fazer o estúdio financiador das filmagens contratar Clarke como consultor
técnico ao longo da produção. A quantia total que Clarke receberia
dependia de inúmeras variáveis, inclusive do número de semanas que
levassem para escrever o roteiro, mas a quantia mínima garantida era de 38
mil dólares. Por meio de Blau, Kubrick argumentou que a quantia e a
estrutura do acordo se justificavam porque, até agora, todo o dinheiro tinha
vindo de suas reservas pessoais, e que ele não veria nenhum retorno de seu
investimento até o roteiro estar pronto para ser vendido a um estúdio. Com
o dinheiro adicional dos honorários como consultor, a parte de Kubrick
afirmava que Clarke receberia algo em torno de 100 mil dólares.
O elemento mais crítico ausente na proposta, porém — e com certeza o
calcanhar de aquiles do ponto de vista de Scott Meredith e Clarke — era
que a Polaris não garantia nenhuma porcentagem para o escritor.
Absolutamente nenhum percentual, fosse sobre o líquido ou sobre o bruto, e
portanto nenhuma participação nos lucros. Por maior que fosse a
capacidade de negociação de Meredith, ou até a tendência de Clarke em
concordar com qualquer coisa, é difícil não considerar esse arranjo como
uma falha ou omissão por parte de Kubrick, ou até como certo déficit
moral. No início dos anos 1960, grandes estúdios como a MGM seguiam
regras inflexíveis de não dividir os lucros de um filme com seus criadores.
Kubrick e Blau podem até ter usado esse fato como justificativa durante a
negociação. Mas essas regras não se aplicavam a produtores independentes,
utilizados cada vez mais pelos estúdios na produção de seus filmes. E
Clarke não era homem de ficar reescrevendo para um estúdio. Era o maior
escritor de ficção científica, e suas ideias seriam fundamentais para o
projeto. Isso estava bem claro.
Em carta a Wilson escrita em 22 de maio, Clarke tentou suavizar a
situação. “O acordo é complicado, foi estabelecido depois de um tanto de
negociações”, escreveu. “Eu entendo o ponto de vista de Stan, pois até
agora todo o dinheiro investido foi dele e ainda não temos nada a mostrar
até termos desenvolvido o roteiro. No entanto, não consigo pensar em
ninguém com menos dificuldade para encontrar um distribuidor — ele vai
ter gente batendo na porta para isso.” A flexibilidade de Clarke — sua
percepção do ponto de vista de Kubrick — seria um aspecto recorrente
pelos quatro anos seguintes, ainda que tenha sido testada até o ponto de
ruptura.
Clarke descreveu o estado de espírito do diretor. “Stan, que é uma bola
de fogo e é louco pelo projeto, quer começar a filmar para estrear no Natal
de 1966. Por isso precisamos tocar o roteiro imediatamente.” Quando o
primeiro esboço estivesse pronto, continuou Clarke, ele tentaria voltar para
fazer uma visita. Também queria que “você e Hector venham em ocasiões
diferentes durante a produção, para eu não ficar com muita saudade de
casa”. Tentaria conseguir para Mike uma posição como assessor de roteiro e
“fazer o máximo possível para conseguir inserir um crédito em algum
lugar”. Mas instruiu Wilson a não deixar essa possibilidade interferir com
suas próprias atividades cinematográficas, e também pediu que não falasse
sobre o assunto, pois seu advogado estava prestes a fazer uma oferta de
acordo à sua mulher, Marilyn. “Se ficar sabendo sobre esse acordo, ela vai
me esfolar.”
O parágrafo mais longo conjeturava sobre as implicações para a carreira
de Clarke:

Você entende tanto quanto eu (talvez até melhor) o que tudo isso
significa. É simplesmente impossível imaginar uma forma mais efetiva
de promover meu nome. E além do livro da Time […] agora a Life me
pediu um artigo longo sobre satélites de comunicação para uma edição
especial com o dobro do tamanho […]. Com Time, Life e Kubrick parece
que cheguei ao topo de três campos simultaneamente; claro que ainda
preciso corresponder ao último, e ainda existem muitos obstáculos
possíveis, mas me sinto totalmente feliz tendo Stanley como
colaborador. Tanto suas habilidades técnicas como seu senso artístico
são inacreditáveis.

Na verdade, a capacidade técnica de Kubrick se limitava a produzir seu


próprio trabalho — e produzir tem a ver com utilizar quaisquer ferramentas
disponíveis para controlar todos os aspectos da criação de um filme. Apesar
de aparentemente não perceber nada disso, a conclusão da carta de Clarke
refletia a destreza com que a questão tinha sido colocada em seu caso:
“Tentarei mandar algum dinheiro em breve — mas é estranho que esse
acordo vai me deixar ainda mais no vermelho, já que não terei acesso à
maior parte do dinheiro por muitos meses e precisarei fazer um empréstimo
pesado para fechar um acordo com M. (Supondo que ela esteja disposta a
ser razoável)”.
No momento em que estava para assinar o que se tornaria, de longe, o
contrato mais importante de sua carreira profissional, as despesas pessoais
de Clarke e seus erros de cálculo nas altas negociações envolvidas
aumentavam suas dívidas. O que era muito estranho.
Capítulo 4

Pré-produção, Nova York


PRIMAVERA DE 1964 – VERÃO DE 1965

Você nunca consegue ter informações suficientes, e nunca consegue fazer perguntas suficientes.
Máxima de Stanley Kubrick

Ao longo da primavera, mais o verão e o outono, Clarke e Kubrick


continuaram se encontrando com tanta regularidade que seus dias e
discussões se transformaram num brainstorm contínuo que de fato
atravessava as estações. “Stan é um personagem fascinante — tenho
convivido com a família dele desde o início, desde que cheguei a Nova
York”, confidenciou Clarke ao amigo e escritor Sam Youd em 19 de junho.
Quando o constante desfile de filhos e cães que interrompia suas
deliberações ficava exagerado, eles tentavam uma retirada estratégica para
o escritório da Polaris, que fora transferido para o Central Park West, na rua
84 — uma pequena passagem latitudinal para o outro lado do parque.
Mas não funcionava. Stanley ficava inquieto longe dos filhos. “Quando
seus filhos são pequenos, tem sempre algum com um resfriado horrível”,
recorda Christiane. “Um que está com isso e outro que está com aquilo […]
e Stanley estava sempre ligando: ‘Ela está bem? Como ela está? Eu não
gosto desse médico, procure outro’. Para quem vê de fora, esse
envolvimento familiar é tremendamente chato e interfere bastante. Mas
Stanley não fazia esse jogo, ele simplesmente dizia: ‘Desculpe, mas eu
preciso fazer isso’. E Arthur, sempre prático, dizia: ‘Vamos para o seu
apartamento, aí você vê se ela está vomitando de novo!’.”
O cronograma estabelecido pelos dois calculava três meses e meio para
o roteiro, duas rápidas semanas para consultas, uns dois meses para concluir
a revisão do script e fechar o acordo com o estúdio, um mês somente para
preparar a identidade visual do filme — um detalhe particularmente
ingênuo, em retrospecto — e mais vinte semanas de filmagem. Depois
disso, calculavam-se mais vinte semanas de edição e cerca de três meses
nos preparativos para o lançamento do filme, com a estreia prevista por
volta do Natal de 1966 — num total de dois anos. Como Clarke comentou
depois, era “risivelmente otimista”.
Com seu livro a caminho da impressão, Clarke se tornou mais
disponível, e finalmente Kubrick tentou instalá-lo na Polaris. Como o
diretor acordava tarde e trabalhava em casa na maior parte do tempo, seu
escritório estava subutilizado, e ficava basicamente a cargo de Lovejoy e de
Beth, a secretária. No final da manhã do dia 26 de maio, quando se
encaminhavam para lá, Clarke desviou o diretor para o centro do grande
gramado, perscrutou o céu atentamente e apontou uma mancha de luz
branca quase perdida no azul pálido. Demorou um minuto, mas Kubrick
também teve um vislumbre de Vênus — esmaecido, porém discernível. O
planeta pode ser visto em plena luz do dia para quem sabe para onde olhar.
De repente, o universo estava lá, acima de uma fina camada de ar.
Depois de conhecer sua mesa, Clarke foi almoçar com Kubrick e Artie
Shaw. O músico ficou empolgado por conhecer um de seus escritores
favoritos, e Clarke ficou sabendo que Shaw tinha “me indicado para Stan”.
Mas Clarke só ficou um dia no Upper West Side, e logo retirou-se para
Chelsea, onde começou a produzir cerca de mil palavras por dia. Eram
palavras em prosa, é claro — a expressão natural do autor — e não no
formato especializado e enigmático de um roteiro de filmagem — algo que
Clarke nunca havia feito.
Kubrick intuiu que isso poderia ser um problema, e propôs que
deixassem a estrutura do filme surgir primeiro nessa forma. “Não vamos
sentar e escrever um roteiro, vamos sentar e escrever um romance”, ele
anunciou um dia. “Assim conseguiremos mais profundidade.” Os dois ainda
não tinham conseguido uma história consistente, por isso deixariam a
imaginação correr solta. Podiam transformar aquilo num roteiro de
filmagem depois, disse Kubrick. Clarke se sentiu aliviado ao aceitar a
proposta, e ainda citou John Fowles sobre o assunto: “Escrever um romance
é como nadar no mar; escrever o roteiro de um filme é como chafurdar em
melaço”. Alguns anos depois, Kubrick detalhou seus motivos por ter agido
assim:

Decidi que tentar produzir uma história original na forma de um roteiro


era, em certo sentido, como colocar a carroça na frente dos bois. Para
escrever um bom roteiro, você não precisa somente saber o que quer
dizer, saber quais são suas ideias, mas precisa de um jeito de dramatizar
a ideia. Em outras palavras, como tornar a ideia implícita na ação ou na
estrutura emocional da história. Enquanto você ainda está tentando
trabalhar as ideias, é um tanto paralisante ter que, ao mesmo tempo,
imaginar como vai dramatizá-las. Você é atraído por cenas que se
insinuam e parecem interessantes, mas que podem não ser tão precisas
quanto ao que está querendo dizer. Por outro lado, se você trabalhar na
forma de um romance, não é necessário se preocupar com o método de
dramatização da ideia. Depois, quando a história estiver escrita e estiver
tudo ali, você pode começar tudo de novo, sintetizar a estrutura
dramática a partir da forma mais solta, mais livre e mais longa do
romance. Esse pode ser o motivo por que foram produzidos tão poucos
roteiros originais.

É claro que “começar tudo de novo” não é necessariamente o uso mais


eficiente do tempo de um diretor. De várias maneiras, isso se tornaria o
modus operandi do incipiente projeto dos dois.
Um dos primeiros desafios era retratar os alienígenas, que ambos
achavam inevitável aparecerem no clímax do filme. Em 23 de maio Clarke
escreveu a um amigo, o brilhante geneticista e biólogo J. B. S. Haldane: “É
extremamente difícil representar qualquer alienígena na tela sem assustar ou
fazer a plateia rir. Mas se você não mostrar alguma coisa, as pessoas vão se
sentir enganadas. Claro que um ET realmente avançado pode ser totalmente
inorgânico, o que ajuda a resolver os problemas”. Esse comentário se
mostraria profético.
O final de maio e o início de junho serviram para explorar algumas das
implicações de extraterrestres inorgânicos versus extraterrestres orgânicos.
Em 28 de maio, Clarke sugeriu que eles “poderiam ser máquinas que
consideram vida orgânica uma doença terrível. Stanley acha isso bacana e
acredita que encontramos alguma coisa”. Mas a ideia logo foi descartada.
Três dias depois, durante uma discussão, eles chegaram a uma “ideia hilária
que não seria usada. Dezessete alienígenas — pirâmides negras sem traços
característicos — desfilando num carro aberto pela Quinta Avenida,
rodeados por policiais irlandeses”. Embora o formato do que acabaria sendo
o monólito de 2001 ainda não estivesse escolhido — foi estabelecido
somente um ano depois —, a cor (preta) e a qualidade (ausência de
características) já estavam decididas. Dois importantes elementos que se
mantiveram a partir de uma breve descrição verbal aparentemente
inconsequente.
Quanto aos alienígenas orgânicos, Kubrick e Clarke logo se viram às
voltas em um debate acalorado, porém bem-humorado. Em sua história
“Encontro no amanhecer”, de 1953, Clarke imaginou que tanto a raça
superior alienígena como a espécie “selvagem” terrestre tinham uma forma
humana: “Como certamente fez com frequência pela eternidade afora, a
Natureza repetiu um de seus padrões básicos”. Mas sua visão tinha evoluído
desde então, e agora ele pensava exatamente o oposto — o mais provável
era que os alienígenas fossem bem diferentes de nós, de uma forma talvez
inimaginável. Kubrick, contudo, concordava com a opinião original de
Clarke, e se intrigava com as formas humanas estranhamente espigadas e
alongadas do escultor suíço Alberto Giacometti, que o diretor pensou em
usar como modelo de uma espécie alienígena. E, é claro, seria muito mais
fácil retratar extraterrestres bípedes e humanoides em um filme.
Clarke, que vinha procurando uma desculpa para se encontrar com Carl
Sagan, propôs convidar o astrônomo de Harvard para mediar a desavença.
Por recomendação de Clarke, Kubrick lera o artigo de Sagan sobre o
contato com extraterrestres e concordou de imediato. Após o convite para
jantar, o encontro aconteceu na sexta-feira, 5 de junho, na cobertura de
Kubrick.
É um belo quadro a se contemplar — três figuras de destaque em suas
respectivas atividades, ou prestes a se tornar, vistas sob a luz âmbar de uma
noite de verão que se esvai. Os três reunidos em torno da mesa, os pratos já
retirados, as ideias fluindo. Manhattan cintilando pelas janelas e as crianças
já na cama. Na verdade, não foi um encontro de mentes brilhantes, nem
mesmo uma troca de pontos de vista, que somente Sagan lembraria mais
tarde com satisfação.
A visão que Sagan teve do jantar, registrada uma década depois, se
mostrou autorreferente e enaltecedora de sua participação. Após ter ouvido
as duas partes, ele se posicionou ao lado de Clarke: “Argumentei que o
número de eventos únicos e improváveis na história evolucionária do
homem era tão grande que nada semelhante poderia evoluir mais de uma
vez em qualquer lugar do universo”. O relato continua reivindicando
créditos por boa parte da opacidade provocativa do filme: “Sugeri que
qualquer representação explícita de um ser extraterrestre avançado estaria
sujeita a pelo menos um elemento de falsidade, e que a melhor solução seria
insinuar, em vez de mostrar explicitamente o extraterrestre. O filme […] foi
lançado três anos mais tarde. Na estreia, fiquei contente ao constatar que
tinha contribuído de alguma maneira”.
Na verdade, o filme estreou quatro anos depois, e inúmeros outros
detalhes citados no relato de Sagan são inverdades demonstráveis. Por
exemplo, sua observação sobre um dos títulos originais, Jornada além das
estrelas — “O título do filme, a propósito, me pareceu um pouco estranho.
Até onde sei, não existe um lugar além das estrelas. Um filme sobre esse
local consistiria em duas horas de tela em branco, uma trama só possível
para Andy Warhol. Eu tinha certeza de que não era isso que Kubrick e
Clarke tinham em mente”. Essa lembrança não era exatamente confiável,
pois na ocasião do encontro ninguém ainda havia pensado num título.
Quando esse título foi cogitado, quase um ano mais tarde, nem Kubrick
nem Clarke se sentiram satisfeitos com ele, considerando-o apenas um tapa-
buraco concebido para um comunicado à imprensa da MGM, não o
verdadeiro título do filme.
Sagan escreveu ainda que o filme estava “prestes a entrar em produção
num estúdio na Inglaterra”, e até agora “uma parte razoavelmente
importante da trama — o final! — ainda não tinha sido concebida pelos
dois autores”. Realmente, o final permaneceu sem solução durante anos, e
talvez tenha sido essa a razão de Sagan se lembrar das coisas daquela
maneira. Mas quando se encontravam ao redor da mesa no início daquele
verão de 1964, os dois ainda estavam a um ano e meio do início da
produção, por mais otimista que Kubrick possa ter sido a respeito. O diretor
ainda não tinha fechado acordo com nenhum estúdio. A dúvida retórica do
astrônomo não tinha fundamento. Afinal, ele tinha sido convidado para uma
reunião de trabalho em estágio inicial de desenvolvimento, sendo que o
propósito era solicitar suas ideias exatamente em relação à cena final sobre
a qual ele se mostrou tão incrédulo.
Durante todo o jantar, Kubrick foi solícito com o jovem astrônomo,
interessado em seus pontos de vista e ouvindo-o com educação. Chegou até
a concordar com a sugestão de se reencontrarem no dia seguinte para
continuar a conversa. Entretanto, na verdade, o diretor se sentiu irritado
pelo que identificou como um comportamento arrogante e paternalista de
Sagan. Depois de acompanhar os convidados até a porta, Kubrick esperou
uma hora e ligou para Clarke no Chelsea. “Livre-se desse cara”, falou.
“Arranje qualquer desculpa, leve-o para onde quiser, eu não quero mais ver
esse sujeito.”
E Kubrick continuou a ignorar solenemente as opiniões de Sagan em
todas as inúmeras tentativas de retratar extraterrestres no filme durante os
quatro anos seguintes, ao mesmo tempo que Clarke usava milhares de
palavras para descrevê-los. Se, no fim, eles se decidiram pela ambiguidade
— algo negro e sem características — foi uma decisão a que chegaram com
o tempo e pelos próprios esforços, e não pode ser atribuída aos pontos de
vista de Sagan, por mais corretos que possam ter sido na ocasião.

***
Em carta escrita no dia 23 de maio, Clarke disse a Haldane: “Kubrick é
absolutamente brilhante […] estamos de acordo em tudo”. Estimulado pelas
conversas com o diretor, durante a segunda metade de 1964 sua produção
foi prodigiosa. Continuaram encontrando-se com frequência em vários
locais da cidade para conversar, em seguida Clarke voltava para sua
máquina de escrever elétrica no décimo andar do Chelsea e escrevia. Para
isso, seu combustível consistia em uma dieta de patê de fígado com
bolachas, um repasto perfeito para entupir artérias, às vezes servido por um
novo e questionável interesse, um marinheiro mercante irlandês chamado
Peter Arthurs que morava no andar de baixo.
No dia 12 de junho, Clarke garatujou a seguinte observação em seu
diário: “nb o entusiasmo de Stan por material depois descartado — parte de
sua técnica com autores/atores?”. (“Nb” era nota bene, significando “note
bem”.) Clarke percebera uma prática conhecida pela maioria dos
colaboradores de Kubrick, às vezes capaz de levá-los à beira de um colapso
nervoso, mas capaz também de impulsioná-los aos limites absolutos de suas
capacidades criativas. Em 20 de junho, Clarke relatou: “Terminei o capítulo
de abertura, ‘Visão do ano 2000’, e comecei a sequência do robô”. As duas
partes foram descartadas mais tarde, mas ambas continham elementos que
ressurgiriam no filme. A abertura inicial continha uma descrição de como
os moradores da Terra daquele milênio saberiam, ao olhar para a Lua, que
havia pessoas lá em cima os observando: “Eles se lembrariam de que a
Terra jamais poderia reivindicar alguns dentre eles, como já havia feito com
seus ancestrais desde o começo dos tempos. Eram viajantes que não tinham
conseguido atingir suas metas, mas adquirido a imortalidade do espaço e
encontravam-se agora além de mudanças ou da decadência”. Alguns anos
mais tarde, Kubrick ilustraria esse trecho com a inesquecível cena do
astronauta Frank Poole girando na imensidade negra e silenciosa do espaço
interplanetário com o tubo de oxigênio secionado, sepultado para sempre
em seu traje espacial amarelo-canário.
A “sequência do robô” de Clarke revelou-se um elo perdido entre o
conceito de inteligência artificial mais bem representado pelas histórias de
Isaac Asimov da série Eu, robô de meados do século (1940-1950) — e
pelos zumbidos do robô Robby de Planeta proibido (1956) — e a estrutura
cintilante, elegante e incorpórea de HAL-9000 no produto final. No rascunho
do capítulo, o precursor de HAL é chamado de Sócrates, tem
“aproximadamente o tamanho e a forma de um homem” e caminha sobre
pernas compostas por “uma intricada montagem de amortecedores
deslizantes, juntas e molas de tensão alojadas numa estrutura de barras de
metal. Elas se flexionam e cedem a cada passo em um ritmo hipnótico,
como se tivessem vida própria”. Sócrates não é “mais inteligente que um
macaco brilhante”, mas quando ligado em “modo independente”
transforma-se num autômato individual. Ele também fala, “gerando as
próprias palavras”. Esse primeiro esboço da Inteligência Artificial no filme
passaria por diversas mudanças de nome, e seu QI aumentaria cada vez
mais.
No início de julho, Clarke estava produzindo uma média de 2 mil
palavras por dia. Ao ler os primeiros cinco capítulos, Kubrick se
pronunciou: “Nós temos um best-seller aqui”. Em 9 de julho, Clarke passou
boa parte da tarde mostrando ao diretor como usar uma régua de cálculo:
“Ele ficou fascinado”. No dia 12, Clarke rabiscou a seguinte observação
dialética: “Agora já tenho tudo — menos a trama”. Em 26 de julho,
aniversário de Stanley, Clarke encontrou um cartão-postal em Greenwich
Village que retratava a Terra “se desfazendo inteira, com os dizeres ‘Como
você pode ter um feliz aniversário quando o mundo todo pode explodir a
qualquer momento?’”.
[43] Diretor e roteirista no escritório de Kubrick, Nova York, 1964.

No final de julho, a ideia de Kubrick de criar uma história em prosa,


para depois convertê-la num roteiro antes de procurar um estúdio para
produção, passou por mais uma alteração. Agora ele propunha que o
próprio romance fosse usado como base do acordo para rodar o filme.
Somente mais tarde o diretor o converteria num roteiro para a filmagem.
Quanto ao livro, disse que poderia ser publicado antes do lançamento do
filme. Considerando a autoria em conjunto, eles teriam de fechar outro
acordo, com mais dinheiro envolvido. Mas isso poderia esperar.
As alusões à Odisseia surgiram aos poucos. Em outra nota escrita à mão,
datada de 17 de agosto, Clarke registrou: “Escolher o nome do herói —
DB”. Eles haviam se decidido pelo nome Dave Bowman — apesar de terem
demorado algum tempo para chegar a uma referência ao protagonista
itinerante de Homero. “Foi de fato só meses depois que nos ocorreu que o
arco [bow] é um símbolo de Odisseu”, lembrou-se Clarke em 1968. “Foi
totalmente inconsciente. Não acredito que tenha sido uma coincidência.”
Porém, atribuir ao astronauta algumas características do astuto rei de
Homero não havia levado ao nome do filme. “O paralelo com a Odisseia
estava claro em nossas cabeças desde o começo, muito antes de o título ser
escolhido”, recordou Clarke em 1972. Depois de já terem reduzido o título
provisório de A conquista do Universo a simplesmente Universo, no dia 21
de agosto eles o expandiram de novo: passou a ser Túnel para as estrelas.
Nos esboços dos primeiros capítulos, o personagem que se tornaria Dave
Bowman é chamado de Bruno e dirige uma Rolls-Royce monitorada por
computador pela “autopista” que divide “o grande complexo Washington-
Nova York”, acompanhado do filho Jimmy e do cachorro da família, cujos
pelos grisalhos sugerem sua idade avançada. Eles se dirigem à plataforma
que lançará Bruno em órbita para se juntar à missão exploratória de Júpiter.

Subitamente, saído das leituras meio esquecidas de sua infância, Bruno


se lembrou de que o velho cão de Ulysses reconheceu o dono que
retornava ao fim de sua longa jornada, abanou o rabo e morreu. A
lembrança daquele breve episódio do maior de todos os épicos fez
lágrimas brotarem de seus olhos, e Bruno se virou para a janela lateral
para que Jimmy não percebesse. (E o que teria pensado Homero,
refletiu, sobre a Odisseia em que ele estava embarcando agora?)

Em meados do verão, Kubrick já tinha processado uma quantidade


espantosa de informações, inclusive livros do astrofísico A. G. W.
Cameron, de I. J. Good, um pioneiro da computação e teórico da
inteligência artificial, do astrônomo Harlow Shapley, de Walter Sullivan,
colunista de ciência do New York Times, e de muitos outros. No dia 28 de
julho, Kubrick fixou seus olhos penetrantes em Clarke e anunciou: “O que
nós queremos é um tema impactante de grandeza mítica”. Nitidamente, o
projeto dos dois já tinha transcendido o espírito de missão, passando de “o
primeiro filme de ficção científica que não seja considerado um lixo” para
algo mais ousado e potencialmente mais profundo. Clarke se lembrou dessa
fase da colaboração no primeiro esboço de seu artigo para a Life de 1967:

Nesse período, entramos em incontáveis becos sem saída e descartamos


milhares de palavras. O escopo da história se expandia constantemente,
tanto no tempo como no espaço. Para nossa surpresa, nos vimos
envolvidos com nada menos que a origem e o destino do Homem, e o
que tinha começado basicamente como uma história de exploração
passou a apresentar implicações filosóficas.

Tendo garantido o direito de revisão, Kubrick rabiscou a maior parte da


última sentença, comentando: “Isso soa pomposo, e acredito que afirmações
como essa são um convite para a desvalorização por parte dos críticos”.
Ainda que em retrospecto sua observação tenha sido acurada e objetiva,
Clarke diligentemente cortou a sentença. E continuou:

Havia momentos em que eu ficava um pouco assustado com o que


estávamos nos envolvendo; nessas ocasiões, Stanley dizia, de forma
tranquilizadora: “Se você puder descrever, eu posso filmar”. Apesar de
ter conseguido desmentir essa máxima, também devo admitir que
Stanley depois filmou coisas que eu jamais conseguiria descrever.

A maior parte disso também foi rabiscada pelo diretor — mas não antes de
Kubrick modificar a citação para “Se puder ser descrito, pode ser filmado”,
acrescentando: “Mais uma vez, implicações que se fazem na redação
criativa”. Era um entre diversos comentários semelhantes.
O radicalismo de Kubrick em relação aos créditos autorais ficou muito
claro numa advertência pública a Terry Southern no outono de 1964,
quando o diretor percebeu que Southern estava recebendo créditos demais
por Dr. Fantástico, e também veio à tona ocasionalmente em seu trabalho
com Clarke. Em um perfil publicado no New York Times de 1966, Kubrick
afirmou: “Nós dois passamos quase um ano no romance. Escrevíamos os
capítulos e passávamos um para o outro. Me pareceu a melhor forma de
abordagem”. Na verdade não existem evidências de que Kubrick tenha
escrito uma única palavra do romance — embora tenha contribuído de
forma inquestionável para o seu conteúdo, e com certeza foi o principal
autor do roteiro, que passou por revisões quase diárias durante a realização
das filmagens.
Depois de ler a produção mais recente de Clarke no dia 7 de setembro,
Kubrick se mostrou entusiasmado. “Estamos em ótima forma”, exultou, e
começou a escrever “um questionário de cem itens sobre nossos
astronautas, coisas como se eles dormiam de pijama, o que comiam de café
da manhã etc.” Dois dias depois Clarke foi para a cama com o estômago
embrulhado e sonhou: “Eu era um robô sendo reconstruído”. Depois de
tomar o café da manhã na cafeteria automática da Sétima Avenida, ele
voltou para o quarto tomado de uma onda de energia, revisou e reescreveu
dois capítulos. Levou-os naquela noite à casa de Kubrick, que estava muito
contente e preparou “um ótimo filé” para Clarke, comentando: “Joe Levine
não faz isso para seus escritores” — referindo-se a um produtor bem
conhecido. Apesar dessa prova de equanimidade, em 29 de setembro Clarke
dormiu mal novamente: sonhara “que a filmagem tinha começado. Havia
um monte de atores ao redor, mas eu ainda não sabia o desenrolar da
história”.
Durante o ano todo, Clarke e Kubrick continuaram a assistir a
incontáveis filmes e a ler muitos livros, sendo que alguns influenciaram de
modo decisivo o conceito que ia surgindo. Um dos filmes era um excelente
curta-metragem em preto e branco indicado ao Oscar, dirigido por Colin
Low e produzido pela National Film Board of Canada. Intitulado Universe
— sem dúvida, fonte do título original de curta vida dos dois —, o filme de
meia hora usava técnicas inovadoras para representar planetas, aglomerados
de estrelas, nebulosas e galáxias. Para conseguir seus efeitos visuais, Wally
Gentleman, colaborador de Low, encheu tanques de solventes com tintas
em suspensão e tintas a óleo, filmando-os com iluminação forte e um ritmo
acelerado de fotogramas, uma técnica que, quando projetada na velocidade
normal, parecia transmitir, com um realismo inaudito, a majestosa flutuação
do cosmo iluminado por estrelas ofuscantes e gás de hidrogênio ionizado e
incandescente. Para Kubrick, que havia sofrido incontáveis horas assistindo
a animações malfeitas e de acabamento rudimentar, o filme canadense foi
uma revelação. O diretor assistiu a Universe inúmeras vezes, estudando-o
minuciosamente, anotando os nomes de Low e Gentleman — apesar de
naquele momento não ter atentado para o narrador do filme, o ator Douglas
Rain, de Toronto.
As pertinentes observações de Clarke em relação às origens humanas
estavam nitidamente surtindo efeito, e a incursão do dramaturgo e escritor
de ciência Robert Ardrey na paleoantropologia, em African Genesis, logo se
tornou outra forte influência. Publicado em 1961, o livro explorava uma
teoria apoiada pelo antropólogo Raymond Dart, mais conhecido por sua
descoberta de fósseis do Australopithecus africanus em 1924 —
considerado o primeiro antepassado humano a andar ereto. Em meados dos
anos 1950, devido à forma rombuda dos ferimentos detectados no registro
fóssil, Dart estava convencido de que a civilização se baseava numa
propensão ancestral à violência. A sobrevivência de nossos ancestrais
simiescos aconteceu por meio do desenvolvimento de armas letais,
argumentou, e deu o título de “A transição predatória do macaco para o
homem” a um artigo seu. O livro de Ardrey apoiava-se solidamente nas
ideias de Dart e se tornou um best-seller internacional de grande influência.
Continha ressonâncias úteis e potenciais com o conto “Encontro no
amanhecer”, de Clarke.
Quando acabou de ler o African Genesis, em 2 de outubro, Clarke
observou: “Topei com um parágrafo impressionante que bem poderia
fornecer o título do filme: ‘Por que a linhagem humana não foi extinta nas
profundezas do Plioceno? […]. Sabemos que se não fosse por uma dádiva
das estrelas, por uma acidental colisão de genes e radiação, a inteligência
teria perecido em algum território africano desconhecido’. Sim, é verdade
que Ardrey está falando sobre mutações de raios cósmicos, mas a frase
‘Uma dádiva das estrelas’ é surpreendentemente aplicável ao nosso enredo
atual”. E os dois mudaram mais uma vez o título provisório para Dádiva
das estrelas.
Kubrick também tinha sua citação favorita de African Genesis:

Nós nascemos de macacos que se ergueram, não de anjos caídos, e


ademais, os macacos eram matadores armados. Por isso, sobre o que
vamos ponderar? Sobre nossos assassinatos e massacres, mísseis e
regimentos inconciliáveis? Ou sobre nossos acordos, pelo que valeram
ou não; nossas sinfonias, por mais que sejam raramente tocadas; nossos
campos pacíficos, ainda que com frequência possam se converter em
campos de batalha; nossos sonhos, por menos que possam ser realizados.
O milagre da humanidade não é o quanto ela afundou, mas a forma
magnífica como ascendeu.

No dia 26 de setembro, Kubrick deu a seu colaborador outro livro, O herói


de mil faces, de Joseph Campbell — uma extraordinária visão panorâmica
dos aspectos comuns das mitologias. Kubrick já havia exposto a tese central
de Campbell para Clarke no início da colaboração entre os dois. “Um herói
se aventura partindo do mundo comum para uma região de maravilhas
sobrenaturais: lá, forças fabulosas são encontradas e é obtida uma vitória
decisiva; o herói retorna de sua misteriosa aventura com o poder de
conferir benefícios aos seus semelhantes.” (Itálicos no original.) No livro,
Campbell se refere, entre outros exemplos, a Prometeu ascendendo ao céu,
roubando o fogo dos deuses e voltando, e a Jasão navegando pelas “rochas
em colisão em um mar de maravilhas”, enganando o dragão que guarda o
Velo de Ouro e retornando “com o velo e o poder de resgatar seu trono de
direito de um usurpador”.
No final do outono, o texto de Clarke descrevia uma surpreendente
quantidade de cenas e situações, muitas das quais descartadas, mas todas,
de alguma forma, necessárias ao processo de compreensão de como seria a
história — da mesma forma que atores consideram necessário imaginar as
histórias da vida passada de seus personagens antes de interpretar um papel.
O delineamento do filme havia surgido definitivamente, e seus limites
temporais se expandiram radicalmente desde sua concepção inicial — ou
seja, recuando à pré-história, a fim de abranger uma sequência de abertura
baseada em “Encontro no amanhecer”.
Na história original de Clarke, os humanos já haviam se estabelecido em
aldeias e aprendido a usar lanças e outros instrumentos rudimentares. Sob a
influência de African Genesis, no entanto, a nova versão recuou ainda mais
no tempo, a uma época em que nossos ancestrais mal se distinguiam dos
macacos. Moonwatcher, um australopiteco especialmente inteligente,
substituiu o caçador Yaan da história original. Em vez de simplesmente
ganhar uma faca de um antropólogo extraterrestre, nos novos capítulos de
abertura surgia uma misteriosa “laje de cristal”, acompanhada de uma “aura
pulsante de luz e som” em uma noite na savana africana. Depois de uma
longa exibição de pirotecnias visuais, durante as quais Moonwatcher sente
“insidiosas garras se insinuando por vias não utilizadas de seu cérebro”, a
laje planta a ideia do uso de ferramentas na mente do hominídeo —
especificamente na forma de uma arma pontuda e afiada.
Enquanto isso, sob a firme fuzilaria da máquina de escrever de Clarke,
um equivalente futurístico de “um mar de maravilhas” de Jasão
gradualmente tomava forma nos últimos ¾ da história. Originalmente
concebidas como o clímax do filme, a descoberta e escavação de um antigo
artefato na Lua, enterrado por uma inteligência alienígena, foram
gradualmente passadas a uma sequência subsequente ao prólogo do
homem-macaco. Daí se seguia uma expedição de uma equipe de astronautas
a Júpiter — destino de um concentrado feixe de energia disparado pelo
objeto alienígena quando exposto à luz do sol depois de milhões de anos. A
própria Sentinela foi descrita de formas variadas: um tetraedro, um cristal,
um bloco de cristal e um cubo perfeito.
Na chegada a Júpiter com sua gigantesca espaçonave nuclear, os
astronautas descobrem um Portal Estelar em uma das luas do planeta —
aparentemente, um atalho tipo buraco de minhoca para outra região da
galáxia que, ao menos em algumas versões, funcionava como uma espécie
de Terminal Central galáctico. Seguiam-se diferentes sequências de eventos.
Em uma delas, a maioria da tripulação sobrevive e todos se dirigem juntos
ao Portal Estelar. Em outra, somente Bowman faz a viagem numa pequena
nave auxiliar — uma “cápsula espacial” semelhante à do conto “Todo o
tempo do mundo”, de Clarke.
É na descrição da jornada através e para além do Portal Estelar que os
concentrados poderes de imaginação de Clarke se traduziram em um dos
textos mais vívidos e cativantes, quase táteis, já produzidos por ele. Movido
a café aguado e patê de fígado, debruçado sobre o zumbido elétrico de sua
máquina portátil, com um cesto de lixo cheio de papel descartado ao lado
da mesa e uma luz difusa iluminando seu quarto de face norte, Clarke
descreveu visões extraordinárias de aglomerados de estrelas, sóis vermelhos
e mundos alienígenas ambíguos e enevoados. Escreveu sobre um Bowman
tomado por uma “sensação de assombro […] tão poderosa quanto qualquer
força que o tivesse mantido durante a jornada” antes de emergir “em um
céu tão turbulento quanto as alucinações de um pintor ensandecido”. Seu
astronauta-Odisseu passa “pelo cadáver carbonizado de um mundo do
tamanho da Terra. Aqui e ali, na lava escumada de sua superfície — em que
até as montanhas derreteram —, ainda era possível ver ao fundo, de forma
difusa, a paisagem desmaiada de cidades extintas”.
Ao sobrevoar essa vítima de uma estrela que explodiu em “nova —
como acontece com os sóis em algum estágio de sua evolução —,
assassinando o filho que orbitava ao seu redor”, Bowman testemunha a
“gloriosa aparição” de um aglomerado globular de estrelas que se espalha
por “praticamente um quadrante dos céus, […] um enxame de estrelas
perfeitamente esférico tornando-se cada vez mais denso em direção ao
centro, até se tornar um brilho de luz contínuo”. Bowman transita por um
vasto sol para o qual se pode olhar diretamente sem desconforto — uma
gigante vermelha cuja superfície “não parece mais quente do que carvão em
brasa. Aqui e ali, assentado no vermelho sombrio, havia rios amarelos
brilhantes — Amazonas incandescentes, serpenteando ao longo de milhares
de quilômetros”.
Outras páginas sobreviventes incluíam descrições que seriam
representadas quase literalmente três anos depois, quando os efeitos visuais
da equipe de Kubrick transformaram essas palavras em linguagem
cinematográfica. “As rodas giratórias de luz se mesclavam, suas raias se
fundiam em barras luminosas que recuavam lentamente na distância.
Dividiam-se em pares, e o conjunto de linhas resultante começava a oscilar
entre si, mudando continuamente seus ângulos de interseção. Padrões
fantásticos, transitórios e geométricos piscavam, aparecendo e
desaparecendo enquanto as grades reluzentes se misturavam e se
apartavam; e o hominídeo observava de sua caverna de metal — de olhos
arregalados, queixo caído e totalmente aberto às sensações.” Era o eco de
um Moonwatcher paralisado sendo programado por uma inteligência
alienígena na Terra pré-histórica.
Mesmo trechos rejeitados que descrevem conteúdo de fragmentos
coruscantes foram depois de alguma forma utilizados no filme em vários
graus. Bowman acaba chegando a um planeta, e ali sobrevoa um “oceano
muito peculiar — amarelo-palha em algumas áreas, vermelho como rubi na
área que recobre o que Bowman supõe serem as grandes profundezas”. Em
um dos finais aventados, ele se sente grato por encontrar abrigo numa
estrutura, por “proporcionar segurança mental, por obliterar a visão daquele
céu impossível”. Em outro, ele vivencia “algo que não era possível ser real.
Ele não está mais dentro da cápsula […]. Está do lado de fora […] olhando
para sua própria imagem pela janela, imóvel nos controles”. Várias dessas
descrições apareceriam mais tarde no filme, praticamente em todos os
enquadramentos.
Como comentou Clarke: “Eu e Stanley Kubrick ainda estávamos
tateando na direção do fim que achávamos que deveria existir — assim
como dizem que um escultor esculpe a pedra na busca da figura oculta lá
dentro”. Em vista do texto apresentado, Kubrick tinha motivos para se
sentir eufórico e preparar filés para seu colaborador.
Não que Clarke fosse o único homem das ideias. Suas anotações atestam
amplamente o papel vital do diretor no que foi com certeza um trabalho em
parceria. Em 17 de outubro Clarke garatujou: “A ideia de Stan dos robôs
‘cafonas’ que criam um ambiente vitoriano para deixar os heróis à
vontade”. (Depois alterada para “Stanley inventou a ideia maluca de robôs
meio veados” fazendo a mesma coisa.) Assim como as pirâmides
extraterrestres na Quinta Avenida, a ideia foi abandonada, mas se tornou a
semente de dois importantes aspectos do final do filme: um
supercomputador com uma calculada persona masculina neutra e um quarto
de hotel estilo Luís XIV, que serviu como uma espécie de cela de contenção
para Bowman depois de sua épica jornada — a que fornece “segurança
mental, por obliterar a visão daquele céu impossível”.
Em relação à descrição “meio veados”, durante o ano de 1964, na
medida em que se afeiçoava cada vez mais a Kubrick, Clarke começou a se
sentir ansioso. O que aquele homem, de que ele gostava e que admirava
cada dia mais, pensaria se soubesse da orientação sexual de seu
colaborador? Não havia como saber, e isso o atormentava. Finalmente, ele
resolveu encarar o assunto de frente. Durante uma de suas reuniões, Clarke
escolheu o momento e anunciou abruptamente: “Stan, eu gostaria que você
soubesse que sou um homossexual muito bem resolvido”.
“Sim, eu sei”, replicou Kubrick sem hesitar, retornando à discussão do
tópico em questão.
A reação não podia ser mais blasé e de total indiferença, o que despertou
um sorriso de alívio no rosto de Clarke. Ao descrever a cena a Christiane
mais tarde, Kubrick disse que Clarke tinha falado “como um professor de
colégio”.
“Ele ficou muito contente por aquilo não me incomodar, e nem imagina
o quanto eu não me incomodo mesmo”, concluiu Kubrick.

***

Enquanto isso, o espaçoso apartamento de teto baixo de Kubrick e o


escritório da Polaris Production se atulhavam de livros, gráficos, imagens,
latas de filme de 35 e de 16 mm e coisas do gênero. A representação da
imensidão cósmica era uma preocupação, e Kubrick devorava as ilustrações
de arte espacial de Chesley Bonestell e do artista tcheco Luděk Pešek —
que chegaram ao Central Park West na forma de grandes livros
prodigamente ilustrados —, assim como rigorosos relatórios técnicos
produzidos pela corporação RAND, afiliada às Forças Aéreas dos Estados
Unidos, pela Nasa e por publicações científicas.
Tendo aprendido a usar uma régua de cálculo e absorvido as linhas
básicas do sistema de coordenadas celestiais com seu tutor, Kubrick voltou
sua atenção para a natureza do infinito. A certa altura de julho, ele e Clarke
suspenderam suas discussões sobre o desenvolvimento da trama para se
envolver numa longa exegese do Paradoxo de Cantor, que se baseia na ideia
de que o número de quantidades infinitas pode ele mesmo ser infinito. Isso
por sua vez suscitava a perspectiva paradoxal de que, se existem muitos
infinitos infinitamente, o todo-abrangente infinito anterior pode ser maior
do que todos os infinitos individuais posteriores. “Stanley tenta refutar o
paradoxo de ‘a parte iguala o todo’ argumentando que um quadrado perfeito
não é necessariamente idêntico a um número representando o mesmo
valor”, escreveu Clarke. “Eu cheguei à conclusão de que ele é um gênio
matemático latente.”
O próprio Kubrick sabia de suas habilidades intelectuais e criativas e,
embora pudesse se deleitar em silêncio, não deixava que elas lhe subissem à
cabeça. Em Clarke ele encontrou o parceiro ideal para esses confrontos
intelectuais. Clarke sempre correspondia da melhor forma que podia,
respondendo com conhecimento e sacadas relevantes, e quase sempre
conduzindo as suposições de Kubrick em direções produtivas. Cada um era
autocentrado de maneira diferente. Kubrick era obsessivamente dedicado a
atingir seu objetivo de produzir uma importante obra de arte, um projeto
que abrangia um complexo intercâmbio de finanças, logística, ideias
extraídas de todos os campos, cinematografia e técnicas de atuação,
estratégias de gestão do tempo, estruturas dramáticas e coisas do gênero.
Produzir um filme é uma forma de Gesamtkunstwerk — uma “forma de
arte total” —, e Kubrick não se deixava tolher por quaisquer interesses
externos, pois cuidava de tudo no amplo escopo de seu trabalho — todos os
materiais do projeto em questão o preocupavam. Quase por definição, não
havia espaço para outras coisas, nem mesmo as relações humanas que não
fossem a família. Apesar de Kubrick cultivar amizades intensas, elas quase
sempre faziam parte da realização de sua visão. Pescando ideias em
qualquer lugar, ele filtrava suposições convenientes — “os passaportes do
preguiçoso” — de conceitos realmente úteis. “Continuar fazendo a pergunta
até obter a resposta desejada” era uma de suas máximas. A despeito de sua
capacidade e de suas consideráveis realizações, Kubrick não era nada
arrogante — ainda que às vezes se mostrasse impaciente diante de ideias
confusas ou dissimuladas. Tampouco abrigava qualquer noção internalizada
de ser um artista importante. “Ele tinha vontade de ser bom”, lembra-se
Christiane. Por sua vez, isso dava cor à sua maneira de interagir com o
mundo. Muitos que o encontravam pela primeira vez ficavam surpresos
com sua humildade.
Clarke também se deleitava com a própria competência e com suas
realizações, mas era menos cauteloso em mostrar isso às pessoas e em
demonstrar o quanto se dava valor. Porém, seu autocentrismo ficava
disfarçado ao se mostrar surpreso, de uma forma quase infantil, tanto com
sua proeminência como com o universo em que essa proeminência fora
estabelecida como uma mercadoria vistosa. Em parte devido à sua visão
essencialmente otimista da vida, havia uma característica irresistível em seu
egoísmo — um convite para participar dessa riqueza, por assim dizer. Como
muitos outros escritores, Clarke era uma figura meio solitária, e sua
colaboração com Kubrick também lhe proporcionou uma agradável
sensação de alívio de sua solidão profissional.
De todo modo, Clarke sentia saudades do Ceilão, particularmente de
Hector Ekanayake, seu jovem amigo cingalês que já fora campeão nacional
peso médio de boxe. Um ano antes, Ekanayake, que havia trabalhado em
Getawarayo, o filme de corrida de barcos de Wilson, escapara por pouco de
ser decapitado ao perder o controle de sua lancha e entrar embaixo de um
píer — indo parar no hospital com uma fratura no crânio, vivo e não morto
graças ao capacete e a um reflexo relâmpago. Além disso, era meio
estrábico de nascença e Clarke prometera pagar uma cirurgia nos Estados
Unidos para consertar sua visão. No final de novembro, o autor foi ao
aeroporto JKF para receber Ekanayake, que nunca tinha saído do Ceilão. A
cirurgia aconteceria na Califórnia, e Clarke também prometeu pagar um
treinamento de mergulho para Hector.
Em 21 de dezembro, Clarke levou Ekanayake ao apartamento da
Lexington Avenue no início da tarde. Christiane e as crianças haviam
comprado uma árvore de Natal no dia anterior e a instalado num suporte na
sala de estar, mas ainda não tinham tido tempo de decorá-la. Apesar de
fazer o possível para dar toda atenção a Clarke, que pretendia terminar o
romance antes do Natal, Kubrick ficou envolvido na campanha de
premiação de Dr. Fantástico, pela Academia de Cinema, e suas conversas
eram continuamente interrompidas por ligações telefônicas. Depois de
servir uma xícara de chá a Hector, Christiane disse que sairia por algumas
horas com as meninas para fazer compras de Natal. Diante disso, Hector,
que ficou sem ter o que fazer, ofereceu-se para decorar a árvore enquanto
elas estivessem fora. Christiane tinha planos de fazer isso com as crianças,
mas concordou por educação, ao ver que o amigo de Arthur não tinha
mesmo nada melhor para fazer.
Clarke e Kubrick estavam envolvidos em discussões no outro lado do
apartamento e Hector atacou a árvore com vigor, amarrando alguns galhos e
criando um formato achatado e simétrico, como a silhueta de um templo.
Em seguida pendurou os enfeites em linhas concêntricas que lembravam
vagamente um pagode. Com sua coluna central achatada, os galhos ligados
de forma rebuscada e as elegantes linhas horizontais de enfeites sem
nenhuma irregularidade, a árvore tornou-se uma evocação simétrica da Ásia
budista — mais sagrada no sentido budista do que no de uma árvore de
Natal, remetendo mais a incenso, cânticos e meditação do que a pastores,
reis e Menino Jesus. Ao voltar para casa horas mais tarde, Christiane
conseguiu converter sua perplexidade numa simulação de prazer para
agradar Hector. “Mamãe, mamãe!”, gritou Anya, puxando a mãe com
urgência para o corredor, onde não podiam ser ouvidas. “Esse cara fez uma
árvore muito estranha!”, cochichou.
Quando voltou ao Chelsea naquela noite, Clarke encontrou um recado
de Allen Ginsberg e William Burroughs debaixo da porta, convidando-o a
se encontrar com eles no bar. Tinha sido uma tarde frustrante, com todas as
interrupções, e ele ficou contente em se encontrar com os dois “em busca de
inspiração”. Após ter concluído os últimos capítulos do livro no dia 24 de
dezembro — um esboço de cerca de 50 mil palavras —, Clarke levou o que,
orgulhosamente, considerava um manuscrito completo para Stanley como
presente de Natal. Após ler o material com uma voracidade arrebatadora,
Kubrick deixou as páginas de lado, parecendo satisfeito. “Nós estendemos
os limites da ficção científica”, comentou com um sorriso.
Será que estava terminado? “Nós realmente tínhamos essa ilusão — pelo
menos eu tinha”, escreveu Clarke oito anos depois. “Na verdade, tínhamos
somente um rascunho rudimentar de ⅔ do livro, interrompido na parte mais
empolgante. Conseguimos colocar Bowman no Portal Estelar, mas não
sabíamos o que aconteceria a seguir, a não ser de modo geral.”
Ainda assim, no Natal de 1964, Kubrick tinha a impressão de que só
precisaria desenvolver um roteiro baseado no romance, conseguir apoio de
um estúdio, contratar alguns atores e a equipe de produção e começar a
filmar. No dia 31 de dezembro, Clarke recebeu a cópia de uma carta de
Kubrick para Scott Meredith informando que, segundo o acordo entre eles,
o trabalho de Clarke estava encerrado.
Feliz Ano-Novo.

***

Em suas notas de 24 de dezembro para Son of Strangelove, Clarke escreveu:


“Texto completo entregue — demitido!”. É difícil não sentir um universo de
mágoa nessas palavras. Não sabemos exatamente o que aconteceu depois.
No rascunho de seu artigo, como sempre escrito com um olho na
posteridade — sem mencionar estar ciente de que Kubrick iria lê-lo —,
Clarke escreveu: “A primeira versão do romance foi entregue a Stanley em
24 de dezembro de 1964, e ele me demitiu imediatamente. É verdade que
comecei a trabalhar no dia seguinte sob um novo contrato, mas gosto de
contar que fui demitido na véspera do Natal”. (Como era de prever, Kubrick
também rabiscou isso, com o comentário: “Confuso. Ninguém vai saber o
que você está dizendo”.)
O mais provável é que depois de uma séria pressão de seu antigo
colaborador e certas reconsiderações pragmáticas, Kubrick repensou suas
medidas de cortes de custos. Quando isso aconteceu, no início de janeiro, o
contrato novo de Clarke foi alterado retroativamente para começar logo
após o anterior. Clarke não teria feito isso se já não tivesse percebido que
eles ainda não tinham terminado de fato. Nem imaginou que sob a
inexorável motivação do perfeccionismo rígido do diretor, a forma narrativa
final do filme ainda exigiria três anos de impiedosos esforços.
Além de perceber que, na verdade, a história ainda era parcial, Kubrick
também sabia que, mesmo sem contar com seus serviços como escritor,
Clarke era bem relacionado na comunidade aeroespacial e tinha valor
mesmo apenas como consultor. De qualquer forma, a Polaris logo precisaria
transferir a carga de seus compromissos financeiros para um estúdio, pois
outras despesas importantes apareciam no horizonte. Se a intenção era
começar a filmar ainda naquele ano, Kubrick teria de contratar logo sua
equipe de produção. O apoio de um estúdio se tornara uma necessidade
urgente.
Mas primeiro o diretor queria algumas sequências para mostrar. Depois
de estudar Universe durante quase todo o ano de 1964, no início do novo
ano Kubrick resolveu replicar as técnicas do filme, agora em 65 mm e em
cores. Em janeiro, ele mandou vir uma câmera de Los Angeles, contratou
um pequeno estúdio de efeitos visuais cinematográficos chamado Effects-
U-All e alugou uma fábrica de sutiãs abandonada na esquina da rua 72 com
a Broadway. Lá, ele e seus colaboradores instalaram tanques de tinta preta e
um solvente particularmente insalubre do tempo da Segunda Guerra
chamado óleo de banana (acetato de isoamila), iluminou tudo com luzes
cinematográficas de alta intensidade e filmou os primeiros fotogramas
daquilo que se tornaria 2001: Uma odisseia no espaço. Por ser realizado em
condições rígidas de segurança, eles o chamaram de Projeto Manhattan —
uma brincadeira com o programa de armas nucleares norte-americano da
Segunda Guerra.
As luzes fortes permitiam altas velocidades da câmera, cruciais para
captar a alquimia de alta velocidade da tensão superficial, as mudanças de
cores e as reações químicas que buscavam. A câmera acelerada, filmando a
72 quadros por segundo, produziu uma câmera lenta “galáctica”, com
suaves nuances na mistura de tinta com o solvente. Ao reagir com o óleo de
banana, a tinta emitia aparentes fluxos estelares e tentáculos galácticos que
jorravam no espaço cósmico. Uma lente macro fazia uma área do tamanho
de uma carta de baralho parecer uma nebulosa de anos-luz de diâmetro.
Partes do que se tornaria a lisérgica sequência do Portal Estelar no filme
foram produzidas dessa maneira no Upper West Side, no início de 1965,
com o próprio Kubrick operando a câmera.
Wally Gentleman, o pioneiro em efeitos visuais por trás de Universe,
tinha concebido aquela técnica no final dos anos 1950 ao perceber que
“muitas das coisas realmente cataclísmicas que podem ocorrer na natureza
ocorrem na verdade em escalas muito pequenas. Assim, conseguindo-se o
movimento de elementos num fluxo certo e fotografando-os, pode-se
conseguir algo que pareça gigantesco. Ao despejar tinta no óleo, ou sobre
outras tintas, é possível obter esses efeitos explosivos e mudanças de cor
[…]. E as combinações são realmente infinitas”.
Christiane Kubrick lembra-se muito bem das cenas da fábrica de sutiãs.
Grandes mesas baixas apoiadas em tanques de metal rasos e quadrados,
latas de tinta e substâncias químicas. Pairava no ar um fedor de solvente,
tinta e verniz “apodrecendo” sob os refletores quentes da filmagem. Os
materiais com que Stanley trabalhava favoreciam o desenvolvimento de
bactérias e se tornavam “inacreditavelmente nojentos”. Surgia vida no
efêmero microuniverso de Kubrick, uma vida que se reproduzia
exponencialmente com os grandes aglomerados estelares e as nébulas em
formação ao serem captados nos fotogramas do filme, em alta velocidade.
A tenacidade que o diretor demonstraria durante toda a produção já era
evidente. Voltava da fábrica nas primeiras horas da manhã, com os olhos
vermelhos e inchados por causa da fumaça, e ignorava o terrível fedor por
semanas a fio, anotando minuciosamente as porcentagens, temperaturas e
densidades exigidas pelos líquidos e a altura certa de despejá-los para criar
cada efeito. “A diferença entre muitos de nós e Stanley é que, para
conseguir o efeito certo, ele continuava lá até muito depois de todos nós
termos perdido a paciência”, recorda-se Christiane. “É uma chatice enorme
anotar cada efeito especial para poder repeti-lo, e repeti-lo com outra
combinação, e mais outra que não se pareça com tinta se espalhando, mas
sim com o Universo. E esse é o nível de loucura que os artistas precisam
ter.”

***

Nuvens cinzentas pairavam sobre Manhattan na tarde fria de sexta-feira, 21


de janeiro, quando o telefone de Clarke tocou no Chelsea. Era Fred Ordway,
um antigo conhecido —, até recentemente um dos funcionários de Wernher
von Braun no Centro de Voo Espacial Marshal da Nasa em Huntsville,
Alabama. Ordway estava na cidade com um colega, o designer gráfico
alemão Harry Lange, também associado a Braun. Será que Clarke teria
tempo para um encontro? Embora ambos tivessem compromisso para o
jantar, os dois combinaram de se encontrar algumas horas mais tarde no
Harvard Club, onde Ordway sempre se hospedava em Nova York.
Sentados perto de uma das lareiras do grande salão central forrado de
painéis de carvalho do clube, os três conversaram sobre os testes de voo do
programa Apollo de Von Braun e o programa lunar americano. Caía uma
neve grossa lá fora. Para Clarke, o Ceilão parecia a milhões de quilômetros
de distância. Ordway, formado em Harvard e descendente de uma próspera
família de Nova York, estava em seu elemento. Ele era um tipo atlético e
acadêmico de quase quarenta anos, e gostava de se vestir bem. Tinha
publicado inúmeros artigos e livros sobre astronáutica, foguetes e
astronomia, e trabalhara para a equipe da Agência de Mísseis Balísticos do
Exército. Conheceu Clarke em uma reunião de uma conferência
internacional astronômica em Paris em 1950.
Harry Lange tinha fugido da Alemanha Oriental depois da Segunda
Guerra Mundial, estudara design no lado ocidental do país dividido e
migrara para os Estados Unidos nos anos 1950. Também imaculadamente
trajado e na casa dos trinta, tinha uma postura tranquila e olhos inteligentes.
Debaixo do proeminente bico de viúva, um nariz que parecia um abridor de
latas dominava seu rosto um tanto equino. Depois de um detestável ano
trabalhando com publicidade em Nova York, foi recrutado pelo Exército
dos EUA durante a Guerra da Coreia. Todavia, os estrangeiros não eram
mandados para a luta, e o trabalho de Lange era ilustrar manuais técnicos
no Alabama. Após sua dispensa, conseguiu emprego no Redstone Arsenal,
onde Braun já projetava mísseis com sua brilhante turma de engenheiros ex-
nazistas, a maioria formada pelo programa de foguetes V-2 de Hitler.
Acabou indo trabalhar com Ordway, então redator técnico de Braun, e
quando a Nasa surgiu, em 1958, os dois passaram a trabalhar para a agência
espacial. Juntos, tinham produzido uma série de livros ilustrados com
cientistas espaciais, entre outros projetos. Mais recentemente, tinham saído
da Nasa para fundar uma empresa própria, a General Astronautics Research
Corporation.
Quando Ordway perguntou o que Clarke fazia em Nova York, o escritor
respondeu que estava trabalhando com Kubrick num filme que girava em
torno do primeiro contato com uma inteligência alienígena avançada. Lange
arregalou os olhos. “Por acaso, nós acabamos de publicar um livro para
crianças pela Dutton sobre a vida em outros sistemas solares”, disse com
seu leve sotaque ostdeutsch. “E estamos trabalhando num grande livro para
a Prentice-Hall, um trabalho profissional a ser chamado Intelligence in the
Universe. Já estamos entregando as provas tipográficas e muitos desenhos
meus.” Pediu licença, foi até o quarto e voltou com uma pasta, e durante
meia hora ele e Ordway explicaram o trabalho. “Que coisa extraordinária”,
disse Clarke, abanando a cabeça. “Inteligência no universo […]. Eu estou
trabalhando com Stanley Kubrick nesse mesmo tema.”
Os dois olharam para o relógio e se levantaram para se despedir. “Arthur
saiu de lá e acho que ligou para Kubrick na primeira esquina”, recorda-se
Ordway. “Eu e Harry subimos para pegar nossos casacos, e quando
estávamos saindo pela porta da frente um dos funcionários falou: ‘Sr.
Ordway, ligação para o senhor’. Achei que era dos anfitriões daquela noite
querendo saber se teríamos problemas para chegar até lá, pois estava
nevando muito […]. Aí ouvi do outro lado da linha: ‘Aqui quem fala é
Stanley Kubrick’. ‘Ah’, respondi. ‘Como vai?’ Conversamos sobre o filme,
ele disse que Arthur tinha acabado de ligar, e perguntou se eu estaria
disponível para um encontro com ele. Bem, nós éramos um tanto flexíveis.”
No dia seguinte eles se encontraram no apartamento de Kubrick para
uma tarde “mentalmente estimulante”. “Kubrick estava imerso em seu
campo de estudos”, contou Ordway, descrevendo um escritório entulhado
de revistas de ficção científica, livros e publicações especializadas. “Foi
muito empolgante ouvir o que ele estava fazendo. Esboçou mais ou menos
o que tinha em mente e os dois me deram na hora um exemplar de Jornada
além das estrelas” — o título mais recente do filme, o que Sagan havia
criticado — “que foi definido por Kubrick e Clarke como um filme-
romance, ou a história do filme”.
Durante a conversa, Lange explicou que até recentemente fora chefe do
Grupo de Projetos Gráficos da Nasa, onde supervisionava uma equipe de
dez ilustradores incumbidos de criar imagens de futuras tecnologias
espaciais. As propostas de voos espaciais para comitês de fundos do
Congresso e para o público americano eram prioritárias para Von Braun,
que entendia o papel fundamental das relações públicas a fim de angariar
apoio para suas extraordinárias ambições. A certa altura, Lange recordou
que Walt Disney tinha ido a Huntsville e que o cientista espacial convocara
uma reunião com seus engenheiros mais graduados. Na frente de Disney,
disse Lange, Von Braun falou: “Harry, seu trabalho dá dinheiro. Todos os
demais querem gastar”.
Kubrick, que ouvia com atenção, esperou que ele concluísse. “Bem, eu
posso arranjar ilustradores melhores que você, uma dúzia deles custa um
tostão em Greenwich Village”, falou de repente. “Eles estão passando fome
perambulando por lá. Mas nenhum deles tem a sua formação. E é disso que
preciso. Você já viu foguetes de todos os tamanhos e para todos os
propósitos e sabe como eles são em detalhes.”
“Sim, sim, eu conheço tudo isso”, disse Lange, sem se sentir ofendido.
Kubrick perguntou se eles gostariam de trabalhar como consultores
técnicos no filme. Explicou que fazia questão de precisão científica, de
pesquisas minuciosas e credibilidade. O filme tinha de parecer totalmente
real, sem aquelas falsidades toscas das outras produções de ficção
científica. A plateia teria de se sentir transportada para os primeiros anos do
próximo século. A história transcorreria durante um período de três décadas
no futuro — distante o bastante para assegurar que suas espaçonaves e
computadores não seriam solapados pela realidade, e precisa o suficiente
para haver uma probabilidade de ser mais ou menos congruente com o que
poderia acontecer.
Ordway e Lange se entreolharam. Não houve nenhuma dúvida na
resposta. Eles tinham tomado a decisão arriscada de se demitir da Nasa para
começar uma empresa própria justamente por causa desse tipo de
oportunidade. Durante boa parte do resto do ano, os dois dividiram o tempo
entre Huntsville e Nova York, Ordway pesquisando tecnologias
aeroespaciais e seu sócio projetando e ilustrando os modelos. Apesar de
contratado como consultor, com o tempo a contribuição de Lange
aumentaria de forma significativa, e ele acabaria ganhando créditos como
designer de produção e seguiria uma carreira na indústria cinematográfica.
Com uma ajudinha de Clarke, Kubrick tinha encontrado uma dupla de
colaboradores que não poderia ser mais adequada aos seus propósitos.

***

Apesar do épico fracasso da MGM com o filme O grande motim, de 1962,


Robert O’Brien, o novo presidente do estúdio, estava disposto a continuar
sua bem-sucedida distribuição de produções itinerantes de grande
orçamento em Cinerama. Havia aprovado a produção de Doutor Jivago, de
David Lean, em cinemascópio e com três horas de duração, que já estava
pronto para ser lançado em dezembro, e manteve seu apoio ao diretor,
apesar dos grandes atrasos e quebras de orçamento. Nutria grandes
esperanças de recuperar as reservas fiscais drenadas pelo último fiasco.
Com a amostra de dez minutos da filmagem cosmológica de seu
“Projeto Manhattan” e o rascunho do romance de Clarke na mão, Louis
Blau, o consigliere de Kubrick em Los Angeles, apresentou Jornada além
das estrelas para a MGM no início de fevereiro. “Eles tinham um prazo de
dois ou três dias para dar um retorno, e foi assim que fechei o negócio”,
lembra-se Blau. Embora o estúdio estivesse acostumado a receber roteiros
completos — não romances inéditos com finais canhestros e truncados,
ainda que acompanhados por abstrações fílmicas lindas, porém altamente
experimentais —, Kubrick era o diretor mais quente do momento, e
O’Brien teve poucas dúvidas de conseguir reproduzir o sucesso de A
conquista do Oeste com um drama fronteiriço semelhante, só que situado
no futuro.
O’Brien concordou com os termos de Blau dentro dos três dias
solicitados. O prazo foi calculado para encobrir quaisquer deficiências
narrativas e tornar altamente improvável que alguém tivesse tempo de ler o
livro. O’Brien deu sinal verde para um orçamento de 5 milhões de dólares,
com lançamento programado para o final de 1966 ou começo do ano
seguinte. Com o baque financeiro de O grande motim ainda fresco na
memória, os acionistas e executivos do estúdio logo criticaram sua decisão,
um coro maledicente que só aumentou no momento em que o projeto de
Kubrick ultrapassou em muito o orçamento original e teve seu lançamento
adiado repetidas vezes. Parte da reação parece ter vindo de alguns dos
membros mais conservadores da diretoria da MGM, que consideraram Dr.
Fantástico ofensivo e antipatriótico.
Mas Kubrick escolheu seu chefe de estúdio com sabedoria. Nos anos
que se seguiram, O’Brien nunca vacilou em seu apoio. A decisão de apoiar
o projeto de Kubrick com certeza deveu-se a um conjunto de fatores
complexo. Embora em 1965 a ficção científica tivesse produzido poucos
filmes realmente respeitáveis, ainda assim o gênero se estabelecera bem
depressa na última década e meia. Os números contam uma história de
crescimento exponencial. Somente três filmes de ficção científica foram
lançados em 1950, mas em meados da década o gênero já chegava a 25
filmes por ano, e no fim da década já haviam sido lançadas mais de 150
produções — uma expansão rápida e sem precedentes para um gênero
novo, ainda que a maior parte das produções fosse de filmes B de baixa
qualidade. O que o gênero precisava era de um sucesso de mercado bem
produzido.
Deve-se acrescentar a isso, claro, a verdadeira corrida à Lua, agora
transcorrendo a todo vapor e ocupando bastante espaço na mídia. O público
estava atento às façanhas dos astronautas americanos, e quando a MGM
anunciou o épico espacial de Kubrick, no dia 23 de fevereiro, as cápsulas
econômicas Mercury da Nasa já haviam sido suplantadas pelas de meio
alcance do Projeto Gemini, que logo começaram a transportar tripulações
compostas por dois homens em voos orbitais. Em vista de toda a atenção
voltada para os esforços espaciais americanos, certamente O’Brien
percebeu um grande potencial comercial ainda não explorado.
Além disso, o diretor era o mais próximo possível de uma aposta certa.
Já tinha comandado um filme do mesmo tamanho e orçamento com
Spartacus, e acabara de se mostrar capaz de ganhar aclamação da crítica e
sucesso comercial com Dr. Fantástico.
Para Kubrick e Clarke, o lançamento da MGM com o título Jornada além
das estrelas reforçou as constantes dúvidas sobre a série de títulos já
descartados do filme. Jeremy Bernstein, colunista da New Yorker, tinha
conhecido Clarke mais ou menos um ano antes, e na primavera de 1965 o
autor o levou para conhecer o diretor. Bernstein, que durante o dia
trabalhava como astrofísico, recordou-se da cena anos mais tarde: “Quando
vi Kubrick e o apartamento pela primeira vez, disse a mim mesmo: ‘Esse é
um dos nossos’. O que eu queria dizer era que ele era parecido com os
físicos excêntricos que eu conhecia, e agia como eles. O apartamento era
um caos. Crianças e cachorros corriam por toda parte. A papelada escondia
a maior parte da mobília. Kubrick disse que ele e Clarke estavam fazendo
um filme de ficção científica, uma odisseia, uma odisseia no espaço. Ainda
sem título”.
Embora depois afirmasse que o título final foi uma ideia tão somente de
Kubrick, Clarke deve ter se esquecido da meditação sobre datas milenares
numa das seis histórias reservadas originalmente pelo diretor: “Fora do
berço, em órbita para sempre” — aquela em que o narrador reclamava que
o século XXI, na verdade, começava em 2001, não em 2000. Uma capa do
texto de Jornada além das estrelas que sobreviveu contém um registro da
evolução dos pensamentos de Kubrick. No que se resume a um fotograma
imóvel de um dia no final de abril de 1965, aparecem vários títulos em tinta
vermelha. Escritos pela mão do diretor:
Fuga da Terra
O Portal Estelar
Uma odissea espacial [sic]
Janela para Júpiter
Adeus à Terra

E no alto, à esquerda, pela primeira vez:

2001: Uma odisseia no espaço

De acordo com as anotações bifurcadas de Clarke para “Son of Dr.


Strangelove”, o título foi decidido no dia 29 ou 30 de abril de 1965.
O novo nome pegou.

***

Ao assinar um Memorando de Entendimento em 14 de janeiro, o suficiente


para anunciar a colaboração entre os dois, e anunciado em seguida o filme
em 23 de fevereiro, Kubrick (via Blau, representando a Polaris) e O’Brien
(via os advogados da casa) passaram a negociar um contrato de dezessete
páginas e 35 cláusulas para “um filme com o título provisório de 2001:
Uma odisseia no espaço”. Lido com atenção, o rascunho que sobreviveu,
datado de 22 de maio, é uma fascinante cornucópia kubrickiana. Atenua
alguns mitos e reforça outros, revelando tanto a importância de Clarke para
o projeto como a medida de sua exclusão das perspectivas financeiras do
filme. (Embora o contrato final assinado ainda possa existir em algum lugar,
ele não está facilmente disponível para meros mortais.)
Kubrick lidava com esses contratos com o mesmo nível de obstinada
concentração que aplicava a todos os demais aspectos da direção, e não
somente porque eles impactavam todas as áreas. “Ele fazia seus acordos
com muito cuidado, era como um jogador de xadrez nessas coisas — muito
cuidadoso”, segundo Christiane. “Costumava dizer: ‘Não relaxe cedo
demais. É aí que você comete os erros’. Ele se detinha muito em todos os
detalhes […]. Conseguia contratos muito bons, que ninguém mais
conseguia. Não confiava. Quando afinal concluía e conseguia o que queria,
o filme certo, no tempo certo, com o dinheiro certo, tudo certo, ele dizia:
‘Acho que consegui’. Nunca dizia: ‘Consegui!’. Só dizia: ‘Acho que
consegui. Acho que sim’.”
O contrato, que ressaltava que a Polaris havia comprado os direitos de
“A Sentinela” por 5 mil dólares e que também pagara a Clarke 30 mil
dólares para escrever as alterações, afirmava que a MGM reembolsaria todas
as despesas de pré-produção de Kubrick, inclusive todos os futuros
compromissos com Clarke (significando os 15 mil dólares a que tinha
direito no início da produção cinematográfica e mais 15 mil na conclusão).
A quantia total a ser reembolsada em maio de 1965 era de 53.429 dólares, a
maior parte em pagamentos a Clarke. O orçamento do filme foi
especificado em 5 milhões de dólares — não os 6 milhões às vezes
relatados. Essa quantia incluía 350 mil dólares pela aquisição da obra, que
na época constituía o rascunho do romance de Clarke, as imagens do
Projeto Manhattan de Kubrick e nada mais.
Assim, falando sem rodeios e deixando as coisas bem claras, de acordo
com a minuta do contrato, Clarke ganharia algo em torno de 35 mil dólares
pela aquisição de “A Sentinela” e para escrever o romance, e no final
receberia mais 30 mil dólares. Ajustado pela inflação, esse valor chega a
cerca de 500 mil dólares nos dias de hoje. Kubrick ganhou mais de três
vezes isso pela venda dos direitos à MGM, sem nenhuma participação de
Clarke. Enquanto isso, por meio de um acordo à parte, Kubrick ganharia
40% do romance enquanto Clarke ficaria com 60% quando estivesse pronto
para publicação. Quem teria decidido isso? Ora, o diretor — que teve o
cuidado de preservar seu direito de aprovação. (Apesar de ser a base do
filme, a MGM não tinha direito nenhum sobre o livro.)
Além disso, o orçamento de 2001 incluía 200 mil dólares pelo trabalho
de Kubrick como produtor-diretor, mais 50 mil dólares por seu trabalho de
criação do roteiro. Quando ajustado pela inflação, isso chega a pouco
menos de 2 milhões de dólares a mais de proventos para Kubrick —
perfazendo um total de mais de 4,5 milhões de dólares para o diretor em
valores atuais. Nada disso incluía a porcentagem da Polaris nos lucros, é
claro, que foram especificados em 25% do líquido, começando quando a
MGM tivesse recuperado 2,7 vezes as suas despesas. Se Kubrick
ultrapassasse o orçamento — e ele mais que dobraria esse valor —, o
líquido começaria a partir de 2,7 vezes as despesas totais da MGM. Mesmo
assim, Kubrick receberia uma quantia significativa se o filme fosse um
sucesso. Mais uma vez, Clarke não participava do jogo.
O contrato incluía ainda outros itens de considerável interesse. Durante
anos, dizia a lenda que, depois de Spartacus, Kubrick nunca fechara um
contrato em que não tivesse controle absoluto do seu trabalho. Seu contrato
com a MGM para 2001: Uma odisseia no espaço deixa claro que nem
sempre era esse o caso. A minuta incluía um provisionamento especificando
que o “então presidente” da MGM teria o direito de exigir mudanças. Se o
diretor discordasse, duas versões seriam exibidas e avaliadas num teste de
reação da plateia: uma com as mudanças requeridas e a outra sem. Se o
teste favorecesse as mudanças, o diretor seria obrigado a fazê-las. (Aqui, as
anotações marginais de Kubrick sugeriam apenas pequenas alterações na
linguagem, e parece razoável supor que tenha concordado com a cláusula
depois de pequenas modificações.1 Antes de ser assinada, a minuta parece
claramente o resultado de intensas negociações.)
Outros detalhes interessantes incluem uma pequena lista de possíveis
diretores, inclusive com um chamado Stanley Clarke. Os outros eram
Alfred Hitchcock, David Lean e Billy Wilder. (Tente imaginar 2001: Uma
odisseia no espaço dirigida pelo homem que fez Quanto mais quente
melhor.) O filme seria rodado nos Estúdios de Borehamwood da MGM, no
norte de Londres — uma das maiores instalações cinematográficas da
Europa. E o contrato incluía a seguinte definição dos direitos da MGM: “O
Território do Distribuidor deverá também incluir todo e qualquer veículo
espacial, ônibus lunares, estações espaciais, sistemas orbitais de suporte de
vida, mas não limitados aos planetas, planetoides e luas em todas as
galáxias do Universo (os ditos territórios são aqui referidos como territórios
espaciais)”.
As cláusulas coincidiam com a destinação.
Finalmente, a MGM se reservava a última palavra sobre a escolha dos
atores, e o contrato continha um anexo com as sugestões de elenco de
Kubrick que a MGM havia aprovado. Uns quatro meses antes de saber do
interesse do diretor, um jovem ator chamado Keir Dullea foi aprovado para
o papel principal de David Bowman. Então com 29 anos, Dullea era mais
conhecido pelo papel de paciente de uma instituição psiquiátrica,
emocionalmente perturbado, frio e distante no filme David e Lisa, de Frank
Perry. Outros atores para os quais a MGM deu sinal verde incluíam, para o
papel do oficial sênior da agência espacial Heywood Floyd: Robert
Montgomery, Joseph Cotten, Robert Ryan, Henry Fonda, Jason Robards e
George Scott. Para o papel de Moonwatcher, o líder dos homens-macacos,
Kubrick listou, e a MGM aprovou: Robert Shaw, Albert Finney, Gary
Lockwood e Jean Paul Belmondo — este último o ator principal do filme
Acossado, de Jean-Luc Godard, de 1960. O sotaque francês não seria um
problema para papéis sem fala.
É interessante a presença de Gary Lockwood na lista, e Kubrick voltaria
a ele mais tarde para outro papel. Mas parece claro quem, de início, era o
preferido para encarnar Moonwatcher. Em fevereiro, Kubrick escreveu a
Shaw, anexando o desenho de um tipo neandertal peludo e de cara larga,
comentando: “Sem querer parecer depreciativo em relação a seu semblante
austero e atraente, devo observar que parece haver uma incrível
semelhança”. Shaw, um carrancudo ator inglês então mais conhecido por
fazer papéis de militares ou de bandidos em filmes como The Dam Busters
(1955) e From Russia with Love (1963), mais tarde iria ficar para sempre
associado a Quint, o caçador de tubarões de Tubarão (1975). Sua resposta a
Kubrick, se é que houve alguma, ficou perdida na história, mas o problema
de como apresentar primatas pré-humanos convincentes se revelaria quase
insolúvel, e só seria resolvido mais tarde na produção, sem o benefício do
rosto quase simiesco de Robert Shaw.

***
Na primavera de 1965, o outrora modorrento escritório da Polaris em
Central Park West foi sacudido por uma hiperatividade. Os desenhos de
Lange eram afixados em quadros de avisos, ao lado de trabalhos, que
chegavam pelo correio, das instalações da Graphic Filmes de Los Angeles,
responsável pela produção To the Moon and Beyond para a Feira Mundial
de Nova York, contratada por Kubrick para produzir projetos de
espaçonaves e bases lunares. Storyboards forravam as paredes de outra sala,
assim como detalhadas representações em cores das cenas planejadas. Estas
incluíam um ônibus espacial em forma de canivete se aproximando de uma
estação espacial em forma de frisbee. Os telefones tocavam o tempo todo e
a fumaça de cigarro pairava no ar enquanto pessoas entravam e saíam com
portfólios de desenhos e pilhas de documentos nas mãos. Em 19 de abril —
uma segunda-feira —, Clarke apareceu para uma visita.

Subi ao escritório com 3 mil palavras que Stanley ainda não tinha lido.
O lugar agora estava zunindo — com umas dez pessoas trabalhando lá,
inclusive dois membros da produção da Inglaterra. As paredes estão
sendo cobertas com imagens impressionantes, e eu me senti bem, como
um pequeno dente na engrenagem dos trabalhos. Um psicótico que
insiste em que Stanley precisa contratá-lo está sentado num banco do
parque em frente ao escritório há umas duas semanas, e às vezes entra
no prédio. Numa atitude de legítima defesa, Stan escondeu uma grande
faca de caça em sua pasta.

Ordway lembra-se do episódio do banco do parque de forma um pouco


menos benevolente. “Ele era uma pessoa estranha em Nova York”, recorda
— não o sujeito no banco, mas Kubrick. “Nunca me esqueci de uma vez em
que disse: ‘Fred, está vendo aquele cara sentado no banco do outro lado da
rua?’. Eu falei: ‘No banco do parque?’. Kubrick concordou: ‘É, ele estava
aqui ontem e anteontem […]. O que você acha que ele está fazendo ali?’.
Ele vivia observando coisas como essa. Quando saía para jantar […] ele
sempre pedia uma mesa para se sentar virado para a parede, porque tinha
essa obsessão.”
A Graphic, produtora favorita dos filmes para a Nasa e para a Força
Aérea dos EUA, era uma oficina de efeitos visuais fundada em 1941 por
Lester Novros, ex-animador da Disney. Além de To The Moon and Beyond,
a Graphic havia concluído recentemente outros curtas-metragens que
projetavam futuros desenvolvimentos espaciais, como detalhadas
animações de pequenas cápsulas espaciais com braços mecânicos para um
único tripulante. Em maio, Novros e Con Pederson, diretor de To The Moon
and Beyond, vieram de Los Angeles para uma consulta. A primeira
impressão que tiveram de Kubrick foi de um tipo determinado e calado,
porém muito direto.
“Nós nos divertimos muito”, relembrou Novros em 1984. “Ele disse que
boa parte do roteiro ainda estava indefinida, principalmente o final. Queria
introduzir homens de algum ambiente extraterrestre. Pensava neles como
seres de seis metros de altura, muito magros e etéreos. Perguntou se
conhecíamos as esculturas de Giacometti e respondemos que sim, e ele
disse que havia uma mostra do artista no Museu de Arte Moderna. Fomos
até lá e ele disse: ‘Eu mais ou menos imagino que nossos homens do espaço
sejam assim. Aí, no final do filme, eles poderiam se abaixar, pegar nosso
homenzinho da Terra nas mãos e andar em direção ao pôr do sol’. Era banal
a esse ponto.”
Kubrick disse aos seus visitantes que, de seu ponto de vista, havia três
fatores a considerar em qualquer filme: Era interessante? Era convincente?
Era bonito ou esteticamente superior? Pelo menos dois desses três aspectos
precisam estar em cada tomada do filme. Ficou contente em saber que,
assim como Ordway e Lange, Penderson tinha trabalhado com Wernher von
Braun quando no Exército dos EUA, nos anos 1950, e que também
participara dos programas de TV Tomorrowland, da empresa de Walt
Disney. Os programas foram ao ar pela ABC de 1955 a 1957, apresentando
convidados especiais do engenheiro alemão e animações de seus conceitos
de exploração do espaço, o que incluía ônibus espaciais e estações orbitais
circulares — o mesmo vocabulário tecnológico que logo seria encampado
por 2001: Uma odisseia no espaço.
Kubrick organizou uma projeção das sequências cosmológicas recém-
filmadas de seu “Projeto Manhattan” para os visitantes. “Ele foi muito
reservado a respeito dessas sequências”, lembra-se Novros. “Não dizia a
ninguém como tinha conseguido aquelas imagens. Era um homem muito
criativo e muito egocêntrico, e foi isso.” Penderson ficou impressionado e
Kubrick assinou com a Graphic um contrato não exclusivo de um ano, para
a criação de artes visuais e storyboards, com o entendimento de que a
empresa seria convidada mais tarde para ser a principal fornecedora de
efeitos visuais do filme. Entretanto, Kubrick decidiria que seria difícil
trabalhar com a empresa enquanto filmava em Londres e interrompeu a
comunicação. Para irritação de Novros, logo a seguir Kubrick contratou
alguns dos melhores profissionais da Graphic. Depois de um grande esforço
para se manter ligado ao diretor, no final do ano Pederson se mudou para a
Inglaterra e se juntou à equipe de Kubrick.
Enquanto isso, a questão de quem ficaria com o importantíssimo design
de produção preocupava o diretor, que vinha flertando com Ken Adam
desde o verão anterior — o grande cenógrafo de Dr. Fantástico, inclusive
do formidável Salão de Guerra do filme. Ainda de ressaca do incansável
perfeccionismo do diretor, Adam estava relutante em trabalhar de novo com
ele, e de qualquer maneira já havia assinado para participar de 007 contra a
chantagem atômica, o quarto filme de James Bond. Por isso, ele declinou o
convite delicadamente.
Isso deixou vaga uma importante posição, e sob a recomendação de
Victor Lyndon, produtor associado de Dr. Fantástico, Kubrick pediu a Tony
Masters, designer de produção, que viesse da Inglaterra para uma entrevista.
Um tipo alto e magro, de sobrancelhas eriçadas e um perpétuo brilho bem-
humorado nos olhos, Masters, então com 46 anos, ainda não era
considerado um designer de primeira linha — mas Lyndon sabia que era um
desenhista excelente e que sabia tudo sobre organização de filmes de
estúdio. Masters tinha subido na carreira dentro da indústria
cinematográfica britânica, passando de desenhista a assistente de direção de
arte, e depois a decorador de cenários. Seu primeiro crédito como diretor de
arte fora em 1956, e desde então já tinha participado de dezenas de filmes.
Entre outras atividades, tinha trabalhado com o desenhista de produção
John Box no épico Lawrence da Arábia, de David Lean, de 1962, em
cinemascópio — um crédito muito importante.
Masters tinha um pequeno defeito de fala, mas superou o problema com
pura força de vontade. Ainda que estivesse se arriscando com um homem
que não conhecia, o diretor confiava nos instintos de Lyndon, e Masters
passou lindamente por sua entrevista inicial. A primeira coisa que Kubrick
queria saber era se o designer se interessava por ficção científica. “Ora, me
interesso, sim”, lembrou-se Masters em 1977. “Eu gosto disso, gosto desse
tipo de design. Gosto de fazer desenhos para o futuro. Muita gente não
gosta.”
Em pouco tempo, Masters se mostraria mais do que equivalente ao
padrão de Ken Adam. Sabia como administrar grandes departamentos de
desenho de produção, e sua formação como projetista de arquitetura se
mostraria um ativo indispensável. Logo estava supervisionando uma equipe
de quarenta profissionais no trabalho dos cenários de 2001 — contudo,
antes disso, ele e o decorador de cenários Bob Cartwright, que também
viera de Londres, passaram três meses com Kubrick em Nova York,
“falando sobre o roteiro e a história num escritório, imaginando como
diabos faríamos aquele filme maluco”, recordou-se em 1977. “Quero dizer,
ele tinha um grande senso de humor, e normalmente o dia se encerrava com
a gente rindo tanto que tinha de parar de trabalhar — parecia ridículo, o que
nós estávamos querendo fazer era simplesmente desmesurado. Quando
você faz um filme de ficção científica, é muito difícil se disciplinar e
permanecer racional. Não há limites, e você pode pirar.” Felizmente, Lange
e Ordway estavam lá para promover choques de realidade. Masters lembra
que Lange fazia o papel de “âncora” — uma influência estabilizadora que
os protegia de si mesmos.
Em diversos aspectos, os fanáticos por voos espaciais de Huntsville e o
desenhista de produção britânico formavam uma combinação perfeita.
Ordway já estava mandando uma enxurrada de cartas a seus inúmeros
contatos em tecnologia aeroespacial, solicitando ideias e conceitos. Lange
era bem versado na conversão de tudo aquilo ao espaço bidimensional de
imagens gráficas, mas não tinha experiência no campo altamente
especializado da cenografia cinematográfica. Apesar de a história se
transformar continuamente, eles conseguiram estabelecer o projeto básico
para uma série de espaçonaves. Isso incluía um ônibus espacial
aerodinâmico e de aspecto futurístico chamado Orion; a gigantesca Estação
Espacial Cinco com dois anéis, desenvolvida a partir de um disco achatado
das primeiras representações; o Aries, um módulo de pouso lunar
semiesférico com quatro pernas; e a espaçonave nuclear Discovery, que
partiria rumo a Júpiter. Além desses, havia inúmeros veículos menores,
inclusive cápsulas espaciais individuais, um Ônibus Lunar retangular e
oblongo e um pequeno esquadrão multinacional de bombas nucleares em
órbita. Imagens geradas por computador estavam umas três décadas à
frente, e modelos detalhados teriam de ser construídos para todas as cenas
externas.
[44] Tony Masters, Fred Orway e Harry Lange.
© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

O primeiro desenho, e mais ambicioso de todos, em que os três


colaboraram em Nova York foi o interior da centrífuga da Discovery, um
carrossel rotativo de doze metros de diâmetro e três metros de largura que
deveria assegurar uma gravidade artificial para a tripulação. Como era
necessário montar uma câmera sobre rodas em cima de uma fina lâmina de
aço saliente no piso, eles conceberam dois discos emparelhados projetados
para se ligarem perfeitamente num estreito vão entre os dois lados da roda.
Se construído da forma certa, faria a lâmina fixar a câmera sobre as rodas
no lugar enquanto o cenário girava ao redor da câmera. Quando ligados, os
dois lados se tornariam os alojamentos centrais da Discovery, contendo o
console principal do supercomputador, os módulos de hibernação em forma
de esquifes com os astronautas adormecidos, uma estreita mesa para as
refeições e coisas do gênero. Mas a estrutura externa para um cenário
dessas proporções não era algo que um departamento de design
cinematográfico pudesse construir, por isso eles decidiram contratar uma
empresa de aviação britânica.
O interior da centrífuga se tornou uma espécie de matriz de design para
o resto do filme. “Nós resolvemos usar bastante material branco”, recorda-
se Masters. “Tudo era branco — e se não fosse branco, seria preto. Preto,
branco e azul. O branco transmitia uma sensação agradável — conferia uma
espécie de visão panorâmica de tudo, porque não havia sombra em lugar
nenhum. Isso funcionou muito bem. De início nós fizemos coisas em cores,
mas Stanley sempre dizia: ‘Mas de que cor seria?’. ‘Não sei de que cor
seria, Stanley. Quer dizer, o que é uma cor bonita? Talvez pudéssemos
tentar azul, azul IBM.’ Aí ele dizia: ‘Não, não, não. Azul é muito “hoje”, a
gente vê azul em toda parte’. Então, no fim, dissemos que não usaríamos
nenhuma cor — quer dizer, assim não havia como errar.”
Isso levantou a questão de quem supervisionaria os efeitos visuais do
filme — a “trucagem” fotográfica, a construção e filmagem dos modelos, a
produção de conteúdo para as inúmeras imagens nas telas planas e assim
por diante. A Graphic Films estava trabalhando nas artes visuais e nas
composições, mas era basicamente uma empresa de animação, não
exatamente versada em obter a qualidade fotográfica realista que Kubrick
tinha em mente. Além disso, a distância se tornou ainda mais inconveniente
quando eles se mudaram de Nova York para Londres. Havia algum tempo
que Kubrick tentava recrutar Colin Low e Wally Gentleman, a equipe por
trás de Universe, mas Low, que se mostrou explicitamente desinteressado
em trabalhar com o diretor, alertou o colega que Kubrick “vai passar por
cima de você com botas de pregos nas solas”. Por fim, Gentleman
concordou, relutante, em assumir os efeitos visuais do filme, mas sem
assinar nenhum contrato. Por causa do alerta de Low, desde o início houve
certa falta de sintonia entre Kubrick e Gentleman.
Um dos primeiros assuntos discutidos pelos dois na primavera e no
começo do verão de 1965 foi determinar que a credibilidade do filme seria
reforçada mantendo todas as tomadas de efeitos especiais no negativo
original — sem compor e sem trucar tomadas numa impressora óptica, uma
rudimentar técnica pré-digital que aumentava a granulação do filme a cada
processo. Isso significava montar uma cadeia de produção complexa e
sujeita a erros, em que o mesmo negativo usado para filmar uma sequência
ao vivo, de astronautas visitando um objeto escavado na Lua, seria
armazenado, às vezes por muitos meses, como “tomada reservada”. Esse
negativo passaria depois por uma câmera de animação para que se
acrescentasse um terreno lunar rugoso nas áreas ao redor da imagem,
mantidas na obscuridade durante a cena da ação para esse propósito. Às
vezes seriam necessárias também uma terceira ou quarta passagem para
acrescentar a Terra, as estrelas e outros elementos, como pessoas se
movimentando perto de escotilhas de espaçonaves. Era um método
potencialmente arriscado, mas calculado para produzir imagens
convincentes, impecáveis, nítidas e de primeira geração.
“Estive envolvido na direção de efeitos especiais durante o filme todo”,
recordou-se Gentleman em 1979, “mas meu principal papel no início era de
atuar como instrutor geral de Kubrick em técnicas básicas de efeitos
especiais. Ele tinha um conhecimento impecável de fotografia imóvel, mas
faltavam a ele conhecimentos precisos sobre operação de efeitos especiais.
Devo dizer que ele foi o estudante mais atento que já tive na vida, pois
conseguia absorver informações como uma esponja.” (Eis a mesma
comparação de novo.) Depois de algum tempo, a pretensão de Gentleman
de ter um papel pedagógico começaria a engripar, agravado por sua
relutância em trabalhar até tarde da noite e em receber telefonemas de
Kubrick a qualquer hora da manhã. Três anos mais tarde, o Oscar de
Melhores Efeitos Visuais não iria para Gentleman, mas para seu ex-aluno,
Stanley Kubrick.

***

Se Ordway, Lange, Masters e Gentleman ficaram encarregados de produzir


um ambiente plausível e realista para a viagem à Lua e a Júpiter, tudo isso,
por sua vez, deveria proporcionar uma plataforma de lançamento para a
viagem quase surreal de Dave Bowman através do Portal Estelar. As
tecnologias do filme, ferramentas fundamentais para domar e controlar a
natureza, tinham como parte de seu objetivo minimizar o ceticismo da
plateia, tornando os espectadores receptivos ao capítulo caleidoscópico,
cinético e transcendental do final do filme.
A maior parte das cartas enviadas por Fred Ordway a diversas empresas,
instituições e indivíduos no verão de 1965 tinha a ver com equipamentos de
diversos tipos. Mas uma delas — um comunicado especialmente intrigante
escrito em 7 de junho — tratava de uma “rede neural” — as intricadas
conexões neuroquímicas da mente humana. Sua carta para o dr. Walter
Pahnke, do Centro de Saúde Mental de Massachusetts, não fazia referência
ao projeto do filme e, embora tivesse o endereço da Polaris, não
mencionava a produtora. A consulta foi feita por Ordway enquanto editor
de publicações técnicas aeroespaciais.
Ordway requisitava mais informações a respeito da publicação de um
breve relato de um experimento conduzido por Pahnke como parte de sua
tese de ph.D. em Harvard. No experimento, feito em um ambiente
controlado, ele ministrava doses de psilocibina, um potente alucinógeno, a
estudantes de religião de Boston. Com quase toda certeza, a carta foi
enviada de forma praticamente anônima porque Kubrick queria disfarçar
seu interesse pelo estudo. “Estávamos particularmente intrigados pelo fato
de os estudantes terem intensificado seu entendimento de questões
filosóficas como resultado direto da administração da droga”, escreveu
Ordway. “Estudamos todas as possibilidades concebíveis que levassem à
redução da consciência de tempo de futuros astronautas, inclusive
hibernação, hipnotismo e, claro, drogas.”
Kubrick tinha ouvido falar do chamado Experimento da Capela de
Marsh, de Pahnke, de 1962, que fora conduzido sob supervisão dos
orientadores de sua tese, Timothy Leary e Richard Alpert. O experimento
tinha como objetivo saber se drogas alucinógenas, quando ingeridas em
ambientes religiosos como a capela da Universidade de Boston, poderiam
induzir experiências religiosas comparáveis às registradas pelos grandes
místicos da história. Nove dos dez estudantes de teologia participantes
relataram ter vivenciado sensações indistinguíveis das experimentadas por
uma revelação religiosa. Alguns descreveram uma transição para além do
passado, do presente e do futuro, para um domínio onde o espaço-tempo
tridimensional era somente uma entre possibilidades infinitas.
Um dos participantes, Huston Smith, um acadêmico de teologia de 46
anos, relatou “a acolhida cósmica mais poderosa que já vivenciei”. Outro,
Mike Young, teve a sensação de “ser levado por um mar de cores […]. Às
vezes se esclarecendo em padrões com significado e outras simplesmente
como um lindo turbilhão de cores. Foi ameaçador e deslumbrante ao
mesmo tempo. Um desenho radial, como uma mandala, com as cores no
centro que se espalhavam para os lados, cada lado numa cor ou estampado
diferentes”.
Pode-se dizer que os participantes da pesquisa de Pahnke tinham
passado por uma espécie de Portal Estelar. A carta de Ordway correspondia
bem ao objetivo de Kubrick e Clarke de manter seu projeto cientificamente
acurado ao vinculá-lo a pesquisas correntes de todos os gêneros, mas o
experimento de Pahnke, conduzido sob supervisão de dois homens que logo
se tornariam sumos sacerdotes do psicodelismo dos anos 1960, resultou
num vínculo direto entre 2001: Uma odisseia no espaço e as explorações
quase metafísicas da cultura da droga da década. (Tanto Leary como Alpert
foram demitidos de Harvard em 1963; Leary acabaria endossando o uso
recreativo do LSD e cunharia frases influentes como “Turn on, tune in, drop
out”,2 enquanto Alpert mudaria seu nome para Ram Dass e se tornaria uma
espécie de guru. Seu livro best-seller Be Here Now, de 1971, ainda é
publicado.)
Depois de ingerir a dose de psilocibina, o estudante Mike Young se
sentiu paralisado e vivenciou a aterradora sensação da própria morte, que
depois interpretou como a eliminação de seu ego — algo necessário para
que ele “vivesse em liberdade […] eu tive que morrer para me tornar quem
eu poderia ser”. O Experimento da Capela de Marsh é lembrado hoje como
a última avaliação formal dos potenciais benefícios espirituais e
psicológicos de alucinógenos antes de a Guerra às Drogas colocar um
ponto-final nesses experimentos nos anos 1970.
Embora não existam registros de que Walter Pahnke tenha respondido ao
pedido de Ordway, é notável o quanto suas experiências — inclusive a
viagem de terror e renascimento de Young — correspondem à
representação de Kubrick da viagem “Além do Infinito” de Dave Bowman
na parte final de 2001: Uma odisseia no espaço.

***

No dia 1º de junho, Victor Lyndon, que já tinha concordado em ser produtor


associado de Kubrick num segundo filme, chegou de Londres e fez uma
compilação de 115 páginas de anotações da produção. Enriquecida por uma
rigorosa exposição em detalhes, a compilação deixou Clarke “totalmente
extasiado”. Em muitas partes, o texto indicava intrigantes lampejos de
caminhos ainda inexplorados e de cores pouco utilizadas.
Uma “personalidade importante” no cenário dos anos 1960, de terno e
gravata, deveria abrir o filme com uma nota pedagógica, explicando, com
ajuda de animações, as razões para se acreditar em uma “abundância de
civilizações extraterrestes”. A nota seria seguida imediatamente por uma
sequência pré-histórica filmada “principalmente em locação, mais
provavelmente no Sudoeste da África”, com um grupo de animais
treinados, inclusive um “leopardo ou leoa” e javalis. Outros javalis, “não
confiáveis”, seriam mortos numa cena de caça. Além de vários dispositivos
tecnológicos, a valise de um viajante espacial VIP, o dr. Heywood Floyd,
deveria conter “um estojo de pílulas lindamente manufaturado e bem-
acabado, com compartimentos separados contendo cápsulas recobertas de
açúcar de várias cores e tamanhos”.
Ao desembarcar na estação espacial em órbita em torno da Terra, Floyd
deveria trocar seu terno por um novo, que seria expelido por um
distribuidor automático em um recipiente de 25 centímetros quadrados e
que, quando desdobrado, “pareceria desamassado e em boa forma”. O outro
terno seria dispensado, “embolado numa pequena trouxa” e jogado num
recipiente de descarte. Ao se alojar em um quarto de hotel na estação, Floyd
deveria consultar um cardápio numa tela na parede, no qual seriam
oferecidas iguarias como “Sopa de falsa tartaruga de Vênus” e “Boeuf à la
Gagarin”, em referência ao primeiro homem no espaço, o cosmonauta Yuri
Gagarin. Quando entregue “muito rapidamente pelo distribuidor
automático, mas […] muito bem preparada e elegantemente servida”, a
refeição seria acompanhada por frutas “desenvolvidas num ambiente de
gravidade zero e […] muito, muito grandes — talvez um morango de vinte
centímetros e um cacho de uvas gigantes”.
Além de tudo isso, as anotações de produção de 1965 contêm vislumbres
surpreendentes do mundo em que vivemos hoje. Mais ou menos à mesma
época em que o Departamento de Defesa concebia a precursora direta da
internet, a ARPANET, a turma de futuristas de Kubrick já parecia ter
imaginado as implicações da nova tecnologia. Um documento enviado por
Tony Masters a Roger Caras em 29 de junho relacionava casualmente nove
acessórios sob um cabeçalho com o leão da MGM, e perguntava se Caras
poderia ajudá-lo. O primeiro era “um jornal de 2001 a ser lido numa espécie
de tela de televisão. Deveria ter o formato de uma tela de televisão, ou seja,
mais largo que alto”.
Em mais ou menos uma semana, Caras já tinha conseguido fechar um
acordo com o New York Times permitindo o uso de seu logotipo numa
edição simulada da primeira página do jornal. Se tivesse aparecido no filme,
teria sido lido por um astronauta em computadores semelhantes ao iPad a
bordo da Discovery. E se Kubrick tivesse seguido adiante e apresentado o
jornal dessa forma, não há dúvida de que 2001: Uma odisseia no espaço
seria lembrado hoje como um importante arauto da internet. Mas o diretor
preferiu usar somente uma transmissão da BBC TV nos tablets portáteis —
iguais a todas as outras telas visíveis nos cenários do filme.
Como subproduto lógico do conceito dos computadores tablets, uma
pilha de anotações da produção escritas em dezembro de 1965, pouco antes
do início das filmagens, continha uma descrição improvisada de uma
imagem tão comum nos dias de hoje que é difícil se lembrar do tempo em
que não era onipresente no mundo. “Deve ser feito um dispositivo para o
tablet noticiário, de forma que, se alguém estiver olhando sobre o ombro do
leitor quando ele estiver lendo, podemos iluminar a transparência fixa da
página de um livro”, escreveu Ordway. “Na tomada reversa, teremos de
instalar uma pequena luz na face oculta do tablet, para que um pouco de luz
possa se projetar no rosto do leitor.”
A descrição é tão inócua e parece tão blasé que quase não é percebida.
Ordway estava simplesmente propondo um dispositivo que permitisse uma
tomada em ângulo reverso do rosto de uma pessoa, iluminada por baixo
pela “luzinha” de uma tela. Neste exato momento, claro, uma considerável
porcentagem da população do planeta está sendo iluminada exatamente
dessa maneira. E essa tecnologia inevitável — e sua resultante geometria de
iluminação — foi representada pela primeira vez em um primeiro lugar.
Surgiu exatamente naquela época e ali, décadas antes dessa visão se tornar
tão onipresente a ponto de nem merecer comentários. Era simplesmente o
item 32 da “Reunião de Produção nº 6” de 2001: Uma odisseia no espaço, e
foi articulada numa linguagem cinematográfica seca e sem cerimônia, para
que a equipe de efeitos especiais pudesse produzir o efeito sem
ambiguidade ou confusão para a “Cena C8: Centrífuga”.

***

Enquanto eles continuavam revendo suas ideias, uma a uma, as seis


histórias que Kubrick tinha adquirido em 1964 foram sendo descartadas,
restando apenas “A Sentinela” como cerne da narrativa — uma semente que
se transformaria numa árvore, como definiu Clarke. “Encontro no
amanhecer”, a história de uma expedição de pesquisa alienígena explorando
a Terra pré-histórica, não fazia parte da lista, embora tenha servido como
modelo para Aurora do Homem, o prólogo do filme. Em algum momento
daquele verão, Clarke percebeu que Kubrick ainda lhe devia os direitos de
alguns de seus melhores trabalhos e disse que queria de volta suas cinco
histórias não utilizadas.
Clarke não estava preparado para a resposta. Em seu rascunho de “Son
of Dr. Strangelove”, Clarke tentou contar a história de forma incisiva,
escrevendo: “Mais tarde, tive a experiência engraçada de comprar minhas
histórias não usadas de Stanley (um homem de negócios muito esperto) a
um preço muito mais alto do que o pago pelo meu editor”. Isso acionou
uma resposta enfática de Kubrick, que rabiscou a frase com traços fortes a
caneta. “Isso faz parecer que eu enganei você”, anotou na margem. “Você
pagou menos que eu paguei por elas.”
No outono de 1964, o autor finalmente teve permissão de Kubrick para
entrar em contato com seu velho amigo Roger Caras. “Eu disse: ‘Seu
safado, você está aqui há seis meses e não me ligou’”, lembra-se Caras mais
de três décadas depois. Na verdade, ele não se sentiu ofendido nem surpreso
com a moratória de Kubrick. “Isso é típico de Stanley”, observou. “Quando
Stanley quer trabalhar intensamente em alguma coisa, fica longe de mim.
Ele se isola do mundo.” Quando convidado a voltar ao convívio, Caras
começou a se encontrar com Clarke e Kubrick numa série de almoços e
jantares, e logo foi atualizado a respeito do estágio da produção.
Caras já estava na Columbia Pictures havia dez anos e agora ocupava o
cargo de diretor de promoção de merchandising para os Estados Unidos e o
Canadá — uma posição importante, com 36 funcionários trabalhando para
ele. “Então, às onze e meia de uma noite de domingo, o telefone tocou”,
explicou. “E era Stanley. Ele disse: ‘O que você vai fazer amanhã?’. Eu
respondi: ‘Vou trabalhar, Stanley, como qualquer outro preguiçoso da
indústria cinematográfica. Eu vou trabalhar. É o que eu faço’. Stanley disse:
‘Ora, peça demissão. Peça demissão e venha trabalhar comigo e com
Arthur. Nós vamos para a Inglaterra fazer um filme. Vai se chamar 2001:
Uma odisseia no espaço, mas esse é um título provisório […] vamos nos
divertir muito juntos’.”
“Aí eu respondi: ‘E o que eu ganho com isso, Stanley? Tenho mulher e
dois filhos’. Ele falou: ‘É óbvio, todas as despesas pagas e tudo mais, da
mudança e de tudo’. Eu me esqueci de quanto era o salário, mas era melhor
do que o que eu ganhava na Columbia. Em Londres isso era necessário. ‘E
você pode ser vice-presidente das minhas duas empresas.’ E realmente era
um bom salário. Então eu olhei para Jill, minha mulher, que estava ao meu
lado no sofá, e perguntei: ‘Você quer morar na Inglaterra?’. Eu nunca vou
esquecer: ela respondeu sem pestanejar: ‘Claro’.”
O contrato de Kubrick com a MGM conferia ao diretor algum poder sobre
a promoção do filme. Além de assumir o comando da publicidade de 2001
na Polaris e na Hawk Films, a empresa de Kubrick no Reino Unido, Caras
ficaria encarregado de um amplo espectro de empresas dos EUA. Durante a
primeira fase da produção, corporações pioneiras apoiaram a apresentação
de seus produtos no filme, numa época em que essas coisas não eram
corriqueiras como são hoje em dia.
No final de junho, a equipe de produção de Kubrick estava empacotando
e despachando materiais freneticamente, preparando a mudança para os
estúdios da MGM em Borehamwood, no norte de Londres. Ordway e Lange
já tinham concordado em prolongar seus contratos de consultoria e também
em se mudar para a Inglaterra. Só a família de Kubrick usou 48 baús — e
isso não incluía a grande biblioteca que ocupava meia dúzia de estantes do
piso ao teto do escritório da Polaris em Central Park West. Havia muitos
livros que Kubrick considerava preciosos, inclusive alguns que tinha desde
a infância. Agora oficialmente RP de Kubrick, Caras ficou um dia inteiro
ajudando o diretor a decidir o que enviaria via frete transatlântico e do que
deveria se livrar.
“As pessoas que lidavam com Stanley mas não o conheciam não o viam
como o alienígena que ele era”, recordou Caras no final de 1999. “Ele não
era como nós. Por mais simpático que fosse — e Deus sabe como ele era
simpático —, ele simplesmente vivia num plano diferente, com suas
próprias regras.”

Stanley podia ser infinitamente solidário e infinitamente indiferente. Eu


me lembro de ter lhe dado, quando nos conhecemos, um exemplar do
meu primeiro livro, no qual, como tendem a fazer os jovens escritores,
escrevi uma dedicatória em termos floreados.3 Depois ele estava
desmontando o apartamento em Central Park West. E eu estava lá e
estávamos decidindo o que ia para onde, quem ficaria com o que e assim
por diante. E ele foi até a biblioteca — que era enorme, 1 bilhão de
livros —, começou a pegar e empilhar livros de um lado para embalar e
levar com ele e outros que ele ia simplesmente jogar fora. Tirou meu
primeiro livro da prateleira, olhou para ele, folheou algumas páginas e
disse: “Você se incomoda?”. E jogou no lixo! E eu falei: “Não, não me
incomodo”. O que era uma mentira deslavada. Fiquei profundamente
ofendido. Ele fazia coisas assim. Mas se sentiria horrorizado se depois
ficasse sabendo que tinha magoado alguém. Você o deixaria desesperado
se dissesse: “Você realmente magoou essa pessoa”. Isso seria muito
cruel. Nossa, ele ia querer se jogar de uma ponte, não suportaria essa
ideia. Mas ele magoava as pessoas, sim, magoava.

Em meados de julho de 1965, Clarke foi ao Ceilão pela primeira vez em


mais de um ano, para um descanso mais que merecido. Pouco depois,
Kubrick e sua família subiam a bordo de um transatlântico com destino a
Southampton.
Mais ou menos um mês depois, veio a confirmação de que todos os
preciosos livros de Kubrick tinham se perdido no translado.

1. Por exemplo, ele quis acrescentar “certificado” antes da expressão “teste de audiência”. [ «« ]
2. Em tradução livre: “Se ligue, fique antenado e caia fora do sistema”. [N. T.] [ «« ]
3. Antarctica: Land of Frozen Time (Chilton Books, 1962). Depois de 2001, Caras se tornou
preservacionista da vida selvagem e personalidade da TV, e acabaria escrevendo setenta livros,
principalmente sobre animais e questões ecológicas. [ «« ]
Capítulo 5

Borehamwood
VERÃO – INVERNO DE 1965

Pode ser que nosso papel neste planeta não seja venerar Deus, mas sim criá-lo.
Arthur C. Clarke

Tony Frewin estava contrariado. “Eu não quero me envolver na indústria


cinematográfica”, repetiu muitas vezes diante de seu café da manhã naquele
dia. Ele adorava o pai, é claro, mas, como a maioria dos adolescentes,
também o considerava exasperante. O velho vinha arengando sobre o
mesmo assunto havia semanas, insistindo para que fosse a uma entrevista
com um chefão ianque dos estúdios da MGM de Borehamwood — Boreham
Wood, na verdade; as fraudes no conselho local fundiram os dois nomes
numa espécie de trapaça ridícula para mudar a marca. E por mais que
dissesse que não dava um tostão por filmes ingleses, ou americanos, e que
só se interessava por filmes europeus — você sabe, a Nouvelle Vague, pelo
amor de Deus, ou Bergman —, Eddie Frewin não aceitava um “não” como
resposta. Continuava insistindo para que Tony tentasse, que não podia mais
ficar o tempo todo entrando em cana com dezessete anos de idade — três
noites atrás das grades da última vez, por causa de umas míseras libras.
Papai não tinha gostado nada daquilo, e que se dane o desarmamento
nuclear. Olha, disse Eddie, Tony precisava fazer alguma coisa útil, e
também ganhar alguma graninha, e enfim aquele americano — que atendia
pelo nome de Stanley Kubrick — tinha acabado de fazer um filme que todo
mundo achava brilhante. Chamava-se Dr. Fantástico. Você não assistiu? Foi
filmado em Shepperton.
Aquilo chamou a atenção de Tony. Era o primeiro filme de um diretor
americano a que seus amigos tinham ido assistir. Aliás, a Campanha pelo
Desarmamento Nuclear no Reino Unido estava praticamente acabada, de
costa a costa, e agora todos estavam decididos a lutar contra a insanidade
epidêmica que se resumia no acrônimo MAD — Destruição Mútua
Assegurada, bem apropriado.
Na verdade, Dr. Fantástico tinha feito mais do que isso. Chegou a abalar
a imagem que Tony tinha dos Estados Unidos. Todo mundo sabia que o país
era insípido, estúpido, idiota e complacente. Então, como pôde ter
produzido um filme como esse?
“Tudo bem”, pensou Tony. “O único jeito de fazer meu pai sair do meu
pé é ir a essa entrevista.” Eddie comprou um par de sapatos novos para
Tony e o levou de carro até o estúdio — foi o que ele fez: levou o filho para
a MGM num automóvel da MGM; Eddie era um dos motoristas do estúdio —
e saiu à procura de Kubrick. Deixou o filho ali, um garoto de dezessete
anos, num domingo de setembro, em uma sala no Bloco 53 que conseguia
ser ao mesmo tempo entulhada por causa do teto baixo, e ampla o suficiente
para conter uma grande mesa de reuniões forrada de feltro verde no centro
— lembrando vagamente uma mesa de carteado ou de jogo capcioso.
Também era grande o suficiente para conter uns duzentos livros, incluindo
grandes livros de arte em cores. Tony já tinha pegado alguns das prateleiras
que forravam as paredes, já que ninguém aparecera para fazer a entrevista.
Na verdade, ninguém a não ser um funcionário da equipe de limpeza de fim
de semana, um sujeito de estatura mediana e cabelo escuro na casa dos
trinta anos, vestido com uma calça azul, camisa de colarinho aberto e um
paletó amassado com sinais evidentes de manchas de comida e marcas de
cinza de cigarro. Entrou, sorriu mais ou menos na direção de Tony e saiu,
deixando Frewin ali, calado e absorto nos livros.
E que livros! Pareciam abranger todos os assuntos — ainda que,
pensando bem, começava a perceber um padrão. Havia surrealismo,
futurismo, cosmologia e OVNIs. Um exemplar bastante folheado de um Guia
de Líderes de Soldados do Departamento de Defesa dos EUA. Dezenas de
romances de ficção científica. E pilhas de revistas sobre todos os temas
possíveis, de física nuclear a ciência de computadores e psicologia. “Não
me incomodaria em trabalhar aqui só para ter esses livros à mão”, pensou
Frewin, virando as páginas de um estudo de Patrick Waldberg sobre Max
Ernst.
O faxineiro entrou de novo e Tony pensou: Será que esse faxineiro não
devia ir limpar outro lugar? “Escuta, desculpe, você é o filho do Eddie?”,
ele perguntou.
“Sou”, respondeu Tony, assustado.
“Eu sou Stanley. Stanley Kubrick.”
Chamado à ação, Tony levantou e os dois se deram as mãos. “Puxa, você
tem uma coleção de livros maravilhosa”, comentou, reunindo coragem.
“Por que tantos livros sobre surrealismo, dadaísmo?”
“Bem, um dos problemas desse filme é arranjar paisagens extraterrestres
convincentes”, respondeu Kubrick, sentando-se. “Quanto a Max Ernst, tem
um monte de ideias aí. Pode sugerir alguma coisa. Por exemplo, você
conhece Europa depois da chuva?”
“Conheço”, respondeu Tony, voltando a sentar, “é um quadro
deslumbrante”. E bem extraterrestre, se pensar bem. “Eu sempre me
interessei por esse tipo de coisa”, continuou Tony, tentando se comportar
como uma pessoa mais velha.
“É mesmo?”, disse Kubrick, tirando um caderninho de notas e uma
caneta do bolso do paletó. “Sabe de mais algum pintor que eu deveria estar
pesquisando?”, escrutinou Frewin com curiosidade.
Ninguém nunca tinha pedido a opinião de Tony sobre qualquer coisa.
“Bem, sim”, respondeu. Além de Ernst, o diretor poderia dar uma olhada
nos trabalhos de Giorgio de Chirico e de Jean Arp. E deu outros nomes.
Tony tivera contato com o surrealismo quatro anos antes, ao ler o ensaio
“Benefit of Clergy: Some Notes on Salvador Dali”, de George Orwell. Tony
era de uma família da classe trabalhadora, mas era antenado e vinha lendo
bastante.
Kubrick anotou os nomes. Explicou que o filme que estava fazendo era
sobre a descoberta de vida alienígena inteligente. Perguntou se Tony tinha
lido ficção científica. “Sim, eu li alguns romances”, respondeu. Kubrick
disse que também tinha lido, que consumia montes de revistas pulp quando
garoto, e que sempre achou as ideias maravilhosas, mas as caracterizações
quase sempre eram superficiais. “A maior parte das pessoas é tratada como
robôs”, observou. Quanto aos filmes, “o cinema decepcionou a ficção
científica”. A maioria dos filmes de ficção científica, continuou, eram de
uma superficialidade e de uma falsidade constrangedoras, mesmo se
levássemos em conta que muitas técnicas de efeitos especiais ainda não
estivessem disponíveis.
Quanto aos extraterrestres, ele achava que deveriam estar por aí em
algum lugar. O problema, disse Kubrick, eram as imensas distâncias entre
as estrelas. Tão grandes que civilizações inteiras poderiam surgir e
desaparecer ao longo de milhões de anos sem que outras civilizações
soubessem de sua existência.
E a conversa seguiu por esse caminho por um bom tempo, cobrindo
evolução, as origens da consciência, o futuro da civilização humana e
outros temas do gênero. Duas horas se passaram rapidamente, mas parecia
que Kubrick não tinha nada melhor a fazer. Na verdade, ele parecia estar
gostando da conversa.
Ninguém nunca tinha falado com Tony como um ser humano de fato —
muito menos o levado a reflexões como aquelas. Aliás, pensou Tony, ele
sempre fora tratado como lixo por idiotas, desde que tinha abandonado a
escola. Aquilo era bem diferente.
Finalmente, Kubrick se levantou. “Eu estou precisando de um contínuo”,
falou.
“Quando você quer que eu comece?”, perguntou Frewin.
“Que tal amanhã de manhã às sete?”
“Negócio fechado.”
[45] Tony Frewin. Fotografado por Stanley Kubrick.

E Tony nunca mais voltou ao seu emprego temporário de secretário e


arquivista no sindicato dos padeiros da Guilford Street.

***

Os estúdios britânicos da MGM em Borehamwood, a vinte quilômetros da


estação de Charing Cross, eram as instalações cinematográficas mais
modernas da Inglaterra. Às vezes eram chamados Elstree, por ser este o
nome da paróquia civil em que se localizavam, e espalhavam-se por 46
hectares, que os tornavam o maior complexo de estúdios do Reino Unido. O
complexo contava com dez estúdios de som de diversos tamanhos, duas
salas de dublagem, cinco salas de exibição, 22 salas de edição e instalações
para processamento de filmes de qualquer bitola entre 16 e 65 milímetros.
O complexo ficava no meio de uma área verde, às vezes pontilhada por
floquinhos brancos e felpudos, como se fossem pintados por um pincel de
ponta fina mergulhado em branco-titânio. Ovelhas.
Geralmente chamado somente de “MGM” por seus ocupantes, o grande
terreno do fundo do estúdio era repleto de pedaços de cenários
representando aldeias rurais asiáticas e mediterrâneas, além da fuselagem
completa de um Boeing 707 com cabine de comando, um Spitfire da época
da Batalha da Inglaterra que parecia em pleno voo, apesar de estar em
repouso, e uma bomba voadora tipo torpedo japonês camicase. O cenário de
Os doze condenados foi construído na primavera de 1966, e tinha como
elemento principal um grande castelo francês rosado que ocupava uma
quadra afastada do complexo e costumava pegar fogo e explodir durante as
noites, sem efeitos danosos discerníveis ou visíveis no dia seguinte. Outra
área era definida por um tanque de água de quatrocentos metros quadrados
equipado com máquinas de produzir ondas e vento e uma tela enorme para
representar qualquer tipo de céu náutico necessário, do azul dos trópicos ao
cinza-chumbo.
No entanto, visto pelo portão da frente, tudo parecia inócuo e insípido —
uma espécie de grande parque industrial de colarinho branco, bem decorado
em estilo inglês, com folhagens e arbustos de rosas brancas e um grande
pátio de estacionamento. Seu aspecto mais marcante era o edifício central
da administração, de dois andares, construído em estilo art déco e com uma
torre na praça central com o dobro da altura. Logo acima do mostrador do
relógio estavam escritas três palavras: Metro, Goldwyn e Meyer.
A 8.800 quilômetros de Hollywood, não era suficientemente distante
para Kubrick. Mas teria que servir.
É difícil exagerar o espaço que 2001: Uma odisseia no espaço ocuparia
nos estúdios da MGM no Reino Unido durante os dois anos e meio seguintes.
Dos dez estúdios de som do complexo, nove seriam usados pela produção,
com diversas reservas concomitantes. Apesar de a instalação produzir entre
dez e doze filmes por ano, eles só chegariam a menos da metade desse
número durante a produção de Kubrick. Além disso, O’Brien, o diretor da
MGM, tinha concordado que os custos consideravelmente altos do complexo
não entrariam no orçamento do filme. Uma jogada arriscada,
principalmente porque Borehamwood já era em si um alto custo financeiro.

***

Bloco 53, MGM de Borehamwood. Exterior. Final do verão, 1965.


O QG da Hawk Films, uma estrutura pré-fabricada térrea e de telhado
plano com doze janelas distribuídas igualmente à direita do centro
administrativo da MGM, ficava bem em frente a duas gigantescas caixas de
sapato de tijolos vermelhos que abrigavam os Palcos 6 e 7. Sinal
inconfundível de que o mestre estava por lá, a nova e cintilante Mercedes
220 de Stanley Kubrick encontrava-se estacionada logo atrás de seu
escritório na parte oeste, em frente à entrada do Teatro 3 — uma sala de
projeção bem localizada, onde as cenas do dia anterior eram analisadas pelo
diretor todas as manhãs com a mesma atenção que um neurocirurgião se
concentra em sua próxima incisão.
Apesar de toda a sua capacidade, a MGM não dispunha do maior palco do
país. Este era o Palco H de Shepperton, outro grande complexo de estúdios
britânico ao sul do aeroporto de Heathrow. Com uma área de 76 por 37
metros, o Palco H tinha 2.800 metros quadrados e fora reservado pelo
produtor associado Victor Lyndon para ser utilizado de dezembro até início
de janeiro. Era o local onde o imenso cenário TMA-1 de 2001 seria
construído — para a Anomalia Magnética de Tycho, um artefato alienígena
cujo tamanho, formato, textura e material utilizado eram nesse momento
tema de uma intensa discussão no escritório de Kubrick.
O diretor queria o objeto alienígena feito de um material absolutamente
translúcido, um tetraedro transparente que se materializaria na África —
porque os planos do homem-macaco ainda seriam filmados — e que seria
escavado na Lua 4 milhões de anos mais tarde, o que significava final de
dezembro em Shepperton. Vamos fazer de acrílico — ou plexiglas, ou
perspex, como os ingleses costumam usar. Masters, procure os melhores
caras de Londres que trabalham com acrílico, procure que você vai achar. E
Masters disse que tudo bem, se essa era a decisão, ele sairia à procura agora
mesmo.
Por coincidência, foi realizada uma feira de comércio de acrílico em
Londres naquele início de outono. Todos os melhores fabricantes estavam
ali para a avaliação de Masters — por mais ou menos uma hora. Por fim,
ele se aproximou de um homem ao lado de objetos de acrílico dos mais
impressionantes tamanhos e formatos. “Eu gostaria que você fizesse uma
peça grande de acrílico para mim”, falou.
“Ah, sim, claro”, respondeu o homem. “De que tamanho você quer a
peça?”
“Quero uma espécie de pirâmide feita de acrílico”, explicou Masters.
“Ah, sim, ótimo”, concordou o homem.
“Tem que ter 3,70 metros de altura”, continuou Masters.
“Meu Deus”, replicou o homem, um tanto surpreso. “É uma peça
enorme. Posso perguntar o que pretende fazer com isso?”
“Pode. Vou colocar no alto de uma montanha na África”, respondeu
Masters.
“Ah, sim”, disse o homem do acrílico, observando Masters
discretamente para tentar adivinhar se alguma coisa em sua expressão
indicava que estava de brincadeira. “Quando a gente faz perguntas
cretinas…”, falou. Masters abriu um sorriso enigmático. Kubrick exigia
discrição absoluta, e o designer não era um boquirroto de nascença. “Qual é
o maior tamanho que você consegue fazer?”, indagou.
“Bem, eu nunca fiz nada desse tamanho… quer dizer, ninguém nunca
fez”, explicou o homem, franzindo o cenho pensativamente. “Mas
gostaríamos de fazer. Por vários motivos, o melhor seria fazer com as
proporções de um maço de cigarros, como uma grande laje.”
Com essa informação ainda soando no ouvido, Masters voltou tão
depressa quanto o trânsito permitiu ao Bloco 53, onde encontrou Kubrick
em sua mesa. “Bom, tudo certo”, disse ao diretor, que logo reavaliou sua
posição. “Vamos fazer nesse formato.” Depois de vários dias de novas
discussões a respeito da altura, das dimensões e das proporções do objeto,
Masters pegou a estrada mais uma vez.
“Vai demorar um bom tempo para preencher o molde e tudo o mais”,
disse o homem da feira. Mas ficou contente em rever Masters. “Depois vai
levar um mês para esfriar, pois precisa esfriar bem devagar para não
trincar.” Em seguida, teria de ser polido, explicou, também por um bom
tempo — no mínimo algumas semanas — para ficar perfeito.
Uma peça perfeita de acrílico, a maior já construída.
E eles levaram a peça para Kubrick. Porém, antes que ele a visse, ela foi
instalada no estúdio de som, os refletores foram ligados diretamente sobre a
peça e foi feito um polimento final. A aparência era magnífica, mas parecia
uma peça de acrílico. Masters e seu ajudante Ernie Archer foram informar
ao diretor que a peça havia chegado.
“Ah, certo, vamos dar uma olhada”, ele respondeu, levantando da mesa.
Acompanhou os dois pelos corredores de teto de vidro, subiu as escadas de
metal, passou pelas portas à prova de som e entrou na área do palco.
Três hominídeos se aproximaram do monólito cintilante e bem
iluminado. “Meu Deus”, disse Kubrick. “Dá para ver. É meio esverdeado.
Parece um pedaço de vidro.”
“Sim, sim”, disse Masters, “parece… parece um pedaço de… acrílico.”
“Meu Deus”, repetiu Kubrick. “Eu imaginei que seria totalmente
transparente.”
“Bem, tem quase sessenta centímetros de espessura”, explicou Masters,
franzindo ligeiramente a testa. Ficaram olhando para a laje cintilante,
refratária e reflexiva de polimetil-metacrilato — que pesava mais de duas
toneladas. Vários funcionários de macacão azul se postavam a certa
distância. Plexiglas. Baquelita. Acrílico. Perspex. Fosse qual fosse o termo
usado, não era o artefato alienígena mágico, supertransparente e quase
invisível da imaginação de Kubrick.
“Ah”, suspirou arrependido. “Pode arquivar.”
“Fazer o quê ?”, perguntou Masters, incrédulo.
“Pode arquivar”, repetiu Kubrick.
“Ah”, disse Masters. “Tudo bem.” Virou-se para os funcionários:
“Podem levar, rapazes”.
Quanto ao preço da peça, um dos jovens assistentes de Kubrick estimou
ter custado mais que uma casa de bom tamanho na Grande Londres.4
Masters e Archer acompanharam o diretor de volta ao escritório. “Eu não
acredito”, disse Kubrick, pesaroso. “Parece um pedaço de vidro.”
“É, receio que sim, nisso você tem razão”, concordou Masters, que tinha
a reputação de pensar depressa e vislumbrar soluções alternativas com
bastante rapidez. “Então vamos fazer um preto, pois assim não vamos saber
o que é.”
“Tudo bem, vamos fazer um preto”, concordou Kubrick.
O tamanho, o formato e a cor do monólito de 2001 acabavam de ser
estabelecidos.

***

Clarke ficou em sua casa em Colombo durante mais ou menos um mês, o


suficiente para cobrir os habituais cheques devolvidos, verificar se Mike
Wilson dispunha de recursos financeiros para começar a rodar seu próximo
filme — uma paródia de James Bond oficialmente intitulada Sorungeth
Soru, mas depois chamada simplesmente de Jamis Bandu, apresentando as
aventuras de um agente secreto cingalês de mesmo nome —, atualizar a
correspondência e pegar um VC-10 de volta a Londres.
Ao chegar a Elstree, em 20 de agosto, Clarke soube que Kubrick andava
preocupado. A espaçonave Mariner 4 da Nasa havia passado por Marte
algumas semanas antes de ele entrar em contato com a Lloyd de Londres
para fazer um seguro que o compensasse se seu enredo fosse invalidado
pela descoberta de vida extraterreste. “Não consigo imaginar como os
agentes de seguro calcularam o prêmio”, especulou Clarke, “mas a quantia
calculada era um tanto quanto astronômica e o projeto foi descartado.
Stanley resolveu se arriscar com o Universo.”
Adentrando 1966 já em plena produção, Kubrick e Clarke continuavam
emaranhados no desenvolvimento da história, que parecia infindável.
Apesar de seus grandes esforços, o final do filme era sempre considerado
insatisfatório. Em agosto, um “humanoide incrivelmente bonito e gracioso”
deveria se aproximar de Bowman, o único sobrevivente da tripulação, e
conduzi-lo à “escuridão infinita”. Como representar essa graça e beleza,
ainda não estava definido. De qualquer forma, não era somente inadequado.
Flertava com o risível. E Kubrick não fazia nada risível.
No começo do ano os dois decidiram que o astronauta Frank Poole,
parceiro de Bowman, precisaria morrer em um acidente. Isso daria um
tempero na viagem a Júpiter, mas a natureza exata do acidente estava em
debate, e mesmo a finalidade de sua morte ainda era algo em aberto; uma
das anotações do diário de Clarke dizia que ele estava “lutando muito para
impedir Stan de fazer o dr. Poole voltar dos mortos. Temo que sua obsessão
pela imortalidade tenha superado seus instintos artísticos”.5 Em maio,
Clarke elaborou uma cena em que a cápsula espacial de Poole colidia com a
antena da Discovery, cortando as comunicações com a Terra e fazendo a
antena e Poole saírem girando pelo espaço, como dois pássaros com uma
estilingada só. Mas não estava claro o que teria causado o acidente. O
computador da espaçonave, então chamado Athena — em referência à
deusa que muitas vezes ajudou Odisseu a escapar por um triz — ainda não
estava totalmente desenvolvido como personagem.
Logo depois de Clarke ter voltado do Ceilão, Kubrick disse que havia
elaborado uma reviravolta na trama, em que Poole e Bowman, os únicos
astronautas na viagem a Júpiter que não se encontravam em animação
suspensa, tinham sido mantidos no escuro quanto ao verdadeiro propósito
de sua missão. Segundo essa nova ideia, somente as “belas adormecidas”
fechadas nos hibernáculos em forma de sarcófago da Discovery sabiam que
estavam buscando contato com uma vida extraterrestre inteligente — e só
deveriam ser despertadas na chegada a Júpiter.
Embora não tenha gostado muito da nova ideia de Kubrick, Clarke
também não estava satisfeito por não conseguir bolar um final que
agradasse aos dois. No dia 24 ele redigiu um memorando de duas páginas e
nove pontos. “Encontrei um furo que me deixou preocupado”, escreveu a
Kubrick. “É simplesmente ofensivo imaginar que homens desse calibre não
se sintam capazes de guardar um segredo que centenas de outros conhecem.
Também introduz um risco desnecessário.” Kubrick escreveu em resposta:
“Você pode construir uma razão lógica para isso se tentar”. Clarke: “Esse
elemento de suspense é muito artificial e improvável”. Kubrick: “Não
concordo. Só se você não conseguir fazer funcionar”.
Ele não queria ceder um centímetro.
Um dia depois, Clarke concebeu um novo final para o filme numa
segunda mensagem, escrita da casa de seu irmão na Nightingale Road.
É inacreditável quanto tempo se demora para enxergar o óbvio. A
fragilidade do nosso final era o de nunca explicarmos o que acontecia
com Bowman, deixando isso inteiramente para a imaginação. Bem, nós
não podemos explicar — mas podemos simbolizar o fato perfeitamente
de forma a apertar todos os botões subconscientes e até freudianos […].
Lembra-se da pequena e linda espaçonave que Bowman vê na
aterrissagem? Nós só a utilizamos para mostrar o contraste com a
tecnologia primitiva da Terra. Bem, depois de seu processo no quarto do
hotel, Bowman será um mestre das novas ciências. A narração nos diz
isso — os efeitos visuais nos preparam emocionalmente —, mas só
vamos acreditar quando o quarto desaparecer e ele estiver sozinho com
a nave da super-raça — e sua cápsula espacial Modelo T. A nave é a
nova ferramenta do homem — equivalente às armas de Moonwatcher.
Simboliza todos os novos conhecimentos das estrelas. Bowman olha por
cima do ombro para a cápsula — e anda em direção a ela. Como se o
recepcionasse, a nave se ergue alguns centímetros do chão quando ele se
aproxima. De perto, a textura do casco deve ser linda (macia? quente?).
Pensativo, Bowman para ao seu lado, alisando-a distraidamente, quase
com volúpia. (Apelo de belos carros esportivos, câmeras.) “Agora ele
era o senhor do mundo etc.” THE END.

Seria “um tremendo impacto”, concluiu, “e tenho certeza de que resolve


todos os nossos problemas”.
Não sabemos o que Kubrick pensou da espaçonave freudiana macia e
quente que se ergue “alguns centímetros” na expectativa de ser alisada, mas
sua resposta concisa só aumentou o abismo que surgia entre suas duas
abordagens: “Prefiro apresentar um resultado não específico para o filme.
Talvez isso possa funcionar em um livro, mas não em um filme”.
Kubrick não fazia nada risível.6

***
Enquanto isso, os cenários eram montados em um ritmo vertiginoso.
Masters e Archer combinaram com o diretor de arte John Hoesli que Dick
Frift, um dos melhores mestres de obras da Inglaterra, construiria o interior
da espaçonave com uma complexidade sem precedentes, e o processo já
começava a ocupar os Palcos 2, 3 e 6. Entrementes, o piso do Palco 4 era
desfeito e reforçado para aguentar o peso da imensa centrífuga, então sendo
preparada pela empresa de aviação Vickers-Armstrong, do Reino Unido —
construtora do famoso Spitfire da RAF, que tinha um representante
estacionado no fundo do estúdio, esperando o retorno da Luftwaffe.
A essa altura, a equipe reunida em Nova York trabalhava em harmonia
impecável e também colaborava com Caras, que continuava em Manhattan
naquele período, onde podia interagir mais facilmente com grandes
corporações americanas e obter informações sobre conceitos e projetos
tecnológicos antes do início das filmagens. Só então se mudaria para
Londres. A equipe de quarenta arquitetos, decoradores de cenários,
construtores de modelos e de acessórios de Masters espalhava-se numa
série de oficinas. Juntos, eles projetaram, construíram, mobiliaram e
concluíram uma visão unificada do futuro.
Um dos segredos da mise-en-scène incrivelmente realista, em sua
“aparência” geral, foi essa coordenação entre indústrias produtoras de
tecnologia — que incluía designers industriais de primeira linha como Eliot
Noyes, o arquiteto da identidade visual corporativa integrada da IBM e
também de sua inovadora máquina de escrever Selectric — e a liderança
tríplice do design de produção, com Ordway garantindo uma absoluta
plausibilidade tecnológica baseada em pesquisas e desenvolvimentos
corporativos e governamentais, e Lange combinando tudo com seu vasto
conhecimento de tecnologias espaciais a fim de policiar a aparência dos
cenários e modelos e revestir de estilo todo o conceito visual. “Lange deu
autenticidade para aquilo”, disse Masters.
Se houve uma divisão de autoria nesse projeto tão colaborativo, foi
Masters quem elaborou conceitos cinéticos como os cenários rotativos e
desenhou os interiores e os acessórios, e foi Lange quem fez os exteriores
dos veículos e das estações espaciais, bem como os extraordinários trajes
espaciais do filme. Na verdade, todo mundo trabalhava em tudo junto, com
muita polinização cruzada durante reuniões e discussões. Wally Veevers, o
pioneiro em efeitos especiais, responsável pelas miniaturas de Dr.
Fantástico, supervisionava a produção dos modelos, entre outras coisas. “O
mais estranho foi que todos trabalhamos juntos por tanto tempo que
começamos a fazer projetos da mesma maneira”, lembrou Masters em
1977. “Assim como a era georgiana ou vitoriana são um período, nós
desenhamos 2001 como um período. Criamos um modo de vida, com
detalhes que iam até os garfos e facas. Se tivéssemos de criar uma porta,
fazíamos isso com o nosso estilo.”
Além disso, Masters e Kubrick não se eximiram de usar bons trabalhos
de designers de fora, que só precisavam estar de acordo com a visão que
tinham do como seria o início do século XXI. Isso incluiu dezenas de
poltronas Djinn, curvilíneas e futurísticas, criadas por Olivier Mourgue em
1963, que coloriram o interior monocromático da Estação Espacial Cinco, e
diversos exemplos da “Mesa Tulipa” de Eero Saarinen, de 1957. Cadeiras
reclináveis de cromo e couro de Geoffrey Harcourt também foram usadas
para mobiliar a sala de reuniões da Base de Clavius.
O que complicava tudo era a história, que não parava de mudar. Apesar
da natureza apoteótica do empreendimento — os cenários complexos e
gigantescos, o grande orçamento, o risco que a MGM estava assumindo, o
fato de todo um complexo de estúdios com milhares de funcionários ser
quase inteiramente dedicado à realização de sua concepção —, Kubrick
estava improvisando. Todo o projeto estava na cabeça dele. Numa cabeça
normal, isso seria a receita para um desastre. Mas o que começava a surgir
da cabeça de Kubrick era de fato uma forma de refinamento. Apesar de
todo o caos aparente, o refugo era removido metodicamente, enquanto as
mensagens iam se tornando mais apuradas.
“Não estávamos trabalhando com um cronograma específico, nem
mesmo com um roteiro específico”, explicou Masters. “Nós tínhamos uma
ideia básica — que era, claro, a história de Arthur C. Clarke —, mas nunca
tivemos um roteiro completo. Trabalhamos no filme mudando de ideia
todos os dias sobre o que seria feito no dia seguinte.”
Nós nos reuníamos com Stanley à noite e falávamos sobre o que seria
feito no dia seguinte — como resultado, a coisa toda mudava. O
departamento de produção quase se suicidou. Porque diariamente, quase
tudo que tinha sido planejado era jogado pela janela — nós acabávamos
fazendo algo completamente diferente. E era assim que trabalhávamos,
dia após dia. Tendo superado aquele problema específico, a gente dizia:
“Bem, o que vamos fazer amanhã?”, mas quando chegávamos nesse
ponto, Stanley dizia: “Ora, ora, para o inferno com isso, vamos fazer
alguma coisa realmente interessante”. E a partir disso — de falar, falar e
falar — surgiu algo muito melhor do que o que imaginávamos estar
fazendo.

Para aumentar a confusão, apesar de ser um grande pensador visual,


Kubrick era praticamente incapaz de visualizar conceitos visuais quando
descritos verbalmente. Também não sabia exatamente do que gostava até
ver algo de perto, e por isso precisava ter diversas opções. Essa
característica às vezes atrasava e confundia muitas ideias concebidas pelo
departamento de design.
A maioria dos cenários mostrava explicitamente veículos em ambientes
sem gravidade, e, havendo tantas cenas concentradas na centrífuga giratória
responsável pela gravidade artificial na extremidade esférica frontal da
Discovery, muitos dos cenários precisavam girar com uma suavidade
impecável. Masters criou um projeto que permitia o movimento dos
astronautas entre o compartimento sem gravidade até a centrífuga da
espaçonave. Na tomada final, eles passavam por um corredor, no fim do
qual havia uma parede rotativa com uma escada. Ao chegar lá eles faziam
uma transição perfeita para o elemento rotativo — e, do ponto de vista da
plateia, começavam a girar 360° como num passe de mágica ao saírem da
estrutura, “descendo” para a centrífuga.
Porém, para conseguir essa ilusão visual, todo o corredor, as paredes
rotativas e a escada tiveram de ser montadas em estruturas externas de
forma que todas girassem suavemente em suportes equipados com polias.
“Para captar isso, nós tínhamos uma câmera no final do corredor, atarraxada
ao deque”, recorda Masters. “Os homens se afastavam de nós na direção do
cenário rotativo, e assim que pisavam no tambor nós parávamos e
começávamos a girar o corredor.”

Mas como as câmeras se movimentavam ao mesmo tempo, não era


possível ver nenhuma mudança. Na tela, parecia que a extremidade
estava se movendo o tempo todo e que os homens giravam ao redor […],
e que só passavam por um buraco no fundo da coisa. Então eram duas
rodas girando — uma que girava na extremidade, e quando essa parava,
a outra precisava começar a girar. E a mecânica para funcionar no
momento certo era composta de duas alavancas, e quando [eles]
entravam, a gente tinha que fazer um esforço enorme com aquelas duas
coisas grandes — eram cenários imensos e maciços girando e fazendo
barulho — mas que realmente funcionaram bem.

Apesar de toda a lendária acuidade do diretor, quando tudo isso foi


explicado a Kubrick ele não entendeu, e Masters teve de fazer uma
maratona numa sessão noturna no outono de 1965, desenhando o
mecanismo num quadro-negro que o diretor mantinha em seu escritório,
numa tentativa cada vez mais desesperada de transmitir a essência dos dois
elementos. Finalmente, por volta de uma hora da madrugada, Kubrick
falou: “Acho que estou vendo! Acho que sei o que está dizendo”.
“A essa altura eu já estava transpirando”, recorda-se o designer. “Graças
a Deus eu tinha ganhado aquela. Mas, puxa, foi difícil.”
No fim, Kubrick adorou a tomada que, apesar de toda a complexidade,
desdobra-se com uma simplicidade aparentemente fácil e antigravitacional.

***

A transição de Harry Lange entre uma vida na Alemanha e uma vida na


Inglaterra teve um interlúdio de duas décadas trabalhando com Von Braun
no Sul profundo dos Estados Unidos e não aconteceu sem alguns
solavancos. Nada que ele havia visto no Alabama chegou a perturbar muito
certas atitudes que absorvera na pátria mãe, e apesar de ser unanimemente
querido por todos os que trabalhavam diretamente com ele, isso não incluía
a maior parte do corpo de funcionários da MGM, que ainda se lembrava dos
ataques da Luftwaffe às principais cidades inglesas. O que eles viam era um
alemão que aparecia para trabalhar de paletó de caça Janker quase militar,
com detalhes de chifres de veado na lapela — o vestuário estilo Tracht
associado ao local de nascimento de Hitler, à Áustria e à Bavária. Como se
quisesse acentuar propositadamente esse efeito, Lange — um homem de
posses depois de seu casamento com Daisy, uma herdeira de Huntsville —
começou a praticar equitação assim que chegou. Em consequência, usava
também botas de montaria que, sem o vestuário Janker, se associavam mais
ao traje padrão britânico para caça a raposas do que a um calçado prussiano.
No conjunto, porém, a maneira como se vestia ostentava certas conotações
infelizes.

[46] Harry Lange em seu estúdio em Borehamwood.


© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)
O quanto disso era consciente por parte dele estava aberto a discussões.
Christopher Frayling, autor de uma interessante monografia sobre Lange,
acredita que o designer podia “estar fazendo uma piada com aquilo […]
talvez sutilmente tentando ‘afastar o fantasma’ […] ao deixar claro o
choque cultural”. Se for isso, o designer esqueceu toda a sutileza quando,
um dia, levou ao escritório um modelo em escala de um foguete V-2 e o
colocou sobre a mesa, onde passou a conviver de maneira perturbadora com
uma bandeira confederada estendida na parede. A “arma da vingança” de
Von Braun tinha matado mais de 2 mil pessoas em Londres durante os
últimos meses da guerra, e os rumores sobre a provocação de Lange se
disseminaram rapidamente, provocando um boicote da equipe de design
britânica. Mas uma rápida intervenção de Kubrick fez com que o modelo e
a bandeira desaparecessem, e aos poucos os designers da MGM voltaram às
suas mesas, ainda resmungando e emburrados.

[47] Projeto do capacete espacial de Lange.


© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

Independentemente de suas tendências políticas, uma coisa que não se


podia tirar de Lange era o mérito pelos trajes espaciais impressionantes que
ele finalizou naquele outono, bem a tempo de serem produzidos por uma
empresa de Manchester, apropriadamente chamada Frankenstein & Sons.
Mas o que ele entregou à Frankenstein ainda exigia certos acessórios, com
detalhes necessários para ganhar vida — por exemplo, o acréscimo de
mochilas, controles de manobras frontais, painéis com botões nos braços e,
claro, os capacetes — que foram produzidos em Borehamwood e pela AGM,
a empresa de Londres também encarregada da fabricação dos Daleks — os
ciborgues alienígenas de formato cilíndrico de Doctor Who, a série de TV
cult da BBC.
Os trajes de Lange vinham em dois modelos. Os prateados, as versões
lunares, eram ligeiramente diferentes dos trajes multicoloridos da Discovery
para atividades extraveiculares no espaço profundo. Estes últimos tinham
grandes mangueiras de ar prateadas em volta, não muito diferentes de tubos
reguladores de mergulho, que saíam das mochilas e chegavam à base dos
capacetes — um defeito de projeto cuidadosamente acrescentado no último
minuto quando Kubrick e Clarke refinaram a natureza do trágico acidente
do astronauta Frank Poole.
Lange passaria o resto da vida trabalhando como designer
cinematográfico no Reino Unido, e talvez sejam os extraordinários
capacetes espaciais de 2001 que melhor simbolizem sua transição de um
austríaco da Bavária para se tornar um ponto de referência mais britânico.
Depois de inúmeros desenhos de formato arredondado — todos muito
parecidos com capacetes de motociclistas —, seu projeto final baseou-se
num formato oval rebaixado na frente, semelhante a um boné de caça
britânico, o quepe de equitação usado pelos homens.

***

Uma boa noção do emergente papel de Roger Caras como o assessor e


confidente mais confiável de Kubrick — uma espécie de contraparte de
Louis Blau, seu homem de confiança em Los Angeles, só que com
conhecimentos profissionais de RP — pode ser vista em um intercâmbio
revelador com a IBM, no final de julho, sobre como representar Athena, o
computador falante da Discovery. Kubrick queria ideias em relação aos
dispositivos de alimentação e obtenção de dados, e não estava preparado
para o que acabou recebendo da empresa. Na folha de rosto de um
documento do influente centro de pesquisa de projetos de Elliot Noyes —
que incluía desenhos de astronautas flutuando dentro de uma espécie de
“compartimento do cérebro” —, Caras escreveu: “Como você pode ver, eles
dizem que um computador com a complexidade exigida pela espaçonave
Discovery seria um computador no qual os homens entrassem, não um
computador em que os homens andassem em volta. É uma ideia
interessante, e se os planos para a Discovery acomodarem esse conceito,
talvez você queira considerar a ideia com muita atenção”.
O comunicado pegou Kubrick num estado de espírito derrotista que não
era característico seu. “Os desenhos de Athena da IBM são inúteis e
totalmente irrelevantes para as nossas necessidades, pelo que estou
presumindo das discussões de Fred com a IBM”, respondeu. “Estou
extremamente chateado e deprimido com tudo isso.” Prosseguiu fazendo
uma lista com aquilo em que a IBM deveria realmente ajudar — incluindo
“detalhados conceitos de projeto” (apesar de eles terem fornecido
exatamente isso). “Não há mais tempo a perder”, concluiu Kubrick. “Só o
fato de ter que escrever esta carta aumenta a aposta no que já me parece
uma jogada perdedora. Sei que isso não é culpa sua nem de Fred, e não
considerem isso uma crítica a vocês. É apenas um desastre total, que não só
nos impede de fazer o que se esperava como também leva tempo.” Assinou
em letras maiúsculas: “CHATEADO E DEPRIMIDO, MAS COM AMOR, S”.
Na verdade, a recomendação da IBM não poderia ter sido mais
importante, e acabaria resultando na construção do Compartimento do
Cérebro da Discovery — talvez o cenário da cena mais forte de 2001,
quando o astronauta Dave Bowman lobotomiza o computador da nave, já
com o nome de HAL. Mas, antes disso, Kubrick precisou se acalmar,
reconsiderar e deixar as possibilidades dramáticas tomarem forma em sua
imaginação.7
Outras cartas transmitindo conselhos a Kubrick e a seu designer de
confiança em Londres também deram ideias para alguns dos melhores
futurismos em funcionamento, e foram igualmente cruciais para a aparência
final do filme. Como subproduto da busca de Kubrick e Clarke pela
veracidade cerebral e precisão científica e tecnológica, uma produção de
grande orçamento de Hollywood se transformou em um gigantesco centro
de pesquisa e desenvolvimento. Uma campanha apoiada por Ordway e
Caras para despertar interesse na participação de empresas de tecnologia de
destaque dos EUA — basicamente em troca de exposição de produtos nos
cenários do filme e menções durante a produção — estava dando
resultados.
Uma amostragem das cartas escritas somente no mês de julho revela que
eles cobriram diversos tópicos, como hibernação de mamíferos, projetos de
trajes espaciais, mapas lunares, fotografias da Lua realizadas pelos
principais observatórios, sistemas de propulsão nuclear, informações sobre
Júpiter, Saturno e suas luas e anéis, sistemas de comunicação de diversos
tipos, equipamentos científicos a serem usados na Lua e em Júpiter, fotos da
Terra feitas por “balões, mísseis e satélites”, além de incontáveis outros
assuntos. Junto com a IBM, as empresas abordadas incluíram: Hotéis Hilton,
Parker Pens, Pan American World Airlines, Hewlett Packard, Bell Labs,
Armstrong Cork, Seabrook Farms, Bausch & Lomb e Whirlpool. O número
total de empresas consultadas chegou a mais de quarenta.
No verão de 1965, Kubrick recebeu dois relatórios detalhados da Bell
Labs escritos por Michael Noll, pioneiro da arte digital e de animações em
3-D, e informações do teórico J. R. Pierce — que cunhou o termo
“transistor” e era chefe da equipe que construiu o primeiro satélite de
comunicação. Eles recomendaram que os sistemas de comunicação da
Discovery mostrassem múltiplas telas “razoavelmente grandes, planas e
retangulares”, sem “indicação dos grandes equipamentos por trás delas”.
Claro que telas planas eram algo desconhecido em 1965, a não ser nos
cinemas. A incorporação dessas telas aos cenários e desenhos de produção
contribuiu para garantir o resplendor futurístico de 2001 na época de seu
lançamento, o que até hoje provoca uma sensação de assombrosa
antecipação dos tempos atuais. Um simples conselho de duas das melhores
cabeças do ramo ajudou a conferir ao filme uma representação premonitória
da onipresença das telas no nosso futuro.
Na medida em que a concepção de Kubrick sobre o papel de Athena
evoluía, os comunicados de seu colaborador com a IBM passaram a dar dicas
sobre a transformação do computador, que deixou de ser um confiável —
ainda que um tanto rígido — assistente da tripulação para algo bem mais
complexo. Noyes e as sugestões da empresa de que os membros da
tripulação poderiam se mover fisicamente dentro de Athena também
abriram campo para certas possibilidades — assim que Kubrick superou sua
aversão inicial. Como o conflito sempre foi a essência do drama, em 20 de
agosto o diretor já admitia que Athena causaria a morte de Kaminsky, um
dos membros da tripulação em hibernação.8
Em 24 de agosto — mesmo dia em que Clarke questionou a necessidade
de manter a tripulação de vigília ignorante do verdadeiro propósito da
missão —, Ordway escreveu uma carta meio sigilosa a Eugene Riordam,
executivo da IBM. Em um tom que indicava a necessidade de extrair
informações sem se arriscar a acionar alarmes corporativos, ele pediu
conselhos sobre comportamentos “quase independentes” que “poderiam
hipoteticamente ser assumidos” pelo computador da nave. “Vamos olhar
pela estrada que leva ao ano de 2001”, escreveu Ordway. “Você acha que
nesse futuro os computadores serão capazes de pensar por si próprios, por
assim dizer, ou dar início a quaisquer ações que não estejam estritamente de
acordo com a programação?”

Vamos supor que, por motivos de sigilo, alguma importante informação


sobre a missão só tenha sido transmitida ao comandante do veículo e não
ao restante da tripulação. Como a tripulação tinha acesso a Athena, essa
informação poderia ser arquivada nela. Mas ela estaria ciente de que
certos procedimentos de voo estavam sendo realizados de uma maneira
incoerente com a informação disponível. Considere outra possibilidade
que nos ocorreu. Será que Athena poderia apresentar sintomas
ligeiramente hipocondríacos, relatando mais do que o necessário —
excesso de zelo —, que esse ou aquele circuito ou dispositivo deveriam
ser verificados por conta de mau funcionamento ou algum mau
funcionamento iminente? Teria de ser algo apresentado de modo muito
consciente, num limiar que mal levantasse suspeitas dos matemáticos e
especialistas em computadores a bordo. Athena poderia também mostrar
certa agressividade, que pudesse se manifestar de alguma forma sutil?

Até então a cooperação da IBM se baseava num acordo em que o logotipo da


empresa seria visível em várias tecnologias do filme. Em outubro, porém,
esses sintomas “ligeiramente hipocondríacos” já tinham piorado bastante,
ao ponto de suscitar outra carta para Riordam. Dessa vez, Ordway informou
ao executivo que a Discovery já havia “evoluído” para “um veículo bem
mais experimental do que o visualizado originalmente”. Diversos “pontos
interessantes da trama” tinham se tornado viáveis ao incluir, em alguns
casos, o mau funcionamento de equipamentos. “Naturalmente, não
queremos apresentar nenhum equipamento da IBM sob essa luz”, escreveu
Ordway. Por esse motivo, eles decidiram que o computador da Discovery
seria definido “como uma pesquisa experimental e em desenvolvimento,
registrando apenas seu número e o nome da agência governamental
patrocinadora”.
O novo nome com que Kubrick e Clarke afinal concordaram se resumiu
à composição de dois termos, indicando um computador programado
Heuristicamente e ALgorítmico. Os termos por trás do acrônimo foram
sugeridos por Marvin Minsky, um dos fundadores do Laboratório de
Inteligência Artificial do MIT. “A heurística é composta por regras básicas,
truques e técnicas que podem funcionar num problema, ou funcionar com
certa frequência, mas não são garantidos”, comentou Minsky em 1997.
“Algoritmos implicam regras invioláveis, como Se A, então B, e A, portanto
B. HAL deveria incluir o melhor dos dois mundos.” Essa dualidade entre
heurística e algoritmos — entre regras dogmáticas e caminhos interativos
para uma solução na base de tentativa e erro — já aponta para o conflito
crucial que HAL vivenciaria quando precisasse manter o verdadeiro
propósito da missão, desconhecido pela tripulação de vigília.9
Em 12 de outubro, HAL ainda era Athena, mas Clarke aludia às
possibilidades dramáticas que surgiam, em uma nota para Kubrick: “Se
quisermos, podemos fazer do ‘acidente’ uma parte integral do nosso tema,
não somente um episódio inserido para chamar atenção. Afinal, nossa
história é uma busca pela verdade. A ação de Athena mostra o que acontece
quando a verdade é escondida. Deveríamos sublinhar isso delicadamente no
ponto adequado”. O conflito interno do computador, quando instruído a
mentir para a tripulação, ficaria mais explícito no romance de Clarke do que
no filme, embora estivesse presente em rascunhos do roteiro posteriores e
também em diálogos que Kubrick filmou, mas acabou não utilizando.
Uma intrigante série de anotações do final de outubro sobrevive nas
mãos de Kubrick, uma espécie de pedra de Rosetta em que o diretor
especula como transmitir o dilema do computador — o de ter sido
programado para enganar homens para quem foi expressamente criado a
fim de fornecer dados exatos e objetivos. “Uma noite (ou seja qual for o
ciclo de sono de Poole), o computador comenta sobre um boato que ouviu
antes da partida. Ele está meio sério”, escreveu Kubrick. “O boato era que
havia um aspecto secreto da missão que somente os adormecidos
conheciam, e que era essa a razão para terem sido treinados em separado e
levados a bordo já dormindo.” Os dois membros da tripulação discutem
sobre essa “possibilidade fantástica” — que Kubrick comparou a “boatos de
homens de alto nível da CIA envolvidos [no] assassinato de Kennedy” — e
finalmente decidem perguntar ao computador. “Eles fazem isso em tom de
piada (mas obviamente encobrindo seu real interesse) […] O computador
responde ‘Não’. Paira no ar um humor perverso e malicioso, […]. o
diabinho da perversidade.”
O diabinho da perversidade. A assinatura de Kubrick, vindo à tona
numa nota dirigida a si mesmo.
Kubrick também teve a ideia do xadrez — afinal, um combate estilizado
— como forma de transmitir o surgimento do desvio comportamental do
computador. Tanto Bowman quanto Poole poderiam jogar com Athena,
sugeriu, e aos poucos perceberem que nunca venceriam, “mesmo quando
jogavam inspirados em livros sobre xadrez”. Como o computador era
programado para perder metade das vezes, escreveu Kubrick, isso “deveria
ser reconhecido como um pequeno erro de programação, não grave, mas
que precisava ser acompanhado”.
Aspectos desses desenvolvimentos ganharam um lugar no filme, mas um
elemento intrigante foi descartado. Bowman era visto trabalhando com
Athena quando, “subitamente, o computador pergunta sobre o paradoxo que
afirma que todos os cretenses são mentirosos. Ou apresenta uma ideia
ilusória e pede que Bowman defina uma ilusão”.10 E Kubrick chegou a
escrever a resposta de Bowman: “Você parece muito interessado em ilusão.
Já me perguntou isso diversas vezes na semana passada”. Kubrick também
imaginou que os dois tripulantes aos poucos perceberiam que estavam
sendo monitorados o tempo todo pelo computador.
Na página 14 de suas anotações escritas à mão, sob o título “Matando o
Computador”, Kubrick teve um momento de pura revelação. Ela surge
como fragmento de uma sentença tão formalmente ligada a seu tema que é
de imaginar que, por um momento, ele tenha assumido o papel que estava
evocando: “Computador tenta convencer Bowman a não apagar —
incapacitá-lo — lentamente se torna mais + mais”.
Não há elipse, e a sentença não se conclui. Ele já tinha direcionado o
farol de sua mente em outra direção.

***

Doug Trumbull sentia dores agudas causadas por certa abstinência naquele
verão em Los Angeles. Depois de pintar a galáxia rotativa para To the Moon
and Beyond — o filme experimental em Cinerama que impressionou
Kubrick na Feira Mundial de 1964-5 —, ele trabalhou por alguns meses
exatamente no tipo de coisa que adorava, ou seja, desenhando bases
lunares, espaçonaves e plataformas de pouso, que gotejavam como um
fluxo estável de dopamina no cérebro. Mas Kubrick já tinha se mudado para
o outro lado do Atlântico, distanciando-se da Graphic Films no processo e,
com menos trabalho à vista, a empresa de efeitos visuais o demitiu.
Trumbull gostava de ficção científica desde criança, e apesar de ter
montado uma pequena empresa de móveis em Malibu para aumentar seus
rendimentos, não era assim que ele via seu futuro.
Trumbull ligou para Con Pederson, seu antigo empregador, dizendo que
fora muito empolgante trabalhar no projeto espacial. Como ele poderia
entrar em contato com o produtor? Pederson explicou que uma cláusula de
confidencialidade em seu contrato tornava difícil responder àquela
pergunta. Houve uma pausa embaraçosa. Os dois tinham trabalhado bem
juntos em alguns projetos, inclusive em To the Moon and Beyond. “Olha”,
disse Pederson afinal. “Se você for até o escritório, talvez consiga encontrar
o número do telefone do sr. Kubrick escrito no canto do quadro de avisos.”
Trumbull já tinha entrado pela porta dos fundos da Graphic sem passar
pela recepção tantas vezes que aquilo era natural. Por isso, não perdeu
tempo e repetiu seu truque, encontrou o número, levou-o para casa,
calculou que horas seriam em Londres e discou. Kubrick atendeu de
imediato, sem a intermediação de nenhuma secretária, e Trumbull se
apresentou. “Sou um dos ilustradores que trabalhou nos desenhos que você
vem recebendo, gostaria de ir aí trabalhar no seu filme”, falou. Além de
falar de seu trabalho em To the Moon and Beyond, que não durou muito,
Trumbull deu detalhes sobre suas outras qualificações — seus projetos
anteriores estavam em perfeita sintonia com as exigências e os temas de
2001.
“Isso é ótimo”, replicou Kubrick. “Você está contratado, o emprego é
seu […] venha para cá. Eu pago quatrocentos dólares por semana.” A Hawk
Films providenciaria as passagens de avião para ele e a mulher, além de
arranjarem acomodações. Bem-vindo a bordo. Algo mais?
Ao chegar em meados de agosto, com cara de garoto vindo da
Califórnia, com um chapéu de caubói e em sua primeira viagem ao exterior,
Trumbull presenciou tanta atividade em Borehamwood que ficou com medo
de ter chegado tarde demais. “Eu tinha 23 anos na época e na verdade não
sabia nada — tinha só uma pequena formação em animação e pinturas de
fundo. Nem entendia muito bem de fotografia. Comprei uma câmera Pentax
antes de ir para a Inglaterra e montei um pequeno quarto escuro em casa, só
para aprender os fundamentos”, relembra.
Mas não havia razão para se preocupar. Havia muita coisa a fazer — a
produção das filmagens com atores ainda nem tinha começado —, e nos
dois anos e meio seguintes ele deixaria de ser um animador novato para se
tornar um dos quatro principais supervisores de efeitos de 2001, deixando
uma marca visual única e inovadora no filme durante o processo.

***

2001: Uma odisseia no espaço foi desde o início um empreendimento entre


analógico e digital. A onipresença dos movimentos gráficos realizados por
computador que dominaria as décadas seguintes já tinha sido internalizada
por Kubrick e seus designers, mas, como o poder de processamento exigido
pela futura Era da Informação ainda não estava disponível, tudo foi feito à
mão.
Trumbull era um diligente pintor de células de animação na Graphic
Films. Kubrick e Gentleman deram um dia para ele superar a diferença de
fuso horário e logo o puseram para trabalhar. Ficou encarregado de criar as
atividades do computador, que incluíam piscadas, ondulações e zumbidos
em todas as telas planas que estavam sendo montadas nos cenários, todas
com um espaço planejado para ocultar os “grandes equipamentos atrás
delas”, como a IBM recomendara, na forma de um projetor cinematográfico
Bell and Howell de 16 milímetros. Isso incluía os computadores portáteis
em forma de tablets, que eram na verdade colados nas superfícies onde
apareciam casualmente, com os projetores escondidos atrás.
As telas em si eram de vidro opaco, perfeitas para retroprojeções. A
Honeywell aconselhou que o que deveria ser mostrado nessas telas tinha de
incluir tópicos como COMPUTADOR, VIDA, RADIAÇÃO E PROPULSÃO — um ciclo
de sistemas cruciais para o funcionamento da Discovery. Fora isso,
Trumbull dispunha de um grande espectro para escolher o conteúdo; só
precisava parecer convincente e bem embasado. Algumas animações seriam
mais importantes em certas tomadas, com conteúdos mais especificamente
programados, como o da tela de navegação na cabine de comando do avião
espacial Orion, que exibia um gráfico rotativo tridimensional reproduzindo
a doca de desembarque retangular central da Estação Espacial Cinco.

[48] Doug Trumbull em Borehamwood.

Os atritos entre Gentleman e Kubrick se intensificaram desde a chegada


à Inglaterra. O primeiro ficou assustado com o que considerava um
desperdício desnecessário de recursos, tempo e dinheiro, e criticava o que
via como a teimosa insistência do diretor em experimentar técnicas que
Gentleman sabia que não iriam funcionar. O segundo se sentia cada vez
mais irritado com a resistência de seu colaborador às suas ideias, com o que
considerava seu jeitão de sabe-tudo. “Wally era muito científico, linear,
muito elegante, muito cavalheiresco, muito erudito, com uma ótima
formação e um sujeito experiente”, lembra-se Trumbull. “E Kubrick era
muito arrojado e informal — se alguém estiver fazendo de um jeito, vou
fazer exatamente o contrário. E acho que isso era difícil para Wally.”
De sua parte, Trumbull se sentia honrado em trabalhar com um dos
inovadores visuais por trás de Universe, a que já tinha assistido na Graphic
Films, mas que depois foi projetado para ele mais uma vez assim que
chegou a Borehamwood quase como uma orientação a um recém-chegado.
Gentleman percebeu com aprovação que Trumbull não se sentia
absolutamente intimidado pelo diretor. “Doug ficava andando pelo cenário
com toda a ingenuidade e criatividade de um jovem, dizendo exatamente o
que pensava no momento”, explicou. “No começo isso irritou um pouco
Stanley, mas aos poucos ele foi se acostumando. Doug realmente falava
com autoridade, pois seu trabalho era muito bom. E acho que afinal ele fez
as maiores contribuições para o filme.”
A concepção inicial da produção de efeitos visuais era encomendar as
animações e a criação de modelos a empresas externas, por isso Trumbull
começou usando lâminas de animação tradicionais numeradas, criando
desenhos para as exposições. Demorou poucos dias para ele perceber que
aquelas técnicas convencionais implicavam um trabalho intensivo, e que a
empresa contratada, uma oficina de animação perto do estúdio, era
simplesmente lenta demais. “Wally falou: ‘Nós podemos arranjar um jeito
melhor de fazer isso’”, relembra Trumbull. “Porque ele era totalmente
destemido. E continuou: ‘Vamos construir nosso próprio suporte de
animação. Esses caras que se danem. Vamos fazer do nosso jeito’.”
Eles canibalizaram uma velha câmera fotográfica Mitchell de uma
impressora óptica, construíram um suporte com um andaime feito de canos
e braçadeiras — materiais onipresentes que Borehamwood usava para
cenários e cenografia, já que a madeira era cara na Inglaterra — e
começaram a fazer animação em clipes rápidos. Trumbull recrutou Bruce
Logan, um adolescente cheio de energia, diretamente da empresa de
animação que tinha acabado de dispensar e o pôs para trabalhar. Suas
imagens de telemetria foram extraídas de “um milhão de fontes aleatórias
de gráficos bacanas” — da Scientific American, de manuais da Nasa e
publicações do gênero. As imagens eram xerocadas e depois fotografadas
em alto-contraste ou em transparências em negativo.
Trumbull também elaborou uma linguagem altamente high-tech de letras
e números para ilustrar o fluxo de dados do supercomputador da Discovery,
misturada com “pequenos acrônimos estranhos e falsas palavras engraçadas
de três letras e coisas assim”, que eram datilografados numa Selectric IBM e
resultavam em mais transparências de alto-contraste. Tudo isso era
enfileirado na placa de vidro da Mitchell enquanto ele e Logan ouviam
rock, a todo volume a qualquer hora do dia ou da noite. “Ficávamos no
suporte de animação puxando metros e metros de filme na manivela, um
fotograma de cada vez”, relembrou em 1976. “A gente enfiava tudo aquilo
no suporte e fazia o alinhamento à mão, jogava um gel vermelho por cima e
filmava alguns fotogramas, depois mudava de lugar e acrescentava alguma
coisa ou trocava alguns números. Era só papel, fita crepe e gel colorido.”
Quando acertaram o ritmo, conseguiram produzir dez minutos de
imagens por dia — um ritmo praticamente inédito em animação —, tudo
isso para dar a impressão de que o computador estava processando um
“dilúvio de informações autônomas 24 horas por dia”. Foi um triunfo do
entusiasmo jovem sobre a velha e demorada maneira de fazer as coisas, e
eles conseguiram isso sem comprometer o visual. “Na verdade, era uma
espécie de arranjo de vitrines altamente tecnológico”, explicou Trumbull.
Talvez fosse, mas aquelas ilustrações de um fluxo de dados interminável
— uma incessante série de infográficos, equações, acrônimos e letras que
pareciam determinantes — conferiram uma vida pulsante e quase capilar ao
computador que pilotava a Discovery e a todo um mundo criado em
detalhes para dar vida à história de 2001. Não menos importante que a
criação de um visual futurista equivalente ao período georgiano ou vitoriano
pela equipe de design, a concepção do computador evocava todo um futuro
capítulo da civilização.

***
Os estúdios de Borehamwood eram estratificados no que dizia respeito a
um sistema de castas imposto pelo sindicato, segundo o qual um designer
não poderia tocar numa chave de fenda para não ameaçar o emprego dos
mecânicos, e cenógrafos não podiam ser vistos desenhando uma planta,
pelos mesmos motivos — ao menos em teoria. Com cara de caubói da
Califórnia, de modos cordiais e com um sorriso cativante, Trumbull era um
tipo sui generis, e logo constatou que seu status de forasteiro resultava em
vantagens enormes. Profissionais de cinema dos EUA só podiam trabalhar na
MGM por causa de um furo no Eady Levy, o programa britânico de subsídios
aos filmes — basicamente, um imposto sobre a bilheteria usado para manter
viva a indústria local que atraía estúdios norte-americanos com substanciais
isenções de impostos. Por causa do Eady, para a maioria dos estúdios de
Hollywood as produções no Reino Unido eram mais baratas que nos
Estados Unidos — um dos motivos, é claro, para Kubrick estar lá, mas
também porque já tinha realizado dois filmes na Inglaterra.
A cláusula do Eady sobre não cidadãos do Reino Unido ou residentes
legalizados limitava a 20% o número de americanos que poderia trabalhar
em 2001. Porém, como de acordo com a Eady ele não precisava fazer parte
do sindicato, Trumbull percebeu que poderia ir diretamente aos chefes de
departamento sem obstáculos burocráticos — por exemplo, chegar no
sujeito que cuidava do maquinário da oficina e encomendar peças para seu
novo suporte de animação. E usou essa liberdade de ação para obter o
máximo de vantagem durante os dois anos seguintes.
Kubrick, é claro, tinha seus próprios macetes, mais abrangentes. Por
causa da distância geográfica, ele logo percebeu que a MGM tinha muitas
limitações para intervir na produção. “Não havia nenhuma interferência da
gerência de estúdio”, lembra-se Trumbull. “Estávamos fazendo coisas
novas o tempo todo. Era como uma roda girando livre, não havia um
cronograma, nem orçamento, nem data de entrega, e íamos resolvendo os
problemas à medida que surgiam. O filme ia sendo rodado. Eles construíam
cenários. Construíam todos os acessórios. Construíam as miniaturas. E
sempre que surgia algum problema, Stanley dizia: ‘Bem, Doug, o que você
pode fazer para me ajudar a resolver isso?’.”
Um dos problemas que ele ajudou a resolver foi a questão das
miniaturas, que estavam abaixo do padrão. Logo depois de Trumbull e
Logan terem montado seu suporte de animação, uma empresa de Londres
chamada Mastermodels produziu um Ônibus Lunar de um metro de
comprimento — a primeira de diversas espaçonaves encomendadas para a
empresa. Só de bater o olho, Trumbull percebeu que não ia dar certo. A
coisa parecia um anúncio de agência de viagem feito de fibra de vidro, não
um produto de engenharia convincente. Tendo trabalhado basicamente
como ilustrador, Trumbull sabia muito bem como usar um aerógrafo e usou
uma técnica multimídia no modelo, que depois foi aplicada a todas as
espaçonaves de 2001.
Por meio de pequenas máscaras — pedacinhos de plástico adesivos para
proteger áreas que não deviam ser pintadas —, ele usou o aerógrafo em
algumas partes da fuselagem, criando um novo exterior cheio de nuances,
parecendo ter sido montado numa fábrica, com vários painéis de metal
unidos com texturas e sombras exclusivas. Foi também a uma loja de
aeromodelismo de Borehamwood e passou a colar pecinhas de kits de
modelos de plástico em vários lugares, aperfeiçoando o Ônibus Lunar e
criando a aparência de um produto tecnológico montado meticulosamente.
Fez pequenos sulcos, acrescentou pequenos painéis e montou antenas.
Quando terminou, o veículo de transporte lunar parecia real e pronto para
voar.

***

Parte da crescente exasperação de Gentleman com Kubrick tinha a ver com


todas as alterações que o diretor continuou fazendo enquanto refinava a
concepção do filme. Até o final de agosto, o destino da Discovery era
Júpiter. Mas no início de setembro o diretor começou a ficar cada vez mais
intrigado com Saturno — sem dúvida o planeta mais espetacular do Sistema
Solar, mas tremendamente difícil de ser representado de forma convincente
na tela. Ele era particularmente fascinado pelos anéis simétricos do planeta
gigante, formados por inúmeros fragmentos de gelo.
Um dia Kubrick recortou uma página quádrupla do livro em formato
grande The Moon and Planets, do ilustrador tcheco Luděk Pešek, que
mostrava um fluxo de fragmentos de anéis suspensos ao redor do planeta, e
a fixou no quadro de avisos de seu escritório. O diretor imaginou o
gigantesco monólito flutuando pouco além dos anéis exteriores, e os
próprios anéis poderiam ter se formado 4 milhões de anos antes, quando as
forças titânicas que produziram o Portal Estelar teriam fragmentado uma
das luas de Saturno.
A maioria das pessoas que acompanhava a nova obsessão do diretor
torcia para que aquilo passasse, pois já previam todas as dificuldades de
tentar retratar esse complexo sistema planetário. Contudo, no dia 5 de
setembro, Kubrick estava jantando em Mayfair com um grupo que incluía
Ordway, e perguntou qual seria sua reação se eles substituíssem Júpiter por
Saturno. Ordway respondeu que poderia ser um pouco tarde demais para
aquela mudança, mas o diretor continuou “discorrendo sobre a beleza do
sistema de anéis de Saturno e os espetaculares efeitos visuais da Discovery
passando perto ou até entre eles”. Ele pediu para que seu assessor científico
elaborasse um documento descrevendo os aspectos visuais de Saturno, o
que Ordway produziu depois de uma considerável pesquisa.
Apesar das objeções iniciais de sua equipe de efeitos especiais, em
particular de sua equipe de ilustradores, a nova reviravolta de Kubrick
resultou em muitos meses de trabalho intenso concentrado nas formas de
representação do sistema de Saturno. Pode ter sido a gota d’água para
Gentleman, que no dia 9 de novembro se queixou para um amigo: “Nós
deveríamos concluir essa produção em setembro, mas organizar um
cronograma confiável em face de tantas e tão contínuas mudanças radicais
vai ser extremamente difícil”. Anos mais tarde, ele explicou melhor suas
diferenças com o diretor. “Passei toda a minha carreira trabalhando com
meticulosidade e precisão”, afirmou. “Mas, quando conheci Kubrick,
encontrei um homem totalmente obcecado pelos mínimos detalhes de tudo,
e eu não me sentia confortável com esse excesso.”
Eu gostava muito de Kubrick como pessoa — minha experiência com
ele foi vital e muito interessante. Mas aprendi que ninguém trabalha com
Kubrick — só se pode trabalhar para Kubrick —, e isso para mim foi
muito difícil. Como cineasta, ele era um pouco paranoico e certamente
obsessivo. Cercava-se de pessoas muito boas, mas depois começava a
dissipar aqueles talentos. Acabei me cansando dos métodos autocráticos
que ele aplicava, em geral de forma arbitrária, em discrepância com a
aplicação prática dos talentos das pessoas.

Anos depois, o assistente de efeitos visuais Brian Johnson deu sua versão
daquela cisão. “Stanley podia ser bem grosseiro se achava que alguém era
meio inseguro; era muito agressivo com Wally Gentleman e dificultou
muito a vida dele”, explicou. Gentleman também estava passando por
complicações de saúde, e no final do ano voltou ao Canadá para se tratar.
(Ele viveu para ver o ano de 2001.) Sua perda foi parcialmente compensada
pela chegada de Con Pederson, que saiu da Graphic Films, não sem
enfrentar algumas dificuldades.
Mas o novo destino da Discovery agradou Clarke. Enquanto estudava
geometrias planetárias, ele descobriu que Júpiter e Saturno estariam
alinhados como duas bolas de bilhar no ano 2001. Por esse motivo, o
escritor traçou um sobrevoo por Júpiter no rascunho de seu livro e, no
romance publicado, Saturno se tornou o objetivo da Discovery.11
Contudo, depois de meses de tentativas para produzir um conjunto de
anéis realistas, Pederson e os ilustradores do filme se rebelaram diante do
desafio de reproduzir o complexo ambiente de Saturno. As filmagens de
2001: Uma odisseia no espaço já estavam na metade, e eles ainda tinham
muitos outros desafios a enfrentar. Como lembrou Ordway, o diretor
relutou, mas aceitou a volta de Júpiter como destino da Discovery depois de
uma “altercação” com a equipe de efeitos especiais em meados de março de
1966.
Foi um dos raros exemplos de recuo do diretor.

***
Kubrick assistiu a inúmeras tomadas já com atores durante o verão e o
outono de 1965, e espalhou-se a notícia de que o inescrutável gênio criador
de Dr. Fantástico começava a fazer alguma coisa que Hollywood podia
entender — ou seja, estava procurando o elenco de seu próximo filme.
Correram rumores de que o agente de Warren Beatty estava fazendo lobby
para que ele desempenhasse o papel principal. Se isso era verdade, Kubrick
tinha outras ideias. No final de setembro, o filme estava definitivamente
elencado. Não incluía o nome de nenhum ator famoso.
Com Keir Dullea já escalado para interpretar Bowman, o diretor havia se
encontrado com Gary Lockwood semanas antes de embarcar para Londres.
Ex-craque de futebol americano da Ucla que fora expulso por causa de
brigas, Lockwood faria o papel de Frank Poole, o segundo em comando de
Dullea. Além de gostar de beber e de se meter em brigas, Lockwood era um
jogador inveterado, e não tinha disciplina para representar papéis
secundários na Broadway ou em filmes de Hollywood. Tinha interpretado o
papel principal em The Lieutenant, uma popular série de TV. Com uma
impressionante presença física, pensamento rápido e um surpreendente
talento como pintor, Lockwood arranjou emprego como dublê de filmes
logo depois de ser expulso da faculdade, chegando a fazer um pequeno
papel em Spartacus, embora nunca tivesse falado com o diretor. Nos
encontros que tiveram, Kubrick disse a Lockwood que adorava futebol
americano e perguntou por que ele achava que o esporte era tão popular.
“Acho que é uma combinação de xadrez com violência”, respondeu o ator.
O comentário provocou uma grande e surpreendente gargalhada no diretor.
Apesar de estar rodeado por alguns dos melhores atores britânicos em
Elstree, Kubrick queria manter norte-americanos nos papéis principais, e
selecionara dois para personagens relativamente importantes. Robert Beatty,
um canadense que interpretou diversos papéis nos palcos de Londres, faria
o comandante da base lunar, Ralph Halvorsen. Para o dr. Haywood Floyd,
presidente do Conselho Nacional de Astronáutica — personagem central até
a metade do filme —, Kubrick escolheu o californiano expatriado William
Sylvester, presença constante nos palcos de Londres desde o fim da
Segunda Guerra Mundial. Sylvester era um dos atores principais no drama
radiofônico Shadow on the Sun, a produção que chamou a atenção do
diretor enquanto filmava Lolita em 1961.
Outros intérpretes de destaque incluíam o ator inglês Leonard Rossiter
no pequeno papel do cientista russo Smyslov — interpretado com uma
suntuosidade oleosa tão impressionante que Kubrick voltou a procurá-lo
uma década mais tarde, escalando-o como o capitão John Quinn em Barry
Lyndon. Para Elena, outra cientista russa — e a única mulher no filme com
umas poucas falas —, Kubrick optou pela conhecida atriz de teatro
Margaret Tyzack, cujos papéis anteriores nos teatros de Londres incluíam
Lady Macbeth.
Embora a Hawk Films — empresa de Kubrick no Reino Unido, fundada
por ele em 1963 para produzir Dr. Fantástico — tenha anunciado a maioria
dessas escolhas no começo de janeiro, o diretor ficou irritado quando a MGM
quis anunciar o papel principal de Keir Dullea em uma entrevista coletiva à
imprensa em setembro. O fato causou um telegrama irritado a Caras no dia
25, em que o diretor exigiu que seu RP descobrisse por que o anúncio não
havia sido feito pela Hawk. A essa altura Caras era o principal embaixador
de Kubrick na MGM, cuja administração não estava em Los Angeles, mas
em Nova York — assim como seu departamento de publicidade para todos
os EUA, cujo diretor era Dan Terrell.
O telegrama foi seguido por outro um dia depois, após Kubrick ter
ruminado um pouco mais. “É muito inadequado que Bob O’Brien anuncie o
elenco, pois isso me faz parecer um diretor contratado”, reclamou. “Diga
isso de forma diplomática para Dan Terrell e faça um acordo quanto a esse
ponto. De minha parte, não vou fazer pronunciamentos ao estilo de Otto
Preminger a respeito da distribuição.” As mensagens refletiam o momento
de transição da velha escola dos estúdios cinematográficos de Hollywood,
em que diretores de aluguel apenas obedeciam ordens, para o surgimento de
um novo paradigma de diretores autônomos e de produtoras fazendo
acordos de distribuição com estúdios, o que lhes garantia níveis de controle
antes impensáveis.
Outros membros da equipe também continuavam sendo selecionados, e
em 30 de setembro Victor Lyndon — bem conhecido nos círculos
cinematográficos britânicos por sua exuberante forma de se vestir —
informou a Caras que Hardy Amies, o designer de alta costura da Savile
Row, seria responsável pelos figurinos do filme. Famoso como costureiro
da rainha, Amies também tinha um pouco de rainha, mas ganhara fama
como eficiente planejador de assassinatos a sangue-frio: tinha sido chefe da
Seção de Operações Especiais da Bélgica durante a Segunda Guerra,
esquema responsável pela morte de nazistas e seus simpatizantes no
continente.
Embora não tão prestigiada quanto outras parcerias entre diretores e
estilistas notáveis, o que era compreensível — como os modelos de Yves
Saint Laurent para Catherine Deneuve em A bela da tarde, de Luis Buñuel
—, Amies e seu diretor de design, Ken Fleetwood, teriam importante papel
na criação do estilo em 2001. Os trajes masculinos, simples e discretos, com
ternos de cintura justa e detalhes idiossincráticos, foram criados para
parecer futurísticos sem chamar atenção de forma inapropriada. As roupas
femininas — que incluíam os uniformes cor de chiclete das recepcionistas
da estação espacial e os trajes em forma de casulos de colmeia das
comissárias de bordo, com capacetes à prova de choque — foram outra
questão.
“Estávamos retratando um período trinta anos à frente”, relembrou
Amies em 1984. “Para ter alguma perspectiva, observei os últimos trinta
anos para ver o que tinha acontecido no mundo da moda. Para minha
surpresa, percebi que as mudanças foram menores do que imaginava. Por
isso, não achei que as roupas no ano 2001 seriam tão drasticamente
futuristas. O sr. Kubrick aceitou isso.”
O decorador de cenários Bob Cartwright, que se juntou a Masters e
Kubrick em Nova York e agora trabalhava em Borehamwood, compareceu
a uma reunião de produção com Kubrick em que foram discutidas as
tendências dos figurinos para o futuro e outras mudanças sociais em
potencial. “Eu estava cético quanto às principais mudanças na vida
cotidiana de pessoas comuns”, relembra. “Disse que minha filha gostava
muito de animais. Tinha certeza de que em 2001, quando tivesse 46 anos,
ela teria uma filha que também gostaria de bichos de estimação, achava que
essas coisas não mudariam.” Cartwright acredita que a cena em que o
astronauta Heywood Floyd, em órbita, telefona para a filha e descobre que
ela quer um bichinho de estimação de presente de aniversário se originou
dessa observação.

***

No dia 10 de setembro, Clarke fez uma visita a Borehamwood e “saiu de lá


perplexo”, como escreveu a Wilson, então na fase final da pré-produção de
sua paródia de James Bond em Colombo. O Palco 3, o maior dos estúdios,
agora era dominado por uma estrutura flutuante lisa e curva, de 45 metros
de comprimento e dez metros de largura, suspensa a uma altura de cinco
andares por correntes no teto. Equipada com passarelas e várias fileiras de
refletores de mil watts, todos apontados para baixo, para o gel de difusão no
teto da estação espacial, a estrutura de canos em forma de ninho
emparelhava com a curvatura suave do cenário abaixo.
Clarke desenhou um diagrama e comparou aquilo a um salto de esqui:
“Os atores na extremidade terão que aprender a andar encurvados”. Nem
era uma cena vital, observou: “Isso não é mais um filme de 5 milhões de
dólares. Acho que o departamento de contabilidade abriu o cofre; já ouvi
falar em 10 milhões”.
Visto com todas as luzes acesas, o impacto visual do exterior do cenário
era realmente impressionante. Visitantes com a sorte de obter permissão
para entrar pela lateral de repente se encontravam no interior de uma seção
circular toda iluminada, dentro de uma estação espacial em forma de roda
com 230 metros de diâmetro. Um estranho fenômeno começava a se
manifestar quando eles se dirigiam para uma ou outra extremidade. Apesar
de todo o mobiliário e das paredes indicarem que a gravidade deveria atuar
numa direção — ou seja, na direção sugerida por todas as indicações
visíveis —, na prática ela atuava em outra direção — na do piso invisível
do estúdio. Embora esse ilusionismo de ótica versus gravidade fosse
tolerável quando se andava num ângulo cada vez mais inclinado em direção
ao fim da curva, era inevitável que os visitantes sentissem uma perturbadora
vertigem ao se virarem. A mudança de perspectiva era muito grande,
provocando uma sensação de rotação. Com o assoalho inclinado de um jeito
que provocava enjoo e os canais semicirculares se rebelando com sinais
distorcidos, muita gente precisava se sentar depressa para não cair naquele
piso capcioso.

[49] Exterior do cenário da Estação Espacial Cinco.


© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

“Dentro de mais ou menos seis semanas as coisas deverão estar bem


animadas”, continuou Clarke. “A filmagem agora está marcada para 1º de
dezembro. O lançamento foi adiado para março de 67, apesar de Stan
continuar falando em 66 […]. Infelizmente ele não tem tempo para terminar
o roteiro (!!!), por isso não consigo terminar o romance. Por isso não posso
vendê-lo, e deixo Scott [Meredith] roendo as unhas. Não tem importância.”
As filmagens seriam adiadas por muito mais tempo, e as unhas de seu
agente sofreriam bem mais do que eles poderiam supor.
***

Em alguns aspectos importantes, o futurismo de Clarke fora moldado por


um comentário feito por Konstantin Tsiolkovsky, o visionário russo de voos
espaciais — citado em seu conto “Fora do berço, em órbita para sempre”:
“A Terra é o berço da mente, mas a humanidade não pode continuar em seu
berço para sempre”. O pensamento fazia parte de um ensaio que o cientista
espacial publicou em 1912, cinco anos antes da Revolução Russa e menos
de uma década depois de os irmãos Wright fazerem decolar seu aeroplano
nas areias de Kitty Hawk. Colocado de maneira direta, Tsiolkovsky lançou
as fundações do voo espacial. O pronunciamento influenciou a visão de
mundo de Clarke até mais do que o trabalho do escritor de ficção científica
britânico Olaf Stapleton, segundo o qual a Terra era somente um trampolim
para o cosmo.
O romance mais influente de Clarke, O fim da infância, recebeu esse
título como referência indireta ao conceito de Tsiolkovsky. No livro, uma
geração humana futura perde contato com seus filhos, que começam a
mostrar sinais de clarividência grupal e poderes telecinéticos. Sob a
supervisão dos Senhores Supremos, uma poderosa raça alienígena, as
crianças da Terra se fundem numa só consciência grupal, composta de
centenas de milhões de mentes individuais.12 “Por sua aparência externa,
ela ainda parecia um bebê”, escreveu Clarke sobre uma das crianças, “mas
ao seu redor havia uma aura de poder tão aterrorizante que Jean não
aguentava mais entrar no berçário.”
Com a produção em ritmo cada vez mais acelerado, houve uma
considerável pressão para finalizar aspectos importantes da história,
inclusive o final, é claro. Ideias do escritor e do diretor continuavam a
surgir num fluxo constante. “Stanley ligou falando de outro final”, anotou
Clarke em 1º de outubro. “Acho que deixei o rascunho dele na sua casa
ontem à noite — rejeição inconsciente?” Clarke se recolheu ao apartamento
no último andar da casa de seu irmão em Nightingale Road, não muito
longe de Borehamwood, e começou a esboçar finais alternativos para o
filme.
Naquele momento, a sequência final do filme dependia muito de uma
narrativa em off. Segundo um narrador onisciente, os extraterrestres haviam
passado por uma transição evolucionária depois de terem influenciado
decisivamente a pré-história da humanidade, 4 milhões de anos antes —
uma transição para uma “era de […] Entidades de Máquinas”, durante a
qual aprenderam a “preservar seus pensamentos pela eternidade em
espectros de luz congelada”. Livres da “tirania da matéria”, agora eles são
“Senhores da galáxia […]. Mas apesar de seus poderes quase divinos, eles
ainda acompanham o experimento que seus ancestrais iniciaram há muitas
gerações, no passado”. Na última página, Bowman deveria ser visto voando
com sua cápsula em direção a uma “grande máquina” na órbita de Saturno
(ou de Júpiter, quando eles voltaram atrás). Mas o que acontecia depois era
frustrante e opaco, e as palavras finais do narrador não ajudavam muito:
“Em um tempo curto demais para ser medido, o espaço virou e se retorceu
sobre si mesmo”.
Em poucos dias Clarke produziu uma série de novos finais, mas em 3 de
outubro Kubrick ligou para reclamar do final que estava vigorando naquele
momento. Não estava claro o que queria dizer. Era simplesmente
inconclusivo demais. Clarke repassou os finais alternativos em que vinha
trabalhando, e um deles “de repente estalou — Bowman voltaria à infância,
e no fim nós o veríamos como um bebê em órbita. Stanley ligou novamente
mais tarde, ainda muito entusiasmado. Espero que não seja um falso
otimismo: eu me senti cautelosamente animado”.
A aprovação de Kubrick deve ter se baseado em sua apreciação da
citação de Tsiolkovsky,13 citada por ele algumas semanas depois numa
resposta rápida a uma pergunta do New York Herald Tribune. O novo final
de Clarke pode ter sido também sugerido por dois outros fatores. Um deles
foi uma ilustração reproduzida em African Genesis, de Robert Ardrey, um
livro que havia influenciado o prólogo do filme. Uma ilustração feita a
caneta mostrava um feto flutuando em um saco amniótico em forma de
bolha, rodeado por outras bolhas amorfas numa espécie de vazio pontilhado
de preto. Parecia exatamente um bebê ainda não nascido no espaço.
Uma segunda influência — com certeza, considerando a receptividade
de Kubrick à ideia — foram as estonteantes fotografias coloridas de
embriões, feitas pelo fotógrafo sueco Lennart Nilsson e publicadas alguns
meses antes na revista Life. Assim como as ilustrações, a capa da edição da
Life de 30 de abril de 1965 mostrava um feto em um saco amniótico que
parecia flutuar na escuridão cósmica — nitidamente, o interior do útero,
ainda que, na verdade, todas as fotos de Nilsson, com exceção de uma,
fossem de embriões “removidos cirurgicamente, por uma série de razões
médicas”, como explicava o texto. O trabalho de Nilsson causou sensação
no mundo inteiro e, sem dúvida, chamou a atenção do diretor.
Durante certo tempo, o Filho das Estrelas de 2001 detonaria armas
nucleares em órbita após seu retorno — uma cena que persistiu no romance,
mas não no filme, por ser considerada muito parecida com o final de Dr.
Fantástico. Em todo caso, depois de muitas tentativas fracassadas, o próprio
Clarke pareceu de início pouco seguro a respeito de sua nova ideia. Mas
alguns dias depois ele escreveu: “Voltando a pensar sobre o romance. De
repente (acho) que encontrei uma razão lógica de por que Bowman deve
aparecer no final como um bebê. É a imagem que tem de si mesmo nesse
estágio de seu desenvolvimento. E talvez a Consciência Cósmica tenha
senso de humor. Falei sobre essas ideias por telefone com Stan, que não
pareceu muito impressionado, mas agora me sinto feliz”.
Independentemente do que possa ter pensado sobre Clarke, Kubrick
manteve seu entusiasmo. Agora eles tinham um final.

***

O método administrativo de Kubrick era ao mesmo tempo igualitário e


hierárquico. Ele era o chefe, claro, mas sua porta estava sempre aberta para
os funcionários mais próximos, fossem quais fossem seus cargos. Quando
se sentia confortável com alguém em especial, usava essa pessoa como uma
caixa de ressonância a qualquer hora do dia ou da noite, pedindo sua
opinião em questões que tinham pouco a ver com sua função oficial. De
maneira geral, o diretor era uma presença bem-humorada, e gostava de
brincar com os assistentes mais jovens sobre suas atividades
extracurriculares, às vezes com uma curiosidade lasciva a respeito da
revolução sexual em plena efervescência na Swinging London.
Mesmo assim, nem sempre ficava feliz quando alguém do seu pessoal
externava opiniões não solicitadas, ou quando percebia que seus
funcionários mais recentes estavam trabalhando como freelancers em áreas
fora de suas respectivas atuações. Principalmente se isso não tivesse sido
feito sob sua iniciativa.
De sua parte, Doug Trumbull se sentia cada vez mais confiante. Nos
últimos tempos, vinha fazendo experiências na criação de grandes porções
da topografia lunar, e tinha bolado um jeito eficiente de produzir seu grande
modelo da superfície da Lua subindo numa passarela alta e jogando pedras
de vários tamanhos no solo, produzindo assim convincentes crateras na
argila molhada. Apesar de Kubrick, no final, ter preferido usar uma
superfície mais rugosa, Trumbull foi generosamente apoiado em sua
iniciativa, tendo inclusive sido convidado para jantar na casa do diretor.
(Embora não tenha sido usado, o terreno suavemente enrugado de Trumbull
era afinal mais parecido com o que os astronautas da Apollo viram quando
começaram suas visitas à Lua em 1968.)
Em resumo, Trumbull estava se dando bem. Outra tarefa que recebera
era a de produzir conteúdo animado para as telas que monitoravam o estado
clínico de cada um dos astronautas adormecidos — seis ondulações
horizontais indicando funções cardiovasculares e pulmonares. Como todos
os outros envolvidos na produção, ele havia recebido diversas versões de
um roteiro revisado inúmeras vezes, todas registrando uma data nova e
impressas em papel de cor diferente. Lia todos com muita atenção, e havia
notado que a história evoluíra de Poole e Bowman entrando no Portal
Estelar com o restante da tripulação revivida manobrando a Discovery, para
Poole morrendo e Bowman sozinho na jornada final do filme. Na última
versão, aliás, parecia que o resto da tripulação fora deixada sepultada em
seus hibernáculos, viva porém em suspensão, sem nenhum papel na
história. Trumbull viu aquilo como pontas soltas da história.
Tendo chegado a certas conclusões no início da semana de 11 de
outubro, Trumbull escolheu o momento, passou pelo corredor que separava
seu escritório da ala leste do Bloco 53 e apareceu no santuário de Kubrick.
Encontrou o diretor tão absorto quanto o habitual, e depois da atualização
de praxe sobre seus trabalhos de animação, Trumbull foi direto ao assunto:
“Stanley, nós tivemos uma mudança de circunstâncias em que Poole e
Bowman deveriam entrar no Portal Estelar”, observou. “Agora é só
Bowman, ele está sozinho e vai fazer toda essa viagem. Não é meio
esquisito deixar todos os outros caras na nave? Não existe uma forma de se
livrar deles? Acho que essa história não vai funcionar se você deixar os
caras para trás sem uma explicação.”
Enquanto Trumbull falava, Kubrick começou a sentir a magnitude da
transgressão do subordinado. Até que se levantou da cadeira e apontou para
a porta. “Trumbull, caia fora do meu escritório e vá cuidar da sua porcaria
de trabalho”, falou com o tom gélido que usava quando estava muito
irritado. “Eu sou o diretor desse filme.”
“Tudo bem, estou indo”, respondeu Trumbull, saindo rapidamente.
Apesar de ter sido o mais próximo de um confronto que chegou a ter
com Kubrick, Trumbull não ficou com medo. Teria sido um pouco
presunçoso? Mas foi com boa intenção e para o bem do projeto. O fato é
que no dia 15 de outubro Tony Frewin distribuiu uma nova rodada de
revisões do roteiro para o círculo interno da produção. Como Clarke anotou
em seu diário: “Stan resolveu matar toda a tripulação da Discovery e deixar
Bowman sozinho. Drástico, mas parece certo. Afinal, Odisseu foi o único
sobrevivente”.

***

Mesmo com os trajes espaciais prontos para serem usados em meados de


novembro, e com os preparativos em andamento para começar a filmar no
cenário da vasta Anomalia Magnética de Tycho em Shepperton, do outro
lado de Londres, a uma inconveniente distância de Borehamwood, Kubrick
continuava adiando a data do início de 2001. A essa altura, o cenógrafo Bob
Cartwright, que estivera muito envolvido durante todo o período de pré-
produção, tinha se tornado uma espécie de assistente pessoal do diretor para
questões de design. Na prática, isso significava que ele não parava de
transitar entre o Bloco 53 e os escritórios de Tony Masters e Harry Lange,
distantes do complexo do estúdio, transmitindo mensagens e diagramas. Ele
não havia escolhido essa função e Cartwright achava que seu verdadeiro
trabalho — fazer os arranjos e decorações dos cenários — estava sendo
prejudicado por isso. Também estava cada vez mais exasperado com as
táticas protelatórias do diretor.
“Minha experiência cinematográfica dizia que, se fosse marcada uma
data para uma tomada numa sexta-feira, dia 15, esse era o dia para estar
pronto”, recordou. “Mas não com Stanley, pois ele estava no controle e
dizia: ‘Não se preocupe’, e empurrava para três semanas mais tarde. Era
desgastante.” O mesmo ocorria com Gentleman, que achava que seus
pontos de vista vinham sendo ignorados. Cartwright começou a espanar.
Também estava cansado de ser acordado de madrugada pelos telefonemas
de Kubrick — outro ponto de atrito com Gentleman — e acabou perdendo a
paciência.
Um dia, no começo de novembro, disse: “Stanley, você não está
prestando atenção em mim. Como faço para ter sua atenção?”. Para
surpresa de Kubrick, Cartwright subiu na mesa do diretor e começou a se
posicionar de cabeça para baixo. “Preste atenção, Stanley”, disse, agora de
ponta-cabeça, olhando para ele a centímetros de distância. “Se você não
tomar uma decisão hoje, eles vão cancelar o início das filmagens.”
Kubrick logo comunicou aquela ocorrência estranha a Masters, que
achou que precisava intervir. “Escuta, você está chateado?”, perguntou o
designer ao colega. Cartwright explicou que não conseguia ter a atenção de
Kubrick, o que significava que eles não poderiam construir componentes
importantes para o cenário — o que já era algo difícil, dado que tudo tinha
de ser desmontado e transportado para Shepperton —, o que por sua vez
significava que eles não conseguiriam começar a filmar na data marcada.
Todavia, a mediação de Masters não conseguiu amenizar a situação. Em sua
conversa seguinte com Kubrick, Cartwright continuou de cabeça para
baixo, só que não mais exasperado. “Acho que não estou conseguindo”,
comentou. “E mais. Vou ter que sair.”
“Você não pode fazer isso”, protestou Kubrick.
“Posso dar um aviso prévio de cinco ou seis semanas”, disse Cartwright.
“Não, isso não vai funcionar”, replicou o diretor. “Vamos dar um jeito.”
Cartwright, que tinha realmente perdido a paciência, recusou. “Depois
disso ele ficou furioso”, recorda. “Disse que eu nunca mais trabalharia no
cinema. Posso entender a frustração dele. Foi injusto da minha parte parar
de lutar, eu realmente devia ter continuado. Mas eu me sentia cada vez mais
desgastado. A gente chega a um ponto em que não consegue terminar nada,
não consegue fazer nada.”
Apesar da ameaça, uma década depois Kubrick ofereceu a Cartwright o
cargo de decorador de cenários em Barry Lyndon — um crédito importante.
“Eu tive que dizer não”, lembra Cartwright. “Stanley perguntou: ‘E o que
você está fazendo?’, ‘Não estou fazendo nenhum filme, estou trabalhando
na reconstrução de um casarão’. Se eu não estivesse ocupado, teria
aceitado. Ken Adam aceitou o trabalho e acabou tendo um colapso nervoso.
Não é que…”, hesitou.
“Ele é um sujeito muito legal. Stanley. Não é que seja ruim. Eu estava
acostumado a trabalhar com prazos […]. Stanley não dava a mínima para
prazos.”

***

No final de novembro, Kubrick adiou mais uma vez o início da produção,


dessa vez do início para o final de dezembro — realmente flertando com o
desastre, pois o Palco H precisava ser desmontado e entregue para outra
produção em uma semana. Com sua típica atenção aos detalhes, Kubrick
mandou trazer diversos tipos de areia de várias praias do Reino Unido para
Borehamwood, mas nenhuma parecia ter a cor certa. Por isso, foi preciso
tingir cerca de cem metros cúbicos de uma areia especialmente fina num
tom cinza-escuro — noventa toneladas, aliás, que depois tiveram de ser
transportadas para Shepperton, despejadas no Palco H e cuidadosamente
espalhadas pelo local de escavação lunar de quarenta metros de
comprimento e vinte metros de largura. A base era o piso do palco, e a
superfície da Lua era representada por uma plataforma retangular
construída dez metros acima e acessível somente por duas largas rampas de
aço gradeadas que alcançavam as paredes reforçadas.
Seguindo uma sugestão de Masters, foi preparado um monólito de
madeira preto de mais de três metros de altura. Depois de muita discussão, a
proporção de suas dimensões foi determinada pelo quadrado dos três
primeiros números inteiros, 1:4:9 — fórmula lógica que ele bolou pouco
depois da visita de Masters à feira de acrílico. Depois disso, foi construída
uma espécie de linha de montagem de monólitos na oficina de carpintaria,
bem atrás da casa de força da MGM. Foram testados diversos tipos de
madeira. Uma mistura de grafite com uma tinta preta fosca foi borrifada na
superfície, o que, depois de muitas camadas, produziu o lustro de uma
superfície metálica escura. No fim, foram produzidos algo como catorze
monólitos, que Masters era obrigado a descartar praticamente no mesmo
ritmo em que eram produzidos devido a pequenos defeitos que empanavam
a tão desejada aura de perfeição poderosa e inescrutável.
Mesmo aquele que finalmente passou pela inspeção — o monólito
escolhido — não ficou isento de críticas do diretor. Embora sua forma e
acabamento fossem impecáveis, impressões digitais de poeira podiam ser
vistas em sua superfície com uma nitidez extraordinária. “Ele ficava assim”,
recorda Masters, levantando-se para demonstrar. “E daí dizia: ‘Estou vendo
marcas de dedo’. ‘Eu sei que está vendo, Stanley, mas não sei o que
podemos fazer’. E ele dizia: ‘Bem, não pode haver nenhuma marca de dedo
numa coisa vinda do espaço. Todo mundo que mexer com isso vai ter de
usar luvas, e ninguém vai chegar perto — não pode ter marca nenhuma’.”
Para complicar ainda mais as coisas, o monólito absorveu uma carga
estática durante o transporte até Shepperton, e quando foi exposto ao
rególito da poeira lunar do cenário, “Foomp! Ficou coberto de pó”, contou
Masters. “Tivemos que usar compressores de ar para desempoeirar o
maldito monólito. Só então jogamos as luzes em cima, mas depois de três
ou quatro horas eu comecei a roer as unhas porque, com o aumento do
calor, dava para ver pequenas bolhas começando a se formar na superfície.
‘Ah, meu Deus! Se o Stanley vir isso.’ E se por acaso um eletricista que
passasse por perto encostasse a mão no monólito — ‘Parem a filmagem! De
volta para a oficina para uma nova pintura!’ Foi inacreditável o que
passamos para proteger aquela coisa.”
Com o monólito a postos em Shepperton, o cenário pronto e equipado,
os trajes de Lange entregues e já com todos os acessórios, as assinaturas de
todos os atores já secas nos contratos e um supervisor de produção
fungando no seu cangote, Kubrick esperou até o último minuto possível. Só
então anunciou: “Vamos ter que fazer”.
A produção tinha começado.

4. Mais tarde, Ordway avaliou a peça em 50 mil dólares — pouco menos de 400 mil dólares de hoje.
[ «« ]
5. Kubrick tinha lido o livro de 1962 de Robert Ettinger, The Prospect of Immortality, que introduziu
a criogenia — o congelamento de corpos humanos depois da morte, na esperança de que os avanços
científicos um dia pudesse revivê-los. [ «« ]
6. Em um conto de 1972 intitulado “The Big Space Fuck”, Kurt Vonnegut batiza sua nave espacial,
“com quatrocentos quilos de esperma congelado no nariz”, de Arthur C. Clarke, “em homenagem ao
famoso pioneiro espacial”. Sua missão era engravidar a galáxia de Andrômeda. [ «« ]
7. Para os que se sentirem tentados a observar que os computadores da virada do século já eram bem
menores que os imaginados por Elliot Noyes para 2001, seria bom ver imagens no Google dos
supercomputadores contemporâneos. Assim, vão perceber o quanto Masters, Ordway, Lange e a
empresa estavam certos, baseados na ideia da IBM. [ «« ]
8. Como Kaminsky é assassinado por uma inteligência artificial, o nome é uma espécie de tributo a
um dos principais assessores de Kubrick, o cientista cognitivo e pioneiro em inteligência artificial do
MIT Marvin Minsky. [ «« ]

9. Apesar dos esforços para distanciar da IBM o supercomputador “experimental” da Discovery,


quando o filme foi lançado alguém notou que, se acrescentarmos as letras seguintes ao acrônimo
HAL, o resultado é IBM. Embora a possibilidade de isso acontecer por coincidência ser extremamente
rara, tanto Kubrick como Clarke negaram veementemente que tenha sido intencional, e não há razão
para duvidar da sinceridade dos dois. Se não foi totalmente uma coincidência, pode ter sido
inconsciente — assim como ter chegado ao nome “Bowman” meses antes de reconhecer sua ligação
com Odysseus. [ «« ]
10. Kubrick está se referindo ao Paradoxo de Epimênides: “O cretense Epimênides diz que todos os
cretenses são mentirosos, mas Epimênides também é cretense, portanto também é mentiroso. Mas se
ele for um mentiroso, o que ele diz é uma inverdade, e consequentemente os cretenses dizem a
verdade; mas Epimênides é cretense, e portanto o que ele diz é verdade; ao dizer que os cretenses são
mentirosos, o próprio Epimênides é um mentiroso e os cretenses são mentirosos e dizem a verdade”.
(Thomas Fowler, 1869) [ «« ]
11. Esse alinhamento seria de fato aproveitado naquele ano pela espaçonave Cassini, então ainda sem
nome, com destino a Saturno, tendo sobrevoado Júpiter em 1º de janeiro de 2001 a caminho do
planeta dos anéis. [ «« ]
12. Para uma evocativa interpretação das crianças selvagens e telecinéticas de Clarke, ver a
impactante capa de Aubrey Powell para o álbum Houses of the Holy do grupo Led Zeppelin,
inspirada diretamente no final do livro. Uma dúzia de crianças nuas galgando as rochas quadradas da
Calçada dos Gigantes, na Irlanda do Norte, sob um céu misteriosamente alaranjado. [ «« ]
13. Provavelmente Kubrick ouviu a citação diretamente de Clarke, mas, como já mencionado, já fora
citada em uma das histórias de Clarke que ele havia reservado, “Fora do berço, em órbita para
sempre”. [ «« ]
Capítulo 6

A produção
DEZEMBRO DE 1965 – JULHO DE 1966

Nunca deixe seu ego se interpor a uma boa ideia.


Stanley Kubrick

A produção de 2001: Uma odisseia no espaço começou no dia 30 de


dezembro de 1965 com a escavação de dez metros de profundidade na
superfície da Lua, na conhecida cratera de Tycho, ao sul, onde a Terra está
sempre baixa no horizonte lunar, uma vantagem para a cinematografia. Na
verdade, tratava-se de um quadrilátero de 35 × 18 metros de placas de metal
gradeadas subindo do piso de concreto do Palco H em Shepperton, o local
da Anomalia Magnética de Tycho (TMA-1 para Kubrick, Clarke e
companhia). O local onde a humanidade tinha descoberto o primeiro
artefato alienígena era de uma dimensão que ainda cabia sob o teto de um
estúdio dentro dos limites do Reino Unido. Fazia 21 meses que Kubrick
havia escrito a Clarke propondo que realizassem “o proverbial filme de
ficção científica ‘realmente bom’”.14
É difícil exagerar a magnitude da transição entre a pré-produção e a
produção. Pré-produção é uma coisa ambiciosa e visionária. É onde os
cineastas projetam uma visão idealizada do que desejam fazer e se
empenham para estabelecer as melhores condições possíveis, sejam
financeiras, logísticas ou conceituais, a fim de realizá-la. Os trabalhadores
certos, o equipamento certo, o cronograma certo. Não é muito diferente de
planejar uma batalha.
A produção é quando se descobre qual porcentagem dessas aspirações
poderá ser realizada. É quando o automóvel pega a estrada. Qualquer
historiador militar dirá que até mesmo a ofensiva mais meticulosamente
organizada se desvia do plano no momento em que é lançada. Ou, para citar
Mike Tyson, todo mundo tem um plano até levar um soco na boca. Ainda
assim, realizar somente uma porcentagem razoável das aspirações originais
pode resultar em algo bem melhor do que simplesmente bom.
As ambições de Kubrick havia muito tinham ido além de “realmente
bom” — embora ele não tenha exatamente admitido isso. Em vista do que
já tinha realizado mesmo antes de filmar uma única tomada, ele até poderia
se conformar com esse resultado. Apesar do caos aparente — as guinadas
bruscas da trama e do conceito, as alterações de última hora, as constantes
reviravoltas dos rumos dramatúrgicos —, o processo de pré-produção
liberou para Kubrick todos os recursos de um grande estúdio. Por trás do
diretor havia um grande orçamento, com a possibilidade de ser aumentado
se ele o ultrapassasse — algo que o departamento de contabilidade já estava
alertando que aconteceria.
O recrutamento tinha sido impecável. Kubrick reuniu em torno de si
uma equipe de talento e capacidade excepcionais. Podia contar com o
irrestrito apoio de Robert O’Brien, o diretor do estúdio. Seu cinegrafista,
Geoffrey Unsworth, era um dos melhores do ramo. O mesmo se podia dizer
sobre seus demais colaboradores. E ainda contava com Arthur C. Clarke
como interlocutor, um intelectual de reconhecimento internacional, que
aceitara o fato de que não poderia parar de aumentar a história — algo que
ainda não tinha terminado, apesar de todo o seu empenho, apesar dos
cenários concluídos, apesar de estarem, naquele momento, encaixando os
rolos de filme na volumosa câmera Panaflex.
Mesmo que sua tendência fosse sempre de, dia após dia, ir além do
imaginado no dia anterior — um processo constante de querer sempre mais,
às vezes em detrimento da sanidade de seus colaboradores —, Kubrick
havia chegado a condições mais do que adequadas para realizar seu objetivo
principal. O que ele desejava agora era um filme que abrangesse “nada
menos que as origens e o destino do Homem” — algo que ele não tinha
deixado Clarke afirmar tão explicitamente naquele artigo da Life que não
chegou a ser publicado.
Todos os que estavam presentes no primeiro dia de produção de 2001
mencionam acima de tudo a emoção do evento: Kubrick segurando a carga
de dez quilos da Panaflex nos ombros e filmando por trás os caminhantes da
Lua em seus trajes espaciais, enquanto desciam a rampa em direção ao
monólito abaixo. O diretor assistente Derek Cracknell o acompanhava,
levando a bateria. O operador Kelvin Pike, com outra câmera, monitorava o
foco e o diafragma. Era a mais vívida demonstração da abordagem pessoal
de Kubrick, uma coisa não muito diferente do movimento de abertura de
uma partida de xadrez.

[50] Kubrick com uma pesada câmera Panaflex nos ombros em Shepperton.
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Ivor Powell, um jovem assistente de Roger Caras, lembra-se muito bem


do momento: “Aquilo era uma Panavision, aqueles trambolhos grandes, e
ver o diretor segurando a câmera e filmando foi incrivelmente empolgante”,
declarou. Ficou especialmente impressionado com os capacetes espaciais de
Lange. “Meu Deus, como eram bons. Eram de arrepiar. Eram muito
bonitos, imbatíveis até hoje.”
Na verdade, a tomada feita pessoalmente por Kubrick foi no segundo
dia: sexta-feira, 31, véspera de Ano-Novo. A cena foi mantida na edição
final, transmitindo uma visão subjetiva, a sensação de estarmos entre os
astronautas que desciam em direção ao misterioso objeto retangular. O dia
30 foi dedicado a inúmeras tomadas de pontos de vista estáticos em grande-
angular, inclusive de uma plataforma alta, com um bocado de espaço escuro
vazio ao redor da bem iluminada escavação da Anomalia Magnética de
Tycho, no centro da estrutura.
Assim, os primeiros rolos de filme de 2001: Uma odisseia no espaço
foram dedicados a tomadas impactantes e evocativas da grande estrutura do
cenário. Nelas, seis astronautas em trajes espaciais prateados caminham até
a beira da escavação e param para observar o monólito no centro. Nesse
primeiro dia de produção, foram filmados de forma que aquela parada
permitisse um pequeno diálogo entre o comandante Halvorsen e Floyd, o
funcionário da agência espacial:
“Lá está ele.”
“Podemos chegar mais perto?”
“Com certeza!”
Talvez reconhecendo a banalidade do diálogo, Kubrick repetiria a
tomada em 2 de janeiro sem nenhum diálogo. Nessas tomadas, uma das
quais se encontra na edição final, os astronautas simplesmente param na
beira da escavação para observar o monólito em silêncio. Em vez de ser
logo enviado para o laboratório para revelação, o negativo foi despachado
para o depósito climatizado da MGM e guardado como “tomadas
reservadas”. Mais tarde, os efeitos visuais preencheriam as áreas escuras ao
redor da parte iluminada do cenário, usando-as como uma tela vazia a ser
completada pela rugosa topografia lunar, com uma Terra azul-clara
pairando no céu estrelado.
Era uma demonstração da confiança de Kubrick no processo idealizado
com os Wallys dos efeitos visuais — Wally Gentleman e Wally Veevers:
seriam feitas somente duas tomadas para cada cena que exigisse o
acréscimo posterior de uma paisagem lunar. Isso deixava pouca margem
para erro, pois essas cenas não poderiam ser refilmadas depois, no caso de
algum engano: o cenário já teria sido demolido há muito tempo. E como as
filmagens foram feitas no início da produção, as tomadas em Shepperton
que requeriam efeitos adicionais ficaram dois anos acondicionadas, sem
serem reveladas, em um depósito climatizado, antes de finalmente passarem
por uma câmera afixada no suporte de animação, para ganhar o terreno
lunar ao redor e a Terra. Era um procedimento de risco, bem diferente da
prática habitual com os preciosos negativos de câmeras de primeira
geração, que costumavam ser revelados de imediato. Como exemplo de
abertura do jogo complexo que apenas começava, exigia tanto coragem
como sorte.
Antes dos ensaios na Anomalia Magnética de Tycho no dia 29, a
segunda unidade também filmou diversas outras sequências. A maior parte
de 2001: Uma odisseia no espaço foi rodada em 65 milímetros, mas todo
esse material, filmado pouco antes do Natal, foi rodado em 35 milímetros,
que era o padrão, para ser visto nas várias telas espalhadas pelos cenários.
As cenas produzidas antes de Shepperton incluíam uma recepcionista
encarregada dos passaportes, uma luta de judô e um jovem casal batendo
papo num carro-conceito da GM, em forma de dardo. As três são visíveis na
edição final: a terceira num rápido vislumbre na tela plana montada no
encosto do banco da frente de um Heywood Floyd adormecido, no ônibus
espacial da Pan Am, em direção à estação espacial.
Assim, para ser rigorosamente preciso, a produção de 2001: Uma
odisseia no espaço começou em 17 de dezembro de 1965, com sequências
filmadas pela segunda unidade em 35 milímetros. Cenas desse dia com
falas escritas por Kubrick mostravam de forma sutil seu distanciamento da
visão mais otimista de Clarke a respeito da Era Espacial. Uma jovem de
uniforme cor de terra convida um visitante da estação espacial para uma
“identificação por reconhecimento de voz”. Depois de instruí-lo sobre os
procedimentos necessários para passar pelo portão automático, ela continua:

Apesar de um registro excelente e sempre aperfeiçoado, ainda há certos


riscos inerentes a viagens espaciais e um custo muito alto por transporte
de carga. Por esse motivo, é necessário que o Transporte Especial o
avise de que não pode se responsabilizar pelo retorno do seu corpo à
Terra em caso de falecimento na Lua ou a caminho da Lua. Mas saiba
que um seguro cobrindo essa contingência encontra-se disponível no
saguão principal. Obrigada. O senhor foi liberado pela Identificação de
Voz.

Como tantos outros diálogos do roteiro, esse não chegaria à montagem


final.

***

Mesmo não sendo um palco de som, por não ser à prova de som, as
dimensões de Shepperton eram grandes o bastante para conter um
ecossistema próprio. Moscas passavam zumbido durante os ensaios com as
câmeras sob a luz dos refletores. No dia 1º de janeiro, Kubrick notou que
uma mosca tinha pousado em um capacete durante uma tomada, avisou a
script girl e o evento foi devidamente anotado no Relatório Diário de
Continuidade. Em outra ocasião, um morcego não parava de adejar entre os
astronautas e o monólito. Estava em busca de moscas lunares, mas acabou
sendo caçado com uma rede por um contrarregra. Quando apanhado, depois
de interromper a produção durante toda a manhã, o morcego mordeu a mão
de seu captor antes de ser levado para fora e solto no ar gelado. Um sistema
de comunicação de “indução magnética” muito badalado foi instalado no
recinto a um grande custo, o que deveria permitir a comunicação em dois
canais entre Kubrick e os atores em trajes espaciais. Ao contrário do que
dizia seu comunicado à imprensa, o dispositivo não funcionou como
anunciado.
Apesar desses problemas, as filmagens foram concluídas antes do prazo,
em 2 de janeiro. Isso ocorreu, em parte, porque muitos diálogos foram
cortados e transferidos para outra cena: o percurso do Ônibus Lunar entre a
base e o local de escavação de Tycho. Rascunhos do roteiro final datados de
novembro mostram uma conversa entre os astronautas diante do monólito
quando discutiam seu propósito, deixando claro também que o objeto logo
seria exposto à luz do sol pela primeira vez em 4 milhões de anos. Indagado
sobre a cor do objeto, um deles teria respondido: “Em um primeiro exame,
o preto sugeriria algo alimentado por energia solar. Mas por que alguém
enterraria um dispositivo movido a energia solar?”. Isso seria esclarecido
quando o monólito emitisse “uma série de cinco sinais eletrônicos intensos”
no final da cena — provocando um paroxismo nos visitantes, que tentavam
proteger os ouvidos, inalcançáveis sob os capacetes. Mas Kubrick, já com
claras intenções de inserir certas ambiguidades no filme, optou por
comunicar essa história somente com imagem e som.
Filmes dramáticos em geral são filmados fora de sequência, e uma série
de cenas mostrando a viagem de Floyd à Lua foi rodada nos dias seguintes.
Tendo deixado as moscas e morcegos de Shepperton para trás, a tropa de
atores, técnicos, maquiadores, assistentes de figurino e assistentes de foco
voltaram para o ambiente mais estéril do Palco 2 de Borehamwood, onde
fora construído um cenário representando a área circular e luxuosamente
almofadada de passageiros de Aries, o veículo de transporte lunar. Lá, uma
comissária de bordo usando um imaculado uniforme branco da Pan Am de
Hardy Amies tenta servir um lanche ao adormecido Heywood Floyd, e
numa série de tomadas de 4 de janeiro, o capitão da Aries, interpretado por
Ed Bishop, tenta extrair informações de seu passageiro VIP. Estão
circulando “alguns boatos sobre um problema em Clavius”, comenta,
referindo-se ao seu destino na Lua. Enquanto isso, a bandeja retangular de
uma refeição líquida com canudinhos sai de seu colo flutuando na
gravidade zero — um efeito obtido com um dispositivo simples e uma linha
de pesca criado por Wally Veevers.
Se tivesse chegado à montagem final do filme, o diálogo entre os dois
teria antecipado um elemento da história já explícito numa cena da estação
espacial a ser filmada mais tarde, ainda em janeiro, mas que seria
introduzido mais cedo no arco narrativo de 2001. No dia seguinte, 5 de
janeiro, eles rodaram um dos poucos momentos humorísticos do filme: um
Heywood Floyd muito sério lendo as instruções do Banheiro de Gravidade
Zero (“aconselha-se que os passageiros leiam antes de usar”), com dez itens
de orientação localizados do lado de fora do banheiro.

***
Era manhã de 6 de janeiro, e Vivian estava muito irrequieta. Ela queria
fazer o que o pai lhe pedira, por isso usava uma blusa nova vermelha, com
babados na manga, mas as luzes que atingiam seus olhos eram muito fortes
— por que elas tinham de ser tããão fortes? —, e o papai estava lá, ao lado
da câmera, não ali, perto dela, e aquele homem segurando uma coisa
grande em cima da cabeça dela dizendo que aquilo servia para captar as
suas palavras, as que vinha tentando lembrar — que se chamava
“microfone” por que era para ouvir. Tudo era muito confuso. A irmã tinha
avisado que seria estranho. Anya já havia passado por isso no dia anterior, e
mesmo com a mãe presente ao fundo, às vezes dizendo palavras de
encorajamento, e apesar de todo mundo ser muito simpático e amigável,
tinha um monte de homens estranhos ao redor, fazendo coisas estranhas
com equipamentos estranhos.
Eles já tinham feito três tomadas, mas pelo que ela observou, ninguém
tinha levado nada embora, e disseram que aquela seria a quarta. Papai tinha
falado corta, bem baixinho, no meio da primeira, mas ninguém cortou nada
que ela pudesse ver, e depois pediu para ela olhar para o lado, em vez de
olhar direto para ele — lá, onde ele estava sentado, bem ao lado da câmera,
no meio das luzes que batiam nos olhos dela, e por isso ela não conseguia
vê-lo. Agora, ele perguntou se ela estava pronta e ela disse que sim, e eles
começaram de novo. Primeiro ela ouviu alguém dizer “vire para o outro
lado”, depois alguém falou “virando”. Em seguida a primeira pessoa disse
“todo mundo em silêncio”, e depois “gravando”, outra pessoa disse
“rápido”. Então uma quarta pessoa chegou perto com uma tabuleta
retangular, com uma espécie de barra no alto que subia e descia, e subia e
descia — fazia um pequeno som, como um “claque” — e depois se afastava
depressa, e o papai dizia: “Alô, querida, como vai você?”.
E ela esperava um pouco, tentando se lembrar da resposta. Finalmente,
ela dizia “tudo bem” — mas ele já tinha começado a dizer outra coisa antes
disso. Então ele disse: “Sinto muito, vamos começar de novo”. E eles
começaram, dessa vez sem tantos cortes e claques. “Triimmmm”, disse o
papai, como um telefone. “Alô?”, ela respondeu. “Alô”, ele disse. E eles
prosseguiram daquele ponto. Ela se lembrou de tudo, de todas as palavras,
até chegarem a Rachel estar no banheiro — esse era o nome da babá dela de
verdade: Rachel — mas aí ela esqueceu o que dizer depois disso. Então
papai falou: “Não, querida, você me pergunta uma coisa, se eu vou voltar
para a sua festa”, e ela falou aquilo, mas muito baixinho, e ele disse: “Fala
de novo. Lembre que a festa é amanhã, e fale direto comigo, bem alto”.
Então ela perguntou se ele vinha. E ele respondeu que sentia muito, mas
que não poderia, porque estava longe e só voltaria para casa dali a um ano
— um ano! —, mas que ela ia ganhar um presente mesmo assim. E
perguntou o que ela queria, e ela pensou sem conseguir se lembrar, por isso
respondeu “Um telefone”. E papai falou, com toda paciência: “Você diz
‘um filhote de coala’”, e ela disse imediatamente, para não esquecer de
novo — “Um filhote de coala” — e ele falou: “Espera eu perguntar de
novo”. E ela fez isso, esperou e depois respondeu, mas aí ele falou: “Diga
de novo, mas agora espera até eu terminar de falar”. E ela falou, e deu tudo
certo.
E quando, por fim, ela levantou e disse “tchau”, e depois o papai disse
“tchau” e falou “corta” de novo — mas dessa vez foi “corta, valeu”, não só
“corta”, depois de tudo isso todo mundo bateu palmas e o papai foi dar um
abraço nela e disse que foi muito bom e que estava orgulhoso dela, e
mamãe também deu um abraço e a levou para casa.

***

No dia 10 de maio, segunda-feira, Ivor Powell foi encarregado de pegar


Keir Dullea em Southampton, onde seu transatlântico, o SS United States,
atracaria naquela tarde. Assim como Kubrick e Gary Lockwood, seu
parceiro de cena, o ator não gostava de aviões. O filme mais convincente
sobre exploração espacial já realizado seria capitaneado e tripulado por
homens atrelados ao chão.
A mãe de Powell tinha morrido no sábado, por isso ele estava abalado,
mas preferiu optar por cumprir seus deveres assim mesmo. Depois de
cumprimentar o ator — um tipo bonitão, de queixo quadrado e olhos azuis
impressionantes —, os dois ficaram olhando a Mercedes 250 SL de Dullea
ser retirada do gigantesco compartimento de carga do navio e depositada no
píer. Dullea estivera na Inglaterra menos de um ano antes, trabalhando no
filme Bunny Lake desapareceu, de Otto Preminger — um verdadeiro
pesadelo, dirigido por um déspota teutônico gritalhão. Dullea tinha grandes
esperanças de que essa experiência fosse diferente. Aos 28 anos, ele ainda
estava em ascensão, mas para Powell, sete anos mais novo, ele era a
personificação do glamour — um autêntico astro de cinema — e sua
chegada com um carro esportivo de dois lugares conferiu uma espécie de
frisson de James Dean ao momento. Powell logo percebeu que Dullea não
tinha nada de esnobe — pelo contrário, mostrou-se simpático e receptivo,
muito solidário quando soube da morte da mãe de Powell, e os dois se
entenderam bem a caminho da cidade, a bordo da Mercedes.
Lockwood tinha chegado a Londres algumas semanas antes e feito uma
viagem a Roma e a Paris, onde passou um tempo com Jane Fonda — sua
amiga desde que ele desempenhara um papel coadjuvante ao lado dela em
There Was a Little Girl, na Broadway, em 1960. Voltou a Londres no dia 6 e
alugou um apartamento de Diane Cilento, mulher de Sean Connery, em
Bayswater. A partir da segunda semana de janeiro os dois atores estariam
sempre presentes em Borehamwood, onde experimentaram os trajes e
fizeram testes de maquiagem para que parecessem estar na casa dos trinta
anos. O primeiro dia de filmagem dos dois foi marcado para o dia 31.
Como assistente do principal divulgador do filme, Powell passava muito
tempo com eles. Ambos eram boas companhias, despretensiosos e sempre
prontos para piadas e festas — hábitos que logo seriam estimulados por
grandes e desorganizados lapsos de tempo que aconteciam entre ajustes de
câmera, o que podia se estender por muitas horas e até por dias, enquanto
Kubrick e Unsworth iluminavam os cenários complicados. Apesar de os
dois serem casados — Keir, com a atriz Margot Benning, e Gary, com
Stephanie Powers —, a Swinging London estava no auge. A cidade tinha se
livrado de seu torpor sombrio pós-guerra e emergido como um colorido
centro movido a estilo, liberação sexual e rock and roll. Os dois eram bons
atores, bonitões e estavam trabalhando num filme de grande orçamento com
um diretor aclamado internacionalmente, o que lhes conferia grande sex
appeal, e eles sabiam disso.
Mas ambos eram bons profissionais e sabiam decorar suas falas —
mesmo que tivessem sido revisadas na mesma manhã. No Palco 2, a pouca
distância a pé do QG da Hawk Films, atrás do prédio administrativo central
da MGM, Kubrick descobriu que o mesmo não era exatamente verdade para
seus expatriados norte-americanos de meia-idade.
Visto de fora, o Ônibus Lunar mais parecia uma barraca de cachorro-
quente em formato estranho do que a miniatura de um veículo de transporte
lunar ao qual Doug Trumbull havia acrescentado detalhes: uma caixa de
madeira alongada com múltiplas janelas e um focinho comprido, rodeado
por refletores cinematográficos. Mas com paredes almofadadas, bancos de
avião, equipamentos empacotados e luzes no teto, o interior era totalmente
convincente, e o produtor associado Victor Lyndon tinha programado
somente dois dias de produção, a começar no dia 12 de janeiro, para o que
esperava ser uma cena de fácil filmagem. Os diálogos foram preenchidos
com as falas eliminadas da cena na Anomalia Magnética de Tycho, e
deveriam funcionar como uma ponte entre a fala de Heywood Floyd na sala
de reuniões da Base de Clavius e a chegada dos astronautas ao monólito. Na
verdade, a maior parte da cena foi filmada nos dias 13 e 14, contando com
três atores principais: William Sylvester, como Floyd, Robert Beatty, como
Halvorsen, e outro ator canadense, Sean Sullivan, como Michaels.
Desde o início, houve problemas com os diálogos, com as duas
primeiras tomadas inutilizáveis — mais de cinco minutos de filme. De fala
mansa, solícito como sempre, Kubrick teve pouco a dizer além de “Vamos
tentar de novo”, enquanto o diretor assistente Derek Cracknell transportava
câmeras e dava palpites sobre o som com seu sotaque do East End. Como
era característico, Kubrick enquadrava a cena, calibrava as luzes e só então
permitia que o operador Kelvin Pike se posicionasse atrás da câmera.
Unsworth ficava fora do cenário atulhado, de olho no que acontecia.
Depois da litania padrão das produções cinematográficas no Reino
Unido — “pronto para filmar”, “rodando”, “gravando”, “velocidade do
filme”, “claquete”, “ação” —, eles voltaram a tentar uma terceira tomada,
fora de ordem e no meio da cena, que trazia Sylvester e Beatty posicionados
à esquerda e à direita do quadro, respectivamente. Sullivan se aproximou do
centro do quadro, oferecendo sanduíches aos colegas. “Parece bem bom”,
diz Sylvester. “Eles estão cada vez melhores. Oops”, disse Sullivan,
derrubando o sanduíche no chão. Por não ter ouvido o esperado “corta” de
Kubrick, ele se abaixou para pegar o sanduíche.
“Sabe, você fez um discurso … excelente, Heywood”, disse Beatty,
errando na fala. Mais uma vez Kubrick se absteve de cortar e eles
continuaram filmando. Sylvester cumprimentou os colegas pela maneira
como tinham lidado com “essa coisa” — referindo-se à descoberta do
monólito e à subsequente história a respeito de uma epidemia na Base de
Clavius — enquanto Sullivan deixava de lado o incômodo sanduíche, ia até
a frente do ônibus e voltava com as fotografias do local da escavação.
Depois de mais alguns diálogos, ele voltou até Beatty: “Quando nós o
encontramos, achamos que poderia ser um afloramento de rocha magnética,
mas todas as evidências geológicas provaram o contrário. E nem mesmo…
hã… um grande meteorito de níquel poderia produzir um campo tão intenso
como esse. Por isso nós resolvemos dar uma olhada”.
Mais uma vez, Kubrick absteve-se de cortar.

Beatty: “Parece ter sido enterrado de propósito”.


Sylvester, meio incrédulo: “Enterrado de propósito? Seus testes não
mostraram nada?”.
Beatty: “Nós só conseguimos fazer algumas verificações
preliminares. Ainda estamos esperando a equipe de segurança para
entrar num… ou, para liberar uma equipe especial de avaliação para
inspecionar tudo. O que constatamos é que a superfície é completamente
estéril, completamente inerte e não detectamos nenhuma vibração,
radioatividade ou qualquer outra fonte de energia além de certo
magnetismo”.
Apesar do novo tropeço — completando um total de quatro, inclusive a
queda do sanduíche e o “Oops” —, Kubrick foi até o final planejado para a
cena. Com 146 metros de filme, ou cerca de quatro minutos no total, foi um
erro por minuto. Kubrick disse algumas palavras tranquilizadoras a Beatty
— um ator experiente, agora com quase cinquenta anos, que já fora galã de
filmes B — e eles tentaram de novo. Mais uma, vez ele tropeçou em
diversas falas, nas tomadas 4, 5 e 6. Aí todos pararam para o almoço e
voltaram a se reunir naquela tarde para tentar novamente.
Depois do almoço, o agonizante naufrágio das “verificações
preliminares” de Beatty começou de vez. A nova estratégia de Kubrick foi
eliminar as partes problemáticas com tomadas mais curtas. As anotações no
set de filmagem contam a história. Claquete 99, tomada 1: quase três
minutos de duração: negativo, diálogo. Tomada 2: corte em menos de um
minuto por causa de tropeço de Beatty. Tomadas 3 e 4: pouco mais de um
minuto de filme: não boas, diálogo de novo. Tomada 5: para alívio de
Beatty, Kubrick disse: “essa valeu”. Mas foi uma breve moratória; as duas
tomadas seguintes não foram boas, diálogo de novo. Depois Beatty
começou a tropeçar cada vez mais nas pedras do caminho dialógico.
Catorze tomadas se seguiram, perfazendo um total de 27 naquele dia, com
dezesseis não boas, problemas no diálogo — ou vinte minutos de negativos
não aproveitados. Os que foram dados como válidos aproveitaram trechos
problemáticos das “verificações preliminares”. Ao todo, Beatty tentou essas
três falas cerca de trinta vezes; quinze nas onze tomadas que valeram, e um
número desconhecido nas dezesseis não utilizadas.
[51] William Sylvester, Sean Sullivan e Robert Beatty no Ônibus Lunar.
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Durante todo esse tempo, Kubrick se manteve calmo e controlado como


a chuva fina de janeiro que batia no telhado do estúdio o dia inteiro. Ele não
gostava de confrontos — eram contraproducentes e antiéticos, no que dizia
respeito a sua maneira de trabalhar —, mas vinha dando duro fazia meses,
sem interrupções, a fim de conduzir uma produção tremendamente
complexa, e esperava que os outros fizessem suas partes. Às vezes ele dizia
sobre a interpretação: “Realismo é bom, mas interessante é melhor”. Aquilo
não era uma coisa nem outra, e depois de filmar 45 minutos com quase a
metade indo direto para o lixo, o diretor fumegava em silêncio.
Mas ele se comportou bem, e pediu calmamente para Cracknell encerrar
a filmagem. Eles tentariam de novo no dia seguinte.

***
A cena da Base Lunar de Clavius de 2001: Uma odisseia no espaço tem
sido lembrada como especialmente notável devido aos sofisticados e
complexos cenários da espaçonave. À primeira vista, era somente uma sala
retangular que em nada se distinguia das áreas de reuniões corporativas de
hoje. Mas, apesar de perfeitamente amena e anódina como costumam ser
esses espaços, ela na verdade representava um fascinante exemplo do
perfeccionismo de Kubrick e de sua sofisticada compreensão de técnicas
fotográficas.
O diretor havia insistido para que três grandes paredes sem adornos
visíveis para o espectador fossem as únicas fontes de iluminação do espaço,
mas também que esse trio de retângulos oblongos não apresentasse
absolutamente nenhuma variação de luminosidade. Elas precisavam ser
totalmente uniformes: superfícies ininterruptas de pura luz branca. E isso
não era fácil de conseguir como pode parecer. Eles poderiam simplesmente
usar o recurso tosco de inundar as paredes com excesso de luz até que
ficassem superexpostas. Acontece que isso “estouraria” a cena e a tornaria
impossível de filmar. E quando as luzes das paredes foram rebaixadas para
níveis razoáveis, ficou muito difícil garantir que pontos quentes ou outras
variações tonais sutis não fossem captadas no filme.
Depois de discutir o problema com Kubrick, Unsworth trabalhou com
Masters para criar uma estrutura de difusão de luz simples, porém muito
eficaz. A sala de reunião era basicamente um teto, construído no fundo de
uma estrutura de madeira suspensa por cabos de aço nas vigas do teto do
Estúdio Cinco, com um piso acarpetado de parede a parede feito de uma
densa fibra de nylon. Quanto às paredes, apesar da aparente solidez — no
filme elas parecem blocos lisos de mármore — eram apenas grandes placas
de gel de poliéster translúcido esticadas entre o teto e o piso. Os cantos do
recinto ficavam escondidos por cortinas.
Contudo, só o gel não teria garantido uma iluminação uniforme, e
Masters construiu outra estrutura externa ao redor da sala de reunião, cujo
único propósito era dispersar a luz. Foram montados refletores gigantes,
todos equipados com um único bulbo de tungstênio de poder industrial do
tamanho de um melão, afixado em cima da estrutura do teto externo da sala
de reunião — uma falange retangular de artilharia leve estranhamente
apontada para longe do cenário, focada na estrutura ao redor. Composta de
placas reflexivas, funcionava como uma espécie de fosso de difusão.
Quando todo aquele poder de fogo ricocheteou no ambiente e atingiu o gel,
a luz estava totalmente chapada e eles deram o trabalho como concluído.
Um pequeno milagre na solução de um problema fotográfico, essa foi uma
maneira notável e eficiente de atingir o objetivo de Kubrick de conseguir
uma iluminação absolutamente invariável.
Até então, William Sylvester se mostrara totalmente preparado e
imperturbável. Suas falas no Ônibus Lunar foram enunciadas de forma
relaxada e com uma dicção perfeita. Mas ele deve ter se deixado
impressionar pelos problemas de Beatty de quatro dias antes. Agora os três
atores daquela cena, mais nove figurantes no papel de funcionários da Base
de Clavius, encontravam-se na impecável e opaca lavagem de luz que
banhava a sala de reunião de Masters, onde Sylvester faria o monólogo
mais longo do filme. Para dificultar as coisas, Kubrick estava tão satisfeito
com a precisão geométrica de sua grande tomada — que tinha enquadrado
como uma composição simétrica que se tornaria uma assinatura do diretor,
com o pódio do palestrante no centro e o resto da sala numa equalização
espelhada —, que queria captar a cena toda numa só tomada.
O monólogo de Sylvester era de aproximadamente 280 palavras,
divididas em dezenove sentenças ininterruptas, depois do que ele respondia
a uma pergunta de Sean Sullivan e prosseguia com outras cento e poucas
palavras, totalizando umas 380. Em princípio, todas essas falas numa
tomada de quatro minutos e meio não seriam um grande problema para um
ator experiente. Afinal, em 1959, em Stratford, Sylvester tinha interpretado
Orlando em Como queiram, um personagem com quase tanto a dizer no
momento em que a cortina se abria — e ainda por cima em inglês
shakespeariano. Mas agora ele não tinha outros personagens com quem
contracenar. Não era um diálogo, era um discurso. Ele estava sozinho.
A frase de abertura de Sylvester era: “Não deve ser difícil para vocês
perceberem o potencial extremamente grave de choque cultural e
perturbação social envolvidos nessa situação, se os fatos forem
prematuramente divulgados sem a devida preparação e condicionamento”.
Algumas palavras são difíceis, convenhamos, mas ele não conseguiu dizê-
las. Atrapalhou-se incontáveis vezes, com o número de tomadas
aumentando, uma após a outra, num total de 21, das quais somente cinco
foram consideradas boas para a revelação. As últimas nove se constituíram
numa humilhação ininterrupta e crescente de tropeços inúteis e vamos
tentar outra vez e filmando, até que Sylvester, já visivelmente tremendo e
banhado em suor, disse: “Eu não consigo mais fazer isso. Já chega”. Foi
então ajudado por uma das enfermeiras a descer do pódio e retirado do
recinto.

[52] Sylvester na sala de reunião.


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Para tornar as coisas ainda mais humilhantes, a cena foi assistida por
muito mais gente do que a cena no congestionado Ônibus Lunar: assistentes
de câmera, pessoal de suporte e equipes de som, de figurinos, de
maquiagem e de continuidade. Brian Johnson, o assistente de efeitos
visuais, recorda ter presenciado a cena. Contou que Sylvester “não
conseguiu, tentou o dia inteiro. Simplesmente perdeu a coragem.
Praticamente teve um colapso nervoso. Tremia. Tremia e teve de ser
retirado do set por causa do tremor”. Durante aquela provação, Kubrick se
manteve sentado em sua cadeira bem ao lado da gigantesca câmera
Panavision, perto da parede aberta da sala de reunião. Já tinha se irritado,
em silêncio, com os erros de Beatty alguns dias antes, mas agora se
mostrava inflexível. Ele queria sua grande tomada, era esse seu objetivo.
Embora Johnson tivesse grande respeito por Kubrick, de quem se lembra
com certo carinho, ele caracterizou o incidente como um exemplo “do
quanto Stanley podia ser cruel com seus atores”. Indagado sobre a atitude
do diretor, ele respondeu: “Ele não foi desagradável. Mas simplesmente não
quis deixar passar”.

***

Roger Caras tinha trabalhado em muitas áreas da indústria cinematográfica


antes de ser o RP das empresas de Kubrick. Já fora diretor assistente de
argumento e talento de um estúdio, e diretor de elenco de outro. Trabalhou
como secretário de imprensa de ninguém menos que Joan Crawford, e teve
de lidar com muitos atores problemáticos — algo que Kubrick conhecia
bem. Um dia, em meados de janeiro, o diretor o chamou depois de um
longo e exasperante dia de filmagem. Não estava claro se estava irritado
com os erros de Beatty na cena do Ônibus Lunar ou com os de Sylvester na
sala de reunião da Base de Clavius.
Kubrick estava “fora de si”, lembra-se Caras. Desabafou sobre o número
de tomadas perdidas e disse que não conseguiu filmar aquelas cenas — que
eram “muito fáceis” de fazer.
“Ele está usando drogas?”, perguntou sobre o ator em questão.
“Sim, está”, respondeu Caras.
“Tem certeza?”, insistiu o diretor. Caras confirmou mais uma vez.
“Bom, faça o que tiver de fazer”, disse o diretor. “Eu não quero mais ter
um dia como esse. E não me diga o que você vai fazer.”
Sem saber ao certo como lidar com a situação, mas sem a menor dúvida
de que o problema agora estava em suas mãos, Caras saiu atrás do ator e o
encontrou no vestiário. Depois de algumas simpáticas palavras iniciais, ele
anunciou o motivo da visita. “Nós temos uma coletiva de imprensa amanhã
às dez horas”, disse animadamente. “Stanley não vai filmar. Por favor,
compareça à entrevista.”
O ator pareceu surpreso. “O que significa isso?”, perguntou. “Não é
comum organizar uma coletiva de imprensa nesse estágio da produção.”
“É, verdade”, admitiu Caras, de repente mais sério. “Mas nós vamos
anunciar que você será substituído, porque é um drogado, incapaz de
decorar suas falas, e é inútil como ator”, disparou.
Diante disso, o ator olhou para seu interlocutor por um momento,
incrédulo, e começou a chorar. Depois de uma pausa sem palavras e
pontuada por soluços, Caras extraiu uma promessa para o resto das
filmagens. “Que foi mantida”, contou. “Na verdade não havia nenhuma
coletiva de imprensa. Mas ele ficou morrendo de medo.” Desde então, o
homem passou a decorar suas falas.
Alguns dias depois Kubrick chamou Caras. Como ele tinha conseguido
aquela transformação milagrosa? “Contei a Stanley exatamente o que tinha
feito”, recorda. “E Stanley disse: ‘Meu Deus, meu Deus’, parecendo
inconformado com o que eu havia dito. Eu falei: ‘Stanley, você disse para
eu fazer o que tinha de fazer. Você continua tendo problemas com suas
filmagens?’. As coisas eram assim. Tudo de que Stanley precisasse.”

***

Durante os meses de dezembro e janeiro, uma estranha precursora da roda-


gigante London Eye foi erguida e equipada no Palco 4. Um interior
projetado por Masters e Lange em Nova York e construído em partes na
MGM, e uma grande estrutura externa planejada e construída por Vickers
Armstrong, o cenário da centrífuga de 2001 representava um jeito mecânico
de produzir gravidade artificial em missões espaciais de longa duração.
Com doze metros de diâmetro, três metros de largura e pesando trinta
toneladas, estava entre os maiores cenários móveis já construídos. E deveria
ser maior ainda, mas a estrutura tinha a altura máxima permitida pelo
estúdio de som de Borehamwood.
Construída a um custo de mais de 750 mil dólares, a centrífuga
abocanharia cerca de 1/8 do orçamento original do filme, que a MGM já
havia atualizado para 6,5 milhões. Mas, quando a poeira assentou e os
contadores puderam fazer seu trabalho, o custo ficou perto de 1/14 do
orçamento final do filme, que acabou girando entre 10,5 milhões e 12
milhões. A parte central do chão do estúdio teve de ser aberta com
britadeiras para a instalação de uma nova base de concreto a fim de
acomodar a centrífuga, e também foi afixada uma viga de suporte,
piramidal e dupla, diretamente na base. Os dois lados do cenário eram
tambores perfeitamente simétricos, com as partes externas equipadas com
passarelas de aço de piso de madeira recurvado e um anel de refletores,
todos apontados para o eixo, ou “para baixo”, na direção do círculo exterior
— ou seja, na direção do piso da roda de exercício de ratinhos brancos,
invisível do lado de fora. Uma série em forma de disco de gel difuso
garantia uma distribuição homogênea da luminosidade no interior
enclausurado.
[53] O cenário da centrífuga dominou o Palco 4.
© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

Dos dois lados, dispostas em diversos pontos ao longo da roda externa,


havia um conjunto de projetores Bell and Howell de 16 milímetros, todos
apontados para as telas planas da centrífuga. Doze foram montados sobre
uma estrutura retangular unicamente para as telas do console de HAL. Se
acrescentarmos as telas dos registros médicos dos três astronautas em
hibernação, era um total de quinze projetores funcionando
simultaneamente. Fazê-los todos funcionar ao mesmo tempo e em sincronia
não foi uma questão trivial, e serve como exemplo de uma técnica de
direção que Kubrick às vezes usava — a de jogar seus talentos uns contra
os outros. Os ensaios foram programados para começar em 31 de janeiro,
mas em meados do mês ainda não tinha sido descoberta uma forma
satisfatória de montar os projetores na estrutura rotativa. O principal artífice
dessa montagem, bem como de todos os efeitos mecânicos, era Wally
Veevers.
Veevers era um personagem fascinante. Entre outras coisas, foi
responsável pelos bombardeiros B-52 de Dr. Fantástico, e seu nome nos
créditos em efeitos visuais retrocedia até o seminal filme de ficção
científica britânico Daqui a cem anos, de 1936 — o filme que fez Kubrick
dizer para Clarke: “Nunca mais vou assistir a um filme que você me
recomendar”. Calvo e encorpado, parecido com Alfred Hitchcock, mas com
um nariz de buldogue, era muito querido pelos colegas de trabalho, muito
competente e conhecido por seu pavio curto, o que às vezes o deixava
vermelho como um pimentão. Veevers construiu um desajeitado conjunto
de traves de aço para a instalação dos projetores da centrífuga, com os
equipamentos organizados a diferentes distâncias das telas do painel de HAL
— um arranjo que exigia lentes com diferentes aberturas para compensar as
diferentes distâncias. Infelizmente, isso criou um problema novo: as telas
mais distantes dos projetores ficavam menos iluminadas do que as outras.
Kubrick estava ciente disso e, sem que Veevers soubesse, chamou Brian
Johnson e disse que eles estavam ficando sem tempo. “Preciso que você
refaça isso, porque não vai funcionar do jeito que Wally está planejando”,
explicou. Com 26 anos, Johnson fora contratado diretamente da
Thunderbirds, a série de TV bem-sucedida do produtor Gerry Anderson,
para a qual foi responsável pela construção e filmagem dos foguetes e
espaçonaves. Vinha trabalhando nas miniaturas de 2001, que agora eram
construídas no estúdio. Depois de sua conversa com Kubrick, Johnson foi
ao Palco 4 estudar a situação.
Logo percebeu que os projetores poderiam ser dispostos de forma
diferente. Todos os posicionados na vertical poderiam ser pareados com
outro afixado logo abaixo. Apesar de ficarem de cabeça para baixo, os
projetores de baixo logo resolveram os problemas criados pelo projeto de
Veevers: como o cenário inteiro estaria girando, todos os projetores fariam
rotações de 360 graus; ali não havia “em cima” ou “embaixo”. Claro que
alguns ficavam mesmo de cabeça para baixo em relação ao cenário interno.
Mas Johnson percebeu que eles poderiam simplesmente projetar o filme de
cabeça para baixo e em reverso — o que resultaria na posição certa das
cenas no painel frontal de HAL dentro da roda. Foi uma solução elegante.
Johnson montou quatro projetores dessa maneira, a poucos centímetros
do arranjo mais sofisticado de Veevers, avisou Kubrick e organizou um
teste comparativo A enorme roda foi girada para que o console de HAL
ficasse na parte de baixo, facilmente acessível por uma das escotilhas
retangulares do piso.15 Ao chegar com Veevers, Kubrick falou: “Certo, me
mostre o que você conseguiu”. Os filmes de animação de Trumbull e Logan
com o fluxo de dados de HAL foram copiados em oito rolos de filme de 16
milímetros e colocados nos projetores pelo editor assistente David De
Wilde. Veevers, Johnson e Kubrick subiram até o cenário por meio de um
alçapão. O material de Veevers era o que estava ao lado do olho ciclópico
de HAL, e o de Johnson ficou do outro lado.
Quando De Wilde passou os filmes, logo ficou claro qual dos dois era o
melhor sistema: o de Johnson. Ambos saíram em silêncio da centrífuga.
“Wally, arquive o seu treco. Vamos usar o do Brian”, disse Kubrick,
afastando-se. Veevers, furioso, pegou o suporte de um refletor com as duas
mãos, bateu com ele no chão e saiu andando, a cabeça parecendo um
sinalizador esmaecendo na escuridão.
E ficou sem falar com Johnson por várias semanas.
Quando fizeram o primeiro teste com o conjunto dos quinze projetores e
a centrífuga em rotação ao mesmo tempo — em um total de trinta bobinas
de filme na gigantesca roda do cenário —, por alguma razão eles não
levaram em conta as forças gravitacionais em jogo. Como resultado, todas
as bobinas caíram, chocando-se duas a duas no piso circular de madeira que
apoiava a estrutura da centrífuga.

***

Se fosse feito um mapa das peregrinações de Kubrick durante as filmagens


de 2001, as órbitas inscritas seguiriam sempre a câmera numa disposição
heliocêntrica. O diretor podia fazer longas trajetórias cometárias por regiões
mais distantes, para se consultar com Geoffrey Unsworth sobre questões de
iluminação ou com Tony Masters sobre os cenários. Mas sempre voltava
pensativo para a grande câmera Panavision, equipada com lentes Zeiss,
contrariando o acordo contratual com a Panavision. Em geral, levava
também pelo menos uma câmera fotográfica pendurada no pescoço.
Se a tomada fosse um pouco mais complicada, o diretor operava a
câmera pessoalmente — não por dúvidas sobre a capacidade do operador
Kelvin Pike, mas simplesmente por ser o jeito de Kubrick. Esse foi um dos
motivos por que o diretor não conseguiu, e não quis, continuar em
Hollywood no final dos anos 1950. Houve muitos outros, mas esse foi um
dos mais fortes, pois as regras do sindicato proibiam qualquer um que não o
cinegrafista e seu assistente de operar a câmera em Hollywood, e um
Kubrick impedido de manusear a própria câmera era um Kubrick artificial e
desajeitado. Ele simplesmente não se segurava. Mesmo quando não operava
a câmera, era sempre ele quem enquadrava as composições,
invariavelmente belíssimas.
Unsworth, é claro, também estava sempre em órbita em torno da câmera,
pois era o responsável pela iluminação, também conhecido como diretor de
fotografia. Assim como com Pike, na prática era um papel que dividia com
Kubrick. Unsworth, um profissional prestativo, calvo e de fala mansa, se
adaptara à situação com a segurança altruísta de um mestre que acreditava
firmemente que a cinematografia deveria sempre corresponder às intenções
do diretor. Artífice versátil e intuitivo, Unsworth já havia trabalhado em
filmes de 35 milímetros antes de 2001. Veteranos da produção se lembram
de Unsworth e Kubrick sussurrando durante as longas semanas da
produção, às vezes ao lado de Pike e do assistente de câmera John Alcott,
outras vezes sozinhos, enquanto reformulavam as abordagens fotográficas
de alguns dos cenários mais complexos da história do cinema.
[54] Geoffrey Unsworth.
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Kubrick não era o tipo de diretor que pedia para ser chamado só quando
o cenário estivesse iluminado, e que depois se retirava para cuidar de
qualquer outra coisa ou dar telefonemas. Se não estivesse presente durante
o processo de iluminação, invariavelmente calibrava os resultados quando
retornava. A exemplo da cena da sala de reunião da Base de Clavius, a
maioria das cenas de 2001 se caracteriza por uma iluminação fria e
uniforme, quase sobrenatural. Isso não foi fácil de conseguir, e ele e John
Alcott elaboraram uma forma eficaz de determinar se as proporções da
iluminação funcionavam — na prática, a relação entre iluminação direta,
indireta e de outras luzes, ainda que, em vista da iluminação unidirecional
usada nesse caso, esses termos não fizessem tanto sentido. A solução que
encontraram não se baseou em fotômetros, mas em inúmeras fotos em preto
e branco tiradas com uma Polaroide.
No final do período de pré-produção, Alcott realizou vários testes para
calibrar a relação entre o ajuste do diafragma da Polaroide e o das lentes
Nikon. Quando isso foi definitivamente estabelecido, aquelas pequenas
fotos quadradas e instantâneas — que na época requeriam a retirada da
película do negativo à mão e o uso de um bastão molhado para a fixação —
se tornaram a referência mais importante no set sobre como as cenas
filmadas apareceriam na tela. Essa relação de senhor e escravo, entre uma
câmera barata e de produção em série e a caríssima Panavision de 70
milímetros foi extremamente eficaz, comparável ao uso de um alto-falante
barato de automóvel para ouvir uma mixagem feita num estúdio de
gravação.

[55] Kubrick com câmera Polaroide e fotografia impressa no set do Palco 5.


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A inovação de Kubrick e Alcott foi em parte o motivo de o diretor ter


sempre ao menos uma Polaroide Land Camera quadrada no pescoço
durante as filmagens, sempre com o fole estendido. Mas a substituição dos
tradicionais fotômetros pelas Polaroides também foi uma variante do hábito
do diretor de verificar as composições com fotografias. “Acho que ele
enxergava as coisas de modo diferente quando via através da câmera”,
comentou Alcott.

Quando você olha por uma câmera de cinema, está vendo uma imagem
tridimensional, por isso tem uma sensação de profundidade. Mas quando
observava a foto de sua Polaroide, Kubrick via uma imagem diferente,
bidimensional — era só uma superfície, e o mais próximo do que seria
visto na tela. Muitas vezes, pouco antes de começarmos a filmar, ele
mudava o ajuste, porque não tinha gostado do que viu na Polaroide.

Por esse motivo, durante toda a produção, estima-se que o diretor tenha
tirado 10 mil fotos Polaroide enquanto a luz era ajustada e depois
reajustada, com as posições das câmeras alteradas. As fotos eram
espalhadas por toda parte, como uma espécie de confete de imagens
instantâneas empilhadas nos cantos e varridas pela limpeza da noite.
Somente aquelas consideradas de utilidade direta para continuidade ou
composição, ou para determinar os principais ajustes de exposição, eram
conservadas por Alcott, que as mantinha num álbum ao lado da câmera.

[56] Teste de iluminação do “olho” de HAL, provavelmente fotografado por Kubrick.


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A atenção de Kubrick aos aspectos da cinematografia era o legado de
toda uma vida envolvido com fotografia, computados aí os cinco anos que
atuou como fotojornalista na Look Magazine, no final dos anos 1940. Seu
conhecimento sobre abertura de diafragma, extensão focal e profundidade
de campo; sobre filmes, proporções de fotogramas e tempos de exposição
era incomparável. Indagado sobre isso em 1980, Alcott — que acabaria
filmando a sequência da Aurora do Homem de 2001 e ganhando o Oscar de
Melhor Fotografia em 1976 por seu trabalho em Barry Lyndon —
respondeu: “Se ele não fosse diretor, provavelmente seria o maior operador
de iluminação do mundo”. A maestria de Kubrick a esse respeito às vezes
resultava numa dinâmica de filmagem em que, quando tudo estava pronto
para rodar depois de horas de iluminação, Unsworth dizia a Alcott: “Faça
isso com cinco seis” — uma abertura de 5.6 —, mas Kubrick dava outra
ordem: “Não, com seis três”, o que fazia Unsworth dar uma piscada discreta
e bem-humorada para Alcott antes de os dois dividirem a diferença.
Ou não. Na época em que trabalharam juntos, Unsworth tinha 52 anos e
Kubrick, 38 — uma diferença de catorze anos. Certo dia, no final da
produção, Caras convidou Unsworth para almoçar no restaurante da MGM. A
caminho do refeitório, ao passarem pelo estúdio de som de paredes de
tijolo, Caras notou o cinegrafista pensativo, de cenho franzido. “Geoffrey,
por que está tão pensativo?”, perguntou Caras.
Unsworth considerou a pergunta por um minuto. “Sabe, Roger”,
começou, “se alguém tivesse me dito seis meses atrás que a essa altura do
jogo eu ainda tinha alguma coisa importante a aprender sobre a minha
profissão, eu o teria chamado de louco. Há 25 anos que sou um dos
melhores cinegrafistas da Inglaterra, um especialista. Mas, na verdade,
aprendi mais sobre minha profissão com aquele garoto ali nos últimos seis
meses do que nos últimos 25 anos. Ele é absolutamente genial. Sabe mais
sobre o mecanismo de óptica e de química da fotografia do que qualquer
pessoa no mundo.”
Então parou e se virou, olhando Caras nos olhos. “Você sabia disso?”

***
Com a centrífuga quase concluída, Marvin Minsky, um dos pioneiros em
inteligência artificial do MIT, fez uma visita a Borehamwood, onde Kubrick
o levou para mostrar o que estava fazendo. Uma questão com que o
contingente da Hawk Films teve de lidar durante a construção da centrífuga
era que os operários da MGM que instalavam as luzes, painéis e tabiques
esqueciam a natureza dos objetos com que trabalhavam e simplesmente
largavam suas ferramentas quando saíam para almoçar. Minsk estava
posicionado na base da centrífuga para apreciar melhor seu magnífico
movimento e Kubrick mandou girar o dispositivo. Com um gemido abafado
e um potente zumbido, trinta toneladas de aço se puseram em movimento.
No meio da rotação, uma pesada chave inglesa se soltou do alto com um
terrível som rascante e caiu de uma altura de doze metros — batendo com
um bam! assustador bem perto dos pés do cientista.
“Eu poderia ter morrido!”, recorda-se Minsky. “Kubrick ficou pálido,
trêmulo, e demitiu o operário do estúdio na hora.” A experiência de quase
morte do cientista imediatamente criou um interessante yin-yang entre fato
e ficção — mais uma vez, rodas dentro de rodas. Foi Minsky quem
recomendou as palavras que compunham o acrônimo HAL, e também quem
sugeriu a Kubrick que os computadores dali a 35 anos poderiam ser tão
avançados a ponto de sofrer disfunções nervosas diante de conflitos
aparentemente insolúveis. E Kubrick deu o nome de “Kaminsky” a um dos
astronautas hibernantes de 2001 em homenagem ao criador da primeira rede
neural autodidata, a SNARC.16 Um astronauta destinado a ser eliminado,
durante o curso de sua missão, por um supercomputador assassino.

***

Depois da cena da sala de reunião de Clavius — que Kubrick foi afinal


obrigado a cortar em tomadas menores por causa do problema de Sylvester
—, todo material da Estação Espacial Cinco foi rodado sem grandes
problemas no final de janeiro. No dia 19, as primeiras palavras faladas na
projeção de 2001, 25 minutos depois dos créditos de abertura — “Pronto,
senhor, andar principal” — foram ditas pela modelo e atriz Maggie London
quando o elevador circular da estação aparece. No dia 25, Christiane levou
Vivian mais uma vez ao estúdio, desta vez para ver o pai filmar Floyd
ligando para ela no videofone da estação.
No final de janeiro, toda a atenção se concentrou na roda-gigante. As
primeiras duas semanas de fevereiro foram passadas na câmera, na sua
montagem, na assistência de vídeo, em testes de iluminação e em ensaios
com os atores. Era o ambiente de filmagem mais complexo já visto por
aquela equipe altamente experiente. Na prática, estavam planejadas duas
categorias de tomadas: as cenas em que o cenário girava e as cenas em que
ele não girava. A centrífuga podia girar nas duas direções a velocidades que
permitiam um ator andar a passos normais pelo piso. Quando girada à
velocidade máxima de 4,8 km/h, o ator poderia fazer uma corrida. Tomadas
em que a roda não estava em movimento eram relativamente simples,
realizadas de maneira normal, às vezes com refletores auxiliares para
aumentar a luz difusa projetada do teto que envolvia tudo.

[57] Stanley e Vivian Kubrick assistem a William Sylvester no videofone.


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Porém, filmar quando o cenário estava girando era outro problema. Na
prática, essas tomadas cinéticas também se dividiam em duas categorias:
aquelas em que a câmera ficava na base da roda e aquelas em que a câmera
(e uma equipe de duas pessoas) girava junto com a centrífuga. Nos dois
casos, os atores costumavam ficar na base — embora, em uma tomada
espetacular, Gary Lockwood ficasse amarrado em sua cadeira na sala de
refeições da centrífuga e girasse até o alto, onde era então visto almoçando
de ponta-cabeça, enquanto Keir Dullea entrava e descia por uma escada no
centro — doze metros abaixo e a 180º de distância de Lockwood — e
andava até ele, a roda giratória levando Bowman até o colega. No final da
tomada, os dois atores ficavam na posição normal. Um trabalho executado
de maneira brilhante.

[58] Reunião na centrífuga com, da esquerda para a direita: Stanley Kubrick, John Alcott, Kelvin
Pike, Keir Dullea, Gary Lockwood e Geoffrey Unsworth.
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Os dois tipos de posição da câmera, se é que podemos usar esse termo


para um cenário em movimento, exigiram a construção de um par de
plataformas de filmagem específico. Para tomadas a partir da base, a
câmera era montada sobre uma carreta com quatro rodas largas de borracha
— fixas em relação ao exterior do estúdio, mas em movimento em relação
ao cenário que girava. Do outro lado do piso da centrífuga, a carreta era
montada sobre uma plataforma externa ao cenário em uma fina lâmina de
aço, que permitia erguer a câmera até 40° a partir da parte mais baixa da
roda — ou cerca de seis metros do ator no piso inclinado. Isso era
necessário porque, quando andavam ou corriam, Dullea e Lockwood
ficavam sempre na base de sua roda de exercícios de alta tecnologia. Assim
que certo ângulo era escolhido e a carreta era fixada, o gigantesco cenário
girava ao redor da carreta e da lâmina presa entre a esteira de borracha no
piso, que voltava para o lugar quando a câmera passava.
O segundo tipo de posicionamento da câmera na centrífuga exigia uma
montagem ainda mais engenhosa — em que a câmera era fixada em relação
à centrífuga, mas em movimento em relação ao estúdio lá fora. De acordo
com um memorando de produção daquele janeiro, foi necessário um
aparato que possibilitasse à Panavision ser “girada como um relógio e que
mudasse de posição várias vezes em outro plano do movimento”. George
Merritt, o engenheiro da MGM, logo inventou uma engenhosa estrutura de
giroscópios que permitia à câmera — junto com o operador de câmera
Kelvin Pike e o assistente de câmera John Alcott — girar junto com o
cenário em rotação, bem presa à parede. Com um par de estruturas
circulares embutidas, a montagem giratória dava a seus passageiros
liberdade total para movimentar a câmera, independentemente de sua
orientação. Em 1984, Alcott recordou a experiência de ser transportado pelo
dispositivo de Merritt:

Nós podíamos subir junto com a roda. Era um pouco assustador ficar a
dez metros de altura. Era como um parque de diversões. Havia um
mecanismo de argolas imensas para segurar a câmera. Era uma câmera
de 65 milímetros — e também uma câmera sonora, com um grande
microfone acoplado; à medida que subíamos, o movimento era
contrabalançado pelo movimento da roda. Era realmente um pouco
assustador. Nós usávamos cintos de segurança, e podíamos pular fora a
hora que precisássemos. Para descer, bastava pisar nas polias giratórias.

Como as lentes sempre apontavam para o ator na base, mesmo quando os


operadores de câmera giravam por todo o percurso, Pike e Alcott tiveram de
aperfeiçoar a arte de manter os pés fora da estrutura. Mas assim que isso foi
resolvido, as engenhosas tecnologias utilizadas para filmar naquele
ambiente esquisito produziriam algumas das sequências mais originais e
espetaculares da história do cinema.

***

Com as trinta bobinas dos projetores presas em seus encaixes por pinças de
fixação contra a gravidade, e cada projetor abrigado em dispositivos de
isolamento de som de paredes grossas, as primeiras tomadas na grande roda
foram feitas em 16 de fevereiro — a chamada sequência da “corrida na
estrada”, em que Gary Lockwood corre socando o ar enquanto a roda gira
ao seu redor. Na montagem final, essas quatro tomadas do astronauta Frank
Poole se exercitando constituem uma demonstração extraordinária de
inovação na arte de filmar. A primeira tomada, mais longa, serviu para
catapultar a plateia a uma estranha e surpreendente região em que “em
cima” e “embaixo” deixavam de ter seus significados usuais.
Nessa primeira visão interna da gigantesca espaçonave Discovery rumo
a Júpiter, a proporção alongada e retangular da bitola de 65 milímetros foi
utilizada com todas as suas vantagens. Vemos Poole vindo em direção à
câmera em posição horizontal, com o rosto à esquerda e os pés à direita,
correndo pelo que parece ser um piso circular infinito. Quando ele passa
correndo, sua posição horizontal muda para a vertical, como se visto por
baixo — mas isso logo se transforma, e sua posição se inverte em relação
ao início da cena: agora Poole está se afastando, os tênis à esquerda, a
cabeça à direita. Durante todo esse tempo, sem nenhum corte ou alteração
na posição da câmera, nosso ponto de vista continua a mudar, sem
interrupções, do que parecia inicialmente uma tomada à meia altura da
parede para uma visão a partir do piso, e em seguida para um vertiginoso
olhar direto para baixo, a partir do teto — ou será que ele está correndo no
teto? A sequência toda lembra uma fita de Moebius e leva o espectador ao
maravilhamento: um tour de force desconcertante com Lockwood correndo
em círculos ao redor da plateia, algo inédito na realidade cinemática.
Ninguém jamais tinha visto nada parecido. Kubrick tinha inventado algo
novo.
Como somente Pike, Alcott e Lockwood podiam estar dentro do cenário
durante a filmagem — e às vezes, quando a câmera estava no carrinho, só
Lockwood —, uma pequena câmera de vídeo foi montada bem ao lado das
lentes da Panavision. Isso permitia a Kubrick acompanhar os
acontecimentos em um monitor de TV de circuito fechado em sua cadeira de
diretor do lado de fora — uma das primeiras vezes que essa assistência de
vídeo foi usada na produção de um filme. Sentado no suporte da centrífuga,
Kubrick se comunicava com Pike e Lockwood por meio de dois
microfones, um ligado no sistema interno da roda e o outro nos fones de
ouvido. O centro de controle da missão de Kubrick, um emaranhado com
gravadores, alto-falantes e fios, tinha um grande alambrado retangular ao
redor para proteger a equipe de uma perene chuva de cacos de vidro e
outros fragmentos. Qualquer um que saísse da zona de proteção tinha de
usar um capacete.
O volumoso monitor de TV de Kubrick tinha uma máscara de fita crepe
para definir os limites do fotograma retangular do filme. Era muito menos
avançado que as telas planas simuladas dentro da roda, mas funcionava.
Além dos microfones e do monitor, o diretor tinha um toca-discos na mesa
à sua frente, e para a sessão de exercícios de Poole, ele escolheu um LP de
valsas de Chopin. Foi a primeira vez que as múltiplas rotações do vinil
giratório — que evocava casais dançando e girando em ritmo triplo — e a
rotação lenta da maquinaria branca e cintilante no espaço foram
combinados dentro do contexto giratório, sem gravidade, rítmico e cinético
de 2001.
No primeiro dia de filmagem eles conseguiram sete tomadas, resultando
em vinte minutos de filme, com 22 giros da roda. Impressionante para uma
primeira tentativa, em especial por terem realizado os dois tipos de tomada:
aquelas em que Alcott e Pike percorriam a roda com a armação de
giroscópios na câmera, e aquelas em que Lockwood estava sozinho dentro
da centrífuga com uma câmera “fixa” num carrinho e o cenário girando ao
redor. Nesta última cena, depois de uma rajada de comandos vociferados
por Cracknell, o assistente de direção, Kubrick se comunicou com
Lockwood, que estendeu o braço e ligou a câmera antes de tudo começar a
girar. De fato, a conhecida litania de filmagem tinha mudado de “rodar
câmera, rodar som” para “rodar câmera, rodar cenário” — com um “Chopin
giratório” no meio. Um interessante conjunto de energias rotacionais
multivalentes.
Mas nem tudo transcorreu sem problemas. Em 21 de fevereiro eles
estavam filmando com uma ultragrande-angular quando a Panavision e a
câmera de vídeo se soltaram do carrinho e caíram no chão, quebrando o
sistema de vídeo e atrasando a filmagem em várias horas. A câmera de
vídeo Grundig era primitiva e fixada à Panavision com barbante e fita
crepe, por isso se deslocava facilmente de sua posição correta. O sistema de
comunicação entre o espaço profundo e o controle de solo não era sem fio e
exigia cabos, que passavam por argolas e se enrolavam no tambor da
centrífuga. O conjunto todo tinha de ser girado ao contrário para se
desmaranhar ao fim de longas tomadas. No instante em que a enjoada
câmera de vídeo saía de alinhamento — uma ocorrência comum —,
Kubrick, desesperado para saber o que acontecia lá dentro, disparava
perguntas rápidas a Pike: “Kelvin! O que está fazendo? O que está
acontecendo? Ela está se afastando de você! ”. A voz de Pike respondia, tão
distante quanto a de um astronauta na Lua: “Está tudo bem, Stanley, tudo
bem, tudo bem!”. Houston, não temos nenhum problema. Além disso, uma
Nikon F foi acoplada à Panaflex e Pike tirava fotos regularmente.
Depois da alguns dias de exercícios, Lockwood já tinha corrido muitos
quilômetros com tênis novos quando saiu da centrífuga mancando por causa
de bolhas nos pés. Quando foi até a cidade, começou a notar que, para
qualquer direção que se voltasse, as ruas de Londres pareciam se curvar
para cima, fazendo-o se inclinar ligeiramente para a frente para compensar.
A lógica circular do cenário tinha distorcido seu sentido de realidade
urbana. O calor das luzes e o acúmulo de dióxido de carbono dificultavam a
entrada no cenário. Do lado de fora, a roda girava com o gemido da energia
motora, acompanhado por um constante e desagradável tilintar de pregos
caindo e lâmpadas de tungstênio quebradas. “Era um local de trabalho
assustador”, lembra-se Trumbull. “Refletores de filmagem não gostam de
virar de cabeça pra baixo quando estão quentes. Havia vidro explodindo a
todo momento. Cada vez que a centrífuga dava uma volta nós ouvíamos um
pou! de lâmpadas estourando.”
Com os atores e em geral também a equipe de operadores de câmera
fechados lá dentro, havia o risco de incêndio. A saída pelo piso não era fácil
nem rápida. Uma equipe de bombeiros estava sempre em alerta por perto. O
risco de um súbito curto-circuito era real, por causa da forte corrente
elétrica que passava pelos cabos grossos, das lâmpadas que explodiam, dos
objetos que caíam, dos dutos sinuosos e entrelaçados do ar-condicionado,
da fiação dos projetores e dos materiais inflamáveis que compunham
muitos elementos interiores ao cenário.
Mas eles tiveram sorte.

***

Ao longo de toda a filmagem de 2001, Gary Lockwood se revelou o


exemplo cabal de um bem documentado fenômeno cinematográfico: o que
ocorre atrás das câmeras muitas vezes é mais interessante do que o que
ocorre diante delas. Apesar de seu musculoso corpo de zagueirão, mantido
por constantes exercícios diários e uma rigorosa dieta de legumes e peixe, a
presença de Lockwood no filme era curiosamente anódina. Isso foi
intencional. Kubrick e Clarke conceberam os astronautas no comando da
Discovery como homens cultos e com muito autocontrole, dois especialistas
tão imperturbáveis que poderiam ser confundidos com androides. Assim
como o trabalhador que apertava parafusos em Tempos modernos de
Chaplin, girando na engrenagem em que trabalhava — só que com menos
humor e mais páthos —, eles eram fantasmas na máquina, peças da nave
mãe branca, fria e climatizada.
Na vida real, porém, Lockwood era um misto de sedutor, malandro e
embusteiro, jogador e mulherengo, não exatamente a lâmpada mais
brilhante do set de filmagem, mas inteligente e com uma sensibilidade
muito apurada para imprecisões e balelas, quase comparável à sensibilidade
do próprio Kubrick. Apesar de ter sido sempre encrenqueiro na escola, e de
Tony Frewin se lembrar de que não conhecia uma droga recreativa que ele
não tivesse experimentado, o ator mantinha a cabeça no lugar e sempre foi
uma presença disciplinada.
Para sua própria surpresa, Kubrick ficou intrigado. O diretor também
tinha um lado malandro, ainda que fosse mais racional. Assim como
Lockwood, em diversas ocasiões ele obteve seu sustento com algum tipo de
jogo. Apesar de sabermos que sobreviveu jogando xadrez na Washington
Square Park no final dos anos 1940, é menos conhecido que uma década
depois Kubrick botava comida na mesa jogando pôquer de altas apostas
com ricaços de Hollywood toda semana. Depois de concluir Glória feita de
sangue em 1957, Kubrick voltou da Alemanha para Los Angeles
acompanhado de sua glamorosa nova esposa, Christiane, da filha dela,
Katharina, e de uma grande dívida. A dívida era resultado de empréstimos
concedidos nos últimos anos por seu sócio Jim Harris e outros, usados para
realizar seus filmes A morte passou por perto (1955) e O grande golpe
(1956).
Por esses motivos — e apesar do sucesso de Glória feita de sangue —, o
casal Kubrick estava quebrado. Christiane tem lembranças vívidas do
desconforto com a jogatina do novo marido. “Eu sentia que aquilo não era
nada sólido, era muito Velho Oeste. E pensei: ‘Isso vai acabar mal’”,
recorda. “Stanley no meio de uma roda de gente, com aqueles carros de
ricaços estacionados na porta da nossa casa, tudo aquilo me deixava muito
nervosa.” Mas ela logo percebeu que a relação do marido com o jogo
refletia sua disciplina no set de filmagem, produzindo exatamente os
resultados que ele previa. “Ele jogava, mas nunca ganhava muito e nunca
perdia, fazia [apostas] muito pequenas e irregulares”, contou. Kubrick disse
a ela: “Não quero que pensem que sigo um padrão, que tenho certas
técnicas ou que jogo de certa maneira […] por isso tem de ser irregular. Só
estou tentando ganhar duzentos dólares para o supermercado da semana que
vem. Não mais do que isso”.
“E ele conseguia”, diz Christiane. “Nós sobrevivíamos disso.”
Durante o período em que foi o subcomandante Frank Poole da
Discovery, Lockwood também se envolveu com sucesso em vários tipos de
jogo, tanto nos cassinos de Londres, legalizados em 1960 —
proporcionando uma excelente oportunidade para figuras do crime
organizado como os irmãos Kray —, como em jogos modestos com
funcionários de Borehamwood. A certa altura, John Kelly, o dublê do ator,
devia tanto dinheiro em apostas de buraco que não foi trabalhar no dia
seguinte. Era evidente que o homem não queria pagar a dívida e
simplesmente sumiu. Ao saber disso, Kubrick achou que deveria intervir.
Pediu a Lockwood que parasse de jogar com a equipe de filmagem. “Era
muito simples”, explicou Lockwood. “Não era uma coisa de que eu
precisasse. Então simplesmente disse: ‘Claro’. Não criamos caso em torno
disso.”
“Todos admiravam tanto Kubrick que pareciam sicofantas”, lembra-se
Lockwood. “E isso não é da minha natureza. Eu sou um zagueirão, sou um
macho alfa, agressivo. Um brigão de bar. Era esperto na escola. Sou um
merdinha, sabe?” O sucesso do ator com as mulheres deixava Kubrick
fascinado, bem como seus conhecimentos sobre esportes, em especial o
futebol americano. Kubrick mandava vir gravações de jogos da NFL em
Nova York desde que chegara em Londres, e ele e Lockwood assistiam às
partidas nas noites de sexta-feira na casa do diretor em Abbots Mead, às
vezes mandando o projecionista — o pai de Tony — interromper a projeção
para discutirem as jogadas.
Quando cansavam, os dois iam jogar bilhar. “Ele tinha a mesa de bilhar
mais linda que já vi”, recorda Lockwood. Numa inversão do domínio do
xadrez que Kubrick exercia com incautos atores no set de filmagem —
sendo que o mais famoso foi George C. Scott, sempre derrotado durante a
produção de Dr. Fantástico —, Lockwood nunca deixava de ganhar dele no
bilhar. Quando Kubrick percebeu que o ator era totalmente ambidestro,
usando a mão esquerda e a direita com a mesma habilidade, e dando tacadas
sem precisar de um taco auxiliar, foi a gota d’água. “Como você consegue
ser assim?”, perguntou o diretor. Lockwood ergueu os olhos da mesa para o
diretor. “É a vida”, respondeu. “Como você consegue ser assim?”

[59] Gary Lockwood e Stanley Kubrick em intervalo na doca das cápsulas.


© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

Ao ser indagado, anos mais tarde, se Kubrick alguma vez se mostrou


irritado por não conseguir vencer o ator na mesa de bilhar, Lockwood negou
categoricamente. Pelo contrário, replicou, Kubrick sempre pareceu gostar
das nossas partidas. “Ele era o epítome do cool”, observou Lockwood de
forma elogiosa. “Quero dizer, Steve McQueen era chamado ‘Mr. Cool’.
Mas cool mesmo era o sr. Kubrick.”

***
O problema de como transmitir à plateia a essência do dilema interior de
HAL chegou a preocupar Kubrick e Clarke por muitos meses, e ainda não
havia sido resolvida nem mesmo quando o filme entrou em produção. No
final de janeiro, Kubrick desperdiçou quase uma semana filmando os
controladores de solo da agência espacial, inclusive o ator britânico-
canadense Neil McCallum olhando direto para a câmera e fornecendo
verborrágicas explicações sobre o defeito de que HAL “pode ser culpado”.
McCallum avisou Bowman e Poole que eles estavam conduzindo um
“estudo de viabilidade” de três dias para uma possível transferência do
controle da espaçonave de HAL para um computador na Terra. O material
deveria ser apresentado como um vídeo recebido por HAL e mostrado aos
astronautas na centrífuga, provavelmente aumentando a paranoia do
computador no processo.
O problema dessa abordagem era que os astronautas eram
essencialmente receptores passivos da tomada de decisão de outros. Além
do mais, eram palavras explícitas, não uma narrativa visual — um erro
elementar de dramaturgia. Nada disso pegou muito bem com Lockwood, e
em meados de fevereiro, quando os dois atores se preparavam para filmar a
sequência com o console de HAL na centrífuga, ele estava convencido de
que havia algo errado na cena. A cena era “um pouquinho redundante e,
sinceramente, um tanto quanto banal”, explicou. “Eu realmente não gostei,
e achei que não estava à altura do que tínhamos feito. E dois sujeitos
brilhantes como Kubrick e Clarke estavam tentando resolver um problema
de forma verbal. O filme que estávamos fazendo era do tipo não muito
verbal.”
De sua parte, Kubrick sentiu que Lockwood não estava entusiasmado.
“Você não está mostrando sua animação de sempre hoje”, comentou o
diretor. Apanhado no pulo, o ator se saiu com uma história bizarra: “Sabe
de uma coisa, Stanley, eu cresci numa cidade do interior, com um monte de
caipiras e gente rude, e sempre fui desobediente na escola”, falou. “Eu
sentava na última fileira, e tinha uma garota bunduda que passava pelo
corredor — calipígia, se preferir —, e era ela quem entregava as provas.17 E
sempre que ela se aproximava de mim eu erguia os olhos e dizia: ‘Oi,
Peggy, que tal uma bimbada?’. Aí eu levantava meu cotovelo direito e ia…”
— cutucou com o cotovelo seu colega de traje espacial, Dullea, que se
divertia, quieto, com toda a performance — “‘Ha, ha, ha.’ Bem, é isso que
eu acho dessa cena de merda.”
Kubrick absorveu a informação em silêncio. Não estava acostumado
com pessoas falando com ele desse jeito. “Derek”, disse o diretor. “Sim,
chefe”, respondeu Cracknell. “Vamos parar por hoje.” Eram onze horas da
manhã.
Lockwood se recolheu ao camarim, sem saber se tinha feito uma
bobagem. Apesar de se sentir mal por ter sido insolente com Kubrick, sua
convicção de que a cena não era adequada permaneceu inalterada. “Acho
que uma parte de mim queria proteger aquele grande filme”, explicou mais
tarde. Apesar de estar preocupado com as potenciais consequências, o ator
começou sua rotina de exercícios diários quando bateram na porta e
Cracknell enfiou a cabeça. “O chefe quer falar com você”, anunciou.
“Certo”, respondeu Lockwood. “Ei, Derek, antes de ir embora: eu fui
demitido?”
“Não sei, cara.”
Lockwood tomou uma ducha rápida, se enxugou, vestiu uma roupa e foi
para o covil particular de Kubrick, um vestiário no segundo andar perto dos
Palcos 6 e 7 que ele usava para reescrituras e ruminações solitárias. “Você é
polonês, não é?” perguntou o diretor, convidando-o a entrar.
“Sou polonês e alemão”, respondeu Lockwood.
“Você prefere schnaps ou vodca?”, perguntou Kubrick.
“Sinceramente, eu gosto de tequila”, disse Lockwood.
“Como você prefere?”
“Num cálice, como conhaque.”
Kubrick serviu uma dose de “uma tequila que não tinha nada de mais”,
como se recorda Lockwood, e foi até uma parede de discos, uma parede
inteira. “‘O que você quer ouvir? Chopin?’. ‘Sim, Chopin está ótimo.
Stanley, antes de falarmos sobre o que aconteceu, eu estou dispensado?’.”
Não, respondeu Kubrick. Lockwood era um bom membro da equipe, e
ele tinha aprendido a prestar atenção quando surgia um problema com uma
pessoa que trabalhava tão bem. Em seguida o diretor se referiu a uma
história em que John F. Kennedy, em visita à Nasa pela primeira vez, viu
um faxineiro trabalhando atrás dos engravatados reunidos. Ao passar pelos
engravatados e ir até o faxineiro, Kennedy perguntou o que o homem estava
fazendo. “Bem, senhor Presidente, estou ajudando a colocar um homem na
Lua”, respondeu o homem. Nunca se sabe quem vai dar uma boa resposta,
observou Kubrick. Em seguida, pediu que o ator explicasse qual era o
problema. Lockwood disse que a série de pequenas cenas que Kubrick e
Clarke tinham escrito para “apertar os parafusos do computador” não “ia
direto ao ponto”. Em sua opinião, eram muito dispersivas. Disse que apesar
de considerar Kubrick o melhor diretor do mundo, tinha de haver uma
maneira melhor de ativar a paranoia de HAL.
Kubrick ouviu com atenção, e quando terminaram seus drinques disse
que sabia que Lockwood gostava de comida de delicatéssen. Daria um
dinheiro a Eddie Frewin, e Eddie o levaria à melhor deli de Golders Green
— o pequeno centro kosher de Londres — para comprar salmão defumado,
peixe branco e pãezinhos. “Depois você vai para casa, e da próxima vez que
nos encontrarmos, quero saber como você resolveria o problema.”
Quando voltou para casa, Lockwood acabou com a comida e pegou um
caderno em espiral. Fez uma lista de tudo o que gostava e do que não
gostava no que tinham filmado, escrevendo sobre o que achava que Kubrick
e Clarke queriam realizar, como estavam tentando fazer aquilo e onde
haviam errado. Em algum momento, naquela mesma tarde, lembrou-se de
que na semana anterior tinha visitado um novo cenário sendo construído no
Palco 1, chamado Doca das Cápsulas. Com sua típica atenção aos detalhes,
Kubrick pedira para o ator ir até lá, vestir um traje espacial e verificar se era
difícil entrar e sair de uma das cintilantes cápsulas espaciais que a empresa
de aviação Hawker Siddeley estava enchendo de botões, telas e controles.
Ao fazer isso, Lockwood de fato constatou um pequeno problema, e
pediu que uma maçaneta fosse instalada diretamente na porta da cápsula. Se
Kubrick não tivesse pedido essa inspeção, o ator não teria sabido das
cápsulas espaciais, muito menos que poderiam abrigar duas pessoas. As
cenas na Doca das Cápsulas estavam previstas para os meses seguintes.
Por volta das nove da noite Lockwood teve uma ideia. Ligou para
Kubrick e disse que achava que os astronautas deveriam encontrar um
pretexto para entrar numa das cápsulas, para se isolarem completamente de
HAL e conversarem em particular. A conversa poderia incluir o
desligamento do computador — e HAL poderia dar um jeito de ouvi-los.
Dessa forma, falou, a plateia ficaria sabendo de tudo que precisava saber, e
HAL poderia se sentir ameaçado por uma complexa perseguição, muito
humana e muito compreensível.
Kubrick ficou entusiasmado ao ouvir aquilo e mandou um carro buscar
Lockwood. Era uma noite de fevereiro, com frio abaixo de zero, mas
quando o ator chegou a Abbots Mead, um fogo rugia na lareira do diretor.
Os dois ficaram em frente à lareira até as primeiras horas da manhã,
bebendo, discutindo e, finalmente, improvisando a cena juntos.

***

Kubrick raramente erguia a voz no set de filmagem. Essa era a função de


Cracknell. Às vezes nem chegava a interagir com os atores, principalmente
se fossem mulheres jovens e atraentes — como as comissárias de bordo de
2001, muitas delas modelos conhecidas em Londres.
Heather Downham, que interpretava a comissária que pega a caneta
flutuante em pleno ar e a recoloca delicadamente no bolso do adormecido
Heywood Floyd, contou que chegava ao set de filmagem de manhã e fazia
perguntas relacionadas ao seu papel a Derek Cracknell, que pedia a opinião
de Kubrick, que depois eram transmitidas a ela via Cracknell novamente —
mesmo se todos estivessem no mesmo espaço. Embora isso pareça bizarro
— e diga algo sobre a timidez de Kubrick ao se confrontar com uma
beldade —, na verdade não é uma coisa tão incomum. Um diretor de
cinema está constantemente sendo bombardeado por perguntas e
exigências. Se não quiser esgotar suas reservas de energia, precisa confiar
em assistentes que atuem como filtros. Fazer um filme, observava às vezes
o diretor, é “como tentar escrever Guerra e paz num carrinho de bate-bate
de parque de diversões”.
A relação de Keir Dullea com Kubrick era diferente da que o diretor
tinha com Lockwood, e basicamente mais distante. O ator chegou ainda
meio traumatizado com o comportamento tirânico de Otto Preminger em
Bunny Lake desapareceu — um festival sádico de gritarias diárias —, e se
sentiu aliviado com os modos e a fala mansa de Kubrick. Por outro lado,
Dullea tinha um grande respeito por Kubrick, cujo trabalho admirava havia
anos. Considerava o diretor um gênio, e por isso, de início, agiu com um
pouco de reverência. Isso prejudicou sua primeira semana de trabalho.
Apesar da experiência de Sylvester com a atitude implacável de Kubrick
na cena da sala de reunião de Clavius, a maioria dos que trabalhavam
próximos ao diretor o define como uma figura solidária e empática, de fala
mansa porém com um senso de humor cáustico. Dullea não era exceção,
mas de alguma forma isso piorava a situação — essas mesmas
características tornavam um diretor praticamente divino, principalmente em
comparação a Preminger. “Minha atitude era de reverência, e ser reverente
não deixa a gente à vontade”, explicou Dullea.
[60] Keir Dullea como David Bowman, testando as previsões errôneas de HAL.
© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

Como sempre sintonizado com a situação, Kubrick intuiu o que estava


acontecendo e, depois de vários dias de canhestras tentativas de filmagem,
ele dispensou a equipe e chamou o ator de lado. Os dois discutiram o
problema com calma por várias horas. Kubrick disse a Dullea que o
considerava um dos melhores atores em atividade. Que ele não tinha sido
escolhido por acaso, mas por ser perfeito para o papel. Que ele, Kubrick, se
sentia um pouco culpado — talvez estivesse fazendo alguma coisa errada, e
era pessoalmente responsável pelo ator não se sentir mais relaxado. De
certa forma surpreso, porém aliviado por estar discutindo a questão com
tanta franqueza, Dullea garantiu que o problema era totalmente seu;
Kubrick estava sendo ótimo. E de imediato se sentiu melhor, passando de
um estado de agitação a uma atitude mais confiante. Algo de que ele logo
precisaria.
Dos dois atores, era Lockwood quem sabia desde o começo que eles
estavam envolvidos no “maior filme de todos os tempos”. Os cenários eram
tão iluminados que eles usavam óculos escuros entre as cenas. Às vezes
Lockwood inspecionava o ambiente, virava-se para Dullea, abaixava os
óculos e dizia: “Você consegue acreditar nisso?”. Ficava impressionado
com a capacidade de improvisação de Kubrick em meio a toda aquela
concepção grandiosa de futurismo.
“Stanley era muito mais inteligente que outros diretores, e de uma
maneira não linear”, observou Dullea. “A gente achava que qualquer coisa
poderia acontecer a qualquer momento. Apesar de todos os preparativos
cuidadosos, ele elaborou 2001 com certa flexibilidade, e é isso que torna o
filme excepcional. Dirigir tem tudo a ver com administração de relações
humanas, logística, detalhes e assim por diante. Além disso, Stanley ainda
encontrava espaço para se expor ao perigo — até com uma espécie de
bravura ou temeridade. Estava sempre tentando coisas que implicavam um
alto risco de erro. Não era o gênio solitário e obstinado que normalmente se
imagina. Ele precisava de gente como referência, e muitas vezes consultava
as pessoas pra saber se estava fazendo a coisa certa.”
Mas, a exemplo de outros atores que trabalharam com ele, Dullea e
Lockwood às vezes percebiam a incapacidade de Kubrick para formular o
que desejava. No final de algumas tomadas, era frequente ouvirem um
conciso: “Tudo bem, vamos fazer outra”. Quando perguntavam o que o
diretor queria que fosse feito de diferente, Kubrick respondia com um
simples: “Vamos ver o que acontece”.
Como Tony Masters já havia percebido, Kubrick precisava que lhe
apresentassem opções, e só então conseguia decidir.

***

Clarke voltou do Ceilão no começo de fevereiro de 1966 e se viu numa


situação ridícula. Apesar de ter ficado a 8 mil quilômetros de distância da
luta diária da filmagem de 2001, ele percebeu que estava diante de uma
nova série de questões muito importantes da produção do filme. Clarke
tinha despejado uma significativa soma de dinheiro nas mãos de seu sócio
Mike Wilson para a produção da paródia cingalesa de James Bond, Jamis
Bandu. Mas Wilson, que andava se comportando de forma cada vez mais
errática, dedicava pouca atenção ao projeto. Depois de ter rodado apenas
pouco mais da metade do filme, tinha simplesmente largado tudo e saído do
país, com destino à Inglaterra.
Obrigado a proteger seu investimento, que logo ultrapassaria a quantia
obtida com todo seu envolvimento em 2001 até o momento, Clarke não teve
escolha a não ser assumir o papel de produtor do filme. Se conseguisse
filmar as cenas restantes, com sorte poderia recuperar ao menos parte de seu
investimento com a venda de ingressos.
Wilson estava envolvido com drogas, e além disso parte de sua
desatenção podia ser atribuída à sua necessidade de responder de maneira
competitiva ao envolvimento de Clarke com a grande indústria
cinematográfica e a perspectiva de lançamento do primeiro filme de ficção
científica arrasa quarteirão do mundo. Ao chegar a Londres, Wilson logo
usou a influência de Clarke para se insinuar no grupo da Hawk Films de
Borehamwood. Enquanto isso, seu sócio despejava suas últimas economias
no filme que ele tinha abandonado, ao mesmo tempo que recebia um fluxo
constante de telegramas urgentes de Kubrick. Em meio a tudo isso, Clarke
também tentava convencer o governo do Ceilão a ceder um destacamento
de soldados do Exército para o grand finale de Jamis Bandu — tentativa
recusada por conta de uma recente tentativa de golpe militar — e buscava
ajudar Kubrick a encontrar uma maneira plausível de HAL escutar o que
diziam Bowman e Poole sobre o destino do computador dentro de uma
cápsula espacial.
Clarke estava com um pé num filme menor do Terceiro Mundo,
escapista e imitativo, e outro no maior orçamento e na mais sofisticada
evocação das origens e do destino humanos que Hollywood já havia tentado
— com o segundo financiando o primeiro.

***
As cenas na centrífuga dominaram fevereiro e março. Como o Palco 4 era
um lugar frio, barulhento e cavernoso, Kubrick pediu um grande trailer para
ficar próximo das instalações. Logo depois da ideia de Lockwood na
cápsula espacial, ele passou a convidar seus atores para irem à sua bolha
aquecida e à prova de som entre as cenas, onde eles improvisavam o que
poderiam dizer um para o outro, sempre fora do alcance da audição de HAL.
Depois de coletar suas ideias, Kubrick mandava transcrevê-las e todas as
manhãs editava as transcrições, pouco a pouco resumindo os diálogos ao
essencial.
Mas ele ainda não tinha imaginado uma maneira plausível de HAL ouvir
os dois no ambiente hermeticamente fechado. Ainda faltavam seis semanas
até a mudança para o cenário da Doca das Cápsulas, mas o diretor não
queria protelar a solução. A proposta de Clarke — de HAL acessar
“geofones nas sondas do trem de pouso” — corria o risco de não ser
compreendida por razões de tecnofobia. Como explicar o que é um
“geofone”, e ainda por cima uma “sonda do trem de pouso”? O filme não
estava sendo feito somente para fanáticos por tecnologia.
Certa tarde, Victor Lyndon chegou ao trailer com alguns documentos. O
produtor associado de Kubrick parecia cada vez mais pálido e tenso nos
últimos dias. Grande parte de seu trabalho havia se transformado na ingrata
tarefa de preencher uma sucessão infindável de apólices de seguro, com a
qualidade dos filmes da Kodak e a revelação dos laboratórios Tecnicolor se
revezando como alvos de críticas aos olhos do diretor. Ao saber que eles
ainda não haviam imaginado como HAL poderia escutar os dois astronautas,
Lyndon olhou para Dullea e Lockwood como se fosse a coisa mais óbvia do
mundo. “HAL poderia simplesmente ler os lábios deles”, falou. Fez-se um
estrondoso momento de silêncio. “Meu Deus, essa é uma grande ideia!”,
exclamou Kubrick. Agora eles tinham a resposta.
No final de abril eles finalmente se mudaram para o cenário da Doca das
Cápsulas para duas semanas de filmagens. Talvez a mais pura expressão da
genialidade de design coletivo de 2001, a garagem da Discovery, com as
três cápsulas espaciais posicionadas entre as portas circulares do
compartimento de descompressão, estava entre as grandes realizações da
colaboração entre Masters, Lange e Ordway. Tudo no cenário era
totalmente utilitário — a união de forma e função da Bauhaus — e o efeito
como um todo era tão puro quanto a física: até mesmo as cores vívidas dos
trajes espaciais se justificavam como a maneira mais rápida de os
astronautas que caminhavam pelo espaço se identificarem uns aos outros.
No dia 6 de maio, Kubrick filmou o diálogo conspiratório de Bowman e
Poole na cápsula espacial em 35 tomadas. Com quase três minutos, acabaria
sendo o mais longo diálogo de 2001. Até hoje, Lockwood a considera sua
maior contribuição individual ao filme.

[61] Dullea e Lockwood ensaiam sua conversa.


© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

***
Outro aspecto da história que não estava adequadamente resolvido no
início da filmagem era a questão de como levar Bowman de volta à
Discovery após ter recuperado o corpo sem vida de Poole. Depois de seu
pedido de “Abra o compartimento das cápsulas, HAL”, e a famosa resposta
do computador — “Sinto muito, Dave, receio não poder fazer isso” —, o
único membro humano da tripulação da Discovery, que se esquecera do
capacete na pressa de recuperar Poole, tinha de encontrar outra maneira de
entrar.
Em mais um exemplo de sua busca para assegurar o máximo de precisão
técnica, Clarke e Ordway consultaram diversos pesquisadores da Força
Aérea para obter a confirmação de que um ser humano poderia aguentar
uma exposição ao vácuo do espaço sem proteção pelo curto período
necessário para percorrer a distância entre a cápsula espacial e a nave.
Enquanto verificavam se isso era realmente possível, a maneira como
Bowman reingressaria na nave não estava resolvida.
Harry Lange foi quem concebeu as cápsulas esféricas e antropomorfas
de 2001, mas seus engenhosos braços telescópicos se inspiraram
diretamente nos trabalhos publicados por Marvin Minsky — outro exemplo
da influência do cientista do MIT no filme. Mas ainda que os mesmos braços
que possibilitaram a HAL matar Poole por controle remoto pudessem ser
usados para abrir a porta pressurizada de emergência da Discovery sob
comando de Bowman, como ele sairia da cápsula e entraria na nave no
breve período em que sobrevivesse? Em 10 de fevereiro, Kubrick escreveu
a Clarke contando que tinha uma solução “totalmente convincente”:

Depois de abrir a escotilha […] Bowman gira a cápsula, de forma que a


porta traseira da cápsula, menor que a porta pressurizada, fique
perfeitamente alinhada e quase tocando a porta pressurizada. Essa porta
traseira da cápsula terá parafusos explosivos que Bowman detonará sem
perder o ar da cápsula. O resultado disso deve ser que, se estiver em
posição fetal apontado em direção à porta, Bowman deve ser disparado
como uma bola de canhão pela porta de pressurização aberta. Se
conseguir apertar o botão de controle, em questão de segundos ele terá
saído da cápsula para a área de pressurização e fechado a porta. Acho
que isso deve convencer até os mais céticos. O que você acha?

Clarke respondeu que já tinha pensado nessa gambiarra e que “está tudo
certo. E também alude a símbolos freudianos, você deve saber”. A
explosiva reentrada de Bowman na Discovery se tornou um dos momentos
cinéticos mais memoráveis de 2001. Interrompe o ritmo imponente do filme
com uma explosão de fumaça que ejeta Dullea como um personagem de
quadrinhos de um quadro de Roy Lichtenstein: “Pow!”. Não havia como
usar um dublê. O ator precisava ser reconhecível, já que havia saído da nave
sem capacete — o erro que legitimava aquela cena.
O cenário da câmara de descompressão era acolchoado, um tubo que
lembrava um ventre inundado por uma luz avermelhada. Construído não
muito longe da centrífuga do Palco 4 e em posição vertical, tinha sete
metros de altura — quase três andares — com uma cápsula espacial
suspensa por correntes amarradas ao teto, com a parte traseira voltada para
o cenário. A cápsula era estável e acessível por uma plataforma inclinada. A
sequência requeria alguns efeitos teatrais da velha guarda. Numa manobra
temerária, Dullea precisava subir no alto da plataforma e ser amarrado a um
arame fino, preso às suas costas por um arreio de couro em volta da cintura
e escondido sob o traje espacial. Depois disso, um arame de mais ou menos
seis metros foi emendado numa corda grossa, com um nó numa posição que
limitava o alcance máximo da queda de Dullea — ou seja, o mais perto que
se podia chegar antes do choque com a câmera no fundo, para depois
ricochetear de volta até a entrada da câmera de descompressão.
Escondido da câmera pelo corpo de Dullea, o arame e a corda estavam
amarrados a outra pessoa — um especialista em voos teatrais do Eugene’s
Flying Ballet, uma companhia famosa por essa técnica. Um assistente de
cena parrudo foi posicionado do lado de fora da plataforma, pronto para
pular assim que o nó tocasse suas mãos enluvadas. Ele forneceria um
contrapeso, revertendo suavemente a queda de Dullea e fazendo-o voltar à
entrada. Se tudo funcionasse como planejado, Dullea flutuaria de forma
convincente em direção à alavanca “Fechar porta de emergência” — o
mecanismo que o salvaria.
Quando eles filmaram a cena, em 16 de junho, Unsworth fez o operador
de câmera Kelvin Pike rodar uma tomada estática de trinta segundos com as
portas da cápsula fechadas — material para Kubrick editar sem emendas
com o que se seguiria — antes de fazer um corte e abrir a porta da cápsula.
Com o coração disparado, Dullea foi posto em posição, segurando-se com
as duas mãos na porta aberta. Ao comando de Kubrick, ele se soltou,
estendeu os braços para a frente e Pike acionou a câmera de novo. Depois
da ordem de “ação”, uma equipe sobre a plataforma disparou uma nuvem
de fumaça pela entrada da câmera e o ator foi solto, desenrolando
rapidamente o arame para mergulhar de cabeça em direção à câmera. Uma
fração de segundo depois, o assistente de cena salvou Dullea de ser
empalado, mas toda a movimentação parece contínua e sem trancos graças
a um sistema de tambores de alumínio e componentes em forma de anéis
equipados com polias. Ao ser ricocheteado para o topo da câmera de
descompressão, Dullea puxou rapidamente a alavanca, fechando a porta e
sorrindo aliviado quando o oxigênio invadiu a câmara de descompressão.
[62] Dullea, pendurado por um fio, fecha a porta de emergência. A Polaroide é provavelmente de
Kubrick.
© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

No dia 20, uma segunda-feira, eles continuaram na cena. Numa segunda


tomada, Unsworth fez Pike alterar a velocidade da câmera — ajustando a
velocidade em dezoito quadros por segundo e não 24, acelerando a ação —
e filmou novamente. Dullea, um ator tão receoso de alturas que se recusava
a viajar de avião, repetiu de boa vontade seu mergulho de cisne pela porta
de emergência cinco vezes.
Décadas mais tarde ele refletiu sobre a experiência. “As pessoas
perguntam: ‘Por que você se dispôs a fazer isso?’. E minha resposta é que
eu confiava totalmente em Stanley.”

***

Em março, Kubrick filmou duas cenas rápidas com Lockwood na


centrífuga, que, à primeira vista, podem não parecer importantes — o mais
próximo que Kubrick chegou de um tapa-buraco —, mas que desde então se
tornaram lendárias. Uma foi a festa de aniversário dos pais do astronauta. A
outra foi o jogo de xadrez.
A questão de quem iria interpretar HAL continuou sem solução durante
todas as filmagens de 2001. De início Kubrick trouxe o ator britânico Nigel
Davenport, que na primeira semana leu as falas do computador. Mas seu
desempenho logo foi considerado britânico demais, e Victor Lyndon
discretamente executou uma de suas tarefas oficiais, a de mandar alguém
passear. O plano seguinte de Kubrick foi gravar o ator americano Martin
Balsam, mas isso só aconteceria na pós-produção. Enquanto isso, HAL era
interpretado por Derek Cracknell — cujo sotaque cockney, como observou
Dullea, fazia o computador falar um pouco como Michael Caine — e às
vezes até pelo próprio Kubrick.
Na prática, em geral Kubrick interpretava HAL quando o computador
contracenava com Lockwood. No dia 7 de março eles filmaram a cena de
bronzeamento de Poole na centrífuga com uma pequena equipe. A festa de
aniversário organizada pelos pais do astronauta foi filmada semanas antes,
depois projetada por trás na tela do cenário. Em geral Kubrick não dirigia
muito seus atores, confiando neles em cena e fazendo várias tomadas. Mas
dessa vez a interpretação totalmente distanciada de Poole o convenceu de
imediato, e a sequência foi concluída em apenas onze minutos de filme. O
diretor introduziu um elemento de improviso que não constava no script,
para ver como Lockwood reagiria.
Na tomada final, Kubrick de repente falou: “Feliz aniversário, Frank”,
depois de os pais cantarem, e também quando o pai terminou sua fala com
um: “Até a próxima quarta-feira”.18 Lockwood respondeu com um
impassível “Obrigado, HAL. Um pouco mais baixo, por favor” — mandando
o computador abaixar sua cama automática. A reação indiferente do ator
aos pais e a Kubrick falando por HAL são indistinguíveis: uma espécie de
insipidez amortecida. Mais do que em qualquer outra cena do filme, o
aniversário de Poole transmite uma sutil e excruciante mensagem sobre os
efeitos dessensibilizantes da comunicação mediada pela tecnologia. Os que
criticaram o filme por esses desempenhos sem nuances não entenderam o
que Kubrick quis dizer — nesse caso, representado por um ator
subestimado que sabia exatamente o que fazia.
A cena do xadrez, filmada no final de março, aconteceu logo depois da
sequência do aniversário de Pool, na ordem como aparece no filme. Sem ter
sido roteirizada, parecia pura improvisação — ainda que o diálogo tenha
sido baseado num jogo previamente escolhido por Kubrick, que pediu a
animação a Trumbull. Embora o significado seja tão sutil a ponto de ser
praticamente imperceptível para não aficionados por xadrez, a sequência
tem motivo para estar ali, pois se trata da primeira insinuação de que
alguma coisa não vai bem com HAL.
Kubrick baseou o jogo em uma partida documentada ocorrida em
Hamburgo, em 1913. No trecho a que assistimos, Poole resolve desistir
quando HAL — mais uma com a voz de Kubrick na filmagem — diz: “Sinto
muito, Frank, acho que você não percebeu. Dama para bispo três. Bispo
toma dama. Cavalo toma bispo. Mate”. Àquela altura da trajetória da
Discovery em direção a Júpiter, não ocorreu a Poole que o computador
poderia estar roubando ou cometendo um erro. Mas foi assim que Kubrick
fez, porque o correto era “Dama para bispo seis” — um detalhe que Poole
não percebeu, apesar de estar bem embaixo de seu nariz na tela à frente.
Kubrick quis mostrar de forma sutil que a primeira vítima de HAL estava
com a guarda baixa.
Há mais uma sutileza no jogo entre os dois. Entre os cineastas em
atividade na época, Kubrick admirava Ingmar Bergman acima de todos —
tanto que em 1960 escreveu uma carta de fã ao diretor, elogiando sua
“contribuição extraordinária e brilhante”, e dizendo: “Sua visão de mundo
me comoveu profundamente, mais do que em qualquer outro filme”. Em
vista do destino final de Poole nas mãos do controle remoto de HAL — tão
remoto a ponto de converter a cápsula de sua morte em um peão tomando
outro —, existe um paralelo entre a breve e aparentemente inconsequente
cena de Poole jogando xadrez com a Morte e a cena de Max von Sydow
fazendo o mesmo como cavaleiro medieval em O sétimo selo, de Bergman.

***

O domínio de Kubrick sobre as atividades em Borehamwood e sua quase


sobrenatural atenção aos detalhes eram lendários, assim como certos
pecadilhos, que seus jovens assistentes muitas vezes satirizavam às suas
costas.
Sua capacidade de detectar uma empulhação era imediata e não poupava
ninguém. Depois de ficar esperando algum tempo após o almoço devido a
um suposto problema com uma peça do equipamento de gravação, Kubrick
aceitou a estrambótica explicação técnica apresentada por Derek Cracknell,
digeriu-a e esperou mais alguns minutos para dizer: “A próxima vez que o
operador de som se atrasar depois do almoço é só me avisar”.
Parando pelos corredores para falar com assistentes como Ivor Powell,
Kubrick fazia anotações em uma série de cartões e pedia atualizações da
situação enquanto os examinava rapidamente, passando por vários pontos
assinalados que cobriam vários aspectos da produção. Powell logo aprendeu
que, se não soubesse alguma coisa, era melhor dizer logo em vez de arriscar
um blefe.
Quando pedia alguma explicação técnica, Kubrick era inclemente em
criticar pensamentos confusos ou relatos parciais de pessoas que deveriam
entender do que faziam. “Se você não consegue me explicar uma coisa, é
porque não entende”, disparou para Bryan Loftus, que cuidava dos efeitos
especiais. Loftus teve de admitir que o diretor tinha razão. O que ele queria
era a verdade, observou Loftus, e aceitava quando alguém não sabia alguma
coisa, pois isso também era verdade, uma verdade que podia ser
esclarecida.
Rápido em detectar problemas técnicos, Kubrick os atacava com uma
inteligência intuitiva. Depois de dias de imagens sofríveis de uma
impressora óptica que produzia imagens com camadas de cores
desalinhadas, o diretor ficou impaciente com as tentativas fracassadas de
resolver o problema e foi examinar a máquina pessoalmente. Ao avaliar o
aparelho com seu operador, Loftus, ele perguntou se a impressora estava de
fato firmemente instalada. “Até onde eu sei”, respondeu Loftus, apontando
a maneira como estava parafusada na base de concreto. Kubrick, que por
acaso segurava um copo d’água de plástico, depositou-o sobre a máquina.
Os dois se debruçaram para observar, fascinados, as pequenas ondas que
começaram a se formar na superfície. “Olha isso, Bryan”, o diretor falou.
“Está formando ondas. Deve estar se mexendo.” Com o problema
identificado, agora eles podiam corrigi-lo. Houve muitas histórias como
essa.
[63] Poucos retratos de Kubrick captaram sua essência alerta e contemplativa como este de Dmitri
Kasterine.
Dmitri Kasterine, © & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

Quanto a seus pecadilhos, os mais próximos a ele podem considerá-los


exagerados ou até inventados, mas eles existiam. Melindroso quanto à
higiene pessoal, Kubrick não conseguia ficar perto de ninguém que
estivesse doente. Se fosse inevitável, ele insistia que o doente e todos os
demais usassem máscaras cirúrgicas para reduzir o perigo de disseminação
de germes. A visão de sangue o fazia sair correndo na direção oposta.
Moscas e outros insetos eram anátemas, e mesmo com suas esmagadoras
responsabilidades ele arranjava tempo para fechar as telas do estúdio para
manter os insetos fora do ambiente de trabalho. Assim como o general Jack
D. Ripper em Dr. Fantástico, ele fazia questão de só tomar água
engarrafada. Um de seus assistentes provocava risinhos nos bastidores ao
recolher garrafas vazias descartadas e depois enchendo-as de água da
torneira para servir “novas” garrafas ao diretor quando solicitadas. “Stanley
tomou água da torneira durante dois anos e meio”, observou Brian Johnson.
Fumante inveterado desde os doze anos, depois de ser pressionado por
Christiane, Kubrick se convenceu de que havia parado, e por isso nunca
comprava cigarros. O resultado foi que se tornou o mais notório e
desavergonhado filante de cigarros da indústria cinematográfica britânica,
chegando ao ponto de os membros mais mal pagos da equipe guardarem
maços vazios nos bolsos para mostrar que estavam sem cigarros. Um dia,
ao descobrir esse hábito, uma Christiane constrangida comprou montes de
pacotes para o estúdio e fez com que fossem distribuídos como
compensação parcial.
Ainda que histórias de que ele só dirigia automóveis em baixas
velocidades tenham sido desmentidas por alguns, relatos confiáveis
afirmam que durante a produção de 2001 ele dirigia sob um limite
autoimposto de 46 quilômetros por hora, depois de chegar à conclusão de
que essa era a velocidade máxima para sobreviver em caso de um acidente
com sua Mercedes ou sua Rolls. Quando tentava disfarçar o que sabia que
soava estranho, ele dizia aos taxistas e motoristas de carros alugados que
estava se recuperando de uma cirurgia nas costas, e que por razões médicas
eles deveriam se manter em baixa velocidade.
A preocupação com sua segurança pessoal era também a fonte do medo
de voar de Kubrick, que surgiu numa experiência quase fatal numa ocasião
em que pilotava o próprio avião. Certo dia ele comentou com Roger Caras
que ser corajoso era uma coisa estúpida: “Por que arriscar a única chance
que se tem na vida simplesmente para provar alguma coisa?”. Um dia,
jogando bola no quintal dos fundos da casa de Kubrick, Jeremy Bernstein
comentou com o diretor que os dois juntos conseguiriam derrubar o
encorpado Gary Lockwood. “Nunca entre numa briga justa”, foi sua
resposta.

***
Depois de três meses de produção, as pressões logísticas e financeiras
começaram a se avolumar e se tornaram tão urgentes que Clarke perdeu a
paciência com Wilson, que continuava em Londres. “Eu agora estou
lutando para terminar o filme”, escreveu de Colombo em 12 de março —
referindo-se não a 2001, mas à paródia de James Bond de Wilson. “Estou
cansado de toda essa situação, agora que sei o que aconteceu. Não confio
em mim mesmo para escrever a respeito.”

Na semana passada pedi emprestado mais 10 mil — chegando a 35 mil


— para podermos continuar. Fiquei sabendo que a Rocket Publishing
Co. [a empresa de Clarke no Reino Unido] já gastou quase 3 mil libras
— metade da renda da empresa — no filme e agora não tem mais nada
no banco. Nem consigo ajudar minha família, e não sobrou nada para
cobrir os próximos impostos a pagar. Apesar de não querer fazer isso,
agora comecei a pedir dinheiro emprestado a Stanley. Por conta de todas
essas preocupações, não consigo dormir nem trabalhar no romance. Se
eu for me associar com você novamente em qualquer projeto, tudo vai
depender de respostas satisfatórias às minhas cartas anteriores e dos
acordos que estiver fazendo para acertar suas dívidas.

As extravagâncias de Wilson fizeram Clarke ultrapassar um limite que ele


tinha jurado não ultrapassar. Agora ele estava pegando dinheiro emprestado
de Kubrick, e por isso literalmente em dívida com o diretor — algo que
reduzia sua força de negociação na hora de publicar o romance. Apesar
disso, escreveu Clarke: “Ainda quero ajudar você, apesar de estar
praticamente arruinado por fazer isso”. Com impressionante franqueza,
continuou: “Tudo que ganhei nos últimos dez anos foi despejado nos seus
projetos”. Mas, como um pai sofredor, concluiu: “Enquanto isso, para você
continuar se mantendo até eu voltar a Londres no dia 5 […] pedi a Stanley
para adiantar uns duzentos, se você precisar”. Kubrick tinha se tornado uma
espécie de banqueiro para que Clarke continuasse apoiando o sócio com
quem o escritor trabalhava havia dezessete anos.
As pressões financeiras de Clarke tornavam imperativo que ele vendesse
o livro. Em março, ele e Scott Meredith ainda trabalhavam com a hipótese
de que Kubrick logo permitiria que Clarke vendesse os direitos do livro em
capa dura. Assim, imaginavam, haveria tempo suficiente para financiar a
edição em brochura, com todo o cronograma de publicação sincronizado
com o lançamento do filme. Foi estabelecido um sistema de comunicação
através do qual Clarke reclamava sobre o romance com Kubrick, e Scott
Meredith fazia pressão no mesmo sentido com Louis Blau, o advogado de
Kubrick, gerando pressão dos dois lados e comunicações cruzadas entre
todas as partes. O diretor se esquivava com diversas desculpas, mas não
dava sua permissão — e seus empréstimos a Clarke serviram para aliviar
um pouco a pressão. Os mais próximos de Kubrick entendiam que ele
simplesmente não queria que o livro fosse lançado antes do filme. Porém,
se ele fosse sincero a esse respeito estaria descumprindo sua própria
palavra, por isso alegava precisar de tempo para ler o romance e sugerir
revisões — um tempo que ele não tinha no momento.

[64] Clarke e Mike Wilson no set do veículo lunar Aries, sob um cartaz que avisa: “Atenção!
Ausência de gravidade”.
© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)
Como amigo íntimo e confidente de Clarke, Caras sabia de sua condição
financeira e de sua necessidade de imprimir o romance depois de dois anos
de trabalho. Atípico de sua parte, Clarke não havia escrito mais nada
importante além de 2001, apenas alguns artigos superficiais para revistas.
Caras tinha poucas ilusões a respeito da fonte dos problemas pecuniários do
amigo. “As relações dele, uma depois da outra, seus relacionamentos mais
importantes, todos se basearam estritamente em sua homossexualidade”,
explicou a Neil McAleer, biógrafo de Clarke, em 1989. “Isso lhe custou
milhões de dólares […]. Ele gastou milhões de dólares nesses
relacionamentos.” Clarke, continuou Caras, “era uma vítima de Mike
Wilson. Era muito grave”. Para piorar ainda mais a situação, o autor não
apenas sustentava Wilson, que era claramente bissexual, mas também sua
família — a esposa Liz, os filhos e até a mãe de Wilson na Inglaterra.
Além disso, a colaboração de Clarke com Kubrick havia muito passara
da fase de troca de ideias peripatéticas. Caras encontrava-se em boa posição
para avaliar o estado de espírito de Clarke durante toda a produção de 2001,
e o que via não era bom. “Acho que ele considerou tudo muito frustrante,
pois não tinha controle de nada. Stanley não tinha tempo para ele”,
explicou. “Clarke nunca deixara de ter controle sobre seus próprios
projetos.” Quando instado a explicar melhor, Caras prosseguiu: “Arthur
nunca se sentiu satisfeito […]. Tenho todos os motivos para acreditar nisso.
Conhecendo as expressões do rosto de Arthur, ouvindo o que ele dizia, dava
pra perceber que Stanley não estava sendo razoável. Percebia pelo pouco
que externava, e eu conheço Clarke, sei que raramente ele dá uma resposta
negativa […]. Arthur tem uma opinião positiva sobre qualquer coisa — é
um sujeito muito positivo. Tenho motivos para acreditar que ele se sentia
desesperado e descontente com a coisa toda”. A respeito da luta de Clarke
para concluir e vender o romance, Caras observou:

Na verdade ele não conseguia terminar o livro […] antes do quadro se


completar, pois nunca sabia o que Kubrick faria a seguir no set de
filmagem. A qualquer momento Kubrick poderia sair por alguma
tangente e o livro perderia o sentido como representação do filme. Ele
estava paralisado. E também muito perturbado por Stanley protelar a
data de publicação do livro. Isso o aborrecia. Ele falava bastante a
respeito — mais do que qualquer outra contrariedade que teve em todos
os anos que o conheci.

Apesar disso tudo, Clarke demonstrava uma grande lealdade a Kubrick, que
lhe enviava repetidos telegramas e cartas a respeito do enredo. Kubrick
lidava com as colossais pressões do dia a dia do cronograma da produção e
com as tensões resultantes do que mais parecia uma improvisação de jazz
em pontos críticos do enredo. Com isso, quase levou Clarke a um colapso
nervoso — algo que o escritor admitiu a Scott Meredith. Em resposta aos
telegramas e cartas, Clarke continuava a acertar e a melhorar a trama do
filme.
Como Lockwood havia intuído depois de ter dado sua ideia sobre a
cápsula espacial a Kubrick no mês anterior, as reações de Bowman e Poole
ao perceberem a disfunção de HAL tinham resultado, como Clark definiu em
carta de Colombo em 11 de março, “em madeira podre desnecessária e
material fóssil de versões anteriores. (Desculpe a metáfora misturada.)”.
Sua comunicação detalhada com o diretor naquele dia resultou numa
intervenção decisiva que reduziu e comprimiu ainda mais a história depois
da ideia de Lockwood. Clarke propôs nove ações para Kubrick filmar ou
utilizar material existente para ilustrar. Nesse momento-chave, no meio das
filmagens, as propostas de Clarke se tornaram um diagrama, que o diretor
seguiu em grande parte, apesar de cortá-las um pouco, incorporando
algumas coisas no diálogo do astronauta na cápsula, que ele ainda não havia
filmado.
Da mesma forma que o diálogo improvisado entre Lockwood e Dullea
fora metodicamente reduzido à sua essência, as sugestões de Clarke
explicitaram e esclareceram a história. Segundo suas sugestões, HAL prevê a
falha na unidade guia da antena da Discovery, tornando necessária uma
caminhada espacial de Bowman para retirá-la. Mas, ao ser testada na Doca
das Cápsulas, a unidade se mostra funcional, e o Controle da Missão
“insinua que o erro pode estar em HAL”.
Bowman e Poole discutem isso com HAL, que “mantém seu diagnóstico
e afirma estar certo. (Sua conversa ouvida na doca das cápsulas aqui?)”.
Kubrick de fato aproveitou isso. Poole sai, então, para sua fatal caminhada
no espaço. “A não ser que eu esteja sofrendo de cegueira de xadrez e não
consiga ver um movimento óbvio, isso parece ser um passo adiante”,
escreveu Clarke. “E também é mais lógico.”
A contribuição de Clarke em Colombo, em março de 1966 — um
período de grande tumulto pessoal e profissional — redefiniu as passagens
da metade de 2001, resultando no filme a que assistimos hoje. Serve como
um claro testemunho do papel fundamental que ele teve durante a produção.

***

Por mais cool que fosse sua atitude no set de filmagem — mais cool que
Steve McQueen —, Kubrick exibia os efeitos das colossais pressões que
sofria ao voltar para casa no final dos longos e sobrecarregados dias de
produção. Suas constantes alterações na história e no conceito estavam
cobrando um preço alto. Todas as atenções recaíam sobre ele no estúdio, e o
diretor não podia mostrar o menor sinal de fraqueza ou indecisão. Porém,
quando estava longe e a salvo, às vezes ele desmoronava. “Eu não sei o que
estou fazendo. Não faço ideia!”, exclamava com o rosto pálido de estresse.
Às vezes ele lutava “com a sensação de ser o animal mais burro
caminhando sobre a Terra”, relembra Christiane. Angustiado quanto à
maneira de abordar uma cena, ele perguntava: “Isso parece certo? Não.
Parece muito pomposo! Estúpido!”.
Ao discutir o projeto com a mulher, Kubrick comentou que estava
trabalhando em “um desses filmes em que a todo momento você pode
pensar: ‘Descobri a resposta’, quando na verdade sabe que não descobriu”.
Elencava pessoas que considerava ignorantes ou desprezíveis e dizia: “Eu
sou exatamente assim. Por que sou tão crítico? Por que acho que sou
melhor! Isso é realmente patético”. Exausto e no limite de suas forças, ele
se obcecava num ator, no trecho de algum diálogo, num deslize da produção
ou num problema técnico. “Isso não dá para fazer”, desabafava. “Como é
que eu achei que poderia fazer isso? Não faço ideia! Eu vou cortar essa
cena toda!” Diante disso, Christiane — uma atriz experiente que lia as
mudanças de roteiro, seguia de perto a evolução do filme e entendia que o
marido estava exausto mas que aquilo fazia parte do processo — às vezes
replicava: “Não, não vai cortar nada! Está muito boa”. Então Kubrick
reconsiderava, ou se apegava momentaneamente à decisão ou descartava o
pensamento — às vezes concluindo a coisa toda dizendo: “Vou ali comer
um hambúrguer”.
“Então, às cinco horas da manhã, de repente ele dizia: ‘Bem, talvez
funcione se eu o deixar entrar primeiro e dizer isso’”, recorda Christiane.
“Ele havia encontrado um jogo intelectual que valia a pena jogar. Acho que
era assim que ele deslindava essas coisas.”
Alguns dias, ao voltar para casa pensando que a coisa toda não fazia
nenhum sentido, depois ficar reescrevendo até o sol nascer e voltar ao
estúdio no dia seguinte para anunciar as mudanças, Kubrick lutava contra
uma profunda sensação de vergonha por ter errado tanto desde o começo, e
por ter mobilizado dezenas de pessoas e muito dinheiro para uma filmagem
ou um cenário que ele achava que iam para um lado, quando de fato (agora
ele percebia) tudo tinha ido na direção totalmente contrária.
Indagada se as coisas eram assim mesmo — se o grande Stanley
Kubrick de fato sentia vergonha de suas muitas revisões e modificações —,
Christiane confirmou.
“Ele se sentia envergonhado?”
“Muito.”
“Mas ele escondia isso muito bem no estúdio.”
“Ele tentava.”
“E conseguia. Eu nunca ouvi o menor…”
“Ele disfarçava. Dava a impressão de não ter dúvidas sobre si mesmo,
sim. Mas tinha. Tinha seus momentos ‘Eu sou um babaca’ o tempo todo.”

***
Visto de fora, o Compartimento do Cérebro de HAL montado no Palco 6
parecia uma estranha instalação de arte — uma estrutura retangular de
quatro andares, tão entrelaçada num emaranhado de canos e braçadeiras
interligados que era difícil discernir seu verdadeiro formato. O exterior de
suporte gradeado era rodeado por cerca de vinte refletores cinematográficos
de 10K espaçados de forma irregular, produzindo uma iluminação de 200
mil watts, tão brilhante que era quase impossível olhar para a grande
estrutura pelo lado de fora sem óculos de sol.
As temperaturas no interior passavam de 32 graus. O compartimento foi
construído com lâminas de metal escuro com centenas de fendas
retangulares espaçadas regularmente sobre um fundo de gel vermelho-
alaranjado. Com refletores projetando luz pelo lado de fora, o cérebro de
HAL brilhava por todos os lados — fazendo o operador de câmera Kelvin
Pike imaginar que estava dentro de uma torradeira. Assim como na cena da
Porta de Emergência, Dullea precisou ficar suspenso por um feixe de cabos
durante boa parte das tomadas, mas nesse caso não lhe foi exigido nada
particularmente acrobático. Ele simplesmente entrava flutuando por uma
escotilha e começava o trabalho, desconectando metodicamente as funções
lógicas superiores de HAL enquanto o computador implorava pela própria
vida.
“Quero que isso seja um assassinato”, disse Stanley a Christiane. Ela se
lembra claramente das origens e da etimologia da cena. “Foi ideia do
Arthur. Stanley só escreveu. Mas ele, Arthur, plantou o conceito de uma
inteligência como algo vivo”, relatou. “Uma inteligência é vida. Se você
fere uma inteligência, ela não consegue aguentar. Sabe que está sendo
ferida.” Ao relembrar a abordagem do marido, Christiane explicou: “Era
muito importante para ele que o computador sofresse enquanto eram
retirados aqueles pedaços e era removida a parte do cérebro. Por isso ele fez
a iluminação tão vermelha, para parecer carne”.
Quanto à canção de HAL, “Daisy Bell (Bicycle Built For Two)”, também
foi uma contribuição de Clarke, inclusive a desaceleração até se tornar
quase incompreensível no fim. A ideia se originou de uma visita que Clarke
fez aos Laboratórios Bell em 1962, onde ouviu os experimentos com
sintetizador de voz de John Kelly em um computador IBM 7094, que faziam
a máquina cantar a proposta de casamento de Harry Dacre, de 1892 — a
primeira música a ser cantada por um computador. Mesmo agonizante, HAL
estava se referindo a um momento importante da história da computação.
Assim como muitos outros cenários de 2001, o Compartimento do
Cérebro era um lugar perigoso. Na manhã de 15 de junho, um “faísca” —
eletricista — subiu no topo da estrutura e estava mexendo num dos enormes
refletores de 10K quando perdeu o equilíbrio e caiu de quase dez metros de
altura, fraturando a coluna. Uma ambulância o transportou rapidamente
para o Barnet Hospital, onde salvaram sua vida. Como naquele momento a
equipe estava trabalhando numa simples tomada a ser inserida depois — de
uma tela de TV acendendo com a mensagem gravada de Heywood Floyd,
supostamente acionada pelos espasmos finais de HAL —, Kubrick
enquadrara a tomada, deixando-a para Pike e Cracknell filmarem, e tinha
ido trabalhar em seu escritório. Um jovem assistente, Andrew Birkin, estava
com ele quando chegou a notícia de que alguém tinha se ferido gravemente.
“Puxa, que coisa terrível”, disse Kubrick, parecendo preocupado. “E isso
estragou a cena?”
Dullea sabia que o estresse pela perda do companheiro astronauta e o
duelo com HAL deixariam sequelas, que o comportamento aparentemente
imperturbável de seu personagem precisaria se deteriorar. Por isso,
preparou-se para a cena no Compartimento do Cérebro revivendo na
memória o intenso desempenho de Burgess Meredith como George na
versão original de 1937 de Ratos e homens, baseado no livro de John
Steinbeck. No final do filme, ao perceber que Lenny (Lon Chaney Jr.), seu
amigo mentalmente perturbado, está para ser morto por uma turba
vingativa, George resolve matá-lo pessoalmente — um tiro de misericórdia.
Mas antes, os dois rememoram uma história em comum: o sonho de terem
seu próprio rancho, com vacas, galinhas e coelhos. Em seguida, com uma
determinação inflexível e evidente tristeza, George atira em Lenny pelas
costas.
Se essa inspiração pode parecer um pouco excessiva e não transparecer
na atuação de Dullea, foi pelo fato de Kubrick ter reduzido em muito a cena
na montagem final. Da forma como chegou aos cinemas, o ator só tem duas
falas enquanto lobotomiza o único ser senciente em um raio de 300 milhões
de quilômetros. “Sim, eu gostaria de ouvir, HAL. Cante para mim.” Na
verdade, a cena foi filmada com muito mais diálogos. Embora o
computador tivesse de longe a maioria das falas — quatrocentas palavras
antes da primeira de Dullea —, o ator tinha oito falas seguidas, totalizando
mais de cinquenta palavras.
A cena do Compartimento do Cérebro foi rodada durante cinco longos
dias, entre 31 de maio e 29 de junho. No último dia, a difícil cena com o
cabo foi concluída, com Kubrick enquadrando um close médio, uma visão
lateral do rosto de Dullea atrás do capacete. A equipe armou um banco para
que o ator se sentasse, permitindo que se balançasse levemente para a frente
e para trás, simulando a falta de gravidade enquanto desalojava com uma
chave de fenda os blocos retangulares de plexiglas representando os
circuitos lógicos e de memória de HAL.
[65] Vista lateral de Dullea no Compartimento do Cérebro. Polaroide parcialmente danificada
provavelmente de Kubrick.
© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

O melhor momento de Dullea aconteceu na última tomada do último dia.


“Escute, Dave. Eu realmente sinto muito por tudo isso. Sinto muito
mesmo”, disse HAL, nesse momento interpretado por Cracknell. Dullea
continua a trabalhar sem comentários, metódica e inexoravelmente. “Dave,
nem mesmo um criminoso condenado é tratado dessa maneira”, argumentou
Cracknell. Oscilando levemente, Dullea parecia uma serpente encapuzada
— mais como um assassino determinado do que como o agitado Burgess
Meredith. “Por favor… Por favor, Dave, pare… Dave, você não entende
que vai destruir minha mente… Eu vou me tornar um nada”, diz Cracknell.
“Cale-se, HAL, você não vai sentir nada, vai ser igual a quando eu e
Poole estamos dormindo”, replica Dullea afinal, desviando os olhos para
responder ao olhar fixo de HAL.
“Bem, eu nunca preciso dormir… Eu… Não sei o que é isso”, diz
Cracknell.
“É muito agradável, HAL. É tranquilo. É muito tranquilo”, explica
Dullea.
“E o que acontece depois?”, pergunta HAL, melancólico.
“Vai ficar tudo bem”, diz Bowman, sua atenção se alternando entre a
tarefa e o acusador olho de vidro de HAL.
“Eu vou saber de alguma coisa? Vou continuar a ser eu mesmo?”,
pergunta HAL.
“Vai ficar tudo bem”, repete Bowman.
“Dave, sabe que acabei de pensar uma coisa”, diz HAL. “A raposa
marrom veloz pulou em cima do cachorro preguiçoso.”19
“Sim, é verdade, HAL”, responde Bowman, operando metodicamente sua
chave de fenda.
“Pensei mais uma coisa”, continua HAL. “A raiz quadrada de pi é um
décimo sete sete dois quatro cinco três oito zero nove zero.”
(Se tivesse sido aproveitada no filme, a fala comprovaria o declínio
acelerado do computador — o número está errado.)
“Sim, é verdade, HAL”, concorda Bowman, trabalhando para concluir a
tarefa.
Numa tomada não utilizada, captada por Kubrick, o olho de HAL —
antes brilhando com sua córnea vermelha e íris amarela habituais — torna-
se preta e fria no final da cena.

***

No início da pré-produção, Kubrick concebeu um prólogo em forma de


documentário, idealizado para proteger 2001 de possíveis mal-entendidos
gerados pela vertente de ficção científica então em voga, com Buck Rogers
e Homenzinhos Verdes. O prólogo contava com a participação de
destacados cientistas como Freeman Dyson, Margaret Mead, B. F. Skinner e
outros dezoito especialistas discutindo assuntos como vida extraterrestre,
viagem espacial e comunicação entre civilizações alienígenas. Sob
responsabilidade de Roger Caras, o documentário chegou a ser filmado em
1965, em preto e branco e em 35 milímetros. Caras foi inclusive até
Moscou para filmar o famoso bioquímico russo Alexander Oparin, autor da
influente teoria da “sopa primordial” na evolução da vida.
Kubrick tinha bons motivos para acreditar que os temas não seriam
levados a sério por pessoas sérias, e portanto “não poderiam servir como
base para o que normalmente é considerado um grande filme pelos
divulgadores da indústria cinematográfica”, como definiu Tony Frewin em
sua compilação dessas entrevistas, do tamanho de um livro. (Somente as
transcrições encontram-se disponíveis, embora conste que as cenas filmadas
ainda estão em algum lugar nos depósitos da Warner Bros.) O segmento do
documentário, explicou Frewin, teria mais ou menos o mesmo propósito
que as páginas de citações sobre baleias e baleeiros introduzidas por
Melville no começo de Moby Dick, antes da imortal fala “Chame-me de
Ishmael” de que todos se lembram como a abertura do romance. Os leitores
têm essa lembrança porque, é claro, as citações não eram necessárias —
algo que Kubrick acabou percebendo a partir das entrevistas de Caras. Foi
“uma das poucas ideias ruins de Stanley Kubrick”, comentou Jeremy
Bernstein, um dos entrevistados.
Apesar da aversão a Carl Sagan e a seu comportamento paternalista no
encontro entre os dois em Nova York um ano antes, Kubrick concordou sem
hesitar com a inclusão do astrônomo no prólogo. Mas nada na reação de
Sagan ao convite por carta serviu para modificar a antipatia de Kubrick ao
jovem astrônomo. Na primeira resposta, em fevereiro, Sagan perguntou
quanto receberia — o único entrevistado a fazer essa pergunta. Caras
respondeu que eles não pretendiam pagar. Em sua segunda resposta, em 10
de março, Sagan pediu para ter um controle editorial, por conta da “alta
frequência de citações fora de contexto e falsas representações resultantes
de cortes e justaposições” em sua “experiência anterior com noticiários da
mídia” — uma observação sob medida para irritar o diretor.
Percebendo acertadamente que o filme não era um documentário, “mas
sim um empreendimento comercial de certa magnitude”, Sagan escreveu
que “a introdução científica destina-se claramente, entre outras coisas, a
conferir respeitabilidade ao filme; isso é obviamente um item negociável”.
Sagan pediu 0,002% da receita bruta do filme por cada minuto de sua
aparição no documentário.
Com o vigoroso apoio de Kubrick, Caras respondeu que não poderia
haver nenhum controle editorial e tampouco pagamento de cachê. E foi o
fim da história. Sagan estava fora.

***

A penúltima cena de 2001, transcorrida num quarto de hotel hiper-real


depois da épica jornada de Bowman através do Portal Estelar, teve suas
origens no entendimento de Kubrick e Clarke de que seu Odisseu astronauta
precisaria de um lugar para se recuperar da exposição a visões que nenhum
ser humano jamais testemunhara. O quarto também deveria ter nuances que
insinuassem um tanque de contenção ou jaula de zoológico. “Se você
tivesse um extraterrestre numa garrafa em seu laboratório de química e
quisesse deixá-lo confortável para observá-lo melhor, você tentaria saber do
que ele gosta”, comentou Stanley com Christiane em certa ocasião. “E se
você quiser extrair o que se passa no cérebro de um ser humano, um
sofisticado quarto de hotel pode funcionar bem.”
O conceito original veio de Kubrick, de que “robôs que podem criar um
ambiente vitoriano para deixar nossos heróis à vontade” — como Clarke
escrevera em outubro de 1964 — e também do esboço de seu primeiro
texto, em que imaginava Bowman procurando abrigo em uma construção
que pudesse proporcionar “segurança mental, pois o afastaria daquele céu
impossível”. O elemento vitoriano já havia mudado em julho de 1965,
quando Victor Lyndon especificou a Caras que o mobiliário do quarto
deveria ser contemporâneo da data de 2001. Mas foi uma semana em que
Tony Masters — que, como designer de produção, tinha mais acesso ao
pensamento de Kubrick — escreveu a Caras que eles ainda não sabiam
como o quarto seria.
Partindo dessa orientação pouco precisa, Caras escreveu para seus
contatos na Armstrong Cork Company, uma grande fabricante norte-
americana de materiais para pisos e tetos, propondo que eles assumissem o
projeto do espaço. “A situação é mais ou menos a seguinte”, escreveu em
29 de julho. “Quando o astronauta principal chega […] ele é conduzido para
o que é, na verdade, um conjunto de quartos que reproduz uma suíte. […]
ele assiste a um programa de televisão originário da Terra. O que acontece é
que a superinteligência recria aquela suíte confortável exatamente como
visto na televisão, e assumiu que tudo na Terra seria assim.”
A resposta da empresa foi um modelo de futurologia industrial. Os
designers da Armstrong Cork propuseram uma série de quartos contendo
um mobiliário inflável high-tech capaz de desaparecer no chão quando não
fosse necessário. Os tetos, escreveram, podiam ser feitos de “uma série de
calombos” que “se mexem para a frente e para trás […] resultando num
movimento ondulante e muito relaxante”. Se fossem necessários degraus,
eles seriam invisíveis até que se pisasse neles, e logo desapareceriam depois
de usados. “Eles propõem que o piso seja muito macio, até acolchoado”,
resumiu Caras numa carta a Masters. “Dizem que esse piso vai brilhar,
projetar luz indireta, gerando um efeito cálido e indireto.”
Mas quando a construção começou a tomar forma, na primavera de
1966, tornou-se claro que a proposta da Armstrong, que se resumia a um
cenário ainda mais futurístico que os interiores das espaçonaves do filme,
poderia não surtir o efeito desejado. Esse cenário poderia, aliás, dar a
sensação de que aquele ambiente “além do infinito” servia como
alojamento dos alienígenas invisíveis, não de ter sido criado para Bowman
se sentir à vontade. E a ideia de o astronauta sobrevivente mudar de canais
na TV e encontrar um programa mostrando o próprio quarto onde estava já
tinha sido descartada havia muito tempo.
A essa altura, a confiança de Kubrick no discernimento de Masters era
tão forte quanto sua persona tipo “confie, mas verifique” permitia. O
designer tinha salvado a situação depois do fiasco do monólito de acrílico,
concebendo o objeto mais poderoso e opaco da história do cinema. Todos
os seus cenários eram extraordinários. Com a discussão agora centrada
naquela última localização do monólito — e na transformação de Bowman
—, Masters propôs outra solução, simples e elegante. “Por que não usar um
quarto francês?”, sugeriu. “Quero dizer, se vamos ter um quarto, pode ser
qualquer coisa. Mas uma coisa que podemos fazer muito bem é um quarto
francês. Podemos fazer o ambiente inteiro em tons suaves e agradáveis de
cinza e verde.”
Kubrick considerou a ideia. “Tudo bem”, concordou. “Vamos fazer um
quarto francês.”
“Foi simples assim”, disse Masters, lembrando-se da conversa em 1977.
A decisão foi tomada em segundos.
Quando projetou seu quarto rococó estilo Luís XIV, porém, Masters
manteve um importante elemento da Armstrong Cork: a iluminação indireta
do piso. O cenário de Masters foi construído no Palco 4, usando canos de
aço, o onipresente substrato de Borehamwood, e pairava a 3,5 metros do
chão do estúdio, dando espaço para luzes entre os canos. O piso do cenário
foi construído com outro material conhecido: acrílico, nesse caso em lajotas
quadradas de noventa centímetros. A iluminação era fornecida por potentes
370 mil watts abaixo, criando uma espécie de Saara para a equipe lá dentro,
que os contrarregras da MGM tentaram amenizar com um gigantesco tubo
flexível de ar-condicionado que às vezes passavam através do banheiro,
mas que nunca parecia ser suficiente. Aos poucos as luzes iam retorcendo
as lajotas, o que exigia uma substituição periódica.
Embora para o espectador o efeito fosse muito sutil, o quarto e o
banheiro adjacentes não tinham portas nem janelas. Apesar de os painéis da
parede poderem ser removidos para a filmagem, do ponto de vista da plateia
não havia um lado de fora da jaula extraterrestre de Bowman.
A penúltima cena de 2001 foi rodada na segunda metade de junho, e
pela primeira vez exigiu grande trabalho de Stuart Freeborn, já reconhecido
na época como um dos melhores maquiadores do mundo. Freeborn fez um
molde do rosto de Dullea em janeiro, e desde então criou inúmeras peças de
borracha sob medida, que quando colocadas e tratadas durante dez horas de
sessões de maquiagem transportaram o ator por diversos estágios entre seus
supostos vinte e tantos anos originais por toda sua trajetória de vida até o
leito de morte. Isso incluía um octogenário fazendo sua última refeição e
um nonagenário em seu último suspiro.

[66] Dullea chega no quarto de hotel em seu módulo espacial. Polaroide de teste de iluminação
provavelmente de Kubrick.
© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

A poucas semanas do término formal da principal unidade de produção


do filme, que agora já ultrapassara em dois meses o cronograma original de
filmagem, os profissionais começaram a se dispersar. Cracknell partiu para
outro filme logo após a cena no Compartimento do Cérebro, tendo sido
substituído durante vários dias por um inexperiente Ivor Powell, que, no
meio da produção, deixou de trabalhar como o homem de Caras em
Londres para se tornar um dos assistentes de Kubrick. Geoffrey Unsworth
ainda filmaria a cena do quarto do hotel, mas era aguardado imediatamente
no set de filmagem de um musical inglês e não estaria disponível para
filmar a Aurora do Homem, independentemente de onde fosse rodada.
A sequência retrata quatro transformações do único sobrevivente da
Discovery. Primeiro Dullea aparece em sua cápsula espacial tendo um
colapso nervoso depois de sua passagem pelo Portal Estelar. Torna-se
visível de novo quando visto pela escotilha da cápsula, em pé e de olhos
arregalados num traje espacial vermelho-Ferrari — evidentemente do ponto
de vista da alquebrada e trêmula versão recém-chegada de si mesmo.
Tomadas mais próximas revelam ser um Bowman mais velho e enrugado,
talvez com mais de sessenta anos, olhando vagamente para o local onde a
cápsula se encontraria. Ele anda até o banheiro, explorando o ambiente pela
primeira vez. Vendo-se em um grande espelho, absorve, entorpecido, a
visão do próprio rosto enrugado. Ao ouvir ruído de talheres, o Bowman
com mais de sessenta anos olha a partir da porta do banheiro para ver o
Bowman octogenário de costas, sentado a uma mesa em frente a uma
pintura a óleo — uma paisagem arbórea rococó. Finalmente, o octogenário
Bowman vê a versão final de si mesmo na cama.
Os oitos dias passados no quarto de hotel incluíram muitas cenas não
utilizadas na montagem final. No dia 23 de junho, um Dullea septuagenário
foi filmado andando até onde sua cápsula espacial estava havia pouco
tempo, ajoelhando-se incrédulo para tatear o chão onde tinha desaparecido.
Ao se levantar, de repente se sente zonzo e desmorona numa cadeira, ainda
com o traje espacial. Aos poucos, percebe a existência de roupas muito bem
dobradas sobre a cama — um convite implícito para tirar o traje espacial.
Levantando-se devagar, Dullea examina as roupas, depois anda até o
banheiro — antes de vislumbrar seu eu mais velho comendo na mesa de
jantar, como na versão existente. Vários adereços produzidos para a cena
também não chegaram a ser usados. Estes incluíam um enorme catálogo
telefônico que Bowman poderia ter aberto, deparando-se com páginas em
branco no miolo.
A cena proporcionou a Keir Dullea a oportunidade de mostrar nuances
de interpretação até então não exigidas. Seu estado trêmulo e catatônico ao
chegar à cápsula é extremamente convincente. Sua encarnação octogenária
é uma espécie de sinfonia implícita de movimentos rígidos e artríticos. Em
uma tomada especialmente longa feita na sexta-feira, 24 de junho — a
panorâmica lateral em que Bowman com sessenta e tantos anos vê seu eu
mais velho do banheiro, depois o último Bowman sentado e jantando —, o
Bowman octogenário sente alguma coisa, vira-se na cadeira, levanta-se e se
aproxima da câmera para examinar o banheiro agora vazio. Ao não ver
ninguém lá, ele volta titubeante à sua cadeira. Escrito à mão em tinta azul,
uma anotação de Kubrick no Relatório Diário de Continuidade diz
simplesmente: “Interpretação muito boa!”.
No mesmo dia, Dullea teve uma inspiração. As duas transições
anteriores das encarnações de seu personagem foram filmadas para permitir
cortes diretos na edição posterior, cada corte refletindo um salto a partir do
ponto de vista do personagem mais novo para o mais velho — algo que
Kubrick destacaria sutilmente com a trilha sonora do filme. Sentado à mesa
de jantar com a Panavision posicionada numa plataforma alta à sua frente,
focalizando-o de cima para baixo, Dullea examina a pequena superfície da
mesa diante de si, que incluía duas taças de cristal facetado, e de repente
pensa numa maneira de marcar a mudança final entre suas encarnações cada
vez mais velhas. “Stanley, você se importa se eu derrubar essa taça?”,
perguntou. “Pode ser uma atitude diferente no momento de ouvir alguma
coisa, ou sentir alguma coisa. Se eu derrubar a taça, quando me abaixar eu
posso ser envolvido por essa sensação, bem no meio do movimento, para
ser diferente da maneira como fiz até agora.”
Intrigado, Kubrick considerou a sugestão. “Certo, tudo bem”, decidiu,
pedindo ao contrarregra para pegar mais uma taça de cristal. Eles filmaram
a ideia de Dullea duas vezes, em tomadas abertas e médias a partir da
plataforma, e depois de diversas tomadas, abaixaram a câmera até o chão e
filmaram uma terceira vez, agora pela lateral à altura da mesa — o melhor
ângulo para documentar o momento que Dullea buscava, com a atenção
agora na taça quebrada, a cabeça virando aos poucos em direção à cama
onde seu eu mais velho está deitado em silêncio dando os últimos suspiros
— os últimos suspiros deles. É uma visão que ele vislumbra com olhos
quase fechados, com uma incredulidade mal contida. Mais uma vez,
Kubrick registrou sua aprovação em tinta azul no relatório de continuidade:
“Muito Bom”.
Embora possa parecer uma contribuição menos significativa que a ideia
da cápsula espacial de Lockwood, que foi esclarecedor na estrutura do
filme, a taça de Dullea quebra durante a sessão final de maior carga
ideológica da estrutura multifacetada de 2001. Com isso, toda a ação no
quarto francês, sinistro e reverberante, ressoa com significados
potencialmente alegóricos. A taça quebrando no espaço fechado é um
momento potente, que gerou abertura para diversas interpretações nas
décadas seguintes. Afinal, talvez seja tão importante quanto a cena de
Lockwood na cápsula. Ao ressoar em um ambiente metafísico em algum
ponto além do infinito, é ao mesmo tempo uma manifestação da propensão
da humanidade ao erro, a todos os vidros já quebrados em todos os
casamentos judaicos da história, um rufar de címbalos marcando a morte de
Deus, um símbolo metafórico semelhante ao vislumbre interior produzido
por um koan zen — e assim por diante.20

[67] Keir Dullea como David Bowman em seu leito de morte.


© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

E é também, é claro, mais um exemplo da capacidade de um aspirante a


baterista de jazz de ouvir e se adaptar aos músicos de seu grupo — o gênio
cinemático de um líder de banda em tempo real que ouvia, avaliava e
coordenava ao máximo o talento de seus músicos.
Ao contar essa história em 2014, Dullea a definiu como “uma pequena
contribuição”. Acontece que foi muito mais do que isso. Seis meses depois
de seu ator principal ter partido de Borehamwood, Kubrick mandou uma
mensagem ao produtor David Wolper. “Soube que considera Keir para
papel em filme”, escreveu na linguagem cortada dos telegramas
internacionais. “Ele interpreta papéis não neuróticos com a mesma
genialidade que os neuróticos. Você não poderia encontrar um ator melhor,
mais cooperativo ou inteligente. Acho que é um dos melhores atores do
mundo.”
Mas Dullea não ganhou o papel.

14. O início da produção também foi muito mencionado como o dia 29 de dezembro, mas esse dia foi
usado para ensaios com as câmeras e a iluminação, sem nenhuma tomada. [ «« ]
15. O olho de HAL não era um adereço, mas na verdade uma lente Nikkor da Nikon iluminada por
trás. Consta que às vezes Kubrick pedia a lente, colocava-a numa câmera e a usava para filmar —
mas não para tomadas do ponto de vista de HAL, que eram feitas com outra lente, uma grande-angular
Farchild Curtis de 160º de curvatura. [ «« ]
16. Sigla de Stochastic Neural Analog Reinforcement Calculator [Calculadora Estocástica Neural-
Analógica de Reforço]. Mas você já sabia disso. [ «« ]
17. Calipígia: adjetivo. Que tem nádegas bem conformadas. (Diz-se especialmente de certas estátuas
de Vênus). [ «« ]
18. Essa fala aparentemente descartável foi depois usada pelo cineasta John Landis como título de
seu primeiro roteiro, jamais produzido, e subsequentemente utilizado como gague recorrente na
maioria de seus filmes. Depois foi introduzida por outros autores em inúmeros filmes, programas de
TV e videogames [ «« ]

19. Em inglês, “The quick brown fox jumped over the lazy dog”, frase que contém todas as letras do
alfabeto. [N. T.] [ «« ]
20. Vamos considerar este koan, por exemplo. Ikkyu, o mestre zen, era muito inteligente quando
garoto. Seu professor tinha uma preciosa xícara de chá, uma rara antiguidade. Por acaso Ikkyu
quebrou essa xícara e ficou extremamente perplexo. Ao ouvir os passos de seu professor, escondeu os
cacos da xícara nas costas. Quando o mestre entrou, Ikkyu perguntou: “Por que as pessoas têm que
morrer?”. “Isso é natural”, explicou o ancião. “Tudo tem que morrer e dispõe apenas de um tempo
para viver.” Ikkyu mostrou a xícara quebrada e falou: “Era o momento de sua xícara morrer”. [ «« ]
Capítulo 7

Na corda bamba
VERÃO – INVERNO DE 1966

Qualquer tecnologia muito avançada é indistinguível de magia.


Terceira Lei de Clarke

Com a produção da primeira unidade concluída, ao menos naquele


momento, Kubrick ficou livre para se concentrar em duas grandes fontes de
preocupação. Uma delas eram os efeitos visuais necessários para
transformar seu filme num convincente simulacro de nosso futuro espacial:
tomadas externas de Aries, Orion e da espaçonave Discovery em voo, do
pouso do Ônibus Lunar e das caminhadas no espaço. Mas ele também
precisava acrescentar uma variedade visual mais intensa para incrementar o
material neopsicodélico do Portal Estelar, que havia filmado naquela fábrica
de sutiãs abandonada em Nova York no início de 1965.
A outra era a sequência da Aurora do Homem. Originalmente
programada para ser rodada logo após a cena do Quarto de Hotel, o prólogo
do homem-macaco de 2001 vinha sendo uma dor de cabeça havia meses, e
a filmagem era repetidamente protelada para que uma série de problemas
espinhosos fosse resolvida. Isso envolvia muitas questões, desde
maquiagem (a criação de Stuart Freeborn de uma tribo de selvagens pré-
históricos realmente convincentes, que não parecessem moradores da
Swinging London vestindo roupas de macaco) à locação (filmar no
sudoeste da África ou num deserto da Espanha fora momentaneamente
descartado por um diretor sempre relutante em viajar, em favor de uma
busca de locações nos climas úmidos do norte do Reino Unido). E,
finalmente, a estrutura dramática — as ações específicas que nossos
ancestrais peludos deveriam desempenhar enquanto lutavam pela
sobrevivência 4 milhões de anos atrás, e em que ordem isso aconteceria.
Com a produção ainda em andamento em abril, Kubrick escreveu a
Clarke — que, tendo concluído a filmagem do longa de Wilson, estava no
hotel Chelsea para uma turnê de palestras — sugerindo alterações na
Aurora do Homem. Propôs que abandonassem a ideia anterior de que o
monólito (ainda chamado de “o Cubo” na carta) devesse transmitir
ostensivamente lições audiovisuais aos homens-macacos. Seria melhor,
escreveu, que o conteúdo da lição fosse desconhecido para o líder da tribo,
Moonwatcher. “O conteúdo da lição ganha mais um elemento de mistério”,
continuou. “Além da possibilidade de uma melhor construção narrativa, me
parece que não mostrar as visões no Cubo ajuda a evitar o tipo de
simplicidade tola que acho perigosa no momento.”
De todo modo, enfatizou Kubrick, se eles mostrassem essas lições da
maneira literal, como haviam imaginado previamente, correriam “o risco de
no final não mostrar o que a lição é para Bowman. Enquanto, se mostramos
o resultado da lição com Moonwatcher, quando mostrarmos o resultado da
lição para Bowman (a adaptação do Filho das Estrelas), ainda estaremos
seguindo as regras que estabelecemos”. E o diretor levantou outra questão:
que as duas tribos rivais concebidas para a cena — uma liderada por
Moonwatcher e a outra por One Ear — só deveriam ser vistas lutando
depois das lições surtirem efeito. No caso, “gritos e uivos” deveriam ser
suficientes para indicar a territorialidade das tribos. “Acho que a introdução
de armas se torna muito mais importante se tivermos um impasse e não uma
luta […] antes da introdução das armas.” Em seguida: “Eles não somente
fazem armas, mas rompem uma trégua duradoura em torno da nascente de
água e invadem o território dos Outros”. Essas mudanças, escreveu, “afetam
tanto o roteiro como o romance”, e acrescentou que não havia relido o
esboço do romance de Clarke.
Este último ponto não era irrelevante, já que resumia uma espécie de
artimanha para encobrir a recusa de Kubrick em dar sinal verde para a
publicação do romance. Kubrick reiterou que estava ocupado demais para
dedicar a atenção merecida ao assunto — mas que ainda assim o romance
não poderia ser publicado sem certas revisões. Apesar de não existirem
registros de uma resposta às sugestões de Kubrick, fica claro que Clarke
não se convenceu a ponto de alterar o livro — apesar da “simplicidade tola”
do diretor. Clarke só mandou um telegrama informando que estava de
partida para Londres para cuidar dos arranjos finais para a publicação.
A resposta de Kubrick, no dia 19 de abril, foi imediata, e entregue não
uma, mas duas vezes: como mensagem transcrita pelo recepcionista do
hotel Chelsea e num telegrama da Western Union. “Por favor, não venha
aqui com intenções de me convencer a abandonar minha posição em relação
ao romance, que você conhece muito bem”, escreveu. “Nenhuma
consideração possível pode me influenciar. Desculpe ser tão intratável, mas
sinto que devo fazer isso do meu jeito.” E concluiu: “Não perca seu tempo
vindo até aqui”.
Clarke respondeu que iria assim mesmo — e foi. Uma carta de seu
agente reforçava o motivo de o autor estar cada vez mais alarmado. Além
das enfáticas observações sobre o custo de atrasar ainda mais a publicação,
a carta de Scott Meredith mostrava estimativas do dinheiro que eles
poderiam ganhar se o contrato fosse assinado no dia 1º de maio — dali a
duas semanas. A quantia que Clarke receberia totalizava os cálculos do
agente, que incluíam serializações em revistas e direitos autorais no Reino
Unido, chegando a uma soma potencial de 250 mil dólares. O acordo teria
resolvido os problemas financeiros de Clarke numa tacada, e ainda sobrava
para poupar. Valia a pena lutar por isso.
Alguns dias depois, quando Clarke chegou ao estúdio (onde assistiu à
filmagem na centrífuga, “um espetáculo espantoso, acompanhado de ruídos
assustadores e estouros de lâmpadas”), o próprio Kubrick trouxe o assunto à
tona. Jurando que não queria segurar o romance até o lançamento do filme,
disse que o lançamento geral só aconteceria no final de 1967 ou mesmo em
1968. (O lançamento geral de 2001, ou seja, sua encarnação em 35
milímetros para o mercado de massa e com ingressos a preços acessíveis, só
aconteceu no outono de 1968.) Ainda que a primeira exibição fosse em abril
de 1967, disse Kubrick, o filme seria “exibido apenas em poucos cinemas,
em Cinerama, o que nos dará mais tempo para respirar”. (A estreia do filme
em 70 milímetros na verdade aconteceu um ano depois disso, em 2 de abril
de 1968.)
Embora esse detalhe não tenha sido entendido por Clarke, Kubrick
estava indicando que considerava o lançamento secundário do filme, em 35
milímetros — que aconteceria meses depois do lançamento “itinerante” em
70 milímetros — como a ocasião adequada para a publicação do livro. Sua
tentativa de minimizar o impacto da exibição em Cinerama, que não
aconteceria em “poucos” cinemas — na verdade, o filme dominaria alguns
dos principais cinemas do mundo na primavera e no verão de 1968 —, não
era honesta. Kubrick estava rompendo um acordo verbal, sabia disso e
tentava amenizar a situação sem recuar. Também pediu que Clarke e Scott
Meredith não mostrassem o manuscrito a ninguém até sua aprovação. Mais
uma vez confrontado com a “pura força de resolução de Stanley” — na
frase de Michael Herr —, Clarke teve pouca escolha a não ser concordar.
Enquanto isso, contudo, ele autorizou Meredith a continuar tentando fechar
o acordo, considerando que um contrato fechado pudesse fazer Kubrick
mudar de ideia.
Sempre um bom soldado, poucos dias depois Clarke saiu com Roger
Caras e Mike Wilson para visitar um zoológico particular em Nuneaton,
enquanto Wilson filmava impetuosos chimpanzés e gorilas malcomportados
como parte da pesquisa em andamento para a sequência da Aurora do
Homem.

***

Caminhando despercebido em meio a todas essas atividades, até então uma


nota de pé de página na história do cinema, encontramos aquele onipresente
fornecedor diário de bebidas quentes e anotador de pedidos, o Garoto do
Chá. Com dezenove anos de idade, muito bonito — talvez não tão
estonteante quanto sua radiante e extraordinária irmã Jane, ainda
desconhecida —, Andrew Birkin tinha algo a ver com o Jovem Cavalheiro
levado a bordo das belonaves da Marinha Real no auge do império — ou
seja, apesar de sua posição subalterna, era um oficial em treinamento. Filho
de uma família de classe alta, descendente “daquele pateta do George II”,
tinha se mostrado um aluno difícil, tendo sofrido maus-tratos e levado
repetidas surras de bastão antes de abandonar Harrow, a escola particular de
elite onde estudava.
Assim como a maioria dos jovens assistentes que entregavam
mensagens entre departamentos em Borehamwood, o cargo subalterno de
Birkin era resultado da influência de seus pais. A exemplo de seus
predecessores navais — dos quais se esperava que saíssem de casa ainda
adolescentes, se firmassem sobre os próprios pés e logo começassem a
vociferar ordens a marujos grisalhos com décadas de experiência —, Birkin
só precisava de iniciativa para subir de posição. Sua mãe, Judy Campbell,
uma conhecida atriz de teatro, era uma das favoritas de Noel Coward, e o
pai era um oficial da Marinha Real, um genuíno herói da Segunda Guerra
Mundial que conduzia canhoneiras em alta velocidade em noites sem lua
para desembarcar espiões na costa da França.
Como em qualquer outro lugar, o rígido sistema de classes britânico era
inquestionavelmente aplicado em Borehamwood. Esperava-se que os filhos
das classes mais baixas aspirassem a carteirinhas de sindicatos de suas
profissões — poderiam se tornar faíscas (eletricistas), lascas (carpinteiros),
estucadores, suportes, motoristas e coisas do gênero. Garotos da classe alta,
por outro lado, podiam saltar para cargos administrativos ou de criação:
assistentes de direção, assistentes de câmera, produtores em treinamento.
Embora se sentisse obrigado a se adaptar à hierarquia desse sistema,
Kubrick era produto de uma sociedade bem diferente, com mais mobilidade
social. Ignorando boa parte dessas regras, ele administrava uma
meritocracia. Foi por isso que Tony Frewin, filho de um motorista do
estúdio, pôde se tornar um dos assistentes do diretor — uma posição de
prestígio, que exigia uma carteira do sindicato da Association of Cinema
and Allied Television Technicians (ACTT). Em outras palavras, ele ascendeu
de status, chegando às fileiras da classe alta como um dos “rapazes de
Kubrick”: um pequeno grupo de jovens esforçados, todos em torno dos
vinte anos, que tinham de administrar o estúdio, fazer seus próprios
horários, escolher diariamente excelentes garrafas de vinho da adega do
restaurante da MGM e que, na prática, eram “invioláveis” — como um deles,
Ivor Powell, definiu dando risada.
Durante seus seis primeiros meses em Borehamwood, Birkin era apenas
um sujeito curioso, fascinado pela movimentação no estúdio, mas
oficialmente proibido de visitar os sets de filmagem a não ser na hora do
chá, sempre às dez da manhã e às três e meia da tarde. Essa proibição
incomum viera de seus oficiais comandantes, que logo perceberam que
Birkin era um fanático por cinema circulando no paraíso. Se fosse mandado
para alguma tarefa entre as horas dos chás, ele ficava tão fascinado pelo que
estava sendo filmado que perambulava pelo entorno, às vezes durante horas
— uma figura escondida nas sombras. Certos aspectos voyeurísticos
também entraram em jogo. Um dia, por exemplo, Birkin quis conhecer um
dos poucos estúdios de som não atulhado pelos cenários de 2001 — o
estúdio onde Roman Polanski por acaso filmava a arrebatadora Sharon Tate,
vestida de bolhas de sabão, para a cena do banho de A dança dos vampiros.
Tentando parecer o mais oficial possível, com uma lata de filme embaixo do
braço, Birkin adotou sua melhor expressão de tédio, subiu a escada em
espiral até a passarela, andou furtivamente até uma posição logo acima da
banheira bem iluminada e estacionou num lugar de onde podia apreciar
avidamente a cena.

[68] Andrew Birkin no verão de 1966.

O trabalho também fez com que o Garoto do Chá aprendesse toda a


geografia do estúdio, os nomes de todos no set, seus postos hierárquicos e o
quanto de açúcar tomavam no chá. Além disso, ele absorveu toda a
informação que podia, chegando até a se envolver no que resultou numa
campanha de espionagem em proveito próprio. Designado para fazer cópias
de roteiros com uma máquina Xerox primitiva que cuspia mais fumaça do
que páginas, Birkin lia todos os roteiros, apesar de ser uma prática proibida
aos cargos mais subalternos, por uma questão de segurança determinada por
Kubrick. Bisbilhotando ao redor do cenário da Doca das Cápsulas na hora
do almoço, ele acabou se trancando numa delas e passou meia hora
esmurrando freneticamente a janela de vidro até ser libertado por um
contrarregra que passava por perto — salvando-o do destino infame de ser
descoberto quando a equipe voltasse da unidade principal, o que certamente
resultaria em consequências graves.
Ao fazer sua rodada matinal dando corda nos relógios dos escritórios
certa manhã, de repente ele se viu sozinho nos domínios de Victor Lyndon e
ficou interessado nos documentos oficiais do orçamento do filme — motivo
para demissão imediata, caso fosse apanhado. Quando foi descoberto e
Lyndon exigiu saber que diabos ele estava fazendo, Birkin respondeu:
“Estou interessado. Tenho curiosidade sobre o assunto”. Amolecendo, o
produtor associado explicou: “Isso é mais sigiloso que o roteiro. Não
podemos deixar ninguém saber quanto cada um recebe”. Quando Birkin
jurou não contar a ninguém, Lyndon o liberou com uma advertência e o
mandou de volta à cafeteria.
Durante todas essas desventuras, Birkin estava atrás de um golpe de
sorte. Em março, ao ficar sabendo que a comida caía da bandeja de Gary
Lockwood quando ele ficava de cabeça para baixo, afivelado na mesa de
jantar da centrífuga — sabendo que, na verdade, depois de cair de mais de
dez metros de altura, a mistura se espalhava no piso branco e exigia horas
de limpeza e atrasava a produção do dia —, Birkin foi para a casa da mãe e
os dois fizeram experiências com misturas de gelatina bem endurecidas. Ao
voltar ao estúdio no dia seguinte, seu grude comestível antigravitacional foi
aceito com gratidão pelo departamento de adereços, ainda que não pelo
próprio Lockwood, que precisava realmente comer a mistura, o que passou
a acontecer desde então. Kubrick nunca soube que Birkin tinha resolvido o
problema.
Finalmente, certa noite, na segunda semana de maio, Birkin foi
convocado para um “fantasma” no Palco 3 — um turno noturno. Ficou
dividido — ele costumava jantar com a namorada, a atriz Hayley Mills —,
mas o trabalho era bem pago. Um pequeno grupo, que incluía designers de
produção, decoradores de cenários e diretores de arte, estava reunido em
frente a um elaborado cenário projetado por Tony Masters, que tomava 3/4
do maior palco de Borehamwood. Com quase 1.800 metros quadrados, o
espaço já havia abrigado a Estação Espacial Cinco, mas agora estava
atulhado de grandes rochas desérticas. O fundo pintado apresentava uma
paisagem africana que ia até um horizonte rugoso, sob um céu azul e
profundo. Embora a parte tridimensional fosse bem convincente, a pintura
ao fundo conferia ao cenário uma aparência de diorama de vida selvagem
tirado de algum museu de história natural. Ainda que pintado em cores
vívidas, o fundo parecia irreal.
A grande porta de correr que ocupava a maior parte da parede lateral do
estúdio tinha sido aberta para o ar primaveril, e por volta das 6h30 o diretor
chegou ao prédio, saiu de sua Mercedes branca e anunciou: “Será uma
invasão, companheiros”. Depois de filar um cigarro, como de costume, o
sorriso de Kubrick esmaeceu numa expressão pensativa enquanto
examinava a simulação do sudoeste da África. Do outro lado, Birkin se
ocupava preparando chá quando várias luzes se acenderam e começaram a
ser ajustadas. O diretor de produção Clifton Brandon ficou por perto. Agora
a expressão de Kubrick era de preocupação, e Birkin estava perto o
suficiente para ouvir o diretor dizer: “Companheiros, isso não vai
funcionar”.
“O que ele disse?”, perguntou Brandon a Birkin.
“Que não vai funcionar”, repetiu Birkin.
“Como assim, não vai funcionar?”, esbravejou Brandon. “Isso custou 55
mil dólares!”
“Sei lá, foi o que ele disse”, disse Birkin, sem se preocupar muito.
Afinal, ele era só o garoto do chá — em seu último dia naquele trabalho.
Empurrando seu carrinho para chegar mais perto, ele ouviu Kubrick
exclamar: “Eu não acredito que não exista um deserto em algum lugar da
Inglaterra. Eu não estou pedindo o Saara, sabe? Só estou pedindo algumas
dunas de areia!”.
Ao que o diretor de arte John Hoesli respondeu: “Bem, Stanley, você
sabe que nós procuramos por toda parte. Não existe um deserto”.
Diante disso, Birkin se lembrou de uma foto granulada de algumas
dunas em um livro — uma visão imediatamente acompanhada por uma
descarga de adrenalina. Seu momento tinha chegado.
“Eu sei onde tem um deserto”, anunciou. Virando-se ao mesmo tempo, o
grupo mais graduado do segundo maior estúdio de som da Inglaterra fixou
seu olhar coletivo na figura mais subalterna da instalação.
“Quem é você?”, perguntou Kubrick.
“Sou o garoto do chá”, respondeu Birkin, fazendo um gesto instintivo de
justificativa em direção ao carrinho.
“E você sabe onde existe um deserto? Onde?”, perguntou Kubrick.
“Não me lembro exatamente, mas está num livro que tenho na minha
casa.”
“É mesmo? Tem certeza?”
“Tenho. Vou trazer o livro amanhã.”
John Alcott, que era o assistente mais próximo de Geoffrey Unsworth e
representava a equipe de câmera na reunião, observou esse diálogo
reprimindo um sorriso. Birkin, que havia destruído seu Mini numa
trombada meses antes, tinha um acordo com Alcott, cuja amante morava a
um quarteirão de Birkin. Alcott tinha carro, mas não carteira de motorista.
Birkin tinha carteira, mas não tinha carro. Por isso os dois vinham e
voltavam do trabalho juntos. Por esse motivo, Alcott sabia muito bem das
frustações de carreira de Birkin. “Essa pode ser a sua chance”, disse
enquanto voltavam para casa naquela noite.
Já em casa, Birkin logo localizou um velho livro-texto dos tempos de
colégio com duas fotografias em preto e branco de Formby Sands — uma
extensão de dunas costeiras em frente à Ilha de Man, pouco ao norte de
Liverpool. Destacou as páginas, montou-as em folhas de cartolina e as
levou para o estúdio no dia seguinte. Acompanhado por Alcott — que
depusera a favor dele no dia anterior, quando sondado por Kubrick —,
Birkin foi ao escritório do diretor.
“Certo. Vá até lá e fotografe isso”, disse Kubrick, examinando as fotos
granuladas. “Você sabe usar uma câmera Polaroide?”
“Acho que sim”, respondeu Birkin, em dúvida.
“Ah, eu mostro como se usa”, disse Alcott. Levou Birkin até o
departamento de câmeras e forneceu todo o equipamento, inclusive uma
bússola para que ele pudesse registrar o sentido norte-sul das fotografias.
Aconselhando-o a levar também uma máquina de escrever portátil para
documentar tudo em palavras, Alcott fez um apanhado do que Kubrick
gostaria de ver e ler. Suas palavras finais foram: “Não me decepcione”.
Birkin voltou correndo para casa para buscar a Olivetti da mãe, tomou o
metrô até a estação Euston e depois um trem para Liverpool. As pessoas
para quem vinha servindo chá havia meses já tinham feito reserva em um
luxuoso quarto no Adelphi Hotel e providenciado um envelope com
dinheiro. Na chegada, ao perceber que só tinha uma hora de luz, pegou um
táxi e partiu em direção à costa, onde ficou desanimado ao descobrir que,
embora as dunas ainda existissem em Formby Sands, a paisagem fora
invadida por pequenos pinheiros e construções. Fazendo o melhor possível,
escolheu ângulos baixos para esconder as construções e fez uma série de
fotos, sem se esquecer de assinalar as do lado norte. Quando chegou ao
hotel, trabalhou até as duas da madrugada colando fotos em dois ou três
grandes mosaicos panorâmicos, com fotos tiradas de ângulos diferentes.
Acrescentou a isso detalhadas anotações datilografadas, embrulhou tudo em
papel pardo, escreveu “Stanley Kubrick” e se instalou no vagão-leito das
4h30 de volta para Londres.
Chegou a Borehamwood mais ou menos uma hora antes do expediente e
convenceu o guarda do portão a deixá-lo entrar no escritório de Kubrick.
Depositou sua pesquisa diretamente na mesa do Grande Homem. Depois
saiu logo de cena, antes que alguém soubesse da sua presença, voltou para
Euston e pegou um trem para retornar a Liverpool. Ao ser indagado sobre
por que se deu ao trabalho de voltar a Liverpool naquele dia, Birkin
explicou: “Eu queria que parecesse mágico. Queria que parecesse
extraordinário. Pois sabia que era minha única chance”.
Ao chegar ao hotel às 10h30, foi cumprimentado pelo recepcionista com
um “Ah, sr. Birkin, eles estão procurando o senhor”. O telefone já estava
tocando quando voltou ao quarto. Era Victor Lyndon. “Não sei o que você
fez”, falou, “mas Stanley quer triplicar seu salário e conseguir uma carteira
do sindicato para você. Volte assim que possível.”
Dirigindo-se à estação central de Liverpool mais uma vez, Birkin pegou
seu segundo trem para Londres naquele mesmo dia. Dessa vez, ele se
recostou na lateral do vagão e dormiu. Tinha passado dez das últimas 24
horas sobre trilhos.
De volta a Borehamwood pela segunda vez naquele dia, foi chamado a
participar de uma reunião no fim da tarde com a equipe principal do
departamento de arte. Kubrick, Lyndon, Masters, Ernie Archer e John
Hoesli estavam todos a postos, e Birkin mal teve tempo de olhar suas
panorâmicas de Polaroides da paisagem das dunas, organizadas na mesa
central, de onde Kubrick falou: “Ah, oi, Andrew”, como se os dois se
conhecessem há anos. “Você já conhece todo mundo aqui?”
“Já, claro, olá, olá”, respondeu Birkin, reconhecendo educadamente
todos a quem vinha servindo bebidas e bolinhos durante boa parte do ano.
“Muito bem, senhores”, disse Kubrick. “Eu quero que me expliquem
uma coisa. Como vocês gastaram milhares de libras e seis meses
vasculhando a Grã-Bretanha em busca de um deserto e não encontraram
nada? E agora nós mandamos o garoto do chá e em 24 horas e a um custo
total de vinte libras ele encontrou um deserto para nós?”

***

Além da perene e enlouquecedora incerteza a respeito da locação,


continuava em aberto a questão de como retratar nossos ancestrais pré-
históricos. Diversas concepções haviam sido tentadas ao longo dos meses.
Kubrick e o maquiador Stuart Freeborn não tinham nada de racistas, mas
devido às origens humanas na África, e ao corolário de que nossos
ancestrais originais tinham a pele negra, desde o início a busca dos dois foi
marcada pela possibilidade de mal-entendidos.
Ainda em 1966, Freeborn tinha elaborado um primeiro esboço de um
traje de homem-macaco com uma máscara recobrindo o rosto todo. Para
isso, convocara um extra negro, baixinho e mais velho como modelo. Com
a ajuda de Tony Masters, solidário com o problema — e que aprovou a
aparência “mirrada” do extra —, “pensamos: ‘Esse é um bom começo’”.
Freeborn vestiu o sujeito no corredor do Bloco 53, ajudou-o a colocar a
máscara na cabeça e os dois o levaram para ver Kubrick.
“Nossa, companheiros, ah, meu Deus”, disse o diretor, parecendo
animado. “Está horrível, horrível. Ah, meu Deus, e ainda nem começamos!
Está péssimo. Tudo bem, pode falar pra esse coitado tirar a máscara.”
Depois de alguns percalços, o modelo conseguiu libertar o rosto da apertada
espuma de borracha. De repente Kubrick se aproximou, intrigado.
“Maravilhoso!”, falou. E eles resolveram que a Aurora do Homem se
passaria numa era pré-histórica mais recente, possibilitando a representação
de proto-humanos mais identificados com os neandertais. Isso exigira
intervenções menos radicais de Freeborn, e pareceria mais realista na tela.
Freeborn fez um anúncio recrutando um elenco formado por jovens
adolescentes negros de ambos os sexos, pesquisou sobre a fisionomia do
neandertal e passou a trabalhar para ressaltar o cenho, os malares, os lábios
e os queixos de adolescentes afro-britânicos. No final, os resultados foram
totalmente convincentes: seus atores maquiados pareciam se situar entre
homens-macacos e humanos modernos.
Embora tenha eliminado o problema dos trajes de homem-macaco, isso
criou outros empecilhos, um deles preocupante para Kubrick.
Independentemente de sua precisão antropológica, a nova abordagem
poderia se tornar um desastre em termos de divulgação, como Roger Caras
logo observou. No auge da luta por direitos civis nos EUA, com a África
Subsaariana se livrando dos grilhões da opressão colonial, será que eles
poderiam se arriscar a identificar negros com proto-humanos? O segundo
empecilho era que os neandertais eram bem menos peludos que os
australopitecos, o que, por sua vez, significava que genitais e seios visíveis
eram inevitáveis. Era algo simplesmente inaceitável para um filme
destinado ao público em geral. Examinando os recém-criados selvagens
com um ar de aprovação, Kubrick reconheceu o problema. Não era possível
deixar de mostrar suas partes íntimas, mas: “Tudo bem, a gente pode filmar
da cintura para cima, ou se afastar o suficiente para ninguém ver”, falou.
Mas logo percebeu que aquilo seria insustentável, e pediu a Freeborn para
disfarçar os genitais com uma cobertura sutil — que mal fosse notada e ao
mesmo tempo escondesse tudo.

[69] Stuart Freeborn com um dos primeiros trajes de homem-macaco.


© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

Freeborn, uma figura bem-humorada, que parecia um duende, sempre


topava um desafio. Quando tentou entrar para o fechado mundo da
maquiagem de cinema nos anos 1940, conseguiu se transformar num Haile
Selassie totalmente convincente, e fez um amigo transportá-lo Inglaterra
afora numa cintilante limusine conversível — resultando em inúmeros
relatos da mídia de que o imperador da Etiópia estava visitando a Inglaterra
incógnito. Levou os adolescentes à sua oficina no último andar — alocada
ali para que a fumaça tóxica de suas próteses de espuma de borracha não
poluísse o prédio inteiro — e cobriu suas virilhas da maneira menos
invasiva possível, com seus assistentes pedindo desculpas e pincelando-as
com vaselina para não arrancar pelos púbicos pela raiz quando o emplasto
fosse retirado.
Em seguida construiu “pequenas coisas de plástico […] com uma
mistura especial que usava para perucas” e as afixou bem amplamente —
“porque qualquer coisa mais estreita apareceria, fazendo marcas na pele”. O
resultado final foi um liso e quase invisível tapa-sexo [crotch merkin] —
um termo conhecido por dedicados kubrickólogos, pois o presidente Merkin
Muffley de Dr. Fantástico foi assim nomeado em duvidoso tributo a essas
perucas púbicas, originalmente usadas por prostitutas e logo adotadas por
atores que precisavam do recurso. “Conseguimos um bom resultado, e
realmente não dava para perceber os genitais”, observou Freeborn.

O problema é que os personagens pareciam totalmente neutros. A


essência do filme era que alienígenas desceram na Terra para garantir
que aquelas criaturas não se extinguissem por causa da fome ou de
outros fatores. Os alienígenas sabiam que aquelas eram as únicas
criaturas do planeta que poderiam se tornar como eles próprios […]. Era
óbvio que essas criaturas tinham de procriar para continuar a espécie —
mas ficava bem claro que isso não aconteceria com as criaturas que
criamos. Por isso tudo voltou para trás. A única solução era retroceder
algo como um milhão de anos — para os homens-macacos e não para os
macacos-homens. E eles precisariam ser totalmente cobertos de pelos.

Por esse motivo — e ainda com o objetivo de filmar naquele verão —,


Freeborn trabalhou durante a primavera de 1966 na criação de
australopitecos mais convincentes. Na ocasião, Kubrick ainda considerava a
ideia de filmar em uma locação no sudoeste da África, pois ali os desertos
corresponderiam com mais precisão ao período e à situação que desejava
transmitir — ou seja, 4 milhões de anos atrás, uma época em que nossos
ancestrais quase bípedes, recentemente saídos das árvores, tentavam
sobreviver em condições áridas e vulneráveis.

[70] Neandertal afro-britânico de Stuart Freeborn.

Abandonando relutantemente seus neandertais neutros, Kubrick voltou


sua atenção para o assistente de Johnny Jay, seu fotógrafo — um garoto
simpático e inteligente de dezoito anos, chamado Keith Hamshere. Keith já
havia mostrado talento como ator interpretando Oliver Twist na produção
teatral original em West End — e tinha exatamente a estatura certa para
fazer o papel de Moonwatcher, o líder dos homens-macacos famintos
naquela aridez. (Com sete apresentações por semana, Keith interpretara seu
papel durante 32 semanas, o que significava que ele mendigara comida
mais de duzentas vezes na frente de plateias pagantes.) Kubrick convenceu
Jay a emprestar Keith, e mandou o garoto para o ninho de Freeborn lá em
cima.
Ao chegar ao QG do maquiador, Hamshere teve de se despir para moldar
um traje de corpo inteiro e para que “um assistente muito esperto, de
cabelos ruivos” despejasse látex de borracha por todo seu corpo. A seguir,
foram enfiadas palhas em seu nariz e seu rosto foi maquiado. “Aí,
[Freeborn] vira-se e diz: ‘Bem… agora precisamos dos dentes’, lembra-se
Hamshere. Então nós passamos para o molde dos dentes. Estava feito, e
todo mundo já conhecia meus segredos mais íntimos, é claro.”

Mas a pior parte foram os olhos. Eu tive que ir a um oftalmologista em


Londres. E eles fizeram um molde dos olhos. Eles põem uma espécie de
funil nos seus olhos e você fica com aquele funil espetado, deitado, e
eles despejam um creme gelado. Você vê aquilo indo na direção do seu
olho e não pode fazer absolutamente nada. E de repente aquilo chega no
seu olho e faz você se sentir no limite. Aí a gente tem que esperar vinte
minutos para secar. Depois eles tentam tirar. E é bem difícil tirar aquilo,
uma sucção enorme… Aí você pensa: “Ótimo, posso ir embora?”. “Não,
não, não. Ainda tem o outro olho.”

Pouco depois dessa provação, que exigiu as restrições oculares que Kubrick
tornaria famosas em Laranja mecânica, chegou o dia de Hamshere ser
equipado com novos dentes, lentes de contato marrons, uma máscara
moldada em látex e um felpudo traje de pelo. Mais ou menos cinco horas de
uma operação invasiva e dolorosa que terminou bem depois do almoço — e
ele nem tinha almoçado. Nos estágios finais, Kubrick, que já tinha
almoçado, chegou para ver Freeborn, que também já tinha almoçado,
trabalhando nos retoques finais em Hamshere — ele fazia os dentes
parecerem mais proeminentes, escovava os pelos desgrenhados do corpo e
coisas do tipo.
“Realmente, está começando a ficar muito, muito bom”, disse Kubrick,
gostando do resultado. Posicionando-se atrás das atividades de Freeborn, o
diretor avaliou o australopiteco recém-construído. De repente lhe ocorreu:
“Keith, como você vai sobreviver a 49 graus?”.
“Não faço ideia, Stanley”, respondeu Hamshere, assustado. Ele não
tinha pensado nisso.
“Tenho uma ótima ideia”, disse Kubrick, depois de algumas
considerações.
“Que ideia, Stanley?”
“Vamos fazer Geordie montar um conjunto de 10K”, falou, referindo-se
a um eletricista e a uma iluminação cinematográfica de 10 mil watts.
“Vamos criar uma área e esperar até a temperatura chegar a mais ou menos
49 graus, aí você se movimenta com esse traje enquanto aguentar, certo?”
“Claro, Stanley”, concordou Hamshere. (“E assim foi feito”, recordou
35 anos mais tarde.) E ele ainda não tinha almoçado.

Durante uma hora e meia corri pra cima e pra baixo com aquela roupa
toda e então desabei. Talvez tenha sido menos tempo que isso. Toda a
borracha começou a se desfazer. No fim ele estava dizendo: “Bem, isso é
totalmente impraticável. Não tem como fazer isso. O período de tempo,
a maquiagem e depois fazer tudo isso em cena”. Mas acho que Stanley
não queria ir até lá, porque realmente detestava viajar.

***

Kubrick havia pedido a Clarke para não mostrar o romance a ninguém até
ele ter tempo de revisar o texto. Clarke concordou com relutância, ao menos
diante do diretor. Mas em vista das constantes protelações de Kubrick, o
autor não se sentiu particularmente comprometido, e Scott Meredith passou
a primavera tentando vender o livro para vários editores. No começo de
junho Meredith recebeu uma boa oferta, tanto para a edição de capa dura
como a edição em brochura, de Donald Fine, da Dell Publishing, um
pioneiro desses acordos “capa dura e brochura”. O telegrama de Fine a
Scott Meredith identificava o livro como de autoria de Clarke e Kubrick,
oferecendo 160 mil dólares de adiantamento e uma bela porcentagem nas
vendas. A mensagem de Meredith a Clarke enfatizava a natureza sem
precedentes do negócio, devido à escala do adiantamento e dos royalties. E
assinou o telegrama com “parabéns e uau”.
O valor era substancialmente mais alto do que Scott Meredith estimara,
que só chegaria a 250 mil dólares depois de incluídos vários direitos
subsidiários e direitos para edições em outros idiomas. A oferta da Dell
prometia expandir esse valor quando esses direitos fossem acrescentados.
Se o acordo se concretizasse, Clarke, encrencado financeiramente, receberia
quase 100 mil dólares com seu acordo 60%/40% com Kubrick — cerca de
720 mil dólares em dinheiro de hoje.
Porém, em vez de resolver as aflições fiscais de Clarke, a oferta
precipitou a pior crise entre os dois autores de 2001: Uma odisseia no
espaço. Muito controlador em relação à história que haviam criado juntos
—, por certo a principal razão de não querer que o romance fosse publicado
antes do lançamento do filme —, Kubrick se sentiu traído e irritado por
Clarke ter autorizado Scott Meredith a comercializar o livro. Meredith
respondeu a isso em 13 de junho, escrevendo a Clarke que “a pura verdade
é que havia a opção de mostrar o manuscrito a todos os possíveis
compradores agora ou desistir da publicação”. Enfatizou que as revisões
não seriam necessárias, que os editores “considerariam o livro uma obra-
prima do jeito como está”. Se Kubrick insistisse na revisão, no entanto, a
escolha era ter suas mudanças sugeridas até 15 de julho ou “abandonar as
esperanças no livro”.
A natureza da interação educada, porém furiosa, entre Kubrick e Clarke
naquele verão é apenas insinuada no livro Os mundos perdidos de 2001, de
Clarke, publicado em 1972, em que o autor afirma: “Durante uma de
minhas mais frenéticas argumentações, Kubrick comentou: ‘As coisas
nunca são tão ruins quanto parecem’, mas eu não estava disposto a
concordar”. Outros indícios podem ser encontrados em seu artigo abortado
para a revista Life, em que afirma que Kubrick era “absolutamente
inflexível quando se decidia por algum curso de ação. Lágrimas, ataques
histéricos, amuos, ameaças de processos legais não o desviam um
milímetro. Eu tentei de tudo”. Apesar de Clarke ter escrito dessa forma para
que fosse lido como uma hipérbole, as evidências indicam que sua
colocação pode ser interpretada de maneira absolutamente literal.
Por exemplo, Clarke conhecia muito bem a hipersensibilidade de
Kubrick a respeito de créditos autorais, como demonstrado em suas
afirmações bem públicas em 1964, nas quais minimizou o papel de Terry
Southern no roteiro de Dr. Fantástico. Naquelas circunstâncias, qualquer
implicação de que o romance seria publicado sem o nome de Kubrick na
capa era o equivalente a um tiro de canhão na cara do diretor — mas foi
exatamente o que Clarke fez em uma carta de 15 de junho. Comunicando a
oferta da Dell, ele escreveu que Scott Meredith tinha se desculpado por ter
mostrado o manuscrito (coisa que ele não fez) e concluiu: “Os editores
gostaram tanto do livro que tive a impressão de que manteriam os mesmos
termos se fosse publicado somente com o meu nome. Mas eu detestaria
fazer isso, mesmo se você concordasse — eu considero a sua parte do
conteúdo literário consideravelmente maior que a parcela de 40% a que
você tem direito”.
Em resposta, Kubrick — na ocasião envolvido na filmagem da cena do
Compartimento do Cérebro — finalmente arranjou tempo para uma extensa
série de sugestões de revisão, nove páginas ao todo. Datada de 18 de junho
de 1966, elas continham “algumas sugestões muito precisas e às vezes até
ásperas”, como observou Clarke. No romance, a versão do monólito na
Aurora do Homem era descrito como um “bloco de cristal”. Kubrick exigiu
que “já que o livro vai sair antes do filme, não vejo por que não devêssemos
pôr uma coisa no livro que fosse preferível se tivéssemos conseguido no
filme. Eu queria que o bloco negro fosse de cristal, mas foi impossível fazer
isso. Eu gostaria que o bloco negro estivesse no romance”. Ao ler a
descrição de Clarke do bloco fazendo Moonwatcher tremer como “um
fantoche controlado por fios invisíveis”, a reação de Kubrick ecoou em sua
carta de abril: “A descrição literal desses testes parece totalmente
equivocada para mim. Elimina toda a magia”.
Vários de seus comentários transmitiam o modo como ele pretendia
filmar a sequência da Aurora do Homem. Ao ler a descrição de Clarke
sobre a projeção de deslumbrantes imagens do bloco na mente dos homens-
macacos, e mostrando versões bem alimentadas de si mesmos —
claramente para serem usadas como um chamariz, como o resultado
benéfico de usarem armas —, Kubrick observou:

Esta cena sempre me pareceu irreal e de certa forma inconcebível. Eles


serão salvos da inanição, mas nunca ficarão empanturrados, contentes e
com a pelagem macia sob a chuva. Isso mal acontecia em 1966. Acho
que um dia o cubo deve desaparecer e que Moonwatcher e seus meninos
devem passar por um esqueleto de elefante já visto inúmeras vezes em
busca de alimento, aí serão subitamente atraídos por esses ossos e
começarão a fuçar e a remexer neles, então toda essa cena ganha um
encantamento mágico no texto e também na filmagem, e a partir dessa
cena eles se aproximam de animais pastando com os quais costumam
dividir a pastagem e matam um deles etc.

Kubrick também rejeitou o curto capítulo de exposição utilizado por Clarke


para pontificar os 4 milhões de anos entre as cenas pré-históricas e o século
XXI com o comentário: “Acho que é um capítulo muito ruim e não deveria
estar no livro. É pedante, pouco dramático e destrói a linda transição do
homem-macaco até 2001”. Os comentários de Kubrick foram de fato
ásperos — embora este último insinuasse de forma intrigante suas intenções
a respeito de sua ideia de como filmar aquele salto entre épocas históricas
— de todo modo, as evidências do engajamento do diretor permitiram a
Scott Meredith negociar um contrato com a Dell, e, em meados de junho,
Clarke parece ter acreditado que realmente havia atingido seu objetivo. No
dia 22 de junho, ele escreveu a um editor da revista Life: “Eu forcei Stanley
a concordar, espero, em lançar o livro no final do mês”.
Ele estava sendo otimista demais. As anotações de Kubrick só tinham
chegado até o final dos capítulos sobre a Aurora do Homem, e logo ele
voltou a alegar excesso de trabalho. Como o próprio Clarke observou —
não sem uma certa compreensão — em outra carta, escrita no dia 22 de
junho: “Ele está trabalhando umas vinte horas por dia e praticamente dorme
no estúdio. Meus editores estão desesperados pelo livro e, se não o
receberem em algumas semanas, provavelmente vou perder pelo menos
cem mil dólares. Mas o Stanley se recusa a me deixar lançá-lo, e não tem
tempo para ver o texto. Ele está fazendo o que pode, mas realmente está
trabalhando até a exaustão, e está completamente irascível”.
Por fim, no dia 4 de julho, Kubrick se recusou categoricamente a assinar
o contrato da Dell até que tivesse tempo para fazer as revisões adicionais,
no outono. Com sua credulidade agora seriamente afetada, Clarke escreveu
para um amigo, dizendo: “É possível que eu largue tudo a qualquer
momento, desgostoso, e volte a Colombo para lamber minhas feridas”.
Existem evidências claras de que ele ameaçou levar Kubrick aos tribunais, e
de que realmente pensou na possibilidade de abrir um processo. Com medo
de perder o negócio, Scott Meredith convenceu Fine de que, embora um
atraso fosse inevitável, as publicações seguiriam em frente. Como
consequência, a Dell publicou “um impressionante anúncio de duas páginas
na Publisher’s Weekly”, nas palavras de Clarke, e, por volta de agosto, já
tinha o livro diagramado — enquanto esperava com enorme ansiedade a
assinatura de Kubrick.
Em um esforço para acalmar seu colaborador, Kubrick — que pôde ter
acreditado sinceramente que terminaria o filme a tempo de manter o acordo
— escreveu a Clarke em 12 de julho, com uma oferta de adiar o
recebimento de “tudo ou parte” do que lhe cabia no “adiantamento mundial
pelo romance, para aumentar sua parte do adiantamento da Dell Delacorte
até chegar a um número o mais próximo possível do que deveria ter sido
sua fatia original do […] adiantamento. Então eu reaveria esse
adiantamento na primeira renda de royalties recebida pelo livro, que me
seria paga por inteiro até que o valor total fosse reposto”. Pedia que Clarke
assinasse e retornasse a carta, caso concordasse — e ele concordou.
Sem dúvida, a possibilidade de uma ação legal continuou preocupando
Kubrick mesmo depois disso; nas cartas que enviou em agosto e setembro a
Roger Caras, que àquela altura havia se mudado de volta para Nova York,
ele avisava seu RP para ficar longe da Dell, “não discutir nada com Arthur
ou qualquer outra pessoa e não dizer absolutamente nada sobre a situação.
Existe a possibilidade de sermos processados e qualquer coisa que você
diga, sobre qualquer assunto, poderá ser usado contra nós”.
Naquele outono, a Dell, “segurando suas lágrimas corporativas” — nas
palavras de Clarke —, retirou sua oferta, embora Fine, que obviamente
acreditava no romance, tenha deixado a porta aberta para um novo acordo,
caso Kubrick mudasse de ideia. Em meados de setembro, Clarke se retirou
para o Ceilão e recomeçou a pedir dinheiro emprestado a Kubrick.21

***

Depois de encontrar seu primeiro deserto doméstico, Birkin foi encarregado


por Kubrick de vasculhar as Ilhas Britânicas para achar outros. Por fim, ele
localizou uma mina de cobre abandonada, do século XVIII, no País de Gales
— uma paisagem completamente desolada, em tons de dourado e laranja,
composta por pequenos montes e rochas caídas, em um lugar chamado
Parys Mountain — e um conjunto de dunas igualmente adequado que,
filmado com a câmera voltada para sudeste, surgia espetacularmente
coroado por colinas distantes. As dunas, em especial, foram consideradas
excelentes por Kubrick, que até mandou Tony Masters dar uma olhada. O
outono já estava chegando, contudo, e a ideia de filmar em locação foi
abandonada devido aos rigores do clima.
Os dias ficavam cada vez mais curtos, e Kubrick ligou para Birkin
transferindo-o para os novos departamentos de efeitos visuais do filme,
onde ele deveria ficar de olho nas coisas e expandir a oficina interna de
miniaturas. Todos os cenários nos quais as cenas de ação real eram filmadas
precisavam agora de exteriores complementares verossímeis, o que
aumentou a procura por maquetistas capazes de criar a espaçonave de 2001.
Com todos os sets parados e a produção da sequência da Aurora do Homem
indefinida, Tony Masters, que já cumprira suas exigências contratuais,
estava sendo requisitado em outro filme. Certo dia, no escritório de
Kubrick, Birkin e Brian Johnson, o técnico de efeitos visuais,
testemunharam a cena de sua partida.
“Você não pode ir embora!”, disse Kubrick, ao perceber o propósito da
visita.
“Bem, eu realmente sinto muito, Stanley, mas acho que chegou a hora”,
respondeu Masters educadamente.
“Você não pode ir”, Kubrick insistiu.
“Por quê?”
“Ainda não temos o projeto da Base de Clavius.”
“Ah, isso”, disse Masters pacientemente, tirando uma caneta do bolso,
“me arruma uma folha de papel.”
Sentou-se e rapidamente desenhou o esquema do domo de uma base
lunar, “algo que parecia uma moeda de cinquenta pence”, recordou Birkin
— em outras palavras, um heptágono. “Ai está”, disse Masters, entregando
o desenho a Kubrick e indo embora. Mesmo desenhadas às pressas, as
múltiplas pétalas retráteis continham detalhes suficientes para que Johnson
e os outros maquetistas pudessem trabalhar.
Décadas mais tarde, Doug Trumbull falou da contribuição do
coordenador de produção. “Eu diria que Tony Masters foi com certeza
absoluta uma das peças centrais do sucesso de 2001, um produtor talentoso
e brilhante, diretamente responsável pela criação de ilusões muito
complicadas. […] Não só pelo projeto do interior da espaçonave, mas pelos
truques inteligentes como as câmeras giratórias e os cenários invertidos.
Todo o planejamento para descobrir como criar aquela sensação de estar
correndo em uma centrífuga saiu da cabeça de Tony […]. Ele nunca foi
suficientemente reconhecido por isso.”
Como parte de suas novas incumbências, Birkin inteirou-se do trabalho
de outro jovem assistente, o técnico de efeitos especiais Bryan Loftus.
Kubrick gostava de descobrir jovens com algum conhecimento de
determinada área, de investir em seu treinamento e de atribuir
responsabilidades a eles. Loftus estava entre os profissionais mais jovens no
país com conhecimento sobre “matrizes de separação” — uma técnica
fotográfica em que cada uma das três cores do negativo do filme revelado é
reestampada em uma película fina em preto e branco. Como os efeitos
digitais ainda estavam a décadas de distância, essa técnica era a única
maneira de manipular o material que já havia sido filmado sem perder a
qualidade da imagem.
Com as três cores — amarelo, ciano e magenta — separadas, era
possível ter muito mais controle sobre cada uma delas. Kubrick localizou a
única impressora óptica no mundo capaz de fazer isso em película de 65
mm, trouxe-a de avião de Los Angeles e incumbiu Loftus dela. Trabalhando
com a nova máquina, Loftus descobriu que se cometesse certos erros
casuais — por exemplo, reestampar as cores separadas sobre o negativo
colorido na ordem errada, ou usar ajustes de abertura de câmera “errados”
— conseguiria produzir inversões cromáticas e solarizações de imagem
altamente improváveis, estranhas e psicodélicas.
A descoberta, que surgiu depois de Wally Gentleman ter mostrado, por
conta própria, a técnica a Kubrick, aconteceu no mesmo momento em que
Con Pederson pintava as paisagens alienígenas que serviriam para ampliar a
viagem no espaço-tempo de Bowman — na sequência do Portal Estelar, da
qual uma parte já fora filmada em Nova York em 1965. O problema era que
Pederson já havia tomado a frente na organização da cadeia de produção
dos complexos efeitos visuais de 2001, e estava de fato comandando o
Salão de Guerra, o centro nevrálgico de efeitos especiais no Prédio 53,
batizado em homenagem ao cenário de Dr. Fantástico, de Ken Adams.
Assim, ele estava ocupado demais, não conseguia concluir as pinturas com
a rapidez necessária e, de todo modo, elas estavam ficando,
inevitavelmente, com aparência de pinturas.
Ao examinar as cópias incandescentes de Loftus, Birkin percebeu que
elas poderiam ser uma rota mais rápida para as paisagens extraterrestres do
que o método empregado por Pederson, e propôs que Loftus levasse seus
resultados para a avaliação de Kubrick. Ao ver que Loftus — que não tinha
a mesma autoconfiança descarada em relação ao diretor que ele ou
Trumbull — se mostrava relutante, Birkin ofereceu-se para levar a sugestão.
Com o consentimento de Loftus, pegou amostras do efeito — logo batizado
de Purple Hearts, numa analogia aos comprimidos triangulares de
anfetamina que eram populares na época entre os Mods — e as levou até o
Prédio 53.
“O que você está sugerindo?”, perguntou Kubrick, examinando as cópias
com interesse.
“Bem, e se a gente prendesse uma câmera nos chassis de um helicóptero
e simplesmente filmasse umas paisagens na Escócia, talvez, ou
sobrevoando o mar aberto?”, disse Birkin. “Depois, o Bryan poderia fazer
seus truques mágicos.”
“Ok, vamos fazer.”22

***

Uma das poucas coisas que interessavam Birkin na escola era cartografia.
Agora ele abria mapas da Escócia para fazer um reconhecimento preliminar
no papel, logo acrescentando a eles gráficos com informações sobre
topografia e elevações, que permitiriam avaliar a incidência da luz sobre as
diversas paisagens. Paralelamente, começou a testar helicópteros e a
procurar pilotos. Tinha vinte anos e acabara de ser nomeado produtor-
diretor da segunda unidade aeronáutica de produção cinematográfica por
um dos diretores mais badalados do mundo.
Acabaram optando pelo Alouette, pequeno helicóptero francês, bastante
manobrável e com muito vidro na parte dianteira, pilotado por um francês
destemido chamado Bernard Mayer. Jack Atcheler, o operador de câmera
que contrataram, havia trabalhado com John Ford e Otto Preminger, e
também feito câmera nos dois filmes dos Beatles, Os reis do ié-ié-ié e
Help!. Como ainda não existiam suportes giroscópicos, eles inventaram
uma maneira de prender a câmera em camadas de borracha anti-impacto
que forravam o piso da cabine. Dentro da bolha de vidro apertada só
haveria espaço para três pessoas, uma câmera e uma pilha de latas com
filme.
A produção deveria começar na segunda metade de novembro. Kubrick
queria ver um plano de filmagem e Birkin programou uma série de
sobrevoos baixos — da ilha de Skye, das escarpas das ilhas Hébridas
Exteriores, de Ben Nevis, a montanha mais alta do Reino Unido, e de Loch
Rog Beag, um longo fiorde de água salgada. Apresentou a Kubrick vinte
páginas de anotações detalhadas. Sua metodologia inicial para a escolha de
uma locação era simples: “Pensei em todos os lugares aonde queria ir”.
Outros pontos de interesse apareceriam no caminho, é claro. Um caminhão
de combustível seguiria o helicóptero, encontrando-o em pequenos campos
de pouso nas Highlands.
Nos primeiros dias, o clima estava instável, e Birkin, impaciente para
começar, havia insistido que voassem mesmo assim — “já que dei a ideia,
sentia que tinha de fazer acontecer”. De sua primeira base no noroeste,
passaram a fazer uma série de tomadas baixas sobre Galloway, com rajadas
de vento sacudindo o helicóptero o tempo todo. Consciente de que o amplo
campo panorâmico de seu filme de 65 mm exigia que Mayer chegasse às
altitudes mais baixas possíveis, Birkin experimentou voos rasantes em más
condições. “Se você já esteve em um helicóptero com um ventinho desses,
te digo, é como estar em um brinquedo dos deuses”, recordou. Após três
dias nessa situação, chegaram ao vilarejo de Tarbert, a principal
comunidade na ilha de Harris, nas Hébridas Exteriores, e Atcheler não
aguentava mais.
Naquela noite, ele convidou Birkin para tomar um drinque no bar do
hotel e perguntou quantos filhos ele tinha. Ao ouvir a resposta que esperava
— nenhum — Atcheler disse: “Bem, eu tenho três, e vou te dizer uma
coisa, nenhum filme vale uma vida”.
“Bernard não teria voado se não achasse que era seguro”, protestou
Birkin.

[71] Andrew Birkin e equipe com helicóptero na Escócia, novembro de 1966.


“Você tá brincando? Ele é tão louco quanto você!”, disse Atcheler. (“E
era mesmo”, observou Birkin. “Ele morreu fazendo o filme seguinte,
Batalha da Grã-Bretanha”.) “Você está arriscando a minha vida e a sua
também”, continuou Atcheler. “Então, boa sorte para você, mas eu estou
fora.”
Ao ver o desânimo de Birkin — sua nova carteirinha do sindicato era de
diretor, e, na indústria cinematográfica britânica, quem não era
sindicalizado não podia sequer tocar em uma câmera, quanto mais operar
uma —, Atcheler disse: “Não se preocupe. Eu vou ficar de bico fechado e
você também. Você sabe carregar um filme no escuro?”. Birkin, que sabia
trocar filmes de 16 mm, mas não de 65 mm, recebeu instruções de Atcheler,
inclusive sobre abertura de câmera e ajustes do fotômetro. Feito isso, o
câmera partiu na primeira balsa em direção ao continente, deixando Birkin
e Mayer para filmar o material que realmente aparece em 2001: Uma
odisseia no espaço.
Como não dava para girar nem inclinar a Panaflex, esses movimentos
dependiam completamente das habilidades de Mayer como piloto. No final
das contas, portanto, eles não precisavam de um operador de câmera.
“Assim, depois de ter ficado meio desanimado, eu me animei”, recordou
Birkin. Voando baixo, passaram sobre ondas, areia, lama, lagos, pequenas
enseadas, ilhotas, vales, montanhas, pastos, costas rochosas, arcos naturais
de pedra e o topo do Ben Nevis, com 1.344 metros de altitude. A última
filmagem inclui um breve vislumbre de um observatório meteorológico
abandonado, perceptível na trajetória do astronauta Dave Bowman para
“além do infinito”, em meio a uma paisagem transformada, pelo processo
Purple Hearts, em tons incandescentes de laranja e azul.

***

Mike Wilson andava se divertindo muito em Londres. Financiado por seu


tolerante “paizinho”, levara junto sua encantadora esposa, Liz — meio
escocesa, meio cingalesa, de uma beleza tão radiante que Kubrick
comentou discretamente com Arthur que era a mulher mais linda que já vira
—, e supervisionou, sem muito entusiasmo, a produção das cópias de sua
paródia de James Bond, que seria lançada no Ceilão em setembro. Quando
não estava em festas com gente como Brian Jones, guitarrista dos Rolling
Stones, Wilson acompanhava Clarke a Borehamwood, onde tentava ser útil
de alguma maneira.
Uma das pessoas com quem fizera amizade foi o poeta neozelandês John
Esam, que seguira a trilha beatnik até Londres via Marrocos, Grécia e
França, hospedando-se durante um ano no Beat Hotel, em Paris, onde
conheceu o escritor William Burroughs e o poeta Lawrence Ferlinghetti.
Em 1965, Esam havia trabalhado com o mímico americano Dan Richter,
editor da revista literária underground Residu, na produção de uma sessão
de leitura de poesia no Royal Albert Hall que se tornou histórica — um
evento contracultural de enorme sucesso, com leituras feitas por Allen
Ginsberg e Ferlinghetti. Em fevereiro de 1966, tornou-se a primeira pessoa
a ser presa no Reino Unido por vender LSD. Esam contestou a acusação,
porém, e foi inocentado no ano seguinte.
A misteriosa produção de Kubrick causara muitos comentários em
Londres, e Wilson gostava do prestígio de estar a par dos acontecimentos
em Borehamwood. Certo dia, fumando um baseado com Esam, mencionou
casualmente que o diretor estava enfrentando um problema sério na
filmagem e que achava que um mímico profissional possivelmente poderia
ajudar. “Eu conheço um mímico. Dan Richter, um grande mímico”,
respondeu Esam imediatamente. “É meu amigo.” A mando de Kubrick,
Wilson foi visitar Richter e lhe disse que o diretor queria sondá-lo.
Baixo, cabelos desgrenhados, olhos brilhantes, um enorme bigode e uma
postura expressiva e elástica, Richter tinha seguido sua própria trilha hippie
dos Estados Unidos até Londres. Poucos anos antes, chegara a ser o artista
principal do Teatro de Mímica Americano, em Nova York; por influência de
Aldous Huxley e Jack Kerouac, porém, decidira se demitir para viajar pelo
mundo e experimentar formas diversas de expansão da consciência. No
período em que esteve no Japão, estudou as técnicas dos teatros Nô e
Kabuki, e começou uma amizade com a artista conceitual Yoko Ono que
duraria a vida inteira. Depois de um inverno na Índia e de um período em
Atenas — durante o qual ele e a esposa Jill lançaram uma revista literária e
se viciaram em heroína —, mudou-se para Londres, onde sabia que os
dependentes químicos podiam se registrar junto às autoridades e ficar em
situação legal.
Em comparação com a mímica europeia, a filosofia do Teatro de Mímica
Americano era começar com elementos da atuação teatral e expandi-los até
chegar a movimentos puramente físicos. Fundado por Paul Curtis, que
estudara com Lee Strasberg, o pai do “Método de Interpretação para
Atores”, e chegara a dominar completamente a técnica, o Teatro havia
produzido uma forma artística híbrida. Curtis recrutara Richter quando ele
ainda era estudante e o treinara na disciplina única. Dan, mais tarde,
protagonizou peças longas e conseguia segurar a atenção do público por até
25 minutos, algo muito raro em mímica. Em A máquina de fliperama,
performance que exigia muito dele fisicamente, representava quatro bolas
de pinball diferentes, cada uma com sua própria personalidade. Kubrick
ainda não sabia, mas estava prestes a conhecer possivelmente a única
pessoa no Reino Unido preparada para lidar com o problema que ele
enfrentava.
De sua parte, Richter — que havia recebido atenção da mídia depois da
leitura no Royal Albert Hall e vinha dando aulas particulares de mímica em
Londres — não estava procurando trabalho. Mas admirava Kubrick e
gostou da ideia de conhecê-lo. Chegou aos portões da MGM no final de
outubro para o que pensava ser uma consultoria, e não uma entrevista de
emprego. Impressionado com os prédios “deslumbrantes” do estúdio, ficou
surpreso ao ser direcionado para uma pequena estrutura pré-fabricada que
“parecia o lugar onde as latas de lixo são deixadas para os zeladores
esvaziarem”. Lá, encontrou Victor Lyndon e foi levado para “um escritório
bem pequeno […] com pilhas de livros, desenhos, plantas e objetos, que
iam do chão até o teto […] parecia a caverna de um colecionador”. Poucos
minutos mais tarde, ouviu um sotaque do Bronx dando instruções para
alguém, e eis que entra na sala “um cara despenteado com um sorriso
simpático”, que, desde o início “foi tão despretensioso, tão aberto,
acolhedor e amigável” que Richter se sentiu completamente tranquilo.
Kubrick esboçou seu problema com alguma riqueza de detalhes e
concluiu: “Dan, eles não podem parecer homens com fantasias de macaco”.
Surpreso com sua própria audácia, Richter respondeu imediatamente que
achava que tinha a resposta. Não era algo que tivesse uma solução única, e
sim soluções combinadas, incluindo “enganar” o público, levando-o ao
estado de crença por meio de algo chamado “convenção”. Um exemplo
clássico de convenção, disse Richter, era o nadador de Jean-Louis Barrault,
o mestre da mímica francês: ele deixava o corpo todo na horizontal, exceto
uma das pernas, que se estendia até o chão como uma cegonha, enquanto o
resto parecia flutuar e nadar. De alguma forma, disse Richter, essa perna o
tornava mais convincente, não menos. Se a convenção aconselhava a não
acreditar, os movimentos de Barrault eram tão bem-feitos que se estabelecia
uma tensão, levando o público a se inclinar na direção da crença, e não o
contrário.
“Seu problema é que, por mais elaborados que sejam os figurinos e por
mais treinadas que as pessoas estejam, ainda assim elas serão atores com
roupas de macaco”, observou Richter. “Portanto, você tem que ir além
disso, e a maneira de ir além disso é envolver o público nas motivações e
nos sentimentos, para que eles acreditem no que está acontecendo. Se os
homens-macacos são personagens reais, com sentimentos e objetivos reais,
você tem uma chance de fazer o público acreditar neles. E, uma vez que as
pessoas se convençam, tudo o mais é uma questão de fazer as coisas direito,
com ritmo.” Ele terminou seu solilóquio declarando peremptoriamente que,
para contornar o problema das roupas de macaco, era possível usar
elementos da atuação teatral.
Richter falava com a autoconfiança de alguém que estava em boa
situação para compreender o problema. Apesar de seus sucessos no palco,
nunca lhe ocorrera que pudesse ser considerado um artista ou coreógrafo.
Supôs que Kubrick “acabaria contratando uma pessoa famosa” para fazer o
trabalho, e que estava ali por diversão. Na rápida avaliação que é possível
fazer em tais circunstâncias, ficou impressionado com a sinceridade de
Kubrick, e também com o lugar que ele escolhera para trabalhar. Embora o
diretor estivesse claramente no comando de um dos maiores complexos de
estúdios da Inglaterra, e pudesse facilmente ter escolhido instalações mais
suntuosas, trabalhava naquele “escritoriozinho despretensioso em uma
unidade pré-fabricada”. Ao contrário de muitos que se intimidavam diante
de Kubrick, Richter — que, como o diretor, era de estatura baixa e tinha
ascendência judaica — sentiu-se desarmado por ele. “Ele era corpulento,
mas não muito gordo. Parecia quase um duende, uma espécie de
personagem cômico.”
Depois de cerca de meia hora, Kubrick disse: “Bem, tudo isso me parece
sensacional, mas eu não o conheço. Meu problema agora é que realmente
gostei do que você disse, e parece que será a solução, mas como saber se
vai funcionar?”. Ele mencionou o fato de Dan “não ter muito currículo”,
algo que Richter entendeu não como ceticismo, mas como o começo “de
um processo de tentar resolver problemas juntos que seguiria por um ano”.
Richter se levantou. “Eu posso mostrar, se tiver vinte minutos”, disse.
Sorrindo, Kubrick disse que teria até mais, se ele precisasse. “Não”, disse
Richter. “Eu só preciso de vinte minutos, duas toalhas, uma malha de balé e
um palco.”
Em meia hora, Lyndon tinha levado Richter até o camarim de um palco.
Dan sabia que conseguia imitar um macaco ou um chimpanzé, mas o que
queria realmente era mostrar alguns personagens diferentes a Kubrick.
Havia anos ele representava um tipo chamado Joe, meio burro, agressivo e
paranoico, que não tinha um perfil físico definido até que Dan recorresse a
ele. Naquele momento, ele invocou Joe, dizendo que iam se fingir de
macacos juntos. Joe achou aquilo “uma estupidez”, mas Richter explicou
que um grande diretor estaria na plateia e propôs que fossem mesmo assim.
“Joe não gostou muito, mas concordou em fazer”, disse Richter.
Com a ajuda de um assistente jovem e prestativo, Richter vestiu uma
malha de balé preta que lhe cobriu o corpo todo e colocou uma toalha sob
os ombros para fazê-los parecer maiores. Na frente do espelho, percebeu
que aquilo que começara como uma conversa agradável transformara-se em
um teste para um dos maiores diretores de cinema do mundo. Respirando
fundo diversas vezes, ele esvaziou a mente, invocou Joe e deixou que ele
assumisse o controle. Seu queixo moveu-se para a frente, suas sobrancelhas
abaixaram, os braços se estenderam e seu peito inflou. Com os joelhos em
flexão, Joe, o colega estúpido de Dan, entrou no palco na frente de Kubrick
e Lyndon. Apertando os olhos e se retorcendo sob os holofotes brilhantes,
Joe dizia, com sua linguagem corporal, algo como Que diabos tá
acontecendo? e, ao se dar conta da presença das duas figuras sentadas,
Porra, o que é aquilo? Richter, que havia invocado Joe no palco muitas
vezes, deu à sua nova versão homem-macaco liberdade total para andar e se
mover do jeito “rude, intrometido e hesitante” do personagem. Depois de
algum tempo, foi para a beira do palco, ainda dentro do personagem, e
olhou fixamente para Kubrick, com um olhar simiesco e ressentido.

[72] Dan Richter veste traje de Freeborn em teste de figurino.

“Ah, maravilhoso!”, o diretor exclamou. Nesse momento, Joe saltou


para trás, assustado, e retirou-se sem uma palavra para o camarim,
ressurgindo um instante depois, não mais como Joe, mas como um segundo
personagem, nervoso e hesitante, um homem-macaco tímido, assustado
com o ambiente e cego pelas luzes. Agora era “um bichinho nervoso,
delicado, um contraste total em relação a Joe”. Por fim, Richter moveu-se
para o centro do palco, olhou outra vez para Kubrick e saiu do personagem.
“Bom, já vi o suficiente”, disse o diretor, sorrindo. “Acho que você me
convenceu. Foi muito bom.”
Anos depois, quando lhe perguntaram sobre essas transformações,
Richter disse: “O personagem faz o que quer. E você deixa. É como se você
estivesse andando por aí dentro dele. E você cria uma relação com ele:
‘Quem sabe a gente poderia ir só um pouquinho por ali? Você precisa
mesmo ser tão intrometido?’. E o personagem também é uma porta para a
magia, do ponto de vista criativo. Acontecem coisas que você nem imagina
que vão acontecer. Você se surpreende”.
Na época da visita de Richter a Borehamwood, os planos provisórios
ainda precisariam ser filmados, o que aconteceria apenas dez semanas
depois, no sudeste da Espanha. Tendo sobrevivido à sua própria experiência
como homem-macaco, Keith Hamshere estava grato por retornar à
fotografia, e, aos dezenove anos, comandava a enorme operação fotográfica
de Kubrick, com suas múltiplas salas escuras. Alguns meses antes, ele fora
enviado para fazer um reconhecimento fotográfico aéreo de locações no
Deserto de Tabernas. Agora Kubrick afogava Richter com perguntas. Onde
conseguiriam uma tribo inteira de homens-macacos? Já que não existem
tantos mímicos assim no mundo, Richter conseguiria ensinar outros a se
movimentar daquele jeito? E como funcionaria com o figurino? Seria
possível filmar na Espanha em dez semanas?
Richter retorquiu da melhor maneira que pôde. À última pergunta,
respondeu com um firme: “Não dá, se você quiser mesmo a minha ajuda”.
Recuando, Kubrick pediu-lhe que escrevesse uma proposta breve sobre
como abordaria a sequência da Aurora do Homem.
No dia seguinte, ao voltar com a proposta, Richter foi contratado na
hora.

***
Embora a maioria dos cenários de 2001 tenha sido desmontada, talvez a
imagem mais extraordinária da produção fosse a que se via bem acima do
Palco 4 em alguns dias de julho e agosto, e no outono de 1966. Era ali que o
dublê Bill Weston andava sobre um cabo nas sequências de passeio espacial
fora da nave (ou atividades extra veiculares, EVA). Assim como nas cenas da
Câmara de Vácuo e do Compartimento do Cérebro — só que agora uns
bons nove metros acima do piso de concreto, sem qualquer margem para
erro —, o cabo era operado pelo Eugene’s Flying Ballet, sob a supervisão
de Eric Dunning, líder do grupo, que fora treinado pelo próprio Arthur
Kirby, o primeiro homem a demonstrar a técnica, em uma sensacional
montagem teatral londrina de Peter Pan, em 1904.
As audaciosas performances de Weston, realizadas sem rede de
segurança, incluíam algumas das cenas mais complexas, física e
tecnicamente, da produção de 2001: Uma odisseia no espaço. Precedendo
em décadas os efeitos digitais, elas constituem um momento extraordinário,
e muito pouco comentado, da história do cinema. Em sua convincente
simulação da gravidade zero, incorporavam e expandiam as técnicas
pioneiras usadas pelo diretor soviético Pavel Klushantsev em seu
docudrama Road to the Stars, de 1958, que Kubrick quase que certamente
estudou. Em seus próprios termos, foram totalmente bem-sucedidas. Com a
câmera sempre posicionada diretamente abaixo de si, Weston podia girar e
manobrar livremente em um eixo horizontal. Era a única maneira de
simular a ausência de peso em um ambiente de estúdio, sujeito à gravidade.
Mais tarde, as cenas receberiam inúmeros elogios, por seu realismo, de
astronautas que haviam realmente caminhado no espaço. (“Sinto que fui ao
espaço duas vezes”, disse o astronauta soviético Alexey Leonov, o primeiro
homem a andar no espaço, depois de ver o filme, em 1968. Preso só por um
fino cordão umbilical, Leonov flutuara livremente fora de sua cápsula
Voskhod 2, na órbita da Terra, apenas três anos antes da estreia de 2001, no
dia 18 de março de 1965.)
Dan Richter, que teve a sorte de testemunhar a cena, faz uma descrição
detalhada em seu livro Moonwatcher’s Diary, de 2002. “Atravessar aquela
porta em direção ao grande palco era como entrar em uma catedral”,
escreveu. “Ao redor, enormes cortinas de veludo preto. Bem no alto,
pendurado em fios de aço invisíveis, o dublê Bill Weston, com um traje
espacial, gira lentamente, como um anjo moderno no abismo negro […].
Por um momento, fico sem fôlego. É deslumbrante. Stanley está com a
enorme câmera de 65 mm, em um grupo com Bryan Loftus, Peter Hannan e
outros membros da equipe.”
Com um queixo quadrado e uma presença impressionante, lembrando o
jovem Clint Eastwood na aparência e na postura — e, ainda assim, com
“uma voz bem-educada e bela, meio de classe alta, mas sem o refinamento
esnobe”, nas palavras de Tony Frewin —, Weston tinha mais de 1,80 metro
de altura e fora criado na Índia, então colônia britânica. Com 25 anos, na
época, havia se tornado dublê depois de “trabalhar como soldado freelancer
na África”. Já havia feito alguns filmes antes de 2001, mas nada
remotamente tão ambicioso quanto. Antes de seus passeios pelo espaço no
Palco 4, ele tivera de vestir uma peruca grisalha e ser o dublê de Keir
Dullea na cena da Câmara de Vácuo, especificamente na tomada em ângulo
reverso por trás de Bowman quando ele é lançado contra a parede e volta
em direção à porta. Também passara horas pendurado em ângulos esquisitos
no teto superaquecido do Compartimento do Cérebro de HAL, para as
tomadas em que o rosto de Dullea não precisava aparecer atrás do capacete.
[73] Bill Weston é lançado da plataforma quase dez metros acima do chão do estúdio.

Em sua busca incessante por realismo, Kubrick havia rejeitado a ideia de


fazer furos na parte de trás do capacete espacial de Weston para que o ar
entrasse. Achava que a luz poderia entrar também, e ser vista através do
vidro do visor. Meses antes da recusa, contudo, Dullea fora filmado
apertando um botão para polarizar seu visor, protegendo-se do sol de
maneira evidente, o que lhe escureceu o rosto completamente. Graças a
isso, Weston, cujo capacete também tinha um filtro polarizador, pode
assumir as tomadas de corpo inteiro nos cabos suspensos, que eram as mais
perigosas, sem risco de ser reconhecido como dublê. (Ele fez tanto Bowman
quanto Poole nas sequências de caminhada no espaço.) Quando Weston
contra-argumentou, propondo que os orifícios do capacete fossem cobertos
com gaze preta, o que eliminaria qualquer possibilidade de vazamento de
luz, Kubrick nem quis ouvir. O diretor também insistiu que Weston usasse a
peruca de Bowman no interior suarento e superaquecido do traje espacial,
diretriz que o dublê logo tratou de burlar, jogando a peruca discretamente
em um canto de sua altíssima plataforma de lançamento.
A intransigência de Kubrick significava que o traje espacial de Weston
tinha de ser hermeticamente fechado. Embora o ator tivesse um pequeno
tanque de ar comprimido enfiado na mochila, ele continha apenas dez
minutos de ar — e o tanque não era regulável, apenas lançava o ar dentro
do capacete até esvaziar. Dada a complexidade das tomadas e o tempo que
se levava apenas para remover a plataforma usada para preparar os cabos de
Weston e suspendê-lo, dez minutos não eram suficientes. E havia outro
problema. Mesmo quando o tanque estava lançando ar dentro do traje, não
havia escape para o dióxido de carbono que Weston exalava. O gás
simplesmente se acumulava lá dentro, causando uma escalada de
taquicardia, respiração rápida, fadiga, confusão mental e, finalmente,
inconsciência.
Uma das primeiras sequências de passeio espacial, filmada no dia 8 de
julho, exigia que o dublê abrisse a porta traseira do módulo espacial e
saísse, carregando em uma das mãos a antena sobressalente da Discovery. O
módulo fora içado ao teto do estúdio, e preso firmemente a uma estrutura de
tubos abaixo dele, com a parte traseira voltada para o chão do palco e a
câmera. O quadro oferecia espaço apenas para que Weston subisse na parte
de cima e se espremesse para entrar no módulo pela janela da frente, que
estava aberta. Embora Eric Dunning recomendasse, por segurança, o uso de
dois cabos, Kubrick insistiu que Weston usasse um único cabo na tomada.
Àquela altura, realmente preocupado com a inflexibilidade do diretor, o
dublê observou que, assim que a câmera estivesse posicionada diretamente
abaixo dele, seu corpo esconderia os cabos de qualquer jeito. Preocupado
com a possibilidade de as sombras dos cabos revelarem o truque por trás da
aparente ausência de peso de Weston, Kubrick tampouco cedeu a esse
argumento.
Os gigantescos holofotes de carbono, montados sobre tripés pesados e
aglomerados para criar a ilusão da luz solar, vinda de um ponto único,
lançavam uma iluminação poderosa sobre o módulo. Tendo como fundo
enormes cortes de veludo preto francês unidos sem costura aparente, o
veículo esférico parecia estar mesmo suspenso no espaço interplanetário.
Depois de ser preso pela equipe de Dunning a um único cabo, Weston se
agachou no interior, pronto para a tomada. Assim que a instável plataforma
foi retirada, Pike ligou a câmera, Cracknell gritou “Ação!” em seu
megafone e um cabo invisível puxou a porta estreita do módulo, abrindo-a
— para revelar o capacete espacial vermelho de Weston. Movendo o corpo
para sair, ele desceu de cabeça em direção à câmera.
Quase imediatamente, um som agudo e assustador ressoou pelo palco
quando um dos fios do cabo arrebentou. Chicoteando 180 graus para a
frente, um pedaço do cabo rompido fatiou o único fecho que mantinha a
unidade de controle presa à parte da frente do traje espacial de Weston.
Endireitando-se instintivamente antes que mais fios se partissem, ele se
jogou de volta na direção da porta aberta do módulo, enquanto a unidade de
controle — uma peça original de um caça a jato De Havilland Vampire —
caiu, girando, e acertou o assistente de câmera Peter Hannan de raspão na
cabeça. Kubrick, que estava em pé ali perto, pulou para trás. O resto da
equipe se espalhou pelo palco.
Com o sangue jorrando de um ferimento aberto no couro cabeludo,
Hannan foi levado às pressas para o Hospital Barnet, ali perto, onde
precisou levar diversos pontos. Ele voltaria a trabalhar naquela mesma
tarde, abalado, mas vivo. “Se tivesse sido atingido no meio da cabeça, ele
teria morrido”, observou Weston. Com a equipe de Dunning ajudando a
puxá-lo, o dublê tinha conseguido entrar de novo no módulo. Se tivesse
caído, com certeza teria morrido e, provavelmente, matado outras pessoas.
Abalado, Kubrick retirou quaisquer objeções ao uso de cabos duplos.
Também mandou construir uma gaiola de metal para proteger a equipe de
câmera, que, a partir daquele momento, passou a usar capacetes. Quanto ao
próprio diretor, ele nunca mais ficou embaixo do dublê. “Uma das melhores
coisas do Stanley é que ele tinha uma integridade artística tremenda,
incrível”, disse Weston. “Já no aspecto moral, acho que era um pouco mais
fraco.” A observação originou-se de outro incidente.
Uma das tomadas de Weston exigia que ele ficasse pendurado de costas
para a câmera e com o corpo girando lentamente. A cena seria usada na
sequência em que Bowman vai substituir a unidade de orientação da antena
da Discovery. Um suporte montado em um pivô aparafusado ao teto
permitia a rotação. Após horas suspenso em uma posição horizontal, com os
braços e pés estendidos contra a força da gravidade, a parte de baixo das
costas de Weston começou a latejar devido à tensão constante. Ele pediu um
pedaço de tábua de passar roupa e um cabo de vassoura, que foram levados
correndo para a plataforma, cortados e inseridos sob a parte de trás do traje.
“Aquilo me divertiu”, lembra. “Um artefato de baixa tecnologia dentro
daquele traje de alta tecnologia.”
Embora Kubrick e Cracknell pudessem usar seus megafones para emitir
ordens lá de baixo, não havia comunicação de fato entre o dublê e a equipe
no chão. Weston tinha apenas aqueles dez minutos de ar dentro do capacete,
e o dióxido de carbono exalado acumulava-se continuamente. Diante das
circunstâncias perigosas, ele bolou sua própria maneira de minimizar os
riscos. Quando começava a ficar grogue por causa do CO₂, “recitava o
alfabeto de trás para a frente, e enquanto conseguisse, achava que estava
tudo bem”. Também criou um sistema de sinais com o homem dos cabos da
equipe de Dunning: se estendesse os braços em forma de crucifixo, era
porque estava chegando ao limite e deveria ser recolhido logo. Se fizesse
isso duas vezes seguidas, seria uma emergência, e ele deveria ser trazido de
volta imediatamente.
Tirar a torre de lançamento do quadro levava quase cinco minutos, e
recolocá-la no lugar, o mesmo tanto. Além disso, desde o acidente com
Hannan, Kubrick sempre se posicionava lateralmente para verificar o
enquadramento, “porque ainda estava apavorado que algo pudesse cair na
sua cabeça”, recordou Weston. Isso, por sua vez, exigia que, depois da
liberação do dublê de sua plataforma, e da inevitável discussão que
acontecia embaixo, a câmera tivesse que ser reposicionada. Tudo isso
consumia ainda mais tempo. Com apenas dez minutos de ar para atenuar o
acúmulo de CO₂, eles estavam operando no limite máximo da resistência de
Weston.
“Na primeira vez em que saí, Kubrick estava realmente agitado porque
tinham explicado a ele que meu tempo era limitado”, lembrou Weston. Com
o suprimento do tanque quase no fim e o ar ficando inexoravelmente cada
vez mais tóxico, ele recitou o alfabeto de trás para diante até começar a
perder o fio da meada. Depois de se dar mais uns dois minutos, já com a
realidade começando a ficar enevoada e cinzenta, ele abriu os braços em
crucifixo. Iluminado por um feixe de luz muito forte, girando lentamente
em um abismo negro, o anjo moderno de Richter tinha se transformado em
um astronauta crucificado flutuante. Através do capacete, Weston ouviu
“alguém chegando perto de Stanley e dizendo ‘temos que tirá-lo de lá’”.
Ouviu também a resposta de Kubrick: “Droga, acabamos de começar. Deixa
ele lá em cima! Deixa ele lá em cima!”.

[74] Bill Wetson recupera-se da falta de oxigênio na base da torre de lançamento.

Àquela altura, Weston usava suas últimas forças para fazer repetidos
crucifixos com os braços. Então, desmaiou. “Eles trouxeram a torre para
dentro e eu fui procurar Stanley”, disse o ex-mercenário. “Eu ia enfiar a
MGM bem no meio do […].” Ele faz uma pausa. “Mas aí o Stanley tinha ido
embora do estúdio e mandaram Victor conversar comigo.” Kubrick não
retornou ao estúdio por “dois ou três dias”, Weston recordou. “Eu me
lembro com certeza de que foram dois ou três dias […]. Eu sei que ele não
apareceu no dia seguinte, e tenho certeza de que não foi no outro também.
Porque eu ia acabar com ele.”
Lyndon conseguiu que Weston ficasse com o “camarim de Elizabeth
Taylor, incluindo uma geladeira com cerveja e outras coisas”. Também
conseguiu “a melhor indenização possível, e Stanley pagaria por ela” — um
grande aumento. Quando Lyndon achou que Kubrick já podia voltar com
segurança ao estúdio, tudo tinha sido perdoado. Mesmo assim, décadas
mais tarde, Weston comentou: “Quando o Stanley estava envolvido, tudo
virava um império da destruição”.

***

A cena mais complexa que Weston teve de realizar foi representando o


astronauta Frank Poole morto, depois de ser assassinado por HAL com um
módulo espacial movido por controle remoto. Bowman entra
apressadamente em outro módulo e parte no encalço de Poole. A tomada
em que ele intercepta o corpo sem vida de seu segundo em comando,
girando no espaço, é um dos milagres cinéticos de 2001, e talvez a mais
eficiente simulação de ausência de gravidade jamais filmada. Vemos
Weston, agora em um traje espacial amarelo, com sua mangueira de ar
cortada e estendida, girando no espaço juntamente com o módulo, que entra
pela esquerda com os braços levantados. Weston faz duas rotações
completas antes de bater o capacete contra os braços; seu corpo reverbera
com o impacto. Enquanto o módulo continua se movendo para a esquerda,
ele é cingido pelos braços prostéticos, criando uma espécie de Pietà
interplanetária.
Como o módulo fora montado e fixado sob o teto, a única maneira de
concluir a tomada era fazer Weston se mover em sua direção, e não o
contrário. E para parecer que o módulo estava entrando no quadro pela
esquerda, a câmera tinha que acompanhá-lo. Para isso, a equipe de Dunning
trabalhou com os técnicos da MGM na montagem de um trilho para os fios
de Weston no teto do estúdio. No chão, no mesmo eixo, foi assentado um
trilho de dolly para a câmera. Tanto Weston quanto a câmera se moveriam
lateralmente pelo estúdio; o dublê seria lançado de sua plataforma na
direção do módulo e a dolly acompanharia seus movimentos logo embaixo.
Como às vezes acontece na produção de filmes, o espetáculo da
filmagem de uma cena igualava-se, quando não superava, o impacto da
própria cena. No alto de sua plataforma, Weston foi suspenso
horizontalmente pela lateral do corpo com fios invisíveis que vinham desde
o piso. Ajustado para a velocidade mínima e operando por meio de um
sistema de engrenagens, um motor de broca conectado ao fio pivô mantinha
o dublê girando lentamente. Exatamente abaixo, na dolly, Kelvin Pike ligou
a câmera, que estava no modo overcranked, isto é, filmando em câmera
lenta. Posicionado em segurança e fora de alcance, ao lado de Kubrick,
Cracknell gritou “ação” em um megafone. A equipe de Kirby começou a
puxar o corpo de Weston, que girava, inerte, como o astronauta assassinado
Frank Poole, cruzando o teto do estúdio em direção ao módulo — que
estava de frente para ele, com os braços mecânicos erguidos.
Simultaneamente, os mesmos técnicos que assentaram o trilho da dolly
agora a moviam para a frente, acompanhando a trajetória de Weston através
da escuridão de veludo.
Pouco antes de Weston bater no módulo, a equipe de Wally Veevers
operou os cabos presos aos seus braços mecânicos, abrindo e abaixando os
pares de “Y” para interceptar o corpo que girava. O capacete de Weston
bateu no Y da direita com um “bang” que ressoou através do estúdio.
Lascas de tinta revoaram pelo espaço. Ainda sendo puxado lateralmente
pela equipe de Kirby, Weston usou o anel de alumínio na base de seu
capacete para proteger o pescoço e deixou que seu corpo desmoronasse de
forma bem realista sobre os braços mecânicos do módulo. Quando
Cracknell gritou “Corta!”, a equipe percebeu que tinha acertado em cheio.
Uma plataforma foi empurrada às pressas para a frente. Quando tiraram seu
capacete, Weston respirou profundamente várias vezes para clarear as
ideias. Ele não tinha ilusões: Kubrick ia querer fazer mais uma tomada.
Anos mais tarde, depois de trabalhar em oito filmes de James Bond,
entrar de motocicleta em alta velocidade em um lago, em Caçadores da
arca perdida, desafiar a morte em cenas do Aliens de James Cameron
(depois, comentaria: “Um dia desses ele vai matar alguém”), e atravessar a
água congelante e as explosões pirotécnicas na invasão do Dia D em O
resgate do soldado Ryan, Weston sentia-se muito satisfeito por ter
trabalhado para Kubrick. “Fui parte de um grupo que fez história, no
sentido mais puro”, observou. Ponderando sobre a “curiosa justaposição” da
“absoluta integridade” do diretor e de sua “torpeza moral […] bastante
covarde”, Weston declarou que, no fim das contas, “Eu simplesmente me vi
transbordando de orgulho”.
Em geral pouco dado a metáforas, ele resumiu seu trabalho em 2001:
Uma odisseia no espaço fazendo referência a uma expressão que se
originou com o sacerdote budista japonês Nichiren no século XIII. “É
realmente a história da mosca azul da cauda”, disse Weston. “A mosca azul
consegue voar a cinco quilômetros por hora. Se pousa na cauda de um
cavalo galopando, faz cinquenta quilômetros por hora. Eu acho que todos
que trabalharam ali tinham consciência de que o projeto era muito especial.
E por mais irritante que Stanley fosse, e, com certeza, por mais exigente
também, o homem era um gênio.”

***

Não exatamente uma mosca em um cavalo, mas mais um peixe em uma


bicicleta, um escritor em estúdio de filmagem é frequentemente uma
criatura deslocada e problemática. Arthur C. Clarke era uma presença
constante em Borehamwood. Ele estava fascinado com a produção, pois
muitos de seus sonhos mais caros estavam sendo revistos ali com uma força
deslumbrante. E Kubrick queria que ele estivesse por perto — embora o
diretor estivesse geralmente ocupado e Clarke acabasse ficando com todo o
tempo do mundo nas mãos. Con Pederson lembra-se dele “meio que
pegando o bonde andando”. Andrew Birkin se expressa de maneira menos
benevolente: Clarke era “um garfo em um restaurante de sopas”.
Ainda assim, Birkin tem boas lembranças do escritor. Clarke às vezes
falava muito de sua visão do futuro no equivalente local do bebedouro de
escritório da Hawk Films, a máquina de café do escritório da unidade
principal de produção, no Prédio 53. Como a única máquina fotocopiadora
da produção ficava perto, Birkin andava muito por lá quando ainda estava
em sua encarnação de faz-tudo. Sem se envergonhar da própria
inexperiência, típica da juventude, ele se lembra do seguinte diálogo:

Clarke: “O que você sabe sobre cálculos?”.


Birkin: “Esse veio antes ou depois de Nero?”.
Clarke: “Não, esse era Claudius”.

De sua parte, Dan Richter recorda nitidamente de seu primeiro dia integral
no estúdio no começo de novembro de 1966, depois de um encontro
preparatório inicial com o maquiador Stuart Freeborn e Kubrick em
outubro. Ele havia recebido as chaves de um escritório bastante espaçoso
com uma placa na porta que dizia “Dan Richter, Aurora do Homem”. Ao
entrar, experimentou a sensação desorientadora de não ter uma cópia do
roteiro, nem instruções, nem qualquer plano de trabalho. Depois de passar
um tempo sentado, em meio a um silêncio equivalente à página em branco
do escritor, ele pegou o telefone e ligou para a esposa. “Eu estou sentado
em um escritório”, disse em tom de lamento. “E não sei que diabos está
acontecendo.”
Logo bateram à porta e Richter viu um homem de uns cinquenta anos,
que começava a ficar careca, entrar. “Aqui está, Moonwatcher. Você
provavelmente vai precisar disto”, disse Clarke, entregando-lhe o roteiro de
dezoito páginas de Aurora do Homem. Com sua desconfiança habitual,
Kubrick guardava o resto da história a sete chaves, pelo menos até o
momento.
Richter ficou encantado ao conhecer o autor, que havia lido com grande
prazer, mas lhe disse que não estava certo se faria o papel de Moonwatcher.
Seu acordo com Kubrick era de coreografar a sequência, mas não
necessariamente atuar nela. Os dois conversaram por uns 45 minutos,
durante os quais Clarke mencionou Raymond Dart, o antropólogo que tinha
descoberto os primeiros fósseis de australopitecos em 1924. Ao perceber
que sua caixa craniana era grande demais para um babuíno ou um
chimpanzé, disse Clarke, Dart deduziu que havia desenterrado os restos do
que talvez tenha sido a primeira espécie pré-humana a andar ereta e a usar
ferramentas. Quanto a Moonwatcher, ele era um representante
particularmente astuto da espécie.
Eles também discutiram o livro African Genesis, de Robert Ardrey, que
trouxera a público a obra de Dart, e fora fundamental na concepção da cena
por Clarke e Kubrick. Então Clarke se levantou, apertou a mão de Richter e
lhe desejou boa sorte. Partiria para o Ceilão no dia seguinte, e realmente
precisava ir embora.

21. Na verdade, ele estava pegando um empréstimo do banco de Kubrick em Beverly Hills, com
juros pagos meio a meio com o diretor e o empréstimo garantido também por Kubrick — o que
significa praticamente a mesma coisa. [ «« ]
22. Loftus tem uma lembrança diferente desses acontecimentos. Em sua narrativa, Birkin não se
envolveu, e Kubrick viu o efeito na sala de negativos e o incentivou a fazer os experimentos que
levaram à criação do processo de produção dos Purple Hearts. [ «« ]
Capítulo 8

A Aurora do Homem
INVERNO DE 1966 – OUTONO DE 1967

Nenhum indivíduo existe para sempre; por que deveríamos esperar que nossa espécie fosse imortal?
O homem, disse Nietzsche, é uma corda estendida entre o animal e o super-homem — uma corda
sobre o abismo. Esta será uma causa nobre a servir.
Arthur C. Clarke

Stuart Freeborn estava enfrentando um problema inédito em seus trinta anos


de carreira. Nesse período, fizera muita coisa inovadora, e até
extraordinária. Mais recentemente, havia ajudado a transformar Peter
Sellers em três personagens claramente diferentes em Dr. Fantástico,
incluindo um presidente Muffley já ficando careca e o cientista que dá
nome ao filme, um ex-nazista especializado em foguetes, preso a uma
cadeira de rodas e com um caso sério de dor no membro fantasma. Duas
décadas antes, em uma espécie de cirurgia plástica às avessas, ele havia
afixado uma barriga protuberante convincente no magro Roger Livesey, que
também metamorfoseou em um homem de meia-idade no filme Coronel
Blimp, de Powell e Pressburger — algo que seria relativamente fácil, não
fosse a cena longa que Livesey faz inteira só de toalha de banho.
Mais célebre ainda foi o narigão prostético que transformou Alec
Guinness em Fagin na versão de 1948 de David Lean de Oliver Twist — um
bico curvado tão extravagantemente antissemita que não teria parecido
deslocado em Der Sturmer, embora na verdade se baseasse nas ilustrações
de George Cruikshank para a primeira edição do livro. (Sendo meio judeu,
Freeborn sugeriu ao diretor que aquilo poderia ser recebido como ofensa,
argumento que Lean desconsiderou.)
Quando um rapaz malvestido, magrela e bigodudo chamado Dan Richter
apareceu em seu estúdio no fim de outubro de 1966, Freeborn já havia
criado uma primeira roupa de homem-macaco (que Kubrick achara artificial
e incompleta), produzido um grupo pequeno e plausível de neandertais afro-
britânicos estranhamente assexuados (o que não funcionou, já que eles
precisariam se multiplicar e herdar a Terra). Quando Dan bateu em sua
porta, na manhã de uma segunda-feira, ele estava trabalhando havia
semanas em um novo e requintado traje de homem-macaco, do qual estava
muito orgulhoso. Freeborn mostrou a máscara a Richter — que parecia um
sujeito inteligente, embora evidentemente com cara de hipster. “O que
acha?”, perguntou.
Richter ficara impressionado com o estúdio de Freeborn: claraboia,
cadeiras de maquiador e mesas de trabalho lotadas de formas em gesso, fio
e uretano. Era evidente que se tratava de um lugar de transformação. As
pessoas entravam com uma aparência e saíam com outra, completamente
diferente. Quanto a Freeborn, Dan pensou: “Ele se parece com um
personagem saído de um livro da Beatrix Potter” — um princípio de
calvície, óculos, agitado, mas não necessariamente nervoso, uma força
criativa energizante e alerta, com um pouco de sangue de duende irlandês
nas veias.
Ele examinou a máscara e viu imediatamente que ela não funcionaria,
embora fosse evidente o esmero com que fora feita. Ele não queria magoar
Freeborn, e tinha absoluta consciência de estar na oficina de um mestre.
Mas a máscara era grossa demais. “É inútil para o que estou tentando
fazer”, pensou. “Ele é um artista brilhante. Mas não é o que quero fazer.”
Decidiu ser sincero. “Bom, sabe, eu tenho um probleminha com ela,
Stuart”, disse. “Ela é linda. O problema é que usar uma máscara dessas
seria como estar […] com um saco na cabeça. Eu não conseguiria me
expressar.”
Richter tentou explicar rapidamente que esperava usar o mínimo de
figurino possível. Ele precisaria transmitir valores de atuação teatral. Para
ele, máscaras e trajes eram barreiras a superar. Ouvindo com um riso
nervoso, Freeborn lhe mostrou o traje que acompanharia a máscara. Para
Dan, pareceu uma segunda pele, pesada demais. “Para mim não dá”, disse.
“Simplesmente não dá. Nossos personagens têm que transparecer
completamente. O que você precisa criar para nós não é uma mera
superfície que nos cubra. A roupa tem que realçar quem somos e o que
sentimos.”
Embora Dan pudesse ver que Freeborn lutava disfarçadamente com sua
decepção e seu aborrecimento, ele aceitou bem a situação e, à medida que
conversavam, pareceu entender que Richter queria que a camada entre
artista e câmera fosse o mais tênue possível. Em vez de criar algo
semelhante a um macaco e colocar um homem dentro, ele precisaria
elaborar o traje a partir do corpo de um homem. E sugeriu que Dan voltasse
assim que possível para fazer um molde de corpo inteiro.
Ao recordar esse primeiro encontro anos mais tarde, Richter comentou:
“Lá estava aquele moleque americano, obviamente chapado, que chega para
um dos grandes artistas de maquiagem do cinema britânico — Ponte do rio
Kwai, um cara realmente importante — e diz: ‘Isso não vai funcionar’. No
início ele pensou: ‘Quem é esse cara, porra?’. Ele é muito polido, muito
inglês, muito educado e tal. Tenho certeza de que foi até o Stanley e
perguntou: ‘que negócio é esse?’. E o Stanley deve ter dito: ‘Não, vocês
têm que trabalhar juntos. O Dan teve uma boa ideia’”.

***

Em seu auge, a ficção científica toma nosso modo pós-iluminista de ver o


mundo e o extrapola, usando as descobertas da ciência e as projeções
relacionadas ao futuro da tecnologia e colocando-as a serviço de verdades
que podem ser expressas por meio da ficção. Em meados dos anos 1960, a
astronomia e a astrofísica haviam expandido radicalmente as dimensões do
universo, e a ciência emergente da paleoantropologia — uma disciplina
arraigada no darwinismo, na paleontologia e na antropologia biológica —
estava começando a revolucionar nosso entendimento sobre a origem do
homem. Contudo, é raro que as descobertas dessas disciplinas sejam
incorporadas à expressão artística. Em vez disso, a ciência e as artes têm se
colocado em lugares diferentes.
Uma das grandes realizações de Kubrick e de Clarke, e uma das fontes
do poder duradouro e da contínua relevância de 2001, foi pegar as verdades
complexas — ora perturbadoras, ora magníficas — reveladas pela ciência
moderna, poli-las com o cuidado que se destinaria a uma cara teleobjetiva
Zeiss, e usá-las como uma janela para contemplar a condição humana em
um universo inacreditavelmente vasto. Projetando-se no passado, os autores
de 2001 examinaram as origens humanas. Eles não foram especialmente
doutrinários. Afinal de contas, tratava-se de ficção, e não de um ensaio
revisado por pares e publicado na Nature. Mas sempre empregaram
pesquisas científicas — e seu miraculoso produto, a tecnologia — para
definir a história, refiná-la e expandi-la até seus limites mais extremos. Foi
assim que chegaram à fronteira entre o conhecido e o desconhecido —
aquele lugar que a ciência sonda, como uma língua que investiga um dente
quebrado. Foi nessa direção que quiseram levar seu público, porque, para
além dela, algo próximo à magia prevalece.
Como acontecia com seus demais parceiros na produção, a direção de
Kubrick envolvia oferecer a Richter ferramentas, sugestões,
responsabilidades e, claro, liberdade para experimentar. O diretor sinalizou
a seriedade de suas intenções ao lhe entregar ensaios científicos de ponta,
escritos por paleontólogos, livros populares de ciência de Ardrey e
Desmond Morris e convites para seminários de pesquisa em Londres, com
temas como “Parentesco e família em primatas e no homem primitivo”.
O diretor também o encaminhou para a área dos macacos do jardim
zoológico de Regent’s Park, e informou Richter que, a propósito, ele agora
era responsável pela pequena coleção de animais selvagens da Hawk Films,
que tinha sido locada ou comprada em julho para a sequência da Aurora do
Homem. Sob os cuidados do circo Chipperfield, a arca de Kubrick incluía
um leopardo, duas hienas, dois abutres, dois porcos selvagens, duas
serpentes, três zebras e doze antas — uma das quais seria a primeira vítima
de Moonwatcher. Ninguém parecia se importar com o fato de que a espécie
não existia na África.
Olhando em retrospecto, um dos gestos mais importantes de Kubrick foi
apenas dar a Richter uma linda câmera Beaulieu de 16 mm, com instruções
sobre como usá-la e verba irrestrita para filmes e revelações. Richter
recebeu também um projetor novo, tirado da centrífuga desmontada. Com
isso, o diretor dava a seu incipiente Moonwatcher as ferramentas mais
importantes da arte cinematográfica, orientando-o a pensar não apenas
como ator, mas também como participante do processo de fazer um filme.
Ao concluir um solilóquio sobre os méritos da Beaulieu, Kubrick disse:
“Agora saia e pesquise o que quiser. Colha as informações e depois a gente
toma as decisões”.
Uma das paradas de Richter foi no imenso Museu de História Natural de
Londres, para visitar o ilustrador Maurice Wilson. Suas incríveis
representações da vida selvagem, cheias de cor, rivalizavam com as de
James Audubon na beleza e na vivacidade dos detalhes. Wilson passara
anos examinando os fragmentos de fósseis dos homens primitivos do museu
para produzir pinturas que reconstruíam aparência e comportamento
possíveis do australopiteco e de outras espécies de proto-humanos. Richter
chegou a ele depois de mais de um mês de pesquisa; descobrir quão pouco
sabemos de fato sobre nossos primeiros antepassados frustrava-o cada vez
mais.
Em Wilson, encontrou um artista que havia passado exatamente pelo
mesmo processo e estava disposto a compartilhar o que aprendera. O
espécime de australopiteco que Raymond Dart havia descoberto sugeria que
eram criaturas pequenas — de não mais que um metro e meio de altura — e
muito esguias. De acordo com o pensamento científico da época, era
improvável que fossem bípedes, embora de lá para cá isso tenha sido revisto
em favor do bipedismo. Na concepção de Kubrick e de Clarke, o poderoso e
misterioso artefato alienígena de 2001 deveria não somente sugerir o uso de
ferramentas, mas também instigar a adoção da postura ereta. Ao escolher o
Australopithecus africanus, estabelecendo seu prelúdio em 4 milhões de
anos atrás, eles haviam chegado, por acaso, à espécie e à época certas.
Wilson deu a Richter, ainda, uma oportunidade visceral de converter as
áridas palavras dos trabalhos científicos que lera em algo bem mais
palpável. Levando-o para trás das vitrines do museu, pelo interior de uma
rede oculta de laboratórios de pesquisa e áreas de armazenamento,
chegaram a uma sala muito ampla, com prateleiras e armários.
Ele parou na frente de um enorme armário de madeira em estilo
vitoriano. Ao abri-lo, vejo que está cheio de ossos e crânios, além de
moldes de outras coleções. Há um cheiro de antiguidade naqueles
corredores empoeirados que parece acrescentar autenticidade ao momento.
O sr. Wilson me deixa segurar modelos e pedaços de ossos originais de
Australopithecus. Sinto um gosto no fundo da boca e meu coração acelera.
Eu fiz contato. Segurar um crânio que o professor Dart moldou a partir do
fóssil verdadeiro de um garoto é incrível. Posso sentir as fissuras e
cavidades na superfície. Há dois furos de caninos de leopardo, que podem
ter sido a causa de sua morte.
Quando voltava a Borehamwood, ele invariavelmente descobria que
Kubrick estava trabalhado na mesma questão, com igual dedicação. “Ele
dizia: ‘Ei, Dan, você tem um cigarro?’: Porque a Christiane não deixava ele
fumar”, recordou Richter. “Eu lhe dava um cigarro. Ele dizia: ‘Escuta, sabe,
eu estava lendo um texto que o Desmond escreveu’, ‘Foi o Wilson que
escreveu’, ou ‘Ei, você viu o filme que o Hugo van Lawick fez com a Jane
Goodall?’ Sabe? ‘Victor ligou para umas pessoas, contatamos a National
Geographic, eles disseram que podem nos fornecer cenas editadas’. Esses
materiais eram ouro.”23
Além do museu, Richter visitou muitas vezes o gorila Guy, um morador
triste e aparentemente pensativo do jardim zoológico de Regent’s Park, em
Londres. Nos invernos de 1966 e 1967, passou tanto tempo com o “costas
prateadas” de 22 anos que Guy começou a reconhecer sua presença “com
um olhar calmo. Ele olha sem interesse para os visitantes de sempre do
zoológico, mas quando paro na frente de sua jaula, começa a me seguir com
os olhos”. Quando levou com ele a Beaulieu, Dan observou que, embora o
gorila tivesse uma escala de movimento limitada devido às pequenas
dimensões de sua jaula (“não consigo deixar de pensar que Guy parece um
homem inocente que está na cadeia por alguma coisa que não fez, e que não
tem ideia do que é acusado”), quando se mexia, tinha uma maneira de
transferir seu peso diretamente do centro de seu corpo enorme. Richter
então começou a experimentar aquilo em sua própria linguagem corporal.
Que controle fantástico! Se estendo a mão para pegar algo, o movimento
começa bem no centro do meu corpo. Eu me levanto, me viro e corro;
qualquer movimento se inicia no meu centro. Mover-me assim muda
muitas coisas. Remove imediatamente o aspecto humano de meus
movimentos. Cria porte — de repente, estou maior, mais pesado. Os
animais usam o corpo inteiro no movimento. Tente se mover desse jeito.
Gera energia e poder. O Guy me dá isso. Ele dá escala e porte ao
Moonwatcher […]. Obrigado, Guy, meu velho amigo.

***

O plano alternativo de Kubrick para filmar a Aurora do Homem era usar


uma técnica, àquela altura razoavelmente nova em longas-metragens,
chamada projeção frontal. Durante toda a busca de Birkin por uma
paisagem desértica no Reino Unido que pudesse ser usada, a projeção
frontal estava provavelmente mais para Plano A do que Plano B na cabeça
do diretor, embora ele guardasse isso para si. Kubrick simplesmente não
queria se afastar demais do ambiente controlado do estúdio em
Borehamwood, para não falar dos confortos do lar, mas não estava
totalmente convencido de que a projeção frontal funcionaria. Então,
recorreu a Tom Howard, chefe de efeitos visuais em Borehamwood e
ganhador de um Oscar, e começou discretamente a fazer testes de câmera
com John Alcott.
Antes de 2001, muitos filmes usavam a retroprojeção como técnica de
efeitos especiais. O exemplo clássico é o casal no carro com uma estrada
afastando-se no horizonte ao fundo. A retroprojeção também foi bastante
usada em 2001 para criar uma simulação convincente nas telas eletrônicas
planas de alta resolução que aparecem nos ambientes da espaçonave. Mas o
problema da retroprojeção, quando se usam telas maiores — grandes o
bastante para colocar um carro ou uma paisagem desértica inteira em sua
frente — é que a imagem projetada tem de abrir caminho com certa
dificuldade através da tela, em vez de ser refletida por ela. Isso reduz tanto
o brilho quanto a nitidez. Embora Kubrick tivesse usado a técnica bastante
em Lolita e em Dr. Fantástico — especialmente quando Slim Pickens
monta sua bomba H em um encontro terminal com a Mãe Rússia —, ele
tinha consciência de que sua artificialidade não funcionaria em 2001.
Em 1964, Kubrick havia assistido metodicamente a todos os filmes da
produtora japonesa Toho, o estúdio por trás da franquia Godzilla, entre
outros títulos de ficção científica dos anos 1950 e 1960. É quase certo que
viu Matango, filme produzido pela Togo em 1963, sobre um grupo de
marujos de fim de semana que perdem seu iate em uma tempestade e se
refugiam em uma ilha misteriosa, onde, depois de comer cogumelos locais,
sofrem mutações que os transformam em grotescos shiitakes. Embora o
componente de horror não fosse particularmente bem trabalhado, o diretor
Ishiro Honda foi pioneiro no uso de projeção frontal nas cenas marítimas no
iate. Em termos de realismo, elas estavam vários níveis acima de qualquer
resultado obtido com retroprojeção, algo que certamente não terá escapado
a Kubrick.
A projeção frontal dependia do Scotchlite, material altamente refletor
inventado pela 3M em 1949 e usado em placas de trânsito. Seus milhões de
minúsculos grânulos de vidro refletem a luz de volta para a fonte com uma
eficiência incrível. Uma tela de projeção frontal de Scotchlite era cem vezes
mais eficiente do que a retroprojeção para rebater a luz de um projetor de
volta para a lente de câmera; e, por refletir a partir da frente, o foco não era
um problema. No entanto, havia certas limitações. Como os grânulos de
vidro refletiam a luz de volta para a fonte em um único raio estreito, a
câmera deveria estar alinhada de forma exata à lente do projetor — algo
aparentemente impossível, já que tanto o projetor quanto a câmera eram
equipamentos volumosos, e não poderiam estar no mesmo lugar ao mesmo
tempo.
O processo de projeção frontal desenvolvido em 1949 por Philip
Palmquist, pesquisador da 3M, resolvera esse problema posicionando um
espelho bidirecional na frente da lente da câmera, em um ângulo de 45°. O
projetor era colocado a 90° em relação à câmera, e lançava seu feixe de luz
no espelho, que, por sua vez, o rebatia para a tela de projeção de Scotchlite;
assim, a luz saltava de volta diretamente para a câmera atrás do espelho.
Embora a imagem se projetasse também sobre os atores em primeiro plano
— digamos, um homem-macaco com um osso na mão —, era fraca demais
para ser visível em qualquer coisa que não estivesse revestida com
Scotchlite. Além disso, da mesma forma que o corpo de Bill Weston
escondia os cabos que o suspendiam no Palco 4, produzindo uma simulação
quase perfeita da ausência de peso, as sombras formadas pelo feixe do
projetor e lançadas pelos atores na tela eram escondidas da lente da câmera
por seus próprios corpos.

[75] Esquema de projeção frontal da Aurora do Homem, com a câmera posicionada à direita e o
projetor suspenso verticalmente à esquerda, sobre um ângulo espelhado.
© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

Mas havia outros inconvenientes. Ou a câmera permanecia fixa ou era


preciso levar junto com ela, aonde quer que fosse, o projetor e o sistema de
espelhos, uma empreitada difícil. A temperatura da luz e das cores do
cenário em primeiro plano deveriam sofrer ajustes para garantir que cenário
e atores se fundissem sem emendas com a imagem projetada no fundo, ou a
ilusão de que os personagens se moviam dentro do quadro maior da
imagem se perderia. Mas com Howard e Alcott concentrados no assunto,
Kubrick estava confiante de que essas questões seriam superadas.

***

Entre as locações para as quais Kubrick havia enviado batedores para


fotografar estava o Sudoeste Africano — hoje conhecido como Namíbia —
assim como a vizinha Botswana, que juntos compunham uma vastidão
desértica definida a leste pelo deserto de Kalahari e a oeste pela Costa do
Esqueleto, chamada assim porque a ausência de água potável por centenas
de quilômetros dava aos sobreviventes de naufrágios a perspectiva de uma
morte agonizante, lenta e prolongada. Em 1966, o Sudoeste Africano ainda
era governado pela África do Sul, e, portanto, estava sujeito à severa
segregação racial do apartheid.
De todas fotografias de locações que Kubrick viu, o Kalahari e o
Namibe pareciam apresentar mais diversidade e possibilidades. Esses
desertos ocres também tinham a vantagem da aparência tostada pelo sol,
que lhes conferia legitimidade como cenário central das primeiras lutas do
ser humano. Abandonando a ideia de filmar com seus homens-macacos em
locação, o diretor decidiu montar uma pequena equipe de produção e
mandá-la à região para captar fundos realistas. Por causa da definição do
fotograma do filme de 65 milímetros, as paisagens teriam de ser
fotografadas na forma de transparências em positivo, com granulação fina e
formato grande, de 20 × 25 cm.
Antes de deixar o filme, Tony Masters sugerira que Ernie Archer, seu
assistente, promovido a coordenador de produção após sua partida, fosse
mandado para a África. Seria uma maneira de garantir que os fundos
enquadrados encaixassem perfeitamente com os cenários de primeiro plano
que ele estava projetando e construindo. A ideia de Masters surgiu durante
uma reunião em que os três estavam presentes, e embora Kubrick tenha
concordado imediatamente, de repente pareceu preocupado. “Como vou
saber para onde você está olhando, Ernie?”, perguntou. “Quero dizer, como
vou conseguir saber se você está filmando a coisa certa?”
Isso não tinha ocorrido a Archer, que respondeu: “Eu não sei, Stanley.
Na verdade, não tem como você saber isso. Você vai ter que deixar na
minha mão”.
Como nunca foi de aceitar uma saída simplista, Kubrick não quis saber
da ideia. “Ah, meu Deus, não”, disse. “Não vou saber o que você está
fazendo.” Depois de pensar um pouco, ficou subitamente animado. “Veja o
que vamos fazer. Mesmo se você estiver bem longe, sempre tem um
vilarejo com tambores ou alguma coisa do tipo por perto, e dá para você
mandar uma mensagem para a capital, onde há telefones. Você vai colocar
um vidrinho na parte de trás da sua câmera com linhas quadriculadas, como
um gráfico, A B C na parte de cima, e 1 2 3 na lateral. Aí você desenha a
cena que está vendo e manda uma mensagem para mim — A-3, B-9, e
assim por diante. Estarei aqui no escritório na Inglaterra com meu gráfico, e
vou desenhando também. Aí vou olhar e dizer: ‘Sim, está ótimo, mas,
Ernie… mais uns três metros para a esquerda’.”
Ao ouvir isso, Archer olhou rindo para Masters. “Stanley, você sabe que
isso nunca vai funcionar”, disse. “Não dá para fazer uma coisa dessas!” E
todos riram. Ao lembrar dessa conversa mais tarde, Masters diria: “Era
loucura, mas a loucura também já produziu um monte de ideias muito
boas”. Na verdade, por menos prática que a ideia parecesse na época,
Kubrick havia encontrado, basicamente, o mesmo método que seria usado
anos mais tarde na transmissão de imagens digitais a grandes distâncias, ou
mesmo simplesmente para copiá-las. Sem os tambores e os sinais de
fumaça.
Em janeiro, Kubrick convocou Andrew Birkin e pediu que se preparasse
para outra expedição de busca, dessa vez por paisagens não tão facilmente
acessíveis a partir da estação Euston. Ele já havia contratado Pierre Boulat,
um fotógrafo francês que trabalhara para a revista Life. Boulat viajaria para
a África do Sul na segunda semana de fevereiro. Kubrick pediu para Birkin
reservar uma passagem para Windhoek via Joanesburgo, contratar uma
expedição de safári, encontrar-se com Boulat e Ernie Archer e partir para
Spitzkoppe Hills, uma antiga formação de granito que se erguia
abruptamente na plana Namíbia central. Todas as fotos de Boulat deveriam
ser feitas no crepúsculo ou no alvorecer, o que daria a Birkin tempo
suficiente durante o dia para procurar outras locações com uma Land Rover
ou avião pequeno. Acerte as coisas com o Victor, disse Kubrick, cuidado
com os gastos, traga um monte de fotos em Polaroide, cuide-se e mantenha
contato.
Birkin, que havia rompido recentemente com Hayley Mills, ficou
contente com a oportunidade de viajar no verão. No entanto, não estava
preparado para abandonar seu senso de moral, e a experiência africana teve
um início atribulado. Ao chegar ao aeroporto Jan Smuts no dia 1º de
fevereiro, em um DC-7 da South African Airways, e preencher o formulário
da alfândega, escreveu “humano” no espaço em que deveria especificar sua
raça. Era possivelmente uma simpática alusão à Aurora do Homem, mas as
autoridades de Joanesburgo não acharam a mínima graça. Revistando suas
malas, ainda encontraram um exemplar da revista Playboy, cuja entrada no
país foi considerada ilegal. Confiscaram a revista — “para uso próprio”,
Birkin supôs — e o levaram para uma “espécie de vestiário”, onde o
fizeram abaixar as calças e o submeteram ao que é eufemisticamente
conhecido como “revista corporal abrangente, incluindo cavidades”,
embora Birkin use termos mais diretos para lembrar do incidente.
Depois de se recuperar dessa experiência sul-africana, ele abriu uma
conta bancária em seu nome — nem a Hawk Films nem a MGM podiam
fazer isso devido às restrições do apartheid aos britânicos —, sacou uma
grande quantia em dinheiro, enfiou-a na mala e voou para Windhoek, onde
encontrou-se com Archer alguns dias depois. Juntos, eles compraram duas
Land Rovers, contrataram o organizador de safáris Basie Maartens e
conseguiram um avião pequeno para servir de transporte e serviço de busca
de locações. A aeronave seria usada também para levar os filmes do
deserto, já revelados, para Windhoek, de onde seguiriam de avião fretado
para Londres. No dia 7 de fevereiro, “fui encontrar o avião de Pierre
Boulat”, diz Birkin. “Para minha surpresa, porque eu achava que estava
com o coração partido naquele momento, a assistente dele apareceu usando
uma minissaia. Devia ter uns 21 anos, a minha idade. Quase imediatamente,
deixei escapar um a-hãaan.” Seu nome era Catherine Gire.
Rumando para Spitzkoppe em uma expedição com várias Land Rovers,
equipadas no estilo das grandes caçadas esportivas dos milionários do Texas
— catorze barracas, incluindo uma grande o suficiente para comportar uma
sala de refeições digna de Lawrence da Arábia — eles descobriram uma
paisagem escarpada e da cor de bronze repleta de rochas empilhadas e
afloramentos sinuosos. Haviam chegado ao local que se tornaria um dos
principais panos de fundo da sequência da Aurora do Homem em 2001. Ao
retornar em um avião pequeno para comprar suprimentos em Windhoek,
Birkin escreveu ao pai:

Estamos acampando há uma semana, e apesar das pulgas, mosquitos,


besouros e vários outros insetos que invadem nossos sacos de dormir
todas as noites, estou adorando. A região é tão erma e desolada quanto
se pode imaginar — Spitzkoppe, o lugar onde estamos agora, é formado
por enormes rochas redondas que surgem do meio dos arbustos. Toda
manhã, às cinco horas, a gente sai e espera o amanhecer surgir no
horizonte. E de novo no crepúsculo. Depois das chuvas, acontecem os
poentes mais lindos que já vi — tons de rosa e anil muito estranhos, que
lançam sombras sobre quilômetros de deserto […]. Hoje de manhã
mandei o primeiro lote de fotografias para a Inglaterra. O fotógrafo está
morrendo de medo que Stanley ligue para chamá-lo de volta.

Boulat, que não conseguia ver o que produzia, não precisava ter se
preocupado. Seu primeiro lote de Ektachromes revelados continha as
evocativas imagens de alvorecer e pôr do sol que Kubrick usaria, inclusive
no intertítulo. No entanto, à medida que se deslocavam entre as locações, a
agitação de Boulat crescia, agora devido aos sinais evidentes de que sua
assistente, que levara com ele não apenas por causa de suas habilidades
como fotógrafa, estava lançando seu foco não sobre ele, mas sobre Birkin.
Birkin, por sua vez, quando não estava dando em cima de Catherine durante
os longos dias, saía de Land Rover para procurar novas locações, ou
simplesmente se sentava à sombra com uma máquina de escrever e
datilografava um roteiro que estava escrevendo com base no romance
Judas, o obscuro, de Thomas Hardy.
À noite eles se reuniam na barraca de refeições, onde eram servidos
pelos seis nativos que levaram junto para fazer o serviço pesado, e que
dormiam todos na mesma barraca. Os homens de safári de Basie Maartens
subsistiam à base de uma papa feita de grãos — algo semelhante à ração
dada a animais — enquanto os brancos jantavam filés e bebiam vinhos sul-
africanos finos. “Todos nós conversamos e discutimos sobre o apartheid”,
Birkin escreveu ao pai. “Quando eu estava fazendo a lista de comida para o
safári, Maartens, nossa guia, disse: ‘Compra uns quatro ou cinco quilos de
pão de centeio para os pretos, vai durar uns dois meses’.” Após o jantar, o
grupo se reuniu em torno da fogueira do acampamento, enquanto nuvens de
borboletas multicoloridas e mariposas saíam do deserto e se lançavam nas
chamas — pelo que Birkin supôs, porque nunca tinham visto fogo antes.
Um par de barulhentos geradores a gás fazia funcionar uma geladeira cheia
de filmes e um toca-discos, que Birkin usava para ouvir Shostakovich e os
Stones sob as estrelas.
[76] Pierre Boulat e Catherine Gire.

Embora não fosse comum encontrar no deserto animais carnívoros


grandes o bastante para representar algum perigo sério, à noite saíam das
pedras escorpiões pequenos e muito venenosos. Catherine Gire “foi a infeliz
que encontrou o primeiro escorpião — no banheiro!”, escreveu Birkin ao
pai. “Lá estava ela, gritando, indefesa, à noite.” Não foi picada, mas levou
um susto. Pouco depois, foi a vez de Birkin. Após se lavar em uma das
barracas, sem pensar, afundou o rosto em uma toalha — e levou uma picada
no nariz que parecia um choque de alta voltagem. Gritando e batendo no
próprio rosto, ele teve que ser segurado por dois trabalhadores enquanto
Maartens gritava que era melhor parar — se não fosse contido,
provavelmente se machucaria muito seriamente. “A dor é tão intensa que
você tenta arrancar o rosto”, lembrou Birkin.
Durante as manhãs e as noites, os trabalhadores de Maartens ajudavam a
transportar o equipamento para as posições que Kubrick tinha identificado
nas Polaroides de Archer e de Birkin, que haviam sido levadas de avião
para Londres. Uma corrente de trabalhadores se formava para transportar os
filmes virgens, saídos da geladeira, até a locação onde estava a volumosa
câmera Sinar, que Boulat operava colocando a cabeça sob um antiquado
pano preto, não sem antes verificar se havia escorpiões nele. O filme recém-
utilizado voltava ao acampamento da mesma maneira. Depois que as luzes
se apagavam, Catherine entrava furtivamente na barraca de Andrew, ou
vice-versa. “Ela me disse que Boulat a levara como sua assistente, e ela
havia deixado absolutamente claro que essa seria a única atividade que
exerceria”, disse Birkin. “Portanto, nada impedia que nos divertíssemos um
pouco.” Diante das circunstâncias, trataram de manter o arranjo o mais
discreto possível, até que certa noite Pierre “entrou na nossa barraca, lá
pelas cinco da manhã, gritando de raiva não tanto comigo, mas com ela.
Todo mundo correndo pelado e enroscado no meio do deserto de Kalahari”.
Uma das primeiras remessas das chapas de Boulat e das Polaroides de
Birkin continham imagens registradas em uma área desolada perto de
Swakopmund, cidade costeira que a equipe adotara como uma espécie de
base, por estar mais próxima das áreas de interesse do que Windhoek. Em
algumas imagens, havia uma enorme árvore da família da babosa,
espinhosa e cheia de hastes, a árvore aljava, ou kokerboom em africâner. Ao
ver aquelas estranhas plantas com suas enormes folhas cascudas e
enrugadas em forma de estrela, Kubrick ficou entusiasmado. Elas pareciam
transmitir exatamente o tipo de exotismo pré-histórico que ele procurava.
Quando Andrew telefonou de Swakopmund depois de algumas semanas
no campo, Kubrick mencionou que havia adorado as árvores. No entanto,
não gostara do local em que estavam. Será que elas não poderiam ser
levadas para noroeste, para uma área que eles vinham chamando de
Montanhas da Lua, e colocadas ali? Birkin disse que cuidaria disso, e
discutiu o assunto com Maartens, sul-africano de quinta geração e pioneiro
em caçadas esportivas de grandes animais na região. Embora Maartens
ficasse visivelmente incomodado quando Andrew socializava com os
trabalhadores negros de sua equipe, em geral eles se davam razoavelmente
bem. Ele disse ao cliente que a kokerboom estava em perigo de extinção e
era protegida por lei, motivo pelo qual as maiores concentrações da árvore
tinham cercas de arame ao seu redor. Algumas tinham mais de cem anos de
idade. Além disso, elas armazenavam muita água, eram extremamente
pesadas e, de qualquer forma, seria difícil transportá-las. Melhor pensar em
outro plano.
Quando relatou isso a Kubrick, o diretor respondeu: “Bem, eu gosto
muito dessa árvore. Tenho certeza de que você vai dar um jeito. Você pode
ir lá sem ninguém ver e pegar algumas”. Birkin pensou sobre aquilo. “E se
eu for pego?”, perguntou.

[77] Árvores kokerboom.

“Não vai ser”, disse Kubrick. “Veja se consegue, porque é muito


importante para mim.”
Maartens disse ao cliente que sua licença de safári valia mais do que o
risco de se envolver, mas mesmo assim deu a Birkin o número de uma
transportadora local. Rapidamente Birkin descobriu que conseguiria que o
trabalho fosse feito mas que, por causa dos riscos envolvidos, ele sairia
muito caro. Seria preciso alugar dois caminhões grandes e uma equipe de
trabalhadores. Custaria aproximadamente quatrocentas libras para derrubar
e mudar as kokerbooms de lugar, o equivalente a cerca de 10 mil dólares
hoje. “Ok, pode fazer”, disse Kubrick. “E não mencione a MGM. Finja que é
da Fox ou algo assim.”
Birkin contratou dois caminhões e uma dúzia de trabalhadores. “Tive
que subornar muita gente”, recorda. Dizia que estava trabalhando para a
20th Century Fox no projeto de um filme e que rumariam para o sul.
Arranjou um alicate grande para cortar arame, mandou Maartens levar
Boulat, Gire e Archer na direção das Montanhas da Lua, ao norte, e levou
seus caminhões e trabalhadores para uma ampla área de preservação,
completamente cercada, que já havia visitado. Deixando a estrada no
começo da noite, eles rodaram através do deserto até uma área bem fora de
vista de qualquer movimentação de tráfego. Lá o próprio Birkin cortou a
cerca, fazendo uma abertura grande o bastante para os caminhões entrarem.
Com a luz caindo aos poucos, os trabalhadores começaram a serrar duas das
maiores e mais imponentes kokerbooms. Ao cair, porém, elas se quebraram
em muitos pedaços. O peso da água em seu interior estilhaçou seus troncos
frágeis.
De pé em meio ao massacre, Birkin deu instruções para que as próximas
fossem abaixadas com cordas e aos poucos; enquanto ele falava, porém,
ouviu-se um zumbido ameaçador vindo das árvores quebradas, e um
enxame de furiosas vespas surgiu dos fragmentos de troncos despedaçados.
Os trabalhadores saíram correndo para todos os lados, gritando de dor por
causa das picadas. Birkin, o único homem branco presente, retirou-se ileso
para dentro da cabine de um dos caminhões. Depois que as vespas se
dispersaram, a equipe voltou a trabalhar, agora sob a luz dos faróis dos
caminhões. Para cada árvore derrubada com sucesso, quatro jaziam em
pedaços. Eles carregaram os caminhões com seis árvores razoavelmente
intactas, usaram sacos cheios de cortiça para prendê-las e partiram para
atravessar o deserto, rumando para nordeste e evitando as estradas para não
serem pegos.
Birkin ia no caminhão da frente, usando uma bússola e uma lanterna
para comandar a navegação. Como o norte do deserto do Namibe é, em sua
maior parte, plano e vazio, eles fizeram um bom tempo de viagem, até
encontrar algo improvável: um rio transitório, correndo sinuoso em meio à
desolação, evidentemente em resultado de alguma tempestade rara ocorrida
mais acima. Dirigindo junto à margem para encontrar uma área rasa o
bastante para atravessar, um trabalhador no segundo caminhão acendeu um
cigarro e, sem pensar, atirou o fósforo em brasa no meio dos sacos cheios
de cortiça. Em segundos, uma língua de fogo amarelada apareceu no
espelho retrovisor de Birkin. Com um caminhão pegando fogo na traseira, o
pequeno comboio parou de repente e todos saíram em grande confusão.
Percebendo que tinha que pensar rápido, Birkin ordenou que o caminhão
em chamas recuasse, e seu valioso conteúdo fosse despejado no rio. Metade
da preciosa carga rolou noite adentro, cercada pelas chamas dos sacos de
cortiça, que se apagavam gradualmente. Eles voltaram a ligar novamente os
caminhões e saíram atrás das kokerbooms rio abaixo. Por fim, as árvores
ficaram presas em um banco de areia raso o suficiente para que os
trabalhadores pudessem recuperá-las. Por serem geneticamente robustas e
resistentes ao calor, sofreram poucos danos.
Quando finalmente chegaram à locação perto do acampamento de safári
de Maartens, no final do dia seguinte, os trabalhadores ajudaram a
posicionar as árvores em vários pontos, apoiando-as com rochas ao redor
dos troncos. Após deixar Andrew e as árvores, foram embora pelo deserto:
veículos fantasmagóricos desaparecendo nas tremeluzentes ondas de calor.
No pôr do sol daquele dia, Boulat começou a documentar a paisagem
enfeitada com as kokerbooms.
Na maioria das imagens capturadas na África, o enquadramento
enfatizava os elementos do plano médio e do fundo. Deveria haver o menor
número possível de distrações no primeiro plano, porque os cenários que
estavam sendo construídos em Borehamwood estariam na frente. Como
resultado, somente duas das árvores que Birkin transportou com tanto
esforço através do deserto podem ser vistas, de relance e bem afastadas no
fundo, no prelúdio do homem-macaco em 2001.
No entanto, ainda intrigado com as kokerbooms, Kubrick pediu ao
departamento de arte da MGM que produzisse árvores novas, das quais várias
aparecem, de forma proeminente, na Aurora do Homem. Todas feitas na
Inglaterra.

***

Em Londres, Dan Richter tinha recrutado três colegas para ajudá-lo: Ray
Steiner, outro exilado do Teatro Americano de Mímica, Roy Simpson, um
bailarino minúsculo, e Adrian Haggard, um amador sem treino, mas com
uma “liberdade física incomum, que o fazia pular pelas paredes como um
homem-macaco”. Eles partiram da premissa de que seriam os atores
centrais no prelúdio. Enquanto Stuart Freeborn mantinha-se ocupado nos
bastidores, projetando novos métodos para construir fantasias leves e
flexíveis, os três trabalharam juntos, sob a supervisão de Richter, para
descobrir os comportamentos e movimentos capazes de transformá-los em
representantes verossímeis de uma espécie de pré-humanos há muito
extinta.
Richter tinha estabelecido rapidamente um vocabulário de gestos da
parte superior do corpo baseado em chimpanzés e, em parte, na maneira do
gorila Guy de se mover com o peito para a frente. “Eles têm um torso mais
longo em relação à parte inferior do corpo, de forma que, levantando os
ombros e endireitando as costas, você consegue traduzir esse movimento”,
observou Richter. Assim, ele, Ray, Roy e Adrian poderiam se transformar
rapidamente em “chimpanzés com um toque de gorila” — pelo menos da
cintura para cima. Da cintura para baixo, porém, a história era outra. “O
problema eram as pernas humanas, compridas. […] elas simplesmente não
funcionavam, pareciam erradas”, disse.
Richter se acostumara a levar sua Beaulieu para filmar os primatas no
jardim zoológico do Regent’s Park. Um dia, durante uma visita com seus
colaboradores, sentiu que sua observação atenta e próxima de Guy e dos
chimpanzés estava produzindo poucos resultados. Decidiu então fazer uma
visita aos gibões — uma espécie asiática de macaco caracterizada pelos
movimentos rápidos e ágeis que fazem quando pulam de galho em galho.
Dan observou que de tempos em tempos eles desciam ao chão e andavam
rapidamente pela terra, erguendo os braços para se equilibrar.

Sua maneira de andar é interessante, porque os gibões não caminham


curvados como os outros macacos; eles têm pernas compridas. Eles
caminham em um ritmo gingando, que parece uma extensão de seu
movimento de pular de galho em galho. Eu aponto a Beaulieu para eles e
começo a filmar. Alguma coisa ainda está errada […]. Eles estão se
movendo rápido demais para servir de modelo aos homens-macacos.
Percebo que aquele é o movimento que procuro, mas a velocidade faz a
dinâmica parecer errada. De repente, tenho uma ideia que me empolga.
Ajusto a Beaulieu para meia velocidade, 48 quadros por segundo, e
filmo mais um pouco. Depois de rodar bastante filme, coloco a câmera
em um canto e ando na frente da jaula deles, imitando sua maneira de
andar. Um gibão macho me olha de um jeito muito esquisito. Uma
multidão começa a se formar para ver o que estou fazendo […].

No dia seguinte, a equipe se reuniu na sala de Richter para ver a projeção


do filme. “Ali na parede, em preto e branco, está a solução”, Richter
escreveu. “É surpreendente. Um gibão andando em câmera lenta era o
padrão. Eu poderia fazer aquilo, descrever e ensinar. O estágio inicial de
minha coreografia está finalmente completo.” Ele agora tinha modelos de
movimento para as partes superior e inferior do corpo. O insight de Kubrick
de dar a Richter as ferramentas de um cineasta valera a pena.
Durante todos seus longos dias de trabalho na MGM, Richter estava se
injetando um fortíssimo speedball — uma mistura farmacêutica de heroína
e cocaína. Na condição de viciado amparado pela lei, estava sob os
cuidados e a supervisão de uma médica chamada Lady Frankau, “uma
senhora aristocrática que usava terninhos de tweed com um pince-nez
dourado preso a uma fita preta, que ela ergue com total desenvoltura sempre
que precisa ler algo ou escrever suas cobiçadas receitas”. A mistura, que ele
injetava até sete vezes por dia, não era receitada para deixá-lo “alto”, mas
sim para proporcionar uma forma altamente medicamentosa de
estabilidade; a cocaína contrabalançava a heroína para produzir um
simulacro de normalidade. “Lady Frankau está convencida de que os
viciados precisam ser estabilizados com um suprimento constante e
controlado de heroína e cocaína para que não passem pelo ciclo de altos e
baixos que a maioria experimenta constantemente, com os sintomas do uso
e da abstinência da droga”, ele escreveu. Toda vez que a mistura regular não
fazia efeito, e a cocaína não o mantinha “alerta e ligado”, ele sempre
carregava consigo uma dose de Methedrine fornecida pelo Estado —
metanfetamina na forma de cristal.
Embora as receitas da dra. Frankau permitissem que ele trabalhasse mais
ou menos normalmente, o vício de Richter era muito forte; ele calcula que
estava se injetando trinta a quarenta vezes as quantidades que um viciado de
rua usaria. Até então, havia conseguido manter tudo por debaixo dos panos,
e pretendia que as coisas ficassem assim. Um dia, porém, esqueceu de
trancar a porta de sua sala para se injetar e Roy Simpson entrou sem bater.
Dan assegurou a seu colaborador, visivelmente chocado, que era registrado
e estava sob a supervisão médica do governo, e pediu a Simpson que não
falasse nada sobre aquilo.
Enquanto Birkin procurava locações e enviava fotografias do deserto,
Richter voltou-se para o espinhoso problema de formar o elenco da Aurora
do Homem. A princípio, havia resistido à suposição de Kubrick de que faria
o papel de Moonwatcher; disse que teria trabalho mais do que suficiente só
para formar o elenco e coreografar a sequência. “Acho que isso faz parte da
minha natureza; eu realmente quero ser amado”, disse Richter. “Devia ser
uma manifestação de comportamento passivo-agressivo da minha parte. Eu
queria que ele dissesse: ‘Nós realmente precisamos de você’.” Ele riu.
“Porque acho que sabia que ninguém mais poderia fazer o personagem.”
Enquanto isso, Freeborn usava o molde de corpo que fizera de Richter
para produzir uma roupa mais leve, e trabalhava também em uma máscara
mais delicada e sofisticada, que permitisse ao artista transmitir uma boa
variedade de expressões faciais. Em março, Kubrick anunciou: “Vai ser
você. Você foi o modelo do traje que criamos e sabe fazer o personagem.
Vai ser você, e vamos usar apenas atores menores que você”. Isso
significava que Steiner e Haggard estavam fora, restando apenas Simpson,
que era mais baixo do que Richter, como potencial ator. Ele poderia fazer
uma fêmea, e Kubrick planejava que houvesse filhotes também, embora
ainda não estivesse claro como Freeborn resolveria essa demanda.

[78] A extraordinária máscara final de Freeborn.

O novo pré-requisito de altura complicou ainda mais o difícil processo


de formação de elenco para Richter. Eles haviam anunciado a oportunidade
entre jóqueis, corredores de longa distância e atletas do ensino médio, mas
mesmo assim as chamadas de formação de elenco realizadas em Covent
Garden naquele inverno resultaram em apenas uma meia dúzia de
candidatos com a altura necessária, entre centenas de entrevistados. Em
consequência, Kubrick tinha concordado com relutância em reduzir sua
tribo de sessenta para cerca de vinte, um número ainda grande, tendo em
vista o que haviam conseguido até ali.
Parecia que tinham chegado a um impasse, e o tempo corria. Finalmente
o diretor entrou no estúdio em um dia de primavera com um brilho no olhar.
Com três filhas pequenas para entreter, a TV dos Kubrick estava sempre
ligada em programas bobos e, na noite anterior, um show infantil de
variedades chamado The Young Generation aparecera na tela, com
bailarinos bem jovens, escolhidos evidentemente por sua baixa estatura para
parecer ainda mais jovens. Aquilo poderia ser a solução do problema,
Kubrick disse entusiasmado a Richter.
Richter conseguiu imediatamente que os bailarinos do Young Generation
fossem até o estúdio de dança em Covent Garden que ele vinha usando para
os testes. “Assim que entrei […] tive que me esforçar para conter meu
entusiasmo”, Richter escreveu. “Estava diante de artistas em número
suficiente para compor minha tribo de homens-macacos. Eles são pequenos,
ágeis e, o melhor de tudo, embora pareçam crianças na TV, todos são
dançarinos profissionais de dezesseis anos ou mais — eles sabem se
movimentar!”

***

Após fotografar as Montanhas da Lua com suas árvores novas e


ligeiramente chamuscadas, Birkin pediu aos trabalhadores do safári de
Maartens para serrá-las e descartá-las em uma ravina. O massacre das
kokerbooms estava completo. Mais ou menos uma semana depois, ele saiu
para uma de suas buscas aéreas, à procura de possíveis locais de interesse,
enquanto o resto do grupo ia com Maartens a uma nova locação. Quando
aterrissou em Windhoek, recebeu uma mensagem urgente: tinha havido um
acidente. A Land Rover que levava Boulat e Gire saiu de uma trilha e bateu
contra uma rocha, esmagando a frente e quebrando as pernas de Boulat. Ele
fora levado às pressas para o hospital de Windhoek. Catherine estava
abalada, mas saíra ilesa.
Depois de ganhar gesso nas duas pernas, um par de muletas e, de Birkin,
um envelope com dinheiro, Boulat voou de volta para Paris vários dias mais
tarde. Catherine optou por ficar, pelo menos por mais algumas semanas.
“Stanley interrompeu o pagamento dele no minuto em que ocorreu o
acidente”, lembrou Birkin. “Do mesmo jeito que aconteceu com a
tripulação do Titanic quando a água finalmente cobriu tudo.” Ele riu.
“Então foi enviado um pedido de reembolso do seguro.”
Kubrick alugou um equipamento novo e contratou John Cowan, um
conhecido fotógrafo de moda de Londres, para substituir Boulat. Famoso
por suas fotos de supermodelos suspensas no ar, efeito que obtinha
colocando um trampolim na frente de vários pontos de referência em
Londres, Cowan servira de referência na criação da personagem do
fotógrafo do filme Blow-Up — Depois daquele beijo, de Michelangelo
Antonioni, em 1966. Na verdade, seu próprio estúdio e sua câmara escura
tinham sido essenciais para o filme, que também incluiu uma breve
aparição de Jane, irmã de Andrew. Cowan apareceu na filmagem no final de
março, com roupas cáqui de safári, mas sem o chapéu de cortiça. Nunca
havia fotografado em grandes formatos, mas levou consigo um assistente
com mais experiência.
Seu temperamento se mostrou inadequado para o trabalho. Em Londres,
Kubrick havia explicado as rígidas restrições do papel que ele assumiria:
esperava-se que fotografasse exatamente as paisagens que já tinham sido
escolhidas, exatamente na hora do dia especificada, de forma a obter a
iluminação desejada. Assim, os cenários de primeiro plano poderiam ser
construídos de acordo. Em vez disso, ele ficava dizendo “Eu acho que
assim é mais interessante” e escolhendo seus próprios ângulos, o que
deixava Ernie Archer exasperado. Também continuava mandando a
Londres fotos com elementos evidentes em primeiro plano, embora já
tivessem explicado que eles seriam completamente inúteis para o projeto.
Depois de muito bate-boca, Birkin combinou com Cowan que ele
poderia tirar as fotos que quisesse, contanto que também fizesse o que
Kubrick precisava. Mas o diretor ficou “puto com aquele monte de fotos
extras, completamente inúteis para ele”, lembrou Birkin. Quando as queixas
de Kubrick foram transmitidas a Cowan, este, por sua vez, ficou irritado
com o que considerou um desrespeito às suas prerrogativas artísticas.
Depois de algumas semanas disso, Kubrick decidiu substituir Cowan por
Keith Hamshere e, no dia 27 de abril, Birkin resumiu a situação em uma
carta a seu pai: “Agora temos outro fotógrafo aqui, o cara que trabalhou no
Oliver! Foi mandado para cá às pressas depois da rápida passagem do
Fotógrafo n. 2. (Que ficou aborrecido com as críticas de Kubrick) Como ele
era chato! Só ficava falando da The Shrimp e da Twiggy24 e como teria sido
muito diferente se tivesse vindo com elas!”.
Quando retornou a Londres, Cowan descobriu que estava sendo
processado por Kubrick pelos custos de uma semana de safári e outras
despesas.

***

Stuart Freeborn havia sido recrutado em 1965 com um telefonema e uma


carta de Kubrick prometendo “um filme com trabalho de maquiagem
interessante. Programação: cinco meses, talvez seis”. Ele ficaria na
produção por mais de dois anos, graças, sobretudo, à sequência da Aurora
do Homem. Era, de longe, o trabalho mais difícil que já havia feito.
Depois que sua roupa de homem-macaco com máscara de borracha foi
considerada grossa demais e desprovida de expressão, ele criara seus
neandertais. Seus traços faciais incrementados haviam sido construídos, em
um processo intensivo de trabalho, com peças protéticas de borracha
esponjosa, e suas genitálias foram cobertas com perucas leves e flexíveis.
Na primavera de 1967, a solução que lhe ocorreu para o desafio de Dan
Richter — fazer um traje leve o suficiente para permitir expressividade
gestual e representação teatral — foi fundir as duas abordagens. A solução
tinha a grande vantagem de não exigir horas de trabalho na cadeira de
maquiagem para cada indivíduo, um luxo a que ele não podia se permitir,
mesmo com uma tribo de “apenas” vinte.
As máscaras de homem-macaco removíveis projetadas por Freeborn
eram feitas de peças múltiplas e altamente flexíveis de borracha esponjosa
moldável, ou poliuretano, que revestiam uma armação de material mais
rígido, feita sob medida para a cabeça de cada ator. A armação não envolvia
a cabeça totalmente, mas servia como uma proteção facial presa por tiras, e
podia ser removida e recolocada em segundos. As peças de espuma eram
bastante variadas, com diferentes graus de flexibilidade, dependendo da
função. Quando justapostas da maneira adequada, produziam um efeito
convincente de músculos e tendões em ação. Mesmo para as máscaras mais
simples, feitas para os atores secundários, Freeborn criou um sistema
interno de fios ocultos maravilhosamente econômico; quando o ator abria o
maxilar, o lábio superior da máscara se erguia dois centímetros, e o inferior
descia um centímetro e meio. Conforme fosse a emoção do momento, o
efeito, bastante realista, seria de advertência ou de saudação. Certamente, a
exposição das presas — a única defesa dos australopitecos, pelo menos
antes do surgimento das armas — demonstrava ameaça de uma forma
totalmente crível. Com essa inovação como fundamento para todas as
máscaras, Freeborn transcendeu o temível clichê do homem com uma
máscara de macaco ordinária.
E isso foi somente o começo. A partir de então ele trabalhou nas
máscaras para permitir que Richter e os demais atores principais fizessem
caretas e usassem a língua. Kubrick queria que seus homens-macacos
conseguissem lamber os lábios de leve, sinalizando fome. Para atendê-lo,
Freeborn desenvolveu um mecanismo interno que permitisse essa ação, e
que exigiu a construção de bocas plausíveis, com línguas densas de
borracha esponjosa capazes de se esticar e se mexer para cima e para baixo
para lamber os lábios. Todos os atores que usariam esse tipo de máscara
tiveram a língua moldada, o que não era exatamente o mais confortável dos
procedimentos. “Fiz um copinho de acrílico que cabia, por sucção, na ponta
da língua deles”, lembra Freeman. “Eles mordiam o copinho, forçavam a
língua para dentro e então abriam a própria boca. Aí podiam colocar a
língua da máscara para fora e movimentá-la, o que funcionou
perfeitamente.” Tiras finas de borracha mantinham as mandíbulas da
máscara fechadas na maior parte do tempo. Abri-las exigia força muscular.
Uma pequena parte do rosto de cada ator ficava visível através das
máscaras: a área em volta dos olhos. Ela foi maquiada para combinar com o
tom escuro da pele em torno, e, além disso, todos os atores usaram lentes de
contato castanho-escuras — que tendiam a absorver o pó do cenário,
produzindo, fortuitamente, o incômodo efeito de olhos injetados que
Kubrick procurava. A camada de poliuretano das máscaras era menos
espessa ao redor dos olhos, e era presa sobre a região das pálpebras com
uma cola pegajosa, que permanecia viscosa, de forma que os atores podiam
facilmente retirar e substituir as máscaras entre as tomadas.
O desenvolvimento do corpo dos homens-macacos envolveu a criação
de uma peruca corporal feita sob medida para cada um dos atores; de lã fina
e maleável, revestida de cabelos costurados, era aumentada nos ombros e no
dorso com pequenas almofadas de uretano. “Era leve, arejada, confortável e
ajustava-se perfeitamente”, disse Freeman, com orgulho. Ele descobriu que
usando pelos de consistências e cores diferentes na trama podia criar uma
pelagem mais convincente, e, depois de muitos experimentos, chegou a uma
segunda pele para cada ator, todas arejadas, mais flexíveis que a malha de
balé usada por Richter em seu teste de improviso, e claramente diferentes
de uma pessoa fantasiada de macaco. Cada conjunto continha cabelo
humano, pelo de iaque e pelo de cavalo, estes últimos colocados “no fim da
espinha, onde há pelos mais compridos e brilhantes”, recordou Freeborn.
Tiras de velcro permitiam unir a parte de cima e a de baixo, com pelos
escovados recobrindo a costura.
Se a arte é uma forma de fanatismo, um solilóquio de Freeborn para a
revista de efeitos visuais Cinefex, uma década mais tarde, dá uma medida
clara do foco com que esse artista excepcional buscava o realismo absoluto.
Ele falava das complexidades da mandíbula de seu homem-macaco, em
especial sobre como fazê-la se fechar e forma realista, junto com os lábios.

Para que o ator abrisse a mandíbula, ele tinha de esticar a borracha de


espuma das laterais do rosto, o que já era difícil. Além disso, ele
precisava puxar cordões e estranguladores de plástico para abrir os
lábios superior e inferior. Assim, os músculos da mandíbula do ator
tinham que trabalhar intensamente para abrir a boca da máscara. Então
era preciso voltar a fechar a boca, coisa que ela não queria fazer. Nós
descobrimos que tanto a mandíbula quanto a máscara de borracha de
espuma por cima dela ficavam meio penduradas, o que dava um ar bobo
aos macacos. O problema era que, depois que a borracha esticava e
afrouxava, a tensão das laterais do rosto de borracha já não era suficiente
para fechar a boca depressa. Então tínhamos dois problemas distintos:
fazer a mandíbula fechar com força e fazer a borracha sobre ela fechar
com força. Não dava para usar molas porque elas fazem barulho e são
complicadas de usar. Elásticos funcionaram muito bem para a etapa de
fechar a mandíbula, mas no meio do processo eles ficam fracos e não
concluem o fechamento. Por fim, tentei com ímãs: coloquei sete
escondidos nos dentes, de forma que, quando o elástico começava a
enfraquecer e perder sua capacidade de recuo, os ímãs começavam a se
atrair e acabavam de fechar a mandíbula. No início, percebi que se os
ímãs fossem posicionados num plano exato, um de frente para o outro,
seria muito difícil para os atores romper o campo magnético e abrir a
mandíbula. Resolvi o problema inclinando levemente os ímãs. Num
ligeiro ângulo, eles mantinham parte da força de atração, mas os atores
conseguiam abrir a mandíbula facilmente. Aquilo fez toda a diferença.

Eu coloquei sete ímãs escondidos nos dentes. Que outra pessoa no mundo
além de Stuart Freeborn poderia ter dito essa frase?
Ao longo de todo o processo de desenvolvimento dessas mágicas,
Kubrick aparecia de tempos em tempos para avaliar o trabalho e redobrar
suas exigências. “Eu o via observando tudo”, Freeborn lembrou em uma
conversa com Richter em 1999, “circulando por ali, [fazendo] ‘hummm,
hummm, hummm’. Ele nunca disse: ‘Ah, isso está ótimo’. Nunca, jamais.
Era só ‘hummm, hummm’. E ia embora. Mas eu sei o que ele estava
pensando: ‘Esse merdinha conseguiu fazer isso tudo, e se conseguiu, pode
fazer mais. Vou pensar em alguma outra coisa para ele fazer’. E droga! O
telefone tocava e era ele. ‘Stuart?’, ele dizia: ‘Acabei de ter uma ideia.
Estou incluindo uma cena em que os homens-macacos aparecem com a
mandíbula fechada. Quero vê-los rosnar com os dentes fechados’.” Ele riu.
“Sem qualquer motivo. Ele sabia que era quase impossível fazer aquilo,
porque todas as outras mecânicas dependiam da abertura da mandíbula; era
ela que fazia tudo funcionar. E agora ele quer ver os lábios abrindo sem que
a mandíbula mexa, para que eles possam rosnar. Ele disse: ‘Eu quero vê-los
rosnando’. Ele estava me pressionando, sabe? Eu sabia disso.”
O Império Britânico foi erguido sobre a ideia da obediência cega às
ordens superiores. Subcontinentes inteiros foram subjugados com base
nisso. Freeborn precisou de muito sangue-frio para redesenhar os lábios de
seu homem-macaco depois de tanto esforço, mas tratou de trabalhar no
problema. Projetou uma espécie de acionador de acrílico que era ativado
pela língua e funcionava como uma alavanca interna. Quando a língua o
pressionava, ele acionava o sistema interno de fios ligado aos lábios de
borracha de espuma, expondo os dentes com a mandíbula ainda cerrada e,
assim, produzindo um rosnado de aparência perigosa. Debaixo daquela
careta havia um acúmulo extraordinário de experiência obtida a duras
penas.
Por mais difícil que a demanda fosse, Freeborn nunca dizia não. “Ele
nunca gritou com Stanley, nem nada do tipo. Só sorria amarelo, tolerava e
sofria”, Richter recordou. “Ele ficava muito estressado, e era tão
perfeccionista quanto Stanley. Trabalhava dias e dias para chegar a algum
resultado, e Stanley dizia: ‘Não, não é por aí. Dá para mudar?.
Naturalmente, mudar significava ter de trabalhar dia e noite por mais alguns
dias. Aí ele levava a nova versão para o Stanley ver e o Stanley dizia:
‘Bom, isso está mais perto do que eu quero, mas ainda não é assim. Será
que você consegue fazer desse jeito?’. Acho que qualquer outra pessoa teria
dito: ‘Foda-se essa merda. Vou trabalhar em outro filme’.” Freeborn nunca
fez isso, nem nunca pensou em fazer. O tempo todo ele trabalhava períodos
tão longos que, exausto, caía no sono no carro quando sua esposa, Kathleen,
ia buscá-lo nas primeiras horas da madrugada, ou o levava de volta para
Borehamwood de manhã cedinho.
Ao ver o rosnado do homem-macaco, que Freeborn tinha conseguido
produzir contra todas as expectativas — e contra tudo o que indicavam as
versões anteriores —, será que Kubrick exibiu seus próprios dentes em um
sorriso? Na verdade, ele continuou insatisfeito. Queria ainda mais nuances.
Não queria uma simulação da vida, mas a própria vida. “Então, em um
surto de inventividade, Stuart separou o acionador em duas seções, cada
uma afetando uma metade diferente da boca”, recordou Richter.

Funcionou! Ao dobrar a língua e tocar os dois acionadores


simultaneamente, produzo um rosnado, mais eficiente. Se fizer isso e
mantiver a mandíbula bem aberta, faço Moonwatcher parecer que está
rosnando. Empurro o da direita e o lado direito desce. Empurro o da
esquerda e a mesma coisa acontece com o lado esquerdo. Usar a língua
para mover os dois ao mesmo tempo produz um grande efeito. Como ele
fez a língua da máscara oca, posso colocar minha própria língua dentro
dela. Posso até lamber meus lábios!

É claro que aquela movimentação de língua toda produzia muita saliva e, no


confinamento das máscaras vedadas, sob o calor intenso da iluminação do
filme, isso representava um novo suplício para os atores. “Acredite, era
nojento”, disse Richter. “Eu só não vomitava porque percebia que, se
vomitasse dentro da máscara, provavelmente sufocaria.”
Além de todas as inovações que criava, Freeborn mantinha-se totalmente
consciente de que os homens-macacos de Richter eram personagens
diferentes, indivíduos. “Eu tinha um modelo da cabeça do artista e a
máscara rígida de uretano sobre ela”, ele lembra, a respeito do processo de
construir as máscaras sobre os moldes das cabeças no estúdio, antes de
experimentá-las nos atores. “Bem, agora tenho que construir, sobre isso, os
padrões e as reentrâncias, além do formato externo da máscara de borracha
de espuma.”

Eu tinha que pensar em duas coisas: a idade e o caráter de cada homem-


macaco específico. Cada um é um. Tentei ajustar a personalidade, a
forma, a expressão e a idade dos rostos que modelava para cada ator em
particular. Àquela altura, já conhecia todos razoavelmente bem.
Conhecia suas personalidades, quais se moviam mais rápido, quais eram
mais lentos nos movimentos, e assim por diante. Naturalmente, fiz com
que os mais lentos fossem os mais velhos. E por aí foi.

Durante todo o processo, comparava impressões diariamente com Richter.


Não era só Kubrick que lhe fazia novas exigências; Dan estava
coreografando a sequência, e boa parte do trabalho de Freeborn respondia
também às suas necessidades. “Eu e Stuart estamos trabalhando juntos no
que se transformou em uma troca muito sutil”, Richter escreveu. “Ele não
pode construir um traje com uretano somente a partir dos moldes de gesso,
e eu não posso criar a ilusão de um homem-macaco somente com os
movimentos. Nos primeiros meses, fomos desenvolvendo aos poucos uma
forma muito simbiótica de trabalhar. Isso nos aproximou bastante. À
medida que a frustração de Stuart aumenta, nossa amizade e respeito um
pelo outro também crescem.”
Décadas mais tarde, quando lhe perguntaram sobre isso, Richter disse:
“Acho que, em uma semana ou duas, ambos entendemos que estávamos
fazendo algo importante. Eu estava trabalhando com um artista incrível que
havia mudado a história do cinema e continuaria mudando, e ele viu que
estava trabalhando com alguém que realmente saberia fazer a coisa
funcionar, desde que ele trabalhasse comigo”.
O artista a que Richter se referia era Freeborn, não Kubrick.

***

No final de junho, Freeborn tinha montado uma linha de produção do traje


de homem-macaco, com a ajuda de Charlie Parker, que fizera a maquiagem
de filmes como Ben-Hur e Lawrence da Arábia e era outro luminar nesse
campo. Na passagem da primavera para o verão, o estresse de colocar seu
bando de vinte homens-macacos em forma — além de se preparar para o
papel principal — estava começando a afetar Richter de forma mais intensa.
Sob seu comando, eles vinham praticando exercícios árduos para
desenvolver força nas pernas e eliminar quaisquer vestígios restantes de
seus movimentos de bailarinos treinados, que deveriam ser substituídos por
uma qualidade específica de energia primitiva e selvagem — nada aleatória,
e sim apoiada no vocabulário de gestos corporais superiores e inferiores que
ele havia criado e agora procurava coreografar.
Seu objetivo desde o início era fazer com que os atores estabelecessem
grupos de parentesco — um deles seria encabeçado por Moonwatcher e o
outro por One Ear, líder do grupo rival. Eles haviam assistido aos filmes de
Jane Goodall sobre seus chimpanzés, e aprendido os vários
comportamentos visíveis neles, incluindo movimentos de vasculhar, de
limpeza pessoal, de agressão e submissão. Encarnar um Australopithecus
africanus — que em latim significa “macaco do sul da África” — exigia
uma intensa corporalidade, e uma rigidez maior na parte inferior do corpo.
A única maneira de disfarçar aquelas pernas humanas compridas era
agachar e balançar, ao estilo dos gibões, na maior parte do tempo com os
joelhos voltados para fora. Dan havia estabelecido um regime brutal de
exercícios físicos — quase um treinamento militar para homens-macacos.
Todos os dias eles se encontravam em uma grande área verde atrás do
estúdio para correr e se exercitar.
Produções cinematográficas, especialmente as mais extensas, com
equipes compostas por gente de uma criatividade descomunal, às vezes
geram sua própria (e estranha) subcultura comportamental. Mesmo sem
uma conduta explicitamente simiesca, elas podem ser antropologicamente
interessantes. Uma das maneiras pelas quais Doug Trumbull e sua equipe
aliviavam a tensão era indo para a área aberta nos fundos do estúdio, onde
ele havia colocado uma enorme cama elástica, e se revezando para pular
nela. Ao fazê-lo, eles tinham uma boa visão dos campos verdes atrás do
estúdio. A área aberta atrás da MGM, muitas vezes usada para cenas
externas, fundia-se imperceptivelmente com pastos e florestas. Às vezes
Doug ia sozinho, e se lembra claramente de ver Richter e seus aprendizes
guinchando uns com os outros enquanto ele pulava para cima e para baixo,
“brincando de macaco entre as árvores, ravinas e tudo mais. Era a coisa
mais esquisita do mundo”. Ao ser questionado se usava seu chapéu de
caubói enquanto pulava, ele respondeu: “Quase sempre. Era minha
assinatura de moleque da Califórnia”.
Imagine, por um momento, um vaqueiro saltando em uma cama elástica,
segurando o chapéu Stetson para ele não cair, e observando à distância
homens-macacos desgrenhados vagando em meio às árvores, e os achando
esquisitos. Como uma foto entre muitas, não era uma representação de todo
má do que ocorria nos bastidores de 2001: Uma odisseia no espaço no
último ano de produção.

***

Apesar do vício em drogas e do passado hipster, Richter era um


disciplinador. Ele não confraternizava com seu pessoal, e andava com um
tarugo de madeira de um metro — que seu professor Paul Curtis apelidara
de “pau de mímico” — que usava para cutucar partes do corpo dos artistas
que não estivessem atuando tão bem quanto os demais. “Você era muito
rígido, meio assustador”, disse-lhe David Charkham, um dos membros de
sua tribo, em 1999. “Você era o líder, definitivamente o chefe. Mas às vezes
parecia que estava em outro planeta. Eu não entendia bem o que era. […]
parecia que você não estava lá.”
Além do incidente com Roy, até aquele momento Richter tinha
conseguido esconder seu vício. Quando Freeborn precisou tirar seu molde
de corpo inteiro, ele escondeu as marcas de agulha com curativo. Se Stuart
suspeitou de alguma coisa, foi diplomático demais para dizer. No entanto, à
medida que o prazo de produção se aproximava e a pressão aumentava, as
drogas lhe impuseram um “fardo terrível”, recordou Richter. A parte mais
difícil era medir as doses para que ele não passasse mal, pela falta da droga,
nem ficasse grogue, pelo excesso. “O único benefício que tiro disso é que,
como fico muito magro, dentro do traje não pareço o boneco da Michelin”,
escreveu ele.
A tensão de supervisionar o que ele sabia ser um dos compromissos
criativos mais importantes de sua vida também havia impactado na
autoconfiança de Richter. Assim como Kubrick, ele procurou esconder isso
de seus subordinados. Cada vez mais arredio, continuou aumentando sua
dosagem, que já era alta. Suas interações diárias com o diretor e seu
comparecimento regular nas sessões de projeção — nas quais a equipe de
efeitos visuais projetava sequências espetaculares de estações espaciais que
giravam ao redor do próprio eixo em órbita da Terra, e de uma espaçonave
movida a energia atômica chegando a Júpiter — só evidenciavam o quanto
as apostas no projeto eram altas. A sequência da Aurora do Homem seria o
início daquele filme notável, e seu sucesso dependia significativamente de
Richter. “Era uma panela de pressão”, ele recordou. “Você está cercado
pelas mentes mais brilhantes de nossa geração e tem que cumprir o
combinado. E você está sob os refletores. Não dá para se esconder.”
Certo dia, quando estava fazendo seus homens-macacos caminhar,
Richter sentiu um aperto no peito e falta de ar. Pensando estar sofrendo um
ataque cardíaco, pediu a Simpson que ficasse em seu lugar e foi procurar
cuidados médicos na cidade. Ao avaliar o eletrocardiograma de Richter, seu
médico deduziu que se tratava quase certamente de estresse, e que ele
precisaria desenvolver mecanismos para lidar com a situação. “Eles
também recomendaram que eu usasse menos cocaína”, Richter lembrou,
rindo.
Nos preparativos finais, Roy Simpson, o único remanescente de seu
grupo original, não conseguiu se equiparar à corporalidade crua dos jovens
dançarinos. Simpson fora mantido porque supunha-se que, graças à baixa
estatura e à compleição magra, ele poderia representar uma fêmea. Mas
Kubrick decidira que todas as fêmeas precisariam ser significativamente
menores do que Moonwatcher, e com Freeborn já no processo de produção
dos trajes individuais, decidiram que Roy, que era mais ou menos da altura
de Dan, sairia.
Richter foi incumbido de informá-lo. Simpson, que vinha ajudando a
supervisionar os ensaios e treinamentos havia meses, não recebeu a notícia
bem. Menos de uma hora depois de sua partida, Dan recebeu um
telefonema da secretária de Kubrick exigindo que ele fosse até lá
imediatamente. O tom da intimação o preocupou. Quando chegou, o diretor
estava com uma cara mais feia do que nunca. “Dan, recebemos uma
reclamação muito séria de Roy Simpson”, Kubrick disse. “Ele disse que
você é viciado em drogas, que o reprimia e que o fez tomar drogas.”
Richter ficou chocado. De repente todo seu trabalho estava em perigo.
“Que bobagem, Stanley!”, ele exclamou. “Roy está magoado porque foi
mandado embora e está revidando.” Ele estava se “cagando de medo”,
recordou, e pensando: “chegou o meu fim”. No estresse do momento, não
lhe ocorreu que Kubrick precisava dele tanto quanto ele desejava terminar o
que haviam começado.
“Ele não diria algo assim se não tivesse nenhum fundamento”, disse
Kubrick, mais em tom de pergunta do que de afirmação. Ele perscrutou
Richter de forma solene com seus olhos escuros.
Dan percebeu que seria melhor confessar imediatamente, e que se
danassem as consequências. Era claro que o projeto inteiro estava em risco,
mas ele devia a verdade ao homem que investiu tanta confiança nele. “Bem,
sim, eu sou viciado em drogas”, admitiu. “Mas eu não o forcei a nada, nem
estava querendo passar a perna nele. Ele me viu usando uma única vez. Eu
sou um viciado registrado. É tudo legal. Se você quiser, eu lhe entrego
minha carta de demissão e faço tudo o que puder para ajudar. Só quero
garantir que o projeto seja realizado da melhor maneira possível.”
Kubrick avaliou aquilo. “Você está em situação legal?”, perguntou,
intrigado.
“Sim, estou, e sou registrado”, Richter confirmou. “Não estou
infringindo nenhuma lei.” Ele lhe contou sobre Lady Frankau, e disse que
Kubrick poderia ligar para ela, ou para o assistente social que cuidava de
seu caso para obter confirmação.
“Bem, se você não fez nada errado ou ilegal, quero que você continue no
projeto”, disse Kubrick. “Investi muito em você. E preciso de você.” Ele
reconheceu que tinha sido difícil de engolir a história de Simpson ser
forçado a usar drogas. Com a poeira baixando, surgiu a curiosidade e as
perguntas vieram, rápidas e abundantes: “Qual é a sensação? Como é?
Como você se injeta?”. Ele já havia convertido a situação em uma nova
oportunidade de absorver informações potencialmente valiosas sobre o
mundo e seus estranhos habitantes.
Cada ator teria um assistente de figurino para quando a filmagem
começasse, e mais tarde Kubrick providenciaria um camarim amplo para
Richter, com um banheiro privativo, para que ele pudesse fazer o que tinha
que fazer sem que seu assistente soubesse. “De repente, passamos a ter uma
intimidade em nosso relacionamento que não havia antes”, Richter
observou.

***

Para o olhar não treinado, os preparativos de Aurora do Homem que


aconteciam no Palco 3 poderiam parecer um quadro vivo qualquer de
trabalhadores atarantados da indústria cinematográfica em ação. Na
verdade, eles estavam estabelecendo os fundamentos de uma das situações
de filmagem mais ambiciosas e tecnicamente complexas já tentadas. Tudo
que se relacionava à técnica de projeção frontal — usada pela primeira vez
em Borehamwood entre 2 de agosto e 9 de outubro de 1967 — era novo e
nunca havia sido testado. Nunca se fizera uma projeção frontal em uma
escala tão grande.
Depois de muitas tentativas e erros, a gigantesca tela de fundo de
dezoito metros fora coberta com inúmeros pedaços de formatos diferentes
do material reflexivo Scotchlite da 3M. O processo de fabricação do
material da 3M havia produzido uma reflexividade irregular, e se ele tivesse
sido simplesmente pendurado em tiras sobre a tela de fundo, a imagem
refletida para a lente da câmera, vinda do projetor, teria variações de cor e
brilho horizontais visíveis — algo semelhante à imagem da TV quando o
sinal é ruim. O supervisor de efeitos especiais Tom Howard colocou um
exército de cenógrafos da MGM para trabalhar com tesoura e cola. Sua
colcha de retalhos de fragmentos de Scotchlite tornou o aparecimento do
problema aleatório, enganando o olhar, que desconta as variações
subliminarmente, como se fossem parte natural do cenário de fundo e do
céu. A solução era apenas parcial, porém, e nas imagens com presença
mínima de nuvens dá para perceber uma espécie de efeito pontilhista no
céu, especialmente se você procurar.
Todas as imagens no Sudoeste Africano foram feitas na aurora ou no
crepúsculo. Isso permitiu a Kubrick e Alcott iluminar seus cenários de uma
forma específica. Na prática, elas foram pensadas para estar, a maior parte,
na sombra, com um fundo mais claro. O alvorecer, em outras palavras,
deveria ser um ambiente controlado e perpétuo durante a Aurora do
Homem. No entanto, as supostas áreas sombreadas não estavam realmente
na sombra. Na verdade, eram bem iluminadas de cima, e essa luz tinha que
ser totalmente uniforme, como a luz indireta do céu. Faixas alongadas de
luz solar falsa, lançadas por fileiras muito próximas de luzes sem qualquer
distorção, às vezes também caíam sobre os cenários. Embora o Palco 4
fosse enorme, as partes mais altas do cenário estendiam-se até perto do teto,
o que, por sua vez, tornava as luzes do teto absolutamente controláveis, para
evitar que aqueles elementos do cenário parecessem mais claros do que se
tivessem sido iluminados uniformemente por um céu africano. Além disso,
tinham de ser feitos todos os esforços para evitar que sombras múltiplas
fossem lançadas sobre os atores — o que revelaria claramente a iluminação
de estúdio.
Tudo isso era extraordinariamente difícil de administrar, sobretudo nos
níveis de luminosidade exigidos. Richter lembra-se das conversas que
Alcott e Kubrick tinham “de igual para igual, muito amigáveis e geralmente
em voz baixa” enquanto lutavam com problemas de iluminação complexos
e insolúveis. “Sabe, se você o escutasse”, Richter disse, referindo-se a
Kubrick, “ele estaria dizendo: ‘Ah, John, será que deveríamos […] acho
que deveríamos fazer isto; eu gostaria de fazer.’ E se você escutasse aquelas
palavras com cuidado você diria: ‘Ele acabou de lhe pedir para fazer algo
que vai ser incrivelmente difícil!’. E John diria: ‘Ok, Stanley’.” — nesse
ponto, Dan murmurou palavras indecifráveis, imitando uma conversa em
tom de voz baixo — “era tudo muito silencioso, mas estávamos voando a
uma altitude incrível!”.
[79] Bill Jeffrey, diretor técnico de iluminação, um dos talentos criativos anônimos por trás de 2001.

A necessidade de evitar o efeito das sombras múltiplas, que dissiparia a


ilusão, exigia um nível particularmente alto de inovação. “Ele me
perguntou: Bem, como vamos fazer isso?’”, Alcott recordou sobre Kubrick.
“E eu disse: ‘A única saída é transformar o teto do estúdio inteiro em um
grande céu branco’.” Trabalhando com Bill Jeffrey — um eletricista
especializado em iluminação criativo e inovador que fez a luz do filme
inteiro e foi uma das forças criativas não reconhecidas de 2001 —, Alcott
também projetou um sistema insano de controle da iluminação do estúdio.

Pendurei globos refletores do tipo cogumelo — holofotes de 500 watts


— no teto do estúdio; para cobrir a área inteira com eles, precisamos de
cerca de 3 mil lâmpadas. Aí Kubrick me disse: “Bom, isso está ok, mas
a gente tem as montanhas, então vai estar tudo quente [superexposto]’, o
que era verdade […] E ele disse: ‘Vamos desligar as lâmpadas de cima
das montanhas’. Eu disse: ‘Bem, a única maneira de fazer isso é se
tivermos um interruptor para cada lâmpada’. Então ele disse: ‘Ok, use
interruptores individuais em todas as lâmpadas’. Em uma situação
normal, você jamais conseguiria que alguém concordasse com isso. Se
dissesse isso a um produtor hoje, ele responderia: ‘Você tá louco!’. E era
ridículo. Mas Kubrick queria que a iluminação fosse verdadeira e
realista; então arranjamos um interruptor para cada lâmpada, e consegui
controlar cada uma das luzes do estúdio. Podia iluminar o nível do solo
completamente e então, talvez, ter apenas uma ou duas lâmpadas
iluminando as áreas mais altas. Os chefes de departamentos odiaram a
ideia porque ela gerou muito mais trabalho; mas eles fizeram um
interruptor para cada lâmpada, o que exigiu algo como doze quilômetros
de cabos de energia no total.

Observando esse processo fascinado, Richard Woods, que interpretou One


Ear, o rival de Moonwatcher, teve a presença de espírito de fazer anotações.
Ele registrou quando 37 engradados retangulares repletos de lâmpadas
foram içados para o teto, cada um do tamanho de uma cama e contendo
cinquenta lâmpadas de 500 watts. Cada lâmpada era controlada lá de baixo,
com 1.850 interruptores no total. Isso permitia reduzir com extrema
precisão quaisquer pontos de aquecimento que surgissem à medida que os
elementos mais altos do cenário fossem colocados em seus lugares. Com
Kubrick examinando Polaroides durante todo o processo, era possível
simplesmente sumir com as áreas superexpostas, desligando gradualmente
as lâmpadas individuais.
Na potência total, cada engradado produzia 25 mil watts. Com 37
engradados suspensos, a energia total do “céu” era de 925 mil watts. Isso
sem contar as luzes brutas posicionadas nas laterais para criar uma
definição melhor e a sensação visual da luz do sol sendo lançada por toda a
paisagem a partir do horizonte. Para as cenas de batalha que estavam por
vir, nove refletores enormes simulariam a luz do sol vinda de lado. Como
cada um deles emitia 25 mil watts, só de luz solar eram 225 mil watts.
Adicionando ao céu, Woods calculou que os cenários da Aurora do Homem
foram iluminados por um total de 1.150 mil watts.
Mais de 1 milhão de watts.
Não é de surpreender que as temperaturas no Estúdio 4 logo subissem
muito acima de 37°C — um calor igual ao do deserto do Namibe no verão.
Àquela altura, os trajes de Freeborn eram muito mais permeáveis do que
aquele em que Keith Hamshere desmaiara, em condições semelhantes,
meses antes. Mesmo assim, Woods se lembra que perdeu três quilos na
primeira semana de filmagem — e como os outros atores, havia sido
contratado especificamente porque já era bem magro. Preocupado com o
impacto das condições extenuantes nos níveis de energia de seus atores,
Kubrick mandou trazer uma enorme geladeira cheia de refrigerantes.
Também tentou outra técnica, logo abandonada. “Trouxeram uma
enorme máquina de vento, que foi ligada no mínimo para não criar uma
tempestade de poeira”, lembrou Woods. “Eles a alimentaram com uma
enorme quantidade de gelo seco, que era colocado na entrada de ar, para
soprar ar frio no estúdio.” A diferença de temperatura, porém, logo fez as
lâmpadas explodirem, e com vidro chovendo no céu africano, Kubrick
mandou retirar o aparelho. Os homens-macacos de Richter teriam que
suportar condições climáticas reais de deserto.

***

Além do calor, um dos problemas que logo surgiram quando Richter e seu
grupo começaram a filmar naquele mês de agosto foi a quase asfixia. As
bocas altamente realistas de Freeborn e suas línguas prênseis mantinham os
atores praticamente vedados dentro das máscaras, como Bill Weston em seu
capacete espacial — ao mesmo tempo, seus movimentos exigiam grande
esforço físico. Em consequência, o acúmulo de CO₂ era imediato. “Você
começa a morrer”, Richter lembrou. “É como estar na zona da morte no
Everest. No instante em que você põe a máscara e as luzes acendem, você
começa a morrer. Você realmente só tem alguns segundos até parar de
funcionar.”
Equipes de enfermeiros ficavam de prontidão nas áreas periféricas para
o caso de os atores desmaiarem. Cada homem-macaco tinha que tomar
pastilhas de sal duas vezes por dia. Foram usados tanques de oxigênio para
injetar ar nos trajes e máscaras entre as tomadas, com resultados
insignificantes. As máscaras não deviam ser usadas por mais do que dois
minutos seguidos, e embora fossem facilmente removíveis, na prática era
impossível tirá-las de dois em dois minutos durante a filmagem. Pedaços de
mangueira rígida foram fragmentados e usados para manter as bocas abertas
entre as tomadas, permitindo a entrada de um pouco de ar. Por fim,
Freeborn projetou “um aparato de respiração especializado […] fazendo o
que chamo de schnoggle, uma tampinha especial em formato de concha que
encaixava nas narinas deles, mas era ligeiramente menor do que o nariz —
e tinha dois pequenos tubos que entravam nas narinas […]”. Isso permitia
que a expiração fosse eliminada, melhorando parcialmente o problema. Mas
a inovação veio meio tarde, e na maior parte da Aurora do Homem, o bando
de homens-macacos de Richter pulava para lá e para cá quase em agonia, à
medida que o CO₂ se acumulava e suas células vermelhas transportavam
cada vez mais gás carbônico — e cada vez menos oxigênio — até seus
músculos ficarem tensos.
O homem-macaco David Charkham lembra-se claramente de filmar a
cena em que a tribo de Moonwatcher acorda diante do surgimento
misterioso do monólito e corre para investigar. “Nós tínhamos que acordar,
correr e pular, e aí eu tinha que ir até a pedra e me acalmar, reduzir o ritmo.
Eu estava respirando com dificuldade e minha cabeça latejava. Tinha que
estender a mão e tocar a pedra, e sabe, foi muito difícil. Foi tão difícil não
desmoronar, simplesmente, naquele momento. E ainda iniciar movimentos
contidos e delicados.”
O toque de Charkham no monólito foi incorporado somente depois que
o diretor orientou Richter a fazê-lo. Como a Aurora do Homem foi filmada
inteiramente sem som — em MOS —, Kubrick e Richter conseguiam se
comunicar. A voz de Richter saía de trás da máscara, algo que ele conseguia
fazer sem mover a face de Moonwatcher. Kubrick não avisou Richter que,
nove meses antes, havia pedido a um William Sylvester em traje espacial
para estender a mão enluvada e tocar o monólito no cenário da Anomalia
Magnética de Tycho.
“Eu tinha que ficar de cócoras, e isso cansa muito”, Richter recordou. “E
tinha que controlar meu corpo para que as pernas não tremessem […]. Eu
estendi a mão e sabia que a câmera estava aqui, então não toquei a pedra de
fato; parecia que eu estava tocando, mas não toquei, porque minhas mãos
estavam muito sujas. Eu sabia que haveria muitas tomadas e não queria
começar a sujar a pedra.” Quando viu isso, Kubrick disse imediatamente:
“Não, não, eu preciso que você toque nele”. Ainda no personagem, a voz
abafada de Richter saiu de trás de sua máscara: “Mas vai sujar”. “Não tem
problema”, disse Kubrick, “eles limpam.” Mais tarde, ele mostrou a Richter
a gravação do monólito lunar com Sylvester e disse que queria tentar
igualar aquele gesto humano instintivo.
O animador Colin Cantwell, que tinha chegado após uma contratação
tardia vindo da Graphic Film, em Los Angeles, assistiu à filmagem da cena
do monólito. “Ele estava orientando Dan”, Cantwell recordou sobre
Kubrick. “Só olhando o cenário e de vez em quando falando algo em voz
alta, sabe, ‘Agora se afasta […] Isso!’. Era tão extraordinário e revelador.
Naturalmente, a interpretação de Dan era extraordinária, de altíssimo nível
[…]. E tudo sem falar uma única palavra. Dizer que dava arrepios é muito
pouco […].” Ele riu. “A intensidade daquilo é algo que faz a vida valer a
pena.”

***

Nenhum dia de filmagem foi mais carregado de ansiedade do que a cena do


ataque do leopardo, que se passava em um leito de rio seco e foi rodada no
dia 18 de setembro. Como a sequência da Aurora do Homem havia sido
adiada, o treinador de animais Terry Duggan lutava para dominar o
leopardo fazia quase um ano, e tinha estabelecido uma amizade tranquila
com o animal. No entanto, sempre que trabalhava com o bicho, ele tirava
sua aliança de casamento. O leopardo não tinha as garras aparadas, e ele
queria evitar que uma delas se prendesse à aliança — situação
potencialmente perigosa. Também usava sempre um grosso casaco do
Exército, para que arranhões inesperados acertassem o casaco e não sua
pele.
Embora o leopardo conhecesse Duggan bem, nunca o vira em um traje
de homem-macaco. Muito menos conhecia Richter, que havia concordado
em participar da cena — não sem uma boa dose de apreensão. O felino
tampouco tinha qualquer experiência com estúdios de cinema, com seus
cenários de luzes brilhantes, equipes agitadas, montes de holofotes e
instruções sendo gritadas. Além de algumas árvores kokerboom produzidas
pela MGM e colocadas nas margens do rio morto, o cenário continha uma
encosta escarpada do lado esquerdo. O animal foi posicionado no alto. Um
Duggan agora peludo, em seu traje de macaco, fuçava a terra à sua frente.
Atrás dele estava Richter de cócoras, também fuçando. Na versão de
lançamento do filme, outros homens-macacos preenchem a cena, mas, por
terem se recusado a participar da filmagem real, eles foram filmados
separadamente e acrescentados depois por meio de uma minuciosa
rotoscópio.

[80] Terry Duggan trabalhando com o leopardo.

Alguém disse, talvez convenientemente, que a equipe inteira do filme


estava atrás de uma barreira de segurança durante a filmagem do ataque do
leopardo. Stuart Freeborn e sua esposa Kathleen, que estavam ambos
presentes, porém, tinham uma lembrança um pouco diferente quando
discutiram a cena com Dan Richter em 1999:
“Eu me pergunto se vocês se lembram de alguma coisa daquela cena”,
Richter indagou.
“Sim”, disse Kathleen. “Eu me lembro do leopardo no estúdio, na
verdade…”
“É”, disse Richter. “E a gente tomou alguma precaução especial, você se
lembra?”
“Não”, disse Kathleen. “Só para o Stanley. Ele tinha uma jaula.”
Nesse ponto, Stuart entra na conversa. “Ele ficou em uma jaula, é
mesmo. Estranho, né?”
“Ele foi o único que ficou na jaula”, Kathleen continuou. “Ninguém
mais tinha nada.”
“Como era a jaula?”, perguntou Richter.
“Era tipo uma jaula de leão, sabe?”, disse Kathleen.
“Era meio arredondada em cima e descia reta”, lembrou Stuart. “Ele
dirigiu de dentro da jaula.”
Quanto a Richter, ele se lembra claramente de que “todos estavam muito
nervosos porque pensaram, porra, Stanley está dentro de uma jaula, para ele
não tem problema nenhum”. Antes de tentar uma tomada, Duggan lutou um
pouco com o animal, para que ele percebesse quem é que estava no traje.
Também tranquilizou Dan, que estava irritado; se qualquer coisa
acontecesse, ele cuidaria do assunto.
“Eu me lembro de estar muito nervoso, porque eu tinha que estar no
meio de campo”, disse Richter — a meio caminho entre o leito seco do rio e
Duggan. Depois de um começo que não valeu, porque o leopardo, confuso
pelas luzes do filme, não saiu do lugar, eles tentaram outra vez. Dessa vez,
ao grito de “ação”, o leopardo saltou da encosta sobre Duggan como
planejado — mas então o animal reparou em um elemento novo e
interessante: um segundo homem-macaco. Abandonando Duggan, ele
começou a ir na direção de Richter. “Se você já teve um leopardo
caminhando na sua direção com aquele olhar, vou lhe dizer uma coisa: é
desconcertante”, disse Richter. “Eu sabia, ‘não corra’. Eu confiava em
Terry. Terry disse: ‘Não se preocupe, eu cuido disso’. Ele levantou com um
salto, mergulhou, agarrou o leopardo e rolou pelo chão com ele e não sei o
que mais, e eu caí fora.” Perguntado se aproveitou para sair correndo, já que
o animal estava ocupado com outra coisa, Richter negou: ele simplesmente
se moveu rapidamente para um lugar seguro, porque não quis chamar a
atenção do bicho de novo.
A tomada não pôde ser usada, e agora o leopardo sabia que Richter fazia
parte da cena. Mas eles tentaram novamente, com a adrenalina bombeando
no sistema de Dan. Embora ele não estivesse sozinho naquilo, certamente
tinha muitos motivos para temer. Os assistentes de Duggan levaram o
animal de volta para a encosta e eles começaram a filmar. Dessa vez, o
leopardo caiu sobre Duggan como planejado, virou com ele sobre o leito
empoeirado do rio, agachou-se enquanto seu conhecido parceiro de lutas
tentava se afastar, pulou sobre ele e virou-o no chão de novo. Foi perfeito.
Kubrick gritou: “Corta!”. Então: “Ok, é isso”. Eles tinham terminado.
Surpreso, Richter — agora totalmente dentro do espírito da cena — saiu
do cenário e se aproximou da jaula de Kubrick. Estava aflito, achando que
as reações de Duggan não tinham sido convincentes o bastante. “Eu estava
preocupado porque Terry não parecia um macaco”, recordou. “Talvez
possamos trabalhar seus movimentos mais um pouco.” Kubrick foi
categórico: “Olha, eu já consegui o que precisava, então está tudo ok”,
disse.
Instado a avaliar o estado de espírito do diretor naquele momento,
Richter refletiu por alguns instantes e disse: “Acho que Stanley estava com
medo, acho que quase todas as pessoas no estúdio estavam nervosas […].
Acho que ele temia porque a situação era perigosa para as outras pessoas.
Podia acontecer alguma coisa capaz de acabar com o filme — se alguém
morresse ou ficasse seriamente ferido. O filme já tinha problemas de sobra.
Ele queria fazer sua tomada e encerrar o assunto.”
No dia seguinte, todo mundo correu para o Teatro Três para assistir à
cena. Sem que ninguém tivesse se dado conta, a luz brilhante do sistema de
projeção frontal de Tom Howard havia se refletido nos olhos do leopardo,
brilhando na lente de câmera durante a filmagem. “Que droga é essa?”,
Kubrick exclamou, levantando-se de um salto. Eles passaram a tomada
novamente. O brilho nos olhos do felino duplicava seu aspecto ameaçador à
medida que ele se aproximava para matar a presa.
Kubrick não conseguia conter sua alegria. “Ele ficou saltitante, deliciado
com a sorte daquele acaso”, lembrou Richard Woods.
***

Uma das tentativas mais engraçadas de produzir uma cena pré-histórica


totalmente verossímil veio depois que Kubrick pediu a Freeborn para
produzir fêmeas de homens-macacos que pudessem amamentar seus bebês
diante da câmera. As mães seriam representadas pelos machos menores de
Richter, ainda que equipados com convicentes seios simiescos de uretano.
Os filhotes, é claro, teriam de parecer igualmente autênticos. A primeira
ideia de Freeborn era produzir um “boneco maleável como Gumby” — um
bebê australopiteco de borracha de espuma, com fios no interior do corpo
para fazê-lo simular os movimentos da amamentação. Mas ele desconfiou
que Kubrick rejeitaria aquela solução, porque “era trapacear — e Stanley
não gostava de trapacear —, então eu sabia que tinha de ter outra carta na
manga. Pensei que talvez pudesse usar filhotes de chimpanzés — cobrindo
suas orelhas enormes com orelhas de aspecto mais humano e aplicando
maquiagem em suas caras rosadas”, lembrou. “Eu não queria apresentar
essa ideia primeiro, mas se Stanley recusasse o boneco, eu lhe diria que a
única alternativa era maquiar filhotes de chimpanzés, supondo que
conseguíssemos arranjar um filhote de chimpanzé para fazer aquilo.”
Resolvida a cena do monólito, Kubrick chamou Freeborn. “Ah, por falar
nisso”, ele disse, “espero que você não tenha esquecido, mas daqui a duas
ou três semanas vamos chegar às sequências com famílias, e queremos ver
os filhotes mamando no peito das mães. Como você vai fazer isso?”
Freeborn descreveu o plano com os bonecos de borracha. “Mas isso não
adianta”, Kubrick disse. “Eu quero vê-los mamando no peito.”
“Bom, tenho outra ideia”, disse Freeborn, sem se abalar. “Pode ser que
dê problema, não sei. Mas, veja, preciso conseguir maquiar alguns bebês
chimpanzés de verdade.”
“Ótimo”, disse Kubrick. “Gosto da ideia. Como é você que vai fazê-los
mamar no peito?”
“Bem, posso colocar um pouco de mel nas tetinhas de borracha e eles
vão chupar”, respondeu Freeborn.
“Não, isso não serve”, Kubrick disse. “Eles vão chupar o mel muito
rápido. Eu quero vê-los realmente mamando.”
“Ah, entendi”, disse Freeborn. “Você quer peitos que funcionem
mesmo.” Ele não estava surpreso.
“Sim”, disse Kubrick, satisfeito por mais uma vez ter apresentado um
desafio à altura das habilidades de Freeborn.
“E lá estávamos nós, mergulhando cada vez mais fundo”, recordou o
mago da maquiagem. Mas, como em todas as outras demandas do diretor,
Freeborn se pôs a fazer o que ele queria. “Consultei todos os meus livros de
referência, mas não encontrei nenhuma fêmea de chimpanzé que estivesse
amamentando, no ato de amamentar filhotes. Eu sabia que, para fazer
aquilo, eu teria de enganar os diabinhos.”

O seio tinha que ter a aparência e a textura certas; a ação mecânica e o


fluxo do leite tinham que ser exatos; o gosto, o cheiro e a consistência
do leite tinham que ser perfeitos. Ainda por cima, o leite não podia sair
quando a gente não quisesse, mas só quando os bebês sugassem o seio.
Mas que diabos sabia eu do funcionamento dos mamilos de uma fêmea
de chimpanzé de verdade? Pensei, meu Deus, como vamos reproduzir
isso tudo com espuma de borracha, plástico ou qualquer outra coisa, e o
leite também seria um problema. E eu precisaria repor o leite quando
acabasse, o que seria outro problema.

Ainda refletindo sobre o assunto — não só refletindo, mas também


cozinhando espuma de uretano em moldes para fazer bolsas de leite em
formato de seios, com mamilos, cinco furos por mamilo —, Freeborn ligou
para Mary Chipperfield, do Circo Chipperfield, o mesmo que tinha
fornecido Terry Duggan e seu leopardo travesso. Compartilhou a questão
com ela, e em pouco tempo conseguiu dois filhotes de chimpanzés
emprestados e dois treinadores. Vestiu os treinadores com seus novos trajes
de fêmea de macaco, com seios artificiais cheios de leite, e depois de
algumas semanas, os bebês estavam mamando amistosamente nos seios de
suas novas amas de leite. De repente, o filme profundamente masculino de
Kubrick tinha se tornado maternal de uma maneira tocante. Pelo menos, nos
bastidores.
Mas os bebês chimpanzés ainda tinham caras cor-de-rosa, e suas orelhas
eram grandes demais. Entre uma sessão de amamentação e outra, Stuart e
Kathleen andavam com os pequenos Tommy e Johnny pelo estúdio de
Freeborn, e todos passaram a confiar completamente uns nos outros. Assim,
quando chegou a hora de fazer a maquiagem para escurecer o rosto, eles
ficaram sentados “muito quietinhos”, lembrou-se Stuart; também
aguentaram, sem reclamar, a colocação das orelhas de espuma flexível. Ao
serem soltos, porém, “eles foram diretamente para a frente um do outro e se
puseram a lamber a maquiagem, que começou a sair”, disse ele. “Eles
adoraram o gosto daquilo. Então a gente tinha que dar uma palmadinha nos
traseiros deles quando faziam aquilo, pegá-los e reaplicar a maquiagem. Aí
eles voltavam imediatamente para a frente um do outro e recomeçavam a
lamber tudo. Palmadas nos traseiros de novo. Mas, por fim, eles
aprenderam a não lamber a maquiagem.”
Até aí, tudo bem. Os filhotes de chimpanzés estavam bem treinados,
amistosos, de cara preta, de orelhas pequenas para os close-ups e sedentos
por leite. Freeborn também tinha criado uma maneira fácil de encher
novamente os peitos de suas fêmeas lactantes, utilizando “uma dessas
seringas que eles usam para vacinar vacas, bem grande, com uma agulha
ultrafina”. Chegou o dia — por acaso, uma segunda-feira — de filmar a
cena da amamentação. Stuart injetou o leite, fez cócegas nos chimpanzés,
acompanhou as mães (agora representadas pelos dois bailarinos mais baixos
do grupo de Dan Richter) e os bebês até o Palco 3. Para seu desânimo,
descobriu que Kubrick tinha decidido filmar outra coisa naquela manhã.

Em vez de amamentar os filhotes, ele colocou os atores para pular e


rolar pelo chão — o que fez o leite talhar nos peitos artificiais. Para
completar, começou a ficar muito, muito quente, e o leite se separou em
manteiga e um líquido aguado. Depois de algum tempo, quando os
macacos pulavam, o leite esguichava dos mamilos. Stanley,
naturalmente, não viu graça naquilo. Disse: “Ah, meu Deus, isso não
está bom. Tirem eles daqui”. Então tive que levar as mães de volta para
minha oficina, limpá-las e recarregá-las com leite. Voltamos para o
palco, Stanley os filmou e tudo correu muito bem — mas, é claro, foi
tudo cortado. Você vê um bebê indo na direção de um peito, mas é só
isso. No fim das contas, não havia necessidade nenhuma daquele
trabalho. Mas a gente tem sorte se conseguir que aproveitem ⅓ do nosso
trabalho. Reconhecemos que é assim que as coisas são — esse é o nosso
trabalho. Eles aproveitam ⅓ dele […]. E essa é uma história real.

Além da breve aparição de um filhote de chimpanzé virando o focinho na


direção do peito de sua mãe, na escuridão de sua caverna, os pequenos
Tommy e Johnny mereceriam sua própria tomada em 2001: Uma odisseia
no espaço. Lá estão eles examinando um ossinho com grande curiosidade
enquanto os mais velhos reviravam a carne crua que, sob a liderança de
Moonwatcher, de repente se tornara disponível em grandes quantidades. O
leite não seria mais necessário.

***

Certo dia, no final de setembro, Dan Richter e sua esposa Jill foram
convidados para jantar na casa de Kubrick em Abbots Mead, e assistir a
uma projeção da nova comédia de horror de Roman Polanski, A dança dos
vampiros, aquele com a cena do banho de espuma, que Birkin bisbilhotara
das vigas do estúdio no ano anterior. Polanski estava lá, mas Tate, com
quem ele se casaria logo, ficara em Los Angeles. Richter observou que o
pequeno diretor polonês estava “um pouco nervoso” com o que Kubrick
pensaria de seu último trabalho. “Ele não precisa ficar nervoso, o filme é
ótimo”, Richter escreveu. “Todos rimos muito com as piadas
intermináveis.”
Mais tarde eles tomaram café, e Christiane colocou cubos de açúcar
multicoloridos sobre a mesa. Polanski e Richter começaram a tagarelar
sobre como o açúcar poderia ganhar aquela aparência se eles estivessem
viajando de ácido, e como os cubos de fato se pareciam com pequenos
cristais de LSD. Vendo que o anfitrião não fazia qualquer comentário,
Polanski perguntou a Kubrick se ele já havia usado drogas. Ele respondeu
que nunca tinha usado e nunca usaria — não porque tivesse algum
problema em ficar doido, mas porque, desconhecendo a fonte de seu
próprio talento criativo, tinha medo de perder o contato com ela e nunca
mais recuperá-lo. Polanski respondeu que, pelo contrário, as drogas na
verdade estimulavam o processo criativo, e encorajou Kubrick a
experimentar, qualquer hora. Richter observava o diretor discretamente. Em
ocasiões sociais anteriores, ele havia reparado que Kubrick parecia pouco à
vontade, como se tivesse desconfortável quando não estava no comando.

Fico impressionado com a solidão de um grande artista como ele — não


apenas um talento precioso que pode ser perdido, mas também o fardo
de ter que usá-lo bem. Stanley sabe o quanto seu trabalho é importante, e
sei que lhe dá muita alegria e satisfação ser um bom comandante e fazer
seu trabalho muito, muito bem.

Em um conjunto de notas preparatórias, elaboradas oito semanas antes de


filmar a Aurora do Homem, Kubrick refletia sobre a mensagem central da
sequência. “O ser humano emergiu do passado antropoide por um único
motivo: por ser um assassino”, escreveu. “Há muito tempo, talvez milhões
de anos, uma linha de macacos assassinos surgiu de um contexto de
primatas não agressivos […]. Aprendemos a ficar eretos antes de tudo
porque era uma necessidade da vida de caçadores […]. E por nos faltarem
dentes ou garras para lutar, por necessidade, recorremos à arma.”
O momento em que Moonwatcher percebe que o pesado fêmur do
esqueleto de uma zebra poderia se transformar em uma arma foi filmado no
mesmo leito seco de rio onde o ataque do leopardo fora rodado uma semana
antes. O imenso projetor dianteiro tinha sido carregado por dois homens
com máscaras e luvas cirúrgicas, para minimizar quaisquer chances de
surgirem impressões digitais ou condensação na transparência de 20 × 25
cm das colinas distantes e do céu nublado do Namibe.
Richter sabia que Kubrick fazia tantas tomadas, entre outras coisas,
porque a cada uma descobria significados na cena e aprendia algo novo. Ele
comparou o processo ao de um pintor trabalhando em um quadro: “Bem,
vou acrescentar um pouco de vermelho aqui”. Ele entendia que às vezes
eles levavam o dia todo para filmar um plano geral, sem fazer um único
close-up, “porque ele aprenderia, e criaria, e construiria algo que um diretor
menor não levaria até o fim, ou se contentaria com menos”.
Meses antes, Richter sentira que tinha feito contato com os antepassados
da humanidade no Museu de História Natural de Londres quando Maurice
Wilson deixou que segurasse moldes e fósseis genuínos de ossos do
Australopithecus africanus. Agora, ele precisaria transmitir outro tipo de
epifania, também segurando um osso. Estava enfrentando um dos maiores
desafios da sequência: expressar a forma como Moonwatcher começa a
reconhecer que os ossos que estava fuçando poderiam ter um uso nunca
imaginado. Olhando para a câmera, ele viu, através do vidro angular do
sistema de projeção frontal, que Kubrick tinha escolhido usar uma lente de
85 mm. Isso significava que ele estava sendo enquadrado em plano médio.
E, como sempre, cada movimento seu seria ampliado pela enorme tela
Cinerama.
Era um dos maiores problemas de interpretação que ele tinha para
resolver, e podia atacá-lo de diferentes maneiras. Consciente da lente,
escolheu representar a primeira parte da cena como uma série de pequenas
percepções que iam se desenrolando conforme contemplava o esqueleto,
cada uma expressa por uma mudança sutil no ângulo de sua cabeça. Sutil,
mas inconfundível, o gesto que transmite o surgimento de uma percepção
teve como base toda a experiência anterior do performer. “Tentei fazer o
menos possível, mas ainda assim fazer a coisa acontecer”, recordou ele.
“No momento em que a ideia surge na minha cabeça, há muita coisa para
lidar, ali. Eu não podia simplesmente pegar um osso e quebrar alguma coisa
com ele, porque nem sei o que é uma arma. Como segurar o osso? Qual é a
sensação? Qual é o cheiro? Não há contexto para aquilo. Eu não quero
simplesmente ir direto ao ponto.”
Keir Dullea considera o desempenho de Richter nessa cena o seu
momento favorito do filme. Arthur C. Clarke comentou, em sua introdução
ao livro de Richter: “Aquele momento congelado no começo da história —
quando Moonwatcher, prenunciando Caim, pega o osso pela primeira vez e
o examina pensativamente, antes de balançá-lo de um lado para outro com
crescente entusiasmo — nunca deixa de encher meus olhos de lágrimas”.
Ao pegar o osso, Richter cheira-o rapidamente e então começa a batê-lo,
meio hipnotizado, nos fragmentos do esqueleto. Alinhados com o feixe
refletido da projeção frontal, tanto a câmera quanto Kubrick estavam
razoavelmente próximos, e Dan conseguia se comunicar com o diretor
enquanto fazia a cena. Em uma das primeiras tomadas, ao bater no
esqueleto, uma costela voou no ar. “Ah, desculpe”, disse Dan por trás da
máscara. “Não, não”, disse Kubrick, “vá em frente, parece bom. Continue
fazendo isso. Continue fazendo isso.” E Dan continuou, batendo com força
nos ossos menores ao seu redor em um crescente frenesi de violência
liberada. Por fim, ficou em pé e bateu com o osso no centro de um enorme
crânio — tudo dentro do enquadramento fixo que a técnica de projeção
frontal exigia, com as margens secas do rio morto atrás.

***

Todas as manhãs a equipe de Richter ia para o Teatro Três assistir às


imagens de seu trabalho do dia anterior. Apareciam já vestidos com os
trajes, maquiagem em torno dos olhos, sem as máscaras. Kubrick sempre se
sentava na frente, segurando o pequeno controle manual que o projecionista
tinha arrumado para ele depois de semanas de constantes interrupções do
diretor, exigindo que o foco fosse mudado. Conforme seu trabalho ia se
revelando na tela, os homens-macacos permaneciam nos personagens,
saudando os comentários críticos de Kubrick com guinchos estridentes de
desaprovação, e os positivos com gritos agudos de alegria.
Ao assistir à cena de Richter no leito seco do rio, porém, todos ficaram
em silêncio. Dan interpretara com perfeição, até o final, quando esmaga o
crânio, o que funcionara como um eufórico crescendo visual. Embora
soubesse que o material era bom, Kubrick concluiu que não estava
satisfeito. Instintivamente, quis elaborar ainda mais sobre o que havia
conseguido. Aquele era o momento decisivo e essencial da Aurora do
Homem. Ele queria chegar mais perto e filmar de um ângulo baixo. Queria
ver o braço de Dan segurando a arma por baixo, em câmera lenta, com o
céu acima — duas coisas impossíveis de conseguir com a técnica de
projeção frontal, que exigia que a câmera permanecesse rigorosamente
alinhada ao enorme projetor.
De todo modo, mesmo se conseguissem o luxo de mudar a câmera para
um ângulo baixo no estúdio, a câmera lenta exigia mais quadros por
segundo, o que, por sua vez, exigia mais luz por quadro — e eles não
podiam aumentar a luminosidade sem derreter a transparência com a
paisagem africana do fundo. O projeto de pesquisa cinematográfica tinha
alcançado todos os limites do que era possível fazer com a técnica de
projeção frontal. Mais tarde, naquele mesmo dia, Kubrick pediu ao
coordenador de produção Ernie Archer para preparar uma plataforma
elevada alta o suficiente para possibilitar uma tomada de Richter em ângulo
baixo. Ela tinha de ser grande para comportar areia, cascalho e ossos em
todo o primeiro plano. Eles esperariam até que os céus de Londres
parecessem razoavelmente semelhantes ao dia nublado que se via na
transparência do fundo, e filmariam na área externa do estúdio.
Agora que Moonwatcher descobrira que o osso poderia ser usado como
arma, o roteiro indicava que ele e sua tribo começariam a andar eretos e
comeriam carne pela primeira vez. Novamente, Kubrick recorreu a seu
mago da maquiagem. “Ah, tudo bem, eu faço uma carne falsa”, disse
Freeborn, algo apreensivo. “Não pode ser carne de verdade, porque a
gordura destruiria a borracha de espuma.”
“Não, eu quero carne de verdade”, reagiu o diretor, como seria de
esperar.
A nova demanda forçou Freeborn a projetar um rosto novo para a
máscara, mais fácil de destacar. Quando os atores de Dan mastigavam a
carne crua, a gordura fazia as máscaras de homem-macaco incharem quase
imediatamente. (Às vezes, também penetrava por pequenas frestas e
esguichava no rosto dos atores, o que era bastante desagradável.) Cada
máscara nova exigia cerca de oito horas de trabalho, e Freeborn foi forçado
a organizar sua equipe em três turnos, trabalhando 24 horas por dia, só para
acomodar a cena dos carnívoros — muito embora a carne falsa que havia
produzido antecipadamente fosse cem por cento convincente.
Mesmo sem a carne, a espuma de borracha das máscaras absorvia a
oleosidade da pele dos atores suarentos, que trabalhavam como escravos, e
ficavam “bem fedidas na manhã seguinte”, recordou Freeborn. Depois de
um pouco de tentativa e erro, ele desenvolveu um método de limpeza com
ozônio: um espaço com uma máquina que produzia o gás, exclusiva para
desodorizar e desinfetar as roupas. “Dava para tirar a parte de borracha e
virá-la do avesso — ficávamos com o avesso dos rostos de todos os atores,
aquelas caras de macaco viradas, penduradas em ganchos, lado a lado, na
sala especial”, disse. Ventiladores nas janelas faziam o ozônio passar pelas
máscaras. “Durante a noite o gás matava os germes e as limpava tão
completamente que no dia seguinte estavam novas em folha.”
As únicas cenas que exigiam todo o contingente de homens-macacos
eram os confrontos entre os dois bandos que disputavam uma cacimba. Elas
foram feitas no maior cenário construído para a Aurora do Homem, que
tinha como pano de fundo irregular das montanhas de Spitzkoppe e que
acomodou cenas de batalha envolvendo vinte atores que pulavam e
berravam. Embora não fosse evidente, a menos que se olhasse bem de
perto, durante o segundo confronto — aquele que ocorre depois que
Moonwatcher descobre o osso como arma — Richter e alguns homens-
macacos de seu bando caminham eretos pela primeira vez, enquanto seus
antagonistas, que desconheciam as armas, permanecem quadrúpedes.
Àquela altura, Woods — cujo personagem One Ear seria espancado até a
morte com o fêmur-arma de Moonwatcher — já estava sofrendo de bursite.
Suas pernas tinham ficado dolorosamente inchadas devido aos pulos e
agachamentos das semanas extenuantes de filmagem. Agora seu sofrimento
teria fim com um golpe no pescoço, o que, por sua vez, exigia um osso
grande e reto o suficiente para parecer letal, mas leve o bastante para não
“acabar comigo” de verdade, lembra ele, “porque eles acharam que isso não
pegaria muito bem”.

[81] Dan Richter como Moonwatcher.

Depois de muitas tentativas, Freeborn finalmente construiu um osso em


torno de um pedaço de bambu leve e rígido o suficiente para dar conta do
recado. “Mas vou lhe dizer uma coisa, doeu pra cacete”, contaria Woods a
seu velho antagonista, Dan Richter, mais de três décadas depois. “E pelo
que me lembro, foram 32 tomadas. Sabe como é, fizemos de frente, por
trás, dos lados […].”
Ao final daquele dia sádico de produção, após Woods ser erguido do
chão poeirento pela última vez, e depois que ele e a tribo de Richter se
arrastaram de volta para seus camarins desgrenhados e exaustos, Kubrick
pediu a seu homem-macaco alfa vitorioso e assassino que ficasse para mais
uma cena. Enquadrando-o em um plano mais fechado do que as cenas de
batalha que acabavam de filmar, ele pediu a Richter que jogasse seu osso
triunfantemente para cima, diante do céu africano de milhões de watts.

***

Com a Aurora do Homem filmada, Derek Cracknell levou todos os


homens-macacos para o campo, o mais longe possível de ruídos de motores
e sinos de igreja, e gravou-os guinchando, uivando, gritando e murmurando.
Ao perceber, irritado, que o crocitar de um bando de corvos estava
interferindo em sua sessão, Cracknell pegou uma espingarda emprestada de
um fazendeiro local e atirou para o céu para tentar assustá-los. Não
funcionou — os corvos simplesmente viravam a cabeça e olhavam para seu
esforço com perplexa curiosidade. No fim, eles conseguiram o que tinham
ido buscar. Todos os sons que Moonwatcher, One Ear e suas tribos
pululantes e barulhentas emitem em 2001: Uma odisseia no espaço foram
produzidos pelos próprios atores — uma confirmação auditiva da ligação
genética profundamente íntima entre o Homo sapiens e seus antepassados
distantes.
Em seguida, todos foram dispensados, exceto Dan. Em parte porque
Kubrick estava à espera de nuvens carregadas perfeitas para fazer sua
tomada de Moonwatcher esmagando os ossos em ângulo baixo, e em parte
porque ele gostava de ter Dan por perto e achava que encontraria algo útil
para o ator fazer.
Embora tenha falado da “bela transição do homem-macaco para 2001”
nas anotações que enviou a Clarke, não está claro se Kubrick já pensava em
combinar a tomada do osso arremessado para o alto por Moonwatcher com
a imagem de uma bomba nuclear em órbita — uma transição épica, que
cobre 4 milhões de anos. Mas Richter desconfia seriamente que uma das
transições cinematográficas mais extraordinárias já vistas na tela teve
origem naquele golpe que ele deu nos ossos no Palco 3 no dia em que
filmaram sua epifania no leito do rio, fazendo uma costela de javali voar
pelos ares sem querer. “O ponto-chave nisso tudo — e que nos dá um
insight sobre o gênio de Stanley — é que ele pegou aquele pequeno
incidente, que pensei a princípio ser um erro, uma falta de sorte, e o
transformou em um dos grandes momentos da história do cinema.”
No dia 20 de setembro de 1967, Dan Richter, Stanley Kubrick e uma
pequena equipe foram para a área externa nos fundos da MGM sob um céu
de nuvens cheias e perfeitas. “Os carpinteiros construíram uma pequena
plataforma retangular em um campo, a pouco mais de um metro e meio do
chão”, escreveu Richter. “Elevada sobre um verdejante campo inglês a
algumas centenas de metros da rua, ela foi coberta com uma pequena faixa
de deserto de poucos metros de largura. No fundo, passam ônibus, carros e
pessoas de bicicleta […]. Eu me senti estranhamente nu quando subi os
degraus pela primeira vez. Estou sozinho naquele pequeno pedestal […].”
Conhecendo a propensão de Kubrick para as tomadas múltiplas, o pessoal
da cenografia tinha adquirido em um matadouro local uma quantidade
aparentemente infinita de ossos e crânios de cavalos.
Nas primeiras tomadas, Richter estava um tanto hesitante, incomodado
com a plataforma estreita. “Joga esses ossos para os lados, Dan”, Kubrick
gritou. “Corta — dá para colocar um pouco mais de energia nisso?” Richter
respondeu que estava se aquecendo e que tinha medo de cair. Ele não
enxergava tão bem com a máscara quanto gostaria, e as lentes de contato
coloridas não ajudavam. Escolheu pontos de referência no chão para ajudá-
lo a se orientar, e aos poucos encontrou seu caminho na cena. Logo os ossos
de costela estavam voando por toda parte, em todas as direções, conforme
batia neles. “Filmamos e filmamos, tomada após tomada”, contou Richter.
“Esmaguei um monte de crânios naquele dia. É claro que Stanley estava
tentando entrar no momento, penetrá-lo, arrancar cada pequena porção de
energia da cena e então, de alguma forma, encontrar a chave da sua porta e
passar para um espaço maior […]. Está muito claro que tudo que filmamos
até agora termina aqui, nesta plataforma, neste campo.”
Recém-chegado do Ceilão, de onde trouxera novos rascunhos da
narração do filme, Arthur C. Clarke estava visitando Borehamwood naquele
dia. Ficou assistindo fascinado, à medida que a visão que ele e Kubrick
compartilhavam materializava-se em ação real e a cena era rodada. Foi a
única parte da Aurora do Homem que ele viu ser filmada, e a única
sequência de toda a produção que foi filmada do lado de fora do estúdio. De
vez em quando eles tinham de fazer uma pausa para que um avião passasse,
mas, na maior parte do tempo, o céu se manteve no personagem — um bom
complemento para aquela manhã parcialmente nublada no sudeste da África
que Pierre Boulat fotografara meses antes. Exatamente uma semana mais
tarde, Kubrick faria várias tomadas de uma anta morta caindo sobre a
plataforma coberta de areia, que depois usaria para inserir na cena, em uma
série rápida de cortes que enfatizam as consequências da fúria orgiástica de
Moonwatcher.25
Depois que dúzias de crânios de cavalos haviam sido esmagadas e
estavam em pedacinhos, “por fim, Stanley ficou satisfeito, e enquanto
caminhava de volta para o estúdio, começou a jogar ossos para cima”,
Clarke escreveu. “A princípio, pensei que aquilo era pura joie de vivre, mas
aí ele começou a filmá-los com uma câmera portátil — o que não era
exatamente fácil. Uma ou duas vezes, um dos ossos grandes caiu
rapidamente e quase atingiu Stanley enquanto ele olhava pelo visor […].”
Obviamente, as tomadas não ficaram satisfatórias, e depois de filmar a
anta morta no dia 27 de setembro, Kubrick pediu a Kelvin Pike que usasse
câmera lenta para capturar mais imagens de ossos voando para o alto. Velho
amigo e conselheiro diretor, o operador de câmera Bob Gaffney estava
visitando Borehamwood e testemunhou a cena. Junto com Peter Sellers,
Gaffney tinha trazido Terry Southern à atenção de Kubrick quando Dr.
Fantástico ainda estava na etapa de roteiro. Antes disso, ele tinha andado de
carro pela Nova Inglaterra com Kubrick, filmando material para Lolita.
Naquela tarde, Gaffney observou o procedimento com o olhar atento de um
cinegrafista.

Eu estava lá conversando com Arthur C. Clarke. Eles estavam filmando


um osso que voava para o alto, mas o operador de câmera não conseguia
capturar a imagem. É uma tomada muito difícil. Estavam filmando em
alta velocidade. Quando você joga algo para cima, não se sabe até que
altura a coisa vai, porque o cara jogava o osso de uma maneira diferente
a cada vez. Eles atiravam o osso de forma que ele virasse no ar. E aí
você tinha de segui-lo subindo e segui-lo descendo. O operador errou
três ou quatro vezes. Aí Stanley pegou a câmera e conseguiu na primeira
vez, e é essa a tomada que está no filme. Stanley fez a câmera.

Metade do épico elo de transição cinematográfica que liga as partes pré-


histórica e futurística de 2001 foi capturada pelo próprio Kubrick.
Refletindo sobre sua trajetória até chegar àquela plataforma em Elstree,
Richter disse: “O que acontecia é que ele estava chegando àquele corte. O
problema é que precisaria avançar 3 milhões ou 4 milhões de anos,
entende? Se pensarmos sobre isso, é um baita problema. Se você
simplesmente fizer um corte rápido, todo mundo vai dizer: ‘Uau, o que
aconteceu?’”.
Em vez disso, em algum ponto entre aquele osso girando no ar no
estúdio e Kubrick pedindo a Dan para arremessar o osso na direção do céu
africano de Boulat — e, depois ainda, nas tomadas exteriores sobre a
plataforma e sob as perfeitas nuvens inglesas —, Kubrick tinha traçado um
plano. “E eu me vi nessa jornada com esse homem surpreendente”, disse
Richter, “e atravessando esse processo criativo incrível no qual ele não
parava de levar a coisa mais adiante, transformando tudo em algo ainda
mais profundo, mais rico, mais — e então, de repente, nós nos vimos livres
daqueles 3 milhões de anos e simplesmente florescemos no futuro.”

***

Uma década mais tarde, refletindo sobre a experiência de trabalhar com


Kubrick em 2001: Uma odisseia no espaço, Stuart Freeborn mostrou seu
respeito pelo diretor de forma inequívoca. Durante os preparativos para a
Aurora do Homem, ele trabalhava sete dias por semana, “de doze a
dezesseis, e às vezes dezoito horas por dia”, com um domingo de folga a
cada quatro semanas. Mas Kubrick não trabalhava menos, e Freeborn
observou que, conforme as pressões — tanto financeiras quanto de prazo —
aumentavam gradualmente, o lado brincalhão e leve do diretor desapareceu
por completo, substituído por algo mais sombrio e soturnamente decidido.
Consciente de que havia razão para isso, ele fez concessões.

Trabalhávamos até muito tarde, mas eu não me importava com isso,


porque sabia que tinha ali uma oportunidade de fazer coisas que jamais
faria novamente. Nunca mais voltei a fazer coisas como aquelas. E ele
era o homem que arrancaria tudo de mim, como ninguém tinha feito
antes. Como eu mesmo não conseguira fazer. Eu precisava de alguém
assim. E eu sabia que, assim que saísse do filme, teria tanto know-how
que estaria bem à frente de qualquer coisa que tivesse imaginado. E com
essa visão na minha cabeça, não importava o que Stanley fizesse ou
dissesse, eu iria até o fim com ele.
Ainda assim, pelo fato de Kubrick ter exigido sigilo absoluto, Freeborn não
tinha quaisquer ilusões de que a Academia de Artes e Ciências
Cinematográficas reconheceria seu trabalho. De fato, ele nem sequer foi
indicado ao Oscar quando chegou a época. Para piorar a situação, em 1969,
John Chambers recebeu um prêmio especial por seu trabalho em Planeta
dos macacos — uma produção da 20th Century Fox, que havia conduzido
uma operação de espionagem dos homens-macacos de Freeborn em
Borehamwood, e depois tentado discretamente contratá-lo para criar seus
gorilas e macacos do tamanho de seres humanos no lugar de Chambers.
A sondagem não foi bem-sucedida porque o extenso cronograma de
filmagem de Kubrick conflitava com o de Charlton Heston, o ator principal
de Planeta dos macacos — e Freeborn nem sequer considerava a
possibilidade de deixar 2001 antes do fim. Depois do Oscar recebido por
Chambers, Clarke e outros disseram abertamente que Freeborn fora vítima
de seu próprio sucesso: sua colaboração com Richter tinha produzido
homens-macacos tão convincentes que simplesmente se supôs que fossem
reais.
[82] Freeborn com os novos amigos.

Apesar de sua própria experiência com a novela, ele pode não ter
percebido o quanto a tendência de Kubrick para o sigilo também contribuiu
para aquela situação. De qualquer forma, algum tempo depois do
lançamento do filme, Freeborn recebeu uma carta com o endereço do
diretor no remetente — um acontecimento bastante incomum. Ao abri-la,
ele leu: “Acredito que a frustração mútua que ambos sentimos pode ter me
impedido de expressar adequadamente minha admiração pelo que você
realizou em 2001. Acho que você fez coisas que nunca foram feitas antes, e
que talvez nunca sejam igualadas. Você tem minha gratidão e apreço.
Atenciosamente, Stanley Kubrick”.
Freeborn estava ocupado demais trabalhando em outros filmes para
assistir a 2001 quando o filme foi lançado, e só o viu anos depois.
Refletindo sobre como quaisquer aspirações ao Oscar tinham sido
“completamente dizimadas”, pensou consigo: “Tudo bem, ninguém vai
saber disso mesmo. Mas eu sei o que custou — e não existe um prêmio no
mundo por aquilo”.

Mas o prêmio chegou depois de ter feito outro filme, fomos para Nova
York e eu não tinha visto 2001 àquela altura, e estava passando em
Times Square. Eu pensei: “Quer saber? Vou entrar sozinho e assistir”.
Afinal, eu estava tentando não pensar mais naquilo […]. Então fui lá, e a
sequência da Aurora do Homem começou, e os macacos, e eu pensei:
“Ah, não está tão ruim”. Havia uma família americana atrás de mim, e a
mãe perguntou ao pai: “São macacos de verdade?”. Naturalmente, meus
ouvidos ficaram em pé, e o pai respondeu: “Humm. Sim, querida”.
“Como eles conseguiram fazer com que atuassem desse jeito?” “Ah,
querida, eles recebem um treinamento especial.” E aquilo, para mim, o
momento em que ouvi isso atrás de mim, aquilo valeu mais do que
qualquer outra coisa. Aquilo valeu muito para mim. Eu pensei, é isso aí!
Eu consegui. Sensacional. E isso foi um prêmio mais do que suficiente.

23. Kubrick estava se referindo aos importantes pesquisadores das origens humanas e do
comportamento de primatas, ativos em meados dos anos 1960, Desmond Morris, Edward Wilson, e a
pioneira primatóloga britânica Jane Goodall, cujo trabalho foi documentado em filme para a National
Geographic pelo fotógrafo holandês de vida selvagem Van Lawick. [ «« ]
24. Supermodelos da década de 1960, Jean Shrimpton e Leslie Lawson. [ «« ]
25. Uma das antas tinha morrido ao cair da beirada de um palco alto depois de um estouro causado
por pânico, e Kubrick, percebendo uma oportunidade, tinha pedido que o animal fosse congelado
para ser preservado para a cena. [ «« ]
Capítulo 9

Fim de jogo
OUTONO DE 1966 – INVERNO DE 1967-1968

O ser humano, em uma era profundamente técnica, deve alcançar mais disciplina e controle sobre si
mesmo, e assim se tornar mais parecido com uma máquina. Inversamente, a máquina, para se
comunicar com o ser humano e ampliar seus horizontes, precisa se tornar mais humana. E é assim
que a coisa vai.
Stanley Kubrick

A pós-produção, em geral chamada apenas de “pós”, costuma ser um


momento de consolidação. Os ganhos obtidos na produção têm de ser
consolidados e ampliados, sejam quais forem. A equipe diminui. As
categorias profissionais em ação mudam também, de diretor de arte para
editor, de técnico de som para editor de som. O diretor costuma largar a
batuta de maestro e desabar, agradecido, em uma cadeira na sala de
montagem. Todos os fragmentos recém-filmados precisam ser reunidos,
assim como o som, e em geral a trilha sonora é composta nesta fase. Entra
em jogo um fermento criativo totalmente diferente, menos carregado de
energia.
Isso em uma produção normal. E 2001 estava longe de ser normal. O
filme tinha mais de duzentas cenas com efeitos visuais — algo sem
precedentes na era pré-digital. Kubrick e Con Pederson reuniram-se um dia
e concluíram que, para ficar pronta, cada cena exigiria em torno de dez
grandes etapas. Em sua definição, uma “grande etapa” era quando outro
técnico ou departamento tinha de fazer algo significativo pela tomada. Dez
etapas vezes duzentas cenas são 2 mil etapas. Não parece tão absurdo para
um grande filme — até lembrarmos que, naquela produção analógica,
prevalecia uma situação semelhante ao jogo “Serpentes e Escadas”, o
mesmo que nos deu a expressão “de volta ao início do jogo”.26 Qualquer
erro em qualquer uma daquelas duzentas tomadas com efeitos significava
ter de refazer tudo. Esse procedimento digno de Sísifo logo gerou um jargão
específico em Borehamwood. O termo “redon’t”, por exemplo, tornou-se
moeda corrente entre os operários dos efeitos visuais de Kubrick.
Significava: refaça essa droga, mas não cometa o mesmo erro novamente.
Mas é claro que um erro só é um erro se a maneira correta de fazer algo
já foi estabelecida; e aqui é preciso levar em conta que, no grande projeto
de pesquisa e desenvolvimento que foi 2001: Uma odisseia no espaço,
Kubrick e seus subordinados obstinados foram inventando quase tudo à
medida que avançavam — incluindo metodologias visuais inteiramente
novas e viradas importantes de trama de última hora. Não é de surpreender
que a data final de entrega do filme continuasse sendo adiada. Com o
perfeccionismo intransigente de Kubrick no comando do processo, a
maioria das 2 mil etapas precisou ser repetida oito ou nove vezes. O total
verdadeiro, então, chegou perto de 16 mil etapas — na estimativa do
próprio Kubrick.
Sustentando tudo isso estava o extraordinário elemento de brilhantismo
chamado “held take” — preciosos negativos originais, mantidos em gelo até
que várias camadas extras de conteúdo pudessem ser acrescentadas. Mesmo
os originais em granulação fina, com separação de cores, funcionando como
cópia de segurança, uma hora as held takes precisariam ser usadas. “Era tão
audacioso”, maravilhou-se o novo animador Colin Cantwell, que entrou na
equipe apenas seis meses antes do final da produção, mas trouxe uma
contribuição significativa a 2001. “Qualquer coisa poderia dar errado no
meio do caminho, e não dava mais para voltar e refilmar, em grande parte
porque os cenários tinham sido desfeitos.”
Em resposta aos imensos problemas logísticos que vêm com esse nível
de complexidade, Pederson passou a parte “mão na massa” do trabalho de
criação de imagens para Trumbull e outros, e assumiu um papel de
gerenciamento. Seu “Salão de Guerra”, o centro nevrálgico do Prédio 53,
onde todo o processo era supervisionado, ficou cheio de quadros de avisos
nos quais o histórico de produção de cada sequência foi fixado com
tachinhas. Fotocópias ampliadas de fotogramas ou desenhos rudimentares
do próprio Kubrick encimavam cada quadro da Sasco, o melhor jeito de
identificar a sequência com um simples olhar. (O apego de Kubrick às
agendas e outros produtos desse fabricante inglês de materiais de escritório
ficou tão exacerbado durante o filme que Tony Frewin começou a chamá-lo
de “garoto Sasco”.) A atividade era constante: gente entrando e saindo, o
telefone tocando sem parar e o número de cenas concluídas crescendo na
parede. “A quantidade de informações que continuavam entrando
diariamente era extraordinária”, disse Cantwell.

[83] Con Pederson, foto provavelmente feita por Kubrick.

Enquanto isso, meia dúzia de câmeras continuavam funcionando nas


instalações de 2001 em Borehamwood a todo instante, algumas até em
turnos de 24 horas, produzindo múltiplas sequências de efeitos visuais. A
proliferação das sequências produzidas por essas fábricas de imagens
recebia nomes e números na Sala de Guerra, para o melhor
acompanhamento de todas elas. Era comum usarem termos de futebol
americano. Questionado por Kubrick, Ivor Powell podia perguntar a Con
Pederson qual era o status da “Kickoff” (ponta pé inicial), e Pederson
saberia exatamente a qual sequência ele se referia.
Ao fim da filmagem em ação real, seguiu-se, na verdade, uma produção
com outro nome. As atividades normais de pós-produção, como montagem
e mixagem sonora, seriam atacadas no final — seja lá quando isso
acontecesse. Naturalmente, mesmo sem atores, a maioria das tomadas com
efeitos tinha um ou outro pé na realidade analógica, e frequentemente
exigiam configurações de estúdio tão elaboradas quanto as sequências de
ação real. O Palco 3, por exemplo, abrigava agora a maior “miniatura” já
feita para um filme, a espaçonave Discovery, com quase dezessete metros e
certamente tão ambiciosa quanto os cenários de 2001. Ela demandou um
“trilho de 122 metros que atravessava o estúdio de um lado a outro, para ser
usado pela câmera”, segundo Clarke. Como a Discovery era grande demais
para se mover sozinha, seu avanço majestoso através do espaço teve de ser
criado com movimentação de câmera.
Roger Caras acompanhou Kubrick na preparação do Palco 3 para a
Discovery, e se lembrou claramente da cena.

Tinha uma [tomada] na qual a espaçonave Discovery, que é quase do


tamanho do Bronx, se aproxima, com a câmera fazendo uma panorâmica
sobre trilhos por toda a sua extensão. E qualquer movimento mínimo,
qualquer tremor, apareceria muito na tela enorme. Portanto, ele
precisava da cena sem tremor nenhum. Então mandou arrancar o piso do
estúdio — o que não era pouca coisa. Era um material muito pesado.
Daria para empurrar tanques e navios de guerra sobre ele. Eles
arrancaram o piso e enterraram enormes estacas de concreto. E as
estacas de concreto é que seguravam aquele modelo, que tinha, meu
Deus!, acho que uns trinta metros de comprimento. A câmera estava
sobre trilhos, que também tinham apoios. Era um empreendimento
enorme só para conseguir aquela tomada.
Quanto à Discovery, o projeto da espaçonave havia passado pelo mesmo
processo evolutivo darwiniano que caracterizou todo o resto da produção.
Um modelo inicial para a exploração tripulada do Sistema Solar, financiado
pela Nasa, baseava-se na detonação controlada de uma série de bombas
nucleares, que aceleravam cada vez mais a espaçonave. Isso inspirou a ideia
— de vida curta — de uma Discovery que iria “atravessar o Universo a
peidos”, como disse Kubrick a Wally Gentleman, que achou a ideia ridícula
e rapidamente a descartou. Um sistema de propulsão menos risível foi
escolhido, mas o compromisso de Kubrick e Clarke com a precisão técnica
levou Lange a propor um objeto esguio, com asas semelhantes às de uma
libélula — na verdade, radiadores, projetados para dispersar o excesso de
calor do reator nuclear da nave. O primeiro modelo, criado por um
fornecedor externo, refletia isso de maneira fiel. Mas logo surgiu um
consenso entre a equipe de cenografia e de efeitos visuais de que a coisa
simplesmente não parecia certa. Eles previram a pergunta que o público
faria: por que algo que só voa no espaço precisa de asas?
Em resumo, ninguém estava satisfeito com a Discovery. No entanto, a
partir desse momento, um processo interessante se desenrolou. Con
Pederson queixou-se com Kubrick, dizendo que o projeto “era uma bosta”.
Kubrick não discordou e o convidou a propor algo melhor. Pederson e
Trumbull reuniram-se e fizeram desenhos com modificações substanciais.
Masters se envolveu também, assim como Lange. Por fim, uma espécie de
improvisação coletiva extensiva fez a espaçonave se materializar em sua
forma final. “Nós todos a projetamos”, recordou Masters. “Gastamos meses
e meses naquilo. Então, gradualmente, ela começou a ser construída, com
acréscimos, ajustes e alterações. Então, de quem é o projeto final? Só Deus
sabe. Foi meio que […] de todo mundo.”
Na primavera de 1967, a encarnação final da gigante que seguiria no
rumo de Júpiter havia finalmente sido produzida. Quando ficou pronta e
detalhada, com centenas de peças de plástico acrescentadas à superfície —
o que lhe dava uma formidável aparência de estar pronta para o voo —,
Lange mandou que aspergissem clara de ovo nela. Então sujou-a com uma
mistura de terebintina e tinta preta em partes iguais, o que deu à Discovery a
aparência ligeiramente gasta dos equipamentos reais. A visão da nave era
muito impressionante, com seus quase dezessete metros cercados por
cortinas de veludo preto impecável e montados sobre postes revestidos de
veludo e fixados em concreto sólido.
Após admirá-la sozinho por algum tempo, Lange foi buscar Kubrick. O
diretor andou em torno do enorme modelo, avaliando-o. Esférica na parte
dianteira, ela tinha a espinha dorsal segmentada, como a de um dinossauro;
no centro, havia uma antena de comunicações tripla, e atrás uma área
retangular de propulsão que terminava em seis propulsores de estrutura
hexagonal. Vista de longe, tinha o estranho formato de um espermatozoide.
De perto, parecia capaz de levar seres humanos a Júpiter imediatamente.
Depois de completar sua órbita, Kubrick parou e afagou a barba
pensativamente. “Harry, não gostei”, disse por fim. Lange ficou chocado.
“Como assim, não gostou?”, perguntou. O diretor os vira criar uma versão
em miniatura na oficina de maquetes, observou. Não deveria estar surpreso.
“Eu não sei o que é”, Kubrick respondeu, franzindo a testa. “Simplesmente
não gostei. Faça alguma coisa.” E saiu.

[84] Rara fotografia remanescente da Discovery, de dezessete metros. A câmera à esquerda dá uma
ideia da escala.
© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

Lange sentou-se em uma cadeira por um bom tempo, contemplando a


Discovery. “O que há de errado com ela, droga?”, perguntou a si mesmo.
Estava decepcionado. Por fim, cobriu o majestoso modelo com lona plástica
e voltou para sua sala. Queria contentar Kubrick, mas não conseguia pensar
em uma única coisa para mudar. Então não mudou nada.
Três dias mais tarde o diretor o chamou. “Quero ver a Discovery”, disse.
Lange levou-o de volta ao estúdio e retirou a lona plástica. “É isso!”, disse
Kubrick. “Perfeito!”

***

Todas as miniaturas da espaçonave tinham sido concluídas no final do


outono de 1966, incluindo o cortejo orbital de bombas nucleares do filme, o
qual, na época, parecia o final provável da Guerra Fria. Elas carregavam
discretas marcas nacionais, como o roel da Força Aérea Francesa, a cruz
alemã e a estrela vermelha chinesa, todas visíveis na sequência final, se
você souber procurá-las. Elas seriam as primeiras tecnologias do século XXI
a serem vistas depois que Moonwatcher arremessa o osso em direção ao céu
— um corte que construía a analogia arma-arma.
Foram montadas plataformas com engrenagens helicoidais complicadas,
controladas por motores “Selsyn” — uma palavra composta com base em
“self-synchronous” (autossíncrono) —, que permitiam repetir as tomadas
com precisão quadro a quadro. Isso era necessário para adicionar pessoas
minúsculas movendo-se dentro da estação espacial, por exemplo, ou a
câmera de descompressão da base lunar subterrânea, ou mostrar Bowman
na ponte de comando da Discovery, além de detalhes do interior da doca
onde ficavam os módulos.
Nesses casos, o modelo era iluminado em sua janela, ou as áreas de
docas dos módulos eram escurecidas, e tudo era filmado com determinado
movimento da câmera, sob a supervisão de John Alcott. Então a câmera
voltava pelo trilho de engrenagens helicoidais, por toda a extensão do
estúdio, e a tomada era repetida, agora com o modelo no escuro e somente
as áreas das janelas acesas, com pequenas figuras de projeção frontal ou
fotografias extraordinariamente detalhadas da doca de módulos. Vista ao
vivo no estúdio, a produção dessas tomadas tinha toda a emoção de um
ponteiro de minutos se arrastando sobre a superfície de um relógio; para
conseguir a profundidade de campo máxima, cada quadro precisava ser
exposto por um segundo ou mais. Era um procedimento terrivelmente
minucioso, que não respondia bem ao erro humano.
Andrew Birkin recordou uma dessas sequências, em que a câmera
passava diretamente pela Estação Espacial Cinco à medida que girava na
órbita da Terra. O modelo de quase três metros de largura da estação
espacial fora montado em uma espécie de fuso, e a câmera conseguia se
mover lateralmente pelo estúdio em uma haste com engrenagens, com seu
progresso gradual, à medida que se aproximava da estação giratória,
imperceptível a olho nu. Como parte de suas tarefas pré-Namibe, Birkin
estava supervisionando os efeitos visuais, e tinha marcado a finalização da
tomada para o fim de semana de 30 de julho. Consequentemente, pedira à
equipe de efeitos que fizesse hora extra, mas recebeu uma recusa
categórica: no sábado, a Inglaterra jogaria contra a Alemanha Ocidental na
final da Copa do Mundo de 1966, e eles não perderiam o jogo por nada.
Birkin fez uma proposta: poderiam colocar uma televisão no estúdio.
Diante daquilo, a resistência desapareceu. De repente, o pagamento pelas
horas extras pareceu bom, e naquele sábado a equipe de efeitos, composta
por quinze pessoas, sentou-se para assistir ao jogo com a tomada da estação
espacial acontecendo gradualmente atrás delas. Em princípio, a solução de
Birkin foi elegante: com 32 milhões de espectadores, a partida ainda detém
o recorde inglês de evento mais assistido da história, e não havia como lutar
com seu imenso campo gravitacional. No entanto, à medida que a câmera
avançava, atravessando o estúdio centímetro por centímetro, o jogo
terminou em empate e foi para a prorrogação — na qual a Inglaterra marcou
não apenas um, mas dois gols. A cada gol a equipe pulava de alegria. “A
felicidade da equipe era tamanha que o chão trepidava”, lembrou Birkin.
[85] Modelo da Estação Espacial Cinco.
© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

Naquela segunda-feira, uma linda tomada da magnífica estação espacial


de 2001 começou a ser projetada na tela, e Kubrick ia ajustando o foco com
seu controle à medida que a câmera fechava sobre a roda branca. De
repente, uma rajada de vento pareceu soprar através do espaço, e um tremor
sacudiu a estação. A onda de choque do gol épico que selou a vitória da
Inglaterra na Copa do Mundo de 1966 atingira a órbita da Terra. A tomada
foi refeita.

***

Formas novas de criatividade específicas para as circunstâncias peculiares


de 2001 surgiam o tempo todo. Absorto na produção de suas paisagens
planetárias psicodélicas baseadas nos voos camicase de helicóptero feitos
por Birkin, Bryan Loftus descobriu que sua inclinação inata para certas
combinações de cores estava direcionando os resultados para determinada
paleta, quando o que Kubrick realmente queria eram combinações de fato
aleatórias. Olhando os resultados, excelentes, mas que tendiam para as
predileções de Loftus, o diretor disse: “Bryan, quero que você produza
coisas que você não sabe que sabe fazer. Se você souber, não serve para
nós. Mas se você não souber e descobrir alguma coisa, aí sim é o que
queremos”. Esse foi o princípio orientador de toda a produção.
Em resposta, Loftus pegou três caixas de filme Kodak, colocou nelas
diagramas circulares e montou três roletas — uma para cor, uma para
abertura e uma para qual matriz de separação usaria como base de uma
nova tomada. (A última já vinha com muitas variedades: negativo, positivo,
alto-contraste, baixo-contraste e assim por diante.) Da mesma forma que a
técnica literária de cut-up inspirada pelo dadaísmo que William Burroughs
usou em seu romance experimental O almoço nu, o sistema de Loftus
parecia pertencer muito à sua época, e conseguiu produzir justaposições
verdadeiramente casuais. “Eliminamos o elemento humano do processo!”,
disse Kubrick alegremente.
O estilo de supervisão do diretor pode ser resumido em duas histórias.
Uma delas diz respeito a Tony Frewin, que no início de sua atividade como
assistente recebera de Kubrick a incumbência de ler e resumir uma pilha de
livros e roteiros. Frewin, que não tinha terminado o colegial, achava que
apenas “pessoas bacanas do rádio” eram capazes de fazer aquilo. “Eu não
consigo”, disse.
“Escuta aqui, você sabe ler, não sabe?”, disse Kubrick.
“É claro que sei ler”, disse Frewin.
“Se você ler um livro e eu lhe perguntar sobre o que é, você conseguiria
me dizer, não é?”, perguntou Kubrick.
“É, acho que sim”, Frewin respondeu.
“Em terceiro lugar, presume-se que você tenha uma opinião sobre o que
leu”, disse Kubrick, que, por sua vez, mal conseguira terminar o ensino
médio. “Você teria achado o livro plausível, tolo, estúpido ou maluco.”
“Sim.”
“Então qual é o problema? Vai lá e faz.”
Liberado da ideia de que um trabalho desse tipo estava muito além de
suas capacidades, Frewin acabou escrevendo três romances, que foram bem
recebidos, e também editou vários livros. “Acho que, naquela época, ele
tinha muito mais confiança em mim do que eu mesmo”, observou. “Ele
tinha muito mais confiança em um monte de pessoas do que elas tinham
nelas mesmas, inicialmente.”
A outra história diz respeito a como Kubrick mantinha seu plantel de
gente talentosa constantemente ativo e atento. “Ele tinha uma lista de dez
pessoas — e ele a mostrou para mim —, uma lista de dez pessoas da
equipe”, Birkin recorda. “Você ficava no topo da lista por uma semana. Na
semana seguinte, você ia para o número dois e outra pessoa, que vinha lá de
baixo, virava o número um. Na terceira semana, você era o número três; na
quarta, o número quatro. Lá pela quinta ou sexta semana, você estava se
perguntando: ‘O que eu fiz de errado?’, e Stanley dizia: ‘Nada, do que você
está falando?’.” Birkin faz uma pausa de efeito, e então imita uma voz em
tom de súplica: “Parece que perdi seu afeto!”.
Depois disso, disse Birkin, Kubrick diria que era um mal-entendido,
colocava o infeliz de volta no topo da lista e o inundava de atenção
novamente.

***

No verão de 1966, Roger Caras mudou-se de volta para Nova York para
ressuscitar o escritório da Polaris Productions. Pretendia trabalhar com a
MGM nas estratégias publicitárias de 2001. Enquanto isso, Clarke retornou
ao Ceilão para “lamber suas feridas” depois do fiasco com a Dell Delacorte.
A mudança de Caras resultou, inevitavelmente, em diversas despesas,
conforme ele negociava aluguéis, contratava uma secretária, fechava
negócios com agências de publicidade e começava a levar gente influente
para almoçar. Isso, por sua vez, foi motivo de reclamações contínuas e
discretas por parte de Kubrick, cujo olhar, quando não estava no visor de
uma câmera, tendia a se fixar no resultado final. Entre outras coisas, o
diretor questionou a necessidade de fazer reuniões durante as refeições, e
sugeriu que marcasse com as pessoas entre as refeições, se possível. Em
uma carta escrita em meados de agosto, também observou que muitas
dessas reuniões envolviam pessoas com quem Caras e a Polaris Productions
já haviam estabelecido “relações sólidas e de interesse mútuo”. Portanto,
escreveu, “não acho que seja o caso de suborno, por mais sutil ”. No
entanto, uma pista da confiança que Kubrick depositava em seu tenente foi
que acabou deixando uma porta aberta: “Se, em sua opinião, isso realmente
couber, então com certeza você tem liberdade para usar seu critério e levá-
los aonde quiser”.
Para que não entendesse mal aquela supervisão, Kubrick elogiou os
resultados de Caras e disse que estava preocupado, antes de tudo, com a
forma como a MGM, que era quem pagava as contas, veria aquilo. Mas após
outros quatro meses de despesas, o diretor sentiu que precisava enviar nova
mensagem a seu vice-presidente. Escrita à mão em papel de carta
personalizado e com a palavra “Confidencial” anotada na parte de cima em
letras maiúsculas, ela continha um breve resumo da filosofia de Stanley
Kubrick sobre o negócio.
“Você precisa aprender a ficar sempre chocado com os valores que as
pessoas pedem”, escreveu. “Quando dão o preço, você tem que empalidecer
e dizer, incrédulo, ‘tudo isso?’. A taxa de 250 dólares que você concordou
em pagar pelos esboços publicitários, e que estou tentando reverter, é
absurdamente alta.” E prosseguiu:

Você tem que aprender a barganhar de uma maneira respeitável. Eis


algumas saídas: Não estou autorizado a gastar mais do que __________.
Preciso de aprovação para pagar esse preço. E depois: O preço não foi
aprovado. Podemos oferecer __________. A melhor saída que existe em
uma negociação dessas é dizer que você não tem escolha. Você não tem
autorização para ir além de __________. Etc. Etc. Assim, as coisas não
ficam inamistosas, já que a vaga implicação é que, se fosse você, você
pagaria, mas são eles que mandam. Acho que você tem uma visão das
despesas do negócio de Banco Imobiliário, de usuário de cartão de
crédito Diners, de quem tem verba de despesas.

Ele concluiu com “sei que você anseia pelos meus ensinamentos e mantém
um caderno de anotações intitulado As Sagradas Palavras de SK, então não
me sinto mal por passá-los para você. Portanto, a campanha por maior
eficiência em custos começa agora — certo? Ok? Ok. Gaste como se o
dinheiro fosse seu. Parcimoniosamente, Stanley”.
Depois de seu retorno a Colombo, a saúde de Clarke piorara muito, e em
meados de dezembro ele teve uma disenteria violenta, que engatou em uma
dengue, deixando-o de cama com febre e muito debilitado. Ficaria nesse
estado o resto do mês. Mais tarde descreveu a doença para Kubrick como
“uma gripe elevada à décima potência”. Antes disso, contudo, ele havia
produzido os três primeiros de uma série de artigos promocionais de revista
destinados a despertar atenção para a existência de 2001. Eles seriam pagos
pela MGM e publicados pouco antes do lançamento do filme. Esses artigos
promocionais, que não seriam assinados, eram um modo que Kubrick
encontrou tanto de canalizar dinheiro na direção de Clarke quanto de
mantê-lo sob controle.
No começo de 1967, o acordo de Scott Meredith com a Dell ainda não
estava morto, e podia ressuscitar a qualquer momento, já que o editor havia
indicado que continuava interessado, ainda que com uma proposta de
adiantamento cada vez menor. Em um esforço para manter as coisas nesse
pé, Kubrick dizia, de tempos em tempos, que estava trabalhando nas
revisões do manuscrito sempre que possível. Além de conseguir
pagamentos para os artigos de Clarke, ele também cuidou para que as
garantias de empréstimo do autor fossem aumentadas sempre que ele
pedisse; e já havia tentado acalmar seu colaborador ao lhe ceder, de sua
porcentagem do adiantamento, um valor que cobrisse a diferença entre o
que Clarke teria recebido originalmente e o que receberia quando o diretor
finalmente aprovasse a publicação do romance.
No começo de janeiro, Kubrick sentou-se para responder as diversas
cartas de Clarke acumuladas durante as semanas anteriores. Depois de
elogiar os rascunhos dos artigos e perguntar sobre a saúde de seu
colaborador, disse que andava assoberbado com questões e problemas de
produção, e fez um relato de seu progresso: “Estamos conseguindo tomadas
magníficas, mas é tudo como um jogo de xadrez de 106 movimentos com
dois adiamentos”. Também compartilhou — em caráter confidencial — que
a data de estreia provavelmente passaria para outubro “na melhor das
hipóteses”, escrevendo: “os atrasos que causaram o adiamento também
drenaram muito do meu tempo, o que também atrasou meu trabalho com o
romance”.

Sei que você está muito preocupado com isso, mas é uma daquelas
situações em que não há escolha. Tenho certeza de que tudo vai dar certo
no final. Estou sem opções agora. Não quero que o romance seja
publicado de um jeito que me pareça inacabado. Continuo trabalhando
nele, um pouco a cada noite, embora algumas noites da semana eu
chegue em casa tão exausto que mal consigo pensar direito.

Ele prosseguia detalhando os próximos empréstimos, afirmando que os


garantiria mesmo se tivesse que tirar dinheiro investido e usá-lo como
caução. “Não se esqueça de que estou mais comprometido nesses
empréstimos do que você, porque, se eles quiserem o dinheiro, você só
precisa não conseguir pagar, enquanto eu preciso pagar imediatamente”,
observou. E a carta terminava com a significativa observação de que, em
sua opinião, a MGM estava sendo mais compreensiva em relação a seus
atrasos do que Clarke.

Como ponto-final: qualquer instabilidade que tenha havido em relação à


data de finalização do romance foi apenas um reflexo proporcional do
atraso na conclusão do filme. Como você pode imaginar, há uma
quantidade considerável de dinheiro envolvida no filme, e um número
igual de bons motivos para que as pessoas o vejam terminado. A única
diferença é que, em vez da pressão contínua e das recriminações
indiretas, tem havido um entendimento objetivo do problema, o que
seria enormemente apreciado em relação ao romance.

Apesar das alfinetadas oferecidas em troca das recriminações indiretas, a


lealdade de Clarke em relação a Kubrick era inabalável. Algumas semanas
mais tarde ele recebeu uma carta de Thomas Craven, diretor de
documentários que a MGM contratara para fazer curtas promocionais sobre
2001. “Estou muito chateado por saber de suas dores de cabeça financeiras
decorrentes da relutância de Stanley em permitir a publicação de 2001”,
Craven escreveu. Ele prosseguia com uma referência aos cinturões de
radiação que rodeiam a Terra: “Receio que seja esse tipo de insensibilidade
diante das necessidades dos outros o responsável pelo cinturão de Van Allen
de desconfiança que rodeia Kubrick no mundo do cinema”.
Ao ler aquilo, Clarke escreveu um decidido “NÃO” nas margens. Uma
semana mais tarde ele respondeu a Craven: “Na verdade, não concordo com
você que Stanley seja insensível às necessidades dos outros — ele é muito
sensível, mas sua integridade artística não lhe permite fazer concessões. Eu
só posso admirar essa postura, mesmo quando ela me causa grandes
inconveniências!”.
Alguns dias mais tarde, Clarke colocou uma folha de papel em sua
máquina de escrever, dessa vez dirigindo-se a Kubrick. “Pensei que você
iria gostar das reações a Jamis Bandu”, ele escreveu, referindo-se à paródia
de Bond feita por Mike Wilson. “Parece um grande sucesso —
apresentações especiais à meia-noite sendo programadas, dezoito cópias
sendo projetadas em dezenove cinemas (belo truque).” Apesar de toda a
ansiedade e tensão financeira, o investimento de Clarke na salvação do
filme de Wilson aparentemente compensara.

***
Durante toda a produção de 2001, a tendência de Kubrick para o sigilo e sua
relutância em compartilhar trechos do filme — ou mesmo fotos de
filmagem — com o departamento de publicidade e promoções da MGM
elevaram muito a pressão sanguínea dos executivos do estúdio. Caras,
inevitavelmente, sofreu as consequências das críticas vindas do quartel-
general do estúdio na Sexta Avenida.
No início de dezembro de 1965, as filmagens nem haviam começado, e
Mort Segal, assistente de Dan Terrell, principal executivo de publicidade e
propaganda da MGM, já estava dando bronca em Caras por que Kubrick não
lhe enviava os materiais usados para despertar o interesse da imprensa pelos
futuros lançamentos. Entre eles estaria o próprio roteiro — cuja distribuição
o diretor proibiu terminantemente, mantendo-o restrito a um pequeno
círculo de pessoas, mesmo na fase em que o revisava diariamente. Por volta
de fevereiro de 1966, com a filmagem já bastante adiantada, o próprio
Terrell interveio, declarando que o estúdio estava “muito desgostoso” com a
“relutância de Stanley” — nesse caso, sua recusa em permitir que os stills
do filme saíssem de Borehamwood.
Os motivos de Kubrick eram claros. Ele não sabia quanto tempo ainda
levaria para finalizar o filme, e não queria que outros diretores e produtores
roubassem o projeto de seus cenários e espaçonaves e lançassem filmes ou
séries de TV baseados neles antes da estreia de 2001. Também não estava
totalmente certo sobre como seria o enredo final, e não queria dar pistas da
trama antes de ela estar completamente resolvida. Em geral, sua atitude
instintiva era simplesmente manter os projetos em segredo até que fossem
lançados — algo que Clarke já havia descoberto.
Mas a MGM estava injetando uma porcentagem considerável do total de
seu orçamento de produção no projeto, e ainda que a tendência de Robert
O’Brien, o presidente do estúdio, fosse ceder aos impulsos dos diretores nos
quais acreditava, o estúdio não estava acostumado a trabalhar assim. No dia
10 de outubro, a situação chegou ao ponto de ebulição quando Terrell ouviu
dizer, de fonte duvidosa, que um sócio do agente de Keir Dullea tinha visto
mais de uma hora de filmagens de 2001 — material supostamente vetado
aos próprios executivos de alto escalão do estúdio — e achara o que viu
apenas “Ok”. Ao convocar uma reunião com Caras, Terrell exigiu mais
informações, e disse que seria simpático se a mesma cortesia fosse
estendida a O’Brien.
Diante disso, Caras “se fez de bobo” — como relatou em um críptico
telex de 37 palavras em que resumia a acusação de Terrell, começando com:
“Confidencial algumas pessoas muito irritadas na MGM”. Isso causou uma
resposta alarmada e imediata de Kubrick. Claramente exasperado, ele citou
um maldoso colunista de fofocas de Hollywood cuja especialidade era
descrever maquinações do mundo do cinema:

Por favor, não me mande textos de Mike Connolly relacionados com


informações importantes como [o] sócio do agente de Keir. Algo [que]
obviamente carece de detalhes. Quem contou essa história. Onde
descobriram. Qual é o nome do agente de Keir. Qual o nome do sócio
dele. O que você quis dizer com se fazer de bobo. Se alguém na MGM
falou com você sobre isso. Quem são as pessoas que estão irritadas. Para
sua informação, ninguém viu nenhum trecho maior do que O’Brien.
Quando essa pessoa supostamente viu o trecho. Que outros fatos você
sabe a respeito disso. Se você não souber todas as respostas mas tiver
uma maneira de descobri-las, quero que faça isso. Não quero que uma
informação falsa se torne um problema.

Caras rapidamente enviou uma segunda mensagem, mais longa. “Eu disse a
ele que não sabia de nada e que duvidava muito que tivesse acontecido”,
escreveu, perguntando se Kubrick queria que ele fizesse telefonemas para
investigar a história a fundo. O diretor respondeu: “Por favor, me mande
por escrito hoje os detalhes completos e tudo o que aconteceu em sua
reunião com Terrell”.

Escolha seus adjetivos com cuidado […]. Não gosto da ideia das queixas
deles ganharem corpo. Por favor, detalhe exatamente como foram suas
respostas […]. Acho que teremos que pensar em como lidar com esse
tipo de jogo, mas primeiro quero um relato completo. Por favor, seja
totalmente factual. Se você tiver sido pego desprevenido pela hostilidade
deles, e se tiver dado a impressão de ser culpado, por favor me diga, se
isso for verdade. Tente escrever uma peça da reunião.

Naquela noite Kubrick ligou para O’Brien — que ele sempre chamava de
“Bob, o garotão”, embora nunca na sua cara — para explicar que Terrell
tinha recebido uma informação errada, e o episódio se encerrou sem
maiores consequências. No entanto, o incidente expôs claramente uma
tensão subjacente, que voltaria a estourar no rosto de Cara em menos de um
mês. Convidado a passar no escritório de Terrell no dia 3 de novembro, ele
descobriu, ao chegar, que Clark Ramsey, chefe da divisão do estúdio em
Los Angeles, participaria da reunião. Na ocasião, a sequência da Aurora do
Homem ainda estava por ser filmada e a data de entrega de 2001 tinha sido
empurrada para a segunda metade de 1967, embora Kubrick soubesse que,
muito provavelmente, ficaria para mais adiante. Após um preâmbulo
relacionado à inconstância da data de lançamento — discussão que Caras
evitou, dizendo que era melhor que a data fosse decidida entre Kubrick e
O’Brien — Terrell voltou-se para seu casus belli.
[86] Presidente e CEO da MGM.

O pessoal da cadeia de cinemas Loew’s, disse, fora “bastante crítico em


relação à MGM por não dar os passos mais simples para explorar seu
tremendo investimento”, gerando materiais promocionais de 2001 para
ficarem expostos em seus saguões. Era “incompreensível” que eles não
tivessem recebido cartazes com desenhos, pinturas ou fotogramas. Caras
respondeu que o problema estava na preocupação de Kubrick em expor os
extraordinários elementos do design do filme com tanta antecedência,
tornando-os imediatamente vulneráveis à exploração pela concorrência.
Numa carta escrita mais tarde naquele mesmo dia, ele contaria a Kubrick
que “era obviamente uma sessão para trazer à tona queixas reprimidas”. Na
hora, porém, manteve-se calmo, e brincou com o fato de estar em
“desvantagem numérica, mas ansioso pela batalha”. Nesse ponto, Terrell
afirmou que não queria que Caras pensasse que estava sendo
responsabilizado por tudo, mas que havia situações não resolvidas que
precisavam ser expostas. Um tom de brincadeira aliviou parcialmente a
tensão no ambiente. “Durante toda a conversa, o clima estava bom e
ninguém demonstrou irritação”, escreveu Caras. “Entretanto, é evidente que
eles estão descontentes.”
Terrell disse que Caras estava sendo exposto às reclamações porque eles
sabiam que Kubrick estava ocupado demais com o filme para ser
perturbado ou aborrecido — algo que Caras imediatamente interpretou
como: O’Brien disse a eles para deixar o diretor em paz. Aquela era, então,
a forma deles de contornar a coisa. Desabafando com o segundo em
comando de Kubrick, eles estavam aderindo à letra, mas não ao espírito da
ordem de O’Brien, e supondo que sua mensagem seria entregue.
Abandonando o tom de brincadeira, Terrell mencionou que, em 1965,
David Lean convidara O’Brien, Ramsey e ele para conferir Doutor Jivago e
ver com os próprios olhos o que estava sendo feito com o investimento da
MGM — o resultado, disse, foi que eles ficaram tão inspirados que lançaram
uma das campanhas publicitárias mais bem-sucedidas da história do cinema
até ali. “Eu e os demais envolvidos somos profissionais e inteligentes o
bastante para olhar o copião de um filme e conseguir entender a arte do
cineasta”, disse Terrell. “Estou certo, com base no que transpareceu aqui,
que Stanley acha que meu departamento é uma droga e que eu,
pessoalmente, não sou brilhante o suficiente para trabalhar com o filme dele
e entender o que ele está fazendo.”
Nesse momento, todos os vestígios de leveza desapareceram da sala —
embora o tom de voz de todos permanecesse calmo. “Ao que parece,
Stanley não quer me deixar nenhuma das minhas prerrogativas, e quer que
tudo seja feito por outras pessoas que não eu”, continuou Terrell.

Entendo que ele queira ser o gerente de divulgação de seu próprio filme,
mas não vejo como conseguiria achar tempo para fazer isso enquanto
está em produção, e se ele esperar até o fim do filme para assumir seus
deveres, será tarde demais. Sinto uma absoluta frustração por não poder
tomar decisões sobre stills, matérias e displays. Meu departamento é tão
bom quanto qualquer outro na indústria, se não o melhor, e estão nos
negando as ferramentas de que precisamos para trabalhar […]. Eu acho
impossível acreditar que não haja nenhuma foto que possamos usar. Esse
é mais um exemplo de que está sendo negada à MGM a oportunidade de
proteger seus 7 milhões de dólares.

Nesse momento, Ramsey entrou na conversa. “A coisa está sendo tratada


como um filme de arte de 600 mil dólares”, observou ele. “Stanley está
tendo espaço total em absolutamente todos os quesitos. Se ele estivesse
dispondo de um orçamento que não pudesse nos prejudicar, tudo bem, mas
contando com um orçamento como o que tem, a MGM deveria ter uma
oportunidade de se proteger.”
Terrell concluiu com observações sobre como a campanha publicitária
da Columbia Pictures para Dr. Fantástico tinha sido “terrível” devido à
insistência de Kubrick em diversas opiniões infelizes sobre questões de
estilo. “Não acho que ele seja sempre realista em assuntos de publicidade”,
Terrell observou. “Ele está tomando decisões que eu deveria estar tomando
[…]. Nunca me senti tão frustrado em minha vida profissional quanto estou
agora. Mas me sinto forçado a não perturbar Stanley com discussões e
discordâncias intermináveis quando ele ainda tem um filme para fazer. Mas
isso está resultando em um dano evidente para o potencial do filme.”
Perto do fim de seu relatório de sete páginas para Kubrick — um dos
mais extensos que escreveu em três anos de trabalho em 2001 —, Caras
comentou que o objetivo de Terrell era, claramente, ter suas opiniões
transmitidas ao diretor, ainda que indiretamente. “Sem dúvida, foi O’Brien
quem advertiu Dan sobre incomodar você antes do filme ficar pronto”,
escreveu. “O que é triste, Stanley, é que a posição deles não é de todo irreal
ou insensata. É difícil contestar boa parte do que dizem, então tive de
manter minha boca fechada.”

Uma última coisa: eles não foram desagradáveis comigo e não tenho
qualquer reclamação sobre a maneira como fui tratado. Eu não quero
que pareça que eles tenham sido agressivos ou desagradáveis. Não
foram nenhuma dessas coisas, mas foram firmes e não deixaram margem
para dúvidas.
Apesar da ressalva final, no dia 17 de novembro Kubrick enviou uma
resposta estrondosa diretamente para Terrell. “Suas observações são tão
imprecisas e hostis, e tão surpreendentes, que eu mal sei como reagir”,
escreveu. “Tenho muita dificuldade de imaginar por que você estaria
impaciente a ponto de adotar a tradicional postura de colocar o
departamento de publicidade contra o produtor. Com certeza nada do que eu
disse ou fiz poderia justificar tamanha hostilidade.”
Em seguida, passava a responder às reclamações do executivo uma a
uma. A seriedade com que via as acusações de Terrell pode ser medida pelo
fato de sua resposta se estender, assim como a carta de Caras, por sete
páginas datilografadas em espaço simples — algo extremamente raro para o
diretor, que costumava transmitir suas opiniões em uma página, ou menos.
Apenas cinco semanas antes do lançamento de 2001, em abril de 1968, a
revista Variety publicou uma reportagem sobre o início tardio da campanha
publicitária do filme, sugerindo que isso poderia afetar suas perspectivas de
sucesso. Os anúncios, observaram, não continham nenhuma fotografia,
apenas ilustrações. Depois de apresentar as explicações da MGM sobre
porque isso seria uma boa estratégia, o artigo aventava uma teoria, logo
abaixo de um parágrafo em que citava Dan Terrell: “Há também rumores
amplamente divulgados, mas negados pela Metro, sobre a possibilidade de
os stills não terem sido utilizados (e a própria campanha ter atrasado além
do normal para um filme desse porte) porque era preciso aprovar tudo com
o diretor Stanley Kubrick, que estava ocupado dando os toque finais no
filme”.
Embora a matéria não mencionasse a fonte dos boatos, o texto lembrava
muito os comentários que Terrell fizera um ano antes.

***

Durante o extenuante fim de jogo de 2001, que se estendeu por dois anos, a
importância de Doug Trumbull no filme cresceu de forma inexorável. Ele
chegou sabendo usar um aerógrafo, mas com pouco conhecimento de
fotografia. Sairia de lá como um dos poucos profissionais de efeitos visuais
ópticos verdadeiramente inovadores do mundo. Além de ser uma atividade
colaborativa, fazer filmes envolve solucionar muitos problemas. Assim
como Masters, Trumbull tinha talento para as soluções: criava uma atrás da
outra, em rápida sucessão. Era intuitivo, preciso; quando seus resultados
não eram bons, eram excelentes, e quando não eram excelentes, eram
extraordinários.
Assim como havia feito com a maioria de seus principais criativos,
Kubrick empregou com Trumbull uma técnica de extração de ideias
originais semelhante à que usou com Stuart Freeborn. Quando via algo de
que gostava, ele guardava o elogio para si e redobrava a exigência. E
embora Trumbull às vezes resmungasse, sempre voltava com alguma coisa
melhor. Em resposta às restrições inigualáveis de 2001 — e à maneira
autocentrada, mas fundamentalmente benigna, com que Kubrick
administrava recursos e tempo — o lema de Trumbull parecia ser “faça
certo, depois faça melhor, e daí faça tudo de novo”. Em muitos aspectos, ele
se tornou o especialista em efeitos de Kubrick.
No começo de 1967, a sequência do Portal Estelar consistia nas
estranhas e interessantes imagens feitas com água e óleo que Kubrick
filmara em Manhattan, em 1965, e nas paisagens Purple Hearts
fluorescentes que Birkin e Loftus haviam produzido com o helicóptero e as
matrizes de separação de cores. Mas o espaço entre a chegada de Dave
Bowman a Júpiter e sua entrada na misteriosa suíte de hotel sem portas de
Tony Masters se parecia com o tempo estendido entre os refrões nas
improvisações do jazz: a intenção era evocar seja lá quais fossem as
perplexidades de espaço-tempo abstratas, nada figurativas, que pudessem
estar à espreita “Além do infinito”. Cada um dos instrumentistas de imagem
de 2001 podia entrar e se revezar na criação do que, para todos os efeitos,
eram linhas melódicas solo, com ideias construídas sobre ideias como
acordes aumentados, estendidos e claves múltiplas se desdobrando em
rápida sucessão — sempre no campo visual, é claro. Como Coltrane
inclinando-se em direção ao microfone depois de Miles ter tocado,
Trumbull pensou que aquela era a sua vez.
Quando ainda estava na Graphic Film, ele tomara conhecimento de uma
técnica de efeitos visuais pioneira, inventada pelo animador John Whitney,
de Los Angeles, que combinava movimentos de câmera de controle
automatizado com camadas de quadros giratórios de imagens. O processo
de Whitney criava curtas de animação complexos e variados. Mais
conhecido pela sequência de créditos que criou para Um corpo que cai, de
Hitchcock, em colaboração com Saul Bass, designer gráfico de Hollywood,
Whitney fizera experiências deixando o obturador da câmera aberto
enquanto os quadros se movimentavam suavemente sob a lente, às vezes
em combinação com luzes estroboscópicas — uma técnica que produzia
efeitos cinéticos, abstratos, às vezes pontilhistas, geralmente sobre uma
superfície plana. Seu sistema ligava a câmera às artes-finais
mecanicamente, por meio do controle do tempo de exposição. Ele chamou
sua invenção de Slit Scan. Interessante como artefato histórico, o trabalho
de Whitney não envelhecera muito bem.
Embora Kubrick estivesse satisfeito com seu material de Manhattan e
também com os filmes Purple Hearts, ainda não sentia que a incipiente
sequência do Portal Estelar estava variada o suficiente. Então convocou
uma reunião e desafiou sua equipe de efeitos a criar outras maneiras de
ilustrar a viagem alucinante de Dave Bowman. Em resposta, várias técnicas
foram tentadas, incluindo o uso de espelhos giratórios e outros truques
destinados a criar algo interessante; na opinião de Trumbull, contudo, “era
tudo horrível”. O diretor também ressuscitou em Borehamwood sua técnica
de produzir efeitos especiais com óleo de banana e tinta; segundo Con
Pederson, porém, faltava às novas imagens, misteriosamente, a qualidade
mágica do material rodado em 1965, e quase nada foi aproveitado.
Então, um dia, Trumbull teve uma “espécie de epifania”. Ele se lembrara
“de John Whitney e do negócio da fotografia raiada”. Se fosse ampliada
com movimentos de aproximação da câmera e controle de foco, Trumbull
percebeu, a técnica de Whitney poderia ser adaptada para produzir uma
sensação de movimento cinético através do espaço. Usando o suporte da
Polaroide em seu stand de animação, ele fez um teste grosseiro e
improvisado da ideia, cortando uma fatia de 25 centímetros de papel-cartão
preto e colocando um fragmento de arte final atrás dele. Com o obturador
da Polaroide aberto, ele moveu lentamente a câmera para a frente, na
direção do corte, ao mesmo tempo que mantinha a imagem em foco nítido.
O resultado foi um plano abstrato metamorfoseado “em um ângulo
estranho. E era um corredor de luz”, ele disse. “Um lado de um corredor da
luz.” A imagem confirmou sua intuição de que se ele repetisse o movimento
com ligeiros deslocamentos da câmera, poderia espelhar o efeito em outras
partes do quadro e usá-lo para criar formas quase arquiteturais. A etapa
seguinte seria fazer a coisa toda se mover. Se conseguisse aquilo — e
fizesse as imagens espelhadas fluir em sentidos opostos a partir do centro
do quadro —, o efeito final poderia ser de corredores incandescentes de
dois lados que pareceriam estar vindo bem na direção do espectador. Se
fosse feito da forma certa, poderia produzir o efeito de montanha-russa
cósmica que eles buscavam.
Trumbull limpou o teste com fixador e disparou pelo corredor, e Kubrick
examinou-o ainda secando, enquanto ele explicava sua ideia. “Acho que
podemos fazer o Portal Estelar desse jeito”, concluiu. “Ok, entendi. Do que
você precisa?”, perguntou Kubrick. Ele geralmente tinha dificuldade de
antever algo, a menos que visse uma fotografia — exatamente o que Doug
havia levado. “Ele entendeu completamente que poderiam ser padrões,
cores, luzes, qualquer coisa”, lembrou-se Trumbull. “E que daria para
dobrar em dois lados […] ele percebeu instantaneamente. Eu disse: ‘Bem,
preciso que Wally me construa um trilho e preciso de algumas placas de
vidro gigantes para fazer isso funcionar’. E ele disse: ‘Tudo que você
precisar. Qualquer coisa que precisar. Pode fazer. Está aprovado’.”
O primeiro sucesso de Trumbull permitiu-lhe construir um edifício — de
fato, uma cidade — sobre as fundações assentadas por Whitney. Ele
projetou novas metodologias que permitiam uma sensação fílmica sem
precedentes, a de saltar para a frente através de um espaço aparentemente
real e tridimensional, ainda que inteiramente sintético e abstrato. Com a
ajuda de Veevers, ele montou uma câmera em um trilho e controlou seu
movimento com um parafuso de “rosca sem fim” — basicamente um
parafuso de quase cinco metros sem porca — preso a um motor Selsyn. Isso
tudo era acoplado mecanicamente a outro controlador, que regulava a lente
da câmera e mantinha o foco constante à medida que ela se movia por um
eixo vertical na direção da imagem da fotografia cada exposição.

[87] Um dos primeiros testes do conceito de Slit Scan.


[88]

A partir daí Trumbull trabalhou com o artista Roy Naisbitt, do


departamento de animação, que reuniu imagens de fontes diversas em artes
coloridas compostas, translúcidas, visualmente complexas, de três metros
de altura. Aproximadamente três vezes maiores em largura do que em
comprimento, as colagens também foram montadas em um trilho, e seu
movimento era regulado por outro parafuso de “rosca sem fim” — também
comprido, mas dessa vez em um eixo horizontal, a 90 graus em relação ao
trilho da câmera. O resultado revelou-se uma forma altamente controlada e
incremental de filmar artes-finais em transparências planas. Quando
retroiluminado por gelatinas coloridas e fotografado quadro a quadro —,
cada vez com uma única fenda estreita da arte-final exposta — as imagens
se metamorfoseavam em folhas de luz extremamente cinéticas e
nitidamente abstratas. Era possível criar estruturas complexas, com planos
múltiplos, fazendo varreduras múltiplas com a câmera, que chegavam a
levar dias. Em 1976, Trumbull descreveu o processo para Don Shay e Jody
Duncan da revista Cinefex:

Para dar uma explicação simples de como o método funciona, acho que
todo mundo já viu, alguma vez, uma fotografia de longa exposição das
ruas de uma cidade à noite, na qual não se enxerga nada além das faixas
vermelhas e brancas de luz criadas pelo movimento dos carros enquanto
o obturador estava aberto. Você não vê os carros em nenhum lugar; em
vez deles, vê uma exposição acumulada de carros. Se, enquanto essa
mesma fotografia estivesse sendo feita, todos os carros ficassem
acendendo e apagando os faróis rapidamente, em vez de deixá-los
acesos, você veria na foto uma série de pontos e traços. Se você
expandisse isso e pegasse não somente um ponto de luz, mas uma barra
de luz — um tubo fluorescente, por exemplo — e o movesse em direção
à câmera enquanto o obturador estivesse aberto, você criaria um plano
de exposição em vez de uma linha. Então, modulando essa luz —
ligando-a ou desligando-a, ou mudando os padrões na frente dela —
você criaria uma exposição acumulada que poderia ter conteúdos
razoavelmente complexos.

Dependendo da natureza da arte-final, esses padrões variáveis poderiam


manifestar estriamentos cinéticos (por exemplo, diagramas da Scientific
American ampliados e colorizados) ou ondulações orgânicas
metamorfoseadas (reproduções coloridas de pinturas de Op-Art), ou
abstrações estroboscópicas em forma de teia ou pontudas (imagens de
caules de plantas ou mandíbulas de insetos captadas por microscópio
eletrônico). Algumas categorias de imagem foram escolhidas pelo próprio
Kubrick, como atesta um jogo de fichas catalográficas datadas até abril de
1967 com anotações à mão feitas por ele (“Doug — use também Op-Art e
arte eletrônica”).
A principal inovação de Trumbull foi introduzir o movimento horizontal
da câmera, uma ideia que Whitney não havia explorado. Isso dava às suas
imagens uma sensação visceral de transporte; o espectador se sentia lançado
por corredores cósmicos cintilantes de espaço e tempo. Foi o que “elevou o
efeito de uma novidade bidimensional a uma técnica tridimensional de cair
o queixo”, segundo Shay e Duncan.

***

Até hoje Trumbull se admira do que ele e seus colegas conseguiram fazer
em Borehamwood, do final de 1966 até o começo de 1968. “Todo dia de
trabalho no filme eu sentia que estava trabalhando em um evento muito
extraordinário, incomum, que estava contribuindo e que era, de alguma
maneira, algo realmente importante”, disse. “Era como ir à igreja todo dia.”
Ele notou que, com sua técnica, a trajetória de Bowman pelo espaço-tempo
tornou-se, em si, o resultado de um grande avanço no entendimento da
relação entre os dois elementos no contexto do filme.
Uma observação que fez sobre a maneira gradual de Kubrick pensar
reverberaria em seu próprio trabalho por cinco décadas. Conforme ele e
Loftus apresentavam material para o diretor, a sequência da viagem de
Bowman foi mudando gradualmente do equivalente cinematográfico de
uma terceira pessoa para uma primeira pessoa. A estratégia original tinha
sido mostrar o módulo de Bowman durante sua viagem através do Portal
Estelar, com ângulos reversos revelando as reações do astronauta ao longo
do caminho. “E isso fazia parte da transformação evolutiva da direção de
Kubrick”, observou Trumbull. “Uma tomada reversa ou por cima do ombro
não estava de acordo com a ideia de permitir ao público tornar-se aquela
personagem […]. Isso era terceira pessoa. Ele queria em primeira.”
No fim, Kubrick manteve as reações de Bowman por meio de um
punhado de fotogramas congelados do astronauta reagindo com surpresa e
horror diante das visões brilhantes do lado de fora de sua janela, e eliminou
por completo as tomadas do módulo. No entanto, o rosto de Bowman
aparece na tela tão rapidamente que é quase subliminal, e não interfere na
sensação de primeira pessoa do público, de estar participando da viagem.
Também vemos tomadas em macro de seu olho piscante, a córnea e a pupila
transmutadas em tons de verde, laranja e amarelo pelo efeito Purple Hearts,
o que o torna tão abstrato quanto suas visões ostensivas. Essa evolução da
ênfase no processo de direção, diz Trumbull, transformou o Portal Estelar
em “dezessete minutos ininterruptos de material experimental”.
É difícil superestimar a importância do Portal Estelar na trajetória de
2001. Após duas horas de realismo fotográfico perfeitamente realizado, a
sequência lança o filme em um novo domínio de experiência audiovisual
puramente subjetiva, boa parte dela inteiramente abstrata e não figurativa.
Mesmo hoje a sequência não parece datada. Apesar de toda sua força, as
imagens contemporâneas geradas por computador não suplantaram ou
superaram de fato as abstrações obtidas com a técnica de Trumbull, as
imagens cosmológicas do Projeto Manhattan de Kubrick, e as paisagens
planetárias Purple Hearts de Loftus. Mesmo revista à luz plena das
descobertas em efeitos visuais das últimas cinco décadas, a sequência do
Portal Estelar é tão espetacular hoje quanto era em 1968, quando 2001 foi
lançado. E isso não é pouca coisa.
No ano de 2001, ponderando sobre o caráter algo lisérgico da viagem
cósmica de Bowman, Arthur C. Clarke — um abstêmio convicto que se
contentou a vida inteira em apreciar as projeções da própria imaginação —
disse que desconfiava que alguns de seus criadores poderiam ter se
entregado ao uso de determinadas substâncias destinadas à expansão da
mente enquanto trabalhavam no projeto. Ao ser questionado sobre isso,
Trumbull foi categórico:

“Vocês não fumaram uns baseados, não?”


“Nunca.”
“Vocês estavam ocupados demais.”
“Nunca, não, não, ocupados demais.”
“Vocês estavam caretas.”
“Caretas como uma freira, e Kubrick também. A gente conversou sobre
isso.”
Nunca, não, não, ocupados demais.
Quando lhe perguntaram sobre essa conversa, Trumbull lembrou do
seguinte fragmento:

Doug: “Stanley, eu vi amigos meus perderem a perspectiva. Eles


entraram numa viagem de LSD e voltaram, e a gente pensa que os efeitos já
desapareceram completamente. Mas a perspectiva deles sobre a realidade
sofreu um deslocamento. Conversei com pessoas que me disseram: ‘Uau,
que viagem’, olhando para reflexos em um saleiro. Alguma coisa fica
distorcida. Acho que sou careta mesmo, mas não quero ficar doido desse
jeito nunca. Não quero perder minha perspectiva. Esse trabalho é difícil
para cacete”.
Stanley: “Concordo plenamente. Nunca vou mexer com essas coisas,
porque posso perder minha habilidade, como cineasta, de manter o foco.
Ela desapareceria, e eu tenho medo disso”.
Eu tenho medo. Minha mente está desaparecendo.
Algumas pessoas apontaram para a sequência do Portal Estelar de 2001
como uma espécie de apogeu intelectualizado da psicodelia, que naquele
momento tornava-se proeminente na cultura popular, e pode haver alguma
verdade nisso. Mas também dá para ver paralelismos com a arte abstrata
produzida pelos movimentos de vanguarda do começo e de meados do
século XX — e com as imagens de fenômenos cósmicos que o
revolucionário Telescópio Espacial Hubble, da Nasa, começou a transmitir
para a Terra no começo da década de 1990, excepcionalmente detalhadas e
em cores vivas.
As abstrações criadas com a técnica de Trumbull usaram a arte não
figurativa da vanguarda russa da década de 1910 (Malevich, Kandinsky) e
do expressionismo abstrato das décadas de 1940 e 1950 (Rothko, Pollock),
ambas estáticas, e as transpuseram para o espaço-tempo cinético do filme.
O resultado foi uma forma totalmente nova de experiência visual. As
nebulosas mutáveis e os aglomerados estelares em expansão de Kubrick —
as cenas majestosas de estrelas nascendo e galáxias se expandindo em meio
ao infinito do espaço profundo, que conseguiu fazer debruçando-se por
semanas sobre tanques malcheirosos de solvente de tinta — proporcionaram
uma prévia cinematográfica da vista do cosmos pelas janelas do Hubble,
algo sem precedentes até ali.
A história das relações entre ciência e arte é como a eterna história do
ovo e da galinha. Nesse caso, a arte veio primeiro.

***

À medida que aumentava a pressão para Kubrick entregar seu filme, que
estava ostensivamente atrasado e com o orçamento estourado, sua
fascinação por métodos de aperfeiçoamento de eficiência crescia e se
aprofundava. Da mesma forma que pedira a seu pessoal de efeitos especiais
que fosse além do que já se conhecia, e descobrisse algo desconhecido,
agora ele questionava seu próprio processo para otimizar o fluxo de
trabalho em 2001. Anos mais tarde, Trumbull ainda acharia isso
“fascinante, porque Stanley era, eu acho, um gênio. Ele vivia frustrado com
a inépcia dos reles mortais. E passava todos os finais de semana lutando
para tentar melhorar as coisas, descobrir um jeito melhor de organizá-las,
sistemas melhores, comunicação melhor, sei lá o quê”.
As folgas de fim de semana, fiscalizadas pelo sindicato da indústria
cinematográfica da Inglaterra, eram parte de seu problema — embora
possam ter evitado que ele, e possivelmente outros, se matassem por
excesso de trabalho. Em todo o caso, depois de passar vários fins de semana
aflito, o diretor voltava, na segunda-feira, com um Novo Plano. Um deles
foi anunciado durante um período de pico de pressão em 1967, quando
Kubrick fazia malabarismos para acomodar as demandas dos esforços
multicâmera, multimodais e multimidiáticos dos efeitos visuais, e as
exigências da sequência Aurora do Homem, período criativo de uma
fertilidade como jamais ocorrera na história do cinema. Em pé na sala de
projeção, na frente da sua junta interna de criadores de imagem e homens-
macacos iniciantes, Kubrick queixou-se de que as pessoas continuavam
chegando a ele com explicações longas e ineficazes que poderiam ser
resumidas em poucas palavras. Adotando um sotaque britânico erudito, ele
se lançou no solilóquio estéril de um cenógrafo: “Stanley, você recorda
quando estávamos no cenário da ponte, e tínhamos aquela coluna que era
meio, tipo, de uma espécie de roxo, e você disse algo do gênero:
‘Realmente deveria ser outro tom?’”.
Então, passou para um nova-iorquês exagerado: “Quer tinta azul?”. E de
volta ao sotaque britânico fino: “Bem, sim, Stanley, é o que estou tentando
dizer. Quero tinta azul”. Kubrick volta para sua voz normal: “Muito bem, eu
não quero ouvir o resto dessa baboseira. Só quero ouvir a parte da tinta
azul. E todo mundo nesta produção vai começar a falar do mesmo jeito, e
vamos usar inglês simplificado. Não fale comigo a menos que possa dizer o
que quer dizer em três ou quatro palavras. Não é” — volta para o sotaque
britânico — “‘Stanley, seria possível fazermos uma requisição de pregos
amanhã porque creio que vamos precisar deles para…’. Eu não quero ouvir
essa merda! Você precisa de pregos? Só quero ouvir isso.”
E daquele dia em diante — pelo menos por uma semana, mais ou menos
— toda a equipe do filme se encaixou na diretriz. Se ele precisasse de mais
troços para fazer um treco se transformar no bagulho que queria, Trumbull
passava na sala de Kubrick e dizia: “Preciso de mais daquele negócio”. E
todo mundo fazia a mesma coisa. Quando questionado se faziam isso sem
rir, Trumbull respondeu: “Sim, a sério. Absolutamente sério. Tudo bem. A
gente adorava o Stanley. Então não era um grande problema. A gente
entendia o problema dele. Ele estava frustrado, e a gente faria de tudo para
satisfazê-lo”. O esforço logo arrefeceu, é claro. “Ele queria otimizar a
comunicação humana e se livrar de erros, ambiguidades, mal-entendidos e
enganos”, observou Trumbull. “As pessoas não conseguem fazer isso.”
Outro plano de eficiência nasceu da aquisição, por Kubrick, de uma
tecnologia então nova e badalada, o gravador de microcassete, que ele
começou a usar para ditar suas notas a qualquer momento do trabalho. “Ele
ficava murmurando ordens, mudanças, ou ideias naquela coisa
constantemente”, recordou Trumbull. “Estava apaixonado pelo gravador.”
Quando Trumbull ia até ele, por exemplo, e anunciava: “Preciso de troços
novos”, em perfeito dialeto simplificado, instantaneamente o fiel gravador
Phillips Norelco de Kubrick surgia em cena, e o diretor repetia: “Novos
troços para Doug”. Mais tarde, sua secretária transcreveria o dialeto dos
colaboradores, produzindo uma lista de pedidos de compras. O resultado: o
retrato da ordem e da produtividade.
A partir de então, Kubrick insistiu para que a equipe fizesse o mesmo —
e, como estímulo, forneceu gravadores para todos. Não havia secretárias
para fazer as transcrições, porém, e todo mundo tinha de fazer as suas
próprias no fim do dia. Por várias semanas, isso se transformou de medida
de eficiência ostensiva em adiamento indolente das transcrições — não sem
algumas cenas hilárias na sala de projeção, diante dos olhos de águia do
diretor perfeccionista. “Um dia, na hora dos copiões, sabíamos que haveria
aquele sermão de rejeição”, recordou Trumbull. “Então, três de nós nos
reunimos e gravamos declarações para tocar durante a sessão. A primeira
era ‘Eu não gosto’. A outra: ‘Também não gosto’. O terceiro cara diria: ‘É,
acho que temos que refilmar tudo imediatamente, não acham?’.” Ele riu.
“Sabíamos que ele não levaria a mal. Nós o adorávamos, sabíamos que
estávamos fazendo um bom trabalho e que não éramos um fracasso. Então
nem ficamos constrangidos. Disso tudo surgiu um tipo de camaradagem.”
Ainda assim, à medida que a tensão aumentava e a insistência de
Kubrick na perfeição absoluta cobrava seu preço, algumas pessoas da
equipe de efeitos começaram a esperar a sessão de copiões com temor. Era
considerada falta especialmente grave quando qualquer pessoa, à exceção
do próprio Kubrick, apontava uma falha, fazendo um colega voltar ao
começo do jogo. De qualquer maneira, o diretor sempre pegava tudo, e um
dia Trumbull e Jim Dixon, o operador de câmara de animações, se
encheram. “Por um lado, tínhamos orgulho da qualidade do trabalho, das
poucas coisas que passavam pelo crivo de Kubrick”, disse Trumbull. “Por
outro, havia a tensão, a agonia, o trabalho duro e infindável de refazer as
coisas mil vezes.”
Cansados dos “redont’s”, eles compraram em uma loja de artigos
esportivos uma pistola de largada, carregada com um tiro de festim
extremamente barulhento, do tipo usado em estádios. Quando o projetor
começou a funcionar na manhã seguinte, e os resultados de seus esforços
foram submetidos mais uma vez ao olhar extremamente crítico do diretor,
eles esperaram pelo inevitável. Quando Kubrick ordenou que uma das
sequências de efeitos de Trumbull fosse refeita mais uma vez, Dixon
levantou-se de sua poltrona com um ar ameaçador. “Quem foi que fodeu a
tomada dessa vez?”, gritou, irritado. Trumbull se levantou também. “Você
está me prejudicando”, disse friamente. Ao que Dixon sacou a arma, mirou
contra o peito de Trumbull e disparou. Um som ensurdecedor ecoou no
ambiente fechado.
Trumbull desabou sobre o assoalho do teatro da sala às escuras. Todos se
levantaram de um pulo, horrorizados. Trumbull apertou o peito. Se agitou,
gemendo. Estremeceu, gemendo ainda mais. Por fim, ergueu o corpo e
sentou-se.
Kubrick começou a rir.

***

Muito já foi escrito sobre o ritmo imponente de 2001, sua espaçonave


valsando pela tela em cadências orbitais moderadas e dignas, e o
movimento solene da Discovery em direção a Júpiter, avançando na
cadência majestosa e sem pressa de uma procissão monárquica do século
XVIII, fadada a acabar em uma suíte de hotel em estilo Luís XIV. Ocorre que
o velocímetro interno do filme era limitado por um fator estranhamente
prosaico: o brilho das estrelas quando filmadas em 24 quadros por segundo.
As tentativas de representar os fundos estrelados de 2001 atravessaram
diversas fases. Os testes iniciais envolviam a perfuração de centenas de
orifícios em folhas de metal preto e a aplicação de luzes atrás delas. A
técnica logo foi considerada deficiente porque, à medida que a lente
passava, as estrelas se tornavam elípticas, devido ao movimento da câmera;
ou seu brilho mudava; ou elas cintilavam, o que seria um grande erro, algo
que nunca aconteceria no ambiente vácuo do espaço.
As paisagens estelares feitas com perfuração foram consideradas
inadequadas e outro método foi tentado: pontos de tinta eram salpicados
sobre uma placa de vidro, que então era colocada em ângulo e iluminada
por baixo. Mas como o vidro tem frente e verso, cada estrela acabava
ganhando uma duplicata refletida — o que também não podia acontecer.
Por fim, tomou-se a decisão de filmar todas as estrelas no stand de
animação, e Trumbull foi recrutado para aerografar aleatoriamente
pontinhos de tinta branca sobre fundos pretos, que foram então iluminados
por cima.
Se a técnica produzia campos de estrelas perfeitos, também evidenciava
o limite de velocidade do universo fílmico de 2001. A maioria das tomadas
ficava melhor com as estrelas movendo-se na mesma direção e velocidade,
enquanto a nave em segundo plano, filmada separadamente, movia-se em
outra, geralmente contrária. Ao perceber isso, Con Pederson trabalhou para
otimizar os sentidos e as velocidades de deslocamento das estrelas e
também da espaçonave. Determinou, por exemplo, que se a Discovery
estivesse se movendo da esquerda para a direita do quadro, e as estrelas
estivessem se deslocando de cima para baixo, o resultado seria uma espécie
de sensação de flutuação. Após muita tentativa e erro, criou-se um
vocabulário composto por oito combinações adequadas de direções e
velocidades de deslocamento.
Foi nesse estágio que a equipe de efeitos de 2001 percebeu que, na taxa
padrão de 24 quadros por segundo — da qual eles não poderiam escapar,
porque todos os projetores funcionavam nessa velocidade —, os
movimentos rápidos da câmera seriam um problema. A questão era que, em
projetores analógicos, cada quadro na verdade brilha duas vezes —
produzindo 48 flashes de luz a cada 24 quadros de imagem. Por causa da
persistência inerente à visão humana, objetos claros e brilhantes, como
estrelas, parecem dobrar. Em taxas ainda mais rápidas, eles triplicam, num
efeito estroboscópico ainda mais intenso. “E assim, nos primeiros estágios
da produção, atingimos o limite de velocidade que introduzimos”, lembrou
Trumbull. “E isso virou lei no filme: nunca se mover a uma velocidade
maior, para não acabar com estrelas em dobro.” Assim, o ritmo grandioso
das sequências espaciais de 2001 foi regulado pela taxa subestroboscópica
de seus campos estelares em movimento.
Quando questionado se aquilo significava que o ritmo de valsa de 2001
— sua elegante coreografia de máquinas girando em compasso 3/4 — foi
uma resposta ao limite de velocidade estelar autoimposto, e não a uma
edição do andamento do filme para adequá-lo a músicas como O Danúbio
Azul, Trumbull afirmou: “Exatamente. É essa a história. O ritmo de valsa
seguiu a velocidade das estrelas”. Isso não significa que o andamento da
composição de Strauss estivesse alterado, mas apenas que as escolhas
musicais de Kubrick às vezes aconteciam em resposta a um ritmo visual
que ele já havia determinado, e que não poderia ser mudado.
Com isso estabelecido, ainda restava a questão de como combinar os
campos estelares de movimento lento e as miniaturas de espaçonave de
2001. Kubrick e Veevers tinham improvisado uma técnica de sala de
projeção com dois projetores para avaliar quais velocidades e direções
funcionavam melhor juntas — um projetava os campos estelares e o outro,
a espaçonave. Mas na mistura ao vivo, as estrelas fluíam visivelmente de
um lado para outro do exterior da Discovery. Obviamente, isso não poderia
ser utilizado no filme, porque interromperia imediatamente a suspensão da
descrença, por parte do público; assim, uma técnica de animação foi usada
para disfarçar o efeito. Essa técnica exigiu a produção de silhuetas para
rotoscópio — que permitiam a remoção das estrelas de fundo quadro a
quadro, sempre que a espaçonave estivesse presente no quadro.
Tudo isso dava muito trabalho, e logo uma equipe jovem foi reunida no
que ficaria conhecido como “sala dos borrões”. Lá eles passaram horas e
horas desenhando meticulosamente contornos de espaçonaves sobre as
células (folhas transparentes que recebem desenhos de formas ou objetos,
nas animações analógicas), e depois os escurecendo com tinta. A trabalhosa
atividade de desenho e a igualmente monótona remoção de estrelas
individuais levaram o tédio da animação tradicional feita à mão a um novo
patamar. Colin Cantwell costumava passar para dar uma olhada no “pessoal
dos borrões”. Sob a pressão implacável da missão de exterminar estrelas,
eles “haviam ficado meio estranhos”, segundo ele.
Os desenhistas ficavam no escuro o tempo todo — só eles, algumas
bancadas e fileiras de projetores de slides — e a coisa mais excitante que
tinham para fazer era pintar borrões com tinta preta. Aquilo era um
esforço de meses e anos, e aos poucos eles foram ficando meio pirados.
Toda vez que ficávamos entediados ou começávamos a achar o nosso
trabalho chato, o remédio era conversar com o pessoal dos borrões. Eles
ficavam tão felizes de ver alguém — qualquer pessoa. Todos ficaram
muito amigos durante o filme, e tenho certeza de que foi um mecanismo
de sobrevivência […]. A maioria saiu da finalização de 2001 e foi
diretamente trabalhar em Submarino Amarelo. Estavam felicíssimos não
só porque trabalhariam em um ambiente iluminado, com janelas, mas
também por que poderiam usar cores nas pinturas. Era uma recompensa
por tudo que haviam passado.

***

2001: Uma odisseia no espaço foi feito durante o período em que o


presidente Lyndon Johnson ampliou decisivamente o envolvimento norte-
americano na Guerra do Vietnã. Doug Trumbull só pôde sair dos Estados
Unidos em 1966 depois de receber a permissão de sua junta de alistamento
— que, no entanto, exigiu que ele deixasse um endereço para o caso de seus
serviços serem necessários. Um dia, ele recebeu um pacote de
correspondências de casa com um envelope de aparência oficial contendo
uma solicitação ameaçadora: ele teria de se apresentar para um exame
médico em Los Angeles, e então seria recrutado. A data marcada para o
exame, porém, já havia passado.
Chocado, Trumbull escreveu para a junta explicando que não havia
desertado; apenas estava trabalhando na Inglaterra e tinha recebido sua
correspondência com atraso. Logo ele recebeu uma resposta: nesse caso, ele
precisaria ir à base da Força Aérea em Ruislip, a poucos quilômetros de
Borehamwood, para fazer seu exame.
Trumbull estava na Inglaterra com a esposa, e eles haviam acabado de
ter uma filha. Ele estava tão profundamente imerso em seu trabalho que mal
tinha tempo para registrar o que se passava nos noticiários, ainda que a
Guerra do Vietnã recebesse tanta cobertura na televisão britânica quanto
nos Estados Unidos. De fato, 1967 foi o segundo ano mais sangrento para
as forças norte-americanas de todo o conflito, com mais de 11 mil soldados
norte-americanos mortos em ação. O país precisava de reforços. Trumbul
seria um deles.
Ele considerou suas opções. Estava usando uma tecnologia que ele
próprio havia construído para produzir o que, no limite, equivalia a um
vocabulário cinemático inteiramente novo. Muito jovem, já vivia o que era,
de longe, o período mais criativo e emocionante de sua existência. Sob
hipótese alguma interromperia seu trabalho se pudesse evitar. Não falou da
carta a Kubrick, mas informou-se sobre as estratégias que outras pessoas
tinham utilizado para evitar o serviço militar. Logo descobriu que sua visita
à base da Força Aérea consistiria em um exame médico, um questionário
por escrito e um teste de aptidão, além de uma entrevista com um médico
da Força Aérea.
Em meados da década de 1960, a homossexualidade era crime tanto nos
Estados Unidos quanto no Reino Unido. Isso levara o criptoanalista
britânico Alan Turing, um dos maiores heróis da Segunda Guerra Mundial,
a se sucidar depois de ser condenado por “conduta obscena” em 1952.
Embora ele só falasse disso com seus amigos íntimos, foi essa
criminalização que levou Clarke a se estabelecer no Ceilão, onde a
homossexualidade era tolerada. Com certeza, ser gay era motivo para
dispensa do serviço militar nos dois países — e também para rejeição no
recrutamento. “Decidi então sugerir que eu era extremamente inteligente,
mas gay — inteligente, gay, casado e com filhos”, recordou Trumbull. “E
artista. Eu disse: ‘Acho que pode funcionar’. Porque era confuso. Foi a
minha estratégia.”
Quando se apresentou na base da Força Aérea em Ruislip, e chegou à
parte do questionário em que deveria especificar sua orientação sexual,
escreveu “Homossexual”. Conduzido para a entrevista com um médico, ele
se sentou, inclinou-se para a frente e olhou fixamente para o assoalho,
evitando qualquer contato visual. “Eu estava me passando pela pessoa mais
deprimida do planeta”, lembrou. “Como se eu estivesse seriamente
deprimido. A ponto de pular no pescoço dele.”
“Você é gay?”, perguntou o médico.
“Sou”, afirmou Trumbull.
“Bem, mas você é casado”, o médico observou.
“Sou”, disse Trumbull, olhando para o piso, a testa franzida.
“E você tem uma filha.”
“Sim.”
“E como é a sua vida?”, perguntou o médico.
“É ok”, disse Trumbull soturnamente.
Algumas semanas depois ele recebeu sua terceira carta oficial, dessa vez
informando que ele recebera uma classificação 4-F, e que não estava apto
para o serviço militar pelos padrões físicos, mentais ou morais
estabelecidos.
Ele estava tão ocupado que mal teve tempo de registrar a notícia.

***

Diversas lembranças conflitantes de colaboradores e testemunhas sobre os


eventos de 1966 e 1967 registram a origem do caminho que levou Kubrick
ao uso sem precedentes da chamada “música de toca-discos” — faixas já
gravadas, todas clássicas — em 2001: Uma odisseia no espaço. Nenhuma
história isolada reflete a verdade inteira, mas podemos chegar a uma
espécie de agregado preciso.
O uso de trilhas sonoras originais era o procedimento padrão em
produções hollywoodianas de grande orçamento, e em 1966, Kubrick
contratou o compositor Frank Cordell para musicar o filme. Cordell, que
emplacara uma série de sucessos na Inglaterra com sua orquestra na década
de 1950, vinha compondo música para filmes desde 1952. Sua trilha mais
recente tinha sido para Khartoum, produção em cinerama da United Artists,
de 1966, estrelando Charlton Heston e Laurence Olivier (e escrita por
Robert Ardrey). No entanto, depois de contratar Cordell, Kubrick resistiu
inexplicavelmente a compartilhar qualquer material, insistindo que, em vez
disso, ele trabalhasse com base em descrições verbais. Quando não estava
evitando a qualquer custo se encontrar com o compositor, tinha dificuldade
em articular o que queria — apesar de declarar grande interesse pela
Terceira Sinfonia de Gustav Mahler, com sua seção vocal baseada no
romance filosófico de Friedrich Nietzsche, Assim falou Zaratustra.
Consequentemente, Cordell passou um ano escrevendo variações sobre a
Terceira de Mahler.
Ele nunca havia tentado trabalhar nessas condições, porém, e isso
acabou pesando. “Sei que o pobre Frank teve um esgotamento nervoso mais
tarde, isso eu posso lhe dizer”, comentou David de Wilde, primeiro
assistente de edição de 2001 e colaborador próximo de Kubrick desde Dr.
Fantástico. “Porque, sabe, ele era assim” — De Wilde se agita como uma
folha. “Pobre sujeito. Ele veio falar comigo […] me perguntou: ‘O que está
acontecendo? Quando vou poder ver o filme? Quando ele vai conversar
comigo?’.”

Então ele fez uma sessão [de gravação], mas eu teria cuidado com o que
falar a esse respeito […] foi bem difícil. Foi uma época difícil para
Frank, seus nervos estavam à flor da pele, e Stanley causava isso nas
pessoas. Quer dizer, sabe quantas pessoas tiveram esgotamento nervoso
durante o filme? Você já descobriu isso? Um monte de gente. Stanley
costumava aterrorizar as pessoas sem fazer absolutamente nada.

De Wilde pode estar falando do produtor associado Victor Lyndon, que,


depois de aguentar firme por mais de dois anos, deixou 2001 por ordens
médicas, em fevereiro de 1967, oficialmente devido à ansiedade e ao
estresse causados pelas infindáveis demandas do filme. Wally Gentleman e
Bob Cartwright também deixaram o filme antes do fim, em resposta aos
métodos do diretor. Independentemente dos motivos ostensivos, Kubrick
não perdoou essas desistências, e nenhum dos três recebeu crédito no filme.
A posição frágil de Cordell pode ser explicada em parte pelo perfil de
Kubrick traçado por Jeremy Bernstein e publicado em novembro de 1966
na revista The New Yorker. Ele revelava que, embora o diretor ainda
estivesse tentando decidir qual estilo de música se adequava ao filme,
decidira que, pelo menos por ora, o compositor alemão Carl Orff era “um
modelo do que estava procurando”. Clarke também citou Orff, Mahler e
Vaughan Williams como compositores do interesse de Kubrick — o que era
confirmado pelo fato de ele ter ouvido a sétima sinfonia de Williams, a
Sinfonia antártica, enquanto filmava em close-up as reações de Dullea em
sua viagem descontrolada através do Portal Estelar.
Na primavera de 1966, Kubrick havia feito contato direto com Orff, para
ver se ele toparia compor a trilha sonora. Com 71 anos na época, Orff
declinou de assumir um projeto daquela magnitude, e Kubrick contratara
Cordell em seguida, como uma espécie de Plano B. De acordo com
Bernstein, o diretor “havia descartado a maioria dos compositores
ultramodernos, incluindo os que se dedicavam à musique concrete e à
música eletrônica em geral (embora admirasse parte de suas obras), porque
sua música era tão estranha que roubaria qualquer cena na qual fosse
tocada”. No texto, Kubrick observava que “em geral […] as composições
para cinema tendem a carecer de originalidade, e um filme sobre o futuro
poderia ser o espaço ideal para uma trilha realmente original, criada por um
grande compositor”.
Depois de Orff — e com Frank Cordell ainda lutando para entender o
que queriam dele — Kubrick entrou em contato com o compositor Bernard
Herrmann, que criara trilhas notáveis para Cidadão Kane e vários dos
filmes mais conhecidos de Hitchcock, incluindo Psicose e Um corpo que
cai. Contudo, Herrmann, que não aceitara assumir Dr. Fantástico, recusou o
novo convite também — não sem antes se oferecer para compor a trilha
pelo dobro do que normalmente cobrava. A provocação era provavelmente
uma resposta à insistência de Kubrick em incluir na trilha sonora diversas
faixas existentes, algo que também fizera em Dr. Fantástico, para desgosto
de Herrmann. O diretor teria supostamente consultado, ainda, o compositor
Gerard Schurmann e o maestro Philip Martel sobre as escolhas musicais
para 2001, embora não tenha oferecido a composição da trilha a nenhum
deles.
Assim, a decisão final de Kubrick de usar música pré-gravada seguiu-se
a um trajeto altamente tortuoso. Pode ter começado na última sexta-feira de
janeiro de 1966 — especificamente o dia 28. Com as filmagens a todo
vapor, o diretor se preparava para receber um grupo de figurões da MGM,
incluindo Robert O’Brien, o presidente do estúdio. Sabendo que teria que
mostrar material recém-filmado a eles na semana seguinte, ele convocou
Tony Frewin. “Escuta, pega umas duzentas libras com o departamento de
contas, não muito mais do que isso, vá com um dos motoristas para a cidade
e me compra uma boa seleção de música clássica e música erudita
moderna”, instruiu. “Mas nada daquelas merdas de musique concrete.”
Duzentas libras em 1966 eram o equivalente a 3.500 libras de hoje —
algo em torno de 5 mil dólares. Mal acreditando em sua missão, Frewin saiu
correndo para uma das melhores casas de discos de Londres, a Discurio, e
basicamente comprou a loja toda. Naquele tempo os LPs custavam cerca de
uma libra, e mesmo os discos mais caros da Deutsche Grammophon não
saíam por muito mais do que duas libras. Voltou preocupado com a
possibilidade de ser parado pela polícia; a perua estava tão abarrotada de
vinis que afundou visivelmente com o peso.
Instruído por Kubrick a levar os discos ao retiro particular que usava
para escrever, perto do Palco 6, Frewin então recebeu a ordem de voltar no
dia seguinte, quando procederam da seguinte forma: em pé ao lado do toca-
discos, Kubrick mandava Frewin retirar os discos das capas e passá-los para
ele — “não quero desperdiçar tempo fazendo isso, seja rápido”. Então ele
abaixava a agulha rapidamente sobre inumeráveis sulcos de centenas de
faixas. “Gastamos a maior parte da manhã nisso, e então ele teve que fazer
outra coisa; depois voltou no meio da tarde e continuamos até a noite”,
disse Frewin. “E aí fizemos mais daquilo na segunda e na terça-feira.”
Naquela sexta-feira Kubrick e os figurões da MGM encaminharam-se
para uma das “maravilhosas salas de projeção” do estúdio, lembrou-se
Frewin — não a bagunçada sala dos copiões. Lá, o diretor entregou
diversos discos ao projecionista. Clarke também estava presente na
projeção, que aconteceu no dia 4 de fevereiro. “Ele usou Sonho de uma
noite de verão, de Mendelssohn, nas cenas de ausência de gravidade”,
escreveu ele — referindo-se ao Scherzo, sobre imagens dos interiores das
espaçonaves Aries e Orion — “e a Sinfonia antártica, de Vaughan
Williams, para as sequências lunares e os efeitos especiais do Portal Estelar,
com resultados impressionantes”. Na lembrança de David de Wilde, a
Terceira de Mahler também estava lá: “A música de Mahler com aquelas
imagens era extasiante”.
Com uma grande quantidade de discos de música clássica de primeira
divididos agora entre o retiro particular de Kubrick, seu gabinete no Prédio
53 e as diversas salas de projeção da MGM, estava criada a base para a
introdução fortuita, na produção, da valsa O Danúbio Azul, de 1866, de
Johann Strauss (o título original, na verdade, era Pelo Belo Danúbio Azul
em alemão). Andrew Birkin lembra-se claramente de um incidente em
agosto daquele mesmo ano. As refilmagens da trêmula estação espacial
estavam em andamento, e Colin Brewer, da equipe de efeitos, tinha
dificuldade para ficar acordado na projeção do copião. Ele roncava, o ronco
aumentava, ele levava uma cotovelada na costela, o ronco parava — e a
sequência toda se repetia.
Percebendo que o festival de roncos cíclicos de Brewer estava tendo um
impacto adverso no ânimo da tropa, Birkin teve a ideia de tocar alguns dos
LPs de música clássica que estavam na cabine de projeção — legado da
farra de Frewin na loja de discos meses antes — enquanto assistiam à
estação girar. “Estávamos ali olhando para a roda, e começa a tocar O
Danúbio Azul. No final, quando as luzes se acendem, Stanley vira para nós
e pergunta: ‘Vocês acham que seria um ato de genialidade ou de loucura
usar essa música no filme?’”, lembrou Birkin. “Era uma pergunta retórica.
Ele estava perguntando a si mesmo. Foi aquele momento de pura sorte, de
acaso, vamos dizer.”
Àquela altura, ainda faltava um ano inteiro para a montagem começar;
quando começou, a decisão de Kubrick se solidificara. Na época, O
Danúbio Azul era considerada uma composição cafona, antiquada e
nacionalista — o hino não oficial da Áustria. No outono de 1967, Kubrick
tocou-a sobre a cena da estação espacial e perguntou a De Wilde o que ele
achava. Acostumado com seu adorado Mahler, De Wilde disse: “Não
gosto”.
“Indeferido”, disse Kubrick, sorrindo.
Quando questionado sobre a composição de Strauss, o assessor musical
informal de Kubrick, seu cunhado Jan Harlan, respondeu:

O montador Ray Lovejoy me contou que a equipe de montagem ficava


meio desesperada quando Stanley tocava O Danúbio Azul várias vezes
seguidas, porque perceberam que ele estava pensando em usar aquela
valsa vienense “antiquada”. Ele decidiu remontar a sequência inteira de
acordo com a música, incluindo a introdução — tudo girando e girando.
Sem corte, sem fade-out, nada. Suponho que Christiane apoiou sua
decisão, mas a maioria das pessoas, incluindo os críticos de cinema,
mais tarde achou que ele tinha enlouquecido. Agora, Johann Strauss
virou “música espacial”. Ele teria ficado agradavelmente surpreso.

Como as salas de edição no Prédio 53 tinham paredes finas, logo o


contingente inteiro da Hawk Films sabia que a música estava sendo
considerada, e Colin Cantwell percebeu uma espécie de consternação
generalizada diante do flerte de Kubrick com a valsa. “Em toda parte,
sentia-se uma reação estranha quando as pessoas ouviam aquele trecho do
filme sendo editado”, Cantwell recordou, rindo. “Diziam coisas do tipo: ‘O
Stanley pirou?’, ‘Ele está maluco?’. Temiam que estivesse mentalmente
perturbado.”
Depois do lançamento do filme, o próprio Kubrick falou em detalhe do
que pensava sobre a música. “Quis algo que expressasse a beleza e a graça
que uma viagem espacial teria, especialmente quando chegasse a ser
rotineira, sem grandes perigos envolvidos”, contou ao Toronto Telegram.
“Também queria algo que não soasse ‘espacial’ ou futurista demais. Aliás,
ouvi umas 25 gravações de O Danúbio Azul antes de escolher a de Herbert
von Karajan, o maior maestro do mundo, para a Deutsche Grammophon. É
o tipo da música que pode soar terrivelmente banal, mas, em sua melhor
forma, ainda é algo magnífico.”

***

Desde bem antes do começo da montagem, todo o pessoal ligado ao filme


tratava de manter os ouvidos abertos para descobrir composições que
pudessem ser usadas. No verão de 1967, Christiane Kubrick e a escultora e
ceramista Charleen Pederson — esposa de Con Pederson — reuniam-se
regularmente na casa de Kubrick em Abbots Mead para criar formas de
vida alienígena em argila e outros materiais. “Elas ficavam rascunhando
umas criaturas esquisitas para agradar o Stanley”, lembrou Con. “Então, um
dia, Christiane entrou para preparar o almoço, e naquele momento,
começou a tocar uma música na BBC. Era tão estranha que Charleen pensou:
‘Nossa, o Stanley deveria ouvir isso’.” Foi correndo chamar Christiane, que
ficou igualmente impressionada com a composição. Era uma transmissão
do Requiem, do compositor húngaro György Ligeti, executada pela
Orquestra Sinfônica e Coro da Rádio do Norte da Alemanha.
Kubrick procurou imediatamente uma cópia da gravação, mas a BBC
disse que eles não tinham os direitos para emprestá-la, oferecendo-se, em
vez disso, para tocá-la para ele se Kubrick fosse até seus estúdios. Ocupado
demais para fazer a peregrinação, ele tentou entrar em contato com Ligeti
por meio de Jan Harlan; descobriu que o compositor estava viajando e que
sua governanta em Viena não sabia quando voltaria. Por fim, Kubrick
conseguiu ouvir a composição e ficou cativado por sua energia. Então, o
escritório de produção da MGM fez um acordo com a Sociedade de Proteção
de Direitos Autorais para usar aquela e várias outras obras de Ligeti como
“música de fundo” no filme por um determinado valor por minuto — “um
grande erro”, de acordo com Harlan, especialmente porque o contrato foi
feito sem o conhecimento do compositor. Quando Ligeti viu o filme, ficou
“enfurecido”, escreveu Alex Ross. “Em uma carta descoberta recentemente
pela pesquisadora alemã Julia Heimerdinger, ele chama o filme de ‘uma
dessas merdas de Hollywood.’”
Além do claro desrespeito por não ter recebido um valor compatível
com sua contribuição, e nem sequer sido contatado diretamente, a raiva de
Ligeti foi provocada pelo fato de que uma das quatro composições que
Kubrick usou, Aventures, fora alterada sem sua permissão. “O editor das
composições percebeu que ‘música de fundo’ era a autorização errada e
enviou uma carta ríspida, em termos legais”, escreveu Harlan. “O assunto
foi resolvido prontamente pela MGM, que ofereceu um pagamento
adequado.” A versão de que o compositor processou Kubrick por ter
distorcido sua música, e aceitou uma soma nunca revelada, em um acordo
extrajudicial, foi negada pelo compositor em 1989; mas ele afirma que teve
de contratar um advogado para lidar com o estúdio. “A MGM me mandou
umas cartas muito graciosas”, contou. “Eles diziam que eu deveria estar
feliz, porque agora era famoso na América.”

[89] Charleen Pederson, à esquerda, e Christiane Kubrick com suas esculturas de alienígenas.

A despeito dessas manobras, as composições extraordinárias de Ligeti


provaram-se fundamentais para o impacto de 2001 — sem dúvida, uma das
atrações do filme. Claramente influenciada pela raiva e pelo choque, sua
posição inicial em relação ao filme mudaria com o tempo. Antes uma figura
obscura, Ligeti se tornaria conhecido entre os mais influentes compositores
de vanguarda do século XX, em parte, sem dúvida, porque o filme atraiu a
atenção de milhões de novos ouvintes para sua música. Kubrick acabou
usando mais de meia hora da obra do compositor em 2001, incluindo o
prelúdio de três minutos que é tocado antes de as cortinas se abrirem, no
qual uma composição orquestral desprovida de melodia, e de uma
assustadora falta de métrica, chamada Atmospheres, gradualmente se eleva
na trilha sonora. Como as duas outras peças usadas no filme — Lux Aeterna
(Luz Eterna), uma composição para coro misto de dezesseis vozes que toca
quando o Ônibus Lunar desliza sobre o desolado terreno da Lua, e o
Requiem, uma lamúria sem palavras feita por um coro de vinte vozes, usada
como fundo para o primeiro encontro dos homens-macacos com o
monólito, na visita dos astronautas ao monólito, e, por fim, quando
Bowman entra no Portal Estelar —, Atmospheres parece expressar uma
sensação avassaladora de horror e sublimidade.
Não há dúvida de que o generoso aporte das obras-primas de Ligeti
deveria ter sido negociado com o próprio compositor, e não está claro por
que Kubrick não persistiu nesse esforço. Ao ser questionado pelo jornal Die
Welt, em 2001, se sua música havia sido “colocada corretamente” no filme,
Ligeti respondeu: “Minha música, na seleção de Kubrick, se encaixa bem
nessas fantasias de velocidade e espaço”. Quando lhe pediram para detalhar
mais seus sentimentos em relação ao filme, disse: “Achei maravilhosa a
maneira como minha música foi usada. Nada maravilhoso foi eles não me
pedirem e nem me pagarem”.
Um dos raríssimos artistas capazes de expressar sensações de espanto,
terror e reverência em igual medida em seu trabalho, Ligeti tinha, de fato,
encontrado em Kubrick uma espécie de equivalente seu na construção de
imagens, e embora aquilo dificilmente tenha sido uma colaboração no
sentido tradicional, a conjunção de seus talentos produziu algo maior que a
considerável soma das duas partes — quer ele gostasse ou não.
Por sorte, ele acabou gostando.
***

Entre as primeiras composições musicais que David de Wilde transferiu


para fita, a pedido de Kubrick, quando começou a trabalhar em 2001, no
final de 1965, estava a estrepitosa Assim falou Zaratustra, de Richard
Strauss — que, como a Terceira de Mahler, é uma homenagem ao livro
epônimo de Nietzsche. Naquela época, Jan Harlan estava morando em
Zurique, e recorda de Kubrick escrevendo para pedir uma “música
majestosa, grandiosa, que chegue ao final rapidamente”. Ele imediatamente
revirou sua enorme coleção de discos e, em sua viagem seguinte a Londres,
“levou muitos LPs: Bruckner, Wagner, Sibelius, Holst etc., e o Strauss fazia
parte do pacote. Ele adorou o título, e só entendi a razão disso muito depois,
quando vi o filme”.
Da mesma forma que a composição de Mahler — só que agora com
mais brevidade e impacto sonoro — o prelúdio ao poema tonal de Strauss
não podia se adequar melhor ao tema do filme. Com suas passagens
inesquecíveis, que descrevem a humanidade como uma espécie de
equilibrista a meio caminho entre o macaco e o Übermensch (Super-
homem), o romance de Nietzsche, de 1883, antecipa o arco evolutivo de
2001 com incrível especificidade:

Eu vos ensino o super-homem. O homem é algo que deve ser superado.


Que fizestes para superá-lo? Todos os seres, até agora, criaram algo
acima de si próprios: e vós quereis ser a vazante dessa grande maré, e
antes retroceder ao animal do que superar o homem? Que é o macaco
para o homem? Uma risada, ou dolorosa vergonha. Exatamente isso
deve o homem ser para o super-homem: uma risada, ou dolorosa
vergonha. Fizestes o caminho do verme ao homem, e muito, em vós,
ainda é verme. Outrora fostes macacos, e ainda agora o homem é mais
macaco do que qualquer macaco.

Como o Requiem de Ligeti, Kubrick usaria a abertura esfuziante de Strauss


três vezes no filme. Na verdade, ela se chamava “Introdução, ou Alvorecer”
nas notas do compositor, com base em um capítulo no livro de Nietzsche —
outra coincidência notável, porque no momento em que Kubrick colocou a
música na sequência de créditos, ela havia se tornado exatamente isso: um
alvorecer sobre a Lua e a Terra.
Há evidências de que a espetacular tomada de abertura de 2001 não
teria, originalmente, aquele destaque; provavelmente acabou ficando ali
devido à sua poderosa ressonância com o prelúdio de Strauss. Chamada de
“truque para ocultar a Terra” pela equipe de efeitos, ela se baseava em uma
das sequências de Universe, de Wally Gentleman, quando o Sol era visto
emergindo ao lado tanto da Terra quanto da Lua. Nas diversas tentativas de
copiar o efeito em 1966-7, Bruce Logan produziu imagens com a câmera
fazendo uma panorâmica sobre uma fotografia da Lua (fornecida pelo
observatório Lick) até a Terra, que se erguia mais à frente, enquanto o Sol
— feito com uma lâmpada halógena posicionada atrás de um orifício
perfurado em uma folha de alumínio preto — alçava-se simultaneamente
sobre ambos. A sequência não ficava muito boa até o dia em que Trumbull,
exasperado, virou a cabeça em um ângulo de 90 graus e percebeu que o Sol
e a Terra deveriam se levantar acima do horizonte lunar— não a seu lado,
como antes. A nova orientação ficou muito boa e resolveu o problema.27
Brincando com a abertura de Strauss na montagem, Kubrick percebeu
que a tomada de Logan era seu par perfeito em potencial. De qualquer
forma, em algum momento no inverno de 1967-8, ele pediu ao animador
que a filmasse novamente, dessa vez sincronizando os créditos iniciais do
filme com os crescendos de metais e tímpanos de Strauss — “A Metro-
Goldwyn-Mayer apresenta”, “Uma produção de Stanley Kubrick”, “2001:
Uma odisseia no espaço”. Ele viu Trumbull passar pelo corredor e o levou à
sala de montagem para testar sua reação. “Será que isso vai funcionar, ou
não tem absolutamente nada a ver?”, perguntou, com uma nota de
ansiedade.
Pelo que Trumbull se lembra, Kubrick temia que pudesse parecer um
excesso. Na montagem, a seção de metais de Strauss ressoava no momento
em que o nome do diretor aparecia na tela, e ele estava dolorosamente
ciente de que, se a coisa não funcionasse, ele poderia ficar parecendo
ridículo. Com o volume alto, Trumbull — cuja intervenção anterior, na
verdade, tinha orientado a própria tomada — agora observava atentamente
seu uso na sequência de créditos. “Eu achei ótimo”, ele disse no fim,
sorrindo. “Realmente gosto. Faz isso, sim!”
Lembrando-se desse momento anos mais tarde, ele comentou: “Fiquei
realmente honrado quando ele quis saber minha opinião”.

26. Originalmente um jogo de tabuleiro indiano e mais tarde britânico. [ «« ]


27. A Nasa enfrentou quase a mesma questão no lançamento da primeira imagem da Terra se
erguendo sobre a Lua, tirada em dezembro de 1968 pela tripulação da Apollo 8. A primeira liberação
de imagem da agência espacial tinha os polos do planeta em sua orientação clássica norte-sul, o que
significava que o horizonte lunar corria verticalmente sobre a fotografia. Não parecia certo, e mais
tarde a fotografia foi lançada de novo, agora com a borda lunar aparecendo horizontalmente pela
imagem. Essa se tornou a fotografia clássica que vemos hoje. [ «« ]
Capítulo 10

Simetria e abstração
AGOSTO DE 1967 – MARÇO DE 1968

Certas ideias temáticas são melhores de sentir do que de explicar. Prefiro que o filme entre no
subconsciente em vez de ser classificado pela mente consciente com exposições verbais específicas.
Stanley Kubrick para o jornal The Toronto Telegram

Con Pederson estava envolvido no intrincado controle de voo da Sala de


Guerra e Trumbull, preocupado com seus complexos aparelhos de
visualização; assim, as animações de 2001 ficaram mofando no último
trimestre de 1967, devido simplesmente à sobrecarga de trabalho dos
principais encarregados dos efeitos. Após conversar com ambos, Kubrick
decidiu convocar os reservistas, chamando outro veterano da Graphic
Films, o animador Colin Cantwell. Ao chegar a Los Angeles em agosto,
Cantwell, então com 35 anos, encontrou Kubrick e sua equipe nos “estágios
finais e tentando juntar forças da melhor maneira possível contra chances
muito ruins”.
Ele descobriu que ⅔ das animações do filme estavam incompletos, em
estágios variados, e em pouco tempo organizou turnos de 24 horas. Por ser
um sagaz estudioso de cinema, e em especial de Ingmar Bergman, Cantwell
também desenvolveu um diálogo produtivo com Kubrick, que tinha o
cuidado de disfarçar quando estava no estúdio, para evitar ciúmes ou
rivalidades.28 Como Trumbull, ele percebeu logo que, embora o diretor
fosse claramente o capitão daquele navio, era possível estabelecer com ele
uma colaboração de fato. “Ele não estava desperdiçando tempo, estava
focado”, lembrou sobre Kubrick nos últimos seis meses da produção. “Ele
se dedicava ao que estava criando; estava tentando ouvir, tentando descobrir
onde estava, tentando continuamente construir o filme como uma coisa
completa. Esse filme é o Stanley. E era ótimo isso, estar buscando; todos
nos envolvemos nisso. Como cada coisa poderia ser feita e a excelência que
tinha que ter. Tudo tinha que ter essa excelência, ou não poderia nem
acontecer.”
Muitas das naves espaciais vistas em 2001 eram, na verdade, animações
de fotos que eram colocadas em contextos cósmicos depois de repetidas
passagens pelo stand de animação — técnica que permitia acrescentar
detalhes convincentes, como figuras vivas movendo-se nas janelas. Mesmo
imagens de modelos de espaçonave filmadas “ao vivo” eram, às vezes,
combinadas com fotos estáticas, posicionadas com astúcia — por exemplo,
na sequência da estação espacial giratória sendo perseguida pelo ônibus
espacial da Pan Am, o ônibus era, na verdade, uma foto da nave em recuo.
O Ônibus Lunar e outras espaçonaves foram animadas basicamente da
mesma maneira, depois de Brian Johnson tê-las fotografado em grande
formato para essa finalidade.
Uma das primeiras sugestões de Cantwell influenciaria o aspecto visual
do filme de maneira sutil, porém significativa. Ele descobriu que, graças à
prática de partir de storyboards, muitas sequências tinham sido concebidas
“fundamentalmente em ângulos retos […] e uma das coisas que pensei em
fazer foi soltar as coisas dos ângulos retos”. Embora muitos componentes
individuais fossem “maravilhosamente utilizáveis” — por exemplo, a
estação giratória — Cantwell descobriu maneiras melhores de mostrar a
chegada do ônibus, e procurou introduzir ângulos de câmera mais
diversificados, incluindo imagens com 2/3 de preenchimento.
Quando explicou sua ideia a Kubrick, contudo, o diretor não entendeu.
Então Cantwell cortou pedaços de papelão em formatos diferentes, criando
“um pequeno kit […]. Exatamente como uma peça de arte bruta, um
elemento, seus eixos e eixos duplos […]; você pode girar as estrelas e girar
a trajetória da nave independentemente, para poder retratar em sequência,
quadro por quadro, o que aconteceria à medida que a nave se aproximasse
da doca de atracação”. Após usar o modelo para demonstrar o que queria
dizer, ele rapidamente recebeu sinal verde do diretor. As intuições visuais
de Cantwell eram excelentes, e Kubrick logo passou a apreciá-las.
Cantwell percebeu logo que, embora o realismo fosse importante em
2001, ele era superado por uma contínua busca pela pureza visual — por
imagens que fossem poderosas o bastante para contar suas próprias
histórias, dispensando a explicação verbal. “Há o tempo todo um nível de
abstração, e Stanley nunca perdeu de vista a importância disso”, lembrou
ele. “Seu negócio eram imagens e seu impacto, e ele se manteve fiel a isso,
o que funcionou tremendamente.”

O filme é bastante abstrato, e essa divergência entre as palavras do livro


e a experiência do filme, acho, estava no centro do que Stanley tentava
fazer. Quanto mais ele avançava no processo, mais ele mantinha o foco
nesse núcleo […]. Stanley estava criando um conjunto de experiências
que faria [o público] saltar para além do presente palpável, em direção a
um presente mais adiante, e algumas de suas implicações […]. O
público sentiria que realmente estava vivendo aquela experiência. Não
haveria dúvida. Não teria a aparência de efeitos especiais. Não daria a
sensação de efeitos especiais.

Na narrativa de Cantwell, nos últimos meses de produção a identidade de


2001: Uma odisseia no espaço estava sendo forjada com base, em parte, em
suas diferenças em relação ao romance, que, de uma forma crítica, oferecia
não algo a ser copiado (“Tudo que você puder descrever, eu consigo
filmar”, Kubrick teria dito, segundo Clarke, em 1964), mas sim algo de que
se afastar, e até mesmo ir contra.
Essa não era necessariamente uma interpretação da qual Clarke
discordaria. Em um eco revelador da fala de Cantwell, o autor descreveu
seu papel a um bando de VIPs na primavera de 1968. “Este é, realmente, um
filme de Stanley Kubrick”, disse em um evento da MGM projetado para
divulgar 2001, então ainda não lançado. “Fui um impulsionador da primeira
etapa e, ocasionalmente, ofereci orientação.”

***

Uma das transições que ainda não estavam resolvidas quando Cantwell
chegou era o movimento de Bowman do espaço “real” da órbita de Júpiter
para a hiper-realidade do Portal Estelar. Os storyboards mais antigos tinham
concebido um corte físico, real, em uma das luas de Júpiter como a entrada.
Outra ideia era que Bowman encontrasse um monólito gigante orbitando o
planeta, e se aproximasse em sua cápsula. Depois de ver seu próprio
reflexo, ele estenderia um dos braços da cápsula para tocá-lo — fazendo
eco, assim, às ações de William Sylvester e de Dan Richter — e descobriria
que ele era a entrada do Portal Estelar. Nenhuma abordagem tinha se
mostrado facilmente realizável, porém, e nem sequer parecido adequada nos
desenhos.
Outro problema era como mostrar a circunstância que fizera o monólito
enviar seu sinal para Júpiter, antes de mais nada, colocando em curso,
assim, toda a segunda metade da história. Kubrick já tinha levantado essa
questão com Trumbull na primeira discussão importante que tiveram, no
cenário da Anomalia Magnética de Tycho, em Shepperton, dois anos antes.
No roteiro, o monólito era um dispositivo movido a energia solar, e ele
deveria ser ativado quando exposto à luz solar pela primeira vez em 4
milhões de anos. Mas como mostrar isso? Julgou-se que a sequência era
difícil demais para ser realizada em Shepperton, e ela foi deixada para a
pós-produção.
No final de 1967, Stanley e Christiane faziam sessões de cinema
regularmente em sua casa em noites de fins de semana para o círculo de
amigos mais próximos do diretor, e Cantwell começou a ficar por lá depois
do filme para comer alguma coisa. Durante uma série de discussões
informais entre Kubrick e Cantwell naquele outono, a conversa voltou-se
para o uso da simetria em Ingmar Bergman, especialmente em seu filme A
fonte da donzela, de 1960, que havia impressionado Cantwell pessoalmente
porque, embora a maioria das tomadas fosse assimétrica e extremamente
composta, algumas cenas essenciais apresentavam um equilíbrio quase
perfeito. Isso animou Kubrick — já um entusiasta de Bergman — a projetar
o filme novamente, e os dois retomaram o assunto. De acordo com
Cantwell, eles concordavam que as simetrias de Bergman serviam como
marcadores simbólicos. “Nós conversamos, e sugeri que tínhamos uma
oportunidade de usá-las da mesma maneira que Bergman”, lembrou
Cantwell. “Poderia haver momentos em que aquele afastamento da simetria
serviria, então, como uma ênfase não verbal, um poste de amarração para as
pessoas prenderem suas experiências juntas em pontos pivotais.”
Certamente, o gosto de Kubrick pela simetria e seu interesse por
Bergman antecediam suas conversas com Colin Cantwell. Mas há motivos
para acreditar na alegação do animador de que os misteriosos alinhamentos
do filme, entre o Sol, a Lua e os satélites de Júpiter — sempre dispostos ao
longo do eixo vertical ou horizontal do totem central de 2001, o monólito
— foram influenciados por aquelas discussões tardias. E elas, por sua vez,
com certeza foram catalisadas pela sequência épica de abertura em que a
Terra se ergue; anterior à chegada de Cantwell, ela já exibia um eclipse do
Sol pela Terra, visto do ponto de observação privilegiado da Lua. (Se o
mesmo alinhamento celestial fosse visto da superfície da Terra, ele teria
sido um eclipse lunar, com a sombra da Terra passando sobre a Lua. Como
foi mostrado da Lua, era um eclipse solar.) Seguindo a sugestão de
Trumbull, a sequência tinha sido orientada com o levantar da Terra na parte
superior, posição que enfatizava a simetria inerente ao alinhamento.
Com essa sequência e as discussões sobre Bergman em mente, Cantwell
passou a produzir duas das tomadas mais intensamente simbólicas de 2001.
Filmadas no stand de animação, elas se espelhavam intencionalmente. A
primeira era uma visão aparentemente em ângulo baixo do monólito, tendo
ao fundo uma das paisagens de nuvens no deserto do Namibe capturadas
por Pierre Boulat e o Sol se erguendo acima do objeto retangular. Uma lua
crescente fechava a composição, no alto. Kubrick acabaria por montar essa
imagem na sequência da Aurora do Homem, não uma, mas duas vezes —
primeiro por cerca de cinco segundos, no final do encontro dos homens-
macacos com o monólito, e depois como um flashback de dois segundos, no
momento em que Dan Richter pensa em pegar um osso e começar a bater
em outros ossos com ele.
A segunda era uma composição virtualmente idêntica, dessa vez
mostrando o monólito lunar e o Sol em posições idênticas, só que agora
com uma Terra crescente acima. Embora muita gente na plateia não tenha
percebido, em princípio a segunda tomada resolveu o problema que
Kubrick tinha discutido com Trumbull em Shepperton — ou seja, como
revelar que o sinal de rádio do monólito fora acionado e enviado a Júpiter
quando o Sol o atingiu. E, de fato, ela foi inserida no filme no momento em
que William Sylvester e os outros astronautas lunares recuam diante do
poderoso sinal do monólito.
As tomadas emparelhadas de Cantwell tinham uma estética que
lembrava cartas de tarô, e eram bem mais simples de fazer do que pareciam.
Em ambas, o monólito era simplesmente uma folha de papel couché preto
cortada em ângulos abruptamente inclinados e colocada sobre
transparências de 20 × 25 cm (na primeira, do céu no Namibe, na outra, de
um campo estelar). A Lua e a Terra crescentes foram acrescentadas com
animações adicionais. Assim como na tomada da ocultação da Terra, o Sol
era uma lâmpada halógena posicionada atrás de um buraco cortado em
alumínio preto. Chamadas de “Upblock Um” e “Upblock Dois” no jargão da
Sala de Guerra, as tomadas oferecem uma ilustração muito clara sobre
como, em montagem cinematográfica, contexto é tudo. As sequências de
ação real que precediam cada uma delas davam à plateia uma percepção
sobre a escala e a importância do monólito. A segunda inserção rápida da
tomada na Aurora do Homem assinalava o poder do objeto sobre a
imaginação de Moonwatcher, à medida que ele gradualmente intui a
possibilidade de usar uma arma. Embora poderosos como imagens
autônomas, os “pontos pivotais” simétricos de Cantwell adquiriam sua
relevância daquilo que lhes rodeava — incluindo a tomada de abertura da
ocultação da Terra.
No caso da montagem de Moonwatcher, ela também permitiu a Kubrick
realizar a promessa implícita em sua rejeição da solução que Clarke
escrevera para a cena — na qual o monólito era visto manipulando o
homem-macaco como se ele fosse “um fantoche controlado por cordas
invisíveis”. Em junho de 1966, o diretor havia respondido: “A descrição
literal presente nessas tentativas parece-me completamente errada. Ela
elimina toda a mágica”. Sua nova solução — essencialmente uma tentativa
de criar mágica — era um exemplo de como algumas sequências de 2001
funcionaram quase como uma rejeição da abordagem do romance. (No
entanto, também era uma ilustração cinematográfica da famosa Terceira Lei
de Clarke: “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível
da mágica”. Aqui, como em outros momentos, é possível que Kubrick tenha
tido uma compreensão mais intuitiva dos princípios de Clarke do que o
próprio autor. De sua parte, entretanto, Clarke observou, em 1969, que ele e
Kubrick quiseram conscientemente “aludir à mágica, a coisas que a
princípio não poderíamos entender naquele estágio de nosso
desenvolvimento”.)
A ideia ainda deixava aberta a questão da transição da órbita de Júpiter
para o Portal Estelar. Chegando a Júpiter, Bowman deveria sair da
Discovery em sua cápsula e aproximar-se — o que seria extraordinário. Mas
e daí? De novo, as simetrias-pivô de Cantwell ajudaram a oferecer uma
solução. Trumbull já tinha desenvolvido uma derivação de sua máquina de
Slit Scan que transformava uma arte-final plana representando Júpiter em
uma forma realista, aparentemente tridimensional. Sua Máquina de Júpiter
envolvia montar projetores duplos em um estúdio, ligando-os a uma faixa
de material refletor em formato de arco. Essa faixa era uma versão curvada
de uma fenda. Os projetores foram carregados com duas imagens de Júpiter
aerografadas por Trumbull, uma para cada hemisfério. Quando a traquitana
inteira girava — os projetores, o arco refletor e a câmera, tudo ligado pelos
motores Selsyn — a pintura de Trumbull metamorfoseava-se magicamente
em um espaço que parecia tridimensional, à medida que era recriado quadro
a quadro pelo crescente que virava. Hoje isso seria chamado “texturização”
e produzido digitalmente.
Tendo chegado a uma versão convincente de Júpiter, Trumbull e
Cantwell trabalharam juntos no cortejo de luas do planeta. Projetando
versões das luas aerografadas por Trumbull sobre esferas brancas — uma
versão menos sofisticada da Máquina de Júpiter — eles fotografaram cada
uma delas em diversas fases. Então Cantwell usou a câmera de animação
para fazer experimentos com representações do sistema joviano. Todos os
satélites de Júpiter orbitam no mesmo plano e, no final de outubro,
Cantwell concebeu uma vista a partir do equador do planeta. “Mais uma
vez, buscamos a simetria no ponto mais importante”, afirmou. Dispondo as
luas em uma linha vertical, ele posicionou o próprio planeta Júpiter no
fundo. Se os alinhamentos do Sol, da Terra e da Lua abriam 2001,
sinalizavam o poder do monólito e marcavam o começo do segundo ato do
filme, esse novo arranjo celestial seria a âncora da extremidade oposta
desse eixo, dando início ao surreal e metafísico capítulo final do filme.
Deixando um intervalo em sua cadeia de luas jovianas, Cantwell passou
a filmar um monólito “bebê” de quase dois metros girando contra um fundo
de veludo preto, que parecia desaparecer e reaparecer no espaço profundo.
“Apenas iluminamos o objeto e o filmamos em um palco com um motor
que o fazia girar como um espeto de churrasco”, contou. “O bloco preto foi
filmado de forma a se encaixar em um ponto específico da tela, e outros
elementos foram projetados como um storyboard.” No arranjo final, o
monólito giratório era o eixo horizontal de uma cruz, com uma fila de cinco
luas servindo como eixo vertical, e Júpiter embaixo. Uma peça de
simbolismo neocristão tinha penetrado no filme, quase por osmose.29
Como a fileira de luas lembrava a tela de uma máquina caça-níqueis, a
cruz celeste de Cantwell logo foi apelidada de Fifty Free Games [Cinquenta
Jogos Grátis] no jargão do Salão de Guerra. Enquanto o colega trabalhava
na tomada, Trumbull havia feito uma sequência nova de Slit Scan que
parecia surgir da escuridão. No começo, filamentos de luz quase
subliminais pulavam sobre o espectador, crescendo por oito ou dez
segundos até um nível caleidoscópico —, efeito que ele reforçou usando
“um pequeno motor de aceleração para que a coisa continuasse indo cada
vez mais rapidamente”. A velocidade variável produziu um efeito
semelhante à ampliação neurotransmitida de estímulos característica da
experiência psicodélica.
Ao ver a tomada Fifty Free Games de Cantwell — que considerou
“Brilhante!” —, Trumbull carregou-a em um dos projetores da sala de
projeção, colocou a tomada com sua nova técnica no outro, e ele e Cantwell
experimentaram fazer uma espécie de mixagem ao vivo com dois
projetores, chegando finalmente à conclusão de que, se a câmera de
animação pudesse simplesmente ser inclinada para cima, afastando-se do
crucifixo joviano de Cantwell e subindo para a escuridão, a nova tomada de
Trumbull poderia entrar em cena, abrindo de fato o Portal Estelar.
Eles tinham descoberto como levar David Bowman para “além do
infinito”.

***

Durante o outono e o inverno de 1967, Kubrick chegava ao limite de sua


resistência física e mental enquanto tentava finalizar a música, os efeitos
sonoros, a narração, o prelúdio documental e a sequência de créditos de
2001. Cantwell estimou que, no tempo em que colaborou com o diretor em
Borehamwood, Kubrick “provavelmente trabalhou cerca de cem horas por
semana, em média, todas as semanas. Há quanto tempo ele estava fazendo
isso, eu não sei, mas é o tipo de obsessão muito próxima da insanidade”,
disse. “É criar algo que nunca existiu neste mundo.” Ele comparou o que
estavam fazendo a uma “pirataria da visão”.
Até quase o final do processo de montagem, era evidente que Kubrick
ainda pretendia mostrar o prelúdio documental de Roger Caras
apresentando as entrevistas com cientistas do mundo todo discutindo temas
como inteligência extraterrestre e voos interestelares. Também mantinha-se
em diálogo constante com Clarke em relação à narração explicativa no
filme.
Por ter testemunhado a filmagem da Aurora do Homem, Cantwell ficou
surpreso e perturbado quando descobriu algumas dessas intenções. Durante
uma conversa tarde da noite, o diretor também revelou seu plano de
incorporar as xilogravuras do artista uruguaio-americano Antonio Frasconi
à sequência de créditos de 2001. Um mestre desse gênero de gravura,
Frasconi publicara diversos livros ilustrados. Sua obra mais recente, The
Cantilever Rainbow, reunia imagens estilizadas de eclipses solares e outras
representações neoprimitivistas do Sol. Mas Cantwell não gostou muito de
seu aspecto retrô e artesanal. “Os créditos iniciais estariam sobre aqueles
fundos, com as artes sobrepostas àquelas gravuras quase infantis”, lembrou.
“Aquilo parecia tão discrepante em comparação com a Aurora do Homem
que fiquei profundamente incomodado.”
Outra coisa que lhe pareceu problemática foi o prelúdio de Caras.
Cantwell parece ter encontrado maneiras diplomáticas e sutis de expressar
suas opiniões para o diretor. O processo de trabalho de Kubrick incluía um
monitoramento razoavelmente frequente das opiniões de seus colaboradores
mais próximos. De fato, suas reações lhe forneciam marcadores
navegacionais, ajudando-o a entender se não estava entrincheirado demais
em seus posicionamentos. Cantwell deve ter intuído que, melhor do que
apresentar sua opinião de forma espontânea, algo que não necessariamente
daria bom resultado, ele deveria simplesmente esperar que Kubrick lhe
perguntasse. De todo modo, quando suas opiniões foram solicitadas, ele
recomendou “a Stanley que os sóis de Frasconi não deveriam aparecer antes
da Aurora do Homem, e que a ausência de palavras na Aurora do Homem
era importantíssima”, recordou. “A pureza do início não comportava aquele
prólogo verbal dos cientistas, direcionado à metade errada do cérebro.”
Essa distinção entre verbal e visual, hemisférios esquerdo e direito do
cérebro, também colore suas recordações das visitas de Clarke a
Borehamwood. “Ele aparecia com uma nova narração para explicar o trecho
do filme que ele vira na visita anterior”, disse Cantwell. “Ele achava que
três, quatro ou cinco minutos de narração resolveriam as incertezas e
perplexidades que essas cenas criariam.” Então Kubrick projetava novas
cenas para Clarke, e a cada vez “Stanley havia eliminado mais diálogos e
mais coisas estavam sendo mostradas de maneira não verbal […]. Assim,
essa polaridade estava claramente presente ali, entre eles”.
Quando Clarke mostrou sua preocupação em relação ao que via como
uma crescente opacidade do filme, Kubrick encaminhou-o de volta ao
romance, dizendo: “Não se preocupe com isso, Arthur. Apenas escreva a
coisa do jeito que quiser. Faça o que quiser para deixar a história clara. O
livro é seu”. Diante disso, Clarke parecia ficar “ansioso, ou sutilmente
frustrado”, observou Cantwell. “Arthur se expressava com muita sutileza,
era muito educado.”
À medida que suas trajetórias divergiam, nos últimos seis meses de
produção de 2001, as diferenças estéticas de Kubrick com o romance — e
seu distanciamento psicológico em relação a ele — começaram a crescer.

***

Entretanto, quando a montagem começou, em meados de outubro, Kubrick


deu todos os indicativos de que usaria a narração de Clarke, e passou boa
parte de 1967 procurando por uma boa voz. Em fevereiro, pedira a Caras
para entrar em contato com Alistair Cooke, jornalista do The Guardian e
comentarista de rádio da BBC, para ver se ele toparia fazer um teste. Por
volta de julho, Caras tinha saído para fazer outro trabalho e Kubrick pediu
que Benn Reyes, seu substituto, o ajudasse a encontrar uma voz semelhante
à do ator canadense Douglas Rain — narrador de Universe, filme que tanto
já influenciara o visual de 2001. Na época, Rain não estava disponível, mas
depois de ver Universe quase cem vezes, Kubrick parecia não conseguir
tirar sua voz da cabeça. “Eu descreveria sua qualidade como sincera,
inteligente, apaziguadora; é o amigo inteligente que mora ao lado, no
enfoque Winston Hibler/Walt Disney”, ele escreveu para Reyes. “A voz não
é condescendente, nem intimidadora, nem pomposa, excessivamente
dramática ou teatral. Apesar disso, é interessante.”
Durante a busca, Kubrick usou Hibler, que havia narrado muitos filmes
da Disney, como padrão. Em setembro, já estava negociando diretamente
com Rain, e escreveu para Floyd Peterson, produtor de rádio em Nova
York, que estava ajudando a gravar os testes, para lhe dizer que achava a
elocução do ator “perfeita, pois ele tem a exata medida de Winston Hibler, o
jeitão do amigo inteligente que mora ao lado, com grande sinceridade, e,
ainda assim, acho, com uma qualidade arrebatadora”. No entanto, ele pediu
a Peterson que não abordasse Rain diretamente, pois isso poderia fazê-lo
aumentar seu preço — terminando com: “Lembre-se disso, é importante”.
No começo de agosto de 1966, Kubrick levava o ator norte-americano
Martin Balsam, ganhador de um Oscar, até o estúdio de gravação para fazer
a voz de HAL. Embora inicialmente achasse a interpretação de Balsam
“maravilhosa”, ele gradualmente percebeu que tinha permitido que o
computador soasse emocional demais. Tendo conseguido atrair Rain para
fazer a narração de Clarke, em algum momento do outono de 1967 decidiu
que o ator deveria fazer, em vez dela, a voz de HAL — e adiou
temporariamente a escolha do narrador.
Rain voou para Londres no final de novembro e gravou a voz de HAL em
apenas dois dias, provavelmente 1º e 2 de dezembro. Ele não ficou
exatamente satisfeito com as sessões de gravação, que totalizaram somente
oito horas e meia, e se tornaram um momento decisivo em sua carreira. Por
ser um extraordinário ator de teatro, a representação sem rosto do
supercomputador de 2001 não era bem o que ele tinha em mente para o
maior papel de sua vida. De acordo com Jerome Agel, o organizador da
inovadora obra The Making of Kubrick’s 2001, de 1970, o diretor esperava
que Rain desse a HAL “uma expressão aduladora, condescendente, neutra”.
Nesse sentido, ele não ficou decepcionado, embora encontrasse maneiras de
melhorar a impressão da voz na pós-produção. De sua parte, Rain achou
Kubrick “um homem encantador, muito educado. Era um pouco reservado
em relação ao filme. Eu nunca vi o roteiro final, nunca vi um segundo
sequer da filmagem”. Ele representou HAL no vácuo.
As sessões de gravação deram a Kubrick uma última oportunidade de
refinar o personagem do computador, e ele passou a segunda metade de
novembro reescrevendo passagens importantes. Algumas das falas mais
memoráveis de HAL surgiram pouco antes da chegada de Rain. Uma em
especial — sua resposta a uma pergunta de um jornalista da BBC —
aparentemente ganha um duplo sentido como descrição da experiência do
diretor nos quatro anos anteriores: “Estou constantemente ocupado.
Trabalho no limite de minha capacidade, o que é, creio, tudo o que qualquer
ser consciente pode esperar fazer”. Outro conjunto de falas, cheio de
camadas de ironia kubrickiana, parece englobar todos os desastres da
história. Quando Bowman lhe pede para explicar qual foi o erro de sua
previsão em relação à unidade direcional da antena da Discovery, HAL
responde: “Bem, acho que não resta dúvida sobre isso. Só pode ser
atribuído à falha humana. Esse tipo de coisa já aconteceu antes, e sempre se
deveu à falha humana”.
Durante a sessão, Kubrick sentou-se a um metro de distância do ator e
passou com ele linha por linha do roteiro, fazendo pequenas revisões ao
longo do processo. De acordo com um relato, Rain ficou descalço e com os
pés sobre um travesseiro o tempo todo, “para manter o tom calmo que era
necessário”. De vez em quando Kubrick intervinha, pedindo que o ator
falasse um pouco mais depressa, parecesse “um pouco mais preocupado” ou
fosse mais “categórico”. Assim como as respostas de Dullea no ano
anterior, um bom número de falas de Rain na cena do Compartimento do
Cérebro seria cortado mais tarde, na montagem, incluindo muitas das
súplicas cada vez mais desesperadas de HAL. Uma em especial que não
entrou no filme sofrera múltiplas revisões de Kubrick a lápis, tornando-se
finalmente, na voz de Rain: “Lamento muito por tudo. Quero que você
acredite nisso”.
Kubrick só poderia ter ficado satisfeito com a forma como Rain lidou
com a cena em que HAL parece querer confessar seu conhecimento sobre o
verdadeiro propósito da missão — outra parte da transcrição da sessão na
qual são visíveis várias revisões a lápis. O ator conseguiu transmitir o senso
de lealdade dividida do computador quando ele pergunta se Bowman se
importaria que ele fizesse uma pergunta pessoal. Ao receber “claro que
não” como resposta, HAL inicia uma série de observações sobre eventos que
ele considera “difíceis de definir” e “difíceis de tirar” de sua mente. “Talvez
eu esteja apenas projetando uma preocupação que é minha”, diz,
observando que nunca havia “se livrado completamente da suspeita de que
há algumas coisas extremamente estranhas em relação a esta missão”.
Instigado pelas respostas evasivas de Bowman, HAL elabora mais, citando
boatos sobre “algo que foi escavado na Lua” e “o toque melodramático”
dos astronautas em hibernação terem sido treinados separadamente dos que
estavam acordados, e embarcados já em modo de hibernação.
Durante toda essa sequência, a atuação de Rain cria a sensação de que
Bowman só precisaria lhe dar um pretexto e HAL prontamente entregaria o
ouro, contando o que sabia. Em vez disso, Bowman diz: “Você está
trabalhando no relatório psicológico da tripulação” (o interessante é que
essa afirmação contraria a suposição inerente de que a única psicologia da
tripulação que poderia estar em questão era a humana). Nesse ponto, HAL
hesita por um segundo, e então recua, afirmando: “Claro que estou”.
(Naturalmente Kubrick poderia ter introduzido a pausa na montagem.)
Imediatamente depois, o computador prediz a falha na unidade direcional
da antena da Discovery, e o momento passa. HAL contara duas mentiras —
que a unidade falharia, e que realmente estava trabalhando no relatório — e
daí em diante, entra em uma trajetória assassina.
Kubrick fez Rain cantar, murmurar e recitar “Daisy Bell (A Bicycle
Built for Two)” 51 vezes, em várias alturas e velocidades, às vezes com
tempos irregulares, às vezes misturando palavras cantadas e murmuradas, e
uma vez como texto, recitado em um tom só. Em uma tomada, eles fizeram
a canção metodicamente cinco vezes, cada uma em um tom: mi, sol, si, ré e
fá. A musiquinha de Harry Dacre seria a régua que mediria a desintegração
final de HAL, e o diretor estava determinado a garantir para o filme todas as
variações possíveis da interpretação.
Depois da sessão, Kubrick achou que a leitura de Rain tinha sido
excelente, mas que precisava de uma medida extra de placidez fleumática.
Usando um novo dispositivo analógico de gravação chamado “Eletro
Information Rate Changer”, ele diminuiu a velocidade da fita de 15% a
20%, sem alterar o tom da voz do ator. Passando a gravação pelo aparelho
duas vezes, Kubrick também mexeu na versão escolhida do canto do cisne
de HAL, dessa vez abaixando gradualmente o tom de Rain para quase zero
enquanto ele cantava “Daisy Bell (A Bicycli Built for Two)” — tudo isso
sem mudar a velocidade da fita ou a duração da canção. A segunda
passagem, na verdade, estendeu a duração — mas não tanto quanto o tom
aparentemente indicava. O resultado final foi um retrato sonoro que
evidenciava de forma sinistra a dissolução de HAL à medida que sua
consciência gradualmente declinava para zero. Não é nenhuma surpresa que
Kubrick não tenha usado a tomada do olho do computador se apagando. A
sonoplastia fez isso por ele.
Não muito tempo depois, Cantwell foi procurar Kubrick em seu
escritório e lhe disseram para ir às salas de montagem no Prédio 53.
Escutando através das frágeis paredes pré-fabricadas que o diretor estava
trabalhando, ele optou por não interromper e esperou do lado de fora. Com
a fita sonora rolando sobre um dos cabeçotes da Moviola, e o filme no
outro, Kubrick de vez enquanto rebobinava até a metade da cena e assistia
novamente, avaliando seu efeito. Em pé no corredor, Cantwell ouviu HAL
implorando por sua vida: “Estou com medo, Dave… Minha mente está
desaparecendo”. Enquanto escutava, o computador regressou à sua primeira
aula e, incentivado por Bowman, começou a cantar a canção. Quando Rain
chegou à fala “Eu estou meio louco, tudo por amor a vocês”, a força
acumulativa da cena atingiu Cantwell, e, para sua surpresa, ele sentiu
lágrimas descendo pelo seu rosto.
Quando finalmente entrou na sala, seu rosto ainda estava molhado e ele
não conseguiu falar. Calmamente, sem fazer nenhum comentário, Kubrick
passou a cena inteira para ele.

***

Além da utilização de música clássica, a sonoplastia de Kubrick em 2001


raramente é comentada, embora não seja menos inovadora do que o resto do
projeto. Em especial, os trechos inteiros do filme em que não se ouve nada
além de sons abafados de respiração e bombeamento de ar, enquanto
Bowman e Poole fazem seus passeios espaciais. Uma paisagem sonora
semelhante é ouvida durante a metódica desprogramação de HAL por
Bowman, e em sua chegada ao quarto do hotel.
Assim como batidas do coração às vezes irrompem nos filmes de horror
em momentos de pico de tensão, mas com um pouco mais de sutileza, os
sons de respiração dão ao público uma sensação subjetiva de humanidade
compartilhada. Sem necessariamente ter consciência disso, nós
monitoramos o estado emocional de Bowman pelo ritmo de sua respiração.
Por ser praticamente o único som ouvido durante os passeios espaciais, esse
elemento de sonoplastia também nos fornece uma imagem sonora do
organismo humano suspenso na imensidão do espaço interplanetário. Então,
exatamente quando nos acostumamos a esse sussurro rítmico alimentado
por oxigênio, Kubrick introduz outro elemento de brilhantismo: quando
Frank Poole luta para reconectar sua mangueira respiratória danificada. Ele
não o faz adicionando um novo elemento, mas subtraindo — quando o
astronauta rompe definitivamente o cordão umbilical com a atmosfera da
Terra, ele corta o som para zero absoluto. Por fim, vemos Poole vagando
sem vida no vácuo, uma figura perdida que se afasta em direção a um
infinito coberto de estrelas. Ao ignorar um imperativo indiscutível da
sonoplastia, o de sempre manter alguma coisa na trilha sonora, mesmo que
música ambiente — ao cortar para absolutamente nada, em vez de qualquer
coisa —, Kubrick enfatiza a irreversibilidade do que acabou de acontecer.
De forma semelhante, de volta a bordo da Discovery, o som tem um
papel fundamental no apagamento dos hibernantes estranhamente
desprovidos de corpos e em sono profundo — talvez o assassinato em
massa mais estranho já filmado. Enquanto Bowman se afasta voando para
recuperar o corpo à deriva de Poole, os visores com informações médicas
gradualmente exibem linhas retas, intercaladas por mensagens de
advertência que piscam, como “Falha no Computador” e “Funções Vitais
em Estado Crítico”, enquanto uma panóplia de sinais de aviso e pulsos
eletrônicos rápidos, sincronizados com as mensagens, pintam o quadro
sonoro cruel do início de uma emergência. Por fim o som para de repente
com o aviso de “Falência Total das Funções Vitais” — assim como todos os
sons haviam cessado após a última respiração de Poole. E no entanto, além
das mensagens transmitidas por seus indicadores de frequência cardíaca e
eletrocardiogramas, nada de ruim parece ter acontecido aos astronautas em
seus casulos. Sua transição da vida para a morte parece inteiramente virtual.
Como observou o teórico de cinema e compositor francês Michel Chion: “A
morte é infligida como uma ação fora do tempo. Nada mudou”.
Outro tipo de execução se desenrola durante a cena do Compartimento
do Cérebro, na qual a respiração irregular de Bowman é a única resposta
que HAL recebe na maior parte de seus minutos finais de consciência, o que
tem o efeito de acentuar a óbvia diferença entre formas de vida sintéticas e
de carne e osso. A respiração intermitente na trilha sonora de 2001 durante
toda a última meia hora também ajuda a reforçar o efeito de primeira
pessoa, um dos objetivos declarados publicamente por Kubrick. Aquele que
respira é alguém — um personagem de um filme — mas também todo
mundo, todos nós que estamos na plateia. É isso o que torna o corte de som
na cena da morte de Poole tão visceral. É a presença repentina de uma
ausência, que chega com a velocidade da lâmina de uma guilhotina.
Naquele outubro, David de Wilde levou um jovem assistente de edição,
John Grover, para conhecer Kubrick. Com a edição do filme em andamento,
vários elementos da trilha sonora precisavam ser produzidos, e Grover
havia sido indicado para supervisionar a gravação daquele dia. Ele estava
nervoso. Chegando à porta do escritório de Kubrick no Prédio 53, ficou
surpreso ao ver o diretor inclinado para trás em sua poltrona, com um spray
nasal introduzido em cada narina. Aquela visão incomum não perturbou De
Wilde. “Eu estava acostumado com Stanley, então aquilo não me
surpreendeu, e ele obviamente estava resfriado e tentava desobstruir o nariz
antes da gravação.”
Ao ver seus visitantes, Kubrick tirou tranquilamente os sprays do nariz,
pegou o capacete espacial que estava sobre sua mesa e os três foram para o
Teatro 1, que funcionava como um enorme estúdio de gravação. Lá, De
Wilde apresentou-o a J. B. Smith, o principal engenheiro de som do estúdio.
Com a ajuda de Grover, eles puxaram um microfone da mesa de som no
teatro e o posicionaram ao lado do rosto de Kubrick, que em seguida
colocou o capacete. Então o tempo passou, e pouca coisa aconteceu.
Descongestionado, o diretor estava respirando normalmente — mas não
estava sendo gravado. De Wilde olhou para ele, divertindo-se. Ele nunca
tinha visto o semblante barbado de Kubrick por trás de um dos capacetes de
2001: o criador, agora fazendo parte da criação. O teatro à prova de som
estava em silêncio total. Depois de uma tentativa de perguntar o que estava
acontecendo pelo microfone, “Stanley tirou o capacete e me perguntou o
motivo da demora”, lembrou De Wilde. “Minha resposta foi que J. B. era
surdo. Ele não gostou muito da ideia de um engenheiro de som surdo.”
Por fim, Smith estava pronto para gravar, e Kubrick recolocou o
capacete, e a pequena equipe gravou cerca de meia hora de sua respiração.
Mais tarde, Wynston Ryder, o editor de som de 2001, criou um loop com a
gravação e o usou na montagem.
Em seu romance Retrato do artista quando jovem, James Joyce faz seu
herói, Stephen Dedalus, observar: “O artista, como o Deus da criação,
permanece dentro, atrás, além ou acima de sua obra, invisível, purificado da
existência, indiferente, tirando as cutículas”. Como exemplo de sua obra, o
filme de Stanley Kubrick 2001: Uma odisseia no espaço carrega a
evidência de sua vida, um pequeno segmento de sua própria trilha sonora
humana no planeta Terra, de 26 de julho de 1928 a 7 de março de 1999.
Era também, inegavelmente, uma forma de interpretação dramática.

***

Um dos documentos mais macabros que sobreviveram aos anos de


produção de 2001 foi um telegrama, escrito no dia 31 de maio de 1966, de
Roger Caras para a General Biological Supply em Chicago. “Favor
informar disponibilidade embriões humanos preservados indicando estágio
desenvolvimento preço prazo etc. Também disponibilidade modelos de
melhor qualidade”, diz o texto. Ele fora precedido por um telegrama de Ivor
Powell para Caras, solicitando os originais das sensacionais fotos de um
feto feitas por Lennart Nilsson para a revista Life.
Logo um comunicado oficial sumário ricocheteou de volta, vindo de
Chicago: “Não podemos oferecer cotações ou fornecer embriões humanos
ou modelos lamentamos”. Sem qualquer perspectiva de dispor de fetos
abortados reais, no outono de 1967 Kubrick decidiu produzir o espectral
Filho das Estrelas da sequência final do filme na MGM, e recrutou Liz
Moore, escultora jovem e talentosa. Moore, que ajudara Stuart Freeborn
com os trajes dos homens-macacos, tinha feito certo nome ainda como
estudante, esculpindo bustos dos Beatles em argila. Naquele verão, ela
produziu uma versão em argila de um feto humano com traços
assustadoramente semelhantes a Keir Dullea. Conforme as exigências de
Kubrick, ele deveria ter uma cabeça anormalmente grande, para representar
a etapa evolutiva seguinte da humanidade. “Originalmente, seria muito mais
complexo, flexível, com braços e dedos que se movessem e tal”, lembrou
Brian Johnson. “E então Stanley teve a ideia de rodeá-lo com uma espécie
de casulo de luz e, no fim, resolveu que só precisava que mexesse os
olhos.”
Depois de moldada e reproduzida como um manequim oco, em resina
cor de pele e com quase oitenta centímetros, Johnson começou a trabalhar
na escultura, inserindo os olhos de vidro através de uma tampa cranial
removível. Conectando-os a pequenas hastes, ele os automatizou,
prendendo-os a um suporte controlado por motor Selsyn — a onipresente
ferramenta de controle de movimentos de 2001. “Se você observar os
autômatos criados nos séculos XVIII e XIX, é o mesmo tipo de princípio”,
observou. Os motores de Johnson controlaram o misterioso olhar lateral do
feto.
No início de novembro eles posicionaram o Filho das Estrelas no
estúdio, cercado de veludo preto, e fizeram uma série de testes de câmera.
Mas a imagem resultou excessivamente definida, precisando de um
tratamento pesado de difusão. Então, empregaram outra arma secreta de
efeitos visuais do filme. Ela foi “fornecida por Geoff Unsworth, que a
chamava de ‘gaze de antes da guerra’”, lembrou Trumbull. “Ele tinha um
estoque limitado e secreto dessa gaze de antes da guerra, que parecia com
as meias de seda de 1938 e criava um brilho muito bonito. Foi usada no
Filho das Estrelas e em muitas outras tomadas do filme.” O boato que corria
era que o material tinha vindo originalmente da gaveta de meias-calças de
Marlene Dietrich; seja como for, como uma determinada porcentagem da
luz passava através do material, da escultura para a lente, era possível
produzir uma belíssima difusão atmosférica sem reduzir a nitidez do boneco
por baixo dele. No fim das contas, todas as tomadas de Júpiter ou feitas
com a técnica da fenda foram refilmadas usando a preciosa gaze de
Unsworth, responsável pelo fulgor sobrenatural tão proeminente na meia
hora final do filme.
A escultura de Moore foi refilmada, dessa vez através de quinze
camadas de gaze, lembrou Trumbull, “com cerca de 40 mil watts de luz de
fundo, algo como quatro holofotes, para iluminar suas bordas; e
conseguimos um tremendo brilho trabalhando com superexposição […]
Stanley filmou vários movimentos diferentes, tomadas do Filho das Estrelas
entrando no quadro, deslizando por ele e assim por diante. Então aerografei
o invólucro que o envolvia em um pedaço de papel preto brilhante, que foi
fotografado no stand de animação e combinado, em movimento, com o
modelo, bastante gaze e superexposição”.
De todas essas passagens de câmera, apenas duas foram usadas, além de
algumas fotos estáticas, fundidas pela mágica do stand de animação a
diferentes imagens do leito de morte de Tony Masters no quarto de hotel
estilo luís-catorze — agora coberto por halos aerografados de luz e
evidentemente transformado no local de uma ressurreição. Uma das duas
tomadas de ação real, a última que aparece no filme, revelava o embrião
virando gradualmente, seus olhos apreciando a Terra, e então indo mais
adiante; à medida que seu olhar varria a plateia, a quarta parede do teatro ia
sendo derrubada. Acompanhado pela fanfarra triunfante de Assim falou
Zaratustra, esse é um dos momentos cinematográficos indeléveis do século
XX.
O alinhamento celestial de Cantwell, a última ceia de Dullea e,
finalmente, a morte e a ressurreição do tripulante sobrevivente da Discovery
— tudo isso parece ter conspirado para levar as plateias de 2001 a uma
atitude mental teológica. Mas mesmo sem o contexto circundante, é
evidente que a escultura de Moore se revelou uma presença extraordinária,
até mesmo sobrenatural. Contra o veludo preto que o cercava, os poderosos
holofotes do estúdio deram ao Filho das Estrelas uma luminosidade
transcendente. A tampa craniana cor da pele que permitia o acesso a seu
mecanismo interior fora presa ao resto da cabeça sem marcas, com um
fixador maleável. Foram necessários períodos longos de exposição por
quadro para obter o efeito de superexposição parcial que Kubrick queria.
Algumas das passagens de câmera levaram oito horas ou mais.
Um único operador de câmera bastava para monitorar o longo processo,
e ele não se dedicava exclusivamente àquilo. Em um longo dia de filmagem
naquele inverno, o calor dos poderosos holofotes derreteu o fixador da
escultura, que aos poucos começou a escorrer para dentro do crânio oco,
saindo, por fim, pelos cantos de seus olhos, como gotas perfeitas. Em uma
de suas verificações periódicas, o operador de câmera ficou espantado ao
ver o Filho das Estrelas chorando lágrimas de verdade.
Absolutamente chocado diante da visão sobrenatural, “o operador saiu
correndo e berrando”, contou Daisy Lange, esposa de Harry Lange.
“Pensando bem, talvez ele fosse um católico devoto.”

***

Durante todo o outono e o inverno de 1967-8, os superdedicados


colaboradores de Kubrick realizaram um último esforço para produzir
alienígenas plausíveis e à altura do filme no qual trabalhavam. Se fossem
bem-sucedidos, os extraterrestres apareceriam em algum momento da
viagem de Bowman através do Portal Estelar, ou talvez na cena do Quarto
de Hotel — isso nunca ficou muito claro, e talvez nem o próprio Kubrick
soubesse. Assim como os proto-humanos pré-históricos da Aurora do
Homem não podiam se parecer homens fantasiados de macacos, os
alienígenas de 2001 não podiam reproduzir clichês horrorosos, tipo
homenzinhos verdes. Em um dos episódios mais extravagantes da
produção, em setembro de 1967, Kubrick pediu para Stuart Freeborn
transformar Dan Richter em uma criatura “pontilhista”, logo apelidada de
“Homem de Bolinhas”.
As discussões entre Stanley e Christiane sobre como seria a aparência
dos extraterrestres foram constantes durante toda a produção. “Eu disse:
‘Você já viu um alienígena bom em um filme?’”, lembrou ela. “‘Não.’
‘Você conseguiria criar um?’ ‘Não.’ Fiz centenas de desenhos de
alienígenas, e eles pareciam… desenhos de alienígenas. Ugh!”
O debate entre os dois costumava ser exaustivo. “Você pode extrapolar
bastante, dar a eles a forma de bactérias… ou de um véu de gás”, disse
Christiane. Nesse ponto, ela se lembrou do marido dizendo: “É, pode ser,
mas isso não é interessante. Nós não queremos assistir a um véu de gás”.
Ele continuou: “Isso é que é o interessante dos alienígenas. Não podemos
satisfazer nossa imaginação, e não há nada que nos faça pensar: ‘Ah, sim,
claro, eles provavelmente são desse jeito’. Não, nada vem à mente que
surpreenda completamente. Tudo bem, talvez eles venham de um planeta
cuja gravidade seja tal que só possa existir vida em um quinquilhão de
milímetro de gás. Ou é uma ave que voa como uma pedra e esmaga tudo —
certo, tudo bem — ou gases, ou substâncias químicas, ou bactérias ou…
Sabe, tem certos tipos de células, certos tipos de ondas cerebrais que
formam coisas.”
Em outras palavras, ele pensava no problema primeiro retoricamente.
“Ele dizia: ‘Não consigo criar nada que não me mate de tédio’”, lembrou
Christiane. “No instante em que você nomeia a coisa, já é um tédio; no
instante em que desenha, no instante em que… Quer dizer, dá para fazer
algo cômico, engraçado; dá para fazer algo bonito, ótimo; dá para fazer
coisas mágicas e maravilhosas, mas nada satisfaz. O que o surpreenderia se
você visse um alienígena? Como ele teria de ser? Como não sabemos,
nossos alienígenas são sempre um fracasso. Nunca vi um alienígena em
nenhum filme, livro, desenho ou descrição que me fizesse pensar: ‘Aí sim!
É assim que deve ser’.”
Questionada se fora ela ou Stanley que havia dito isso, Christiane
respondeu: “Os dois. E a gente conversou muito sobre isso com o Arthur.
Que era muito frustrante, porque nossa imaginação simplesmente não é
interessante. No instante em que conseguimos imaginar algo,
imediatamente aquilo perde o encanto, o interesse”.
Ainda assim, Kubrick não era um teórico, mas um dos maiores
praticantes de sua arte no século, e ele quis tentar. Mantivera Dan Richter
na folha de pagamento do filme não por amizade — embora isso pudesse
ser um motivo também —, mas porque reconhecia as habilidades do sujeito.
Se havia alguém que pudesse se tornar um extraterrestre era aquele hipster
baixinho e sui generis que não só encarnou com maestria o
Australopithecus africanus, mas trouxe à vida, gesticulando e pulando, uma
tribo inteira deles.
O feito tinha demandado a considerável ajuda de Stuart Freeborn
também e, no final de agosto, Kubrick subiu rapidamente as escadas até sua
ensolarada oficina. Os alienígenas já eram tópico de animadas discussões
em Borehamwood, e o assunto dispensava qualquer introdução. “Tive uma
ideia”, disse Kubrick. “Podemos fazê-los não necessariamente com recursos
ópticos, mas […]”, e esboçou um processo que envolvia uma espécie de
ilusão de óptica. “Ele disse: ‘Estou pensando nisto’”, lembrou Freeborn.
“Havia visto um padrão pontilhado em algum lugar, na frente de um fundo
também pontilhado, e o resultado era algo virtualmente invisível, mas de
alguma forma visível, simplesmente porque estava em um plano diferente
do fundo. Era uma ideia intrigante, e Stanley me pediu que começasse a
trabalhar em algo com base naquilo.”
Kubrick reuniu-se com Richter também. “Quero fazer algumas imagens
de alienígenas”, disse.
“Como posso ajudar nisso, Stanley?”
“Você sabe o que é filme de alto-contraste?”
“Acho que não.”
“É filme em preto e branco sem escala de cinza. É tudo preto ou branco.
O que quero fazer é pintar seu corpo de branco e depois cobri-lo com
bolinhas. Aí coloco você na frente de um fundo branco com bolinhas pretas
e filmo em alto-contraste. Se você estiver imóvel, a tela ficará cheia de
pontos estacionários e você, provavelmente, invisível. O que eu quero ver é
se, quando você se move, as bolinhas criam a imagem de um alienígena.
Porque então posso inverter a cor e terei criado um alienígena com pontos
de luz.”
Refletindo sobre a tenacidade do diretor, Richter escreveu: “Percebi que
não poderia julgá-lo usando a mesma régua que aplico aos outros homens e
mulheres. O que seria compulsão nos outros, no Stanley é determinação”.
No inverno de 1967-8, quatro anos tinham se passado desde a primeira
reunião de Kubrick com Clarke, e o rapaz barbeado de Nova York, autor de
uma bem-sucedida sátira à Guerra Fria, tinha se metamorfoseado em uma
figura barbada com os olhos marcados de cansaço. (Uma barba que, na
avaliação de Clarke, fazia-o parecer “um rabino ligeiramente cínico” —
definição maravilhosamente evocativa que Kubrick, uma vítima de
antissemitismo explícito em Hollywood que não gostava de chamar a
atenção para sua etnicidade, simplesmente cortou ao revisar um perfil do
autor, que a revista Life publicaria.) Do contra até o fim, pode ser que o
diretor ainda estivesse reagindo à sugestão de Carl Sagan de que os
alienígenas de 2001 deveriam apenas ser sugeridos, e não mostrados. Era
mais provável que as opiniões de Sagan tivessem sido esquecidas enquanto
ele enfrentava o desafio de apresentar… algo. Uma criatura esquisita o
bastante, diferente o bastante e poderosa o bastante para não representar,
fosse ele ou ela, o risco de asfixiar o empreendimento inteiro.
Assim, Freeborn fez uma peruca careca que servisse “perfeitamente” em
Richter, pintou-a de branco, e encontrou o maior furador de papel da
Inglaterra para “produzir circunferências perfeitas em papel preto”. Vestiu
Dan com shorts colantes e o pintou todo de branco. Em uma espécie de
variação sobre o tema do suposto procedimento médico na Área 51, seu
assistente ia lhe passando bolinhas de papel preto com pinças, e Freeborn
aplicava cola em cada uma para grudá-las em Richter.

Colamos as bolinhas pelo corpo dele inteiro, e ficou incrível —


formidável. Cobrimos tudo — pés, pernas, tudo. Então o colocamos
contra um fundo também cheio de bolinhas pretas do mesmo tamanho.
O efeito foi impressionante. Imóvel, ele desaparecia no fundo; mas
quando se movia, dava para distinguir sua forma. Era um efeito
admiravelmente estranho, extraordinário, mas não acho que realmente
coubesse no filme. Eu não conseguia ver como Stanley pudesse usá-lo
— e, é claro, ele nunca usou. Mas era fenomenal.

Refletindo sobre essa última fase de seu trabalho em 2001, Freeborn


continuou: “Acho que, de certa forma, era muito bom, mas realmente não
estava chegando no que ele queria. Porque um alienígena é, bem, o quê?”.
Essa era a questão, e Trumbull também se envolveu nessas tentativas fin
de siècle, que em sua oficina se ampliaram para envolver estranhas
paisagens urbanas que levitavam, feitas com Slit Scan. A chuva de inverno
batia forte sobre o telhado do estúdio, e Trumbull construía círculos,
quadrados e hexágonos com pequenas lâmpadas, que poderiam ser ligadas e
desligadas em sequência enquanto a câmera passava, e as usava para criar
formas arquitetônicas extraterrestres. “E assim, um conjunto de lâmpadas se
tornaria uma mancha comprida, como um prédio, um prédio flutuante, sem
topo nem base”, ele recordou. “Seria grande no meio e afunilaria à medida
que as luzes acendiam ou apagavam […] era realmente muito bonito.
Filmei alguns testes bem interessantes dessas cidades de luzes flutuantes.”

[90] De Moonwatcher, Dan Richter se transforma no Homem das Bolinhas.


© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)
Os esforços de Trumbull para criar alienígenas também incluíram
padrões luminosos flutuantes e translúcidos. “Montei uma maquininha de
Slit Scan bem interessante, que era um projetor caleidoscópico de dois
espelhos e uma pequena arte-final giratória sob eles”, contou. Quando
girava, a arte-final “criava uma forma humanoide, com uma cabeça,
ombros, braços e um corpo e duas pernas de pura luz, só com os padrões
[…]. Fui consideravelmente longe nisso e consegui algumas coisas bem
bonitas. Mas estávamos a duas semanas de encerrar tudo, e Kubrick disse:
‘Vamos ter que parar. Não tem jeito. Mesmo se você acertar nisso, não
consigo mais colocar no filme’”.

[91] Paisagem urbana alienígena, um dos últimos trabalhos de Doug Trumbull em 2001.

No fim das contas, a questão de produzir um extraterrestre


inacreditavelmente convincente, ou talvez convincentemente inacreditável,
dava a sensação de um cachorro mordendo a própria cauda. “Se é tão
surreal e tão louco a ponto de ser original, então não funciona como
assombro ou susto”, observou Christiane. “Temos que poder relacionar com
alguma coisa. E se relacionarmos com alguma coisa, deixa de ser original.”
Ela recordou de Stanley concluindo o esforço com humildade resignada.
“Seria ótimo se eu conseguisse pensar em alguma coisa que arrebentasse
com tudo, algo que deixasse as pessoas de queixo caído”, ele disse a ela,
triste. “Eu queria ter talento para pensar em alguma coisa, mas não consigo.
O monólito deixa um vácuo aberto, que sentimos quando tentamos imaginar
o inimaginável.”

***

No final de novembro de 1967, Kubrick já tinha escolhido músicas para


todas as sequências principais do filme; ao menos oficialmente, porém,
eram “trilhas provisórias”, significando que estavam guardando espaço para
composições originais. O próprio diretor se referia a elas dessa maneira.
Poucos filmes grandes de Hollywood tinham sido lançados sem uma trilha
sonora original, e muito menos produções absurdamente caras em
Cinerama, que só estreavam nas grandes capitais e ficavam em cartaz por
um curto período antes de serem liberadas para distribuição geral. Uma
música nova era considerada crucial para promover esses filmes como
grandes eventos culturais, e, portanto, um componente importante de
qualquer estratégia promocional.
Àquela altura, 2001 estava uns 6 milhões de dólares acima do
orçamento, e anos atrasado. A MGM apostara uma montanha de fichas na
visão de Kubrick, e Roger Caras e Louis Blau passaram boa parte dos anos
de 1966 e 1967 defendendo-se, sem alarde, das acusações furiosas do
estúdio de que as atitudes do diretor — e especificamente, de seu rígido
isolamento de segurança — estavam dificultando seriamente sua
capacidade de proteger seu investimento. Com certeza, a MGM via uma
trilha sonora original como parte dessa proteção. Assim, Kubrick não estava
em boa posição para argumentar que suas trilhas provisórias pudessem
simplesmente ser convertidas em trilhas permanentes com o pagamento dos
direitos de uso.
Boa parte da pressão que o estúdio exerceu sobre o diretor nas últimas
fases da produção de 2001 continua obscura, mas ninguém que trabalhou
com ele duvida de que tenha existido e sido grande. Colaboradores como
Doug Trumbull notaram com gratidão que Kubrick agia como uma espécie
de parede corta-fogo, sem jamais transferir o peso de seus ombros para seus
subordinados, mesmo que sua atitude se tornasse a de alguém cada vez mais
preocupado e menos alegre.
Sem dúvida, Robert O’Brien, presidente da MGM, absorveu uma parcela
significativa do descontentamento interno e dos acionistas em relação aos
custos cada vez maiores do filme de Kubrick e das datas de entrega sempre
adiadas. Na verdade, chegou a interferir. Culto e carismático, O’Brien era
visivelmente ativo em causas liberais e um apoiador e amigo da família
Kennedy. Nascido em 1904, ele saiu da pobreza rural de Montana, formou-
se em direito pela Universidade de Chicago em 1933 e foi indicado como
membro da Comissão de Valores Mobiliários pelo presidente Franklin
Delano Roosevelt.
O interesse que manteve por filmes durante toda sua vida o incentivou a
mudar de carreira e, em 1944, ele se transformou em assistente especial do
presidente da Paramont Pictures, mudando-se, por fim, para a Loews,
empresa matriz da MGM, em 1957. Ao ascender à posição de presidente do
estúdio em 1962, ele rapidamente construiu a reputação de ser
absolutamente leal com os diretores em quem acreditava.
O projeto de Kubrick não foi a primeira vez que ele arriscou o futuro do
estúdio por bancar um filme. O épico de três horas Doutor Jivago, de David
Lean, lançado em 1965, quase dobrou seu orçamento original, com custos
que pularam de 7 milhões para 15 milhões de dólares em dez meses de
árdua produção na Espanha e na Finlândia. Nenhuma despesa foi poupada
quando quase mil homens trabalharam durante meio ano para construir
cenários enormes em um terreno de 40 mil quilômetros quadrados do
estúdio perto de Madri. Com uma invernal Moscou erguida de maneira
improvável na Península Ibérica, O’Brien sufocou as dissidências internas
no estúdio e garantiu que Lean tivesse as ferramentas de que precisasse para
realizar sua visão. E a aposta compensou: Doutor Jivago tornou-se um
enorme sucesso de público e arrecadou 112 milhões de dólares no
lançamento inicial.
Embora esse sucesso certamente tenha ajudado O’Brien a apoiar
Kubrick, outros executivos sêniores do estúdio não estavam tão animados, e
os acionistas, muito menos. À medida que a MGM entrava repetidamente no
vermelho, Philip Levin, o magnata do mercado imobiliário de Chicago —
que tinha cerca de 500 mil ações, ou cerca de 10% do estúdio —, travou
duas batalhas caras para conseguir votos e tentar remover o presidente da
MGM enquanto 2001 estava em produção, uma em 1966 e a outra no ano
seguinte. Embora a campanha de Levin não dissesse respeito a um filme
específico — mas sim às estratégias administrativas gerais de O’Brien —
não há dúvida de que o projeto de Kubrick causara profunda inquietação
entre aqueles que investiam na empresa. “Eles estavam muito nervosos — e
estavam corretos”, lembrou Christiane. “Se eu tivesse aquele dinheiro todo
flutuando por aí, e alguém me prometendo uma coisa da qual eu não via
nada, e a pessoa ainda tinha a arrogância de dizer: ‘Não, vocês não podem
ver’ […]. Eles foram realmente muito generosos em aguentar essa merda
dele.”
Embora Kubrick tivesse uma reputação bem merecida — e ferozmente
protegida — de soberano na tomada de decisões na área de criação, era
evidente que ele dependia da MGM para manter as luzes acesas. Como
consequência, não estava imune à persuasão. Em especial, ouvia com
atenção as opiniões de O’Brien, cujo futuro no estúdio dependia cada vez
mais do sucesso de 2001. Todos esses fatores certamente afetaram sua
decisão, no final de novembro, de telefonar para Alex North, um dos
principais compositores de música para filmes em Hollywood.
O produtor musical de cinema Robert Townson declarou que a ligação
de Kubrick ocorreu por sugestão da MGM, e veio depois da proposta do
diretor de que suas trilhas provisórias simplesmente fossem liberadas para
uso. Kubrick já tinha trabalhado com North, que fez a trilha de Spartacus,
em 1960, e a reputação do compositor só tinha crescido desde essa época
devido às trilhas muito bem recebidas que compusera para Cleópatra
(1963) e Agonia e êxtase (1965). No telefonema, Kubrick ofereceu a North
o trabalho de compor a trilha de 2001. Inicialmente “extático diante da
possibilidade de trabalhar novamente com Kubrick”, North ficou
especialmente feliz ao descobrir que o filme tinha somente 25 minutos de
diálogo — algo que, imaginou, lhe daria uma liberdade sem precedentes.
Entretanto, ele logo perdeu as ilusões com relação a essa possibilidade
quando voou para Londres, no começo de dezembro, e descobriu que
Kubrick pretendia manter algumas de suas trilhas “provisórias” e queria que
ele trabalhasse com base nelas. Após ter assistido à primeira hora do filme,
que, na ocasião, já estava editada com as trilhas provisórias, North disse que
ele “não poderia aceitar a ideia de compor parte da trilha sonora intercalada
com música de outros compositores. Eu sentia que conseguiria compor uma
trilha que tivesse os ingredientes e a essência do que Kubrick queria, e dar a
ela coerência, homogeneidade e um toque contemporâneo”. Não sem
relutar, Kubrick concordou — e dali em diante, aparentemente, esperou que
o compositor igualasse e até melhorasse a música que já existia.
North sabia que estava em uma posição difícil. Ele estaria competindo
com algumas das principais obras-primas do cânone ocidental. Ainda assim,
em meados de dezembro, foi feito um acordo. A MGM lhe pagaria 25 mil
dólares, mais despesas e acomodação. Uma orquestra de noventa músicos
foi contratada, e o orquestrador Henry Brant, que havia orquestrado “Bach
Goes to Town”, de Alec Templeton, para Benny Goodman em 1939, e que
trabalhara com North na trilha sonora de Cleópatra, foi contratado para
fazer os arranjos. Foram programadas sessões de gravação para os dias 15 e
16 de janeiro, e North voou de volta para Londres com sua esposa, Anna
Höllger-North, na véspera de Natal. “Alex foi tratado como um rei”, ela
recordou em 1998. “Tínhamos um apartamento, uma cozinheira e um carro,
e ele e Henry Brant começaram a trabalhar imediatamente, percebendo que
Kubrick tinha se acostumado com aquelas trilhas provisórias e que
precisavam criar algo semelhante.”
Brant lembra de North lhe contar que Kubrick dissera, na reunião que
tiveram em dezembro, que se ele tivesse conseguido as autorizações para
suas músicas provisórias, a trilha sonora de 2001 teria sido um “fait
accompli”. (Não está claro se “autorizações” nesse contexto significaram a
obtenção dos direitos de utilização ou a concordância da MGM para usar as
trilhas, embora as evidências apontem para a segunda hipótese.) De
qualquer forma, North foi atormentado o tempo todo pela sensação
inquietante de que nada que conseguisse compor poderia de fato competir
com as duas peças de Strauss e a música de Ligeti. Trabalhando sob muita
pressão psicológica, ele preparou um grande conjunto de novas
composições em um período de tempo notavelmente curto. “Trabalhei dia e
noite para cumprir o primeiro prazo de gravação, mas com todo o estresse
mental e físico, acabei tendo espasmos musculares e problemas nas costas”,
lembrou.
A situação chegou a um ponto crítico pouco antes das sessões de
gravação começarem, quando ele teve um colapso físico incapacitante.
Olhando de cima para a orquestra que se reunia no Denham Studios na
manhã de 15 de janeiro, De Wilde e Kubrick ficaram chocados ao ver o
compositor ser trazido em uma maca. “Ele chegou em uma ambulância”,
lembrou De Wilde. “Eu e Stanley ficamos de queixo caído.” Com North
compos mentis, mas na horizontal, Henry Brant regeu a orquestra e a sessão
aconteceu.
Durante os dois dias de gravação, Kubrick ia e vinha, às vezes fazendo
comentários para Brant, às vezes para North. “Estive presente em todas as
sessões de gravação. Kubrick estava muito satisfeito e cheio de elogios, não
houve atritos”, recordou Höllger-North. Seu marido teve uma percepção
semelhante do processo. “Ele fez algumas sugestões muito boas,
musicalmente”, disse. “Supus que tudo estava indo bem, por causa da
participação e do interesse dele na gravação.”
De Wilde lembrou-se da reação de Kubrick de uma maneira bem
diferente. “Ele olhou para mim, eu olhei para ele, e era óbvio que aquilo
não ia dar em nada”, disse. Brant também entendeu que as coisas não
estavam bem. Ele se lembrou do diretor ouvindo os movimentos iniciais da
composição de North — provavelmente a parte que substituiria o Assim
falou Zaratustra de Strauss — e comentando, “é uma música maravilhosa,
muito bonita, mas não serve para o meu filme”. Uma das anotações das
partituras de Brant conta a história de maneira mais clara: “Stanley odiou
esta parte, mas eu gosto!”. Completando essa trajetória, Con Pederson
lembrou-se de Kubrick chegando a Borehamwood com um veredito um
pouco mais rude: “É uma merda”.
Entretanto, dois dias depois, quarenta minutos de música nova tinham
sido gravados, e North retirou-se para seu apartamento para descansar e
esperar que a segunda e a terceira partes do filme fossem finalizadas e ele
pudesse continuar. No entanto, mais de uma semana se passou sem qualquer
outra palavra do diretor, e North descobriu que não conseguiria falar com
ele diretamente, tendo de passar mensagens por intermédio de um
assistente. Nelas, ele assegurava a Kubrick que seu constrangimento físico
tinha sido momentâneo, que ele estava completamente pronto para
continuar, e que estava trabalhando sob os cuidados de um médico.
Finalmente, recebeu uma resposta: não seria necessária mais nenhuma
música. O resto do filme iria “utilizar efeitos de respiração”.
As anotações rabiscadas de North antes de ligar para seu agente, em
meados de janeiro, parecem o boletim de uma crise: “Cumpri minha
obrigação — gravei mais de quarenta minutos de música — ME ATRASANDO
— gostou das coisas, depois mudou de ideia”. Elas também registram sua
avaliação sobre as intenções de Kubrick: “Obter os direitos de uso para as
trilhas provisórias […] impedimento psicológico”. O compositor
evidentemente também instruiu seu agente a contatar Robert O’Brien para
que fizesse pressão sobre o diretor.
Anos mais tarde, Kubrick confirmou que o agente de North tinha, de
fato, entrado em contato com o presidente da MGM “para adverti-lo de que,
se eu não usasse a trilha de seu cliente, o filme não chegaria à data de
estreia”. Mas nesse caso, como em todos os outros, O’Brien confiou em seu
julgamento. “É um homem maravilhoso, e um dos poucos chefões na
indústria cinematográfica capaz de inspirar lealdade e afeição verdadeiras
em seus diretores.” Em comentários feitos ao crítico francês Michel
Ciment, Kubrick fez uma avaliação impiedosa do trabalho de North:

Embora eu e ele víssemos o filme com muita atenção, e ele tivesse


escutado as trilhas provisórias (Strauss, Ligeti, Khachaturian) e
concordasse que elas funcionavam bem e que serviriam como guia para
os objetivos musicais de cada sequência, mesmo assim ele compôs e
gravou uma trilha que não poderia ter sido mais estranha à música que
tínhamos escutado, e, muito mais sério do que isso, uma trilha que, na
minha opinião, era completamente inadequada ao filme. Com a estreia
iminente, eu não tinha mais tempo sequer para pensar em compor outra
trilha, e se não tivesse conseguido usar a música que já tinha selecionado
para as trilhas provisórias, eu não sei o que teria feito.

Isso foi desonesto? Höllger-North sempre achou que aquele era o plano de
Kubrick desde o começo. “Durante todo o tempo ele estava tentando liberar
os direitos das trilhas provisórias e então, como pretexto, chamou Alex para
compor a trilha; sempre achei que isso não era justo”, disse ela. “Kubrick
conseguiu liberar os direitos e Alex nunca foi informado disso — nós
fomos ver 2001 em Nova York e ficamos muito surpresos ao perceber que a
música de Alex não estava no filme — nem uma nota.”
Entretanto, um vislumbre do diretor abalou sua avaliação a partir de
janeiro de 1968. Ao chegar à sua casa para uma conversa tardia, Cantwell
encontrou Kubrick deprimido, o que não era comum. Enquanto faziam
sanduíches, “havia alguma coisa na cabeça dele”, recordou. “Ficamos lá,
sentados em silêncio. Ele disse: ‘Acabei de despedir meu quarto
compositor. Estou começando do zero. De volta ao início do jogo’. E: ‘O
que fazer, e em quem pensar, no tempo que ainda nos resta’. Àquela altura,
é claro, eu estava totalmente identificado com a extensão do que ele tentava
fazer. Ele disse: ‘Estava até cogitando se deveria entrar em contato com os
Beatles’.”
Diante dessa frase — enunciada com ironia, mas evidentemente pedindo
a seu visitante séria consideração — Cantwell absorveu “aquilo por um
instante e lhe disse exatamente o que achava. ‘Não, não valeria a pena’”.
Não há motivos para supor que a ideia de Kubrick de chamar os Beatles
fosse algo mais que algo aleatório naquele momento. Em todo o caso,
Cantwell ficou preocupado com a gravidade da situação. “O que Stanley
transmitia era um desapontamento profundo”, disse. “Para Stanley, isso não
seria motivo para ficar arrasado. Tinha de ser resolvido, não poderia
enfraquecer o filme. E era uma mistura de tristeza, urgência,
arrependimento e adrenalina, de ‘Qual é o caminho a partir daqui?’. Tudo
isso estava no mesmo pacote. Ele expressava de maneira muito discreta a
enorme intensidade de seus sentimentos.”

***

Em sua busca contínua para aperfeiçoar a sequência do Portal Estelar,


Kubrick decidiu em setembro que precisava de imagens aéreas adicionais
para ampliar o material que Birkin filmara na Escócia um ano antes.
Chamou o diretor de fotografia Bob Gaffney, que voou para Londres no dia
27 de setembro, chegando a Borehamwood bem a tempo de testemunhar o
diretor filmando ossos girando no ar. Até ali a contribuição de Gaffney para
2001 tinha sido persuadir Kubrick a usar filme Cinerama de 65 mm em vez
de um formato menos sensacional de cinemascópio, em 1964. Agora, o
diretor o levou para seu escritório e tirou de uma das prateleiras um livro
com fotos de paisagens desérticas. “Quero imagens em Monument Valley
filmadas com luz baixa, sobrevoando a área à menor altitude que você
conseguir”, disse. Indagado em que tipo de sequência usaria as tomadas,
Kubrick foi evasivo, como sempre.
Por volta de 10 de outubro, Gaffney já estava posicionado perto de Page,
Arizona, com uma Panaflex alugada e uma enorme quantidade de filme.
Havia decidido que um avião leve, do tipo Cessna, funcionaria melhor
como plataforma do que um helicóptero, e improvisou um suporte para a
câmera sob a asa, com a lente longe da hélice. Após vários dias filmando
paredes escarpadas de cânion e mesas perto de Page em altitudes
perigosamente baixas, voltou sua atenção a leste, para Monument Valley —
uma das paisagens mais filmadas dos Estados Unidos, e praticamente
sinônimo do Oeste americano.
Birkin e o piloto Bernard Mayer já tinham flertado com o perigo voando
de helicóptero entre as correntes de ar e tesouras de vento imprevisíveis da
Escócia, em novembro do ano anterior. Gaffney e seu piloto haviam
localizado uma pista de terra ao lado de um posto Texaco, não muito longe
do vale, com um motel situado, por acaso, bem em frente. Mulas e cabras
andavam livremente pela área. Assim como nas filmagens da Aurora do
Homem, suas instruções eram filmar somente no alvorecer ou perto do pôr
do sol. No fim da primeira tarde, Gaffney carregou a câmera, notou que a
biruta estava “mais imóvel que uma pedra”, e eles decolaram antes do pôr
do sol, em um redemoinho de poeira.
No entanto, assim que passaram pelo topo da mesa mais próxima, o
avião foi atingido por um vento de 160 quilômetros por hora, que jogou seu
nariz para o alto. Voando para cima em espiral, à beira de um desligamento
total do motor, o piloto lutava com o manche, que não parava de tremer,
gritando": “Eu sabia que você ainda ia me matar qualquer dia desses, seu
idiota desgraçado!”.
“Abaixa esse manche ou eu mesmo o abaixo!”, Gaffney gritou de volta,
avançando sobre o manche para ajudar a empurrá-lo. O Cessna mergulhou
abaixo da corrente de ar do deserto e entrou em uma área mais calma.
Depois de nivelar o avião, eles voltaram ao ponto de onde haviam decolado
e viram que a nuvem que haviam criado ainda pairava no ar. Não havia
vento nenhum, mas o sol poente estava diretamente atrás da pista,
transformando a poeira em uma parede opaca. “Você pilota e eu fico de
radar”, disse Gaffney, inclinando-se para a frente e apertando os olhos para
enxergar através do para-brisa, na aproximação. “Dois graus para a
esquerda […]. Certo […]. Reduz a propulsão […] corta o motor!” Com um
boom! eles pousaram com força sobre a pista.
Tinham conseguido.
Tendo vivido para contar a história, criaram estratégias para evitar o
vento, e várias de suas tomadas aéreas foram inseridas na sequência do
Portal Estelar, depois de metamorfoseadas, com o efeito Purple Hearts, em
imagens de tons vivos de grená, ocre, verde e azul. Em uma delas, as torres
de arenito características de Monument Valley são claramente perceptíveis.
“Ele quase me matou”, contou o operador de câmera, sem exagerar, a
Vincent LoBrutto, biógrafo de Kubrick, em 1997.
Alguns anos depois do lançamento de 2001, Birkin estava ajudando
Kubrick na pesquisa para outro projeto e lamentou que uma das tomadas
que fez na Escócia — o pico Ben Nevis e seu observatório abandonado —
talvez fosse um pouco reconhecível demais no filme. O diretor respondeu
que, olhando em retrospectiva, ele também não deveria ter usado algumas
das imagens de Gaffney, pelo mesmo motivo.

***

Kubrick trabalhou na montagem de 2001: Uma odisseia no espaço do dia 9


de outubro de 1967 ao dia 6 de março de 1968, a véspera de embarcar no
Queen Elizabeth para Nova York. De acordo com a maioria dos relatos, ele
fez a montagem sozinho, Ray Lovejoy, que era o montador oficial do filme,
fez o papel de assistente e David de Wilde ia e vinha com novas cópias,
gravações sonoras e latas de filme.
Colin Cantwell, que testemunhou parte do processo, lembra que a
estrutura do filme já existia na cabeça de Kubrick e que, em um
desempenho de mestre, ele a executou de forma linear, num processo serial,
do começo ao fim, sem qualquer tentativa de reedição. O diretor
simplesmente foi de um rolo de filme para o outro, montando cada trecho
até o final, com som e música, e liberando-o imediatamente. O esquema
acelerado era necessário para dar início à conversão do filme para 35 mm
— algo que consumia um tempo considerável — e garantir seu lançamento
em circuito amplo ainda em 1968, logo depois da estreia em cinerama.
Como consequência, Kubrick não tinha qualquer margem para erro e
nem podia se dar ao luxo de voltar e ajustar cenas já montadas à medida que
avançava. Ele tinha que ter o filme inteiro claro na cabeça, considerando
com antecedência qualquer coisa que causasse reflexos no primeiro rolo e
mantendo uma ideia abrangente de como seria o último desde a montagem
das sequências de abertura. “Isso era muito ousado, assim como tudo no
filme, e foi executado de maneira igualmente perfeita”, disse Cantwell.
Apesar dessas restrições — que não deixavam espaço para mudanças de
ideia, quanto mais para exibições-teste — “a gente se divertiu”, lembrou De
Wilde. “As coisas estavam bem tranquilas naquele momento, e todos
estávamos descontraídos. O filme estava pronto.”
A descrição de Cantwell pareceria indicar que a remoção dos elementos
mais descritivos já tinha sido pré-visualizada muito antes, e 2001: Uma
odisseia no espaço surgia, rolo a rolo, como a obra predominantemente não
verbal que conhecemos. E de acordo com De Wilde, o prólogo documental
sobre o qual Roger Caras se debruçara em 1966 nunca foi editado, muito
menos inserido na abertura do filme. Mas a história mostra, na verdade, que
Kubrick continuou se debatendo com a questão de incorporar ou não um
voiceover narrativo durante toda a montagem, abandonando a ideia não
uma, mas duas vezes. Enquanto isso, ao longo de setembro, outubro e parte
de novembro, Clarke diligentemente enviava trechos revisados da narração
para Borehamwood. Seus textos cobriam a Aurora do Homem, a neurose de
HAL e as diversas características e operações da Discovery, sempre
abordados em estilo de voiceover de documentário.
[92] Kubrick trabalha na montagem com seu assistente David de Wilde.
© & ™ Turner Entertainment Co. (s17)

O último grande impulso de Kubrick para concluir a narração do filme


desenrolou-se no começo de novembro. Clarke estava na época em uma
turnê de palestras nos Estados Unidos, e seus textos ou eram transmitidos
por telegrama diretamente para Londres, ou passados por telefone para
Benn Reyes em Nova York, que rapidamente os despachava para Londres.
Fragmentos desses escritos revelam como 2001 seria diferente se eles
tivessem sido utilizados. Para a sequência da Aurora do Homem: “Eles
eram filhos da floresta — coletores de sementes, frutos e bagas. Mas a
floresta estava morrendo, derrotada por séculos de seca, e eles estavam
morrendo com ela. Nesse novo mundo de planícies abertas e arbustos
atrofiados, a busca por alimento era uma batalha infinita, sem possibilidade
de vitória”.
Para a Discovery: “Você passa a maior parte do tempo dentro de um
tambor gigante, girando lentamente, de forma que a força centrífuga lhe dá
a sensação de peso normal. Você pode andar, se exercitar para ficar em
forma e preparar refeições sem os inconvenientes da falta de gravidade”.
Para HAL: “Desde que a consciência surgira pela primeira vez para o
computador, todos os seus grandes poderes e habilidades haviam sido
direcionados para alcançar a perfeição. Sem ser distraído pelas paixões da
vida, ele a buscou com absoluta obstinação. Mas agora, ao longo de milhões
de quilômetros solitários, ele vinha refletindo sobre o segredo que não
poderia compartilhar e o engodo do qual fora parte, e estava começando a
ter uma profunda sensação de imperfeição, de iniquidade. Pois, assim como
seus criadores, HAL fora criado inocente”.
Embora a decisão de Kubrick, no final de novembro, de usar Rain para a
voz de HAL fosse, em grande parte, motivada pelo fato de não ter gostado
das leituras de Martin Balsam, ela poderia também se dever a uma crescente
inquietação em relação ao efeito que essas explicações teriam no filme.
Algumas semanas antes das sessões com o ator canadense, era evidente que
esse sentimento havia se cristalizado e, de 20 a 22 de novembro, Kubrick
enviou uma enxurrada de telegramas tentando entrar em contato com
Clarke em sua turnê. Pare o trabalho, ele escreveu, explicando
sucintamente: “Narração precisa redução drástica”.
No dia 23, Clarke respondeu com um telegrama em tom alarmado:
“Acabei de retornar turnê de palestras duas semanas 16 mil km passei cada
minuto livre trabalhando narração como solicitado. Trabalho será terminado
em alguns dias então muito transtornado por suas mensagens. Esclareça por
favor”. A resposta de Kubrick naquele dia foi ainda mais inequívoca:
“Lamento pela narração. Conforme o filme é montado, ficou evidente que a
narração não era necessária”.
A resposta de Clarke, um bilhete escrito à mão do Hotel Chelsea no dia
25, fornece uma janela interessante para a maneira de pensar do autor. Ele
estava “bem chateado”, escreveu, mas também se referiu a “uma prosa nova
e extravagante, que seria uma pena desperdiçar” — um comentário
revelador — e continuou com uma confissão implícita: “Tenho interesse em
ver como você vai conseguir dispensar boa parte do material narrativo, mas
ao mesmo tempo sinto que será bom se conseguir!”.
No começo de dezembro Kubrick tinha reconsiderado, e no dia 17 disse
a Clarke, que estava então em Londres, que queria que ele visse o filme
montado em meados de janeiro para terminar o texto da narração. Quando
Clarke mencionou um pagamento pelo trabalho adicional, pedindo 5 mil
dólares, Kubrick retrocedeu. “Devo confessar que tenho a impressão de que
você foi pago para trabalhar no roteiro, e de que essa tarefa da narração é de
natureza semelhante ao ano e meio adicional de meu próprio trabalho pelo
qual não recebi qualquer pagamento adicional”, escreveu (itálico no
original).
Diante disso, Clarke conteve sua exasperação, com enorme esforço, e
disparou uma mensagem para Scott Meredith. Empregando a palavra
“chutzpah” [“insolência” em iídiche], ele pediu a seu agente: “Não o
pressione demais, porque não quero dissabores nem atrasos nesta etapa
final”. O argumento de Kubrick poderia ter sentido se ele tivesse tido a
coragem de dar a Clarke uma participação financeira no filme três anos
antes. Em todo o caso, era evidente que o diretor estava fazendo aquilo sem
pensar muito e, no dia 23 de janeiro, ele escreveu novamente ao autor, que
estava de volta ao Ceilão: “Parece que não vamos conseguir chegar à
narração até meados de fevereiro. Scott provavelmente já lhe disse ok para
os 5 mil dólares. Tudo vai bem mas com prazo desesperadamente curto —
estreamos dia 2 de abril, em Washington, DC”.
Clarke respondeu no dia 29 que estava ansioso para ajudar, mas
advertiu: “É impossível apressar o tipo de composição literária que vocês
querem — ele tem que ser retrabalhado várias vezes, então assim que você
tiver qualquer coisa finalizada quero começar a pensar a respeito”.
Acrescentou, entretanto, que já tinha esboços com os quais poderia começar
a trabalhar.
Ele nunca recebeu uma convocação de Kubrick para ir a Londres.

***
Como Terry Southern descobriu, poucos assuntos eram mais tensos para
Kubrick do que a questão dos créditos. Dan Richter recorda-se de uma
discussão com o diretor perto do fim de seu trabalho em Borehamwood.
Convocado para uma reunião no final de setembro, ele chegou e viu
Kubrick em pé atrás de sua mesa, “fingindo parecer ocupado” mas
“obviamente nervoso com alguma coisa”. Depois de desviar para outro
assunto, não relacionado — e que, Dan percebeu imediatamente, não era o
motivo da conversa —, fez-se uma pausa incômoda. Richter interrompeu.
“Qual é o problema, Stanley?”, perguntou.
“Bem, Dan, tenho que acertar seu crédito com você, e estou com um
problema”, respondeu o diretor.
“Qual é o problema? Sou o coreógrafo da Aurora do Homem”, observou
Richter, confuso.
“Bom, eu só posso lhe dar um crédito”, Kubrick respondeu. “Então
quero lhe dar o quarto crédito do elenco. Você pode ficar com esse ou com
o crédito pela coreografia, mas não pode ficar com os dois.” Sopesando a
afirmação, Richter perguntou o motivo. “Bem, Dan, isso daria a você mais
de um crédito. E eu sou o único com mais de um crédito. Então você vai ter
que decidir.”
Apesar de ter feito o papel de Moonwatcher, não havia ocorrido a Dan
que ele pudesse receber crédito pela participação no elenco. Sempre se vira
como coreógrafo. Decidiu facilitar o que, obviamente, era uma situação
constrangedora. “Bom, fico com o crédito no elenco”, disse. “Todo mundo
sabe que fiz a coreografia da Aurora do Homem.”
“Achei que você ia dizer isso”, replicou Kubrick. Mas ele ainda parecia
ansioso. “Fica realmente bom para você assim?”, perguntou. “Pode
acreditar, Stanley, gosto da ideia de ser uma estrela”, disse Richter. Eles se
levantaram e apertaram as mãos. E o nome de Richter aparece logo depois
de Dullea, Lockwood e Sylvester nos créditos de 2001, de forma bastante
apropriada.
Indagado, décadas mais tarde, o que ele achava que Kubrick teria dito se
sua resposta fosse que não apenas merecia ambos os créditos, como tinha
trabalhado muito duro por eles, Richter respondeu: “Ele não teria me
ouvido”.

***

Doug Trumbull lembra-se da finalização de 2001 com ambivalência, como


uma época de cansaço, moral baixo e amargura. Rivalidades e tensões até
então implícitas tornaram-se explícitas, como às vezes acontece quando as
pessoas estão exaustas e algo significativo está obviamente chegando ao
fim. “Todos estavam largando o filme como ratos, fugindo de um navio
prestes a afundar, porque estavam exaustos, completamente esgotados e
com as carreiras paradas”, disse Trumbull. O trabalho em 2001 tinha se
estendido por muito mais tempo do que qualquer um imaginara, e “eles não
conseguiam arrumar empregos em outros filme. Estavam putos […]. Não
percebiam no que haviam acabado de se envolver, como eu percebia”.
Seu relacionamento com Kubrick estava começando a ficar bastante
afetado. Trumbull sabia que havia se tornado fundamental para a realização
de 2001, e tinha orgulho disso. Além da técnica da Slit Scan, havia
organizado e administrado o departamento de animação do filme depois da
partida de Wally Gentleman, entre muitas outras contribuições. Sua
importância para o filme pode ser medida por algo que Christiane lhe
contou quando o encontrou em um festival de cinema, anos após a morte de
Stanley. Segundo Trumbull, ela se lembrou de ter perguntado ao marido, na
última fase da produção de 2001, se ele estava preocupado em conseguir
terminar o filme. A resposta de Kubrick tinha sido: “Não, não estou
preocupado porque tenho Doug”.
Apesar disso, e apesar de fazer parte do time dos veteranos, o salário de
Trumbull ficou congelado no nível de dois anos antes. Irritado com aquela
injustiça — seus colegas estavam ganhando muito mais do que ele —, fez
campanha por um aumento. Muito consciente de que havia estourado o
orçamento e que outros poderiam apresentar a mesma reivindicação, o
diretor negou categoricamente. “Esse foi um dos maiores desafios entre
nós”, lembrou Trumbull. “Ele simplesmente disse: ‘Não’. Foi totalmente
inflexível.”
Então, à medida que sua viagem para Nova York e Los Angeles em
março se aproximava, o diretor decidiu que queria patentear a máquina de
Slit Scan de Trumbull, algo a que o criador se opôs. “Eu era extremamente
contrário àquela ideia porque…”, Trumbull hesitou. “Eu era só um
moleque. Naquele tempo, não sabia que o empregador na verdade tem o
direito de patentear o trabalho de seus empregados.” Kubrick disse a
Trumbull que contratara gente para redigir a reivindicação da patente.
“Olha, Stanley, faz o que você quiser, mas eu não vou ajudá-los”,
Trumbull retrucou.
“Bom, vou fazer assim mesmo”, disse Kubrick.
“Tudo bem, pode fazer. Mas faça sozinho.”
Lembrando-se da cena décadas mais tarde, Trumbull comentou: “Foi um
momento difícil. Apareceram uns engenheiros no meu escritório, foram até
a máquina e tentaram seguir os fios para entender a lógica do que eu havia
construído, e aí me disseram que não tinham conseguido entender nada,
desistiram e foram embora”.
Além disso, a relação de Trumbull com Con Pederson, seu antigo
mentor, estava se deteriorando. Embora sua colaboração criativa houvesse
sido significativa e ele tivesse um papel ativo e direto em muitos efeitos
visuais do filme, as atribuições de Pederson em 2001 foram
predominantemente gerenciais. O processo de pós-produção do filme era
“de uma complexidade épica, e Con era o cara mais capacitado ali”, disse
Trumbull, afirmando categoricamente que 2001 “não teria acontecido em
absoluto sem ele”. Mas à medida que observava Trumbull ascender e
contribuir de forma tão significativa para o impacto visual do filme,
Pederson começou a insinuar para Kubrick que boa parte do que Doug
havia conseguido derivava de John Whitney — e que ele estava, na
verdade, reivindicando crédito por algo que não tinha inventado.
“Eu me lembro vagamente de uma discussão muito constrangedora com
ele em um escritório, um ou dois dias antes de eu ir embora. Ele estava puto
comigo por eu ter reivindicado essa autoria”, disse Trumbull. “Eu disse:
‘Você está errado’. Estava tentando me ridicularizar por não ter dado crédito
a John Whitney pelo trabalho inicial, que eu tinha superado em muito.
Como se eu tivesse copiado Whitney e não tivesse inventado ou feito nada,
o que era uma bobagem. Suei sangue em cima daquela máquina. Eu
construí aquilo. Embora o trabalho de John Whitney tenha me incentivado,
ele não teve nada a ver com o que fizemos em 2001.”
Indagado sobre esse confronto meio século mais tarde, Pederson
educadamente ficou do lado de Trumbull. “Muitos anos se passaram desde
2001”, observou. “E no que me diz respeito, não dá para elogiar
suficientemente o trabalho de Doug. Seu projeto de Slit Scan era original e
espetacular. Qualquer picuinha sobre sua semelhança com a obra de
Whitney deveria ser considerada sem importância alguma. Aquilo fez o
filme ser o que é, e eu certamente sou grato pelo gênio de Doug.”
Houve também “uma outra sacanagem” da qual Trumbull ficou sabendo
e que o deixou desconfiado, plantando as sementes de uma amargura que
durou décadas. “Nos meus últimos dias lá, estávamos filmando os créditos
finais do filme. Eu tinha colocado a coisa para funcionar, porque estava
dirigindo o departamento de animação”, disse. “E sempre faltava um cartão.
Ninguém sabia qual cartão faltava, e não me preocupei com aquilo […].
Bem, era o cartão que dizia: ‘Efeitos Especiais Criados e Dirigidos por
Stanley Kubrick’. Aquilo realmente me deixou enfurecido.”
Naquele tempo, o regulamento do Oscar especificava que no máximo
três pessoas poderiam receber o prêmio de Melhores Efeitos Visuais. Mas
2001 teve quatro supervisores de efeitos: Wally Veevers, Trumbull,
Pederson e Tom Howard. Assim, dar um crédito único para Kubrick era
uma forma de garantir que o filme fosse considerado. Ainda assim, como
Trumbull sustenta há anos, Kubrick poderia ter solicitado à Academia de
Artes e Ciências Cinematográficas que fizesse uma exceção, já que se
tratava de um filme significativamente pioneiro na categoria. Em vez disso,
ele mandou Louis Blau contatar o Sindicato dos Diretores dos Estados
Unidos, solicitando a concordância oficial para a indicação de seu crédito
de efeitos visuais.
Ao receber o consentimento do sindicato, Kubrick havia se posicionado
como candidato único ao Oscar.

***

Faltando apenas alguns dias, no final de fevereiro, os remanescentes do


círculo interno de Kubrick decidiram que o fim da produção de 2001 tinha
que ser comemorado, e pediram ao departamento de cenografia que criasse
um diorama estilizado com uma cápsula espacial em metal brilhante
estacionada em uma falsa pedra de bronze que se projetava para cima —
possivelmente uma réplica de Spitzkoppe. De frente para ela estava o
monólito. A peça toda foi montada sobre uma base de mármore com uma
placa gravada. Essa lembrança foi acompanhada de um enorme cartão
endereçado ao diretor com uma lista de 104 nomes dentro, todos “membros
de sua equipe marcando sua participação na produção de 2001: Uma
odisseia no espaço”.
No entanto, com tantos ratos abandonando o navio, o cartão não foi
assinado, e a entrega foi evidentemente muito discreta, de modo que não
aparecesse nos relatos da produção do filme. Em uma fotografia que
sobreviveu, Kubrick parece nitidamente esgotado, emaciado, em pé ao lado
de seu troféu.
Outro fragmento que restou dos últimos dias de 2001 em Borehamwood
é uma lista de bilhetes de despedida, datada de 7 de março, de Kubrick para
sua equipe. Em um deles, dirigido ao operador de câmera Jimmy Budd,
Kubrick escreveu: “Como você sabe, tudo terminou em uma pressa louca e
andei até procurando alguém para fazer uns Purple Hearts às duas da
manhã do dia 7 de março”.
Mais tarde, naquele dia, os carregadores da Cunard Line içaram uma
Moviola e muitas dúzias de gordas latas de filme 65 mm pelo acesso de
carga do RMS Queen Elizabeth em Southampton. Pouco depois, a família
Kubrick foi vista subindo pela prancha de embarque até o convés superior
do navio, acompanhada do assistente de montagem David de Wilde, uma
figura magra vestindo um suéter de lã.
28. Muitos dos colaboradores mais próximos a Kubrick tiveram um sentimento semelhante de que
desfrutaram de interações criativas exclusivas e particulares com o diretor. [ «« ]
29. Curiosamente, as tomadas que Cantwell identificou como de interesse em A fonte da donzela de
Bergman incluíam uma composição simétrica reminiscente da Última ceia, de Leonardo, Max von
Sydow na posição central de Cristo. [ «« ]
Capítulo 11

Lançamento
PRIMAVERA DE 1968

Não posso fazer nada pelas coisas quando elas estão indo bem, mas posso quando não estão.
Stanley Kubrick

A Moviola não estava a bordo do Queen Elizabeth para que a montagem de


2001 continuasse. O filme estava terminado, ou assim se supunha. Era para
fazer os trailers, embora De Wilde estime que, na semana da travessia, ele e
Kubrick tenham passado somente seis ou sete horas na sala de edição, uma
cabine reservada para isso ao lado da sua, no convés A. Os Kubrick, por sua
vez, instalaram-se nas melhores acomodações do navio, a Suíte do
Primeiro-Ministro, de onde Churchill supostamente planejou operações
importantes, reclinado em uma banheira e fumando charutos, na Segunda
Guerra Mundial. Exceto para fazer as três refeições do dia, Stanley
raramente deixava a suíte, embora ele e David às vezes fizessem
caminhadas pelo convés.
Eles tinham estabelecido uma ligação verdadeira. De Wilde acredita que
estava no navio porque “trabalhei para Stanley durante três anos e dei cem
por cento de mim. […] acho que ele sentia que me devia alguma coisa”. Ele
também percebeu que Kubrick apenas queria um amigo homem a bordo
com quem pudesse conversar livremente a respeito de qualquer coisa que
estivesse em sua mente. Toda noite, eles jantavam juntos no melhor
restaurante a bordo, o Veranda Grill, Stanley com seu paletó azul amassado
e Christiane e as garotas vestidas impecavelmente e “brilhando. Eram
lindas”, lembrou-se De Wilde.
Certa noite eles foram convidados para a mesa do capitão, nesse caso,
presidida por Geoffrey Marr, Comodoro da Cunard — uma espécie de
almirante civil. Embora Kubrick tenha colocado sua melhor gravata para a
ocasião e De Wilde tirasse da mala seu terno de mohair, isso não foi
suficiente. As garotas foram na frente e, quando eles apareceram na porta
do grande salão de jantar, foram recebidos friamente. “Lamento, não podem
entrar”, disse o porteiro fardado. “Não estão adequadamente vestidos para o
jantar.” O código de vestimenta da Cunard exigia smokings. De Wilde e
Kubrick se entreolharam. Nenhum dos dois tinha um smoking. “Ele não
estava nem aí”, lembrou David. “Não deu a menor bola.” Ficaram mais
alguns minutos por ali, até que corresse a informação de que o passageiro
que ocupava a suíte de Churchill — um tal de Stanley Kubrick, diretor de
cinema — fora impedido de entrar. De repente, com uma enxurrada de “mil
desculpas” e “por aqui, por favor” foram levados até a grande mesa central,
onde Kubrick se sentou entre o Comodoro Marr e o Capitão William Law,
seu paletó azul agora emoldurado pelo branco dos uniformes dos outros
dois.
O Queen Elizabeth chegou a Nova York no começo de uma manhã
enevoada. Era a última viagem que Stanley Kubrick faria aos Estados
Unidos em sua vida. De Wilde juntou-se a ele no convés para testemunhar
uma imagem que nunca esperou ver — uma forma feminina gigante, com
uma coroa pontiaguda e uma tocha erguida, surgindo em meio à neblina.
Jeremy Bernstein foi recebê-los no Cais 92, ao lado do rio Hudson, no
centro de Manhattan, e descobriu que, além de um representante da MGM,
quatro ou cinco homens muito atentos, carregando pastas e envelopes,
esperavam por Kubrick: oficiais de justiça. Quando ele finalmente saiu da
área de Alfândega e Imigração, eles se lançaram para a frente, empurrando
papéis nas mãos do assustado diretor e anunciando, um após o outro: “O
senhor foi notificado”. Kubrick disparou um olhar irônico para De Wilde,
que estava parado a uma curta distância, observando a cena chocado.
“Fiquei infeliz e devastado por aquele homem que controlava um estúdio
inteiro estar sendo […]. Ele não estava sendo levado à força, mas teve que
engolir aquilo, teve que aceitar”, lembrou-se David. “Fiquei constrangido
pelo pobre homem, e aquilo me doeu.”
Um dos processos pelos quais foi notificado naquele dia era uma ação
legal movida por Fred Ordway em nome do Museu Espacial Internacional,
organização da qual era cofundador. Depois de deixar o filme de Kubrick
em 1966, Ordway tinha iniciado o projeto com o historiador espacial
Carsbie Adams, que era seu amigo, e um grupo de investidores. Concebido
para ser uma espécie de vitrine dos cenários, figurinos e maquetes da
produção em Washington, DC, o projeto foi inicialmente incentivado por
Kubrick, que parece ter acreditado se tratar de algo sem fins lucrativos,
associado ao Smithsonian. Com sua reação positiva, Ordway e Adams
levantaram fundos suficientes para alugar um imóvel grande em
Washington, e já haviam gastado mais de 200 mil dólares quando Kubrick
se deu conta de que era uma empresa com fins lucrativos. Na sequência, ele
interrogou Lange para descobrir o que ele sabia e se recusou a continuar a
cooperação. Ordway e Adams entraram com uma ação no dia 12 de março,
reivindicando reembolso de 1 milhão de dólares por seus gastos, mais
indenizações da Polaris Productions e da MGM.
Depois que todos as notificações tinham sido entregues e os oficiais de
justiça foram embora, Bernstein acompanhou a família Kubrick e De Wilde
até o Plaza Hotel em um pequeno comboio de Cadillacs da MGM. Assim que
se instalaram, o diretor se juntou a Bernstein no saguão e eles tentaram ir ao
Oak Room, mas não puderam entrar porque Kubrick estava sem gravata.
Seu primeiro dia de volta a seu país não foi especialmente bom.

***

Lá pelo dia 16 de março, os Kubrick foram a Los Angeles, passando por


Chicago, em um luxuosa viagem de trem transcontinental. O trecho de
Chicago a Los Angeles foi feito dentro de um apartamento completo, com
quarto principal, poltronas e chuveiros, em um “vagão com cúpula” de dois
andares. De Wilde e Caras tinham ido antes de avião para encontrá-los, e o
montador Ray Lovejoy também tinha chegado de Londres. Depois de uma
reunião no edifício Thalberg, da MGM, em Culver City, Lovejoy e De Wilde
começaram o processo de supervisionar o trabalho de som nos rolos
montados, o que incluía converter a mixagem feita em mono na Inglaterra
para estéreo, além de terminar os trailers que haviam começado a fazer no
navio.
A primeira vez que 2001: Uma odisseia no espaço foi projetado
integralmente, com todos os efeitos visuais no lugar certo e sem
interrupções, foi no sábado, 23 de março, em um cinema gigantesco em
Culver City, para um pequena plateia. Além de Kubrick, que ainda não
tinha visto seu próprio filme inteiro antes, somente os chefões do estúdio
estavam presentes: Robert O’Brien, presidente e diretor executivo; Maurice
Silverstein, vice-presidente e presidente da MGM International; Merle
Chamberlain, administrador editorial; e Maggie Booth, editora supervisora.
Na época com setenta anos, Booth foi uma das grandes damas de
Hollywood. Ela havia começado como cortadora de negativos para D. W.
Griffith, em 1915, antes de trabalhar para Louis B. Mayer, bem antes da
fusão que gerou a MGM em 1924. Figura lendária, Booth era miúda, porém
poderosa; De Wilde sabia muito bem que ela era uma das montadoras de
cinema mais experientes em Hollywood, e que reinara sobre os cortes finais
do estúdio por três décadas.
De Wilde e Lovejoy se sentaram no fundo do cinema, o mais longe
possível dos VIPs nas primeiras fileiras. Ambos estavam nervosos. “Por três
anos eles apareciam e a gente apresentava uma amostra curta do filme, e
agora estávamos mostrando a eles a coisa toda, tudo o que o que filme era”,
disse De Wilde. “E, é claro, o filme de verdade é, em si, um mistério. Um
mistério.” Indagado se achava que Kubrick também estava nervoso, De
Wilde respondeu que, se estava, não deu nenhum sinal.
Entretanto, quando as luzes se apagaram e o filme começou, o diretor
ficava voltando lá da frente a todo instante para ajustar o som. O filme
ainda não tinha sido completamente mixado e Kubrick queria que De Wilde
aumentasse o volume em Assim falou Zaratustra, entre outros momentos. O
tempo de projeção era de 161 minutos, e de suas poltronas no fundo, De
Wilde e Lovejoy assistiram 2001 se revelar, ao mesmo tempo deslumbrados
e inquietos. Uma obra de arte radicalmente experimental, ela não tinha
voiceovers e poucas pistas guiavam o entendimento da plateia. Também
traía sinais de uma montagem sem revisão, com algumas cenas
desnecessariamente longas e outras repetindo sequências que já haviam
aparecido. A não ser pelos créditos iniciais e a Aurora do Homem, o filme
ainda estava sem os títulos.
Quando as luzes voltaram a se acender, quase três horas depois, “todos
se levantaram, e eu pensei merda. Achei que seria um desastre”, lembrou-se
De Wilde. Ele tinha achado o filme absolutamente brilhante mas, ao
examinar a linguagem corporal de O’Brien, Silverstein, Chamberlain e
Booth do outro lado do cinema, reconheceu que eles poderiam ter chegado
a um veredito diferente. “O jeito como se levantaram e cumprimentaram
Stanley: ‘Parabéns’ e ‘Obrigado, Stanley’ — era a linguagem corporal […].
Eu pensei, porra, esse negócio não deu certo. Merda.”
Mas De Wilde era o encarregado da cópia, e não poderia ficar por ali
para checar sua avaliação — precisou ir para a cabine buscá-la. Ao sair do
cinema, percebeu, para sua surpresa, que estava tremendo. Ele tinha se
dedicado ao filme profundamente. “Três anos da porra da minha vida, e do
Stanley também”, recordou. “Eu adorava aquele cara.” Ao subir as escadas,
ele reviu mentalmente a reação contida de Maggie Booth. Ao cumprimentar
Kubrick, ela parecia estar fazendo aquilo de uma forma protocolar. Não era
um bom presságio.
Ao chegar à sala de projeção ele viu, para sua surpresa, que, além do
projecionista, um rapaz de uns dezoito anos estava lá. Era o sobrinho de
Silverstein, e era evidente que tinha assistido à projeção pela janela da
cabine. Estava com uma expressão extática no rosto.
“Você trabalhou nesse filme?”, quis saber, empolgado.
“Sim, acabamos de terminá-lo”, De Wilde confirmou.
“Quem é você?”, perguntou o sobrinho — não era uma ordem, era
curiosidade.
“Sou assistente de montagem de Stanley.” De Wilde estava se
acalmando aos poucos.
“Bom, eu acabei de assistir”, disse o sobrinho de Silverstein.
“E o que você achou?”
“É a coisa mais incrível que já vi.”

***
Dois anos depois de Clarke insistir pela primeira vez que estava pronto,
Kubrick finalmente deu sinal verde para a publicação do romance. Depois
de um leilão entre editoras que sabiam da existência do texto há pelo menos
esse tempo, no dia 20 de março Scott Meredith conseguiu arrancar da New
American Library uma oferta de 130 mil dólares — 30 mil a menos do que
teria conseguido com a Dell dois anos antes. Ainda assim, descontada a
porcentagem de Kubrick, Clarke ganharia o equivalente a mais de meio
milhão de dólares hoje. O suficiente para saldar suas dívidas e ainda sobrar.
Nenhuma possibilidade de revisão tinha sido oferecida ao diretor depois
da leitura inicial em junho de 1966, e as sugestões que Kubrick fizera não
foram incorporadas. Ele também não apareceu como coautor, embora
concordassem em incluir na página de rosto a frase “Baseado em roteiro de
Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke”. Na lista incompleta de mudanças que
propôs, Kubrick tinha perguntado se era possível usar a palavra “estepe”
para designar uma área atingida pela seca; se era possível encontrar abelhas
nessas condições; e se era possível dizer que os leopardos “rugem”. No
livro editado, as abelhas zumbem por cima de uma estepe povoada por
leopardos que rugem. “Quando Stanley aprovou o livro para publicação,
absolutamente nenhuma palavra havia sido mudada”, Clarke observou para
Jerome Agel, editor de The Making of Kubrick’s 2001, em 1970. “Parece
que há o jeito certo de fazer as coisas, o jeito errado e o jeito de Stanley.”
Algumas correspondências reveladoras entre Clarke e dois velhos
amigos no decorrer de 1967 e 1968 fornecem um retrato interessante do
escritor às vésperas da estreia mundial de 2001. Uma delas foi com seu
colega escritor de ficção científica Sam Youd, que escrevia sob o
pseudônimo de John Christopher e também era representado pela agência
literária de Scott Meredith. A outra foi com o cientista de foguetes Val
Cleaver, engenheiro-chefe da Divisão de Foguetes da Rolls Royce.
Em junho de 1967 Clarke colocara Youd a par do fracasso de seu acordo
com a Dell, detalhando, com uma satisfação teatral, as dívidas que contraíra
em consequência (ele fala em 50 mil dólares) e concluindo com: “Fora isso,
sra. Lincoln, tudo vai bem, não tenho dúvida de que 2001 acabará sendo
publicado, e não estou tão chateado; o filme será fantástico”. Youd
respondeu com um reconfortante: “Tenho certeza de que ressurgirá um
contrato, nos mesmos moldes de antes, quando chegarmos perto do
lançamento do filme. Se entendi, você vai ganhar uma boa fatia dos lucros
dele?”. Ao que Clarke respondeu: “Não, eu não tenho nenhuma
participação no filme, caramba”. A resposta de Youd foi de incredulidade e
indignação.

Se entendi bem, a situação é a seguinte: você escreve o livro que cria a


coisa toda, Kubrick fica com 50% do dinheiro e do crédito para ele,
além do direito de arruinar a coisa toda, como acabou fazendo.30 Mas
você não ganha nada dos direitos do filme. Estou surpreso que Scott
tenha aprovado um negócio desse tipo, e também que você mesmo não
tenha se espantado nem um pouquinho. Espero que você não confie na
boa-fé de qualquer um — isso é imprudente em qualquer tipo de
negócio, suicida quando envolve gente da indústria cinematográfica.

Racionalizando o que só pode ser visto como um fracasso de Scott


Meredith em alavancar a reputação do escritor na negociação inicial com
Kubrick, em 1964, Clarke respondeu em 21 de outubro: “A situação livro-
filme é muito mais complexa do que consigo descrever — mas, no final,
ainda vou me dar bem. Mas eu poderia ter acabado com aqueles 100 mil
dólares em 1966”.31
Val Cleaver era amigo de Clarke desde a década de 1930 e havia atuado
como seu padrinho quando ele se envolveu em um duelo verbal com C. S.
Lewis em Oxford em 1954 — um confronto para defender os méritos dos
voos espaciais, que Lewis tinha atacado publicamente. (O padrinho de
Lewis era J. R. R. Tolkien.) No dia 24 de março, nove dias antes da estreia
mundial de 2001, Cleaver escreveu a Clarke uma mensagem simples e
sincera.

Desejo-lhe todo o sucesso possível no dia 2 de abril. Espero que as


coisas fiquem à altura de suas expectativas. Eu até incluirei Stanley
nesse desejo — estou me sentindo bastante generoso esta noite! Mas
faço ideia do quanto isso significa para você — como uma representação
nítida do mundo de imaginação no qual você viveu a maior parte do
tempo nos últimos quarenta anos, emergindo dele apenas de vez em
quando para interagir com mortais de meados do século XX como eu.
Stanley acha que fez esse filme para ele, ou para a MGM, ou para o
público, mas, é claro, ele está errado. Ele realmente o fez para você.
Portanto, acima de tudo, eu lhe desejo toda a felicidade e satisfação na
Grande Noite.

***

Apesar dos esforços para disfarçar, quando Clarke finalmente assistiu a


2001: Uma odisseia no espaço em uma pré-estreia para a imprensa no
Uptown Theater — um cinema imponente com fachada em estilo
mediterrâneo no bairro Cleveland Park, em Washington, DC —, no dia 31 de
março, o filme não atendeu às suas expectativas, lhe deu pouca felicidade e
não o deixou satisfeito. Apesar de saber que Kubrick não usara suas
narrações em voiceover, ele ficou chocado e decepcionado pela falta de
preocupação que o filme mostrava em se fazer entender pela plateia. Horas
mais tarde, quando o então presidente dos EUA Lyndon Johnson anunciou
que não se candidataria à reeleição, Clarke ouviu um executivo da MGM
dizer para o outro: “Bom, hoje nós perdemos dois presidentes” —
referindo-se, é claro, ao presidente do estúdio, Robert O’Brien.
A estreia mundial ocorreu dois dias depois no Uptown, e todo o alto
escalão da MGM estava presente, assim como Keir Dullea e Gary Lockwood.
Kubrick voltara de trem para Nova York alguns dias antes e, como a estreia
em Manhattan seria no dia seguinte, decidiu não comparecer. Era uma noite
chuvosa e Lockwood, que havia fumado um baseado para a ocasião,
lembra-se das mesas no saguão de entrada com programas ilustrados e bem
produzidos, e da euforia que estava no ar quando as luzes se apagaram. Em
pouco tempo, porém, as pessoas começaram a demonstrar sua opinião sobre
o filme, levantando-se e indo embora. No intervalo, estavam “saindo aos
montes. Foi um desastre. Ninguém gostou”.
Victor Davis, do Daily Express, voara de Londres para o evento, e
escreveu um artigo no dia 3 de abril que começava com: “Eu nunca vi uma
estreia de filme famoso como essa: não houve aplausos, nem mesmo dos
funcionários do estúdio. A plateia simplesmente se levantou, atordoada e
pensativa, e saiu andando para a rua”. Davis comentou que a MGM havia
“apostado a própria saúde financeira” no filme, escrevendo: “Os propósitos
mais profundos do homem são questionados, e depois Kubrick nos lança,
desconcertados, de volta para as ruas”. Parado na calçada molhada estava
Clarke, que logo se viu cercado por “multidões molhadas” de jornalistas
confusos e disse, segundo consta: “Vocês vão precisar assistir seis vezes
para conseguir entender alguma coisa”.
Apesar de o artigo de Davis apontar altos e baixos — ele não só
escreveu que o filme era “visualmente impressionante”, como também
previu que os espectadores de menos de 35 anos se sentiriam
“repetidamente atraídos” por ele, um comentário profético —, outras
críticas publicadas pela imprensa inglesa foram categoricamente negativas.
O primeiro parágrafo do artigo de Donald Zec no Daily Mirror, do mesmo
dia, afirmava textualmente: “Foram quatro anos para ficar pronto, 4 milhões
de libras para ser produzido e exatamente duas horas e 42 minutos para
confirmar que é estranhamente doloroso não rir dele quando dá vontade”.
As críticas nos jornais de Washington não foram muito melhores, e um
artigo sensacionalista no The Washington Star afirmou: “Apesar dos
cenários magníficos e elaborados, e da perfeição técnica, o roteiro parece
voltado para crianças de sete anos. Um homem ligado à indústria do cinema
disse: ‘Nunca vi uma porcaria tão grande em toda a minha vida’. E outro
espectador: ‘Demorei três horas para descobrir que Deus é um monólito’”.
Na saída da estreia, Lockwood desviou dos jornalistas reunidos em volta
de Clarke e voltou para o Hotel Shoreham, onde acabou pegando o elevador
com Robert O’Brien e “um de seus bajuladores, que me olhou e disse:
‘Onde foi que vocês erraram?’”. Lockwood, que sabia da importância do
que acabara de ver, lançou um olhar de raiva para o homem. “Não
erramos”, disse. “Espere para ver.” (O’Brien, pelo contrário, foi “muito
educado a respeito da coisa toda”.) Ele e Dullea foram para a festa de
lançamento no salão, viram a Orquestra de Lester Lanin tocando para
alguns gatos-pingados e saíram discretamente.
Nervoso com a ideia de se opor a Kubrick e consciente de que o sucesso
de seu livro dependeria da recepção do filme, Clarke só deu sua opinião
sincera para pessoas próximas. Em 24 de abril, recebeu uma carta do
roteirista Howard Koch, autor de um roteiro baseado em O fim da infância
que estava em desenvolvimento na MGM quando Kubrick apareceu (depois
disso, o projeto foi cancelado, evidentemente com a ajuda de Louis Blau).
“George Pal me ligou e disse que você ficou muito decepcionado com
2001”, escreveu Koch. “Assisti e concordo com você… Tanto dinheiro e
inteligência gastos em uma obra tão fria, desumana e sem vida!”
As anotações de Clarke na carta contam sua própria história. Uma linha
ondulada debaixo de “muito decepcionado”, o telefone de Koch em Los
Angeles — e uma nota indicando que Clarke havia ligado para ele no dia 2
de maio, com certeza para pedir que o roteirista mantivesse suas opiniões
em segredo.
Décadas mais tarde, porém, Clarke confirmou discretamente que ficara
chocado, desconcertado e insatisfeito com o filme — pelo menos
inicialmente.

***

Christiane Kubrick lembra-se da estreia de 2001 em que esteve, na noite do


dia 3 de abril, no Loews Capitol Theater, na Broadway — um evento só
para convidados, com uma multidão de jornalistas do lado de fora e uma
plateia composta predominantemente por representantes respeitáveis da
mídia e da elite cultural, funcionários de médio e alto escalão da MGM e
celebridades, incluindo Paul Newman e Joanne Woodward. A estreia em
Nova York foi, na verdade, a estreia de Kubrick e, contra todas as
probabilidades, ela conseguira convencê-lo a vestir um terno para a ocasião.
Ele até concordou em gravar uma entrevista na entrada — uma das poucas
disponíveis hoje. A pequena Vivian compareceu, com o mesmo vestido
vermelho da cena do videofone, e Clarke voltara a Nova York para a
ocasião. Ele e Kubrick sentaram-se juntos na primeira fila do cinema, que
comportava mais de 1.500 pessoas e estava lotado.
Olhando ao redor antes de as luzes se apagarem, Christiane notou que
pessoas mais velhas predominavam, e pensou: “Vários alte kackers
presentes” — literalmente “velhos cagões”, em alemão e iídiche, mas
melhor traduzido por “velhos peidorreiros”. James Randi, o mágico e
locutor de rádio, compareceu à sessão com um grupo de escritores de ficção
científica, incluindo Isaac Asimov. Randi sentou-se mais para o fundo da
sala, com uma clara visão das silhuetas de Clarke e Kubrick contra a tela à
frente. Ele tem memórias vívidas do evento, e se lembra da plateia
começando a ficar inquieta durante a longa sequência, quase no final da
primeira metade do filme, em que Bowman dá voltas correndo pela
centrífuga — cena que ele suspeitou tratar-se de “Kubrick tentando
comprovar o quanto era tedioso estar no espaço. Com certeza conseguiu”.
[93] A família Kubrick no Loews Capitol Theater, na Broadway, no lançamento de 2001.

Conforme Dullea corria em círculos prolongados, Randi começou a


ouvir vaias e assovios. As pessoas “diziam coisas como ‘Vai logo aí’, ‘Lá
vamos nós’, ‘Próxima cena’, esse tipo de coisa. Não estavam gritando, mas
dava para ouvir. E até começaram a rir, porque aquela cena, de tão longa,
parecia muito boba”. Quando as luzes se acenderam para o intervalo, ele
viu Kubrick e Clarke andando juntos em silêncio pelo espaço entre as
fileiras. Com o rosto sério, Kubrick parecia profundamente pensativo. E
dava para ver claramente as lágrimas no rosto de Clarke. “Ele estava muito
chateado. Muito, muito chateado.”
Durante a primeira parte, um Kubrick inquieto perambulava pelo
cinema, entrando de tempos em tempos na cabine de projeção para conferir
o foco e monitorar o som. Caras lembra-se dele andando “para cima e para
baixo, nos corredores e no fundo da sala, procurando o motivo da
inquietação”. Mais tarde, Kubrick comentaria: “Eu nunca tinha visto uma
plateia tão inquieta”. Alguém ficou na entrada contando quantas pessoas
saíam do cinema, o que se transformou gradualmente, de alguns pingos,
para uma chuva constante e uma verdadeira enchente no intervalo. Quando
Kubrick voltou à sua poltrona, murmurou comentários tensos para
Christiane. “De repente, estava achando: ‘Coloquei cenas muito longas,
aquela corrida na centrífuga, ou…’”, lembra-se ela. “Ele sentiu muita
hostilidade dos funcionários da MGM, e os executivos foram embora sem
disfarçar. Entediados. Foi realmente assustador.”
No intervalo, Christiane sentiu a schadenfreude [prazer em ver a dor
alheia] emanando do local. Ao fugir para o banheiro, ouviu uma mulher
dizendo para outra: “Eu não sabia que não tinha ar na Lua”. Com isso,
começou a pensar que essa poderia ser simplesmente a plateia errada.
Talvez as coisas não fossem tão ruins quanto pareciam. “Não são eles que
vão gostar desse filme”, disse firmemente a si mesma. “Não são eles que
vão comprar ingressos para ver o filme. Eu sei que as pessoas adoram os
livros de Arthur C. Clarke. Eu sei que gostam desse tipo de história. É
brilhante!”
Clarke, que já havia visto o filme duas vezes, parece ter ido embora no
intervalo, retirando-se humilhado e decepcionado para o Chelsea. Mais
tarde, ele se lembrou de ter ouvido um outro comentário vindo de um grupo
de executivos da MGM sentados: “Bem, esse é o fim de Stanley Kubrick”.
Ao final, registrou-se que 241 pessoas haviam ido embora, mais de um
sexto da plateia. Depois disso, os Kubrick mandaram suas filhas para a
mansão que haviam alugado em Long Island e voltaram ao Plaza, onde
haviam organizado um evento pós-estreia em uma grande suíte. Jeremy
Bernstein tinha ido à estreia com seu editor na revista New Yorker, que
comentou: “O que quer que tenha acontecido, foi grande”, enquanto se
levantavam para ir embora. Ao chegar à festa, que ele descreveu como
“muito deprimente”, Bernstein viu Terry Southern sentado em um canto,
“parecendo extremamente infeliz”. O clima ficou pesado a festa inteira.
“Tirando Louie Blau, que andava por toda a parte dizendo que o filme era
uma obra-prima, eu acho que todos, eu inclusive, estavam decepcionados”,
lembra-se. “Esperávamos outra coisa.” Indagado sobre o comportamento de
Kubrick, Bernstein respondeu: “Ele parecia meio desorientado, acho”.
Christiane lembra-se da cena com a clareza que os eventos traumáticos
costumam causar por décadas. “Era só um salão cheio de bebidas, homens e
tensão”, disse. “Eu nunca havia visto um salão tão cheio, não dava nem
para se mexer, e não parava. E o Stanley estava tão triste”. As pessoas
fizeram “comentários venenosos”, e amizades acabaram naquela noite, com
“schadenfreude e um sorriso maldoso. A coisa que mais tememos — gente
que fica feliz com o seu fracasso”.
Ela se lembra de Southern como uma presença extremamente
reconfortante o tempo todo. “Terry estava mal por Stanley, porque algumas
pessoas eram muito negativas”, disse. “A festa estava muito cheia e eu
passei a maior parte do tempo falando com Terry, porque eu estava perdida
e com medo das pessoas.” Ela se lembra de dizer: “Estou tão chateada! Isso
é horrível para o Stanley”, e de Southern responder: “O filme é ótimo, não
se preocupe, vai ficar tudo bem. Olha para esses idiotas. Você costuma falar
com eles? Fala comigo”.
“Eu sempre o amei por isso”, ela disse.
Kubrick fumou sem parar a festa inteira e, às três da manhã, todos já
haviam ido embora, deixando um vazio desagradável, um cheiro de cigarro
e um sentimento colossal de fracasso. “O Stanley estava se torturando”,
Christiane disse. “Dizendo: ‘Meu Deus, eles realmente odiaram’. Estava de
coração partido.” Ela tentou animá-lo dizendo: “Eles não odiaram. Você viu
aquela plateia? Era gente com quem você nem conversa. É claro que eles
não gostaram. Espere até a chegada do público de verdade — vai ser
diferente”.
Sem conseguir se acalmar, ele andava pelo cômodo, perguntando-se: “O
que vou fazer?”, várias vezes. Seu marido costumava ser muito confiante,
Christiane observou, mas aquela noite havia acabado com ele, e agora ele
estava perdendo a voz. Ela decidiu usar outra abordagem.
“Isso é muito idiota”, disse a ele. “Você está se sujeitando a algo ao qual
você nunca se sujeitaria normalmente, está entregando os pontos. É
ridículo!” Ela serviu um copo de uísque para ele. “Toma isto.”
Já eram quatro da manhã. “Nos deitamos e Stanley não conseguia
dormir. Eu não conseguia falar nem fazer nada, ele estava acabado”, disse.
“Ele estava quase chorando. Quer dizer, ele não chorou, mas disse: ‘Meu
Deus, isso é terrível’. Ele se sentia terrível — terrível, terrível. Havíamos
alugado uma casa; então de madrugada, tipo umas quatro da manhã, ele
disse: ‘Escuta, vamos para lá, pelo menos teremos alguma coisa para fazer’.

Então fomos para a casa de Long Island — que era maravilhosa — e eu


lembro que cheguei de bolsa e vestido de festa, me joguei de barriga na
cama e apaguei. Acordei com alguém no rádio dizendo que “A fila para
ver o filme de Stanley Kubrick está dando a volta no quarteirão”. E
estava. Era a primeira sessão do dia, ao meio-dia ou algo assim, e havia
filas enormes. E eles diziam [no rádio]: “O filme é fantástico”. E, depois
disso, choveram elogios.

Ela acordou o marido a tempo de ouvir o final da reportagem — um fio de


esperança para encerrar uma das piores noites da vida de Stanley Kubrick.

***

Tirando Penelope Gilliatt, que descreveu 2001 na The New Yorker como
“um tipo de grande filme, e um esforço inesquecível”, os principais críticos
de cinema de Nova York fizeram fila para malhar o filme, principalmente
nos artigos publicados naquela manhã. No Times, Renata Adler escreveu
que a produção era “algo entre hipnótico e incrivelmente tedioso”,
acusando-a de “se deleitar com o próprio QI”. (Vale dizer que, em um
trecho, ela elogiava os “macacos carnívoros que parecem reais”.) Na The
New Republic, Stanley Kauffmann chamou 2001 de “uma grande
decepção”, afirmando que o filme era “tão sem graça que até empana nosso
interesse pelo engenho técnico, por causa do qual Kubrick permitiu que o
filme ficasse tão sem graça”. No Village Voice, que estava no auge de sua
influência na época, Andrew Sarris declarou que 2001 era “um fracasso
completamente desinteressante e a demonstração mais condenatória da
inabilidade de Kubrick de contar uma história de maneira coerente e com
um ponto de vista sólido”.
Apesar de o cineasta ter sentido seu desdém muito antes, Pauline Kael,
uma das críticas de cinema mais consagradas e influentes do país, esperou
quase um ano para detonar Kubrick. Em um artigo para a Harper’s que nem
se preocupou em considerar 2001 por si só, Kael chamou o filme de
“monumentalmente prosaico”, acusou-o de ser “lixo disfarçado de arte” e
definiu-o como uma “besteira motivacional sobre como nos tornaremos
deuses por meio do uso das máquinas”. Ela chegou a acusar o diretor de
plágio por causa das similaridades entre a sequência do Portal Estelar e a
obra do cineasta experimental Jordan Belson — uma acusação parecida
com dizer que Kandinsky plagiou Malevich porque ambos eram pintores
abstratos.
Não sabemos o que a editora supervisora Maggie Booth dissera a
Kubrick ou a seus colegas depois da primeira exibição em Culver City,
menos de duas semanas antes. Mas ela deixou sua impressão em todas as
produções do estúdio por mais de três décadas, então podemos ter certeza
de que seu ponto de vista era levado em consideração. No dia 4 de abril, a
opinião geral na MGM era a de que o filme era um desastre épico, e algumas
pessoas chegaram a dizer que ele afundaria o estúdio. O contrato de
Kubrick dava a O’Brien o direito de solicitar mudanças que, caso
questionadas pelo diretor, seriam submetidas a um teste de reação de
espectadores. Mas depois do apoio inabalável dos quatro anos anteriores,
esse tipo de confronto estava fora de cogitação. De qualquer forma, em 4 de
abril, Kubrick já tivera várias oportunidades torturantes de analisar o que
inquietava a plateia, e de contar as pessoas que deixavam o cinema antes do
final do filme. O teste de reação já estava feito, e os resultados eram
evidentes.
O filme estava sendo exibido diariamente em Washington e Nova York,
e as críticas negativas chegavam aos montes — ainda que amenizadas por
algumas positivas. Tomou-se a decisão de fazer cortes no filme. Os
participantes da reunião de corte na sede da MGM na Sexta Avenida, no dia 4
de abril, incluíam Kubrick e os executivos mais importantes do estúdio,
como O’Brien; o diretor de publicidade e propaganda Dan Terrel; o vice-
presidente e supervisor-geral de vendas Morris Lefko; e o presidente da
MGM International Maurice Silverstein, cujo sobrinho havia fornecido a
primeira reação dos espectadores abaixo de 35 anos prevista por Victor
Davis. No dia seguinte, Kubrick e Ray Lovejoy encontraram-se em um
estúdio de edição no porão do prédio da MGM e passaram a noite
trabalhando. A edição continuou por todo o fim de semana e terminou no
dia 9.
Como cópias de 70 mm com trilha sonora óptica já haviam sido
distribuídas em oito cinemas, as edições de Kubrick tinham de se limitar a
trechos em que o impacto no som do filme seria mínimo — uma situação
pouco convencional e nem de longe ideal. Como resultado, a geniosa
composição “Gayane Ballet Suite (Adiago)”, de Aram Khachaturian, que
toca nas primeiras cenas da viagem da Discovery a Júpiter, precisou ser
editada. Mas o efeito foi sutil. No dia 9, uma lista de cortes foi enviada às
franquias de cinema Loews e Uptown Theaters, à Warner em Los Angeles e
também a cinemas em Boston, Detroit, Houston, Denver e Chicago, que
começariam a exibir 2001 em 10 ou 11 de abril. Depois de anos de exatidão
torturante e minuciosa em relação a todos os aspectos da produção, cortes
cruciais em 2001: Uma odisseia no espaço estavam sendo delegados a oito
projetistas desconhecidos, que trabalhavam em mesas de corte amadoras,
usadas para acrescentar marcações no início dos rolos — pelo menos até
que fossem providenciadas novas cópias.
De acordo com uma citação anônima de um executivo do estúdio em um
rascunho não publicado do livro The Making of Kubrick’s 2001, editado por
Jerome Agel em 1970, os funcionários do mais alto escalão da MGM
“estavam todos presentes até o final da decisão dos cortes, mas nenhum
ficou para a parte prática”. Kubrick insistiu para que essa parte fosse
retirada do livro. O texto continuava, citando o executivo:

O porão do prédio da MGM, onde ficam nossos estúdios de montagem,


ficava lotado nas sessões de corte. Um monte de gente vinha procurar
Stanley — gente grande, pequena, gorda, magra. Sua filha mais nova,
Vivian, o acompanhou durante boa parte da montagem. Ela ama donuts
de chocolate — e pedia donuts de chocolate o tempo todo. Stanley
odiava a Sixth Avenue Delicatessen, que ficava do outro lado da rua.
Dizia que eles não sabiam fazer um sanduíche bom para viagem.

Esse trecho do texto passou, mas em seguida vinha outra, que Kubrick
vetou: “Ele não parecia feliz em fazer as edições — cortes —, mas eu posso
estar enganado. Com certeza eu tive a impressão de que ele cortou as partes
que menos seriam notadas na projeção”. Kubrick defendeu suas mudanças
no livro, com comentários rabiscados. Sobre as reuniões de edição: “Não é
verdade. Nenhum executivo da MGM sugeriu que o filme fosse cortado”.
Sobre estar infeliz por ter de fazer cortes no filme: “É besteira, a fonte nem
se identificou. É mentira”.
Para ser justo com o executivo anônimo — que disse, de fato, que
poderia estar enganado —, todas as evidências sugerem que, em 4 de abril,
Kubrick já havia reconhecido totalmente a necessidade dos cortes. Isso
inclui o que ele dissera a Christiane na estreia da noite anterior. A
infelicidade de Kubrick pode ter vindo da preocupação em como faria isso,
considerando a necessidade incomum de que todos os cortes de som fossem
indetectáveis, já que estavam permanentemente ligados às imagens.
Quanto à afirmação categórica do diretor sobre a MGM não ter sugerido
os cortes, com certeza está errada, e reflete sua determinação de não deixar
vazar, além de um pequeno grupo de pessoas, nenhuma evidência da real
influência do estúdio nisso. Como disse Roger Caras, totalmente leal a
Kubrick, em 1989: “Kubrick negaria qualquer coisa, não importa o que
fosse, qualquer coisa que refletisse de forma menos que sensacional na
persona mítica de Kubrick”.
Os cortes, feitos na Moviola do relações-públicas Michael Shapiro,
totalizaram cerca de dezenove minutos, ou mais ou menos 12% do tempo
original do filme. Incluíram a remoção da cena de corrida de Dullea, que
havia causado vaias e assovios no dia três — uma cena redundante, de
qualquer forma, já que as primeiras visões do interior da Discovery
apresentavam Lockwood fazendo exatamente a mesma coisa. Também foi
retirada uma repetição longa, quase integral, das preparações de Bowman
para a saída da Discovery, dessa vez conduzidas por Poole — o que
supostamente reduziria o choque causado por sua morte subsequente.
Outros trechos editados incluíram um pedido de HAL para repetir a
mensagem de controle da missão, que mostrava seu mau funcionamento;
partes da cena do monólito lunar; uma sequência em que HAL desliga a
conexão de rádio de Poole logo antes de matá-lo; e alguns detalhes na
sequência da Aurora do Homem.
Dois intertítulos novos foram adicionados. Um deles, logo antes da
primeira visão da Discovery, dizia: “Missão Júpiter 18 meses depois”. O
outro, “Júpiter, e para além do infinito”, sinalizava os dois últimos atos do
filme: o Portal Estelar e o Quarto de Hotel. Finalizando, Kubrick incluiu
uma breve reprise da cena do pôr do sol sobre o monólito, de Cantwell,
logo antes da epifania do uso do osso como arma.
As mudanças foram controversas para alguns. Uma carta do estudante
de cinema Jon Davison, da Universidade de Nova York, para o The New
York Times em 28 de abril atacava a MGM pelas edições e pelos “intertítulos
sem importância”. Davison escreveu que “o trabalho magnífico de Stanley
Kubrick foi massacrado; o triste resultado dos abusos com os quais a crítica
o bombardeou […]”. Concluiu: “A humilhação completa dos cortes
malfeitos e do ritmo inconstante agora está sendo vista por plateias ainda
mais confusas do que as que viram o original. O mais confuso de tudo é a
MGM, cuja falta de confiança artística em seu próprio filme o fez cortar o

que não podiam entender, destruindo o que pretendiam salvar”.32


Há boas razões para supor que a hostilidade inicial em relação ao filme,
principalmente entre os críticos nova-iorquinos, deveu-se, pelo menos em
parte, à primeira montagem, com suas redundâncias evitáveis. Ao contrário
do que Davison supunha, os cortes de Kubrick foram feitos por ele mesmo,
com bons motivos. Os cortes malfeitos aos quais se referia provavelmente
se deviam ao fato de ele haver assistido a uma das cópias cortadas pelos
projecionistas, em resposta à lista enviada pela MGM no dia 9 de abril. Elas
logo seriam substituídas por cópias novas, sem cortes.
Apesar de as críticas negativas a 2001 não terem se limitado a Nova
York, elas foram feitas predominantemente por críticos que assistiram ao
primeiro corte. A revista de cinema Variety, a mais importante de
Hollywood, publicou uma resenha definitivamente mista e, em última
análise, negativa, no dia 3 de abril, escancarando “algumas decisões de
montagem baratas e malfeitas por Kubrick” e afirmando diretamente que
“2001 não é um marco cinematográfico”. (Incrivelmente, o autor acreditava
que a maquiagem na cena da Aurora do Homem era “amadora se
comparada à do Planeta dos macacos”.) As decisões de montagem às quais
o artigo se refere são as que estão no corte original, e não na segunda
versão, mais curta. Um artigo mais favorável na Variety, publicado apenas
duas semanas depois, apontava que “Kubrick não viu a edição final de 2001
até oito dias antes da exibição para a imprensa”, e ponderava sobre o dano
que o primeiro corte, mais longo, poderia ter causado: “Considerando que a
maior parte dos espectadores, independentemente da reação inicial,
concordou que 2001 era muito melhor na versão mais curta, parece uma
pena que a primeira versão do filme, e não a última, tenha sido submetida
às críticas nacionais”.
A fim de provar esse ponto de vista, um boxe na lateral da página citava
a crítica Marjorie Adams, do Boston Globe, que assistira à segunda edição e
chamava 2001 de “o filme mais extraordinário do mundo. Nada parecido
nunca fora exibido em Boston, ou, para falar a verdade, em nenhum outro
lugar […]. O filme é tão emocionante quanto a descoberta de uma nova
dimensão na vida”.
O épico cósmico de Kubrick e Clarke não estava só se erguendo; estava
começando a vencer.

***

Ao contrário do mito de que a bilheteria de 2001 ia mal, e de que o filme


estava quase sendo retirado de circulação quando os espectadores mais
jovens vieram em seu resgate, os dados de bilheteria revelam que a venda
de ingressos foi excelente desde o primeiro dia. Uma semana depois da
estreia, a Variety já registrava vendas de ingressos antecipadas 30% maiores
do que as do sucesso Doutor Jivago, da MGM, em 1965.
Como a reação do sobrinho de Silverstein indicara, a forma como 2001
seria recebido dependia muito do lado da divisão geracional do final dos
anos 1960 em que o público estava. Como o “Mr. Jones” da canção “The
Ballad of a Thin Man” de Bob Dylan (1965), algo estava acontecendo e o
público mais velho não necessariamente sabia o que era. Grande parte dos
executivos também não entendia, e outro artigo na Variety, em 10 de abril,
começava com uma observação que hoje pode parecer ridiculamente óbvia:
“Como a maior parte dos espectadores de hoje em dia têm menos de 25
anos, parece fundamental que a indústria aprenda algo sobre esse mercado e
seus gostos”. Citando Marshall McLuhan, o artigo ia direto à oposição entre
lado esquerdo e lado direito do cérebro que separava Clarke e Kubrick, e
que Colin Cantwell havia identificado meses antes, apontando que, para a
juventude “visual” de 1968, “sensações auditivas e visuais substituíam as
palavras […]”. Também citava um dos primeiros comentários públicos de
Kubrick sobre o filme: “Eu queria fazer uma afirmação não verbal, que
tivesse um impacto visceral, emocional e psicológico sobre as pessoas.
Pessoas de mais de quarenta anos não estão acostumadas a sair da camisa
de força das palavras e dos conceitos literais, mas, até agora, a resposta dos
mais jovens tem sido incrível”.
Apesar de pessoas mais jovens terem sido muito responsáveis pelo
sucesso do filme, porém, ele foi quase que imediato. Em meados de maio, a
Variety divulgava que, nas primeiras cinco semanas de exibição, 2001 já
havia arrecadado mais de 1 milhão de dólares apenas em oito cinemas, e o
Loews Capitol, em Nova York, tivera de fazer sessões adicionais às cinco
da tarde nos fins de semana para atender à demanda. Nesse meio-tempo,
enquanto a aprovação popular continuava a subir, vários críticos
começaram a mudar de ideia. Joseph Gelmis, do Newsday, por exemplo,
ficou intrigado e assistiu ao filme novamente, dessa vez, o segundo corte.
Sua primeira resenha, em 4 de abril, terminava com: “O filme tem saltos
erráticos. Suas partes só se estruturam de forma lógica nos últimos minutos.
É um erro. Em vez de suspense, há surpresa e confusão, e, para muitos,
ressentimento”.
Em seu segundo artigo — um memorável mea-culpa publicado apenas
dezesseis dias depois —, Gelmis declara o filme uma “obra-prima” e
compara as reações iniciais da crítica, incluindo a sua própria, à recepção
que Herman Melville recebera em 1851.

Cerca de cem anos atrás, Moby Dick foi eloquentemente execrado e


violentamente descartado por um dos críticos literários mais influentes e
eruditos do Reino Unido. Ele defendeu de maneira convincente que o
livro era uma miscelânea absurda. Ridicularizou o lirismo
autocomplacente e o misticismo poético. Disse que era um fracasso sem
salvação porque não seguia o formato aceitável de como um romance do
século XIX deveria ser escrito. Ele estava completamente errado. Hoje
em dia, talvez uma meia dúzia de acadêmicos consiga se lembrar do
nome do crítico, enquanto qualquer calouro de universidade sabe o
nome do escritor difamado.

Ele continuava: “Um crítico profissional às vezes fica preso à sua própria
necessidade de categorias, convenções e cânones convenientes […]. É o
mantenedor do familiar, o promotor do status quo”. Clarke ficou tão
extasiado que escreveu uma carta a Gelmis do Chelsea, em 6 de maio.

Fiquei fascinado e muito impressionado com seu artigo na Newsday de


20 de abril, uma vez que o paralelo entre a recepção inicial de 2001 e a
de Moby Dick já havia me ocorrido. Na verdade, notei que a guinada
rápida dos críticos (três semanas, em vez de oitenta e poucos anos) é um
indicativo do ritmo do progresso atual. Também dá razão a McLuhan
[…]. Porém, o que torna seu comentário duplamente interessante para
mim é o fato de que, durante os últimos anos em que trabalhei no
projeto, eu estava completamente consciente de outro paralelo com
Moby Dick — o uso de tecnologia “pesada” na criação de um cenário
para especulações filosóficas e metafísicas.

Apesar de não ser crítico de cinema e nem ter assistido à versão cortada, um
espectador que não se convenceu foi ninguém menos que Fred Ordway, que
comparecera à estreia em Washington e contara 52 pessoas indo embora. Já
perturbado pela mudança de ideia de Kubrick a respeito de seu projeto do
Museu Espacial Internacional, talvez Ordway não estivesse no estado de
espírito ideal para assistir ao filme. Sua carta de oito páginas corridas para
Kubrick, em 9 de abril, exalava irritação pela obscuridade de 2001 e
continha uma avaliação negativa extraordinariamente detalhada e
abrangente. Vindo de um dos colaboradores mais próximos de Kubrick, é
um documento notável.

***

Com as vendas de ingressos prosperando e a maior parte das novas críticas


positivas, os Kubrick isolaram-se em sua enorme mansão alugada na costa
norte de Long Island, onde foram atacados por multidões de “pessoas
grandes, pequenas, gordas, magras”, a maioria da imprensa. “A casa tinha
uma plataforma iluminada e voltada para o estuário de Long Island”,
lembra Mike Kaplan, um jovem executivo de marketing recrutado para
cuidar de parte da divulgação de 2001. “Tal era o interesse em qualquer
coisa relacionada a Kubrick que rapidamente alguém espalhou o boato de
que se tratava da mansão de Jay Gatsby em O grande Gatsby.”
Christiane, uma artista de talento, tentava desenhar a baía e a casa com
pastel ao mesmo tempo que oferecia chá e café à torrente infinita de
visitantes indesejados. Ela lembra-se de jornalistas empurrando umas às
outras para tentar chegar perto de Stanley. “Foi o único período da minha
vida em que senti uma atmosfera de traição em relação ao meu marido”,
disse. “Elas queriam passar um tempo com ele e eu era um inconveniente.”
Começaram a surgir críticas à sua nacionalidade, de maneiras repugnantes.
“Houve comentários perversos. Sabe, meu inglês não era tão bom na época
e eu tinha sotaque alemão. A guerra era muito mais recente, sabe. E elas
não me queriam por perto. Lembro de uma vez em que estava usando um
casaco de veludo bonito. E uma delas me olhou — não lembro o nome dela
— e disse: ‘Que tipo de pele é essa que você está vestindo?’.”
Estremecendo ao lembrar-se do incidente, Christiane disse: “Tenho
orgulho de uma coisa: nunca contei para ele esse tipo de experiência,
horrível, que tive várias vezes. Eu me achava forte o suficiente para não
deixar meu probleminha alemão se tornar o destino dele”.
Apesar de a versão cortada e a bilheteria estrondosa terem facilitado a
aceitação de 2001, no final de abril Kubrick decidiu que talvez fosse a hora
de uma explicação mais detalhada, e escolheu o redator de cinema Abe
Weiler, do New York Times, que na época estava escrevendo uma coluna
dominical sobre produção cinematográfica, como canal. Weiler citou o
diretor na íntegra.

O que acontece no final deve atingir o subconsciente com seu poder.


Para isso, é preciso superar as palavras e entrar no mundo dos sonhos e
da mitologia. É por isso que a clareza literal que se costuma utilizar não
está presente. Meu planejamento foi o seguinte. Na órbita de Júpiter,
Keir Dullea é levado a um Portal Estelar. Arremessado por regiões
fragmentadas de tempo e espaço, ele entra em outra dimensão, onde as
leis da natureza como conhecemos não funcionam mais. Na presença
invisível de entidades divinas — seres de pura energia que evoluíram
para além da matéria —, ele se encontra no que poderia ser descrito
como um zoológico humano, criado por seus próprios sonhos e
memórias […]. Toda sua vida passa no que parece para ele uma questão
de segundos. Ele morre e renasce — transfigurado. Um ser elevado, um
Filho das Estrelas. A ascensão de macaco para anjo está completa.

Os Kubrick demoraram a se recuperar de suas provações do dia 3. Houve


um momento em que Stanley disse a Christiane, em segredo: “Eu estava tão
chocado que ainda acho que alguma coisa horrível vai acontecer a qualquer
momento”. Aos poucos, porém, a tensão de quatro anos de esforços
ininterruptos começou a se dissipar. Apesar de se enfurecer com as resenhas
negativas, ele também recebeu uma enxurrada de cartas impressionadas e
compreensivas, não somente de pessoas jovens. Com o tempo, as análises
positivas passaram a pesar mais que as negativas. Quando indagado sobre
as reações iniciais, em setembro, Kubrick respondeu: “Nova York foi a
única cidade realmente hostil. Talvez haja uma certa questão dos pretensos
intelectuais que são tão dogmaticamente ateus, materialistas e terrenos que
consideram a grandeza do espaço e os incontáveis mistérios da inteligência
cósmica um anátema”.
Além da entrada e da iluminação, a casa estilo Gatsby, com sua enorme
varanda para o estuário de Long Island, também tinha uma área de tiro no
porão e, naquele verão, Roger Caras e a família iam de East Hampton até lá
para visitas regulares. Ele e Kubrick tinham em comum um amor pelas
armas, e Roger levava um pequeno arsenal para competir com o de
Kubrick. De acordo com Christiane, ambos eram excelentes atiradores.
Uma cena ótima para deixarmos o diretor de 2001: Uma odisseia no espaço
e seu consigliere: lado a lado, atirando em um alvo, cercados pela névoa
azul da fumaça das armas, no centro da mansão cor de vinho tinto de um
milionário, próxima ao mar, com o sol se pondo sobre a Hollywood distante
e Christiane, no topo das escadas, fazendo cara feia para o barulho e o
cheiro.

30. Na verdade 40%, pelo menos do dinheiro. [ «« ]


31. Justiça sendo feita a Meredith, pode muito bem ter sido Clarke, que não gostava de
desentendimentos pessoais, quem havia cedido à intransigência de Kubrick três anos antes. [ «« ]
32. Davison acabou produzindo filmes de ficção científica muito famosos, como RoboCop e Tropas
estelares, ambos dirigidos por Paul Verhoeven. [ «« ]
Capítulo 12

Resultados
PRIMAVERA DE 1968 – PRIMAVERA DE 2008

Existem duas possibilidades: ou estamos sozinhos no universo ou não estamos. Ambas são
igualmente aterrorizantes.
Arthur C. Clarke

Várias décadas mais tarde, preso a uma cadeira de rodas e só muito


raramente deixando seu país adotivo, Arthur C. Clarke viu uma imagem de
Stanley Kubrick na televisão e ficou profundamente emocionado. O escritor
estava sentado em seu escritório, no segundo andar de sua casa espaçosa em
Colombo, Sri Lanka, assistindo a um documentário gravado sobre seu
antigo parceiro. A fotografia apareceu de repente. Nela, Kubrick estava
sentado no chão, na frente da sua televisão na Childwickbury Manor — a
imensa casa do século XVIII, construída em meio a vários hectares de área
verde, que ele comprara em 1977 — e apontava um microfone para a tela.
À primeira vista, o espelhamento e a sensação de separação pareciam
evocar o universo distante e de comunicação puramente virtual que os dois
haviam criado entre 1964 e 1968 em 2001: Uma odisseia no espaço —, no
qual as interações humanas ocorriam em meio a vácuos enormes, ecoantes e
distanciadores de espaço e tempo. Mas, para Clarke, a aparição repentina da
fotografia inverteu qualquer sensação de afastamento, trazendo uma
amizade definitiva — e com certeza a relação profissional mais importante
da vida dele — de volta à sua presença sem aviso nenhum.
Não surpreende que a foto tenha feito aflorar no escritor tantas emoções.
Além de apresentar mais um exemplo da intensidade típica de Kubrick — a
determinação eterna do diretor em absorver e gravar tudo que fosse
importante, sem perder uma nuance ou palavra —, revelou que o
microfone, na verdade, estava gravando ninguém menos que seu antigo
aliado e parceiro de debates, Arthur C. Clarke, que, por sua vez, estava
aparecendo em um documentário da BBC.
“Naquela época, não era muito fácil gravar da televisão, então ele
passou o programa todo sentado lá, com o microfone”, Christiane lembrou
sobre seu marido, que muito provavelmente estava assistindo à transmissão
de 1979 de Time Out of Mind, um programa sobre ficção científica.
“Stanley realmente admirava Arthur, valorizava suas opiniões sobre
qualquer tema e tinha muito respeito por ele.”
A cena, então, era um velho escritor de ficção científica olhando para
uma tela, na qual um velho diretor de cinema também olhava para uma tela,
gravando cada palavra desse mesmo escritor. Absorvendo tudo aquilo,
Clarke piscou os grandes olhos por trás dos óculos várias vezes e caiu no
choro.

***

Publicado, enfim, quatro meses após o lançamento do filme, o livro de


Clarke tinha a dedicatória “Para Stanley” e foi um sucesso instantâneo.
Apesar de o escritor fazer todo o possível para deixar claro que sua versão
da narrativa concebida em dupla não refletia necessariamente a visão de
Kubrick, o livro logo se tornou uma espécie de manual de criptografia,
utilizado por espectadores perplexos para tentar decifrar os segredos de
2001.
Um dos primeiros comentários que Clarke fizera após a estreia do filme
em Washington foi: “Se alguém entender o filme logo após assisti-lo pela
primeira vez, então falhamos em nosso propósito”. Considerando o que
sabemos de sua reação inicial, essa foi sua maneira de usar os limões para
fazer limonada. Kubrick rapidamente demonstrou sua desaprovação. “Eu
não concordo com aquela fala de Arthur, e acredito que tenha sido uma
brincadeira”, disse, em setembro daquele ano. Depois disso, seguiu-se uma
troca de farpas na mídia, em que Clarke confirmou seu comentário e
explicou que não significava que o espectador não pudesse aproveitar 2001,
apenas que assistir ao filme mais de uma vez seria mais proveitoso. Em
todo caso, depois do lançamento do livro em julho, a frase de efeito para os
espectadores confusos era: “Leia o livro, veja o filme e repita a dose
quantas vezes forem necessárias”.
A bilheteria continuou extraordinária, e 2001 tornou-se o filme mais
lucrativo daquele ano — o único da carreira de Kubrick a conseguir essa
façanha. Em junho, Clarke escreveu a seu amigo Ray Bradbury, que
escrevera uma crítica negativa a 2001, pedindo que assistisse à segunda
versão. Sobre as vendas de ingressos, Clarke observou: “Stanley agora está
a caminho do banco, morrendo de rir”. No ano seguinte, ele corrigiu a fala
em uma entrevista para: “Eu e Stanley estamos a caminho do banco,
morrendo de rir”. A essa altura, o livro também estava melhorando suas
finanças, o que, evidentemente, lhe dava muita alegria. A limonada havia
ficado lucrativa.
Uma década mais tarde, Clarke foi desconcertantemente sincero ao falar
sobre as expectativas que tinha logo após as desastrosas exibições iniciais
do filme. “O sucesso de 2001 me surpreendeu muito”, disse a um jornalista
da BBC, provavelmente no mesmo programa que seu parceiro mais tarde
gravaria com um microfone de mão. “E acho que surpreendeu Stanley
Kubrick também.”

É claro que esperávamos que o filme fosse um sucesso, mas nunca


imaginamos que se tornaria um cult ou que seu poder perduraria tanto.
Talvez tenha sido uma questão de momento. Ele saiu logo antes do
primeiro voo da Apollo ao redor da Lua, a Apollo 8; perto do Natal em
órbita da mesma nave e, é claro, da chegada do homem à Lua, em julho
de 1969. Mas não acho que as pessoas interessadas em viagens espaciais
fossem as mesmas que assistiram a 2001, que eram, em sua maioria,
hippies, e talvez até avessas à tecnologia.

Ele não estava errado. 2001 levou toda a contracultura dos anos 1960 aos
cinemas do mundo todo, inspirando festas alternativas organizadas por suas
figuras mais proeminentes. Indagado a respeito do filme em 1968, John
Lennon respondeu: “2001? Vejo toda semana”. No ano seguinte, David
Bowie lançou “Space Oddity”, o single que apresentou seu alterego Major
Tom ao mundo — uma referência clara a 2001. Mas é claro que todo
mundo que estava remotamente interessado em viagens espaciais e
tecnologia também viu o filme.
Depois de ter tido tempo para se recuperar de sua primeira reação,
Clarke falou com sinceridade sobre o destino de suas narrações em
voiceover. “Stanley foi muito sábio ao perceber que, apesar de tornar o
filme mais simples e claro, o uso daquelas narrações seria intolerável”,
disse a Joseph Gelmis — o crítico do Newsday que havia reavaliado
publicamente sua própria crítica inicial. “Teria destruído grande parte do
mistério.”

[94] Clarke em uma de suas raras visitas aos Kubrick, no fim dos anos 1970.
Algumas semanas após a estreia, Clarke percebeu que gostava muito dos
debates causados pelas ambiguidades deliberadas de 2001. Às vezes, ficava
por perto das saídas dos cinemas só para ouvi-los. “O filme tem criado mais
controvérsia que qualquer outro que eu possa imaginar”, disse a uma
estação de rádio de San Francisco, em maio de 1968. “Eu me divertia muito
ficando do lado de fora dos cinemas e ouvindo os espectadores saindo e
discutindo até chegarem à Broadway […]. E isso é legal. Queremos que as
pessoas pensem, e não necessariamente que pensem da mesma maneira que
nós.”
Ao ser questionado se estávamos começando a ser desumanizados pela
ampla propagação da tecnologia, Clarke respondeu: “Não, acho que
estamos sendo super-humanizados”.

***

Meio século mais tarde, e quase duas décadas depois do ano de seu título, a
influência de 2001 ainda está tão presente que não há como superestimá-la.
A mistura cinematográfica de especulação com base científica, design,
tecnofuturismo e abstração cinematográfica caleidoscópica uniu arte e
ciência de maneira nunca vista antes. Considerando unicamente o design, as
influências de 2001 ainda podem ser vistas no cinema, na publicidade e na
tecnologia. Seu impacto no discurso contemporâneo inclui a sempre
presente referência a HAL em discussões sobre inteligência artificial. A
composição Assim falou Zaratustra, de Richard Strauss, está tão associada
ao filme que é difícil considerá-la fora da histórica abertura do Sol
nascendo sobre a Terra e a Lua. Zaratustra já foi muito utilizada como
referência a 2001, inclusive no filme Muito além do jardim, de 1979,
dirigido por Hal Ashby, em que Peter Sellers, no papel de Chauncey
Gardener, um homem simplório de meia-idade, sai de casa pela primeira
vez ao som do arranjo funk da música, que rendeu um Grammy ao
compositor brasileiro Eumir Deodato.
Referências mais recentes incluem homenagens óbvias em vários
episódios de Mad Men, incluindo um chamado “O monólito”; repetidas
menções na série Os Simpsons, de Matt Groening (em um episódio, Bart
joga um pincel atômico para cima e ele se transforma em um satélite); o
filme A fantástica fábrica de chocolate, dirigido por Tim Burton em 2005,
que inclui trechos da cena de Dan Richter com seus agitados companheiros
homens-macacos (o monólito transforma-se em uma barra de chocolate); e
uma homenagem à sequência final no filme biográfico The Beach Boys:
Uma história de sucesso, de 2015, que conta a história de Brian Wilson e
foi dirigido por Bill Pohlad. Esses e outros exemplos confirmam o poder
continuado que o filme tem de afetar a cultura contemporânea —
certamente um sinal de que se trata de uma obra-prima.
Além das referências óbvias, a validação épica do gênero ficção
científica que 2001 trouxe foi o pontapé inicial para todos os filmes de alto
orçamento e carregados de efeitos especiais que o seguiram, marcando o
fim do faroeste enquanto gênero predominante em Hollywood e sua
substituição por histórias passadas em cenários mais amplos — como
Kubrick e Clarke haviam previsto em suas primeiras conversas em Nova
York em 1964. Entre as primeiras respostas cinematográficas, ironicamente,
estava o filme Solaris, lançado em 1972 e dirigido pelo russo Andrei
Tarkovsky. Apesar de ele ter criticado 2001 publicamente em 1968, a
estação espacial em formato de roda, a inteligência alienígena não corpórea
e as questões metafísicas apresentadas em Solaris entregam uma clara
influência do antecessor — mesmo que sua intenção tenha sido filmar uma
espécie de contestação. Apesar de ser um filme que vale a pena assistir e de
ter sido bem recebido no Ocidente, Solaris tinha suas falhas, e o próprio
diretor declarou mais tarde que o considerava um fracasso, ou seja, acabou
tendo problemas tanto com 2001 quanto com sua própria réplica.
No cinema norte-americano, o poder visual e a excelente bilheteria de
2001 criaram uma forte tendência no financiamento de projetos por
Hollywood. De Contatos imediatos de terceiro grau às franquias Star Wars
e Alien — e até filmes bem mais recentes, como Avatar, de James Cameron,
e Interestelar, de Christopher Nolan —, uma série de filmes considerados
marcos da história do cinema foram influenciados e tornaram-se possíveis
graças às conquistas de Kubrick e Clarke. Ao ser questionado se algum
grande momento o inspirara a trabalhar com cinema, Cameron, diretor dos
dois filmes mais rentáveis da história, não deixou dúvidas.

O primeiro foi quando assisti a 2001: Uma odisseia no espaço pela


primeira vez. E o que me ocorreu foi: “Sabe, um filme pode ser mais do
que contar uma história. Pode ser uma obra de arte”. Pode ser algo que
tenha um impacto profundo na sua imaginação, na forma como você
aprecia o trabalho da música com as imagens. Meio que escancarou as
portas de tudo para mim aos catorze anos, e comecei a pensar no cinema
de uma maneira completamente diferente, fiquei fascinado.

Steven Spielberg, por sua vez, chamou 2001 de “o big bang” que inspirou
sua geração de diretores. E, no final dos anos 1970, George Lucas
comentou o filme com um tom de humildade. 2001, disse, é o “filme
definitivo de ficção científica”. E continuou: “Vai ser muito difícil aparecer
alguém que faça um filme melhor, na minha opinião. Considerando as
questões técnicas [Star Wars] é comparável, mas, pessoalmente, acho 2001
muito superior”.
Mais recentemente, Lucas passou a ficar quase sem fala quando lhe
perguntavam sobre 2001. “Eu não tenho certeza […] de que teria coragem
de fazer o que Stanley fez”, disse no documentário Standing on the
Shoulders of Kubrick. “Eu não sei se eu teria — estou tentando juntar
coragem para fazer algo como o que ele fez.”

***

Até 2018, o livro 2001: Uma odisseia no espaço, de Arthur C. Clarke, já


tinha tido bem mais de cinquenta edições e vendido mais de 4 milhões de
cópias. Antes da parceria com Kubrick, o escritor já era considerado um dos
“três grandes”, ao lado de Robert Heinlein e Isaac Asimov. Mas 2001
lançou Clarke a uma categoria completamente nova. Ele se tornou
realmente famoso no mundo inteiro, e também muito rico. Apesar de não
ter participação financeira direta no filme, ele teve um envolvimento
indireto, e sua lealdade declarada a Kubrick, aliada à obstinação paciente
em lidar com as infinitas revisões de roteiro, gerou grandes frutos. Seus
outros trabalhos também foram beneficiados, com três novas impressões de
O fim da infância só em 1969. Como Kubrick previra, tudo deu certo no
final.
Um dos negócios que Mike Wilson, o protégé de Clarke, achou que
tinha feito durante sua fatídica atuação como produtor cinematográfico,
abrigado no Hilton durante os últimos meses da produção de 2001, estava
relacionado a O fim da infância. Em 1967, ele contou a Clarke que havia
conseguido vender os direitos para o diretor John Frankenheimer. Mas
como grande parte dos negócios de Wilson no final dos anos 1960, esse
também não deu certo — assim como sua relação com Clarke, que estava
deveras irritado. A ruptura final ocorreu em 1972, quando Wilson entrou
com um processo contra o antigo parceiro, tentando recuperar o que alegava
serem bens e dinheiro seus. O impasse foi resolvido fora dos tribunais, e
Hector Ekanayake tomou o lugar de Wilson como beneficiário principal da
extraordinária generosidade de Clarke. A paródia de James Bond que
Clarke havia sido obrigado a terminar foi o último filme que Wilson fez na
vida.

***

Quando finalmente chegou a hora de esvaziar os estúdios e deixar


Borehamwood, em fevereiro de 1968, disseram a Doug Trumbull que ele
não poderia levar seus materiais de trabalho embora, e ele voltou a Los
Angeles com um gosto amargo na boca. “Tive que voltar com a roupa do
corpo”, lembrou, incrédulo. No ano seguinte, 2001 foi amplamente excluído
do Oscar, recebendo indicações em quatro categorias, inclusive melhor
filme. O único prêmio, por Melhores Efeitos Visuais, foi somente para
Kubrick. Foi o único Oscar que o diretor recebeu em sua vida.
Trumbull sustenta há muito tempo que o que Kubrick fez foi
inadequado. “Aqueles efeitos não foram criados e dirigidos por Stanley
Kubrick”, afirmou categoricamente. Questionado por mais detalhes, deu
alguns.

Tem alguém que dirige o filme. Ninguém dirige efeitos visuais. Sabe,
não é adequado levar crédito pelas duas coisas. O Stanley se envolveu
extraordinariamente na direção dos efeitos visuais. Não há dúvida sobre
isso. Ele ficava no set explicando para o operador de câmera o que
precisava ser feito nas filmagens de miniaturas. Isso é dirigir efeitos
especiais. Tudo bem, não vou negar. Mas ele não projetou nem criou os
efeitos. Havia uma equipe inteira para isso. É como dizer que ele fez o
figurino ou qualquer outra coisa. Então foi muito inadequado, e eu
deixei passar porque não queria ficar causando polêmica na imprensa,
nem na indústria, nem nada do tipo.

Não há dúvida, porém, de que a primeira tomada de 2001: Uma odisseia no


espaço — o material cosmológico do Projeto Manhattan, filmado em
tanques insalubres cheios de solvente, nanquim e tinta no começo de 1965
— foi criada por Kubrick, que também operou a câmera. Produzida antes
do envolvimento direto de Trumbull, continha cerca de ⅓ da sequência do
Portal Estelar, e era claramente motivo de orgulho para o diretor.33
Em todo o caso, durante a carreira pós-2001 de Trumbull, jornalistas e
outras pessoas às vezes diziam que ele havia “feito” os efeitos visuais de
2001 — descrição que claramente deixa de mencionar as contribuições de
Wally Veevers, Con Pederson, Tom Howard e do próprio Kubrick. Isso
irritava o diretor, que costumava culpar Trumbull. No começo, ele lhe
enviou notas de advertência, que seu ex-protegido sempre respondeu
educadamente, dizendo que os jornalistas simplificavam demais as coisas,
que ele nunca tentaria tomar todo o crédito para si e que Kubrick deveria
entender, por ter tido, ele mesmo, tantas falas e características distorcidas
pela mídia.
A situação ficou insustentável em 1984, quando a Hewlett-Packard
publicou um anúncio dizendo: “O ano era 1968. Mas para a plateia, o ano
era 2001. E eles não estavam em um cinema, mas no espaço sideral —
impulsionados pelos impressionantes Efeitos Visuais de Doug Trumbull”.
Isso fez Kubrick e a MGM ameaçarem processar a HP, e a empresa retirou os
anúncios de circulação rapidamente. Não foi suficiente para o diretor, que
pouco tempo depois pagou por uma mensagem de página inteira na The
Hollywood Reporter. Citando o texto ofensivo completo, dizia que o
anúncio havia sido retirado e que “O sr. Trumbull não foi responsável pelos
Efeitos Especiais de 2001: Uma odisseia no espaço”. Assinado por Kubrick
e pela MGM, o texto seguia listando os créditos dos efeitos visuais de 2001
— a começar por Kubrick, com Veevers em segundo lugar e Trumbull em
terceiro — e declarando inequivocamente que a ordem refletia “um
comparativo das contribuições dos principais responsáveis pelo trabalho de
Efeitos Especiais”.
Essa bronca pública, tão semelhante ao repúdio de Kubrick em relação a
Terry Southern depois de Dr. Fantástico, foi obviamente uma humilhação
para Trumbull, e levou a um afastamento entre os dois que durou anos.
Finalmente, após uma década, Trumbull — que considera o diretor “um
gênio absoluto, e ele era meu amigo, meu mentor, meu professor e meu
parceiro, e eu fiz muita coisa boa por ele e estava grato por isso” — decidiu
telefonar para a Childwickbury Manor. Quando Kubrick atendeu, ele disse:
“Stanley, estou te ligando porque queria te falar diretamente que trabalhar
com você foi a coisa mais importante que já aconteceu na minha vida. E eu
quero te agradecer”.
Kubrick respondeu: “Uau, obrigado”.
Doug prosseguiu: “Eu só quero que você saiba que eu estou aqui. Sou
grato porque tudo que faço todos os dias está ligado àquela oportunidade”.
Foi a última vez que eles se falaram.

***

Kubrick nunca mais tentou nada da ambição, complexidade e porte de sua


oitava obra cinematográfica, 2001: Uma odisseia no espaço. Produziu e
dirigiu mais cinco filmes claramente inovadores: Laranja mecânica, Barry
Lyndon, O iluminado, Nascido para matar e De olhos bem fechados. Todos
são excepcionais. Barry Lyndon, particularmente, explorou um território
novo com seu uso pioneiro de iluminação de baixa intensidade. Usando
lentes luminosas da Zeiss, desenvolvidas originalmente para a missão
Apollo, Kubrick e John Alcott aproveitaram-se de suas aberturas
extremamente amplas para filmar cenas internas iluminadas somente com
velas. O resultado foi a primeira representação precisa de como eram áreas
internas no século XVIII, antes da eletricidade, dando ao filme o aspecto de
uma pintura a óleo viva.
A obra mais controversa de Kubrick foi de longe a distopia ultraviolenta
Laranja mecânica, de 1971, baseada no livro de Anthony Burgess — filme
que o diretor descreveu como “uma aula sobre livre-arbítrio”. Filmado com
um orçamento de 2,2 milhões de dólares, foi um sucesso comercial, mas,
devido às representações explícitas de assassinato e estupro, foi proibido
para menores de idade. Depois de episódios de violência inspirada no filme
e várias ameaças à família de Kubrick, o diretor retirou o filme de
circulação no Reino Unido, onde a obra permaneceu banida até 1999. Mais
um exemplo de sua incomparável influência sobre os estúdios.
As primeiras reações a 2001: Uma odisseia no espaço publicadas estão
entre os exemplos mais citados de erros cometidos pela crítica, e hoje o
filme é tido como um dos mais importantes da história. Mesmo assim, a
crítica demorou para se render ao filme. A cada década, a revista do British
Film Institute faz uma enquete entre um grupo internacional de críticos,
programadores, acadêmicos e cinéfilos, solicitando que listem, em ordem,
os dez filmes mais importantes da história. Quase 25 anos se passaram até
que 2001 aparecesse na respeitada lista decenal da Sight & Sound,
considerada a mais importante do mundo. Em 1982, o filme chegou perto,
mas não conseguiu entrar. 2001 finalmente entrou na lista em 1992, em
décimo lugar. Em 2002, apareceu como o sexto filme mais importante da
história — posição que manteve na última edição, em 2012. (Um corpo que
cai, de Hitchcock, ocupa hoje o primeiro lugar, e Cidadão Kane, de Welles,
o segundo.)
Esse é o estado da crítica cinematográfica contemporânea. A Sight &
Sound também solicita, a cada dez anos, que os colegas de Kubrick — os
diretores de cinema mais famosos do mundo — façam a mesma lista. Nesse
caso, demorou até 2012, impressionantes 44 anos, para o filme aparecer.
Quando apareceu, em compensação, entrou com tudo, direto para o segundo
lugar. (Era uma vez em Tóquio, de Ozu Yasujiro, é o primeiro lugar atual, e
Cidadão Kane está em terceiro, após um longo reinado no topo.)
O público norte-americano, por sua vez, pareceu chegar a uma
conclusão semelhante menos de dez anos após o lançamento de 2001. Em
1977, o programa de notícias All Things Considered, da National Public
Radio (NPR), fez uma enquete entre seus 1,5 milhão de ouvintes. Em uma
tentativa de entender melhor o gosto cinematográfico dos americanos, o
programa simplesmente perguntou quais filmes deveriam aparecer em uma
lista dos “Dez Melhores Filmes Americanos de Todos os Tempos”. Os
resultados colocaram Cidadão Kane em primeiro lugar, 2001: Uma odisseia
no espaço em segundo e …E o vento levou em terceiro.
A última declaração pública de Stanley Kubrick foi em 1998. Veio na
forma de um comunicado em vídeo transmitido para o Sindicato dos
Diretores dos Estados Unidos, quando ele recebeu o Prêmio D. W. Griffith
pelo conjunto da obra. Destacando que a carreira de Griffith era “tanto uma
inspiração quanto uma advertência”, Kubrick disse que o diretor “estava
sempre pronto para correr riscos enormes em seus filmes e em seus
negócios”. Refletiu sobre como o homem que transformara o cinema de
uma “novidade barata para uma forma de arte” havia passado dezessete
anos da própria vida isolado da indústria que ele ajudara a criar. Para
Griffith, Kubrick disse, as asas da sorte “não eram feitas de nada mais
resistente que cera e penas”.

Comparei a carreira de Griffith ao mito de Ícaro, mas, ao mesmo tempo,


nunca tive certeza se a moral da história de Ícaro deveria ser, como
costuma ser aceito, “Não tente voar alto demais”, ou se também
poderíamos pensar em “Esqueça a cera e as penas e construa asas
melhores”.
Era uma declaração que ele poderia fazer melhor do que ninguém.

***

Stanley Kubrick morreu de infarto cardíaco fulminante em 7 de março de


1999, menos de uma semana depois de apresentar uma versão final de De
olhos bem fechados para sua família e os atores do filme, Nicole Kidman e
Tom Cruise. Colaboradores próximos comentam que ele, com certeza, teria
feito mais mudanças na edição depois dessa apresentação, assim como
fizera com 2001 e com seus outros filmes.
Ao ouvir as notícias, Doug Trumbull — que, como vários outros que
trabalharam com Kubrick, estava em choque profundo e não conseguia
imaginar o diretor como um mortal — percebeu que haveria
inevitavelmente uma cerimônia fúnebre. Ligou para Jan Harlan para ver se
seria convidado e, ao ouvir a resposta afirmativa, fez as malas, pegou um
avião e chegou a Childwickbury Manor bem na hora. Ao que tudo indica, a
cerimônia, realizada sob uma enorme tenda em uma tarde fria e chuvosa,
foi bonita e emocionante. Aconteceu em meio a um extraordinário arranjo
de flores, a maior parte plantada diretamente no chão debaixo de uma
cobertura colocada sobre o gramado. A família recebera permissão para
enterrá-lo no terreno, e a cerimônia foi conduzida ao lado de uma cova
aberta embaixo de um pinheiro enorme e simétrico — a árvore favorita de
Kubrick. O caixão foi carregado por um grupo de homens, incluindo Tom
Cruise, e, depois, prestaram-se várias homenagens. Entre elas, foram
executadas algumas peças musicais, em parte pelos netos de Kubrick.
A primeira homenagem foi de Jan Harlan, e, segundo lembra Alexander
Walker, abriu o evento perfeitamente. Passando os olhos pelas cerca de 150
pessoas presentes, Harlan disse: “Uma semana atrás, eu não fazia ideia de
que discursaria para a maior reunião mundial de especialistas em Stanley
Kubrick”.
“Então todos rimos”, Walker disse, “e relaxamos.”
Entre outros, Cruise, Nicole Kidman e Steven Spielberg também
discursaram. Depois de quase duas horas, os presentes foram convidados a
pegar uma rosa de cima do caixão, jogar na cova aberta, pegar um punhado
de terra em um dos recipientes colocados para isso, fazer o mesmo, e depois
dizer adeus. Então o caixão foi depositado na terra.
Em seguida, todos foram convidados a entrar na casa para tomar alguma
coisa e se reunir ao redor das mesas no calor da enorme cozinha de
Kubrick. A noite caía do lado de fora e, em um momento, Spielberg
inclinou-se para Walker e comentou: “Sabe, isso é extraordinário. Se fosse
em Beverly Hills, haveria policiais, seguranças, cordas de veludo e área VIP.
E aqui estamos nós, jantando em uma cozinha inglesa”. Foi, segundo
Walker: “Realmente uma das despedidas mais íntimas e afetuosas que eu
poderia esperar para um amigo”.
Durante todo o evento, Doug sentiu que tinha muita sorte por estar ali, e
percebeu que estava chorando sem disfarçar em vários momentos. Pouco
depois de entrar com o resto das pessoas na cozinha com seu “lindo buffet,
bebidas e conversas”, notou que Stanley ainda estava do lado de fora.
Saindo discretamente pela porta dos fundos, pegou uma cadeira, sentou-se
ao lado da cova aberta e começou a conversar com o velho mentor.
“Stanley, toda essa merda que aconteceu foi muito idiota, e não tem nada a
ver”, disse com lágrimas nos olhos. “Tivemos nossos desentendimentos, e
não foi fácil, mas eu não me importo. Não me importo. Nada disso importa
para mim. Estou aqui porque eu te amo, e acho que o que você fez foi muito
importante para o cinema, para a minha arte e para a minha vida, e estou
honrado por estar aqui. Obrigado por mudar a minha vida.”
Depois disso, vários trabalhadores chegaram e começaram a encher o
buraco de terra.

***

Arthur C. Clarke ainda viveu por quase dez anos depois da morte de
Kubrick. Apesar de ter escrito mais nove livros depois de 2001 — incluindo
três que deram continuidade à história da Odisseia no espaço, e dividiram a
crítica —, sua obra mais conhecida continuou sendo a narrativa épica que
os dois produziram juntos durante quatro anos intensos de colaboração,
entre 1964 e 1968.
Em 1984, uma continuação de 2001 baseada em seu livro 2010: Uma
odisseia no espaço 2 foi lançada pela MGM. Dirigido por Peter Hyams e
chamado 2010: O ano em que faremos contato, o filme apresentava Roy
Scheider como ator principal e Keir Dullea e Douglas Rain repetindo os
papéis de Dave Bowman e HAL. Aceitável como entretenimento, não foi
considerado excepcional.
Em 1988, Clarke foi diagnosticado com síndrome pós-pólio, uma
doença neurológica degenerativa, e passou boa parte de suas duas últimas
décadas em uma cadeira de rodas. Isso não pareceu afetar os ânimos de um
homem cuja curiosidade e fascínio pelo universo só eram comparáveis à
própria habilidade em transmiti-los com uma linguagem clara e concisa. Em
1994, Kubrick enviou-lhe uma carta pedindo desculpas por não poder
participar da gravação de This Is Your Life, um programa biográfico sobre o
autor. “Você é merecidamente o escritor de ficção científica mais conhecido
do mundo”, o diretor observou. “Você fez mais que qualquer um para nos
oferecer uma visão da humanidade deixando o berço da Terra em direção ao
nosso futuro nas estrelas, onde inteligências alienígenas podem nos tratar
como um chefe poderoso ou, possivelmente, como o Poderoso Chefão.”
Em 1998, o Palácio de Buckingham anunciou a intenção da rainha
Elizabeth II em nomear Clarke um Cavaleiro Celibatário — a honraria mais
antiga, datada do tempo do rei Henrique III, no século XIII. A homenagem
acabou sendo adiada a pedido de Clarke, para que ele pudesse limpar o
próprio nome depois de um tabloide britânico, The Sunday Mirror, acusá-lo
de pedofilia. As acusações do jornal estavam embasadas em frases
duvidosas atribuídas ao próprio Clarke, que negou veementemente tê-las
dito. Quando a polícia do Sri Lanka solicitou as fitas da suposta entrevista,
porém, elas não foram disponibilizadas. Uma investigação policial posterior
concluiu que a acusação era infundada. O The Mirror publicou um pedido
de desculpas, depois do qual o escritor decidiu não processar o jornal por
difamação.
Arthur C. Clarke foi sagrado cavaleiro em 26 de maio de 2000. Assim
como sua deficiência física, o episódio não foi capaz de mudar sua natureza
esperançosa e otimista, nem de interromper sua missão vitalícia de entender
e descrever a condição do ser humano dentro de um vasto e misterioso
universo, tudo na prosa repleta do otimismo clarkeano, um dos motivos de
sua fama mundial.
Não se pode negar que o escritor tivesse certa tendência à megalomania
— na verdade, ele fazia piadas com isso, mandando um e-mail que ele
chamava de “Egogram” [Egograma] para os amigos todo ano no inverno.
Quando falava de seu papel em 2001: Uma odisseia no espaço, porém, ele
era curiosamente humilde. “Eu diria que 2001 tem 90% de imaginação de
Kubrick, cerca de 5% de genialidade da equipe de efeitos especiais e talvez
5% de contribuição minha”, disse, em 1970. Foi um comentário
incrivelmente autodepreciativo, e totalmente em desacordo com as
evidências. Talvez ele estivesse pensando em Terry Southern.
Quando lhe perguntaram, no ano de 2001, se estava decepcionado com o
fato de a grande visão da expansão humana pelo sistema solar que ele e
Stanley Kubrick haviam imaginado não haver se concretizado, Clarke
pensou por um momento e respondeu que realmente não estava; ele
comentou sobre as explorações robóticas que haviam aberto o Sistema
Solar para os olhos humanos depois de séculos de especulação. Muito mais
havia sido conquistado do que ele imaginara ver em vida, disse. Alguns
anos depois, ele falou mais sobre o assunto, escrevendo: “Temos o
privilégio de viver na maior era de exploração já vista no mundo”.
Em seu último “Egograma”, enviado em janeiro de 2008, Clarke
ponderou sobre os eventos de seu nonagésimo ano. Apesar de a mensagem
ser animada, como sempre, ficou evidente que ele percebia que algo estava
para acontecer. “Eu tive uma carreira diversificada como escritor,
explorador subaquático, promotor do espaço e popularizador da ciência”,
escreveu. “De todas essas, eu quero ser lembrado principalmente como
escritor — alguém que tenha entretido leitores e, com sorte, expandido um
pouco suas mentes.”
“Acho que outro escritor inglês — que, coincidentemente, também
passou boa parte da vida no Oriente — expressou isso muito bem. Então
permitam-me concluir com essas palavras de Rudyard Kipling:

If I have given you delight


by aught that I have done.—
Let me lie quiet in that night
which shall be yours anon;
And for the little, little span
the dead are borne in mind,
seek not to question other than,
the books I leave behind.” 34

Arthur C. Clarke morreu em Colombo, no dia 19 de março de 2008, de


falência cardíaca causada por complicações respiratórias. Deixou instruções
explícitas para que nenhum tipo de ritual religioso fosse realizado em seu
funeral. Algumas horas depois de sua morte, uma explosão de raios gama
de dimensões sem precedentes, vinda de uma galáxia distante, atingiu a
Terra. Quase três vezes mais brilhante que a supernova mais luminosa já
registrada, sua energia demorara 7,5 bilhões de anos para chegar ao Sistema
Solar — cerca de metade da idade do universo observável. Tendo viajado
pelo espaço e tempo desde muito antes da formação do nosso planeta, por
cerca de trinta segundos, essa imensa explosão cósmica tornou-se o objeto
mais distante já visto da Terra a olho nu.
Era o tipo de despedida que mesmo um ateu convicto teria sabido
apreciar.

33. Embora mais material ao estilo “Projeto Manhattan” tenha sido filmado sob um forte esquema de
segurança de John Alcott em Borehamwood, pouco dele parece ter sido utilizado. [ «« ]
34. Se o que lhe dei foi prazer / Pelo pouco que aqui fiz eu. / Que eu descanse tranquilo nesse
anoitecer / Que em breve também será seu. / Se tiver algo a perguntar / A quem deixou o mundo para
trás, / Pode meus livros vasculhar / E não precisará mais nada buscar.” [ «« ]
Agradecimentos
No Orfeu de Cocteau, o poeta pergunta o que deve fazer. “Impressione-me”, dizem a ele.
Pouquíssima arte moderna faz isso — certamente não no sentido de uma grande obra de arte que te
faz pensar em como pode ter sido feita por um mero mortal.
Stanley Kubrick

Como é de esperar num filme tão espantoso, muitos escritores dividem meu
fascínio por 2001: Uma odisseia no espaço. Menos previsível é o
sentimento de fraternidade que prevalece entre aqueles que escreveram
sobre como o filme foi feito, e eu não poderia ser mais grato a eles pelo
apoio que me deram conforme eu tentava entender a história de 2001.
Ninguém foi mais indispensável do que Dave Larson, que se tornou meu
consultor oficial e grande interlocutor. Tendo passado quase duas décadas
pesquisando 2001 nos mínimos detalhes, Dave é provavelmente o maior
especialista do mundo no filme. Essa observação não é minha e sim de
Doug Trumbull, dita de forma categórica enquanto me aconselhava a
procurá-lo. (Desde então, tive várias oportunidades de confirmar a opinião
de Doug.) Um cavalheiro e um intelectual, Dave graciosamente me deu
acesso a seu volumoso arquivo de 2001 — um formidável conjunto de
pastas contendo inúmeras fotografias e contatos de negativos, sem falar na
correspondência rara e demais documentos indisponíveis em outros lugares.
Dave também transcreveu dezenas de fitas de entrevistas que conduziu
entre 2001 e 2006 com pessoas que trabalharam no filme, a maioria delas
não mais entre nós. Depois de me ajudar em infinitas consultas por e-mail,
ele então leu o manuscrito deste livro, checou dados e me deu sugestões
valiosas. Para nossa alegria, ele trabalha agora no seu próprio livro sobre
2001, que promete ser memorável.
Não menos importante para este projeto foi Don Shay, fundador e editor
da revista mais importante da indústria sobre efeitos especiais, a Cinefex.
Antes mesmo da primeira edição, de 1980, Don embarcou na tarefa de
entrevistar veteranos de 2001, visando um livro sobre os efeitos visuais do
filme. Em vez disso, ele fundou a revista, mas continuou gravando
depoimentos dos principais envolvidos. O resultado desse esforço se
materializou numa edição de abril de 2001 da Cinefex, onde publicou uma
obra-prima da história oral chamada “2001: Uma cápsula do tempo”. Ao ler
essa edição espantosa em 2017, procurei Don, que não apenas me deu
acesso à íntegra das entrevistas, como me enviou as transcrições originais.
Por ser de uma era anterior aos computadores pessoais, ele nunca as havia
digitalizado.
Como era de esperar, esse material contém uma mina de ouro que Jon e
Jody Duncan, coautora da matéria, não conseguiram espremer no artigo. E
eu seria eternamente grato apenas por essa gentileza, mas ainda há mais.
Naquele março, Don — um tarimbado editor com mais de quatro décadas
de experiência em traduzir a linguagem cinematográfica para a prosa — se
ofereceu para ler os capítulos do meu livro conforme eu ia escrevendo. As
sugestões que me deu em seguida foram sempre diretas, substantivas e no
ponto. A contribuição de Don a este livro foi significativa e eu o agradeço
por isso.
Outro que prestou inestimável ajuda durante o processo foi Neil
McAleer, biógrafo oficial de Arthur C. Clarke. A própria definição de um
mensch, Neil me enviou não apenas suas muitas entrevistas com amigos e
parceiros de Clarke, conduzidas entre 1988 e 1990, mas também as fitas
originais, já que parte do material não havia sido transcrito. O trabalho de
Neil, conforme preparava sua magistral biografia de Clarke no início dos
anos 1990, inevitavelmente esbarrava em assuntos que ele não poderia usar
em um livro oficialmente aprovado pelo biografado e o fato de que ele
confiou o material a mim sem hesitar, material esse fundamental para
entender partes obscuras da história, diz muito sobre sua integridade. Ele
seguiu acompanhando meu projeto de perto e respondendo minhas muitas
dúvidas com alegria e rapidez. Recomendo sua biografia Sir Arthur C.
Clarke: Odyssey of a Visionary, publicada recentemente em edição revista.
Como se não bastasse esse baú de tesouros, em 1999 o mímico
americano Dan Richter — que mais encarnou do que interpretou
Moonwatcher, o principal símio de 2001 — conduziu cerca de trinta
entrevistas com pessoas envolvidas diretamente na produção. A pesquisa
foi aproveitada em seu Moonwatcher’s Memoir — um divertido e excelente
livro publicado em 2002 —, e quando passei dois produtivos dias o
entrevistando em Provincetown em agosto de 2016, perguntei se ele tinha
guardado as transcrições. Ele tinha, e como Don e Neil, imediatamente as
entregou a mim. Logo descobri que os veteranos de 2001 se abriram para
este insider de maneiras que eles provavelmente não se abririam para um
pesquisador de fora, e as entrevistas de Dan, entregues a mim com
generosidade incondicional, provaram-se um presente inestimável.
Outros apoiadores insubstituíveis deste projeto foram Christiane
Kubrick, a inteligentíssima viúva de Kubrick; seu atencioso e sincero irmão
Jan Harlan; e o inimitável Tony Frewin, assistente pessoal de longa data de
Stanley. Todos me julgaram digno de sua confiança e por isso sou grato a
eles. Este livro não é uma hagiografia, mas os três compreenderam que um
projeto como este não vale nada se não for honesto e confiaram que eu seria
justo. Eu acho que fui e agradeço a amizade e a fé deles em mim.
Quanto a Doug Trumbull, que conheci há mais de dez anos, quando
estávamos trabalhando com Terrence Malick para ajudá-lo a criar as
sequências cosmológicas de A árvore da vida, ele foi um inabalável
apoiador e defensor de meu trabalho em geral e deste projeto em específico,
e me sinto honrado por sua amizade. Sarah Lazin, minha inestimável
agente, me ajudou a transformar um conceito inicialmente rudimentar em
algo que acredito ser mais focado e preciso e depois levou minha proposta
às melhores editoras do ramo, com excelentes resultados. Julia Conrad, sua
antiga assistente, foi cândida e incisiva em suas críticas ao meu projeto
inicial e certamente este livro ficou melhor graças a isso. Antes, Eric
Himmel, meu amigo de longa data, me encorajou a seguir com o projeto.
Assim como outro bom amigo, o escritor e showman cultural Ren Weschler.
Sou grato a todos.
Meu editor na Simon & Schuster, o cuidadosamente justo e receptivo
Bob Bender, tolerou minha certa flexibilidade com os prazos e foi paciente
ao me salvar de mim mesmo inúmeras vezes enquanto negociávamos as
diversas fases da edição. Suas sugestões sensatas e seu infalível instinto
para ritmo e tom ajudaram este livro de inúmeras maneiras. Sua assistente,
Johanna Li, foi um modelo de profissionalismo imperturbável durante todo
o processo. Assim como Alison Forner, a diretora de arte que respondeu às
minhas inúmeras sugestões de design com paciência e flexibilidade. E
Jonathan Evans, o diretor de copidesque, aceitou com paciência minhas
revisões de última hora e garantiu que minha escrita saísse concisa e clara.
Sou grato a eles pela experiência e tato com que cuidaram do livro.
O escritor Richard Boyle, que mora no Sri Lanka, gentilmente me deu
acesso a seu arquivo de material relacionado ao amigo Mike Wilson, e
também sou grato a Damani, filha de Mike, por sua amabilidade e seus
insights. Também preciso agradecer a Ashley Ratnavibhushana, o célebre
historiador e crítico de cinema srilankês, por sua ajuda inestimável no
contato, em minha quarta viagem ao Sri Lanka em 2016, com as figuras
mais importantes da indústria cinematográfica do país. Além disso, minha
dívida se estende a Nalaka Gunawardene e Rohan de Silva, assistentes de
longa data de Clarke, bem como ao conhecido astrofísico Kavan
Ratnatunga, amigo de Clarke, e ainda a Angie Edwards, sua sobrinha.
O Stanley Kubrick Archive da University of the Arts London me
forneceu materiais inestimáveis durante a escrita deste livro. O arquivista
sênior Richard Daniels e a assistente do arquivo Georgina Orgill me
direcionaram a materiais relevantes, foram além do esperado me
encaminhando informações importantes e fizeram de tudo para que minha
experiência no arquivo fosse positiva. Sou grato a eles e a seus colegas pela
gentileza e profissionalismo.
Da mesma forma, os papéis de Arthur C. Clarke arquivados no Steven F.
Udvar-Hazy Center do National Air and Space Museum abriram uma janela
crucial para os métodos e meditações de Clarke durante os quatro anos em
que ele trabalhou no filme e no romance. Martin Collins, curador do centro
de História Espacial do NASM, merece um elogio particular por ter
transportado esses documentos do clima tropical de Colombo para um
armazém de temperatura controlada perto de Dulles, onde eles estarão
preservados para pesquisadores.
O ex-assistente de Kubrick e depois ele mesmo um diretor premiado
Andrew Birkin, também conhecido como o Ladrão de Kokerboom, me deu
uma visão privilegiada e incisiva da produção de 2001, acompanhou
regularmente o andamento do livro e me cedeu imagens importantes de seu
arquivo pessoal. Piers Bizony, autor de dois livros pioneiros e
indispensáveis sobre o filme, me apoiou durante todo o projeto, fornecendo
informações, ideias, imagens e também me encorajando. Um conhecido
escritor de assuntos aeroespaciais, Piers chegou ao assunto muito antes de
mim, o iluminando com sua inteligência inquisitiva. O autor da melhor
biografia de Kubrick, Vincent LoBrutto, também me ajudou com suas
fontes. O escritor Gerry Flahive, de Toronto, gentilmente dividiu comigo
parte de sua pesquisa sobre o ator canadense Douglas Rain, a voz de HAL. E
Cristopher Frayling, autor de uma excelente monografia sobre o designer de
produção Harry Lange, respondeu às minhas dúvidas com a paciência de
um acadêmico.
O escritor Andy Chaikin, meu coconspirador geek de longa data para
assuntos espaciais e proeminente historiador das missões Apollo, me deu
força durante todo o caminho. Foi ele quem me ajudou a entregar o
manuscrito a Tom Hanks, com resultados gratificantes, e estou em dívida
com ambos. Meu antigo amigo Jill Golden e o talentoso editor de cinema
David Tedeschi fizeram o livro chegar a Martin Scorsese; agradeço aos três.
Carter Emmart, o mago do planetário de Hayden, é um dedicado estudioso
da obra-prima de Kubrick e Clarke, a que assistimos juntos em 2012 pela
enésima vez. A maneira com que Carter manipula as imagens no domo do
planetário de Hayden, remetendo a um guitarrista improvisando com o
universo, foi a primeira vez desde que assisti a 2001 que me senti
transportado para o lá fora, entre as galáxias. E ainda assim suas projeções
são um lembrete de que nosso planeta continua a ser o destino mais belo do
espaço sideral.
Jernej Gregorič, meu amigo e agente das minhas exposições, e Natalie,
sua talentosa esposa, me abrigaram sem hesitar em sua residência londrina
durante a pesquisa para o livro, apesar das distrações associadas a criar duas
lindas crianças. Nace Zavrl, teórico de cinema de Liubliana, me indicou o
historiador Billy Brooks, que me ajudou com a pesquisa adicional num
prazo apertado; sou grato a todos. E Matthew Flowers, meu galerista
londrino, me colocou em contato com Christiane Kubrick, um entre vários
favores pelos quais sou grato.
A grande jornalista Diane McWhorter, minha parceira de cinema no ano
em que passei no MIT, me deu dicas e conselhos antes que eu iniciasse
minha pesquisa em Dulles. Seu próximo livro, uma biografia sobre Wernher
von Braun, vai reescrever nossa compreensão desta controversa figura.
David Mikics chegou no fim do processo com sugestões úteis; seu livro
sobre Kubrick será publicado em breve. E Stuart Swanson, meu chapa de
tantos anos, me deu as chaves para um escritório limpo e bem iluminado no
seu QG corporativo local, pedindo em troca apenas algumas impressões do
meu trabalho fotográfico. Escrevi este livro confortavelmente instalado na
Amicus Pharma de Liubliana e agradeço ao gerente Zeljko Čačić — cujo
vinho que trazia de Belgrado ajudou nos longos dias de trabalho — e a toda
bem-humorada equipe da Amicus pela amizade e paciência.
Quando se trata de paciência bem-humorada, no entanto, ninguém
supera minha maior apoiadora em tudo por mais de duas décadas, minha
extraordinária esposa Melita Gabrič, que dá um novo significado a uma
frase derivada do inglês, mas inteiramente eslovena: “da best”. Ela é.
Por fim, meu parceiro de vida foi meu pai, Ray Benson, que mesmo
enquanto seu corpo começava a ceder à gravidade de 93 órbitas ao redor do
Sol, manteve a mente afiada e expansiva pela qual era conhecido. Quando
perguntava sobre sua saúde, ele imediatamente mudava o assunto para o
progresso do meu livro. Sua coragem estoica e sua fé inabalável em mim
não diminuíram a dor de perdê-lo no dia 12 de novembro de 2017. Essas
páginas são dedicadas à sua memória.

Michael Benson
Liubliana, Eslovênia
Janeiro de 2018
Termos para busca

A pesquisa para este livro veio de um vasto leque de fontes primárias, com
destaque para os papéis de Arthur C. Clarke no Steven F. Udvar-Hazy
Center do Smithsonian National Air and Space Museum, em Chantilly,
Virgínia, e para os domínios aparentemente infinitos do Stanley Kubrick
Archive na University of the Arts London. Outras fontes primárias
importantes incluem o volumoso arquivo privado do pesquisador David
Larson, com seus papéis e documentos sobre figuras como Frederick
Ordway, Doug Trumbull e Stuart Freeborn, entre outros, e inestimáveis
entrevistas originais e não editadas cedidas gentilmente por Dave, Don
Shay da revista Cinefex, Dan Richter (Moonwatcher) e Neil McAleer,
biógrafo de Clarke. Além disso, o arquivo pessoal do jornalista londrino
Richard Boyle, que mora no Sri Lanka, iluminou a relação de Clarke com
Mike Wilson, seu parceiro nos anos 1950 e 1960.
Ampliados pelos acervos de Dave Larson e Richard Boyle, os amplos
arquivos de Clarke e Kubrick me permitiram criar um documento de 313
páginas intitulado “Grande Síntese da Linha do Tempo”, repleto de citações
vindas de cartas, telegramas e telexes, entre outros. De muitas maneiras,
esse documento serviu como espinha dorsal do livro e certamente foi a
fonte de muitas conclusões apresentadas aqui.
Como é de esperar, 2001: Uma odisseia no espaço recebeu muita
atenção ao longo dos anos, e um grande número de fontes secundárias foi
consultado, entre as quais destaco The Lost Worlds of 2001 (Nova York:
Signet, 1972), do próprio Arthur C. Clarke; o inestimável e amplamente
ilustrado The Making of Kubrick’s 2001 (Nova York: Signet, 1970), de
Jerome Agel; o excelente Moonwatcher’s Memoir: A Diary of 2001: A
Space Odyssey (Nova York: Carroll & Graf, 2001), de Dan Richter; a
excepcionalmente completa biografia de Vincent LoBrutto, Stanley
Kubrick: A Biography (Nova York: Donald I. Fine Books, 1997); a não
menos completa e ponderada Visionary: The Odyssey of Sir Arthur C.
Clarke (Baltimore: The Clarke Project, 2010), de Neil McAleer, publicada
anteriormente como Arthur C. Clarke: The Authorized Biography (Chicago:
Contemporary Books, 1992); a antologia de ensaios do próprio Clarke,
Greetings, Carbon-Based Bipeds! (Londres: Voyager; HarperCollins, 1999),
abrangendo toda a sua carreira; e enfim os belamente ilustrados e
pesquisados 2001: Filming the Future (Londres: Aurum, 1994) e The
Making of Stanley Kubrick’s 2001: A Space Odyssey (Colônia, Alemanha:
Taschen, 2014), de Piers Bizony.
As notas a seguir dão, na sua maior parte, a fonte de citações diretas.
Portanto, várias conclusões fora das aspas nessas páginas não estão
necessariamente ligadas aos indivíduos citados. Nesses casos, no entanto, a
ausência de citações não deve ser tomada como prova de mera ausência.
Fatos e observações fora das aspas invariavelmente partiram de meu
trabalho com essas fontes, incluindo as entrevistas que eu mesmo conduzi.
Suficiente dizer que, conforme escrevia, regularmente empreendi um
exercício de autointerrogação a respeito de várias conclusões e declarações,
cujo objetivo era garantir que elas viessem de fontes primárias (incluindo
três conversas longas com o próprio Arthur C. Clarke no início dos anos
2000), e, fortuitamente, empreendi também um diálogo contínuo, e às vezes
vigoroso, com muitas das pessoas que de fato trabalharam com Kubrick e
Clarke em 2001: Uma odisseia no espaço.
Podemos pensar que ninguém vivo hoje está em posição melhor para
refutar ou apoiar minhas interpretações sobre os eventos transcorridos entre
1964 e 1968 em Nova York e nos estúdios da MGM em Borehamwood, ao
norte de Londres, do que aqueles que de fato trabalharam no filme. Embora
isso seja verdade, há uma exceção: Dave Larson, consultor deste projeto,
que, para além da inestimável contribuição durante o processo de escrita,
também aceitou gentilmente conferir o manuscrito final em busca de erros
factuais ou de interpretação. Isso posto, é claro que todos os erros nestas
páginas são meus e apenas meus.
Capítulo 1: Prólogo: A Odisseia

A falta de sentido: Eric Norden, “Playboy Interview: Stanley Kubrick”,


Playboy, setembro de 1968, p. 195.
“separação — iniciação — retorno” […] “pode ser chamada de unidade
nuclear do monólito”: Joseph Campbell, The Hero with a Thousand
Faces (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1949), p. 30.
termo emprestado de Joyce: James Joyce, Finnegans Wake (Nova York:
Viking Press, 1939), p. 581.
“de macaco a anjo”: A. H. Weiler, “Kazan, Kubrick and Keaton”, New York
Times, 28 de abril de 1968. A dialética do “macaco-anjo” deriva de
Robert Ardrey, que utilizou vocabulário semelhante em African Genesis
(Nova York: Dell, 1961), p. 354.
“Nasa Leste”: Frederick I. Ordway III e Robert Godwin, 2001: The Heritage
and Legacy of the Space Odyssey (Burlington, Ontário: Apogee Prime,
2015), p. 35.
Artigo de Clarke de 1945: Arthur C. Clarke, “Extra-Terrestrial Relays: Can
Rocket Stations Give World-Wide Radio Coverage?”, Wireless World,
outubro de 1945.
“A Terra é o berço da mente”: Konstantin Tsiolkovsky, Vestnik
vozdukhoplavaniia (Journal of Aeronautics), 1911-12.
“falso em muitos pontos” […] “da fundação emocional de um filme”:
Andrei Tarkovsky, 1970, entrevistado por Naum Abramov, reimpresso
em Andrei Tarkovsky: Interviews (Jackson: University Press of
Mississippi, 2006), p. 36.
“impiedosamente passado por um moedor”: Ray Bradbury citou sua própria
resenha em uma carta para Arthur C. Clarke, 3 de junho de 1968.
“prestar atenção com os olhos”: Jerome Agel, ed., The Making of Kubrick’s
2001 (Nova York: Signet, 1970), p. 7.
que um forte indício de que existe vida: Arthur C. Clarke, entrevistado pelo
autor, 19 de dezembro de 2001.
“Este será o último grande filme espacial”: Clarke, entrevista de Joseph C.
Gelmis, Camera Three, CBS-TV, 3 de janeiro de 1971, disponível on-line
em Creative Arts Television, <www.dailymotion.com/video/x3ilajz>
“Quem você acha que escreveu? ”: Clarke, entrevistado pelo autor, 19 de
dezembro de 2001.

Capítulo 2: O Futurista

Cada especialista tem um especialista equivalente e oposto: Arthur C.


Clarke, Profiles of the Future: An Inquiry into the Limits of the Possible
(Londres: Victor Gollancz, 1999), p. 143.
intempestiva, irresponsável […] Herschel não tinha chegado ao calibre:
Harry Pereira a Arthur C. Clarke, 4 de abril de 1964.
e se virou quando Pauline entrou: a secretária de Clarke em Colombo em
meados dos anos 1960 era Pauline de Silva; Rohan de Silva ao autor, e-
mail, 20 de outubro de 2017.
Os advogados dela o processavam em um tribunal de Nova York: Clarke
para Len J. Carter, 26 de março de 1964.
“É sobre a construção e a corrida de barcos”: Clarke para Major R. Raven-
Hart, 18 de fevereiro de 1964.
tinham feito de Clarke um refém: Clarke para Scott Meredith, 8 de abril de
1964.
e não adiantava explicar que gastara tudo que tinha: o financiamento de
Clarke dos projetos e estilo de vida de Mike Wilson está documentado
em diversas cartas, entre elas, uma de Clarke para Wilson, de 27 de
fevereiro de 1971.
“Esses parâmetros são muito pouco conhecidos:” Carl Sagan, “Direct
Contact Among Galactic Civilizations by Relativistic Interstellar
Spaceflight”, Planetary and Space Science 11, nº 5, maio de 1963.
reunião em que Sagan estivera presente: Lee Billings, “The Alien-Life
Summit”, Slate, 27 de setembro de 2013,
<www.slate.com/articles/technology/future_tense/2013/09/green bank
conference seti frankdrake_s_equation_for_estimating_the
extraterrestrial.html>.
“a comunicação eletromagnética não possibilita”: Sagan, “Direct Contact
Among Galactic Civilizations”.
Não está fora de questão: ibid.
Fiquei particularmente interessado na sua sugestão: Clarke para Carl
Sagan, 12 de novembro de 1963.
“estímulo na direção de minha atual linha de trabalho”: Sagan para Clarke,
2 de dezembro de 1963.
“um recluso”: Roger Caras para Clarke, 17 de fevereiro de 1964.
Um grupo de gays, bissexuais, héteros, anglos e asiáticos: Clarke era gay,
embora ele nunca tivesse assumido publicamente: Jeremy Bernstein,
entrevistado pelo autor, 17 de setembro de 2016; Christiane Kubrick,
entrevistada pelo autor, 26 de setembro de 2016.
“temerosamente interessado em trabalhar com o enfant terrible”: Stephanie
Schwam e Martin Scorsese, ed., The Making of 2001: A Space Odyssey
(Nova York: Modern Library, 2000), p. 15.
“Eu estava conversando com Stanley Kubrick” […] Já que você insiste em
escapar: Caras para Clarke, 17 de fevereiro de 1964.
um ególatra abusivo e de maus bofes: Thomas Flanagan, “Ray Bradbury’s
Fearsome Encounter with Film Director John Huston”, Chicago Tribune,
31 de maio de 1991.
“Continuo sendo o escritor mais bem-sucedido do mundo”: Clarke para
Sam Youd, 24 de outubro de 1963.
ter realizado um trabalho razoável: Howard Koch para Clarke, 1º de agosto
de 1958; Clarke para Koch, 13 de agosto de 1958; Koch para Clarke, 2
de fevereiro de 1961; Clarke para Koch, 6 de março de 1961; Koch para
Clarke, 21 de setembro de 1967.
“Dr. Fantástico é uma obra-prima”: Val Cleaver para Clarke, 12 de
fevereiro de 1964.
“Kubrick é claramente um homem extraordinário” […] “passado pelos
censores”: Clarke para Caras, 22 de fevereiro de 1964.
“problema conjugal” […] “Para ter uma ideia” […] “totalmente
incapacitado pela pólio” […] “Existe também a possibilidade”: Clarke
para Robert Rubinger, 26 de fevereiro de 1964 e 11 de março de 1964.
um público de mais de 1 milhão de pessoas: Nalaka Gunawardane, “From
Great Basses Reef to Ran Muthu Duwa”, Ceylon Today, 12 de agosto de
2012.
“em que Wilson saía do estúdio mais cedo ‘para relaxar’” […] “Eu o via
começar a escrever assim”: Tissa Liyanasuriya, entrevistado pelo autor,
24 de fevereiro de 2017.
“a possibilidade de realizar o proverbial”: Stanley Kubrick para Clarke, 31
de março de 1964.
“tenho aqui uma grande empresa” […] “Quanto ao principal ponto de sua
carta” […] “Nós temos nossa empresa aqui”: Clarke para Kubrick, 8 de
abril de 1964.
dentre todas as religiões da Terra, o budismo e o hinduísmo pelo menos: de
várias conversas com Clarke, 2001-8.
Mike e sua mulher Liz: Mike Wilson, descrito como “namorado de Clarke”
por Satyajit Ray em uma carta para Andrew Robinson datada de 2 de
novembro de 1984, foi companheiro e protegido de Clarke de 1950 a
1970. Ele era, claramente, bissexual e se casou com Elizabeth Perriera
em 1958, conforme documentado por Clarke para Sam Youd em 21 de
outubro de 1958.
Abertura: tela repleta de estrelas […] A trilha sonora se concentra […]
“Pensei numa boa abertura”: Clarke para Kubrick, 9 de abril de 1964.

Capítulo 3: O Diretor

É raro você obter algo pelo que pagou: Anthony Frewin, “The Sayings,
Maxims & Aphorisms of Chairman Stanley”, compilação sem data
enviada por Frewin ao autor por e-mail, 22 de setembro de 2016.
cujo nome era uma fonte de fascínio para o diretor: no início dos anos
1990, Anthony Frewin, assistente de Kubrick, o questionou a respeito do
título, confirmando que ele se originou de uma brincadeira em
anagramas com o nome “Lovejoy”, e que Kubrick era “fascinado por
esses nomes ingleses diferentes”. Anthony Frewin para o autor, e-mail
de 24 de julho de 2017.
“para qualquer pré-estreia que vocês possam considerar”: Ray Lovejoy
para “Mr. Fenson”, Cinerama, 13 de abril de 1964.
Em resposta à sua pergunta: “Notes for a Dutch Magazine”, c. 13 de abril
de 1964 (sem data, mas junto a outros documentos daquela data no
Kubrick Archive, University of Arts London). O nome da revista é
desconhecido.
“Mais do que isso e eles vão pensar” […] “Vi navio afundei o mesmo”:
Frewin, “Chairman Stanley”.
ele disparou onze cartas […] Uma semana depois, em 6 de abril: todas as
cartas estão no Kubrick Archive, UAL.
o Segundo filme em faturamento daquele ano: Vincent LoBrutto, Stanley
Kubrick: A Biography (Nova York: Donald I. Fine Books, 1997), p. 244.
um pouco maníaco por controle: Caras para Stanley Kubrick, 3 de
novembro de 1966.
Kubrick apreciara os elogios de seu trabalho por Forbes […] “negócio de
homenzinhos verdes”: Christiane Kubrick, entrevista pelo autor, 22 de
outubro de 2016.
“Ah, Stanley, pelo amor de Deus!” […] “você não pode andar por aí desse
jeito” […] “Acho que deve ser coisa de inglês” […] “Não, Stanley” […]
Mais tarde, ela se lembrou da desavença: Christiane Kubrick, entrevista
pelo autor, 5 de junho de 2016.
tornava os humanos incólumes ao calor: informações em “Shadow on the
Sun” coletadas do Radio Times, da BBC, n. 1979, 12 de outubro de 1961;
Jon Ronson, “Citizen Kubrick”, The Guardian, 27 de março de 2004.
bons livros resultam em filmes ruins: Frewin, “Chairman Stanley”.
“estranha e com cabeças de hidra”: roteiro de Dr. Fantástico datado de 31
de março de 1963, Kubrick Archive, UAL.
“Eu ficava chateada”: Christiane Kubrick, entrevistada pelo autor, 22 de
setembro de 2016.
ficou evidente que Shaw também era fã de ficção científica […] “o primeiro
filme de ficção científica que não seja considerado um lixo” […] Shaw
sugeriu que ele lesse Arthur C. Clarke: Christiane Kubrick, entrevistada
pelo autor, 5 de junho de 2016. A recomendação de Clarke feita por
Shaw também é sustentada na linha do tempo de Clarke em “Son of Dr.
Strangelove”, o esboço de seu artigo não publicado para a revista Life,
datada de 22 de setembro de 1966, no Sir Arthur C. Clarke Papers,
Smithsonian Institution National Air and Space Museum, Steven F.
Udvar-Hazy Center, Chantilly, VA.
“Você precisa ler isso” […] “Nós precisávamos nos revezar para ficar
acordados”: Christiane Kubrick, entrevistada pelo autor, 5 de junho de
2016.
“no fundo, Stanley era um camponês” […] “Você vai rir” […] “‘Eu quero
fazer um filme’”: Caras, entrevistado por Dan Richter, 7 de setembro de
1999.
“Fantástico. A propósito”: Caras, entrevistado por Neil McAleer, 19 de
setembro e 21 de outubro de 1989.
“Por que você está passando por tudo isso? ” […] “‘É, mas pelo que sei ele
é meio maluco’” […] “‘Na verdade não, ele mora no Ceilão’”: Caras,
entrevistado por Richter, 7 de setembro de 1999.
“Puxa vida, você poderia fazer a gentileza de entrar em contato com ele? ”:
Caras, entrevistado por McAleer, 19 de setembro e 21 de outubro de
1989.
o voo teve que ser postergado não por horas, mas por dois dias: Clarke
para Meredith, 11 de abril de 1964.
“Seu impressionante virtuosismo técnico”: Arthur C. Clarke, “Son of Dr.
Strangelove”, esboço não publicado, 23 de janeiro de 1967.
onde se misturava com: Neil McAleer, Visionary: The Odyssey of Sir
Arthur C. Clarke (Baltimore: Clarke Project, 2010), p. 143.
“adorável escritório no trigésimo segundo andar”: Clarke para Youd, 19 de
junho de 1964.
“Foi estranho voltar a Nova York”: Clarke, “Son of Dr. Strangelove”.
Kubrick chegou na hora certa: LoBrutto, Stanley Kubrick, 261.
“um nova-iorquino […] de estatura media e de poucas palavras”: Clarke,
“Son of Dr. Strangelove”.
“certa aparência boêmia”: Jeremy Bernstein, “How About a Little Game”,
New Yorker, 12 de novembro de 1966.
“inteligência pura” […] “Kubrick apreende novas ideias” […] “Por favor,
diga a Wernher”: Clarke”, “Son of Dr. Strangelove”.
“Eu nunca disse nada, porque (a) eu não acreditei”: Arthur C. Clarke,
Astounding Days: A Science Fictional Autobiography (Nova York:
Bantam, 1989), p. 183.
“em camera”, como definiu Caras: Caras, entrevistado por McAleer.
“Stanley tinha uma grande capacidade de concentração”: Christiane
Kubrick, entrevistada pelo autor, 5 de junho de 2016.
“Com pesar” […] “Isso é uma falta de generosidade”: Clarke, “Son of Dr.
Strangelove”.
“Desde o começo” […] “Quando conheci Stanley”: Arthur C. Clarke, The
Lost Worlds of 2001 (Nova York: Signet, 1972), p. 29.
oito horas de conversa: Clarke, “Son of Dr. Strangelove”.
“Talvez a pessoa mais inteligente”: Stanley Kubrick: A Life in Pictures,
documentário dirigido por Jan Harlan, (Burbank, CA: Warner Bros.
Home Video, 2001).
a chaminé do incinerador, no telhado: cenário baseado em The Making of
Stanley Kubrick’s 2001: A Space Odyssey, de Piers Bizony (Colônia,
Alemanha: Taschen, 2014), p. 17.
O estúdio estava abarrotado: descrição com base em “How About a Little
Game”, de Bernstein.
“A preocupação com equipamentos de alta-fidelidade”: as anotações nas
margens de Kubrick vêm do esboço anotado de “How About a Little
Game”, artigo de Jeremy Bernstein para a New Yorker, em 12 de
novembro de 1966, enviado por JB ao autor em 8 de setembro de 2016.
“Toda vez que passo por uma sessão com Stanley”: Agel, ed., Making of
Kubrick’s 2001, p. 136.
“Não sou fácil de ser controlado”: Arthur C. Clarke, entrevistado por
McAleer, 25 de novembro de 1989.
“Falar com Arthur era realmente como falar com um tiozão”: Christiane
Kubrick, entrevistada pelo autor, 5 de junho de 2016.
“Eu estava trabalhando na Time-Life durante o dia”: Jeremy Bernstein,
“Out of the Ego Chamber”, New Yorker, 9 de agosto de 1969.
“exclamou angustiado: ‘O que você está tentando’”: Clarke, “Son of Dr.
Strangelove”.
“estar usando ideias” […] “Ainda passando cada minuto de folga com
Stanley K.”: Clarke para Mike Wilson, 14 de maio de 1964.
75-6. “Um enredo muito bom é um pequeno milagre” […] Quando os
primeiros homens das cavernas se sentaram ao redor de uma fogueira
[…] “Por causa do formato do cinema”: transcrição do diálogo entre
Heller e Kubrick, 14 de maio de 1964, Kubrick Archive, UAL.
“restaurantes e cafeterias”: Arthur C. Clarke, Report on Planet Three and
Other Speculations (Londres: Corgi, 1973), p. 247.
Tendo discutido extensivamente a questão: LoBrutto, Stanley Kubrick, p.
289.
Clarke concordou que a luta: Arthur C. Clarke, “Rocket to the
Renaissance”, Greetings, Carbon-Based Bipeds!, Collected Essays,
1934-1998, ed. Ian T. Macauley (Nova York: St. Martin’s, 1999), p. 211.
Mas em sua visão, as viagens interplanetárias: ibid., p. 37.
“O que tínhamos em mente era uma espécie de semidocumentário”: Clarke,
“Son of Dr. Strangelove”.
“Raramente paramos para pensar que ainda somos criaturas”: Clarke,
“Rocket to the Renaissance”, p. 216.
“A antiga ideia de que o homem inventou ferramentas”: ibid., p. 218.
“da névoa das palavras”: Clarke, “Son of Dr. Strangelove”.
“todo um microcosmos de criaturas vivas”: Arthur C. Clarke, “Before
Eden”, em The Collected Stories (Londres: Victor Gollancz, 2001).
Antes de começarmos, gostaria de dizer uma coisa: Arthur C. Clarke, “Out
of the Cradle, Endlessly Orbiting”, Dude, março de 1959.
“A Terra é o berço da mente”: Tsiolkovsky, Vestnik vozdukhoplavaniia.
Agora que seus sinais cessaram: “The Sentinel”, em Agel, Making of
Kubrick’s 2001, pp. 15-23.
80-1. “primos selvagens esperando pela aurora” […] “numa longa linha
luminosa rumando” […] “nas quais, mais de mil séculos mais tarde”:
Arthur C. Clarke, “Encounter in the Dawn”, publicado pela primeira vez
em Amazing Stories, junho/julho de 1953.
“É impossível” […] “Isso é coincidência demais”: Clarke, “Son of Dr.
Strangelove”.
O episódio não durou mais que: Stanley Kubrick para US Air Force Colonel
Jacks, 17 de junho de 1964.
82-3. “Esse foi o OVNI mais espetacular” […] “E foi assim que Stanley viu
seu primeiro satélite artificial” […] “o fato de não ter sido mencionado
no Times”: Clarke, “Son of Dr. Strangelove”.
Clarke não gostava de se envolver muito: corroborado por Clarke para
Koch, 26 de fevereiro de 1961, e por comentários feitos ao autor, por
Clarke, em 2002.
Embora o contrato final assinado incluísse: detalhes do contrato, cópia em
Clarke Papers, Smithsonian, 28 de meio de 1964. Os signatários são
Clarke e Louis Blau como presidente da Polaris Productions.
84. MGM seguiam regras inflexíveis: Koch para Clarke, 26 de fevereiro de
1961.
85-6. “O acordo é complicado” […] “Stan, que é uma bola de fogo” […]
“Se ficar sabendo sobre esse acordo” […] “Você entende tanto quanto
eu” […] “Tentarei mandar algum dinheiro”: Clarke para Wilson, 22 de
maio de 1964.

Capítulo 4: Pré-produção: Nova York

Você nunca consegue ter informações suficientes: Frewin, “Chairman


Stanley”.
“Stan é um personagem fascinante”: Clarke para Youd, 19 de junho de
1964.
“Quando seus filhos são pequenos”: Christiane Kubrick, entrevistada pelo
autor, 5 de junho de 2016.
87-8. O cronograma estabelecido pelos dois […] “risivelmente otimista”:
Clarke, Lost Worlds, p. 32.
No final da manhã do dia […] “me indicado para Stan”: Clarke, linha do
tempo de “Son of Dr. Strangelove”.
cerca de mil palavras por dia: Clarke, Lost Worlds, p. 33.
“Não vamos sentar e escrever um roteiro”: Clarke, entrevistado por Gelmis,
Camera Three.
“Escrever um romance é como nadar no mar”: Clarke, Lost Worlds, p. 31.
Decidi que tentar produzir uma história original: de notas esboçadas de
Stanley Kubrick da entrevista para a The New York Herald Tribune, 23
de novembro de 1965, Kubrick Archive, UAL.
“É extremamente difícil representar”: Clarke para J. B. S. Haldane, 23 de
maio de 1964.
“poderiam ser máquinas que consideram vida orgânica” […] “ideia
hilária que não seria usada”: Clarke, Lost Worlds, pp. 32-3.
“Como certamente fez com frequência pela eternidade”: Clarke,
“Encounter in the Dawn”.
90-1. “Argumentei que o número de eventos únicos” […] “Sugeri que
qualquer representação explícita” […] “O título do filme, a propósito”
[…] “uma parte razoavelmente importante da trama”: Carl Sagan, The
Cosmic Connection, An Extraterrestrial Perspective, ed. Jerome Agel
(Nova York: Doubleday, 1973), p. 183.
“Livre-se desse cara”: Clarke, entrevistado pelo autor, 19 de dezembro de
2001; Arthur C. Clarke, em resenha de Carl Sagan’s Universe, ed.
Yervant Terzian e Elizabeth Bilson, The Times Higher Education
Supplement, 12 de dezembro de 1997.
“Kubrick é absolutamente brilhante”: Clarke para Haldane, 23 de maio de
1964.
Para isso, seu combustível consistia em uma dieta de patê de fígado: Peter
Arthurs, entrevistado por McAleer, 27 de maio de 1989.
“nb o entusiasmo de Stan por material”: Clarke, linha do tempo em “Son
of Dr. Strangelove”.
“Terminei o capítulo de abertura”: Clarke, Lost Worlds, p. 32-3.
“Eles se lembrariam”: ibid., p. 13.
“aproximadamente o tamanho e a forma de um homem” […] “gerando as
próprias palavras”: sem data, esboços rejeitados do romance Man and
Robot, Clarke Papers, Smithsonian.
“Nós temos um best-seller aqui” […] “Ele ficou fascinado” […] “se
desfazendo inteira”: Clarke, Lost Worlds, p. 33.
“Escolher o nome do herói — DB”: Clarke, linha do tempo em “Son of Dr.
Strangelove”.
“Foi de fato só meses depois”: Clarke, entrevistado por Gelmis, Camera
Three.
“O paralelo com a Odisseia estava claro”: Clarke, “The Myth of 2001”, em
Report on Planet Three, p. 253.
“autopista” […] “o grande complexo Washington-Nova York”: sem data,
esboços rejeitados do romance Goodbye to Earth, Clarke Papers,
Smithsonian.
“O que nós queremos é”: Clarke, Lost Worlds, p. 33.
Nesse período […] “Isso soa pomposo” […] Havia momentos em que […]
“Mais uma vez, implicações que se fazem”: Clarke, “Son of Dr.
Strangelove”.
“Nós dois passamos quase um ano”: Hollis Alpert, “Offbeat Director in
Outer Space”, New York Times, 16 de janeiro de 1966.
“Estamos em ótima forma” […] “Eu era um robô sendo reconstruído” […]
“Joe Levine não faz isso” […] “Havia um monte de atores ao redor”:
Clarke, Lost Worlds, p. 34.
um excelente curta-metragem em preto e branco indicado ao Oscar :
Universe (1960) pode ser assistido on-line no YouTube, ou em qualidade
superior no Internet Archive,
<https://archive.org/details/TheUniverseNationalFilmBoardOfCanada>.
“A transição predatória do macaco para o homem”, Raymond Dart,
International Anthropological and Linguistic Review 1, n. 4, 1953.
“Topei com um parágrafo impressionante”: Clarke, Lost Worlds, p. 34.
E os dois mudaram mais uma vez o título provisório: Clarke, linha do
tempo em “Son of Dr. Strangelove”.
Nós nascemos de macacos que se ergueram: Ardrey, African Genesis, p.
354.
“Um herói se aventura partindo” […] “rochas em colisão” […] “com o
velo e o poder”: Campbell, Hero with a Thousand Faces, p. 30; ver
também Clarke para Purdy (primeiro nome não informado), 9 de
setembro de 1968.
“laje de cristal” […] “insidiosas garras se insinuando”: esboços
rejeitados, sem data, do romance Dawn of Man, Clarke Papers,
Smithsonian.
99-100. “sensação de assombro” […] “em um céu tão turbulento” […]
“pelo cadáver carbonizado” […] “nova — como acontece com os sóis”
[…] “gloriosa aparição” […] “não parece mais quente do que carvão
em brasa”: ibid.
“As rodas giratórias de luz”: Clarke, Lost Worlds, p. 238.
“oceano muito peculiar”: ibid., p. 200.
“proporcionar segurança mental”: ibid., p. 225.
“algo que não era possível ser”: ibid., p. 217.
“Eu e Stanley Kubrick”: ibid., p. 199.
“A ideia de Stan dos robôs ‘cafonas’”: Clarke, linha do tempo em “Son of
Dr. Strangelove”.
“Stanley inventou”: Clarke, Lost Worlds, p. 34.
“Stan, eu gostaria que soubesse” […] “Sim, eu sei” […] “como um
professor de colégio” […] “Ele ficou muito contente”: Christiane
Kubrick, entrevistada pelo autor em 5 de junho e 22 de outubro de 2016.
“Stanley tenta refutar”: Clarke, Lost Worlds, p. 33.
“os passaportes do preguiçoso” […] “Continuar fazendo a pergunta”:
Frewin, “Chairman Stanley”.
“Ele tinha vontade de ser bom”: Christiane Kubrick, entrevistada por
Charlie Rose, Charlie Rose, PBS, 15 de junho de 2001.
que já fora campeão nacional peso-médio de boxe: Ekanayake foi o
campeão mais jovem de peso-médio do Ceilão em 1956. Rohan de Silva
para o autor, por e-mail, 20 de outubro de 2017.
indo parar no hospital: Liyanasuriya, entrevistado pelo autor.
Hector atacou a árvore: Christiane Kubrick, entrevistada pelo autor, 22 de
outubro de 2016.
“em busca de inspiração”: Clarke, Lost Worlds, p. 35.
“Nós estendemos os limites”: LoBrutto, Stanley Kubrick, p. 268.
“Nós relmente tínhamos”: Clarke, Lost Worlds, p. 35.
“Texto completo entregue”: Clarke, linha do tempo para “Son of Dr.
Strangelove”.
“A primeira versão do romance” […] “Confuso. Ninguém vai saber”:
Clarke, “Son of Dr. Strangelove”.
um pequeno estúdio de efeitos visuais: “Talking With Con Pederson”,
entrevistado por William Moritz, Animation World Magazine, edição
4.3, junho de 1999.
A câmera acelerada: as descrições do processo são, em parte, de transcrição
de uma entrevista não publicada de John Alcott com Don Shay, em
Cinefex, junho de 1984.
“muitas das coisas realmente cataclísmicas”: Wally Gentleman, transcrição
da entrevista a Don Shay, 3 de maio de 1979.
“inacreditavelmente nojentos” […] “A diferença entre muitos de nós”:
Christiane Kubrick, entrevistada pelo autor, 15 de janeiro de 2016.
Tinha publicado inúmeros artigos: Christopher Frayling, The 2001 File:
Harry Lange and the Design of the Landmark Science Fiction Film
(Londres: Reel Art Press, 2015), p. 22.
“Por acaso, nós acabamos de publicar” […] “Que coisa extraordinária”:
ibid.; Harry Lange, entrevistado por David Larson, 25 de setembro de
2002.
108-9. “Arthur saiu de lá e” […] “mentalmente estimulante” […]
“Kubrick estava imerso”: Frederick Ordway, entrevistado por Larson,
14 de agosto de 2003.
“Harry, seu trabalho dá dinheiro” […] “Bem, eu posso arranjar
ilustradores melhores” […] “Sim, sim, eu conheço tudo”: Lange,
entrevistado por Larson.
“Eles tinham um prazo de dois ou três”: LoBrutto, Stanley Kubrick, pp.
268-9.
acompanhados por abstrações fílmicas lindas, porém altamente
experimentais: embora Clarke não mencione isso, Wally Gentleman
afirma que as filmagens do Projeto Manhattan de Kubrick podiam ser
vistas na MGM juntamente com textos; Gentlemen, entrevistado por
Shay; Con Pederson também repetiu isso em Aladino Debert, “2001: A
Space Odyssey — A Discussion with Con Pederson”, Visual Effects
Headquarters, atualizado pela última vez em abril/maio de 1998,
<www.vfxhq.com/spotlight98/9804c.html>.
um coro maledicente que só aumentou: ibid.
no fim da década já haviam sido lançadas mais de 150 produções: Bradley
Schauer, Escape Velocity: American Science Fiction Film, 1950-1982
(Middletown, CT: Wesleyan University Press, 2017), pp. 11-2; ver
também Patrick Lucanio, Them or Us: Archetypal Interpretations of
Fifties Alien Invasion Films (Bloomington: Indiana University Press,
1987).
Para Kubrick e Clarke: entre as várias fontes, ver, por exemplo, Frayling,
2001 File: Harry Lange, p. 29.
“Quando vi Kubrick e o apartamento pela primeira vez”: Jeremy
Bernstein, “Memories of Stanley Kubrick”, Scribd,
<https://www.scribd.com/document/220043494/Memories-of-Stanley-
Kubrick-By-J-bernstein>.
Uma capa do texto Jornada além das estrelas: Kubrick Archive, UAL; a capa
também é descrita em Pederson, entrevistado por Moritz.
“um filme com o título provisório de”: a data de 14 de janeiro é de
McAleer, Visionary, p. 142.
“Ele fazia seus acordos com muito cuidado”: Christiane Kubrick,
entrevistada pelo autor, 22 de outubro de 2016.
O contrato, que ressaltava: todas as informações no contrato são do esboço
da MGM com anotações de Kubrick datado de 22 de maio de 1965.
Assim, falando sem rodeios e deixando as coisas bem claras [Thus to call a
spade a spatulous device]: frase com a palavra spade desenterrada de
Joseph Devlin, How to Speak and Write Correctly (Nova York: Christian
Herald Bible House, 1910), p. 4.
“Sem querer parecer depreciativo”: Stanley Kubrick para Robert Shaw, 17
de fevereiro de 1965, <www.telegraph.co.uk/culture/film/3555933/The-
letters-of-Stanley-Kubrick.html>.
Subi ao escritório com: Clarke, Lost Worlds, p. 37.
“Ele era uma pessoa estranha”: Ordway, entrevistado por Larson.
“Nós nos divertimos muito” […] “Era banal a esse ponto”: Lester Novros,
transcrição da entrevista a Don Shay para Cinefex, 18 de agosto de 1984.
Era interessante?: Pederson, entrevistado por Debert, Visual Effects
Headquarters, abril de 1998, <www.vfxhq.com/spotlight98/9804c.html>.
“Ele foi muito reservado a respeito”: Novros, entrevistado por Shay.
tinha trabalhado com: Laurie N. Ede, British Film Design: A History
(Londres: I. B. Tauris, 2010), p. 136.
“Ora, me interesso sim” […] “falando sobre o roteiro e a história num”:
Tony Masters, transcrição da entrevista a Don Shay, 8 de abril de 1977.
Quando você faz um filme de ficção científica […] “âncora”: Don Shay e
Jody Duncan, “2001: A Time Capsule”, Cinefex, abril de 2001.
120-1. “Nós resolvemos usar bastante material branco” […] “Mas de que
cor seria?”: Masters, entrevistado por Shay.
“vai passar por cima de você”: Gentleman, entrevistado por Shay.
“Estive envolvido na direção”: Shay e Duncan, “2001: A Time Capsule”.
“Estávamos particularmente intrigados”: Frederick Ordway para o dr.
Walter N. Pahnke, 7 de junho de 1965.
“a acolhida cósmica mais poderosa”: Huston Smith, The Huston Smith
Reader, ed. Jeffrey Paine (Oakland: University of California Press,
2012), 73.
123-4. “levado por um mar de cores” […] “eu tive que morrer”: “Tune In,
Turn On, Get Well?”, Jeanne Malmgren, St. Petersburg Times (FL), 27 de
novembro de 1994.
“totalmente extasiado”: Clarke, Lost Worlds, p. 37.
Uma “personalidade importante” […] Ao desembarcar na estação espacial
em órbita em torno da Terra […] Quando entregue “muito
rapidamente”: notas de produção de 2001, 1º. de junho de 1965.
“um jornal de 2001 a ser lido”: Tony Masters para Caras, 29 de junho de
1965.
“Deve ser feito um dispositivo para o tablet noticiário”: anotações da
reunião de produção n. 6, 11 de dezembro de 1965.
uma semente que se transformaria numa árvore: Citado em Heavy Metal 7,
n. 10, janeiro de 1984; ver também Arthur C. Clarke, 2001: A Space
Odyssey (Nova York: New American Library, 1968; reimpr., com nova
introdução, 1999), p. x.
“Mais tarde, tive a experiência engraçada”: Clarke, “Son of Dr.
Strangelove”. Observe que Clarke modificou levemente essa passagem
para “uma taxa nominal” na versão publicada; ver Clarke, Report on
Planet Three, p. 248.
“Eu disse: ‘Seu safado’”: Caras, entrevistado por Richter.
“Isso é típico de Stanley”: Caras, entrevistado por McAleer.
“Então, às onze e meia de uma noite” […] “e perguntei: ‘Você quer
morar’”: Caras, entrevistado por Richter.
48 baús […] livros que Kubrick considerava preciosos: Anthony Frewin,
entrevistado pelo autor, 21 de setembro de 2016.
“As pessoas que lidavam com Stanley” […] Stanley podia ser infinitamente
solidário: Caras, entrevistado por Richter.
Mais ou menos um mês depois: Frewin, entrevistado pelo autor, 21 de
setembro de 2016.

Capítulo 5: Borehamwood

“Pode ser que nosso papel neste planeta”: Clarke, Report on Planet Three,
p. 145.
“Eu não quero me envolver”: Frewin, entrevistado pelo autor, 11 de
novembro de 2016.
Aquilo chamou a atenção de Tony […] “O único jeito de fazer meu pai”:
Frewin, entrevistado por Richter, 29 de junho de 2000.
“Não me incomodaria em trabalhar aqui”: Frewin, entrevistado pelo autor,
11 de novembro de 2016.
“Será que esse faxineiro não devia ir limpar outro lugar?” […] “Escuta,
desculpe” […] “Eu sou Stanley”: Frewin, entrevistado por Richter.
“Puxa, você tem uma coleção de livros” […] “Bem, um dos problemas”
[…] “Sabe de mais algum pintor” […] “Sim, eu li alguns romances”
[…] Quanto aos extraterrestres […] “Eu estou precisando de um”:
Frewin, entrevistado pelo autor, 11 de novembro de 2016.
os custos consideravelmente altos do complexo […] já era em si um alto
custo financeiro: Lo-Brutto, Stanley Kubrick, p. 271.
“Eu gostaria que você fizesse uma peça” […] “Mas gostaríamos de fazer”
[…] “Vamos fazer nesse formato” […] “Depois vai levar um mês” […]
“Ah, certo, vamos” […] “Meu Deus” […] “Bem, tem quase”: Shay e
Duncan, “2001: A Time Capsule”; Masters, transcrição da entrevista a
Shay.
pesava mais de duas toneladas: peso e localização atual em
<http://londonist.com/london /secret /see-the-original-monolith-from-
2001-a-space-odyssey>.
“Pode arquivar” […] “Parece um pedaço de vidro” […] “Então vamos
fazer um preto”: Shay e Duncan, “2001: A Time Capsule”; Masters,
entrevistado por Shay.
“Não consigo imaginar como os agentes de seguro”: Clarke, “Son of Dr.
Strangelove”.
“humanoide incrivelmente bonito e gracioso”: esboço do roteiro de 2001, 7
de junho de 1965.
“lutando muito para impedir Stan”: Clarke, Lost Worlds, p. 37.
“belas adormecidas”: esboço do roteiro de 2001, 14 de dezembro de 1965.
A expressão deveria ter sido usada pelo astronauta Frank Poole em
conversa com Dave Bowman, mas não apareceu na versão final do
filme. Jan Harlan, cunhado de Kubrick, usou a expressão “picolés
humanos” para descrever os mesmos elementos.
“Encontrei um furo que me deixou” […] “Você pode construir” […] “Esse
elemento de suspense”: Clarke para Kubrick com anotações do último, 4
de agosto de 1965.
É inacreditável quanto tempo se demora […] “Prefiro apresentar um
resultado não específico”: Ibid.
“deu autenticidade para aquilo”: Shay e Duncan, “2001: A Time Capsule”.
Se houve uma divisão de autoria nesse projeto: ver citação de Ordway em
Frayling, 2001 File: Harry Lange, p. 56.
“O mais estranho foi”: Shay e Duncan, “2001: A Time Capsule”.
“Nós não estávamos trabalhando com” […] Nós nos reuníamos com
Stanley: ibid.; Masters, entrevistado por Shay.
“Para captar isso, nós tínhamos uma câmera” […] “Acho que estou
vendo!”: Shay e Duncan, “2001: A Time Capsule”.
“A essa altura eu já estava transpirando”: Masters, entrevistado por Shay.
“estar fazendo uma piada com aquilo”: Frayling, 2001 File: Harry Lange,
p. 32.
modelo em escala de um foguete V-2: do manuscrito original e não editado
de Making of Kubrick’s 2001, de Agel, uma história que Kubrick não
consegue, visivelmente, negar em suas revisões datadas de 1º de
fevereiro de 1970; Arthur C. Clarke também refere-se ao incidente em
suas notas para um ensaio sobre 2001 datado de novembro de 1967.
“eles dizem que um computador com a complexidade”: Caras para Kubrick,
27 de julho de 1965.
“Os desenhos de Athena da IBM são inúteis”: Kubrick para Caras, 29 de
julho de 1965.
“razoavelmente grandes, planas e retangulares”: John Pierce, relatório da
Bell Labs, 29 de junho de 1965.
“quase independentes” […] “Vamos olhar pela estrada” […] Vamos supor
que: Ordway para Eugene Riordan, 24 de agosto de 1965.
“um veículo bem mais experimental do que o visualizado” […] “como uma
pesquisa experimental e em desenvolvimento”: Ordway para Riordan,
26 de outubro de 1965.
Os termos por trás do acrônimo: Ordway sugeriu que Minsky criasse o
acrônimo, em Ordway, entrevistado por Larson, 14 de agosto de 2003.
“A heuréstica é composta por”: Marvin Minsky, entrevistado por David
Stork, em David G. Stork, ed., HAL’s Legacy: 2001’s Computer as Dream
and Reality (Cambridge, MA: MIT Press, 1997), p. 27-8.
“Se quisermos, podemos fazer do ‘acidente’”: Clarke para Kubrick, 12 de
outubro de 1965.
“Uma noite (ou seja qual for o ciclo do sono de Poole)” […] “O
computador responde ‘Não’” […] “mesmo quando jogavam inspirados”
[…] “subitamente, o computador pergunta sobre o paradoxo” […]
“Computador tenta convencer Bowman”: notas “The Computer” por
Stanley Kubrick, Kubrick Archive, UAL.
“Se você for até o escritório” […] “Sou um dos ilustradores” […] “Isso é
ótimo”: Doug Trumbull, entrevistado por Larson, 7 de maio de 2001;
Trumbull, entrevistado pelo autor, 1º-2 de setembro de 2016.
“Eu tinha 23 anos na época”: Shay e Duncan, “2001: A Time Capsule”.
“Wally era muito científico”: Trumbull, entrevistado pelo autor.
“Doug ficava andando”: Gentleman, entrevistado por Shay.
“Wally falou: ‘Nós podemos arranjar’”: Trumbull, entrevistado pelo autor.
“Um milhão de fontes aleatórias”: Gentleman, entrevistado por Shay.
“pequenos acrônimos estranhos” […] “Ficávamos no”: Shay e Duncan,
“2001: A Time Capsule”.
“autônomas 24 horas por dia” […] “Na verdade, era”: Trumbull,
entrevistado por Larson.
A cláusula do Eady sobre não cidadãos do Reino Unido: LoBrutto, Stanley
Kubrick, p. 202.
“Não havia nenhuma interferência da gerência do estúdio”: Trumbull,
entrevistado pelo autor.
“discorrendo sobre a beleza”: Frayling, 2001 File: Harry Lange, p. 73.
“Nós deveríamos concluir”: Gentleman para Raymond Fielding, 29 de
novembro de 1965.
“Passei toda a minha carreira” […] Eu gostava muito de Kubrick como
pessoa: Shay e Duncan, “2001: A Time Capsule”.
“Stanley podia ser bem grosseiro se achava”: Brian Johnson, entrevistado
pelo autor, 3 de fevereiro de 2017.
depois de uma “altercação” com a equipe: Ordway, entrevistado por
Larson.
Além de gostar de beber e de se meter em brigas: Gary Lockwood,
entrevistado pelo autor, 11 de setembro de 2016.
“Acho que é uma combinação de xadrez”: Lockwood, entrevistado por
Justin Bozung, Shock Cinema, n. 42, 2012.
“É muito inadequado que Bob O’Brien”: Kubrick para Caras, 26 de
setembro de 1965.
Seção de Operações Especiais: David Lister, “Queen’s Tailor Hardy Amies
Was a Wartime Hitman”, Independent (UK) on-line, 23 de agosto de
2000.
Embora não tão prestigiada: algumas observações valiosas sobre Aimes
foram adotadas por Lauren Cochrane, “2001: A Space Odyssey —The
Fashion Power of Designer Hardy Amies”, Fashion blog, The Guardian
(US), 28 de novembro de 2014.
“Estávamos retratando um período”: Hardy Amies, Still Here: An
Autobiography (Londres: Weidenfield and Nicholson, 1984), s.p.
“Eu estava cético quanto às principais mudanças”: Bob Cartwright,
entrevistado por Larson, 4 de março de 2001.
“saiu de lá perplexo” […] “Os atores na extremidade”: Clarke para
Wilson, 10 de setembro de 1965.
A mudança de perspectiva era muito grande: a descrição do set deriva da
transcrição da entrevista de Masters concedida a Shay.
“Dentro de mais ou menos seis semanas”: Clarke para Wilson, 10 de
setembro de 1965.
“A Terra é o berço da mente”: Tsiolkovsky, Vestnik vozdukhoplavaniia.
“Por sua aparência externa”: Arthur C. Clarke, Childhood’s End (Nova
York: Ballantine Books, 1953; Nova York: Del Ray Books, 1990), p.
171. As citações se referem à edição da Del Ray.
“Stanley ligou falando de outro”: Clarke, Lost Worlds, p. 38.
“era de […] Entidades de Máquinas” […] “Senhores da galáxia” […]
“Em um tempo curto”: esboço do roteiro de 2001, 9 de dezembro de
1965.
“de repente, estalou — Bowman” […] “Stanley ligou novamente mais
tarde”: Clarke, Lost Worlds, p. 38.
Parecia exatamente um bebê ainda não nascido: devo esse insight a Robert
Poole, especificamente “2001: A Space Odyssey and the ‘Dawn of
Man’”, em Stanley Kubrick: New Perspectives, ed. Tatjana Ljujic, Peter
Kramer e Richard Daniels (Londres: Black Dog, 2014), pp. 182-3,
embora considerando o Childhood’s End, de Konstantin Tsiolkovsky, e
Lennart Nilsson, discordo de Poole e não acredito que a ilustração tenha
sido a única progenitora do Filho das Estrelas.
“removidos cirurgicamente”: “The Drama of Life Before Birth,” Life, 30 de
abril de 1965.
“chamou a atenção do diretor”: Ivor Powell para Caras, 26 de maio de
1966, solicitando aquela edição da Life.
“Voltando a pensar sobre o romance”: Clarke, Lost Worlds, p. 38.
“Stanley, nós tivemos uma mudança de circunstâncias” […] “Trumbull,
caia fora” […] “Tudo bem, estou indo”: cena composta por duas
narrativas: Trumbull, entrevistado por Larson e Trumbull entrevistado
pelo autor.
“Stan resolveu matar”: Clarke, Lost Worlds, p. 38.
“Minha experiência cinematográfica” […] “Preste atenção, Stanley” […]
“Depois disso, ele ficou furioso” […] “Ele é um sujeito muito legal”:
Cartwright, entrevistado por Larson.
cem metros cúbicos de uma areia especialmente fina: comunicado de
imprensa, sem data, da Hawk Films, meados de janeiro de 1966.
Foram testados diversos tipos de madeira […] foram produzidos algo como
14 monólitos […] “Ele ficava assim” […] “Foomp! Ficou coberto de
pó” […] “Foi inacreditável”: Shay e Duncan, “2001: A Time Capsule”;
Masters, entrevistado por Shay.
“Vamos ter que fazer”: de Ordway, em Frayling, 2001 File: Harry Lange,
p. 75.

Capítulo 6: A produção
Nunca deixe seu ego se interpor: Frewin, “Chairman Stanley”.
“Meu Deus, como eram bons”: Ivor Powell, entrevistado pelo autor, 20 de
setembro de 2016.
“Lá está ele”: esboço do roteiro de 2001, 9 de dezembro de 1965.
Apesar de um registro excelente: ibid.; Relatório Diário de Continuidade,
17 de dezembro de 1965.
No dia 1º de janeiro, Kubrick notou que: ibid., 1º de janeiro de 1966.
Em outra ocasião, um morcego […] Um sistema de comunicação de
“indução magnética”: comunicados à imprensa da Hawk Films, sem
data, meados de janeiro de 1966.
“Em um primeiro exame, o preto” […] “sinais eletrônicos intensos”: as
citações são do esboço do manuscrito de 2001, sem data; ou, então,
datadas de 13 de outubro de 1965.
“alguns boatos sobre um problema”: esboço do manuscrito de 2001, 9 de
dezembro de 1965.
Era manhã de 6 de janeiro: todos os diálogos são do Relatório Diário de
Continuidade, 6 de janeiro de 1966.
Depois de cumprimentar o ator: chegada de Dullea com base nas descrições
fornecidas por Powell, entrevistado pelo autor.
feito uma viagem a Roma: comunicado à imprensa da Hawk Films, sem
data, meados de janeiro de 1966.
Desde o início: todos os diálogos do ônibus lunar são do Relatório Diário
de Continuidade, 13 de janeiro de 1966.
“Realismo é bom, mas interessante é melhor”: Frewin, “Chairman
Stanley”.
O monólogo de Sylvester era de aproximadamente: Toda a cena do diálogo
na sala de reunião da Base de Clavius retirada do Relatório Diário de
Continuidade, 13 de janeiro de 1966, e das páginas do esboço do
manuscrito de 2001; ou então datado de 13 de outubro de 1965.
“Eu não consigo mais” […] “não conseguiu” […] “Ele não foi
desagradável”: Johnson, entrevistado pelo autor.
Kubrick estava “fora de si” […] “Ele está usando drogas?” […] “Mas nós
vamos anunciar” […] “meu Deus, meu Deus” […] “Tudo de que
Stanley precisasse”: Caras, entrevistado por Richter, 7 de setembro de
1999.
“Preciso que você refaça isso” […] “Certo, me mostre o que você”:
Johnson, entrevistado por Larson, 19 de junho de 2003.
“Wally, arquive o seu treco”: Johnson, entrevistado pelo autor.
todas as bobinas caíram: Trumbull, entrevistado pelo autor.
“Acho que ele via as coisas de modo diferente” […] ele mudava o ajuste:
Shay e Duncan, “2001: A Time Capsule”.
“Se ele não fosse diretor”: Michel Ciment, “Working with Stanley
Kubrick-John Alcott”, the Kubrick Site, <www.visual-
memory.co.uk/amk/doc/0082.html.175>.
“Faça isso com seis”: lembranças da dinâmica no set entre Unsworth-
Alcott-Kubrick por Johnson, entrevistado pelo author.
“Geoffrey, por que está tão pensativo” […] “Sabe, Roger” […] “Você
sabia disso?”: Caras, entrevistado por McAleer.
“Eu poderia ter morrido!”: Minsky, entrevistado por Stork, HAL’s Legacy, p.
24.
“Pronto, senhor”: Relatório Diário de Continuidade, 9 de janeiro de 1966.
“girada como um relógio”: notas da reunião de operações da câmera
centrífuga, 15 de janeiro de 1966.
Nós podíamos subir junto com a roda: Shay e Duncan, “2001: A Time
Capsule”.
“Kelvin! O que está fazendo?”: Kelvin Pike, entrevistado por Larson, 3 de
março de 2003.
Depois de alguns dias de exercícios: Caras ao colunista Louis Sobol, 23 de
fevereiro de 1966.
“Era um local de trabalho assustador”: Trumbull, entrevistado por Larson.
não conhecia uma droga recreativa: Frewin, entrevistado pelo autor.
“Eu sentia que aquilo não era nada sólido” […] “Ele jogava, mas nunca
ganhava muito”: Christiane Kubrick, entrevistada pelo autor, 5 de junho
de 2016.
A certa altura, John Kelly […] “Era muito simples” […] “Um brigão de
bar” […] “Ele tinha a mesa de bilhar mais linda” […] “Como você
consegue ser assim?” […] “Ele era o epítome”: Gary Lockwood,
entrevistado pelo autor, 11 de setembro de 2016.
“pode ser culpado” […] “estudo de viabilidade”: o diálogo é do Relatório
Diário de Continuidade, 26 de janeiro de 1966.
“um pouquinho redundante”: Gary Lockwood, entrevistado por Larson, 8
de dezembro de 2003.
“Você não está mostrando sua animação” […] “Sabe de uma coisa,
Stanley, eu cresci” […] “Vamos parar por”: Lockwood, entrevistado
pelo autor.
sua convicção de que a cena não era: Lockwood, entrevistado por Bozung.
“Acho que uma parte de mim” […] “O chefe quer falar com você” […]
“Sinceramente, eu gosto de tequila”: Lockwood, entrevistado pelo
autor.
“Sim, Chopin está ótimo”: Pete Thornton, “Gary Lockwood and Keir
Dullea—2001: A Space Odyssey Interview”, Front Row Reviews, 1º de
dezembro de 2014, <www.frontrowreviews.co.uk/features/keir-dullea-
and-garylockwood-2001-a-space-odyssey-interview/31914>.
“Bem, senhor presidente, estou ajudando”: Lockwood, entrevistado por
Larson.
“apertar os parafusos do computador” […] “ia direto ao ponto”:
Lockwood, entrevistado pelo autor.
considerar Kubrick o melhor diretor: Lockwood, entrevistado por Bozung.
“Depois você vai para casa”: Lockwood, entrevistado pelo autor.
muito humana e muito: Lockwood, entrevistado por Bozung.
noite de fevereiro, com frio abaixo de zero: Lockwood, entrevistado pelo
autor.
mesmo se todos estivessem no mesmo: Heather Downham esboçou esse
cenário em um contexto um pouco diferente no documentário 2001: The
Making of a Myth, dirigido por Paul Joyce, 2001. (Warner Bros. Home
Entertainment Group, DVD).
“como tentar escrever Guerra e Paz”: Kubrick utilizou essa comparação ao
longo de sua carreira; como exemplo, ver o vídeo com sua mensagem
para o D. W. Griffith Lifetime Achievement Award, em
<www.youtube.com/watch?v=tBYJJzpxH9Q>.
“Minha atitude era de reverência” […] Que ele, Kubrick, se sentia um
pouco culpado: Keir Dullea, entrevistado por Richter, 1º de abril de
2000.
“maior filme de todos” […] “Você consegue acreditar nisso?”: Lockwood,
entrevistado por Richter.
“Stanley era muito mais” […] “Ele precisava de gente”: Bizony, The
Making of Stanley Kubrick’s 2001, p. 371.
Em meio a tudo isso, Clarke: descrição do esforço de Clarke em concluir o
filme de Wilson, em Clarke para Blau, 19 de março de 1966; Clarke para
Wilson, 27 de março de 1966.
“geofones nas sondas”: Clarke para Kubrick, 3 de março de 1966.
“HAL poderia simplesmente ler os lábios”: Lockwood, entrevistado por
Bozung.
“Meu Deus, essa é uma grande ideia!” […] sua maior contribuição
individual: Lockwood, entrevistado pelo autor.
“Abra o compartimento das cápsulas, HAL” […] “Sinto muito, Dave”:
filme 2001: Uma odisseia no espaço, dir. Stanley Kubrick, Metro-
Goldwyn-Mayer, 1968.
Depois de abrir a escotilha: Kubrick para Clarke, 10 de fevereiro de 1966.
“está tudo certo”: Clarke para Kubrick, 13 de fevereiro de 1966.
a movimentação parece contínua: a técnica de voo com cordas é de Peter
Brook’s Production of A Midsummer Night’s Dream (Woodstock, IL:
Dramatic, 1974), p. 79.
Unsworth fez Pike alterar a velocidade: Relatório Diário de Continuidade,
20 de junho de 1966.
“Por que você se dispôs”: Keir Dullea, entrevistado pelo autor, 4 de
setembro de 2016.
cujo sotaque cockney, como observou Dullea: ibid.
a sequência foi concluída […] “Feliz aniversário, Frank”: Relatório
Diário de Continuidade, 7 de março de 1966.
“Sinto muito, Frank, acho que você não”: ibid., 27 de março de 1966.
Kubrick quis mostrar de forma sutil: análise da partida de xadrez auxiliada
pela ruptura em Bill Wall, “2001: A Chess Space Odyssey”, Chess.com,
última atualização em 22 de junho de 2007,
<www.chess.com/article/view/2001-a-chess-space-odyssey>; também
Murray S. Campbell, “‘An Enjoyable Game’: How HAL Plays Chess”,
em Stork, HAL’s Legacy, p. 75.
“contribuição extraordinária e brilhante”: Stanley Kubrick para Ingmar
Bergman, 9 de fevereiro de 1960.
“A próxima vez que o operador de som se atrasar”: Andrew Birkin,
entrevistado pelo autor, 10 de novembro de 2016.
“Se você não consegue me explicar” […] O que ele queria era a verdade:
Bryan Loftus, entrevistado por Richter, 16 de novembro de 1999.
“Olha isso, Bryan”: Loftus, entrevistado pelo autor, 22 de setembro de
2016.
“Stanley tomou água da torneira”: Johnson, entrevistado por Larson.
Fumante inveterado desde os doze: Christiane Kubrick, entrevistada pelo
autor, 5 de junho de 2016.
um limite autoimposto de 46 quilômetros por hora: Caras, entrevistado por
Richter; Clarke, Lost Worlds, p. 47.
ser corajoso era uma coisa estúpida: Caras, entrevistado por Richter.
“Nunca entre numa briga justa”: Bernstein, entrevistado pelo autor, 17 de
outubro de 2016.
“Eu agora estou lutando” […] Na semana passada pedi […] “Tudo que
ganhei”: Clarke para Wilson, 12 de março de 1966.
ele simplesmente não queria que o livro: Frewin, entrevistado pelo autor.
“As relações dele, uma depois da outra” […] “Acho que ele considerou
tudo muito” […] Na verdade ele não conseguia terminar: Caras,
entrevistado por McAleer.
quase levou Clarke a um colapso nervoso: Clarke para Meredith, 16 de
março de 1966.
“em madeira podre desnecessária” […] “insinua que o erro pode estar em
HAL” […] “mantém seu diagnóstico” […] “E também é mais lógico”:
Clarke para Stanley Kubrick, 11 de março de 1966.
“Eu não sei o que estou fazendo” […] “Por que sou tão crítico?” […]
“Isso não dá pra fazer” […] “Vou ali comer um hambúrguer” […]
“Tinha seus momentos ‘Eu sou um babaca’”: Christiane Kubrick,
entrevistada pelo autor, 22 de setembro de 2016.
As temperaturas no interior passavam de: a temperatura foi estimada por
Bill Weston, entrevistado por Larson, 19 de dezembro de 2001.
dentro de uma torradeira: Pike, entrevistado por Larson, 3 de março de
2003.
“Quero que isso seja um assassinato” […] “a fim de parecer carne”:
Christiane Kubrick, entrevistada pelo autor, 5 de junho de 2016.
“Puxa, que coisa terrível”: Birkin, entrevistado pelo autor.
“Sim, eu gostaria de ouvir, HAL”: 2001: Uma odisseia no espaço, Kubrick,
dir.
O melhor momento de Dullea […] “Escute, Dave. Eu realmente sinto” […]
“Cale-se, HAL” […] “Dave, sabe que acabei” […] “Sim, é verdade
HAL”: Relatório Diário de Continuidade, 29 de junho de 1966.
“não poderiam servir como base”: Tony Frewin (ed.), Are We Alone?: The
Stanley Kubrick Extraterrestrial Intelligence Interviews, Londres: Elliott
& Thompson, 2005, p. 11.
“uma das poucas ideias ruins de Stanley Kubrick”: citado por Arthur C.
Clarke em seu prefácio para Frewin, Are We Alone?, p. 7.
Na primeira resposta, em fevereiro: Sagan para Caras, 9 de fevereiro de
1966.
“alta frequência de citações”: Sagan para Caras, 10 de março de 1966.
não poderia haver nenhum controle editorial: Caras para Sagan, 15 de
março de 1966.
“um extraterrestre numa garrafa”: Christiane Kubrick, entrevistada pelo
autor, 15 de janeiro de 2016.
“A situação é mais ou menos”: Caras para Craig W. Moodie Jr., 29 de julho
de 1965.
“uma série de calombos” […] “esse piso vai brilhar”: Caras para Masters,
6 de agosto de 1965.
“Por que não usar um quarto francês?”: Masters, entrevistado por Shay.
Os oito dias passados no quarto de hotel: além do Relatório Diário de
Continuidade, de 23 de junho de 1966, devo esses insights a David
Larson, que estudou cuidadosamente as fotografias dessas atividades,
Larson para o autor, por e-mail, 19 de agosto de 2017.
“Interpretação muito boa!”: Relatório Diário de Continuidade, 24 de junho
de 1966.
“Stanley, você se importa” […] “Certo, tudo bem”: Dullea, entrevistado
pelo autor, 4 de setembro de 2016; Thornton, “Gary Lockwood and Keir
Dullea”.
“Muito bom”: Relatório Diário de Continuidade, 24 de junho de 1966.
Vamos considerar este koan: “Zen Koans”, <AshidaKim.com>,
<www.ashidakim.com/zenkoans /zenindex.html>.
“uma pequena contribuição”: Thornton, “Gary Lockwood and Keir
Dullea”.
“Soube que considera”: Stanley Kubrick para David Wolper, 15 de
dezembro de 1966.

Capítulo 7: Na corda bamba

Qualquer tecnologia muito avançada: citação tão difundida que uma fonte
única é praticamente imaterial, mas está em “Sir Arthur C. Clarke,
Visionary, Died on March 18, Aged 90,” The Economist, 27 de março de
2008.
“O conteúdo da lição ganha” […] “Acho que a introdução de armas”:
Kubrick para Clarke, 11 de abril de 1966.
“Por favor, não venha aqui”: Kubrick para Clarke, 19 de abril de 1966.
Clarke respondeu: Clarke, Lost Worlds, p. 46.
Uma carta de seu agente: Meredith para Clarke, sem data, cerca de 17-18
de abril de 1966.
“um espetáculo espantoso” […] “exibido apenas em poucos cinemas”:
Clarke, Lost Worlds, p. 46.
“pura força de resolução de Stanley”: Michael Herr, Kubrick, Nova York:
Grove Press, 2000, p. 61.
Clarke saiu com Roger Caras: Clarke, Lost Worlds, p. 46.
“daquele pateta do George II”: Birkin, entrevistado pelo autor.
“rapazes de Kubrick”: Powell, entrevistado pelo autor.
Um dia, por exemplo […] Birkin lia todos os roteiros […] “Estou
interessado” […] Birkin foi convocado para um “fantasma” […] “Será
uma invasão” […] “O que ele disse?” […] “Eu não acredito que não
exista um deserto” […] “Eu sei onde tem um deserto” […] “Essa pode
ser a sua chance” […] “Certo. Vá até lá e” […] “Eu queria que
parecesse mágico” […] “Ah, oi, Andrew” […] “Muito bem, senhores”:
Birkin, entrevistado pelo autor.
“pensamos: ‘Esse é um bom começo’” […] “Nossa, companheiros, ah,
meu Deus” […] De repende Kubrick se aproximou, intrigado: Masters,
entrevistado por Shay; história confirmada por Bill Weston, entrevistado
por Larson, 19 de dezembro de 2002.
“Tudo bem, a gente pode filmar”: Shay e Duncan, “2001: A Time
Capsule”,
“pequenas coisas de plástico” […] “Conseguimos um bom resultado” […]
O problema é que os personagens: ibid.; Stuart Freeborn, entrevistado
por Jordan R. Fox, c. 1976.
“um assistente muito esperto” […] Mas a pior parte foram […]
“Realmente, está começando a ficar” […] “Não faço ideia, Stanley”
[…] “Vamos fazer Geordie” […] “Claro, Stanley” […] Durante uma
hora e meia corri: Keith Hamshere, entrevistado por Richter, 11 de
novembro de 1999.
O telegrama de Fine a Scott Meredith: Fine para Meredith, 5 de junho de
1966.
“parabéns e uau”: Meredith para Clarke, 5 de junho de 1966.
O valor era substancialmente mais alto: Meredith para Clarke, sem data, c.
17-18 de abril de 1966.
Kubrick se sentiu traído e irritado: ver, por exemplo, Meredith para Clarke,
13 de junho de 1966, e Kubrick para Clarke, 12 de julho de 1966.
“a pura verdade”: Meredith para Clarke, 13 de junho de 1966.
“Durante uma de minhas mais frenéticas”: Clarke, Lost Worlds, p. 47.
“Lágrimas, ataques histéricos, amuos”: Clarke, “Son of Dr. Strangelove”.
“Os editores gostaram tanto”: Clarke para Kubrick, 15 de junho de 1966.
“algumas sugestões muito precisas” […] “já que o livro vai sair” […] “um
fantoche controlado por” […] “A descrição literal desses” […] “Esta
cena sempre me pareceu” […] “Acho que é um capítulo muito”: Clarke,
Lost Worlds, pp. 47-8.
“Eu forcei Stanley”: Clarke to Tom Buck, 22 de junho de 1966.
“Ele está trabalhando umas vinte horas por dia”: Clarke para Alfred
Lansing, 22 de junho de 1966.
Por fim, no dia 4 de julho: Clarke, linha do tempo para “Son of Dr.
Strangelove”.
“É possível que eu largue tudo”: Clarke para Willson Hunter, 5 de julho de
1966.
Existem evidências claras: Wilson para Clarke, 11 de março de 1986; ver
também Clarke, “Son of Dr. Strangelove”, e carta de Stanley Kubrick
para Caras avisando sobre um possível processo, 15 de agosto de 1966.
“um impressionante anúncio de”: Clarke, Lost Worlds, p. 49. Mais a
respeito dos gastos da Dell, carta de Clarke para Sam Youd, 14 de junho
de 1967.
uma oferta de adiar o recebimento: Kubrick para Clarke, 12 de julho de
1966.
“não discutir nada com Arthur”: Kubrick para Caras, 15 de agosto de
1966.
“segurando suas lágrimas corporativas”: Clarke, Lost Worlds, p. 49.
Em meados de setembro, Clarke se retirou: Clarke para Blau, 14 de
setembro de 1966.
Por fim ele localizou […] “Você não pode ir embora!”: Birkin, entrevistado
pelo autor.
“Bem, eu realmente sinto muito, Stanley”: Johnson, entrevistado pelo autor,
3 de fevereiro de 2017.
“Ainda não temos o projeto” […] “algo que parecia uma moeda” […]
Mesmo desenhadas às pressas: Birkin, entrevistado pelo autor.
“Eu diria que Tony Masters foi com certeza”: Trumbull, entrevistado pelo
autor.
Trabalhando com a nova máquina: Loftus, entrevistado pelo autor.
surgiu depois de Wally Gentleman ter mostrado: Gentleman, entrevistado
por Shay.
que não tinha a mesma autoconfiança […] “O que você está sugerindo?”:
Birkin, entrevistado pelo autor; ver também Birkin, entrevistado por
Justin Bozung para a TV Store Online, 1º de abril de 2015.
Loftus tem uma lembrança diferente: Bryan Loftus para o autor, e-mail, 14
de setembro de 2017.
Agora ele abria mapas […] Acabaram optando pelo Alouette […] Birkin
programou uma série de sobrevoos: Birkin, entrevistado pelo autor;
documentos sobre o planejamento das tomadas fornecidos por Birkin ao
autor, 3 de novembro de 2016.
Apresentou a Kubrick vinte páginas: Birkin, entrevistado por Bozung, Blog
TV Store On-line, 1º de abril de 2015,
<http://blog.tvstoreonline.com/2014/09/2001-space-odyssey-interview-
series_23.html>.
“Pensei em todos os lugares” […] “já que dei a ideia” […] “Se você já
esteve em um helicóptero” […] “Bem, eu tenho três” […] “Você está
arriscando a minha vida” […] “Não se preocupe. Eu vou ficar de bico
fechado” […] “Assim, depois de ficar meio desanimado”: Birkin,
entrevistado pelo autor.
Kubrick comentou discretamente: Clarke para Youd, 21 de outubro de 1967.
John Esam, que seguira a trilha beatnik […] Em fevereiro de 1966, tornou-
se: Andrew Phillip Smith, “John Esam Obituary”, The Guardian, 11 de
setembro de 2011.
“Eu conheço um mímico” […] chegara a ser o artista principal […] Em
comparação com a mímica europeia […] “parecia o lugar onde as latas
de lixo” […] “um cara despenteado”: Dan Richter, entrevistado pelo
autor, 23 de agosto de 2016.
“Dan, eles não podem parecer homens”: Dan Richter, Moonwatcher’s
Memoir: A Diary of 2001: A Space Odyssey, Nova York, Carroll & Graf,
2002, p. 4.
Richter respondeu imediatamente […] Um exemplo clássico de convenção
[…] “Seu problema é que” […] “acabaria contratando uma pessoa
famosa” […] “escritoriozinho despretensioso” […] “Ele era
corpulento” […] “Bem, tudo isso me parece” […] “Eu só preciso de
vinte minutos” […] meio burro, agressivo e paranoico […] “uma
estupidez” […] “rude, intrometido, hesitante” […] “Ah, maravilhoso!”
[…] “um bichinho nervoso, delicado” […] “Bom, já vi o suficiente”
[…] “O personagem faz o que quer” […] Agora Kubrick afogava
Richter com perguntas […] “Não dá” […] Kubrick pediu-lhe que
escrevesse: Richter, entrevistado pelo autor.
“Atravessar aquela posta”: Richter, Moonwatcher’s Memoir, p. 13.
“uma voz bem-educada e bela”: Frewin, entrevistado pelo autor, 21 de
setembro de 2016.
“trabalhar como soldado freelancer na África” […] Kubrick havia
rejeitado a ideia […] diretriz que o dublê logo tratou de burlar […]
Dada a complexidade das tomadas […] Uma das primeiras sequências
[…] Kubrick insistiu que Weston usasse […] ele desceu de cabeça […]
Chicoteando 180 graus para a frente […] caiu, girando […] “Se tivesse
sido” […] “Uma das melhores coisas do Stanley” […] Uma das
tomadas de Weston […] “Aquilo me divertiu” […] “recitava o alfabeto
de trás” […] “porque ainda estava apavorado” […] “Na primeira vez
em que saí” […] “temos que tirá-lo de lá” […] “e eu fui procurar
Stanley” […] “camarim de Elizabeth Taylor” […] “Quando o Stanley
estava envolvido”: Weston, entrevistado por Larson.
A cena mais complexa […] Tanto Weston quanto a câmera se moveriam
[…] No alto de sua plataforma […] Weston usou o anel de alumínio:
Ibid.
“Um dia desses ele vai matar”: Weston para Larson após uma entrevista
formal, em 19 de dezembro de 2002, conforme contado por e-mail de
Larson para o autor, 14 de dezembro de 2016.
“Fui parte de um grupo que fez história” […] “Eu simplesmente me vi
transbordando” […] “É realmente a história da mosca azul”: Weston,
entrevistado por Larson.
“meio que pegando o bonde andando”: Pederson, entrevistado por Debert.
“um garfo em um restaurante”: Birkin, entrevistado pelo autor.
“Esse veio antes ou depois de Nero?”: Birkin, entrevistado por Bozung.
Ele havia recebido as chaves […] “Aqui está, Moonwatcher” […] Os dois
conversaram por uns 45 […] Partiria para o Ceilão no dia seguinte:
Richter, entrevistado pelo autor; Richter, Moonwatcher’s Memoir, pp.
17-21.

Capítulo 8: A Aurora do Homem

Nenhum indivíduo existe: Arthur C. Clarke, “The Obsolescence of Man”,


em Greetings, Carbon-Based Bipeds!, p. 225.
Sendo meio judeu: as informações sobre Freeborn são de Ryan Gilbey,
“Stuart Freeborn Obituary”, The Guardian, 8 de fevereiro de 2013;
Charles Drazin, “Dickens’s Jew—from Evil to Delightful”, Jewish
Chronicle, 3 de maio de 2013; Mark Burman, “Stuart: A Face
Backwards”, BBC Radio 4 on-line, 27 de junho de 2013,
<www.bbc.co.uk/programmes/b01k2df5>.
“O que acha?” […] “Ele se parece com um personagem”: Richter,
Moonwatcher’s Memoir, p. 15.
“É inútil para o que estou” […] “Ela é linda” […] “Para mim não dá”:
Richter, entrevistado pelo autor.
Embora Dan pudesse ver que: Richter, Moonwatcher’s Memoir, p. 43.
“Lá estava aquele moleque americano” […] “Ele é muito polido” […] “O
Dan teve uma boa ideia”: Richter, entrevistado pelo autor.
um leopardo, duas hienas: da lista intitulada “Animais”, datada de
aproximadamente julho de 1966, Kubrick Archive, UAL.
“Agora saia e pesquise o que quiser”: Richter, Moonwatcher’s Memoir, p.
43.
Ele parou na frente de um enorme armário: ibid., p. 47.
“Ele dizia: ‘Ei, Dan’”: Richter, entrevistado pelo autor.
“com um olhar calmo” […] “não consigo deixar de pensar” […] Que
controle fantástico!: Richter, Moonwatcher’s Memoir, pp. 70-1.
Em 1964, Kubrick havia assistido metodicamente: Lovejoy para Padashi
Yonemoto, 23 de junho de 1964; ver também a lembrança de Alexandre
Walker sobre os filmes de ficção científica japoneses, conforme contado
a Kubrick em It’s Only a Movie, Ingrid: Encounters on and off the
Screen (Londres: Headline, 1988), p. 286 — embora Walker claramente
tenha errado a época do incidente em cerca de uma década.
“Como vou saber” […] “Eu não sei, Stanley” […] “Veja o que vamos
fazer” […] “Não dá para fazer uma coisa dessas!”: Shay e Duncan,
“2001: A Time Capsule”.
Kubrick pediu para Birkin reservar uma passagem […] “para uso próprio”
[…] “fui encontrar o avião de”: Birkin, entrevistado pelo autor.
Estamos acampando há uma semana: Andrew Birkin para Comandante D.
L. Birkin, 14 de fevereiro de 1967.
“A dor é tão intensa” […] “Ela me disse que Boulat a levara” […] “Todo
mundo correndo pelado”: Birkin, entrevistado pelo autor.
“Bem, eu gosto muito dessa árvore” […] “E se eu for pego?” […] “E não
mencione a MGM” […] “Tive que subornar muita gente”: a história e as
falas são de Birkin, entrevistado por Richter, 16 de novembro de 1999,
embora a história também apareça em Birkin, em entrevistas para
Bozung e para o autor.
No entanto, ainda intrigado com as kokerbooms: Birkin, entrevistado pelo
autor.
“uma liberdade física incomum”: Richter, Moonwatcher’s Memoir, p. 27.
“Eles têm um torso mais longo” […] “O problema eram as pernas
humanas”: Richter, entrevistado pelo autor.
Sua maneira de andar é interessante […] “É surpreendente”: Richter,
Moonwatcher’s Memoir, p. 64.
“uma senhora aristocrática” […] “Lady Frankau está convencida”: ibid.,
p. 38-9.
calcula que estava se injetando trinta a quarenta […] “Acho que isso faz
parte da minha natureza” […] “ninguém mais poderia fazer”: Richter,
entrevistado pelo autor.
“Vai ser você” […] “foi o modelo do traje que criamos”: ibid.
“Assim que entrei […] tive que me esforçar”: Richter, Moonwatcher’s
Memoir, pp. 90-1.
“Stanley interrompeu o pagamento dele no minuto” […] “Eu acho que
assim é mais interessante” […] “puto com aquele monte de fotos
extras”: Birkin, entrevistado pelo autor.
“Agora temos outro fotógrafo aqui”: Andrew Birkin para Comandante D.
L. Birkin, 27 de abril de 1967.
“com trabalho de maquiagem interessante” […] A armação não envolvia a
cabeça totalmente: Shay e Duncan, “2001: A Time Capsule”.
“Fiz um copinho de acrílico”: Freeborn, entrevistado por Fox.
“Era leve, arejada, confortável” […] “pelos mais compridos e brilhantes”:
ibid.
Para que o ator abrisse a mandíbula: Shay e Duncan, “2001: A Time
Capsule”.
“Eu o via observando tudo” […] “Sem qualquer motivo” […] “Ele estava
me pressionando”: Freeborn, entrevistado por Richter, 9 de novembro
de 1999, e por Fox.
“Ele nunca gritou com Stanley” […] “qualquer outra pessoa teria dito”:
Richter, entrevistado pelo autor.
Kathleen, ia buscá-lo nas primeiras horas: Frewin para o autor, e-mail, 15
de outubro de 2017.
“Então, em um surto de inventividade” […] “Funcionou!”: Richter,
Moonwatcher’s Memoir, 82.
“Acredite, era nojento”: Burman, “Stuart: A Face Backwards”.
“Eu tinha um modelo” […] Eu tinha que pensar em duas coisas: Shay e
Duncan, “2001: A Time Capsule”; Freeborn, entrevistado por Fox.
“Eu e Stuart estamos trabalhando”: Richter, Moonwatcher’s Memoir, p.
78.
“acho que, em uma semana ou duas”: Richter, entrevistado pelo autor.
“brincando de macaco entre as árvores”: Trumbull, entrevistado pelo
autor.
“Você era muito rígido”: David Charkham, entrevistado por Richter, 14 de
novembro de 1999.
“fardo terrível” […] “O único benefício”: Richter, Moonwatcher’s
Memoir, p. 42.
“Era uma panela de pressão” […] “Não dá para se esconder” […] “Eles
também recomendaram”: Richter, entrevistado pelo autor.
“Dan, recebemos uma reclamação muito” […] “Que bobagem, Stanley!”
[…] “Roy está magoado porque foi” […] “Bem, sim, eu sou viciado”
[…] “Você está em situação legal?” […] “Qual é a sensação?” […]
“De repente, passamos a ter uma intimidade”: Richter, Moonwatcher’s
Memoir, p. 102; Richter, entrevistado pelo autor.
Depois de muitas tentativas e erros: as dimensões da tela são de Alcott,
entrevistado por Shay.
“de igual para igual, muito amigáveis” […] “estávamos voando a uma
altitude incrível!”: Richter, entrevistado pelo autor.
“‘bem, como vamos fazer isso?’” […] “Pendurei globos refletores”: Shay e
Duncan, “2001: A Time Capsule”; Alcott, entrevistado por Shay.
Woods calculou que os cenários da […] as temperaturas no Estúdio 4 […]
perdeu três quilos na primeira semana […] “Trouxeram uma enorme
máquina de vento”: Richard Woods, entrevistado por Richter, 10 de
fevereiro de 2001.
“Você começa a morrer” […] “Você realmente só tem alguns segundos”:
Richter, entrevistado pelo autor.
“um aparato de respiração”; Freeborn, entrevistado por Fox.
“Nós tínhamos que acordar, correr e pular”: Charkham, entrevistado por
Richter.
“Eu tinha que ficar de cócoras” […] “Não, não, eu preciso que você toque
nele” […] “eles limpam” […] Mais tarde, ele mostrou a Richter:
Richter, entrevistado pelo autor.
“Ele estava orientando Dan” […] “A intensidade daqui é algo”: Colin
Cantwell, entrevistado por Larson, 16 de janeiro de 2004.
eles foram filmados separadamente: “Notes on Special Effects”, Stanley
Kubrick, 9 de janeiro de 1969.
“Eu me pergunto” […] “Eu me lembro do leopardo no estúdio” […] “Ele
ficou em uma jaula” […] “Era meio arredondada em cima e descia”:
Stuart e Kathleen Freeborn, entrevistados por Richter, 9 de novembro de
1999.
“todos estavam muito nervosos” […] “Eu me lembro de estar muito
nervoso” […] “Eu confiava em Terry” […] “Terry disse: ‘Não se
preocupe’”: Richter, entrevistado pelo autor.
“Corta!” Então, “Ok, é isso” […] “Talvez possamos trabalhar seus
movimentos” […] “Olha, eu já consegui o que”: Richter, entrevistado
pelo autor; Richter, Moonwatcher’s Memoir, p. 126.
“Acho que Stanley estava com medo” […] “O filme já tinha problemas de
sobra”: Richter, entrevistado pelo autor.
“Que droga é essa?” […] “Ele ficou saltitante, deliciado com a sorte”:
Woods, entrevistado por Richter.
“era trapacear — e Stanley não gostava de trapacear” […] “Eu não
queria apresentar essa ideia” […] “espero que você não tenha
esquecido” […] “Eu quero vê-los mamando no peito” […] “Bem, posso
colocar um pouco de mel” […] “E lá estávamos nós, mergulhando”:
Shay e Duncan, “2001: A Time Capsule”.
“Consultei todos os meus livros de referência” […] “O seio tinha que ter a
aparência e a textura certas” […] “E eu precisaria repor o leite”: Shay
e Duncan, “2001: A Time Capsule”; Freeborn entrevistado por Fox.
“eles foram diretamente para a frente um do outro” […] “Palmadas nos
traseiros” […] “uma dessas seringas” […] Em vez de amamentar os
filhotes […] tive que levar as mães de volta para […] No fim das contas,
não havia necessidade nenhuma: ibid.
“um pouco nervoso” […] “Ele não precisa ficar nervoso, o filme” […]
Polanski e Richter começaram a tagarelar […] Polanski perguntou:
Richter, Moonwatcher’s Memoir, pp. 140-1.
encorajou Kubrick a experimentar : Anthony Frewin para o autor, e-mail,
15 de outubro de 2017.
Fico impressionado com a solidão: Richter, Moonwatcher’s Memoir, p.
141.
“O ser humano emergiu do passado antropoide” […] “E por nos faltarem
dentes ou garras”: “Dawn of Man notes”, Stanley Kubrick, 30 de maio
de 1967.
“Bem, vou acrescentar um pouco de vermellho” […] “porque ele
aprenderia, e criaria, e construiria algo”: Richter, entrevistado pelo
autor.
“Tentei fazer o menos possível” […] “Eu não quero simplesmente ir direto
ao ponto”: ibid.
“Aquele momento congelado no começo da história”: Arthur C. Clarke,
prefácio, em Richter, Moonwatcher’s Memoir, p. x.
“Ah, desculpe” […] “Não, não”, disse Kubrick. “Vá em frente, parece
bom”: Richter, entrevistado pelo autor.
os homens-macacos permaneciam nos personagens: Cantwell, entrevistado
por Larson.
“Ah, tudo bem, eu faço uma carne falsa”: Freeborn, entrevistado por Fox.
“Não, eu quero carne de verdade”: Shay e Duncan, “2001: A Time
Capsule”.
“bem fedidas na manhã seguinte” […] “Durante a noite o gás matava os
germes e as limpava tão”: Freeborn, entrevistado por Fox.
sofrendo de “bursite” […] “porque eles acharam que isso não pegaria
muito bem” […] “E pelo que me lembro, foram 32 tomadas”: Woods,
entrevistado por Richter.
Não funcionou: Richter, Moonwatcher’s Memoir, p. 140.
“O ponto-chave nisso tudo” […] “um dos grandes momentos da história
do cinema”: Richter, entrevistado pelo autor.
“Os carpinteiros construíram uma pequena plataforma retangular em um
campo” […] “Joga esses ossos para os lados, Dan!” […] “Filmamos e
filmamos”: as cenas da plataforma são de Richter, Moonwatcher’s
Memoir, p. 133-5; Richter, entrevistado pelo autor; Clarke, Lost Worlds,
p. 51-2.
“por fim, Stanley ficou satisfeito”: Clarke, Lost Worlds, p. 51-2.
Eu estava lá conversando com Arthur C. Clarke: LoBrutto, Stanley
Kubrick, 288-89.
“O que acontecia é que ele estava chegando àquele corte” […] “nos vimos
livres daqueles três milhões de anos”: Richter, entrevistado pelo autor.
“de doze a dezesseis, e às vezes dezoito horas por dia” […] Trabalhávamos
até muito tarde […] uma produção da 20th Century Fox, que havia
conduzido a: Freeborn, entrevistado por Fox.
“Acredito que a frustração mútua”: citado por Stuart e Kathleen Freeborn,
entrevistados por Richter.
“Tudo bem, ninguém vai saber disso mesmo” […] Mas o prêmio chegou
depois de ter feito outro filme: Freeborn, entrevistado por Fox.

Capítulo 9: Fim de jogo

O ser humano, em uma era: Michel Ciment, “A Propos de Orange


Mécanique” (“A respeito de Laranja mecânica”), Positif, junho de 1972,
presente no manuscrito original, Agel (ed.), Making of Kubrick’s 2001.
O total verdadeiro, então, chegou perto de 16 mil etapas: Herb Lightman,
“Filming 2001: A Space Odyssey”, American Cinematographer, junho
de 1968.
“Era tão audacioso” […] “A quantidade de informações que continuavam
entrando”: Cantwell, entrevistado por Larson.
“trilho de 122 metros que atravessava o estúdio”: Clarke para Caras, 12 de
setembro de 1966.
Tinha uma [tomada] na qual a espaçonave: Caras, entrevistado por Richter.
“atravessar o Universo a peidos”: Shay e Duncan, “2001: A Time
Capsule”.
“era uma bosta”: Pederson, entrevistado por Larson, 4 de abril de 2003.
Por fim, uma espécie de improvisação coletiva: ibid.; Shay e Duncan,
“2001: A Time Capsule”; Masters, entrevistado por Shay.
“Nós todos a projetamos”: Masters, entrevistado por Shay.
“Harry, não gostei” […] “O que há de errado com ela, droga?” […]
“Quero ver a Discovery”: Lange, entrevistado por Larson.
O modelo de quase três metros de largura: a dimensão é de Cantwell,
entrevistado por Larson.
“A felicidade da equipe era tamanha”: Birkin, entrevistado pelo autor.
“Bryan, quero que você produza coisas” […] “Eliminamos o elemento
humano do processo”: Bryan Loftus, entrevistado pelo autor, 22 de
setembro de 2016.
“Eu não consigo” […] “Escuta aqui, você sabe ler, não sabe?” […] “Acho
que, naquela época, ele tinha muito mais”: Frewin, entrevistado pelo
autor.
“Ele tinha uma lista de dez”: Birkin, entrevistado pelo autor.
“relações sólidas e de interesse mútuo”: Kubrick para Caras, 15 de agosto
de 1966.
“Você precisa aprender a ficar sempre chocado” […] Você tem que
aprender a barganhar: Kubrick para Caras, 26 de dezembro de 1966.
“uma gripe elevada à décima potência”: Clarke para Kubrick, 18 de
janeiro de 1967.
“Estamos conseguindo tomadas magníficas” […] Sei que você está muito
preocupado […] Como ponto-final: Kubrick para Clarke, 7 de janeiro de
1967.
“Estou muito chateado por saber”: Tom Craven para Clarke, 22 de janeiro
de 1967.
Na verdade, não concordo com você: Clarke para Craven, 29 de janeiro de
1967.
“Pensei que você iria gostar”: Clarke para Kubrick, 3 de fevereiro de 1967.
“muito desgostoso” com a “relutância de Stanley”: Dan Terrell para Caras,
8 de fevereiro de 1966.
“Confidencial algumas pessoas muito”: Caras para Kubrick, 10 de outubro
de 1966.
Por favor, não me mande textos de Mike Connolly: Kubrick para Caras, 10
de outubro de 1966.
“Eu disse a ele que não sabia de nada”: Caras para Kubrick, 10 de outubro
de 1966.
“Por favor, me mande por escrito hoje” […] Escolha seus adjetivos com
cuidado: Kubrick para Caras, 10 de outubro de 1966.
que ele sempre chamava de “Bob, o garotão”: Frewin para o autor, e-mail,
15 de outubro de 2017.
“bastante crítico em relação à MGM” […] “era obviamente uma sessão
para” […] “Durante toda a conversa, o clima estava” […] “Eu e os
demais envolvidos somos profissionais” […] Entendo que ele queira ser
o gerente de divulgação […] “A coisa toda está sendo tratada como”
[…] “Não acho que ele seja sempre” […] “Sem dúvida, foi O’Brien”
[…] Uma última coisa: Caras para Kubrick, 3 de novembro de 1966.
“Suas observações são tão imprecisas e hostis”: Kubrick para Terrell, 17
de novembro de 1966.
“rumores amplamente divulgados, mas negados pela Metro”: Variety, 28
de fevereiro de 1968.
“faça certo, depois faça melhor”: Doug Trumbull, “Creating Special
Effects for 2001”, American Cinematographer, junho de 1968.
“era tudo horrível”: Trumbull, entrevistado pelo autor.
O diretor também ressuscitou em Borehamwood: Pederson, entrevistado por
Moritz.
“espécie de epifania” […] “E era um corredor de luz” […] “Acho que
podemos fazer o Portal Estelar desse jeito” […] “Ok, entendi” […]
“Tudo que você precisar”: Trumbull, entrevistado pelo autor.
Para dar uma explicação simples de como: Shay e Duncan, “2001: A Time
Capsule”.
“Doug — use também Op-Art e arte eletrônica”: cartões com anotações,
Stanley Kubrick, abril de 1967.
“elevou o efeito a uma novidade bidimensional”: Shay e Duncan, “2001: A
Time Capsule”.
“Todo dia de trabalho no filme” […] “E isso fazia parte da transformação
evolutiva” […] “dezessete minutos ininterruptos”: Trumbull,
entrevistado pelo autor.
desconfiava que alguns de seus criadores poderiam ter: Clarke,
entrevistado pelo autor, 19 de dezembro de 2001.
“Vocês não fumaram uns baseados, não?” […] “Nunca, não, não,
ocupados demais” […] “Stanley, eu vi amigos meus perderem a
perspectiva” […] “Concordo plenamente”: Trumbull, entrevistado pelo
autor.
“Stanley era, eu acho, um gênio” […] “Stanley, você recorda quando
estávamos no cenário” […] “Quer tinta azul? […] “Muito bem, eu não
quero ouvir” […] “Sim, a sério. Absolutamente” […] “Ele ficava
murmurando ordens”: ibid.
“Um dia, na hora dos copiões” […] “Sabíamos que ele não levaria” […]
“Por um lado, tínhamos orgulho” […] “Quem foi que fodeu a tomada
dessa vez?” […] “Você está me prejudicando”: ibid.
que foram então iluminados por cima: os métodos de filmagem da estrela
são de Shay e Duncan, “2001: A Time Capsule”.
por oito combinações adequadas de direções e velocidades: Pederson,
entrevistado por Larson.
“E assim, nos primeiros estágios da produção” […] “O ritmo da valsa
seguiu a velocidade das estrelas”: Trumbull, entrevistado pelo autor.
Os desenhistas ficavam no escuro o tempo todo: Shay e Duncan, “2001: A
Time Capsule”.
Embora ele só falasse disso com seus amigos íntimos: Bernstein,
entrevistado pelo autor, 17 de setembro de 2016. Clarke disse a
Bernstein que Turing deveria ter se mudado para o Ceilão, como ele fez,
para viver com mais liberdade.
“Decidi então sugerir que eu era extremamente” […] “Você é gay?” […]
“E como é a sua vida?”: Trumbull, entrevistado pelo autor.
grande interesse pela Terceira Sinfonia de Gustav Mahler: David de Wilde,
entrevistado pelo autor, 29 de novembro de 2016.
Cordell passou um ano escrevendo variações sobre a Terceira de Mahler:
Quincy Jones, citado em Burlingame, “A Lost Masterpiece Discovered:
Alex North’s Score for 2001: A Space Odyssey”, Dylanna Music, 2012,
<www.alexnorth2001.com/ABOUT THE_SCORE.html>.
“Sei que o pobre Frank teve um esgotamento” […] “Então ele fez uma
sessão [de gravação]”: De Wilde, entrevistado pelo autor.
“um modelo do que estava procurando”: Bernstein, “How About a Little
Game”.
Clarke também citou Orff, Mahler e Vaughan Williams: Clarke para Purdy,
9 de setembro de 1968.
a sétima sinfonia de Williams, a Sinfonia antártica: Dullea, entrevistado
pelo autor.
“havia descartado a maioria dos compositores” […] “em geral […] as
composições para cinema tendem”: Bernstein, “How About a Little
Game”.
A provocação era provavelmente uma resposta […] O diretor teria
supostamente consultado: Paul A. Merkley, “‘Stanley Hates This but I
Like It’: North Vs. Kubrick on the Music for 2001: A Space Odyssey”,
Journal of Film Music 2, n. 1, outono de 2007; Royal S. Brown, “An
Interview with Bernard Herrmann”, Overtones and Undertones:
Reading Film Music, Oakland: University of California Press, 1994,
acessado em Sociedade dos Apreciadores da Música de Bernard
Herrmann, <www.bernardherrmann.org/articles/an-interview-with-
bernard-herrmann>.
“Escuta, pega umas duzentas libras com o departamento” […] “não quero
desperdiçar tempo fazendo isso”: Frewin, entrevistado pelo autor.
“Ele usou Sonho de uma noite de verão, de Mendelssohn”: Clarke, Lost
Worlds, p. 45.
“A música de Mahler com aquelas imagens”: De Wilde, entrevistado pelo
autor.
“Estávamos ali olhando para a roda”: Birkin, entrevistado pelo autor.
“Indeferido”: De Wilde, entrevistado pelo autor.
O montador Ray Lovejoy: Jan Harlan para o autor, e-mail, 24 de junho de
2016.
“Em toda parte, sentia-se uma”: Cantwell, entrevistado por Larson.
“Também queria algo que não soasse ‘espacial’”: Clyde Gilmour,
“Exclusive: For the First Time, Kubrick Explains His Space Odyssey”,
The Toronto Telegram, 15 de maio de 1968.
“Elas ficavam rascunhando umas criaturas”: Pederson, entrevistado por
Larson.
Era uma transmissão do Requiem: de acordo com uma carta enviada pela
secretária de Kubrick, Christine Mitchell, para Melvyn Bragg, da BBC,
em 21 de agosto de 1967. A transmissão ocorreu no Third Program, da
BBC, em 18 de agosto de 1967, às 15h.
mas a BBC disse que eles não tinham os direitos: Kubrick para Eric
Roseberry, 30 de agosto de 1967.
o escritório de produção da MGM fez um acordo […] “um grande erro”:
Harlan para o autor, e-mail, 24 de junho de 2017.
“Em uma carta descoberta recentemente”: Alex Ross, “Space Is the Place”,
New Yorker, 23 de setembro de 2013.
“O editor das composições percebeu”: Harlan para o autor, por e-mail.
o compositor processou Kubrick: Agel (ed.), Making of Kubrick’s 2001, p.
12.
negada pelo compositor […] “A MGM me mandou”: Michael John White,
“Fears of a Clown” (entrevista com György Ligeti) para The
Independent (Reino Unido), 18 de outubro de 1989.
“Minha música, na seleção de Kubrick” […] “Nada maravilhoso foi eles
não me pedirem e nem me pagarem”: citado em Merkley, “‘Stanley
Hates This but I Like It’”.
Entre as primeiras composições musicais que David De Wilde transferiu:
de Wilde, entrevistado pelo autor.
“música majestosa, grandiosa, que chegue” […] “Ele adorou o título”:
Harlan para o autor, e-mail, 24 de junho de 2017. Observe que nesse e-
mail a lembrança de Harlan sobre o momento do pedido de Kubrick foi
revisada de acordo com a memória de De Wilde, esclarecendo certa
confusão da parte dos pesquisadores a respeito do momento em que
Kubrick teve consciência de uma composição definitiva para o impacto
de 2001, e tão de acordo com seu conceito.
Eu vos ensino o super-homem: Friedrich Nietzsche, Thus Spoke
Zarathustra: A Book for Everyone and No One, trad. R. J. Hollingdale,
Baltimore: Penguin, 1961, p. 41-2.
Há evidências de que a espetacular tomada de abertura: Bruce Logan
fundamenta essa suposição em Shay e Duncan, “2001: A Time
Capsule”.
A nova orientação ficou muito boa […] “Será que isso vai funcionar, ou
não tem absolutamente nada a ver?” […] “Eu achei ótimo” […]
“Fiquei realmente honrado quando”: Trumbull, entrevistado pelo autor.

Capítulo 10: Simetria e abstração

Certas ideias temáticas: Gilmour, “For the First Time, Kubrick Explains
His Space Odyssey”.
“estágios finais e tentando juntar forças” […] “Ele não estava
desperdiçando tempo, estava focado” […] “Tudo tinha que ter essa
excelência”: Cantwell, entrevistado por Larson.
“fundamentalmente em ângulos retos” […] “maravilhosamente
utilizáveis”: ibid.
“um pequeno kit […] Exatamente como uma peça de arte bruta”: Cantwell,
transcrição da entrevista a Shay.
“Há o tempo todo um nível de abstração” […] Não daria a sensação de
efeitos especiais: Cantwell, entrevistado por Larson.
“Tudo o que você puder descrever, eu consigo filmar”: Clarke, “Son of Dr.
Strangelove”.
“Este é, realmente, um filme de Stanley Kubrick”: Fala de Arthur C. Clarke
em evento promocional na MGM, 4 de abril de 1968,
<www.youtube.com/watch ?v =HEEtfhxLQbw>.
“Nós conversamos, e sugeri”: Cantwell, entrevistado por Larson.
Em ambas, o monólito era: descrições dos recortes dos monólitos de
Cantwell, transcrição da entrevista a Shay, 17 de agosto de 1979.
“um fantoche controlado por cordas”: Clarke, 2001: A Space Odyssey, p.
12.
“A descrição literal presente nessas”: Clarke, Lost Worlds, p. 47-8.
“Qualquer tecnologia suficientemente avançada”: As Leis de Clarke foram
amplamente promulgadas. Ver “Clark’s Three Laws”, Wikipedia,
<https://en.wikipedia.org/wiki/Clarke %27s_three_laws>.
“aludir à mágica”: Clarke, entrevistado por Gelmis, Camera Three.
e no final de outubro, Cantwell concebeu: cronograma determinado pelo
resumo de Stanley Kubrick da discussão com o Departamento de Efeitos
Especiais, 20 de outubro de 1967.
“Mais uma vez, buscamos a simetria” […] “Apenas iluminamos o objeto
e”: Cantwell, entrevistado por Larson.
“um pequeno motor de aceleração”: Shay e Duncan, “2001: A Time
Capsule”.
que considerou “Brilhante!”: Trumbull para o autor, e-mail, 26 de junho de
2017.
“provavelmente trabalhou cerca de cem horas” […] “pirataria da visão”:
Cantwell, entrevistado por Larson.
“Os créditos iniciais estariam” […] “os sóis de Frasconi não deveriam
aparecer” […] “Ele apareceria com uma nova narração” […] “Arthur
se expressava com muita sutileza”: ibid.
Em fevereiro, pedira a Caras: Stanley Kubrick para Caras, 12 de fevereiro
de 1967.
“Eu descreveria sua qualidade”: Stanley Kubrick para Benn Reyes, 17 de
julho de 1967.
“perfeita, pois ele tem a exata medida”: Stanley Kubrick para o produtor
musical Floyd Peterson, 21 de agosto de 1967.
Embora inicialmente achasse a interpretação de Balsam: Stanley Kubrick
para Caras, 18 de agosto de 1966.
“uma expressão aduladora, condescendente, neutra”: Agel (ed.), Making
of Kubrick’s 2001, p. 119.
“um homem encantador”: “Who’s Behind Hal?”, Toronto Telegram, 15 de
maio de 1968.
“Estou constantemente ocupado” […] “Bem, acho que não resta dúvida”:
2001: A Space Odyssey, Kubrick, dir.
“Kubrick sentou-se a um metro de distância do ator”: em Terry O’Reilly,
Voices of Influence, CBC Radio, 21 de janeiro de 2012,
<www.cbc.ca/radio/undertheinfluence/voices-of-influence-1.2801871>.
fazendo pequenas revisões ao longo: folheto de narração de Doug Rain, 27
de novembro de 1967, Kubrick Archive, UAL.
para manter o tom calmo que era necessário: 2010 Odyssey Archive
(MMXOA) (blog),
<http://2010odysseyarchive.blogspot.si/2015/01/douglas-rain-immortal-
voice.html>.
“um pouco mais preocupado” […] “mais categórico”: Gerry Flahive para
o autor, e-mail, 9 de setembro de 2017; as citações são de sua pesquisa
no Kubrick Archive, UAL.
“Lamento muito por tudo”: Kubrick Archive, UAL.
“difíceis de definir” […] “se livrado completamente da suspeita” […]
“Você está trabalhando no relatório psicológico”: Stanley Kubrick
(dir.), 2001: A Space Odyssey.
Kubrick fez Rain cantar, murmurar e recitar: transcrição da cena “Kill
HAL?”, claquete 734-1, Kubrick Archive, UAL, gentilmente enviada por
e-mail por Flahive para o autor, 15 de setembro de 2017.
Usando um novo dispositivo analógico: Wendy Carlos, “The Eltro Mark II
‘Information Rate Changer’”, última atualização em julho de 2008,
<www.wendycarlos.com /other/Eltro-1967>.
a força acumulativa da cena atingiu Cantwell: Cantwell, entrevistado por
Larson.
“A morte é infligida como uma ação fora do tempo”: Michel Chion,
Kubrick’s Cinematic Odyssey, trad. de Claudia Gorbman, Londres: BFI,
2001, p. 115.
“Eu estava acostumado com Stanley” […] “Stanley tirou o capacete”: De
Wilde, entrevistado pelo autor.
“O artista, como o Deus da criação”: James Joyce, A Portrait of the Artist
as a Young Man, Nova York: B. W. Heubsch, 1916, p. 252.
“Favor informar disponibilidade”: Caras para General Biological Supply
House, 31 de maio de 1966.
fora precedido por um telegrama de Ivor Powell: Powell para Caras, 26 de
maio de 1966.
“Não podemos oferecer cotações”: General Biological Supply House para
Caras, 2 de junho de 1966.
Moore, que ajudara Stuart Freeborn […] tinha feito certo nome ainda
como: Pam Warner, “Variety Is the Spice of Life to Liz Moore”,
Advertiser and Reporter, 29 de junho de 1967.
“Originalmente, seria muito mais complexo”: Shay e Duncan, “2001: A
Time Capsule”.
“Se você observar os autômatos”: Johnson, transcrição da entrevista a
Shay, 3 de agosto de 1979.
“fornecida por Geoff Unsworth”: Trumbull, entrevistado pelo autor.
com cerca de 40 mil watts de luz de fundo: Shay e Duncan, “2001: A Time
Capsule”.
Stanley filmou vários movimentos: Trumbull, entrevistado por Shay.
“o operador saiu correndo e berrando”: o incidente foi descrito em Piers
Bizony, 2001: Filming the Future (Londres: Aurum, 1994) conforme
citado em “Making the Starchild in 2001: A Tribute to Liz Moore”,
2001Italia.It (blog), <www.2001italia.it/2013/05/making-starchild-in-
2001-tribute-to-liz.html>.
“Eu disse: ‘Você já viu um alienígena’” […] “Ele dizia: ‘Não consigo criar
nada’” […] “No instante em que conseguimos imaginar”: Christiane
Kubrick, entrevistada pelo autor, 5 de junho de 2016.
“Tive uma ideia” […] “Havia visto um padrão pontilhado”: Shay e
Duncan, “2001: A Time Capsule”.
“Quero fazer algumas imagens de alienígenas” […] “Percebi que não
poderia”: Richter, Moonwatcher’s Memoir, pp. 136-7.
“um rabino ligeiramente cínico”: Clarke, “Son of Dr. Strangelove”.
“perfeitamente” […] “produzir circunferências perfeitas” […] Colamos as
bolinhas pelo corpo: Shay e Duncan, “2001: A Time Capsule”.
“acho que, de certa forma, era muito bom”: Freeborn, entrevistado por
Fox.
“E assim um conjunto de lâmpadas” […] “Montei uma maquininha de Slit
Scan bem interessante” […] “Vamos ter que parar”: Trumbull,
entrevistado pelo autor.
“Se é tão surreal e louco” […] “Seria ótimo se eu conseguisse pensar em
alguma” […] “Eu queria ter talento”: Christiane Kubrick, entrevistada
pelo autor, 5 de junho de 2016.
Nascido em 1904, ele saiu da pobreza rural de Montana: a história de
Robert O’ Brien é de Anne McGonigle, entrevistada pelo autor, 30 de
agosto de 2017; Carole Beers: “Robert H. O’Brien; Former Head of
MGM Made His Home Here”, Seattle Times, 10 de outubro de 1997;
Leslie Eaton, “Robert H. O’Brien, 93, MGM President in ’60s”, New York
Times, 11 de outubro de 1997.
O épico de três hora Doutor Jivago, de David Lean […] Nenhuma despesa
foi poupada […] Com uma invernal Moscou erguida: Melanie Williams,
David Lean, Oxford: Oxford University Press, 2016), p. 184-5.
tinha cerca de 500 mil ações […] duas batalhas caras: “Investment:
Newest Life of Leo the Lion”, Time, 1º de setembro de 1967; Eaton,
“Robert H. O’Brien”.
“Eles estavam muito nervosos — e estavam corretos”: Christiane Kubrick,
entrevistada pelo autor, 22 de setembro de 2016.
ocorreu por sugestão da MGM: Chion, Kubrick’s Cinematic Odyssey, 24;
“The Odyssey of Alex North”, Robert Townson, encarte do CD Ales
North’s 2001: Unused Soundtrack Score (Varese Sarabande VSD 5400),
2003.
“extático diante da possibilidade de”: Merkley, “‘Stanley Hates This But I
Like It’”.
“não poderia aceitar a ideia de compor parte”: Burlingame, “A Lost
Masterpiece Rediscovered”, <www.alexnorth2001.com/ABOUT_THE
SCORE.html>.
A MGM lhe pagaria 25 mil dólares, mais despesas: Benjamin Melniker para
Stanley Kubrick, 12 de dezembro de 1967.
Uma orquestra de noventa músicos […] Foram programadas sessões de
gravação: Philip G. Jones para Stanley Kubrick, 11 de dezembro de
1967.
orquestrado “Bach Goes to Town”: Frewin para o autor, e-mail, 15 de
outubro de 2017.
“Tínhamos um apartamento, uma cozinheira e um carro”: Merkley,
“‘Stanley Hates This But I Like It’”.
“Trabalhei dia e noite”: Burlingame, “A Lost Masterpiece”.
“Ele chegou em uma ambulância”: De Wilde, entrevistado pelo autor.
“Estive presente em todas as sessões”: Merkley, “Stanley Hates This But I
Like It”.
“Ele fez algumas sugestões muito boas”: Schwam e Scorsese, The Making
of 2001, p. 130.
“Ele olhou para mim, eu olhei para ele”: De Wilde, entrevistado pelo
autor.
“é uma música maravilhosa” […] “Stanley odiou esta parte, mas eu
gosto!”: Merkley, “‘Stanley Hates This But I Like It’”. Questiono a
afirmação de Merkley de que a intenção da peça em questão não era
substituir Assim falou Zaratustra. Na frase anterior, Brant identifica
especificamente como a peça de abertura, citando os tímbalos.
“É uma merda”: comentário de Con Pederson a Dave Larson depois de
uma entrevista formal de Pederson, 4 de abril de 2003; confirmada em e-
mail de Pederson para o autor, 9 de novembro de 2017.
O resto do filme iria “utilizar efeitos de respiração”: Kate McQuiston,
We’ll Meet Again: Musical Design in the Films of Stanley Kubrick, Nova
York: Oxford University Press, 2013, p. 132.
“Cumpri minha obrigação” […] “os direitos de uso para as trilhas
provisórias”: as observações de North estão na biblioteca Margaret
Herrick na Academy of Motion Picture Arts and Sciences, Los Angeles.
Mas nesse caso, como em todos os outros, O’Brien confiou em seu
julgamento […] Embora eu e ele víssemos o filme com muita atenção:
Michel Ciment, Kubrick, Nova York: Holt, Rinehart, and Winston, 1983,
p. 177.
“Durante todo o tempo, ele estava”: Merkley, “‘Stanley Hates This But I
Like It’”.
“havia alguma coisa na cabeça dele” […] “‘O que fazer, e em quem
pensar’” […] “Para Stanley, isso não seria motivo para ficar”:
Cantwell, entrevistado por Larson.
Até ali, a contribuição de Gaffney para 2001 […] Quero imagens em
Monument Valley: LoBrutto, Stanley Kubrick, pp. 288-9.
“mais imóvel que uma pedra” […] “Eu sabia que você ainda ia me matar”
[…] “Você pilota e eu fico de radar” […] “Ele quase me matou”: ibid.,
p. 290-1.
O diretor respondeu que, olhando em retrospectiva : Birkin, entrevistado
pelo autor.
“Isso era muito ousado, assim como tudo”: Cantwell, entrevistado por
Parson.
“a gente se divertiu” […] o prólogo documental: De Wilde, entrevistado
pelo autor.
“Eles eram filhos da floresta” […] “Você passa a maior parte do tempo”:
Clarke para Kubrick via Reyes, 31 de outubro de 1967.
“Desde que a consciência surgira”: em folheto de “Narration”, Kubrick
Archive, UAL, 22 de janeiro de 1968.
“Narração precisa redução drástica”: Kubrick para Clarke via Reyes, 22
de novembro de 1967.
“Acabei de retornar turnê de palestras”: Clarke para Kubrick, 23 de
novembro de 1967.
“Lamento pela narração”: Kubrick para Clarke via Reyes, 23 de novembro
de 1967.
“uma prosa nova e extravagante”: Clarke para Kubrick, 25 de novembro
de 1967.
“Devo confessar que tenho a impressão”: Kubrick para Clarke, 27 de
dezembro de 1967.
“não quero dissabores nem atrasos”: Clarke para Meredith, 31 de
dezembro de 1967.
“Parece que não vamos conseguir chegar”: Kubrick para Clarke, 23 de
janeiro de 1968.
“É impossível apressar”: Clarke para Kubrick, 29 de Janeiro de 1968.
“fingindo parecer ocupado” […] “obviamente nervoso” […] “Bem, Dan,
tenho que acertar seu crédito” […] “Bom, fico com o crédito no
elenco” […] “Fica realmente bom para você assim?” […] “Pode
acreditar, Stanley”: Richter, Moonwatcher’s Memoir, p. 142.
“Ele não teria me ouvido”: Richter, entrevistado pelo autor.
“Todos estavam largando o filme” […] “Não, não estou preocupado
porque tenho Doug” […] “Esse foi um dos maiores desafios” […] “Eu
era extremamente contrário” […] “Olha, Stanley, faz o que você
quiser” […] “Bom, vou fazer assim mesmo” […] “Foi um momento
difícil” […] “de uma complexidade épica” […] “Eu me lembro
vagamente de uma discussão”: Trumbull, entrevistado pelo autor.
“Muitos anos se passaram”: Con Pederson para o autor, e-mail, 7 de
setembro de 2017.
“uma outra sacanagem” […] “Nos meus últimos dias” […] “E sempre
faltava um cartão”: Trumbull, entrevistado pelo autor.
Em vez disso, ele mandou Louis Blau: Blau para Joseph Youngerman, 27 de
fevereiro de 1968.
“membros de sua equipe marcando sua participação na produção de 2001:
Uma odisseia no espaço”, fevereiro de 1968.
“Como você sabe, tudo terminou”: Kubrick para “Jimmy”, 7 de março de
1968.

Capítulo 11: Lançamento


Não posso fazer nada pelas coisas quando elas: Frewin, “Chairman
Stanley”.
“trabalhei para Stanley durante três anos” […] “Lamento, não podem
entrar” […] “Ele não estava nem aí”: De Wilde, entrevistado pelo
autor.
Quando ele finalmente saiu da área de Alfândega e Imigração: Bernstein,
entrevistado pelo autor.
Na sequência, ele interrogou Lange para descobrir: “Memorandum for
Fred Ordway File”, Stanley Kubrick, 29 de setembro de 1967.
reembolso de um milhão de dólares: “Launch $1-Mil Suit Against
Kubrick’s 2001”, Film and Television Daily, 27 de março de 1968.
em um “vagão com cúpula”: Caras para Stanley Kubrick, 5 de abril de
1967.
que incluía converter a mixagem feita em mono: De Wilde para o autor, e-
mail, 5 de outubro de 2017.
A primeira vez que 2001: Uma odisseia no espaço foi projetado
integralmente: a data está baseada em uma declaração na edição de 17
de abril de 1968 da Variety, sobre o efeito de que Kubrick vira o filme
pela primeira vez somente oito dias antes da “coletiva de imprensa”, que
ocorreu no Uptown Theater em 31 de março.
somente os chefões do estúdio […] “Por três anos eles apareciam e a gente
apresentava uma amostra” […] “todos se levantaram” […] “Você
trabalhou nesse filme?”: De Wilde, entrevistado pelo autor.
no dia 20 de março Scott Meredith conseguiu arrancar: Meredith para
Blau, 20 de março de 1968.
“Quando Stanley aprovou o livro”: Agel, Making of Kubrick’s 2001, p.
256.
“Fora isso, sra. Lincoln”: Clarke para Youd, 14 de junho de 1967.
“Tenho certeza de que ressurgirá um contrato”: Youd para Clarke, 31 de
julho de 1967.
“Não, eu não tenho nenhuma participação”: Clarke para Youd, 28 de
agosto de 1967.
Se entendi bem: Youd para Clarke, 2 de outubro de 1967.
“A situação livro-filme”: Clarke para Youd, 21 de outubro de 1967.
se envolveu em um duelo verbal: C. S. Lewis, 18 de fevereiro de 1954.
Desejo-lhe todo o sucesso possível: Val Cleaver para Arthur C. Clarke, 24
de março de 1968.
“Bom, hoje nós perdemos dois presidentes”: Ken Kelley, “Playboy
Entrevista: Arthur C. Clarke”, Playboy, julho de 1986.
“saindo aos montes.”: Lockwood, entrevistado pelo autor.
“Eu nunca vi uma estreia de filme famoso como essa”: Victor Davis, “It’s a
Fantastic World—Wrapped in Reality”, 3 de abril de 1968.
“Vocês vão precisar assistir seis vezes”: David Lewin, “Exit Hal, the
Strangest Star of Them All,” Daily Mail (Reino Unido), 3 de abril de
1968.
“Foram quatro anos para ficar pronto”: Donald Zec, “At an Interplanetary
First Night in America,” Daily Mirror (Reino Unido), 3 de abril de
1968.
“Apesar dos cenários magníficos e elaborados”: “Space Film Draws VIPs,
Criticism”, Evening Star (Washington, DC), 3 de abril de 1968.
“um de seus bajuladores” […] “muito educado a respeito da coisa toda”:
Lockwood, entrevistado pelo autor.
evidentemente com a ajuda de Louis Blau […] “George Pal me ligou”:
Koch para Clarke, 24 de abril de 1968.
Décadas mais tarde, porém, Clarke confirmou discretamente: Arthur C.
Clarke, entrevistado por McAleer em 25 de novembro de 1989,
declarou: “Fiquei perplexo com o final” e, quando perguntado por
McAleer se era uma declaração oficial, respondeu: “Pode me citar”;
James Randi, entrevistado pelo autor, 25 de março de 2016; Michael
Moorcock, “Close to Tears, He Left at the Intermission,” New
Statesman, 8 de janeiro de 2017.
Paul Newman e Joanne Woodward: Getty Images e New York Post, 4 de
abril de 1968.
“Vários alte kackers presentes”: Christiane Kubrick, entrevistada pelo autor,
5 de junho de 2016.
“Kubrick tentando comprovar o quanto era tedioso” […] “diziam coisas
como” […] “Ele estava muito chateado”: Randi, entrevistado pelo autor.
um Kubrick inquieto perambulava: Christiane Kubrick, entrevistada pelo
autor, 5 de junho de 2016.
“para cima e para baixo”: Caras, entrevistado por McAleer.
“Eu nunca tinha visto uma plateia tão inquieta”: Thomas E. Brown,
“2001’s Pre-and Post-Premiere Edits,” The Kubrick Site, <www.visual-
memory.co.uk/amk/doc /brown3.html>.
“De repente, estava achando” […] “Eu não sabia que não tinha ar na Lua”
[…] “Não são eles que vão gostar desse filme”: Christiane Kubrick,
entrevistada pelo autor, 5 de junho de 2016.
parece ter ido embora no intervalo: Moorcock, “Close to Tears”.
“Bem, esse é o fim de Stanley Kubrick”: Tom Mesirow, “Science Fiction
and Prophecy: Talking to Arthur C. Clarke,” Los Angeles Review of
Books, 24 de julho de 2013.
Ao final, registrou-se que 241 pessoas haviam ido embora: o número é de
Jack Nicholson em Harlan (dir.), Stanley Kubrick: a Life in Pictures.
“O que quer que tenha acontecido” […] “Tirando Louie Blau” […] “Ele
parecia meio desorientado”: Bernstein, entrevistado pelo autor.
“Era só um salão cheio de bebidas” […] “Eu nunca havia visto um salão
tão cheio” […] “schadenfreude e um sorriso maldoso” […] “Terry
estava mal por Stanley” […] “Eu sempre o amei por isso” […] “O
Stanley estava se torturando” […] “‘Meu Deus, eles realmente
odiaram’” […] “O que vou fazer?” […] “Isso é muito idiota” […]
“Stanley não conseguia dormir” […] “‘Escuta, vamos para lá’” […]
“Então fomos para a casa”: Christiane Kubrick, entrevistada pelo autor,
5 de junho e 22 de setembro de 2016.
“um tipo de grande filme”: Penelope Gilliatt, “After Man”, New Yorker, 13
de abril de 1968.
“algo entre hipnótico e incrivelmente tedioso”: Renata Adler, “2001 Is
Up”, New York Times, 4 de abril de 1968.
“uma grande decepção”: Stanley Kauffmann, “Lost in the Stars”, New
Republic, 4 de maio de 1968.
“um fracasso completamente desinteressante”: “Review of 2001: A Space
Odyssey”, Village Voice, 11 de abril de 1968.
de o cineasta ter sentido seu desdém: Kubrick soube disso pouco antes da
noite de lançamento em Nova York, em 3 de abril, conforme atestado em
Mike Kaplan, “Kubrick: A Marketing Odyssey”, The Guardian (US), 2
de novembro de 2007.
“monumentalmente prosaico”: Pauline Kael, “Trash, Art, and the Movies”,
Harper’s, fevereiro de 1969.
ela deixou sua impressão: Claudia Luther, “Margaret Booth, 104, Film
Editor Had 70-Year Career”, Los Angeles Times, 31 de outubro de 2002.
podemos ter certeza de que seu ponto: De Wilde, entrevistado pelo autor.
e algumas pessoas chegaram a dizer: Neil McAleer, Arthur C. Clarke: The
Autorized Biography, Chicago: Contemporary Books, 1992, p. 211.
“chegavam aos montes”: Agel, Making of Kubrick’s 2001, p. 170.
Os participantes da reunião de corte na sede da MGM: manuscrito original
de Agel, Making of Kubrick’s 2001.
passaram a noite trabalhando: Caras, entrevistado por McAleer.
A edição continuou por todo o fim de semana: Agel (ed.), Making of
Kubrick’s 2001, p. 170; Brown, “2001’s Pre-and Post-Premiere Edits”.
as edições de Kubrick tinham de se limitar: a ideia surgiu de Jon Davison
para o autor, e-mail, 28 de julho de 2017.
“estavam todos presentes até o final da decisão” […] O porão do prédio da
MGM […] “Ele não parecia feliz” […] “Não é verdade. Nenhum
executivo da MGM sugeriu” […] “É mentira”: manuscrito original de
Agel, Making of Kubrick’s 2001.
“Kubrick negaria qualquer coisa”: Caras, entrevistado por McAleer.
feitos na Moviola do relações-públicas Michael Shapiro: David Larson para
o autor, e-mail, 8 de julho de 2017.
“o trabalho magnífico de Stanley Kubrick”: “2001: Why Was it Cut?”,
carta de Jon F. Davison, New York Times, 28 de abril de 1968.
“algumas decisões de montagem baratas”: “2001: A Space Odyssey”,
Variety, 3 de abril de 1968.
“Kubrick não viu a edição final” […] “o filme mais extraordinário do
mundo”: “Kubrick Trims 2001 by 19 Mins., Adds Titles to Frame
Sequences”, Variety, 17 de abril de 1968.
Variety já registrava venda de ingressos antecipados […] “Como a maior
parte dos espectadores de hoje”: “‘Visual’ Mod & ‘Verbal’ Crix:
Kubrick’s Sure 2001 to Click”, Variety, 10 de abril de 1968, p. 5.
Em meados de maio, a Variety divulgava que: “2001 Draws Repeat and
Recant Notices, Also a Quasi-Hippie Public”, Variety, 15 de maio de
1968, p. 20.
“O filme tem saltos erráticos”: “2001 Fails Most Gloriously”, Joseph
Gelmis, Newsday, 4 de abril de 1968.
Cerca de cem anos atrás, Moby Dick: Joseph Gelmis, “Another Look at
Space Odyssey”, Newsday, 20 de abril de 1968.
Fiquei fascinado e muito impressionado: Clarke para Gelmis, 6 de maio de
1968.
“A casa tinha uma plataforma iluminada”: Kaplan, “How Stanley Kubrick
Kept His Eye on the Budget, Down to the Orange Juice”, Huffington
Post, 20 de fevereiro de 2012.
“Foi o único período da minha vida” […] “Houve comentários perversos”
[…] “‘Que tipo de pele é essa’” […] “Tenho orgulho de uma coisa”:
Christiane Kubrick, entrevistada pelo autor, 5 de junho e 22 de setembro
de 2016.
O que acontece no final deve atingir : A. H. Weiler, “Kazan, Kubrick and
Keaton”, New York Times, 28 de abril de 1968.
“Eu estava tão chocado”: Christiane Kubrick, entrevistada pelo autor, 5 de
junho de 2016.
“Nova York foi a única cidade realmente hostil”: Norden, “Playboy
Interview: Stanley Kubrick”, p. 94.
naquele verão, Roger Caras e a família iam de: Caras, entrevistado por
Richter.
lado a lado, atirando em um alvo: Christiane Kubrick, entrevistada pelo
autor, 22 de setembro de 2016.
Capítulo 12: Resultados

Existem duas possibilidades: Clarke, entrevistado pelo autor, dezembro de


2001.
“Naquela época, não era muito fácil gravar” […] e caiu no choro:
Christiane Kubrick, entrevistada pelo autor, 5 de junho de 2016.
“Se alguém entender o filme logo após” […] “Eu não concordo com
aquela fala de Arthur”: Norden, “Playboy Interview: Stanley Kubrick”,
p. 92.
“leia o livro, veja o filme”: LoBrutto, Stanley Kubrick, p. 310.
o filme mais lucrativo daquele ano: ver “Box Office / Business for 2001: A
Space Odyssey (1968)”, IMDb,
<www.imdb.com/title/tt0062622/business?ref_=ttfc ql_4>. “1968 in
Film”, Wikipedia, atualizado em 17 de novembro de 2017,
<https://en.wikipedia.org/wiki/1968_in_film>.
“Stanley agora está a caminho do banco”: Clarke para Ray Bradbury, 6 de
junho de 1968.
“Eu e Stanley estamos a caminho do banco”: “Arthur C. Clarke, “The
Myth of 2001”, Cosmos Science-Fantasy Review, n. 1, abril de 1969, p.
10, reimpresso em Clarke, Report on Planet Three, pp. 222-4.
“O sucesso de 2001 me surpreendeu muito”: entrevista com Clarke em
Time out of Mind, série da BBC2 sobre ficção científica, 1979,
<www.youtube.com/watch ?v =b6RCLBHtEhw>.
“2001? Vejo toda semana”: Schwam e Scorsese, The Making of 2001, capa.
“Stanley foi muito sábio ao perceber”: Clarke, entrevistado por Gelmis.
Camera Three.
“O filme tem criado mais controvérsia”: Clarke, entrevistado por Paul
Anderson, KPFA-FM, Berkeley, CA, 20 de maio de 1968.
O primeiro foi quando assisti a 2001: “A Drive of Titanic Proportions”,
entrevista de James Cameron para a American Academy of
Achievement, 18 de junho de 1999, reimpresso em James Cameron: The
Interviews, ed. Brent Dunham (Jackson: University Press of Mississippi,
2011), p. 115.
“o big bang”: citado em Eric Harrison, “Stanley Kubrick, Film Giant, Dies
at 70”, Los Angeles Times, 8 de março de 1999.
“filme definitivo de ficção científica”: Paul Scanlon, “George Lucas, The
Wizard of ‘Star Wars’”, Rolling Stone, 25 de agosto de 1977.
“Eu não tenho certeza […] de que teria coragem de fazer”: em Standing on
the Shoulders of Kubrick: The Legacy of “2001: A Space Odyssey”,
dirigido por Gary Leva (Burbank, CA: Warner Bros. Home Video, 2007).
Em 1967 ele contou a Clarke: Clarke para Stanley Kubrick, 30 de junho de
1967.
“Tive que voltar com a roupa do corpo”: Trumbull, entrevistado por
Larson.
“Aqueles efeitos não foram criados e dirigidos” […] Tem alguém que
dirige o filme: Trumbull, entrevistado pelo autor.
“O ano era 1968” […] “O sr. Trumbull não foi responsável” […] “um
comparativo das contribuições”: “An Open Letter from MGM/UA and
Stanley Kubrick”, Hollywood Reporter, 15 de agosto de 1984.
“um gênio absoluto” […] “Stanley, estou te ligando” […] “Uau,
obrigado” […] “Eu só quero que você saiba”: Trumbull, entrevistado
pelo autor.
“uma aula sobre livre-arbítrio”: Stanley Kubrick, Saturday Review, 25 de
dezembro de 1971.
Os resultados colocaram Cidadão Kane em primeiro: a enquete do All
Things Considered aconteceu em 4 de novembro de 1977.
“tanto uma inspiração quanto uma advertência”: a última declaração
pública de Stanley Kubrick, um discurso filmado para a Directors Guild
of America, está disponível no YouTube, <www.youtube.com /watch?
v=3p1T3sVX4EY>.
Ao que tudo indica, a cerimônia […] “Uma semana atrás, eu não fazia”
[…] “Então todos rimos” […] “Sabe, isso é extraordinário” […] “uma
das despedidas mais íntimas e afetuosas”: minha ideia do funeral de
Stanley Kubrick é baseada na entrevista com Trumbull, e também na
lembrança emocionante de Alexander Walker em The Stanley & Us
Project, dirigido por Mauro di Flaviano, Federico Greco e Stefano
Landini, publicado no YouTube em 8 de março, 2012, disponível em
<www.youtube.com/watch?v =k79dtVHD_fk>.
“lindo buffet, bebidas e conversas” […] “Stanley, toda essa merda que
aconteceu”: Trumbull, entrevistado pelo autor.
“Você é merecidamente o escritor de ficção”: citado em “In Memoriam”,
novo prefácio para Clarke, 2001: A Space Odyssey, reimpr. (1999), p. v.
Uma investigação policial posterior concluiu: “Sci-Fi Novelist Cleared of
Sex Charges”, BBC News on-line, 6 de abril de 1998,
<http://news.bbc.co.uk/2/hi /south_asia/74938.stm>.
O The Mirror publicou um pedido de desculpas: “Sir Arthur C. Clarke”,
Telegraph (Reino Unido) on-line, 20 de março de 2008,
<https://web.archive.org/web /20080326180335
/http://www.telegraph.co.uk /news/main.jhtml ?xml
=%2Fnews%2F2008%2F03%2F19%2Fdb1904.xml>.
“Eu diria que 2001 tem 90% de imaginação”: Agel, Making of Kubrick’s
2001, p. 136.
“temos o privilégio de viver na maior”: Michael Benson, Beyond: Visions
of the Interplanetary Probes (Nova York: Abrams Books, 2003), Arthur
C. Clarke, prefácio, p. 9.
“Eu tive uma carreira diversificada”: Clarke, “Egogram”, 30 de janeiro de
2007.
por cerca de trinta segundos: National Aeronautics and Space
Administration, “Nasa Detects Naked-Eye Explosion Halfway Across
Universe”, comunicado de imprensa, 20 de março de 2008,
<www.nasa.gov/centers/goddard/news/topstory/2008/brightest_grb.html
>.
Créditos das imagens

Ao longo: 2001: UMA ODISSEIA NO ESPAÇO e todos os personagens e


elementos relacionados © & ™ Turner Entertainment Co. (s17): [44], [46],
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Espólio de Roger Caras: [41]; Cortesia Christiane Kubrick e Jan Harlan:
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Taylor, Cortesia Doug Trumbull: [88]; Cortesia Hector Ekanayake e Rohan
De Silva: [94] Caderno: © & ™ Turner Entertainment Co. (s17): 2; Andrew
Birkin, Cortesia Andrew Birkin: 3, 4; FX team, © & ™ Turner
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15; Geoffrey Unsworth, “2001” FX team, © & ™ Turner Entertainment Co.
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Entertainment Co. (s17): 11; John Jay/mptvimages.com: 12
© Lucie Goodayle NHM
IMAGES

Michael Benson é escritor, fotógrafo e cineasta. Seu trabalho apareceu em


publicações como New Yorker, New York Times, Washington Post, The
Atlantic e Rolling Stone.
© 2018 by Michael Benson

Todos os direitos desta edição reservados à Todavia.

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de


1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

capa
Rodrigo Corral
preparação
Amanda Zampieri
Marta Garcia
Teté Martinho
revisão
Rafaela Biff Cera
Huendel Viana
tratamento de imagens
Carlos Mesquita
versão digital
Antonio Hermida
Josué de Oliveira
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
——
Benson, Michael (1962-)
2001: Uma odisseia no espaço: Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke e a
criação de uma obra-prima: Michael Benson
Título original: Space Odyssey: Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke, and the
Making of a Masterpiece.
Tradução: Álvaro Hattnher e Cláudio Carina
São Paulo: Todavia, 1ª ed., 2018
496 páginas

ISBN 978-85-93828-56-0

1. Cinema 2. Ensaios 3. Making of 4. ficção científica I. Título

CDD791.43
——
Índices para catálogo sistemático:
1. Cinema: Ensaios 791.43
todavia
Rua Luís Anhaia, 44
05433.020 São Paulo SP
T. 55 11. 3094 0500
www.todavialivros.com.br
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(1770-1831), costuma ser lido à luz da obra posterior do filósofo alemão.
Decidido a pôr em xeque esse enfoque, Marcos Nobre mostra que a obra
contém em si mesma um modelo filosófico. Escrevendo em meio à invasão
da Prússia pelas tropas de Napoleão, e assistindo ao colapso do Ancien
Régime, Hegel se lançou a sondar o hiato entre o velho e o novo,
percorrendo o caminho do qual faria emergir uma filosofia que estivesse à
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trabalho de reflexão interessado acima de tudo em se pôr em dia com os
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afastado de seu posto universitário em 1937 pelo fato de ser casado com
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mescla do melhor da poesia e das artes brasileiras dos séculos XX e XXI.
Aleixo é lírico e profundo como os melhores poetas mineiros desde
Drummond; é experimental como os concretistas; carismático na mistura de
lirismo, depoimento pessoal e irreverência como Leminski; performático e
interessado na música e no teatro; contundente na denúncia do racismo
brasileiro como Mano Brown. Em todas essas facetas, o poeta mineiro
demonstra engenho e arte para falar do amor, da família, da cultura afro-
brasileira, das grandes cidades e da própria literatura. Um mestre
contemporâneo, em suma. Esta antologia reúne o melhor de 25 anos de sua
produção poética. Organizado em seis grandes eixos – seguindo a lição de
Carlos Drummond de Andrade na formatação de sua própria antologia em
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se restringe ao universo do livro. Muitos dos poemas aqui presentes
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showman na arte de encenar e enunciar sua própria poesia. Porém, os textos
têm vida própria e independem da maestria teatral do autor: são
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Baiacu é a cria anárquica e surpreendente dos geniais Angeli e Laerte.
Versão digital ampliada com histórias e ilustrações inéditas. Um livro, uma
residência artística, uma experiência estética. Baiacu marca o retorno de
uma das mais lendárias parcerias do quadrinho brasileiro. E que retorno!
Para este livro, Angeli e Laerte selecionaram dez grandes artistas e os
reuniram numa residência na igualmente lendária Casa do Sol, onde hoje
funciona o Instituto Hilda Hilst. Durante duas semanas, os artistas
trabalharam juntos para conceber e criar a baiacu, uma obra livre e aberta
que experimenta com a linguagem das HQs, da poesia, da prosa e da
fotografia. O resultado é um dos mais vibrantes, novos e estranhos livros do
quadrinho brasileiro. Aos dez artistas juntaram-se os próprios editores da
Baiacu, que colaboraram com desenhos e histórias, e mais cinco escritores e
poetas, para completar o time que concebeu, criou e desenhou o livro. Um
passeio por gerações, pontos de vista, perspectivas de vida, estilos e vozes.
Esses são os artistas da Baiacu: André Sant'Anna, Anna Cláudia Magalhães,
Bruna Beber, Daniel Galera, Fabio Zimbres, Gabriel Góes, Guazzelli, Ilan
Manouach, Juliana Russo, Laura Lannes, Mariana Paraizo, Paula Puiupo,
Pedro Franz, Powerpaola e Rafael Sica.
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A tirania do amor
Tezza, Cristovão
9788593828690
176 páginas

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Através da crise pessoal e profssional de um economista, Cristovão Tezza


constrói um panorama atualíssimo do Brasil em tempos de Lava-Jato.
Sozinho no carro, o economista Otavio Espinhosa toma uma decisão
radical: abdicar do sexo. O que parece piada se revela uma profunda crise
pessoal: um casamento falido, problemas com o filho militante político, o
fim humilhante de sua carreira acadêmica e a experiência sui generis de ter
tentado enriquecer como guru de autoajuda. Também a carreira de Otavio
parece estar em perigo: tudo indica que ele será demitido da empresa de
investimentos onde trabalha. O leitor vai aos poucos destrinchando a
investigação de um esquema no qual Otavio pode ou não estar envolvido,
desenhando o panorama de um país em ruína econômica, cultural e moral.
No lugar da literatura ou filosofa que pautavam as obras anteriores de
Tezza, é a matemática – esta "arte sem afetação", que promete uma forma
lógica de pensar o mundo – que impulsiona as digressões de A tirania do
amor. Otávio, porém, logo perceberá que nem a racionalidade serve para
domar a vida, nem ele mesmo é tão racional quanto gostaria de acreditar.

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