Você está na página 1de 1

Uma saudade indescritível

Eu nasci amando meu pai. Nasci feliz. Não sabia que seria filha de um sertanejo, agricultor que
nunca arrastaria as alpercatas para morar numa cidade. Sério, de poucas palavras, meu pai
demonstrava nos olhos a simplicidade, a dureza e a pureza da vida.
Sensível a tudo, suas lágrimas irrigavam sempre sua face e amenizavam sua expressão dura. Chorava
sem sentir, diante de uma alegria ou tristeza, estava meu pai demonstrando os seus sentimentos.
Chorando. E eu chorava junto. Não podia ver seus olhos marejando. Os meus marejavam também.
Parecia até sintonia.
Nascido em 1935, enfrentou muitas secas no sertão. Das que o vi enfrentar, nunca senti desânimo em
sua face ou sua voz. Sempre dizia: “Vai chover, se Deus quiser!”. E chovia. Seus olhos brilhavam ao
ver a lavoura crescer, o açude sangrar e o gado ficar gordo. Era linda sua emoção. Conversava com
os bichos como se fosse com gente. Até parece que respondiam a sua conversa. E pensando bem,
respondiam. Interagiam. Balançavam o rabo, baixavam as orelhas e obedeciam ao seu pedido. Às
vezes, eu buscava, com os olhos, personagens humanos participantes da conversa. Não tinha. Os
animais eram seus companheiros, cúmplices e confidentes.
Apaixonado pela família, meu pai nos amou imensamente. Deu- nos um bem precioso: educação.
Educou-nos sem dizer nada. Ensinou-nos a amar, amando. Ensinou-nos a ser honestos, com atitudes.
Com poucas palavras, meu pai ensinava-nos a vida. E nos dava a vida em cada ensinamento.
Esposo melhor minha mãe não teria. Parceiro. Companheiro. Desses que - mesmo brocando,
limpando mato e fazendo o que mais gostava: cuidar da roça – ainda achava tempo para fazer o café
da manhã e ajudar nas tarefas domésticas.
Orgulhava-me pela simplicidade. Orgulhava-me pela paciência e resiliência. Adaptava-se às
situações da vida, sem reclamar. Nunca vi meu pai reclamar de nada. Quando estava preocupado,
evocava o nome de Deus! E Deus ouvia!
Amou tanto o sertão que morreu nele. Sem reclamar. Com a serenidade que sempre teve para
enfrentar situações adversas, meu pai despediu-se de nós, sem avisar!
E hoje, depois de uma semana sem vê-lo, é impossível mensurar a dor e a saudade que meu peito
sente. É impossível descrever a vontade de vê-lo novamente, de ouvir o “Deus te abençoe”, “Deus te
faça feliz”, subindo a calçada de nossa eterna casa. É impossível sentir o cheiro de café e não
marejar os olhos, pensando nos seus. A saudade de seu silêncio, dos seus pensamentos e da sua
presença abafam meu coração e meus olhos lhe homenageiam com um dilúvio de lágrimas,
buscando, em vão, encontrar os seus olhos.

Você também pode gostar