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Aluno: Arthur Tinoco

Análise da capa do periódico “Correio da Manhã” do dia 23 de Agosto de 1942

No dia 23 de Agosto de 1942, a manchete do Correio da Manhã


estampava “Reconhecida a situação de beligerância entre o Brasil e as nações
agressoras – Alemanha e Itália”. A esta altura, o jornal tinha como diretor-
gerente Mario Alves e como redator-chefe Costa Rego. Devido aos ataques
nos navios brasileiros na costa do Nordeste pelos U-boats alemães, havia uma
pressão popular e da imprensa para que o Brasil declarasse guerra ao Eixo,
então composto por Alemanha, Japão e Itália. Vale lembrar que, neste período,
o Brasil já havia cortado relações diplomáticas com os países citados, devido
a uma conferência realizada em janeiro de 42, aonde os EUA pressionavam os
países sul-americanos a romperem ligações com o Eixo. Neste cenário, os
alemães começaram uma ofensiva contra barcos brasileiros estacionados na
costa e em trânsito (indo ou voltando) para os Estados Unidos, dando
permissão aos seus submarinos para abaterem aqueles que passassem pela
sua área de tiro. Durante o ano de 1942, após o rompimento oficial diplomático
brasileiro, a ofensiva da Alemanha nazista contra os barcos brasileiros foi
intensificada, com 14 ataques confirmados até agosto deste ano. Por conta
disso, a pressão durante este período era intensa para um posicionamento de
Getúlio em “defesa da pátria“ e dos interesses nacionais, indicados em várias
das reportagens durante o período feitas pelo Correio da Manhã (e outros
jornais). As reportagens tinham sempre como tom a cobrança contra as ações
nazistas, em especial uma postura mais firme e suas manchetes utilizavam
expressões duras que incitavam a participação na guerra, bem como uma
retaliação imediata, muitas vezes caracterizando os alemães com termos como
“COM DESCONHECIMENTO DOS MAIS ELEMENTARES PRINCÍPIOS DE
DIREITO E DE HUMANIDADE” (18 de Agosto de 1942) e “CONTRA A
BRUTALIDADE DA AGRESSÃO NAZISTA” (19 de Agosto de 1942). Apesar
destas palavras fortes, a posição do Correio da Manhã em relação a Grande
Guerra não foi sempre definida como a favor dos Aliados. Durante boa parte
da guerra, o jornal declarava (por meio dos seus jornalistas) que o intercâmbio
comercial do Brasil com determinados países europeus (como a Alemanha)
não deveria ser trocado pelas promessas americanas, que julgava como
“vagas”. Nessa fase, o jornal declarava também que “o primeiro dever de uma
nação distante é a neutralidade”. Após 1940, porém, o Correio da Manhã
mudou de posição, alegando que “nosso país não podia continuar alheio aos
anseios democráticos da época”. O jornal acompanhava as decisões do
governo em relação à política externa, pontuando sua opinião de acordo com
as oscilações que o próprio governo exibia diante da questão. Apesar de
incerto, é provável que esta mudança de postura seja por conta da censura
prévia do Estado Novo, via D.I.P (Departamento de Imprensa e Propaganda),
o que fazia com que as matérias passassem pelas mãos dos censores, onde
estes observavam se o material era passível de ser publicado.

Em relação ao material publicado no dia 23 de agosto de 1942, a capa


apresenta a íntegra do comunicado diplomático, exaltando o caráter patriótico
da mesma. É interessante perceber que o jornal incentiva o tempo todo a
decisão do governo, inclusive posição esta que havia sido cobrada na edição
do dia anterior, após a divulgação de uma carta do ministro da guerra, Gaspar
Dutra. Além do apoio apresentado pelo jornal, a própria matéria aborda
detalhadamente o apoio que o posicionamento havia ganhado com a
população, com várias mensagens de apoio escrita por cidadãos brasileiros e
estrangeiros. Isso também se refletia nas cobranças feitas pelo jornal, com
especial destaque à manchete do dia 20 de agosto do mesmo ano, que
estampava “PROSSEGUIAM ONTEM AS DEMONSTRAÇÕES POPULARES
DE PROTESTO CONTRA OS ATENTADOS À SOBERANIA BRASILEIRA”, e
onde o corpo da notícia detalhava a participação de intelectuais cariocas em
uma mensagem entregue ao presidente Getúlio Vargas cobrando a entrada do
Brasil na guerra. O tom de todas as reportagens é ufanista, marcando um
posicionamento patriótico e de defesa da soberania nacional, sempre
marcando que a declaração de guerra do Brasil seria uma “reação aos ataques
inescrupulosos” dos alemães e italianos e que a guerra seria uma forma de
”mostrar ao mundo como nossa gente, que tantas vezes, nó curso de uma já
longa, história, repetiu a epopéia dá reisistência contra a tentativa de domínio
estrangeiro”. Ou seja, o jornal evoca, constantemente, uma chamada
nacionalista, um clamor popular à guerra, que é potencializada pelos efeitos
dos ataques nazistas e italianos na costa brasileira. Ao defender este discurso
de defesa da soberania nacional, Getúlio e o D.I.P passam aos jornais a
importância de toda a população se mobilizar e apoiar o regime, pelo menos
indiretamente.

No entanto, a ironia da situação (uma ditadura nos moldes nazi-fascista


lutando contra o Eixo) não é deixada de lado. O Correio da Manhã, mantendo
suas raízes liberais e anti-ditadura, continuava a publicar algumas alfinetadas
sutis no regime varguista, de maneira discreta para passar pela censura do
Departamento de Imprensa e Propaganda. Nesta mesma edição, na página 2
e junto da matéria sobre a Guerra, um editorial intitulado “Um Símbolo da
Liberdade”, assinado pelo editor-chefe Costa Rego, aborda o uso da frase “O
mar é um símbolo de liberdade” dita por Vargas durante discurso acerca dos
atentados germânicos na costa do Nordeste. O editorial usa a palavra
“liberdade” para apontar as qualidades da Grã-Bretanha como defensor de
uma espécie de moralidade, protegendo a paz. Mais: Demonstrou que não se
tratava de uma guerra entre nações, mas entre ideologias, e que o nosso país
não poderia continuar apenas como um espectador de uma batalha em que a
democracia estava em jogo. Obviamente, isso era uma crítica a dualidade que
se encontrava o país e que foi muito bem explorada pelo jornal, apesar da
dificuldade em burlar o sistema de censura do governo varguista: ao defender
um aliado do país na Segunda Guerra e criticar os ataques à democracia que
vinham sofrendo os países sob domínio do Eixo, Costa Rego encontrou uma
brecha para, implicitamente, expor a situação que passava o Brasil, sendo
governado por uma ditadura nos mesmos moldes que iriamos enfrentar e
“expurgar da Europa”. A utilização da palavra “liberdade” por Getúlio é
destacada de maneira irônica: “A palavra Liberdade, mesmo sem invocações
simbólicas, adquire tal prestigio na boca de quem agora a pronunciou, que não
resisto ao ânimo de assinalá-la”. Costa Rego era abertamente contrário a
Vargas (posteriormente, em 1945, foi um dos membros da primeira reunião do
diretório nacional da UDN, partido opositor à Getúlio) e sabia bem utilizar o
jornal como forma de protestar contra o governo, jogando bem com a situação
e o limite que tinha de manobra com o D.I.P.

A forma como estão dispostas as notícias também tem um papel


interessante na formação desta capa: além da já citada manchete, uma das
notícias em destaque é “Nova página na história da amizade, da confiança e
da cooperação entre os Estados Unidos e o Brasil”, ocupando lugar central na
capa do jornal. O fragmento exposto nesta área nobre apresenta a resposta de
Theodore Roosevelt, então presidente dos EUA, à entrada da Guerra do Brasil.
Roosevelt cita que o Brasil entrou na guerra para a defesa da liberdade contra
a opressão e “alinha o Brasil ao lado dos povos livres” na luta contra o Eixo. A
escolha deste fragmento ser inserido em um espaço tão importante, somado
ao editorial de Costa Rego sobre liberdade, nos dá a sensação de que o jornal,
apesar de obviamente defender a entrada do Brasil na guerra, tenta demonstrar
ao seu leitor que a contradição existente entre a ditadura de Vargas
extremamente autoritária e moldada com ideias vindas das ditaduras nazi-
fascistas do Eixo e o discurso varguista e dos Aliados de defesa da liberdade,
liberação da opressão, salvamento da democracia. Apresentava-se isso ao
leitor de uma maneira muito sutil, fazendo com que estas críticas passassem
desapercebidas pelo olhar do censor, que muitas vezes não entendia ou
percebia estas alfinetadas feitas pelo jornal.
Concluindo, a capa de 23 de Agosto de 1942 nos oferece uma visão
ampla sobre as diferentes narrativas que existiam sobre a entrada brasileira na
Segunda Guerra Mundial. Ao apresentar o discurso oficial do governo de
Vargas, que exaltava uma resposta patriótica, de defesa da soberania nacional
e que visava uma relação de defesa do Estado Brasileiro pelo seu povo, o jornal
nos mostra que a ditadura de Getúlio Vargas tinha como diretriz passada via
seu departamento de censura, o Departamento de Imprensa e Propaganda, a
defesa nacional como foco. No entanto, os críticos do governo (que se incluiam
Costa Rego, editor-chefe do Correio da Manhã), viam neste discurso de defesa
da democracia e da liberdade algo contraditório com a realidade vivida pelo
país: imersos em uma ditadura personalista, convivendo com censura prévia e
repressão estatal e a franca caça aos opositores do regime, a suposta defesa
de uma liberdade na Europa não fazia sentido com a manutenção da ditadura
no Brasil. Portanto, ao olhar os países do Eixo e observá-los como espelhos
do que estava acontecendo no país, os opositores de Vargas viam como uma
chance de ouro de derrubada do governo, ao estimular a percepção destas
incoerências e contradições pelos seus leitores.
Bibliografia

SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Editora Martins


Fontes.

Rio de Janeiro : Prefeitura da Cidade, Secretaria Especial de Comunicação


Social. Correio da Manhã : compromisso com a verdade. Cadernos da
comunicação. Série Memória, 2001

BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa – Cap IV. Imprensa e


Estado Novo: O público como “massa” (1930-1940). Rio de Janeiro: Mauad X,
2010.

Dicionário histórico-biográfico brasileiro, 1930-1983. 1984. Rio de Janeiro,


FGV/ CPDOC, Forense Universitária, Finep

REGO, Costa. Reconhecida a situação de beligerância entre o Brasil e as


nações agressoras – Alemanha e Itália. Correio da Manhã, 23 Aug. 1942.
Disponível em:
<http://memoria.bn.br/pdf/089842/per089842_1942_14665.pdf>. Acesso em:
07 jun. 2019

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