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Gestão do

cuidado às
pessoas com
obesidade:
o pensar
e o agir

Sandra Maria Chaves dos Santos


Edleuza Oliveira Silva
Thaís Aranha Rossi
Débora Santa Mônica Santos
Organizadoras
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
MINISTÉRIO DA SAÚDE

Sandra Maria Chaves dos Santos


Edleuza Oliveira Silva
Thaís Aranha Rossi
Débora Santa Mônica Santos
Organizadoras

Gestão do cuidado às pessoas


com obesidade: o pensar e o agir

Salvador
2020
Coordenação Geral Apoio à coordenação Verena Macedo Santos
Lígia Amparo-Santos Indira Ramos Gomes Virgínia Campos Machado
Maria Cristina Espírito Santo Araújo
Conselho Gestor Apoio Técnico Material Didático
Universidade Federal da Bahia - Coordenação Acadêmica Janaína Braga de Paiva
Campus Salvador Kênya Lima de Araújo
Mônica Leila Portela de Santana Márcia Aurelina de Oliveira Alves Grupo de Trabalho Pesquisa e
Virgínia Campos Machado Micheli Dantas Soares Difusão Científica
Silvana Lima Guimarães França Márcia Cristina Graça Marinho
Universidade Federal da Bahia -

Sumário
Virgínia Campos Machado Mônica Leila Portela de Santana
(Campus Anísio Teixeira, Vitória da Poliana Cardoso Martins
Conquista/BA) Coordenadora Ambiente Virtual de
Márcia Aurelina de Oliveira Alves Aprendizagem Grupo de Trabalho Avaliação e
Márcia de Freitas Cordeiro Monitoramento
Universidade do Estado da Bahia - Sandra Maria Chaves dos Santos
Campus Salvador Apoio Técnico Ambiente Virtual de Thaís Regis Aranha Rossi
Márcia Cristina Graça Marinho Aprendizagem
Silvana Lima Guimarães França Caíque de Souza Silva Demais membros da equipe
Myrela Oliveira Vivas de Souza Lana Mércia Santiago de Souza
Universidade Federal do Maria Claudia da Costa Montal
Recôncavo da Bahia Coordenação Pedagógica de Polo
Edleuza Oliveira Silva Lucineide da Conceição Leal Projeto gráfico e Capa Equipe do projeto.............................................................................. 4
Micheli Dantas Soares Verena Macedo Santos Haenz Gutierrez Quintana

Minicurrículo das autoras................................................................. 6


Secretaria Municipal de Saúde de Comissão de formação e Diagramação
Salvador acompanhamento de professores Raissa Bontempo
Débora Santa Mônica Santos mediadores Apresentação.................................................................................... 11
Kênya Lima de Araújo Amélia Borba Costa Reis Revisão
Secretaria Estadual de Saúde da Carolina Gusmão Magalhães Márcio Matos Unidade I - repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da
Bahia Indira Ramos Gomes
Simone Janete Oliveira Barbosa Lígia Amparo-Santos Ilustração
organização estrutural e histórica das políticas públicas....... 15
Lucineide da Conceição Leal Rafael Moreno Pipino de Andrade
Márcia de Freitas Cordeiro Unidade II - as políticas públicas e as redes vivas de trabalho em
saúde no contexto do sobrepeso e obesidade ........................ 49

Unidade III - planejando intervenções para o cuidado às pessoas


com sobrepeso e obesidade em diferentes territórios............ 77
O presente trabalho foi realizado com apoio do Ministério da Saúde e
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Palavras finais................................................................................... 99
Brasil (CNPq). Chamada pública CNPq/MS/SAS/DAB/CGAN No
26/2018. Esta obra está sob licença Creative Commons CC BY-NC-SA
4.0: esta licença permite que outros remixem, adaptem e criem a partir do seu trabalho para fins não
comerciais, desde que atribuam o devido crédito  e que licenciem as novas criações  sob termos
idênticos.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Sistema de Bibliotecas da UFBA

G393 Gestão do cuidado às pessoas com obesidade: o pensar e o agir / Sandra Maria Chaves dos
Santos... [et al.] (Organizadoras). – Salvador: Universidade Federal da Bahia; Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia; Universidade do Estado da Bahia; Ministério da Saúde, 2020.
107 p.: il.

Esta obra é um e-book do Curso de Qualificação do Cuidado a Pessoas com Sobrepeso e


Obesidade.

ISBN: 978-65-5631-025-1
1. Obesidade. 2. Saúde Pública. 3. Obesidade – Cuidado e tratamento. I. Santos, Sandra
Maria Chaves dos. II. Universidade Federal da Bahia. III. Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia. IV. Universidade do Estado da Bahia. V. Ministério da Saúde.

CDU: 614
Sobre as autoras
INDIRA RAMOS GOMES LANA MÉRCIA SANTIAGO DE SOUZA
Atualmente, Bolsista de Desenvolvimento Nutricionista graduada pela Universidade
DÉBORA SANTA MÔNICA SANTOS Tecnológico Industrial do CNPq - Nível B do Federal do Recôncavo da Bahia, especialista
Nutricionista graduada pela Universidade projeto “Qualificação do cuidado a pessoas em Saúde da Família, por meio do programa
do Estado da Bahia (UNEB), Mestre em Saúde com sobrepeso e obesidade no âmbito Multiprofissional de Residência SESAB/
Coletiva pela Universidade Estadual de Feira da Atenção Básica”, possui graduação em EBMSP, Mestre em Alimentos, Nutrição e
CAMILA DOS SANTOS RODRIGUES de Santana (UEFS), Especialista em Gestão Nutrição pela Universidade Federal da Saúde pela Universidade Federal da Bahia,
de Tecnologia em Saúde pelo ISC/UFBA. Bahia -UFBA (2015), instituição pela qual professora do Departamento de Ciência da
Bacharela em Saúde, Nutricionista e possui o título de mestrado em Alimentos, Vida da Universidade do Estado da Bahia.
Especialista em Gestão de Saúde pela Especializanda em Gestão de Políticas de
Saúde Informadas por Evidências pelo Sírio Nutrição e Saúde (2017). Especialista em Doutoranda do Instituto de Saúde Coletiva
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Saúde da Família, na modalidade residência da Universidade Federal da Bahia. Tem
(UFRB), atualmente pesquisadora bolsista do Libanês/Ministério da Saúde (2018-2020).
Pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa pelo Programa Estadual de Residência experiência em pesquisa e extensão nas áreas
Núcleo de Estudos e Pesquisa em Alimentação Multiprofissional Regionalizado em Saúde de segurança alimentar e nutricional, políticas
e Cultura da Universidade Federal da Bahia em Gênero, Raça e Saúde (NEGRAS/UFBA/
Salvador). Servidora da Secretaria Municipal da Família (PERMUSF) da Escola de Saúde públicas de alimentação e nutrição, nutrição
(NEPAC-UFBA). Pesquisadora colaboradora Pública da Bahia (ESPBA) Professor Jorge social, saúde pública e saúde coletiva.
no Núcleo Interdisciplinar de Extensão, Ensino de Saúde (SMS) de Salvador-Ba. Trabalhadora
da Atenção Primária a Saúde. Novis. Pesquisadora no Núcleo de Estudos e
e Pesquisa para Promoção da Soberania e Pesquisa em Alimentação e Cultura – NEPAC
Segurança Alimentar e Nutricional - NUSSAN/ e no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Gênero, LÍGIA AMPARO-SANTOS
UFRB e no Grupo de Pesquisa e Estudo Raça e Saúde – NEGRAS.
África-Brasil da Universidade da Integração Professora Associada III da Escola de
Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira EDLEUZA OLIVEIRA SILVA Nutrição da Universidade Federal da Bahia,
(UNILAB). Mestre em Medical Education - University of
Graduada em Nutrição pela Universidade JANAÍNA BRAGA DE PAIVA
Dundee – Escócia (1998), Doutora em Ciências
Federal da Bahia, mestre em Saúde Nutricionista. Pesquisadora. Pós-doutora Sociais, com concentração em Antropologia,
Comunitária e doutora em Alimentos, pelo Programa de Pós-Graduação em pela Pontifícia Universidade Católica de São
Nutrição e Saúde pela Universidade Federal Alimentos, Nutrição e Saúde, Escola de Paulo (2006). Coordenadora do Núcleo de
CARLA VALOIS RIBEIRO da Bahia. Docente do Centro de Ciências da Nutrição, Universidade Federal da Bahia. Estudos e Pesquisas em Alimentação e Cultura
Saúde da Universidade Federal do Recôncavo Doutora em Saúde Pública pelo Programa - NEPAC, e atua nas linhas de Alimentação,
Bacharel em Enfermagem (Universidade
da Bahia. Atua no campo da Segurança de Pós-Graduação do Instituto de Saúde Cultura e Saúde e Educação Alimentar e
Católica do Salvador), Residência
Alimentar e Nutricional, com os seguintes Coletiva, Universidade Federal da Bahia. Nutricional, trabalhando os seguintes temas:
Multiprofissional em Saúde da Família
temas: alimentação escolar, identidade, Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas corpo, obesidade e saúde, antropologia
(Universidade Federal do Vale do São Francisco),
práticas alimentares e educação alimentar e em Alimentação e Cultura (NEPAC-UFBA). da alimentação, antropologia do corpo,
Especialização em Micropolítica da Gestão e
nutricional.  Atuação profissional na área da Alimentação alimentação e cultura, alimentação escolar e
do Trabalho em Saúde (Universidade Federal
Fluminense), Especialização em Enfermagem e Nutrição e da Saúde Coletiva com ênfase em alimentação saudável e Segurança Alimentar
do Trabalho (UNINTER) e Especialização Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). e Nutricional e Cultura alimentar.
em Gestão Pública Municipal (Universidade
Federal do Vale do São Francisco). Atuou na FLÁVIA PASCOAL RAMOS
área assistencial e de gestão no Sistema Único JASILAINE ANDRADE PASSOS LILIAN MIRANDA MAGALHÃES
Nutricionista (UFBA), Especialização em
de Saúde, bem como em pesquisa. Atua Nutricionista graduada pela Universidade Nutricionista graduada pela Universidade
Gestão em Saúde (UNIVASF), Mestre em
sobretudo com avaliação de políticas públicas, Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB. Federal da Bahia, pós-graduada em MBA
alimentos, Nutrição e Saúde pelo Programa
planejamento estratégico governamental, Mestra em Alimentos, Nutrição e Saúde pela em Gestão de Negócios em Alimentos
de Pós-Graduação em Alimentos, Nutrição
gestão pública, redes colaborativas e Universidade Federal da Bahia - UFBA. Doutora pela Universidade Cruzeiro do Sul. Mestre e
e Saúde da Escola de Nutrição da UFBA
desenvolvimento sustentável. em Saúde Pública pela Escola Nacional de Doutora em Alimentos, Nutrição e Saúde pela
e atualmente é doutoranda pelo mesmo
Programa. É Pesquisadora do Núcleo de Saúde Pública Sérgio Arouca - ENSP/Fiocruz. Universidade Federal da Bahia. Integrante
Nutrição e Políticas Públicas (NNPP-UFBA) e Atua como pesquisadora colaboradora no do Núcleo de Estudos e Pesquisas em
colaboradora do Núcleo de Estudos e Pesquisa Núcleo Interdisciplinar de Extensão, Ensino Alimentação e Cultura (NEPAC/UFBA).
em Alimentação e Cultura (NEPAC-UFBA). e Pesquisa para Promoção da Soberania e Atua como docente no Centro Universitário
Segurança Alimentar e Nutricional - NUSSAN/ Jorge Amado - Unijorge, no Centro Universitário
UFRB e no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Uninassau e como professora substituta na Escola
Alimentação e Cultura - NEPAC/UFBA. de Nutrição - Universidade Federal da Bahia.
Lista de abreviaturas e siglas
LUANA GALDINO RATES CARVALHO THAÍS RÉGIS ARANHA ROSSI
Graduada em Nutrição pela Universidade Professora da Universidade do Estado AB Atenção Básica
do Estado da Bahia, especializada em Nutrição da Bahia - UNEB. É cirurgiã-dentista e ACS Agentes Comunitários de Saúde
Clínica pela Universidade Estácio de Sá; em pesquisadora na Universidade Federal da ASIS Análise Situacional em Saúde
Nutrição Clínica e Hospitalar com ênfase em Bahia. Doutorado e Mestrado em Saúde
Saúde Mental pela Universidade Federal da Coletiva pelo Programa de Pós-graduação CAB Caderno da Atenção Básica
Bahia por meio do Programa de Residência do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA CAISAN Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional
Integrada Multiprofissional em Saúde; e (Conceito 7 CAPES). Coordena o Mestrado
especializada em Comportamento Alimentar Profissional em Saúde Coletiva - MEPISCO/
CAN Cuidado em Alimentação e Nutrição
pelo Instituto de Pesquisa, Ensino e Gestão em UNEB. Fez doutorado Sanduíche no Centre CF Constituição Federal
Saúde. Atua no campo de Comportamento européen de sociologie et de science politique COMSEA Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional
Alimentar e Saúde Mental, especificamente - CESSP/ Paris/ França, tendo sido bolsista
em Transtornos Alimentares e Obesidade. da CAPES neste período. Possui graduação CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
em Odontologia pela Universidade Federal CPSO Cuidado às Pessoas com Sobrepeso e Obesidade
da Bahia (2008). Tem experiência na área de
SANDRA MARIA CHAVES DOS SANTOS Saúde Pública, Saúde Coletiva, Avaliação de
DCNT Doenças Crônicas Não Transmissíveis
Graduação em Nutrição pela Universidade
políticas, Saúde bucal coletiva. DHAA Direito Humano à Alimentação Adequada
Federal do Rio de Janeiro (1978), mestrado em DHANA Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas
Saúde Pública pela Universidade Federal da DP Defensoria Pública
VIVIANE ASSIS DE ARAÚJO
Bahia (1989) e doutorado em Administração
Pública pela Universidade Federal da Bahia Mestre em Saúde Coletiva, na área de DSS Determinantes Sociais da Saúde
(2001). Professor Associado da Escola de Vigilância Sanitária, pelo Mestrado Profissional EAN Educação Alimentar e Nutricional
Nutrição da Universidade Federal da Bahia. do Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFBA),
EIPCO Estratégia Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade
Desenvolve atividades de ensino de graduação 2012. Graduação em Nutrição pela UFBA
(área da saúde coletiva) e pós-graduação (2002); residência em Medicina Social, área EP Educação Popular
(Metodologia da Pesquisa em Alimentos de concentração Saúde da Família pelo EqAB Equipe da Atenção Básica
e Nutrição; Nutrição e políticas públicas; ISC/UFBA (2005), especialização EaD em
Segurança Alimentar e Nutricional) e de Gestão em Saúde pela ENSP/Fiocruz (2010) EqSF Equipe de Saúde da Família
pesquisa. Tem experiência na área de Nutrição, e, especialização em Docência na Saúde pela ESF Estratégia Saúde da Família
com ênfase em planejamento e avaliação UFRGS/Ministério da Saúde (2015). Sanitarista
GAPB Guia Alimentar para a População Brasileira
de políticas e programas de alimentação da Vigilância Sanitária e Saúde Ambiental
e nutrição, atuando principalmente nos da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, LOSAN Lei Orgânica de Segurança Alimentar
seguintes temas: avaliação de políticas desde 2007, atualmente no Núcleo Regional MP Ministério Público
e programas de saúde, alimentação e de Saúde Leste/ Região de Saúde de Cruz das
nutrição, e segurança alimentar e nutricional, Almas. MPA Movimento dos Pequenos Agricultores
desenvolvimento de metodologias para MS Ministério da Saúde
avaliação de políticas e programas sociais.
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
NASF-AB Núcleo de Apoio à Saúde da Família na Atenção Básica
OMS Organização Mundial da Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
OPS Organización Panamericana de la Salud
PBF Programa Bolsa Família
PES Planejamento Estratégico Situacional
PIDESC Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
PLANSAN Planos Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional
PNAB Política Nacional de Atenção Básica

Apresentação
PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar 
PNAN Programa Nacional de Alimentação e Nutrição
PNAPO Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica
PNAS Pacto Nacional para Alimentação Saudável
PNAS Política Nacional de Assistência Social
PNHAH Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar
PNSAN Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
PNSPI Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa
POF Pesquisas de Orçamento Familiares
PPLS Planejamento e Programação Local em Saúde Prezada(o)s cursistas, que estejamos todas e todos interessadas/
PROCON Programa de Proteção e Defesa do Consumidor os em reconhecer que políticas públicas,
PSE Programa Saúde na Escola programas, planos, estratégias e ações
É com satisfação que apresentamos existem no âmbito nacional e local para
PSF Programa de Saúde da Família a vocês o e-book intitulado Gestão do
RAS Rede de Atenção à Saúde promover o Cuidado às Pessoas com
cuidado às pessoas com obesidade: o pensar Sobrepeso e Obesidade (CPSO), e que
RSB Reforma Sanitária Brasileira e o agir, produzido para o segundo módulo
SAN Segurança Alimentar e Nutricional estratégias podem ser implementadas,
do Curso de Qualificação do Cuidado às tendo em vista o contexto de atuação de
SISAN Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
Pessoas com Sobrepeso e Obesidade, que cada um. Isto porque, essa é a expectativa
SISVAN Sistema Vigilância Alimentar e Nutricional
integra o eixo de formação do Projeto de todos no curso, estamos juntos
SMIT Serviço Municipal de Intermediação para o Trabalho
Qualificação do cuidado às pessoas com construindo uma forma diferenciada
SUS Sistema Único de Saúde
sobrepeso e obesidade no âmbito da de promover o cuidado às pessoas com
TAC Termo de Ajustamento de Conduta
atenção básica do SUS no estado da Bahia: sobrepeso e obesidade.
UBS Unidade Básica de Saúde
integrando pesquisa, extensão e formação,
UPA Unidade de Pronto Atendimento
financiado pela Chamada Pública CNPQ/ Assim, neste e-book vamos estudar e
VAN Vigilância Alimentar e Nutricional
MS/SAS/DAB/CGAN Nº 26/2018 - debater como políticas públicas existentes
VIGITEL Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito
Enfrentamento e controle da obesidade podem atuar na produção do CPSO, e
Telefônico que outros atores são potencialidades,
no âmbito do SUS.
ou podem ser obstáculos à organização
No primeiro e-book deste curso do CPSO no contexto da Atenção Básica,
refletimos sobre a obesidade a partir considerando as dimensões sociais,
de diferentes perspectivas de saberes, culturais, ambientais, econômicas e
compreendendo-a como um problema de políticas do fenômeno. Pensar o CPSO
saúde pública, uma condição da pessoa é agir para criar contextos possíveis para
e como um fenômeno social complexo instituir modos de vida mais saudáveis e
e multidimensional. Tais reflexões sustentáveis!
necessariamente mobilizaram análises
sobre as ações realizadas (ou não) no Para tanto, organizamos este e-book
âmbito da atenção básica para lidar com em três Unidades: I - Repensando o
esse fenômeno. A partir daí, espera-se sobrepeso e a obesidade a partir da
12
12 Gestão do cuidado às pessoas com obesidade: o pensar e o agir Apresentação
13
13

organização estrutural e histórica das análise situacional relativa ao sobrepeso/


políticas públicas; Unidade II - As políticas obesidade no território e em um plano 4) Utilizar um celular tipo smartphone
públicas e as redes vivas de trabalho de ação a ser elaborado pelos cursistas, com o aplicativo para leitura de QRcode.
em saúde no contexto do sobrepeso e que vem sendo construído no curso, Caso não tenha, basta entrar na loja
obesidade e Unidade III - Planejando desde o módulo 1, quando pensamos na do seu dispositivo e fazer o download
intervenções para o cuidado às pessoas dimensão epidemiológica do problema gratuitamente.
com sobrepeso e obesidade em diferentes e incorporamos outras perspectivas
territórios. para refletir sobre ele. Então, nessa
Na Unidade I são feitas revisões unidade vamos agregar ferramentas de
planejamento para que os conhecimentos Usando QRcode
e aproximações com aspectos que
envolvem a formulação/implementação antes discutidos sejam sistematizados
de políticas públicas, especialmente em uma análise contextualizada do
as políticas sociais. Considerando as problema no território (produto do curso
pessoas como titulares de direitos, os para gestores) e na construção de um
quais devem ser garantidos via políticas plano de ação (produto do curso para
públicas importa reconhecer se e como trabalhadores do NASF-AB), dentro de Aponte a câmera para o
os usuários podem acessar informações e uma concepção estratégica. código. Em seguida, clique
as redes de cuidados, assim como utilizar Vamos então nessa aventura dos saberes no link que aparecer na
os mecanismos de exigibilidade de seus e partilhas? tela do seu celular. Pronto!
direitos. Para pensar as políticas públicas
o curso incorporou o modelo teórico do
ciclo das políticas públicas, e com isto Ao longo do e-book, você vai
poderemos abordar as ações públicas encontrar, links e quadros com acesso
de interesse desde a concepção de um para informações complementares ao
problema e sua incorporação à agenda, que trabalharemos por aqui. Preparamos
até os mecanismos de monitoramento e indicações de arquivos, vídeos, páginas e
avaliação, passando pela implementação. outros conteúdos disponíveis na internet
para enriquecer ainda mais o seu processo
Na Unidade II o objetivo é o de contribuir de formação!
para que seja possível identificar/construir
redes para a produção do cuidado às
pessoas no contexto do sobrepeso e Possibilidades de apresentação e acesso
obesidade, articulando políticas públicas ao material complementar indicado:
e outros atores nos espaços de atuação dos
cursistas. Redes que permitam conhecer
e compreender como o sobrepeso/ 1) Clicar no texto em destaque
obesidade se expressam em cada território (sublinhado);
que trabalhamos e vivemos, considerando 2) Usar o título do quadro para
as diversidades e vulnerabilidades sociais. buscar as informações em sites de busca
Na Unidade III, o foco é organizar a da internet;
ação. Um processo que resultará em uma 3) Copiar o link e colar no navegador;
15

Repensando o sobrepeso e a obesidade


a partir da organização estrutural e
histórica das políticas públicas

Débora Santa Mônica Santos, Camila dos Santos


Rodrigues, Flávia Pascoal Ramos e Jasilaine Andrade
Passos

Apresentação

Caro (a) cursista, seja bem-vindo (a)!

Estamos iniciando a 1ª Unidade do Módulo 2 do Curso Qualificação do


Cuidado às Pessoas com Sobrepeso e Obesidade no âmbito da Atenção
Básica. 
Nesta 1ª Unidade, intitulada: “(Re)pensando o sobrepeso e obesidade
a partir da organização estrutural e histórica das políticas públicas”
propomos reflexões e aprendizados sobre a construção político-histórica
e social das  políticas públicas de saúde no País, as bases legais do Direito
à Saúde e do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas
(DHANA) e Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), bem como os
seus mecanismos de exigibilidade.  
Espero que, ao estudar sobre o cuidado às pessoas com sobrepeso
e obesidade, possamos refletir também sobre o autocuidado – pois
precisamos estar bem para cuidar do outro, principalmente, durante a
pandemia do COVID 19, que tem atravessado as nossas vidas e afetado
a saúde de muitos profissionais de saúde..., portanto, sigamos atentos!
16 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 17

Vamos começar com as seguintes reflexões: 


I - Introdução ao estudo das políticas públicas
Você já pensou o que é uma política pública? Como elas são construídas/formuladas?
Como se configura a garantia de direitos sociais e, especialmente o direito à saúde no
Brasil? E, mais, como esses direitos podem ser exigidos em situação de violação? 
Iniciamos essa unidade com um relato de uma “Sessão Temática”, fictícia, elaborada
Assim, para fins didáticos, esta unidade está dividida em três blocos: i) Introdução ao para tornar a discussão sobre política mais próxima do cotidiano dos serviços e gestão.
estudo das Políticas Públicas; ii) Resgate da construção do Sistema Único de Saúde - SUS: A equipe multiprofissional dessa “Sessão Temática” é composta por profissionais que
materialização da política de saúde e; iii) Direito à Saúde: mecanismos de exigibilidade.  atuam em um Núcleo de Apoio à Saúde da Família-AB. Cada integrante teve duas
semanas para realizar a leitura do texto didático “Introdução ao estudo de política
Ao longo do texto encontrará momentos para reflexões, para que possam (re)pensar a
pública”. A exposição dialogada será realizada com a retirada de perguntas, previamente
realidade do seu território com base na temática abordada, além de sugestões de leituras
elaboradas, que foram deixadas em envelopes enumerados de 1 a 5. Cada profissional
e um vídeo documentário.  recebeu um envelope que foi sendo aberto e respondido pela ordem numérica,
Deste modo, desejamos a todos(as) bons estudos! recorrendo as palavras do texto e seus autores. Vejamos...

1ª SESSÃO TEMÁTICA

Envelope 01: O que é uma Política Pública? Existe diferença entre política pública e
política? Voluntariamente uma das colegas se prontificou a responder:

Ana (Psicóloga):
Política Pública – é um campo do conhecimento que busca colocar o
governo em ação, ou seja, direciona o curso da ação pública (SOUZA,
2006).

João (Terapeuta Ocupacional) pediu a palavra e acrescentou...


Em contextos democráticos, a formulação de políticas públicas busca
produzir mudanças em uma situação real, em geral, em um problema na
sociedade. E cada sociedade define, a partir das diferentes forças sociais
que existem, o que é considerado justo e em muitos casos há contradições
importantes entre o que as leis definem como justo e o que na prática
acontece (SANTOS, 2008).
Além disso, considero que existem diferenças conceituais entre Políticas
Públicas e Política. A política pode ser definida como um conjunto de
regras, formais e informais, explícitas ou implícitas, que guiam como uma
organização trabalha e como tenta influenciar as áreas sobre as quais tem
responsabilidade (SANTOS, 2008).

Envelope 02: Já que compreendemos o que é uma política pública e que essa difere
de política, o conceito de Estado e Governo, também apresentam diferenças?
18 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 19

Caio (Nutricionista) compartilha com o grupo...­ Envelope 3: O que se entende por Políticas sociais?
Entendo que Governo e o Estado têm a prerrogativa central na formulação
e implementação de políticas públicas, bem como a obrigação principal
na garantia de direitos, ainda que esta política envolva diferentes setores Maria (Fonoaudióloga) comenta:
que podem não fazer parte diretamente do governo (SANTOS, 2008). O conceito de política sociais não é consenso na literatura, pois costuma
variar de acordo com a trajetória histórica de cada sociedade. Mas o
entendimento de política social proposto por Castro et al., (2009, p. 58)
Ana, pelo que entendi... refere-se a um “conjunto de programas e ações do Estado, com o objetivo
Cabe ao Estado regular a forma como operam as instituições, sejam de atender as necessidades e os direitos sociais que afetam as condições
governamentais ou não, de modo a garantir que suas ações não venham básicas de vida da população, inclusive aqueles que dizem respeito à
a violar os direitos instituídos e não ameacem a vida pública. Isto quer pobreza e à desigualdade”.
dizer, que as políticas públicas tratam de aspectos de interesse comum
aos cidadãos em uma sociedade.
Mas o que são direitos sociais – Pergunta retirada do envelope 4
Nanda (Fisioterapeuta): Resumindo...
Já que ESTADO e GOVERNO formulam e implementam as políticas
públicas, existe diferença conceitual? Responde, Pedro (Enfermeiro):
São aqueles garantidos na Constituição Federal (CF) de 1988, a saber: a
João: Eu posso esclarecer, Nanda! educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
Vejamos abaixo os conceitos entre Estado e Governo... infância, a assistência aos desamparados.
Ainda Pedro:
O Estado pode ser definido como um conjunto de instituições que fazem Nesse sentido, entende-se que a política social é uma ferramenta
funcionar o governo, constitui, portanto, uma forma de organização importante utilizada pelo Estado para potencializar o bem-estar social.
política através da qual se exerce um controle legítimo sobre uma
nação ou território (BRESSER-PEREIRA, 1995; SANTOS, 2008).

O Estado tem uma função estratégica e intransferível nas políticas Envelope 5: O que são políticas de saúde?
públicas, porque dispõe de instituições em seus três poderes – Executivo,
Legislativo e Judiciário – que receberam por parte da sociedade a
atribuição e os recursos (através dos impostos) para atuar sobre questões Rita: (Professora de Educação Física):
de interesse público, ou seja, necessidades e interesses coletivos sobre Informa que responderá a última pergunta que está no envelope 5! Para
os quais os indivíduos e os grupos sociais não poderiam operar de forma finalizar, qual o entendimento de política de saúde?
privada, e que afetam a todos (SANTOS, 2012).
Agora que entendemos o que é uma política social, vamos ao conceito
de política de saúde. Primeiro, é importante ressaltar que as políticas
Já o Governo consiste na direção que é dada ao Estado, por aqueles de saúde integram o conjunto das políticas sociais e que estas estão
grupos que assumem o seu poder, uma vez que recebem da sociedade garantidas na Constituição Federal. Assim, entende-se por política de
a atribuição e os recursos para atuar sobre questões de interesse saúde a ação ou omissão do Estado diante das condições de saúde dos
público e exercer temporariamente a operação das instituições do indivíduos e das populações e seus determinantes (PAIM; TEIXEIRA, 2006).
Estado, como o Congresso, as Câmaras dos deputados e vereadores, os
ministérios, secretarias, as empresas públicas, dentre outros (BRESSER-
PEREIRA, 1995; SANTOS, 2008).
20 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 21

Contextualizando Então, trata-se de uma concepção relevante, pois suas etapas correspondem a uma
sequência de elementos do processo político-administrativo e podem ser investigadas
no que diz respeito aos atores, às suas relações, seus recursos de poder, às redes políticas,
Com base nessas reflexões iniciais sobre políticas públicas, você identifica políticas sociais e práticas que se encontram tipicamente em cada fase e sobre as quais se deseja
voltadas para o Cuidado às Pessoas com Sobrepeso e Obesidade (CPSO) no seu aprofundar o conhecimento (RAEDER, 2014).
território de atuação? Quais? Lembre-se de considerar uma perspectiva ampliada do
“fenômeno da obesidade” apresentada no Módulo I. A desagregação em etapas ou categorias de análise torna todo o processo das políticas
públicas mais facilmente apreensível. Desta forma, a ação pública, orientada para a
resolução dos problemas, é analisada como um processo sequencial e inacabado que
Finalizamos essa dinâmica de “Sessão Temática” na expectativa de demonstrar a se repete e reconstrói, em resultado de mudanças induzidas por efeito de feedback das
possiblidade de atualizar conceitos nos nossos processos de trabalho, que pode ser próprias políticas públicas, ou por alterações do contexto ou da relação entre os atores e
reproduzida com diversas temáticas. instituições envolvidos (ARAUJO; RODRIGUES, 2017).

E agora, para compreender melhor o processo de emergência de uma política pública Trataremos, nas subseções a seguir, das diversas etapas do Ciclo:
utilizaremos o modelo de etapas adotado pelo ciclo das políticas públicas. Cabe destacar
que esse não é um modelo de como fazer política e sim uma proposta teórica para
1. Percepção e definição de problemas
compreender o processo.
Um problema público pode aparecer subitamente como epidemias, catástrofes naturais,
etc.; pode ganhar importância aos poucos como congestionamentos nas grandes cidades;
Ciclo de políticas públicas pode estar presente há muito tempo e não ser percebido, pois a população aprendeu a
O ciclo de políticas públicas é uma concepção abstrata do processo político, que conviver com ele, entre outros.
funciona como um recurso de análise das políticas públicas, embora não aconteça Algumas especificidades estão relacionadas Exemplificando um problema...
exatamente dessa forma na prática porque o processo real não costuma ser tão ordenado. à configuração de um problema público. Algumas questões são mais consensuais
Mas, de alguma forma, todas essas etapas (esquematizadas na figura 1) estão presentes. Primeiro, o caráter intersubjetivo que marca do que outras, como, por exemplo, a
a percepção do problema público por alguns questão de políticas de combate ao abuso
atores envolvidos; o segundo envolve o sexual infatil, tema que dificilmente
estabelecimento dos elementos constituintes aglutina posições desfavoráveis na
do problema e, por fim, cabe pontuar, que arena pública.
grande parte dos problemas existentes na
agenda não avançam devido a escassos recursos financeiros públicos (RAEDER, 2014).
Os atores envolvidos podem ser pessoas ou entidades que de algum modo atuam sobre

Um problema é a discrepância entre o status quo e uma situação ideal possível.


Dentre os diversos problemas que a sociedade apresenta, alguns deles são percebidos
como prioritários e passíveis de resolução pelo sistema político. Esta é a questão central
da etapa de definição de problemas, que é permeada tanto por critérios técnicos como
por circunstâncias (RAEDER, 2014).

a definição de políticas públicas. Eles podem ser definidos como governamentais ou não
governamentais. O primeiro grupo é composto por personalidades políticas, funcionários
Figura 1. Principais etapas do ciclo de políticas públicas. do governo, juízes, entre outros e o segundo grupo é composto por partidos políticos,
Fonte: Elaborado e adaptado pelas autoras a partir de Raeder (2014)
22 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 23

meios de comunicação, grupos de interesses, pesquisadores, especialistas, organizações 3. Formulação da Política/Tomada de Decisões
diversas (MACEDO et al., 2016; SECCHI, 2013).
A partir da introdução do problema na agenda, os esforços de construção e combinação
Algumas possíveis causas e soluções para o problema também são pensadas nessa de soluções para problemas são cruciais (SECCHI, 2013). Dependendo do grau de
etapa. Entretanto, considera-se que a definição oficial do problema é temporária, pois conhecimento disponível sobre o problema a ser tratado pela política, a formulação
nas fases sucessivas, os problemas públicos podem ser redefinidos ou adaptados. poderá conter parâmetros bem específicos acerca dos beneficiários e dos recursos
envolvidos (RAEDER, 2014). A formulação de alternativas de solução se desenvolve
por meio de uma análise minuciosa das consequências do problema e dos potenciais
2. Formação da Agenda
custos e benefícios de cada alternativa disponível, ou ainda por meio de soluções já
A agenda é formada por um conjunto de problemas que se tornaram relevantes. Eles existentes ou de interesse de algum grupo que “procura” por problemas.
entram e saem da agenda o tempo todo. De acordo com Secchi (2013) existem três tipos
A etapa de construção de alternativas é o momento em que são elaborados métodos,
de agenda:
programas, estratégias, ou ações que poderão alcançar os objetivos estabelecidos. Um
A Agenda política, integrada por conjunto de problemas que a comunidade política mesmo objetivo pode ser alcançado de várias formas, por diversos caminhos. Cada
avalia como merecedores de intervenção; a Agenda institucional/formal, representada uma das alternativas vai requerer diferentes recursos técnicos, humanos, materiais e
por problemas que o poder público, a partir de múltiplas motivações, decidiu enfrentar financeiros.
e; a Agenda da mídia qual, contempla os problemas que recebem atenção especial
Existem três formas de entender o processo de escolha de alternativas de soluções
dos diversos meios de comunicação. Considera-se que devido ao poder da mídia essa
para problemas públicos:
agenda as vezes condiciona às demais.
1. Os tomadores de decisão têm problemas nas mãos e correm atrás de soluções
Secchi (2013) reconhece também três condições para que um problema ingresse na
e busca-se escolher qual alternativa é mais apropriada em termos de custo, rapidez,
agenda política: (a) atenção, atores devem considerar que é necessária uma intervenção
sustentabilidade, equidade, etc.;
na situação apresentada; (b) resolutividade, ações devem ser consideradas necessárias
e factíveis; (c) competência, o problema deve tocar responsabilidades públicas. 2. Os tomadores de decisão vão ajustando os problemas às soluções, e as soluções aos
problemas, o estabelecimento de objetivos e a busca de soluções são eventos simultâneos
Outra proposta de categorização da agenda reconhece três tipos: sistêmica ou não
e ocorrem em um processo de comparações sucessivas e limitadas;
governamental, governamental e de decisão. Na primeira estariam os assuntos que há
anos preocupam a sociedade, mas que não ganharam atenção do governo. Na segunda, 3. Os tomadores de decisões têm soluções em mãos e correm atrás de problemas:
os assuntos que são alvos de preocupação governamental; e, na terceira, estaria a lista já têm preferência por uma proposta de solução existente e buscam inflar um problema
dos problemas a serem decididos pelos legisladores (RAEDER, 2014). na opinião pública e no meio político de maneira que sua proposta se torne política
pública (SECCHI, 2013).

Você sabia?
A obesidade ganhou destaque na agenda pública internacional nas três últimas 4. Implementação
décadas, entretanto, no Brasil, se tornou objeto de políticas públicas nos últimos 15 É a concretização da solução dos problemas que foram definidos na agenda decisória;
anos (DIAS, et al. 2017).
isto é, executar as ações pensadas tendo em vista os problemas a serem superados
em realidades específicas. Momento em que regras, rotinas e processos sociais são
convertidos de intenções em ações (SECCHI, 2013).
Pensando na nossa realidade...
Como ocorreu o processo de formação da agenda em seu município? Teve a sua Nesse sentido, o ponto relevante na fase de implementação é o consenso sobre as
participação? metas e os objetivos entre aqueles que executam a política e os que a formulam. É muito
Você considera que a pandemia do COVID 19 modificou a agenda no seu importante um bom relacionamento entre formuladores e implementadores para a
território de atuação? De que forma? concretização de políticas exitosas (RAEDER,2014).
24 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 25

Ao menos dois modelos de implementação de políticas públicas podem ser


Para refletir...
considerados, o top-down (cima-para-baixo) e o bottom-up (baixo-para-cima).
Qual o grau de autonomia que o município tem no CPSO do seu território?
No primeiro modelo há uma separação entre formuladores e implementadores.
Qual o grau de autonomia que o município tem nas ações de controle da pandemia do
Esse modelo privilegia a formulação, centrada em um determinado nível da gestão, COVID 19?
considerando a implementação como um esforço administrativo banal. O modelo é
então considerado hierárquico (SECCHI, 2013). 5. Monitoramento e Avaliação
Vamos considerar, por exemplo, que o São entendidos como ferramentas capazes de contribuir para a melhoria do desempenho
município X resolveu formular um programa de política e programas e de indicar o alcance dos resultados previstos (PNUD, 2002).
voltado ao CPSO a ser implementado na Atenção Ambos contribuem para a mensuração e análise do desempenho, assim, é relevante situar
Básica (AB). Assim, o Secretário de Saúde e a
o que diferencia estes dois momentos.
Coordenadora da AB definiram os objetivos, as
ações e como deveriam ser realizadas, de onde A avaliação tem propósito finalístico, ou seja, propõe identificar se os objetivos
viriam os recursos e as atribuições de todos os atores inicialmente desenhados foram alcançados. O monitoramento, por sua vez, é uma função
envolvidos. Ao finalizarem toda organização e contínua que objetiva fornecer aos envolvidos com a política, informação periódica sobre
planejamento, encaminham as orientações para
toda rede municipal de AB para que começassem
os avanços, ou sobre os obstáculos deste, na direção do alcance dos resultados pretendidos.
a executar o Programa. Figura 2. Imagem que ilustra o modelo Top-down. De modo geral o monitoramento implica em coletar e analisar de forma permanente
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de Secchi, 2013.
dados sobre os processos de implementação, considerando uma análise comparativa entre
o desenvolvimento real da ação e o previsto anteriormente (PNUD, 2002; SERRA, 2004).
O segundo preconiza maior atuação de governos e atores envolvidos, que estão tanto
no nível de concepção da ação como na execução das políticas. Haveria, portanto, A fase de avaliação pode ocorrer em três diferentes etapas da implementação da política:
maior liberdade por parte daqueles que implementam a política para realizar os ajustes antes, durante ou depois. Importante considerar que os parâmetros de avaliação devem
necessários a partir de feedbacks que podem alterar tanto a percepção do problema ser claramente expostos, a fim de que esta etapa sirva adequadamente para a melhoria
como a forma de intervenção. Um diferencial importante é a autonomia dos níveis mais das atividades em curso e para a formação dos envolvidos diretamente com a política
descentralizados de agir considerando as realidades locais. (BAPTISTA; REZENDE, 2015; SECCHI, 2013).
A avaliação é a fase do ciclo em que o processo de implementação e o desempenho da
Considerando o mesmo exemplo do município política pública são analisados com o intuito de conhecer melhor o estado da política e
X, agora no modelo bottom-up (baixo-para-cima). o nível de redução do problema que a gerou. Por isso é de fundamental importância a
Assim, o secretário de saúde e a Coordenadora da AB
previsão dos processos de monitoramento e avaliação no desenho da política.
ao decidirem formular o programa, solicitaram que
fossem realizadas oficinas com todos os atores da AB
que estivessem envolvidos na execução do Programa
buscando identificar sugestões de objetivos, ações e Limites do Ciclo de políticas públicas
demais questões que esses profissionais conheciam a Alguns limites são apontados para o modelo do ciclo de políticas públicas. Os críticos
partir da experiência de trabalho no município. deste modelo enfatizam, sobretudo, o fato de ele criar a falsa ilusão de que há uma
Após idas e vindas no processo de construção do
Programa e a proposta final foi pactuada em uma
perfeita separação temporal entre os diversos processos envolvidos nas políticas públicas
reunião ampliada com todos os envolvidos. Ficou definido (SECCHI, 2013). No mundo real, os processos são muito complexos e interativos. Além
também mecanismos de monitoramento da execução do disso, o modelo não fornece elementos para explicar como e por que uma política passa
Programa que deveriam ser encaminhados mensalmente de um momento a outro.
a Coordenadora da AB e oficinas trimestrais para
realizar possíveis ajustes e adequações no Programa com Por fim, cabe ressaltar que o ciclo de políticas públicas se trata de uma ferramenta teórico-
Figura 3. Imagem que ilustra o modelo bottom-up . vistas a alcançar os objetivos propostos e os resultados metodológica que contribui para organizar o estudo de políticas públicas, sendo necessário
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de esperados com a implementação do mesmo. reconhecer que a cada etapa são indicadas predominâncias e não essencialidades.
Secchi, 2013
26 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 27

2. Resgate da construção do Sistema Único


de Saúde (SUS): materialização da política de
saúde

Vimos anteriormente que política pública é um campo do conhecimento que busca


colocar o governo em ação, ou seja, direciona o curso da ação pública afetando a todos
os cidadãos. Nesta perspectiva, as políticas públicas de saúde são viabilizadas por meio Assim, durante a VIII Conferência
do SUS, que tem por princípios orientadores a universalidade, equidade e integralidade, Nacional de Saúde, com análise de vários
estudos e proposições para a RSB, que o Você sabia que as Conferências
e para entendermos melhor como se deu esse processo e como tais conceitos se
relatório final inspirou o capítulo “Saúde” de Saúde são espaços de participação
materializam no cotidiano dos serviços de saúde, vamos relembrar e resgatar histórico
da Constituição Federal (CF). Na CF de social importante para a construção
da sua construção?
1988 o direito à saúde é trazido nos artigos e melhoria das políticas públicas de
196 a 200, mas sua efetivação ocorre em saúde que são executadas no dia-a-
Saindo da caixinha:
1990 com a promulgação das Leis 8.080, dia da AB?
que organiza o sistema de saúde, e 8.142
Você já pensou o que tínhamos antes do SUS? Como eram feitos que garante a participação da comunidade
os atendimentos à população?
na gestão do SUS, bem como trata dos recursos financeiros. A legislação traz ainda os
Dá uma olhada nesse vídeo e relembre conosco essa parte da princípios e diretrizes norteadoras do SUS, e o dever do estado de garantir assistência
história da saúde pública no Brasil! à saúde. Além disso, traz em seu artigo 3º que a saúde tem como determinantes e
condicionantes a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o
trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos
bens e serviços essenciais, ou seja, condições sociais a fim de se alcançar um estado de
Percebeu que o processo de construção do SUS foi longo e com contribuição de diversos
saúde ideal (BRASIL, 1990).
seguimentos? Estes grupos se organizaram – dentre eles: sociedade civil, movimentos
sociais, religiosos e acadêmicos – para exigir Esta compreensão se coaduna com a definição de Determinantes Sociais da
junto ao estado um sistema que funcionasse na Saúde (DSS), que são condições sociais, psicológicas e inclusive comportamentais
Clique e assista a entrevista que influenciam diretamente na saúde física e nos fatores de risco para doenças na
prática e que não fosse dependente de trabalho
do professor Jairnilson Paim população, tal conceito vem sendo construído ao longo da história e utilizado por
formal, caridade, mérito ou poder aquisitivo, ou sobre a Reforma Sanitária. cientistas e organizações de saúde, tais como a Organização Mundial da Saúde (OMS)
seja, universal e gratuito! Esse movimento ficou
a fim de identificar e eliminar os fatores que prejudicam a saúde da população. Nesse
conhecido como Reforma Sanitária Brasileira
sentido, podemos pensar a saúde na sua amplitude e na sua complexidade, e entender o
(RSB). Foi considerada como um projeto de reforma social, pois os problemas não processo saúde-doença além da visão biológica e que ultrapassa os limites dos serviços
restringiam ao indivíduo e a lógica separatista não dava conta de resolver a saúde como ambulatoriais e hospitalares.
questão social, exigia-se respostas da sociedade e do poder público (ALMEIDA-FILHO,
PAIM, 2014).
Vamos assistir à abertura da Conferência?
28 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 29

conceito polissêmico e que continua a ser discutido e em construção, pois entende-se


que a ausência da gestão participativa e dos processos de controle social comprometem
a garantia constitucional do direito à saúde.
Dentre outros programas que também se consolidaram enquanto política
– devido à necessidade de sua ampliação – voltemos a atenção para o Programa de
Saúde da Família (PSF) que foi posteriormente intitulado como Estratégia de Saúde da
Família (ESF) instituído em 1994, e era regulamentado por portarias e normativas do
Ministério da Saúde (MS). Mas somente em 2006, a ESF amplia-se na Política Nacional
de Atenção Básica (PNAB) e com a criação dessa política houve uma reorientação dos
modelos de atenção vigentes direcionando as novas concepções de cuidado, incluindo,
por exemplo, questões organizativas de níveis de complexidade tecnológica no processo
de produção do cuidado, e gerencial no que diz respeito às ações e serviços oferecidos,
culminando na construção das Redes de Atenção à Saúde (RAS).
Figura 2: Modelo de Dahlgren e Whitehead utilizado pela Comissão de Determinantes Sociais em Saúde. Desse modo, a AB é coordenadora do cuidado na RAS, sendo a porta de entrada aberta
Fonte: Sítio da ABRASCO. e preferencial dos indivíduos no sistema. Atua como centro de comunicação da RAS,
no sentido de ordenar em todos os pontos de atenção, fluxos e contrafluxos de pessoas,
produtos e informações, além de possuir espaço privilegiado para a gestão do cuidado
Visualizando a figura 2... das pessoas e para garantia da efetivação do princípio da integralidade (BRASIL, 2017).
Você consegue perceber como a saúde está condicionada a uma série de elementos,
individuais e coletivos? Percebe isto também no seu território de atuação?
Atenção Básica à Saúde ou Atenção Primária à Saúde?
Termos equivalentes? Qual o termo utilizado nas políticas públicas de Saúde
Embora o debate acerca deste conceito seja recente, desde a RSB discute-se a necessidade brasileiras?
de garantir o acesso, mas ao mesmo tempo a qualidade nos serviços, considerando para Segundo Giovanella (2018) o emprego do termo “atenção básica à saúde” começou
tal a realidade sanitária da população e as condições sociais, fazendo críticas ao modelo a ser utilizado pelo Movimento Sanitário Brasileiro numa tentativa de diferenciação
hospitalocêntrico, de forma que houvesse um atendimento humanizado para todos. ideológica em relação ao reducionismo presente na ideia de atenção primária
(modelo americano), com o objetivo de construção de um sistema público universal
Não por acaso, já no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, em meio a muitas em uma concepção de cidadania ampliada. No Brasil, o termo “primária” direcionou-
queixas por parte dos usuários aos serviços de saúde, entre elas longas filas e maus tratos, se a concepção de uma atenção focalizada, restrita e daria ideia de “primitiva” ou
a XI Conferência Nacional de Saúde trouxe como tema “Efetivando o SUS: Acesso, “medicina pobre para os pobres”. Na literatura internacional, por vezes, diferencia-se
qualidade e humanização na atenção à saúde como controle social”, pressionando a também primary healthcare (correspondente à concepção integral de saúde) e primary
elaboração do Programa Nacional de Humanização da care (atenção primária) para designar, nos países com sistemas públicos universais,
Assistência Hospitalar (PNHAH), tal programa tinha os serviços de primeiro contato com atenção centrada em médicos generalistas.
maior foco na saúde da mulher e da criança e mostrou- Entretanto, a Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017 que revisa a Política Nacional
Para saber mais!
de Atenção Básica adota ambos os termos como equivalentes associando a ambas os
se ineficaz devido à limitação das suas ações. Política Nacional de princípios e diretrizes norteadores da política.
Mais tarde, em 2004 é criada a Política Nacional Humanização.
Para saber mais: Giovanella, L. Atenção básica ou atenção primária à saúde? Cad.
de Humanização ampliando-se a concepção de Saúde Pública, v. 34. 2018
humanização e transformando o programa em política,
traduzindo-se em “qualificação da atenção e da gestão, ou
seja: atenção integral, equânime, com responsabilização As ações e serviços de saúde são desenvolvidos através de gestão qualificada e práticas
e vínculo; para a valorização dos trabalhadores e para o de cuidado integrado por equipe multiprofissional. As ações de saúde que caracterizam
avanço da democratização da gestão e do controle social” a AB abarcam “promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação,
(BRASIL, 2004, p. 09). Este ainda permanece como um redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde”. Elas são dirigidas à população
30 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 31

de um território definido, considerando-se os níveis individual, familiar e coletivo. Cada


Quadro A. Quer saber mais sobre as mudanças da PNAB? Vamos analisar algumas delas?
território é responsabilidade sanitária da equipe multiprofissional (BRASIL, 2017, p.01).
2011 2017
Dentre os diversos esforços empreendidos no sentido de melhorar os modos de
produção do cuidado na AB, cabe lembrar e destacar a implantação do apoio matricial e Equipe Médicos poderiam estar vinculados à Foi retirada a previsão de carga-horária (8h) para edu-
duas unidades; cação permanente e a possibilidade de médicos terem
a criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) em 2008, com o objetivo de Não previa eAB; carga-horária de 20 ou 30 horas, sendo aceita apenas 40
auxiliar as equipes de referência no desenvolvimento Enfermeiro da EACS planejasse, coorde- horas;
Compartilhe conosco! de ações clínico-assistenciais e técnico-pedagógicas, nasse e avaliasse as ações desenvolvidas Todos os profissionais vinculados a uma unidades;
Há quanto tempo você atua de modo a ampliar a resolutividade na AB e pelos ACS; Enfermeiro supervisor” vinculada ao ACS;
na AB? Visualizou estas ou racionalizar os encaminhamentos para serviços de ACS Na edição de 2011 o mínimo era de 4 As EqAB não tem obrigatoriedade da atuação de ACS, al-
outras mudanças enquanto Atenção Especializada (TESSER, 2006; TESSER; ACS/equipe; terando também o quantitativo desses profissionais nas
profissional ou como usuário? POLI NETO; CAMPOS, 2010; BRASIL, 2010; EqSF (1ACS/equipe), havendo recomendação de que es-
BRASIL, 2014). ses trabalhadores cubram 100% da população em situa-
ção de risco e vulnerabilidade em detrimento da atenção
Destacamos, que a PNAB passou por duas revisões sendo orientadas por contextos a toda população adscrita;
socioeconômicos diferentes e em governos distintos, a primeira em 2011 reafirmou as Trabalhar com adscrição e cadastramento Aumento nas atribuições dos ACS facultando-lhes
diretrizes da edição anterior e flexibilizou a carga horária da categoria médica visando de famílias; competências geralmente atribuídas aos técnicos de
preencher déficits desses profissionais. A segunda realizada em 2017, fortemente Orientar famílias e realizar visitas enfermagem;
domiciliares; Unificação das atividades dos ACS com a dos agentes co-
marcada por disputas técnico-políticas entre o MS e as instâncias representativas de munitários de endemias (ACE) - que também passam a
secretarias municipais e estaduais de saúde. Veja mais sobre estas mudanças no quadro poder ser incorporados na EqSF;
A! (BRASIL, 2017; GOMES et al, 2020). NASF Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica
Núcleo de Apoio à Saúde da Família;
Tais mudanças, somadas aos desafios cronicamente enfrentados pela AB, como - NASF-AB.
a inadequação da infraestrutura, dificuldade de atração de profissionais médicos e Nenhum profissional poderá ter carga ho- A carga horária dos profissionais não foi detalhada e as
subfinanciamento (MELO, 2018) tendem a comprometer a qualidade dos serviços de rária semanal menor que 20 horas; equipes passam a cobrir também as unidades básicas
saúde. tradicionais;

Ressaltamos que a AB tem atribuição fundamental na qualificação do cuidado. Um A contratação de trabalhadores que permitam uma abor-
exemplo disso é seu papel no enfrentamento da pandemia de COVID-19 no país. dagem multiprofissional já não tem apoio federal, ficando
a critério do financiamento municipal.
Nessa perspectiva, a literatura aponta, inclusive comparando com experiências
Secretarias Organizar fluxos de usuários Organizar fluxos de usuários inserindo em linhas de
internacionais baseadas na atenção hospitalar, que o modelo brasileiro com enfoque
Municipais cuidado;
territorial e abordagem comunitária é uma potencialidade para o enfrentamento da de Saúde Estabelecer e adotar mecanismos de encaminhamento;
pandemia através da rede assistencial de cuidados de forma capilarizada (MEDINA, et Garantir acesso ao apoio diagnóstico e laboratorial;
al. 2020).
Financia- Recursos para projetos específicos, estru- Não prevê financiamento com recurso federal;
mento turação, requalificação das Unidades, ava-
liação do acesso e qualidade (PMAQ);
Para refletir... O recurso (per capita) será calculado pela O recurso per capita será transferido com base num valor
multiplicação da população de cada mu- multiplicado pela população do Município;
Considerando a temática central, quais políticas e programas podem ser citados que
nicípio e do Distrito Federal por um valor,
historicamente vem promovendo ações de CPSO no seu território? fruto depactuação tripartite segundo cri-
tério de equidade;

Desse modo, destacamos a importância de valorizar a AB e nos mantermos vigilantes Para saber mais sobre isso, leia as referências abaixo:
MELO, E.A. Mudanças na Política Nacional de Atenção Básica: entre retrocessos e desafios. Saúde em Debate. V. 42, Número Especial
diante de constantes ameaças de mitigação dessa política tão fundamental para a 1, P. 38-51, 2018.
concretização dos princípios doutrinários do SUS. Podemos contribuir, inclusive, BRASIL. Portaria nº 2.979 de Novembro de 2019. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.979-de-12-de-no-
qualificando a produção do cuidado, não é verdade? vembro-de-2019-227652180>. Acesso em: 11 ago. 2020.
32 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 33

Pontua-se que a temática da alimentação e nutrição consta na agenda política do Brasil Nessa perspectiva, a nova versão da PNAN reafirma o seu compromisso de contribuir
desde a década de 30, e ao longo dos anos várias políticas e programas relacionados a para garantia da SAN e do DHAA e institui como sua 9ª diretriz a cooperação e
essa temática foram aprovadas e implementadas. articulação para SAN. Esse cenário marca a construção de um conjunto de ações com
No SUS, destaca-se a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), criada esse objetivo no Brasil, mas que, no contexto do CPSO ainda apresenta limitações.
em sua primeira versão em 1999 e atualizada em 2011. Desde a sua criação o Brasil já Dentre as ações que foram aperfeiçoadas nesse cenário pode-se citar o monitoramento
convivia com situações extremas: a desnutrição e a carência de alguns micronutrientes da situação alimentar e nutricional da população brasileira e a atualização das diretrizes
e a crescente prevalência de sobrepeso e obesidade. Nesse contexto, a PNAN afirmava alimentares para esse mesmo público.
ter como fio condutor das suas diretrizes o Direito humano à alimentação e a segurança Um dos exemplos da primeira ação é a vigilância alimentar e nutricional (VAN),
alimentar e nutricional (SAN) e apontava para a necessidade da construção de uma que se constitui como a 3ª diretriz da PNAN e consiste na descrição de tendências das
Política de SAN (PINHEIRO, 2009; BRASIL, 2003). condições de A&N da população e seus determinantes. Para tanto, houve investimento
Além disso, é importante marcar que o Conselho Nacional de Segurança Alimentar na implementação do Sistema Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) nos
e Nutricional (CONSEA) – autarquia vinculada ao governo para o controle social, municípios brasileiros com vistas monitorar o padrão alimentar e o estado nutricional
criado em 1993, havia sido extinto em 1995 no governo de Fernando Henrique Cardoso dos indivíduos atendidos pelo SUS. Ademais, a aplicação dos inquéritos alimentares,
e, desse modo, a criação da PNAN foi considerada uma conquista e um meio de garantir como as Pesquisas de Orçamento Familiares (POF) e a vigilância de fatores de risco e
a SAN a partir da estruturação das ações de alimentação e nutrição no SUS bem como proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico (Vigitel) também contribuem
de outras ações intersetoriais. nesse sentido.
O CONSEA foi (re) instituído em 2003 no governo Lula e em 2006 foi promulgada
a Lei Orgânica de Segurança Alimentar (LOSAN) que criou o Sistema Nacional de Confira nessa linha do tempo, alguns pontos marcantes da SAN no Brasil:
Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) com o objetivo de assegurar o Direito
Humano à Alimentação Adequada (DHAA) (ALVES et al, 2014). A LOSAN apresenta
o conceito de SAN adotado pelo Brasil como:

A realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a


alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer
o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas
alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade
cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente
sustentáveis (BRASIL, 2006). Fonte: Elaboração das autoras

No que tange a diretrizes alimentares têm-se o guia alimentar para população


Vimos que no módulo I o sobrepeso obesidade tem relação com a falta de acesso a brasileira lançado em 2006 e revisado em 2014. Trata-se de um documento oficial que
alimentos nutritivos e diversificados, em quantidades suficientes e devidamente inserida aborda os princípios e recomendações de uma alimentação adequada e saudável e tem
no contexto de cada indivíduo. Dessa forma, torna-se relevante entender o conceito de como pressuposto os direitos à saúde. (BRASIL, 2014).
SAN e como as políticas relacionadas a esse tema se configuram no País.
Leia mais sobre isso em:
DIAS, P. C. et al. Obesidade e políticas públicas: con-
Você sabia? cepções e estratégias adotadas pelo governo brasileiro.
Cad. Saúde Pública v. 33, n. 7, 2017.
Com o lançamento da LOSAN, uma série de avanços no que tange a institucionalização
da SAN foram alcançados, dentre eles a inclusão da alimentação como um direito
social no art. 6 da CF através da Emenda Constitucional nº 64 e a instituição da Política BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN através do Decreto nº 7.272 Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Na-
em 2010. cional de Alimentação e Nutrição. Brasília: Ministério
da Saúde, 2013
34 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 35

No entanto, tais avanços no campo da alimentação e nutrição estão ameaçados diante


do atual cenário político e social do País. Em 01 de janeiro de 2019, ao tomar posse
3. Direito à saúde: mecanismos de
o novo presidente eleito, editou a Medida Provisória nº 870 que implica na extinção
do CONSEA nacional. Apesar da intensa mobilização da sociedade civil nos meses
exigibilidade
posteriores e da aprovação do retorno do conselho no congresso nacional, sua extinção Conforme observamos a partir da análise histórica de constituição do SUS, o nosso
foi mantida pelo chefe do poder executivo. Para Castro (2019) a extinção do CONSEA sistema público de saúde brasileiro prevê, por meio da CF de 1988, a saúde enquanto
fragiliza demasiadamente o funcionamento do SISAN e compromete processos de um direito social, reconhecendo em seu artigo 196 que:
garantia do DHAA em todas as esferas de governo. E como discutido no Módulo 1,
o país voltou a fazer parte do Mapa da Fome da FAO, ou seja, mais cidadãos vivendo
em condições de insegurança alimentar grave desde 2018. Ademais com a aprovação A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de
da Emenda Constitucional n. 95/2016 que instituiu novo regime fiscal, o país está com
doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações
congelamento de gastos durante 20 anos com saúde e educação. e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL,
Como observamos, apesar dos retrocessos, houve avanços na área de alimentação 1988).
e nutrição no SUS, como aprovação da PNAN que organiza a atenção nutricional e
dialoga com a garantia do DHAA e da SAN no País. Nesse sentido, todas as pessoas que vivem em território nacional têm direito ao acesso
aos serviços de saúde, sem que haja nenhum tipo discriminação (BRASIL, 2010). Apesar
desse direito ter sido legalmente assegurado, a universalidade do acesso à saúde não foi
Fique atento!
alcançada e sofre ameaças constantes em função dos diversos interesses envolvidos,
A materialização e concretização dessas políticas e ações estabelecem-se a especialmente do capital e do mercado (SOUZA et al., 2019).
partir dos investimentos da AB, a exemplo do acompanhamento sistemático das
condicionalidades de saúde dos beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF), ações Mas, o que estamos chamando de saúde? Definir um conceito para algo tão completo
desenvolvidas no escopo do Programa Saúde na Escola (PSE) e as diretrizes para a não é tarefa simples. A Organização Mundial da Saúde (OMS) buscou definir um
organização da prevenção e do tratamento do sobrepeso e obesidade como linha conceito de saúde que aponte para além da perspectiva biomédica de “ausência de
de cuidado prioritária da RAS. Assim, o investimento nesses programas e ações são doenças”, referindo-a enquanto um “completo bem-estar físico, mental e social” (SILVA;
imprescindíveis no tocante ao CPSO. SCHRAIBER; MOTA, 2019 p. 2). No decorrer do tempo, esse conceito também foi
alvo de críticas e novas propostas conceituais foram e vêm sendo desenhadas (SILVA;
SCHRAIBER; MOTA, 2019). De modo geral, a necessidade de “ampliação do conceito”
Por conseguinte, para a efetivação da SAN e qualificação de tais ações, é necessário provém da necessidade de evidenciar os diversos fatores que interferem no processo
que o direito à saúde seja respeitado e concretizado, pois ambos têm em comum a saúde-doença e que estão diretamente relacionados às condições de vida dos sujeitos,
realização da alimentação e nutrição adequadas. Da mesma forma, a garantia da saúde conforme pudemos observar quando estudamos sobre os determinantes sociais da
também depende de ações de diversas áreas que garantam a realização dos demais saúde (DSS) no tópico anterior.
direitos humanos, sendo, portanto, indissociáveis. Ou seja, para ter saúde é preciso ter
Nessa mesma perspectiva multifatorial usada para explicar os determinantes e
SAN, para se ter SAN é preciso ter saúde!
condicionantes do processo saúde-doença, destacamos os diversos fatores relacionados
com a alimentação - que também se situa enquanto um direito humano e, portanto,
indissociável dos demais. No Brasil, os documentos oficiais geralmente adotam a
expressão “Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)” para fazer referência
E como podemos, enquanto cidadãos e profissionais, exigir e à alimentação enquanto um direito humano. Essa expressão foi usada originalmente no
acessar tais direitos? PIDESC - Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em 1966
Veremos a seguir, vamos adiante?! (ROCHA, 2020). O DHAA pode ser compreendido como:

“Um direito humano inerente a todas as pessoas de ter acesso


regular, permanente e irrestrito, quer diretamente ou por meio
36 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 37

de aquisições financeiras, a alimentos seguros e saudáveis, em De modo geral, os tratados internacionais abordam duas dimensões indivisíveis do
quantidade e qualidade adequadas e suficientes, correspondentes Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA):
às tradições culturais do seu povo e que garantam uma vida livre
do medo, digna e plena nas dimensões física e mental, individual e 1 - o direito a estar livre da fome e da má-nutrição
coletiva.” 2 - o direito a uma alimentação adequada.
(Relator geral da ONU, 2002 apud ABRANDH, 2013 p. 27)
Vale destacar que o termo “adequada” remete
para diversos aspectos envolvidos na alimentação Saber mais sobre sistema
Como forma de alargamento da concepção desse direito, vem sendo proposta a que evidenciam a necessidade de atentarmos alimentar em:
expressão Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA), não apenas para o valor nutricional do alimento, “Notas sobre: As relações entre
refletindo a evolução conceitual característica dos direitos humanos, que busca se mas nos convida a pensar no percurso que o sistemas alimentares e políticas
atualizar para acompanhar as mudanças e novas demandas da sociedade (VALENTE, alimento percorre até chegar no prato. Nesse públicas” material disponível no
2014). Apesar da dimensão nutricional, de alguma forma, estar contextualizada na AVA!
sentido, precisamos analisar que tipo de sistema
concepção do DHAA (PAIVA et al., 2019), salientar a questão nutricional é fundamental alimentar estamos incentivando e o impacto que
para pensarmos as questões alimentares e nutricionais na atualidade, inclusive sobre o isso tem na saúde e no meio ambiente. Leão e Recine (2011) construíram uma ilustração
panorama atual de sindemia global já estudado no módulo I. que nos ajuda a visualizar esses aspectos (Figura 3):
A perspectiva do DHANA busca distanciar o direito à alimentação de uma ideia
de “direito à calorias” provenientes de ações assistencialistas, doações fortificações
nutricionais e outras formas de acesso ao alimento que desconsiderem a soberania
alimentar dos povos e a valorização de sistemas alimentares locais, reduzindo o papel
da alimentação na vida das populações (ROCHA, 2020 p.29).
Sobre isso o pesquisador Flávio Valente, (2014, p. 3) salienta:

Os alimentos não são meras commodities ou um “remédio”; são


uma expressão de um processo social de alimentação no qual o
bem-estar nutricional não apenas é o objetivo final, mas é também
um pré-requisito – uma capacidade primordial que possibilita aos
seres humanos ser saudáveis, dar à luz, amamentar, nascer, crescer,
desenvolver-se, aprender, trabalhar, fazer amor, e ser felizes e
socialmente ativos em suas comunidades.

Mas, por que nos preocuparmos com a definição do conceito? A abordagem
conceitual tem papel relevante para a elaboração de políticas públicas, por exemplo,
pois irá definir o “objeto” das ações, norteando também seu monitoramento e avaliação.
Figura 3: Dimensões envolvidas na adequação alimentar.
Leia mais sobre isso em:
Fonte: LEÃO e RECINE, 2011 apud ABRANDH, 2010.
PAIVA, J. B. DE et al. A confluência entre o “adequado” e o “saudável”:
análise da instituição da noção de alimentação adequada e saudável
nas políticas públicas do Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 35, n. Considerando a perspectiva da indivisibilidade entre os direitos humanos, a realização
8, 2019. plena dessas dimensões está atrelada à realização dos demais direitos humanos (acesso
VALENTE, F.L.S. Rumo à Realização Plena do direito humano à
à liberdade, igualdade, trabalho, saúde, educação, moradia, alimentação, água, etc.), a
alimentação e à nutrição adequadas - Revista Development 57 (2), fim de garantir uma existência digna (ROCHA, 2020).
p. 155-170. 2014. Traduzido para o português em maio de 2016 por
Daniela Calmon, a pedido da FIAN Brasil.
38 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 39

Vamos pensar um pouco sobre isso? Para refletir...


- Quando estudamos a obesidade enquanto um “problema de saúde pública” - No território onde você atua, o direito à saúde e à alimentação são plenamente
discutimos os diversos aspectos, para além da dieta e da prática de atividade física que garantidos? Quais os desafios para essa conquista e como enfrentá-los?
se relacionam com esse fenômeno. - E no âmbito nacional? Como você analisa a realização desses direitos?
- Com base nisso, será que é fácil fazer escolhas alimentares adequadas quando não
se teve acesso à educação, renda adequada, trabalho digno, espaço e tempo para
atividades de lazer, dentre outros? Como você analisa a relação entre essas duas
dimensões, as condições de vida, os sistemas alimentares e o fenômeno da obesidade?

Mas, afinal, o que são direitos humanos?

Direitos humanos são aqueles que os seres humanos possuem,


única e exclusivamente, por terem nascido e serem parte da espécie
humana [...] e independem de legislação nacional, estadual ou
municipal específica. Devem assegurar às pessoas o direito de levar
uma vida digna, com acesso à liberdade, à igualdade, ao trabalho,
à terra, à saúde, à moradia, à educação, à alimentação, entre outros
aspectos. (BRASIL, 2010, p. 21)

Figura 4: Princípios e atributos dos direitos humanos.


A princípio pode parecer simples, mas vamos ver que a configuração dos direitos Fonte: ROCHA, 2020 (FIAN-Brasil)
humanos se deu em meio a longos e complexos processos históricos de intensas lutas
sociais. Após o cenário de atrocidades e violência Adicionalmente, temos avançado no que tange aos direitos humanos. Entretanto, ainda
extrema com as populações civis dos países podemos observar diversas situações de violação na atualidade, bem como ameaças
envolvidos no conflito da Segunda Guerra Mundial Para saber mais sobre isso... constantes dos direitos conquistados por lutas extenuantes. Diante disso, precisamos
(1939 - 1945), alguns países reconheceram a Clique e conheça a Declaração estar constantemente vigilantes para a promoção de avanços no âmbito dos direitos
importância de criar organismos e mecanismos Universal dos Direitos Humanos humanos e evitar possíveis retrocessos.
legais internacionais de proteção à dignidade Mas, qual a importância de termos essas “dimensões da vida” enquanto direitos
humana (BRASIL. 2010). Nesse contexto, foi humanos nacional e internacionalmente legalizados? Quais os impactos na prática?
criada, em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU), e aprovada, em 1948, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos que é um dos documentos fundamentais
“Os direitos humanos podem e devem ser exigidos do Estado, de diversas formas e em
sobre o tema e onde estão enumerados os direitos de todos os seres humanos (BRASIL,
diversas esferas. Se os cidadãos estiverem adequadamente informados sobre os seus direitos
2010). e souberem aonde ir e o que fazer quando tiver os seus direitos violados, será mais fácil
Alguns princípios foram definidos e devem ser observados para a garantia de todos cobrar a responsabilidade do Estado e de seus agentes públicos “ (BRASIL, 2010, p. 45).
os direitos humanos. Esses princípios estão sistematizados na figura4 e remetem para a
necessidade de envolvimento de vários setores da sociedade para que os direitos sejam
assegurados. Isso pode ser materializado a partir de políticas públicas intersetoriais, por Ou seja: dessa forma podemos exigir a garantia desses direitos perante os portadores
exemplo. de obrigações. Por isso é importante conhecermos e tornarmos conhecidas as bases
legais da exigibilidade.
40 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 41

Bases legais da exigibilidade dos direitos humanos -> Titular de direito é o sujeito de direitos - cidadãs e cidadãos.
Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Brasil é signatário de No caso da saúde e da alimentação, por exemplo, todo cidadão brasileiro é titular de
diversos outros Pactos internacionais e nacionais ligados à defesa dos direitos humanos, direito em relação aos cuidados e atenção à saúde e de acesso à alimentação e nutrição
conforme podemos ver no quadro B. adequadas, de acordo com suas necessidades (BRASIL, 2010).

Ano Bases Legais (clique para conhecer melhor)


-> O portador de obrigações é aquele que deve garantir o direito - Estado.
1948 Declaração Universal dos Direitos Humanos Internacional Nesse sentido, todos os servidores públicos que atuam no Sistema Único de Saúde
(profissionais e gestores) são portadores de obrigações e deveres legais a cumprir diante
1966 Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos Internacional
da população, primando em atender suas demandas de forma contínua e qualificada
(BRASIL, 2010).Nessa mesma perspectiva, o Estado deve atuar de forma a desenvolver
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Internacional ações (políticas públicas) que visem prover, proteger, respeitar e promover o Direito
1966
Culturais Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas. Veja alguns exemplos da execução
Pacto para Eliminação de todas as formas de discriminação Internacional dessas obrigações no quadro abaixo:
1979
contra Mulheres
1988 Constituição Federal (artigos 196 a 200) Nacional Obrigação Exemplo

1989 Pacto Internacional dos Direitos da Criança Internacional Um estado não pode tomar quaisquer medidas que possam resultar na pri-
Respeitar vação da capacidade de indivíduos ou grupos de prover sua alimentação
Conferência Mundial dos Direitos Humanos adequada e saudável.
1993 Internacional
(Declaração e programa de ação de Viena) Promover Estado deve criar condições que permitam a realização efetiva do DHANA.
2006 Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional Nacional
O Estado deve agir para impedir que terceiros (indivíduos, grupos, empre-
Emenda Constitucional nº 64 de 2010 (Constituição Proteger sas e outras entidades) interfiram na realização ou atuem no sentido da
2010 Nacional violação do DHANA das pessoas ou grupos populacionais.
Federal)
Quadro B: Bases legais internacionais e nacionais dos direitos humanos.
Estado deve prover alimentos diretamente a indivíduos ou grupos incapa-
Prover
O fato de aderir a tais pactos significa que o Brasil assumiu formalmente perante zes de obtê-los por conta própria, até que alcancem condições de fazê-lo.
a comunidade internacional o reconhecimento de tais direitos humanos e sua
responsabilidade na garantia dos mesmos. Quadro C: Obrigações do Estado no que tange os Direitos Humanos

Importante destacar!
Tais níveis de obrigações foram definidos pelo Alto Comissariado da ONU para
“Toda vez que se define um direito humano, são estabelecidos, por um lado, titulares de direitos e, direitos Humanos, buscando facilitar o entendimento dos Estados (BRASIL, 2010).
por outro, portadores de obrigações”. (BRASIL, 2010 p. 23).
Assim, a depender de suas ações (ou omissões), o Estado pode estar violando suas
obrigações. Analisemos o exemplo a seguir:
Fazendo uma contextualização com a qualificação do cuidado às pessoas com sobrepeso
e obesidade, é importante estarmos atentos ao nosso papel enquanto profissionais de saúde
e sociedade civil na defesa dos direitos humanos. Além disso, é fundamental orientarmos os
usuários dos serviços de saúde sobre seus direitos.
42 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 43

situações de violação os titulares de direito podem reclamar a garantia dos mesmos.


Para tanto, podem lançar mão de diferentes mecanismos, sejam eles administrativos,
A situação apresentada políticos, quase-judiciais ou judiciais, conforme descrito no quadro 3 (BRASIL. 2010).
na matéria traz reflexões
sobre a vulnerabilidade O que? Exemplo
das mulheres negras no
contexto da pandemia de Ex: Ouvidoria do SUS.
COVID-19. Inclusive no Quando um usuário faz uma re-
que tange o acesso à saúde
É a possibilidade de reclamar e
clamação e o problema é resol-
e alimentação. Nesse caso, exigir, junto aos órgãos públi-
vido de imediato ou é encami-
se o Estado não desenvolve Exigibilidade cos diretamente responsáveis
nhado administrativamente aos
ações para garantia dos administrativa pela implementação de políti-
gestores responsáveis ele está
direitos humanos, ele está cas e programas relacionados à
utilizando um instrumento de
violando suas obrigações. realização do direito.
exigibilidade.
Ver mais em: https://
brasil.un.org/ É a possibilidade de exigir a
Ex: No contexto do SUS, pode-
realização de direitos junto
mos citar os Conselhos Nacio-
aos organismos de gestão de
Exigibilidade nais, Estaduais e Municipais de
programas e políticas públicas
Política Saúde, que tem capacidade de
(Poder executivo, Conselhos
Para refletir... incidirem sobre decisões políti-
de Políticas Públicas e Poder
cas relacionadas à saúde.
Considerando o que já foi estudado até o momento, como você analisa da situação citada acima? Legislativo).
Quais direitos humanos estão sendo violados? Qual o papel do Estado nesse contexto? Como No Brasil, é o caso do Minis-
exigirmos os direitos humanos? É a possibilidade de exigir a tério Público, que pode usar
realização de direitos junto a instrumentos quase-judiciais,
Você sabe o que é exigibilidade? órgãos que não são parte como Termo de Ajustamento
Exigibilidade
do Poder Judiciário, mas que de Conduta (TAC) para averi-
Quase-judicial
podem emitir recomendações guar violações de direitos e para
Exigibilidade é a possibilidade de exigir o respeito, a proteção, a e acionar a Justiça para a ga- fazer com que os agentes públi-
promoção e o provimento de direitos, perante os órgãos públicos rantia de direitos. cos modifiquem suas ações para
competentes (administrativos, políticos ou jurisdicionais), para
melhor atender aos cidadãos.
prevenir as violações a esses direitos ou repará-las. Além disso, no
conceito de exigibilidade está incluído, além do direito de reclamar, Quando um cidadão recorre à
o direito de ter uma resposta e ação em tempo oportuno para a Justiça por meio de processo for-
reparação da violação por parte do poder público (BRASIL, 2010, mal para reclamar algum direito
p. 46). que julgue violado. É o caso de
Exigibilidade É a possibilidade de exigir a um usuário do SUS que recorre
Judicial realização de direitos junto ao à Justiça para garantir o acesso
Para o cumprimento de suas obrigações no que tange respeitar, proteger, prover e Poder Judiciário. ao Tratamento Domiciliar
promover os direitos humanos da população do seu território, o Estado pode se utilizar ou garantir o fornecimento de
dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, tornando a efetiva atuação dos agentes um medicamento ou fórmula
de tais poderes crucial (ROCHA, 2020). Além disso, a garantia dos direitos humanos nutricional especial de alto cus-
está atrelada à atuação da sociedade civil. to, indisponível na rede do SUS.
Conforme contextualizado a partir do conceito de exigibilidade, diante de
Quadro D: Mecanismos de exigibilidade dos direitos humanos e respectivos exemplos.
44 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 45

É importante salientar que, diante de uma reclamação, os portadores de direito devem


Vamos Praticar!
ter respostas e resolução de seus pleitos por parte dos portadores de obrigações (agentes
Para que possamos orientar os usuários acerca de violação de seus direitos, podemos indicar que
públicos) em tempo adequado (BRASIL, 2010). Assim, é importante que a população
as denúncias, elogios, queixas e sugestões sejam registradas nos seguintes órgãos conforme a
esteja instrumentalizada para lutar por seus direitos. necessidade da situação:
1. Ouvidoria do Conselho de Saúde (Estadual e Municipal)
Sobre esse tema, indicamos o vídeo documentário “Peraí, é nosso direito”! 2. Ouvidoria geral de Salvador
3. Ouvidoria em saúde de Salvador
4. Ministério Público - (MP)
Clique aqui para assistir! 5. Defensoria Pública (DP)
Esse vídeo foi produzido pela Ação Brasileira para a Nutrição e Direitos Humanos
6. Programa de Proteção e Defesa do Consumidor - PROCON
(ABRANDH), com apoio do Fundo das Nações Unidas para Alimentação-FAO, dirigido
por Renato Barbieri e produzido pela Videografia.
O vídeo foi produzido entre 2004 e 2006, sendo que a realidade no período pode ter
semelhanças com o cenário atual. Vamos ver?
O objetivo do trabalho realizado pela ABRANDH foi contribuir para o apoderamento das
comunidades e apoiar ações para exigir a realização de Direitos Humanos, sobretudo, o
DHAA. Todavia, os direitos humanos se interrelacionam e não podem ser divididos.

Na sua opinião, de que modo a experiência apresentada se interliga com violações


do direito à saúde e à alimentação e nutrição adequadas de pessoas com sobrepeso e
obesidade no seu território?

Vamos pensar um pouco?


- No seu cenário de atuação, as pessoas se mostram cientes quanto a seus direitos e
mecanismos de exigibilidade?
- Além de orientar as pessoas sobre procedimentos terapêuticos, você também costuma
orientá-las sobre as possibilidades de exigibilidade do seu direito a saúde?

Mesmo diante da existência do arcabouço legal e mecanismos de exigibilidade, no


Brasil há diversos desafios para a universalização desses direitos. O enfrentamento de tais
desafios demanda fortalecimento da participação popular e revitalização das instâncias
de controle social, enquanto fundamentais para o avanço do projeto democrático-
popular do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira e garantia dos direitos à saúde,
alimentação, moradia, trabalho digno, dentre outros (SOUZA et al., 2019). Nesse
contexto, a atuação junto aos movimentos sociais também se faz necessária.
Assim, o compromisso com a promoção dos direitos humanos extrapola a atuação
enquanto profissional de saúde, implicando em um exercício da cidadania que deve ser
praticado cotidianamente.
46 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Repensando o sobrepeso e a obesidade a partir da organização estrutural
e histórica das políticas públicas 47

Síntese da unidade I

Finalizamos essa unidade na expectativa de que os temas


trabalhados tenham contribuído para a tessitura de reflexões sobre a
organização estrutural e histórica de políticas públicas. Analisamos
aspectos constitutivos do SUS, características de políticas como a
PNAB e PNAN, bem como bases legais da exigibilidade do direito à
saúde e à alimentação e à nutrição adequadas.
Vimos que a formulação de políticas públicas se configura enquanto
importante estratégia de planejamento e tomada de decisão do Estado
para cumprimento das suas obrigações legais de garantia dos direitos
sociais. Assim, suscitamos ponderações sobre potencialidades e
desafios na implementação dessas políticas e possíveis reflexos na
qualificação do CPSO nos territórios de atuação.
No Brasil, o SUS é um exemplo de política social que, mesmo diante
dos conflitos de interesse que limitam sua plena operacionalização,
se apresenta com um universo de possibilidades para a produção do
cuidado, no qual, enquanto profissionais e gestores da saúde, temos o
poder de interferir na realidade das pessoas, famílias e comunidades,
contribuindo para a garantia do direito à saúde.
Assim, a produção do cuidado de forma qualificada, também
deve ser vista sob a ótica da garantia de direitos humanos e a
população precisa estar devidamente instrumentalizada para
exigi-la. Desse modo, vislumbra-se o controle e participação social
enquanto fundamentais para construirmos as novas formas de agir
na qualificação do CPSO a partir dos ideários de solidariedade e
incursões coletivas.
Na próxima unidade, analisaremos possibilidades de atuação
de diversas instituições e atores que formam redes de cuidado em
saúde amparadas por afetos e diversas políticas contextualizadas no
“trabalho vivo em ato”, centralizado não apenas nos aspectos técnicos,
mas também no caráter emancipatório do cuidar. Vamos conferir?
49

As políticas públicas e as redes vivas


de trabalho em saúde no contexto do
sobrepeso e obesidade

Edleuza Oliveira Silva, Janaína Braga de Paiva, Lilian


Miranda Magalhães, Indira Ramos Gomes, Luana
Galdino Rates Carvalho, Lana Mércia Santiago de
Souza e Lígia Amparo da Silva Santos

Apresentação

Caro/a cursista,
Seja bem-vindo (a) à 2ª Unidade do Módulo 2 do Curso Qualificação
do Cuidado às Pessoas com Sobrepeso e Obesidade (CPSO) no âmbito da
Atenção Básica à Saúde. Nesta Unidade, iremos reconhecer os diversos
atores, as políticas públicas, ações, programas relacionados ao cuidado às
pessoas com sobrepeso e obesidade e como elas se articulam nas práticas
cotidianas de gestão do cuidado.
Para o desenrolar desta nossa unidade, partimos de um princípio que
agora compartilhamos com você:
Trabalho vivo em ato: compreendemos o trabalho em saúde como
um permanente processo de construção. O trabalho vivo em ato nos
convoca, no acontecimento da existência, para aguçar nossa sensibilidade,
imprimir novos arranjos tecnológicos e fazer caminhos para atuar
reconfigurando as lógicas do agir em saúde. É sobre a produção de
relações e arranjos possíveis, a potência transformadora dos encontros,
das ideias, na medida em que vida acontece, nos surpreende e convoca
a atuar.
Quer saber mais?
[trabalho vivo em ato]
http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trasau.html
http://www.epsjv.fiocruz.br/upload/d/Trabalho_em_Saude_ts.pdf
50 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir As Políticas Públicas e as Redes Vivas de Trabalho em Saúde no Contexto do
Sobrepeso e Obesidade 51

1. As políticas públicas e as redes vivas de 1.1 Prelúdio

trabalho em saúde no contexto do sobrepeso e Lúcia entrou na unidade de saúde e foi até a Recepção para entregar os seus documentos.
obesidade As tonturas que sentia há semanas não cessaram nem com o uso dos chás que a vizinha
fazia e levava para ela todo final de tarde. Além da xícara com a bebida quente, Ana
Maria também oferecia os seus conselhos e fazia tentativas de identificar as causas do mal
estar constante:
- Deve ser a pressão que está alta ou o diabetes descompensado. Só pode!

Nosso foco é refletir sobre como as Políticas Públicas ganham vida e atuam na Rede Preocupada, Ana chamou Jamile que além de sua prima era uma das cinco mulheres
de Atenção à Saúde (RAS) e em tantas outras redes simultâneas de cuidado e itinerários que compunham uma das equipes de Agentes Comunitários de Saúde. Trabalhava no
que aqui vamos chamar de redes posto de saúde há oito anos. Gostava de ajudar as pessoas do seu povoado a cuidar da
de trabalho em saúde (Teixeira, saúde. Explicava com toda paciência tudo o que aprendia, mas se sentia impotente porque
REDES DE TRABALHO EM SAÚDE “o povo da roça passava muita necessidade”, como costumava dizer a sua avó.
2004). Nos propomos intercruzar Mais do que considerar a atuação de
as dimensões da intersetorialidade profissionais de saúde no processo de cuidado, Enquanto aguardava na sala de espera, Lúcia observava os cartazes fixados nas paredes
e da integralidade do cuidado com Teixeira propõe pensá-la de modo integrado e parecia pensar sobre a própria vida.
a visão ampliada sobre o fenômeno a uma rede complexa de trabalho social, Não estava conseguindo sair para trabalhar. Em casa, sempre dava um jeito. Limpava,
complexo e multidimensional da compreendida como “todo um esforço coletivo, arrumava, fazia comida, lavava roupa e, quando a tontura era muito forte, ia se deitar.
obesidade. Com isso, almejamos envolvendo a participação de múltiplos agentes Trabalhando fora, isso não seria possível. Além disso, tinha receio de cair na rua.
estimular o desenvolvimento de sociais que, direta ou indiretamente, contribuem
estratégias de gestão e ações no para a melhoria das condições de vida e saúde Não gostava de sair. Os olhares e comentários sobre o tamanho do seu corpo, sobre a
nível local para a qualificação da de indivíduos e populações (Teixeira,2004, p.2). textura do seu cabelo, sobre a cor da sua pele incomodavam-na profundamente. Há algum
produção do CPSO nos diferentes tempo, sua casa era o seu lugar, o seu território.
territórios. Ana Maria até a havia chamado para fazer caminhadas com um grupo:
Para tanto, partimos de um conjunto de questionamentos, norteadores deste material: - Umbora mulher! A gente tá precisando emagrecer!
Quais os caminhos possíveis para produção e qualificação do cuidado às pessoas Lúcia concordou, mas desistiu logo no primeiro dia. Não pelas dores nos joelhos, mas pela
no contexto do sobrepeso e obesidade? Como as políticas públicas, documentos vergonha. Ela sentiu que as outras mulheres riram dela, da sua lentidão. A empolgação
técnicos institucionais existentes podem contribuir? Como podemos pensar inicial fora convertida em tristeza, angústia, raiva de si mesma.
a articulação entre diferentes agentes, políticas públicas, programas, planos, Logo após registrar o ponto, Jamile voltou à sala de espera para dizer à prima que já
estratégias e ações dirigidas quando falamos do cuidado às pessoas no contexto do havia falado com Dr. Osório e que ele a atenderia em breve. Pediu desculpas por não
sobrepeso e obesidade? E fora do setor saúde? Quais são os seus alcances, desafios, poder fazer companhia, pois teria que participar de uma reunião.
limites e possibilidades?
Lúcia foi chamada. No corredor, a caminho do consultório, temia ser repreendida mais
Na continuidade deste processo de aprendizagem, apresentamos um caso fictício uma vez, devido ao peso e tamanho do seu corpo: “Ah se for para lá pra ficar aquele fala,
baseado em fatos reais. Durante a leitura, você também poderá construir a partir dos fala, eu não vou nem obedecer”.
seus próprios referenciais de mundo. O objetivo da narrativa é convocar memórias e
experiências, provocar reflexões sobre a produção do cuidado no cotidiano, mobilizar Osório recebeu Lúcia com um sorriso no rosto. Por algum tempo conversaram sobre a
olhares analíticos para as cenas que se desdobram. vida. Ambos o fizeram. Embora fossem aquelas as primeiras trocas, foi possível saber o
quão difícil era o cotidiano daquela mulher.
Há duas semanas havia comemorado o seu aniversário. Quarenta e seis anos desde o
52 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir As Políticas Públicas e as Redes Vivas de Trabalho em Saúde no Contexto do
Sobrepeso e Obesidade 53

seu nascimento. Nesse período, dois casamentos, duas filhas e uma neta, muitas moradas, caminhadas e exercícios na quadra localizada na praça, era formado predominantemente
nenhuma sua, nenhum emprego formal. Desde menina trabalhava na roça. A princípio por mulheres com sobrepeso ou obesidade. Ambos perceberam que, nas conversas entre
observando, depois ajudando os pais. E, assim, aprendeu a cuidar da terra, que não lhes elas, demonstravam grande preocupação ora com a perda de peso, ora com as dificuldades
pertencia. Por alguns anos foi feirante, por outros trabalhou “em casa de família”, foi cotidianas para organizar a grana do mês e cuidar da alimentação da casa. Recordaram
cuidadora de idosos, coletou materiais recicláveis. Fez de tudo, mas o dinheiro era sempre ainda da manhã em que Ana Maria apresentou-lhes a sua vizinha. Convidaram-na
pouco e incerto, assim como a comida. a participar do grupo e ela mostrou-se interessada. Mas, depois daquele dia, não mais
retornou.
Na sua casa, a escassez de alimentos havia se agravado. Não encontrava serviço. Por
diversas vezes, a vaga anunciada foi-lhe negada, assim que se apresentou para a entrevista. Quando Camila afirmou que não seria possível resolver a situação apenas com a
Helena, a sua filha mais velha não podia procurar trabalho porque precisava cuidar da prescrição de planos alimentares, como alguém havia sugerido, Sérgio expressou a dúvida,
pequena Sofia. E Heloísa, a caçula, tinha apenas 13 anos. Por sorte, passava parte do que também afligia Osório e Jamile:
dia na escola, onde a alimentação escolar servida era certeza e trazia segurança também - Então a gente vai fazer o quê? De que forma a gente pode intervir? Vai encaminhar
para quem estava em casa. Viviam do que a sua esposa Iara conseguia com a venda de pra algum lugar?
cosméticos, que oferecia de porta em porta.
A enfermeira Marise disse que seria interessante fazer um Ecomapa. E iniciaram a tarefa,
Contou como lhe causava aflição “abrir o armário e não saber como a comida vai durar planejando ações pensando também em um projeto terapêutico com uma abordagem
por um mês, ter o dinheiro contado para comprar pão”. A consulta prosseguiu. Ao final do coletiva.
encontro Dr. Osório compreendeu: a família de Lúcia corria o risco de passar fome.
Analisando atentamente as ações propostas, a assistente social Mirella, recém incluída
Era dia da reunião de matriciamento. Mas, naquela manhã, Osório chegou atrasado. na equipe de apoio matricial, pensava em como poderia contribuir. E preferiu observar
Havia passado na casa da mãe para deixar os filhos. A sua esposa estava viajando e a babá silenciosamente aquilo que diziam os colegas. Não se sentia à vontade para se colocar.
não pôde comparecer ao trabalho, pois estava acompanhando o pai para o recadastramento Algum tempo depois, Osório disse com ênfase aquilo que constatou:
da aposentadoria.
- Mas, ainda assim essas ações não serão resolutivas. Isso tudo não vai ser suficiente
A caminho da unidade, Osório lembrou da discussão do caso com a equipe de referência para mudar a realidade e o estado de saúde dessas mulheres! Principalmente se a gente
e pensava em como ajudar Lúcia. Já havia pensado em um Projeto Terapêutico Singular, pensar a longo prazo!
mas o tempo inteiro pensava que somente a nutricionista poderia dizer o que deveria ser
E, perguntou, olhando para Camila:
feito.
- O que mais é possível fazer?
Ainda um tanto ofegante, entrou na sala apressado, sentou-se em uma das poucas
cadeiras vazias e olhou à sua volta, buscando Camila. Assim que a viu comunicou com o Nesse momento, a gerente da unidade, Inaiê, entrou na sala desculpando-se pela
movimento dos lábios: interrupção, pois precisava da assinatura de um ACS com certa urgência.
- Tenho um caso pra você. Sara e Marise se entreolharam e a fisioterapeuta teve a ideia de perguntar:
Camila assentiu com a cabeça. Já imaginava do que se tratava: alguém com obesidade, - Há algum Plano ou programa Municipal ou Estadual que possa nos ajudar a pensar
hipertensão, diabetes ou dislipidemia. Apesar de saber que poderia contribuir, recebia tais sobre esse caso? Quais as políticas vigentes? De que forma podemos acioná-las?
direcionamentos com certo incômodo. Tinha a sensação de que a sua atuação estava sendo Logo que a gerente começou a tentar responder, a assistente social resolveu falar e outros
restrita à situações como aquelas. elementos foram colocados em discussão.
Aos poucos, os casos foram relatados e discutidos. Alguns novos, muitos em
acompanhamento. Assim que Osório mencionou o nome de Lúcia, Jamile fez questão de
complementar as informações, justificando que já não sabia mais o que fazer.
Mas, de acordo com a análise da fisioterapeuta Sara, aquele não era um caso
isolado. Ela e Arthur, o profissional de educação física da equipe, observaram situações
semelhantes. O grupo de práticas corporais, que se reunia semanalmente para realizar
54 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir As Políticas Públicas e as Redes Vivas de Trabalho em Saúde no Contexto do
Sobrepeso e Obesidade 55

1.2 Diversidades, diferenças e singularidades: desenhando as redes de trabalho


em saúde

As práticas de apoio matricial podem modificar a dinâmica das redes (formais,


informais, institucionais, populares etc.) em constante tessitura, promovendo e
direcionando movimentos múltiplos e repercussivos. Contudo, as realidades refratárias,
que envolvem desemprego, escassez de recursos financeiros e insegurança alimentar e
nutricional impõem limites da atuação, sendo necessária a inclusão de outros atores,
que a princípio não estavam presentes.
Sendo assim, cabe indagar: Quais outros atores não estão visíveis nas cenas? Que
outros atores poderiam ser acionados, mobilizados para a qualificação do cuidado?
De que forma é possível promover articulações que ampliem a resolubilidade das
ações?
A narrativa coloca em evidência a atuação de agentes sociais integrando múltiplas redes
de atores, que empreendem esforços coletivos e se corresponsabilizam no processo
aberto e dinâmico de produção do cuidado01 para a melhoria das condições de vida e
Os atos de cuidado perpassam o nosso cotidiano. Cuidar de algo, de alguém ou de nós
saúde de Lúcia, do seu grupo familiar e da comunidade. O(s) cuidado(s) produzido(s)
mesmos institui ações corriqueiras. Nem sempre perceptíveis, tais ações atravessam,
em ato(s) emerge(m) de agenciamentos, que envolvem entrega, dedicação, abdicação,
constituem e, de certo modo, estruturam os nossos dias. E, embora múltiplos significados
normatividade, dilemas entre tutela e autonomia, captura e liberdade, conflitos, saberes
sejam atribuídos ao termo, como cautela e responsabilidade, ele geralmente surge da
e aprendizagens. Vamos pensar melhor sobre isso?
identificação de demandas e é atuado de formas diversas.
Nesse sentido, Lúcia responsabiliza-se pelo cuidado da casa, das filhas, da neta, das
roupas, do preparo dos alimentos. Ante as queixas frequentes de mal estar, as pessoas 01
Educação em saúde ou projeto terapêutico compartilhado? O
mais próximas, empregam os mais variados esforços para auxiliá-la. Além dos conselhos cuidado extravasa a dimensão pedagógica
e da presença diária, a atuação de Ana Maria, baseada nos saberes de uma comunidade
de tradição rural, expõe o alimento como um mediador do cuidado. Slomp, Helvo, Feuerwerker, Laura Camargo Macruz e Land, Marcelo
Gerardin Poirot. Educação em saúde ou projeto terapêutico compartilhado?
Jamile, por sua vez, consegue reaproximá-la dos espaços formais de atenção à saúde, O cuidado extravasa a dimensão pedagógica. Ciência & Saúde Coletiva
dos quais havia se afastado após a abordagem repleta de estigma e preconceito. Com [online]. 2015, v. 20, n. 2
Osório, Lúcia encontra acolhimento e vínculo. Contudo, para chegar à unidade de https://www.scielosp.org/article/csc/2015.v20n2/537-546/es/
saúde e estar presente no atendimento, o médico articula outra rede para o cuidado dos
seus filhos.
Os demais profissionais da equipe de apoio matricial, propõem-se a pensar em O desenho destes emaranhados entre atores e conexões constitui um desafio, na
outras ações mediadas pelo uso de instrumentos para a produção do cuidado, em nível medida em que, devido à limitação de recursos para representá-los de outro modo, o
individual e coletivo, em tentativas de transpor estratégias de cuidado no contexto do esquema se assemelha à uma captura instantânea da imagem, que permanece fixa, tal
sobrepeso/obesidade, geralmente fundamentadas na lógica matemática do desequilíbrio qual uma fotografia. Portanto, a imagem produzida abaixo considera a dinamicidade
entre consumo e gasto energético. evidenciada pelos métodos cartográficos.
O desafio de elaborar uma representação gráfica para as redes de cuidado referidas na
narrativa é ainda maior pela necessidade de eleger aquelas que serão enfocadas. Pois,
56 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir As Políticas Públicas e as Redes Vivas de Trabalho em Saúde no Contexto do
Sobrepeso e Obesidade 57

cada ator integra redes diversas de modo simultâneo, atuando de forma condicional em 1.3 Políticas públicas, agenciamentos possíveis, trabalho criativo e redes afetivas
cada uma das tessituras. A presença de Jamile (Agente Comunitária de Saúde) poderia para a qualificação do cuidado
ser analisada sob essa perspectiva. E, assim, além do próprio núcleo familiar, constitui
múltiplas redes de cuidado a partir do seu trabalho com os usuários no território.
“Mas, ainda assim essas ações não serão resolutivas. Isso tudo não vai ser suficiente para
É importante destacar aspectos que podem contribuir para compreensão da “co- mudar a realidade e o estado de saúde dessas mulheres! Principalmente se a gente pensar
ordenação” das redes como um processo profuso, compartilhado e ressonante, que a longo prazo!”
decorre da atuação de apoiadores matriciais no estímulo à “inclusão, associação,
reposicionamento e mudanças na atuação de múltiplos atores”. Operando e suscitando
movimentos, cuja repercussividade pode contribuir para encontros ou conexões Lembra desta fala angustiada de Osório? Você já viveu esse sentimento de impotência
promotoras de saúde e melhora da qualidade de vida, fortalecedoras dos vínculos ao lidar com alguma situação semelhante no trabalho?
terapêuticos, com vistas à adaptabilidade, fluidez e efetividade das tessituras e nos seus Pois é... mas como bem nos lembra Vasconcelos (2015), ao discutir sobre o trabalho
processos de subjetivação (MAGALHÃES; AMPARO-SANTOS, 2020). de promoção da saúde e apoio à grupos e famílias em situação de vulnerabilidade social,
Ao considerarmos o caráter heterogêneo das redes, na medida em que falamos de no contexto da Atenção Básica, nós lidamos cotidianamente com “problemas muito
sujeitos, coisas, territórios, trabalho vivo em ato e, fundamentalmente, sobre as relações profundos para serem ‘curados’, mas não para serem cuidados”(p.150).
entre todos estes atores e que se (re)configuram a cada novo movimento, não nos cabe A gerente da unidade havia pensado em permanecer para tentar contribuir com as
tomar como permanente e privilegiada nenhuma entrada ou saída da rede. Melhor equipes, mas precisou sair logo para atender uma ligação. Eram demandas urgentes da
dizendo, nenhum dispositivo/serviço/equipe/setor é por si só favorável à produção de Secretaria de Saúde. As equipes de referência e de apoio matricial permaneceram.
saúde - principalmente quando tratamos da dimensão da integralidade e das linhas de
cuidado. Já era quase hora do almoço, quando finalizaram a reunião. Ao sair da sala, Camila
comentou com Mirella e Sara que estava se sentindo exausta, mas otimista. A discussão
havia se estendido mais do que o habitual. Foram muitas as divergências até o momento
em que decidiram pelo projeto terapêutico que apresentaremos a seguir em atos.

Primeiro Ato

Dias depois, Jamile passou na casa de Lúcia para acompanhá-la até a unidade de saúde.
Enquanto aguardava a prima terminar de se arrumar para sair explicou:
- Dr. Osório vai te atender, mas não vai fazer isso sozinho. A psicóloga e o professor de
educação física (aquele do grupo de caminhada) também vão estar no consultório. Mas,
fique tranquila. Vai dar tudo certo!
Osório apresentou os outros dois colegas e fez um gesto em direção à cadeira para que
Lúcia se acomodasse. Arthur e Leila também se sentaram e ambos conversaram por
algum tempo para tentar entender como era o seu cotidiano e como ela se sentia em
relação ao seu corpo. Esse encontro foi fundamental para dar sentido à elaboração do
projeto terapêutico, ele precisava ser construído também por Lúcia. Ao final do encontro,
pactuaram as primeiras ações. A primeira delas seria uma consulta compartilhada com
Desenho I- Ensaio das redes para a produção do cuidado: movimentos a partir dos atos. a fisioterapeuta e o médico, pois a usuária queixara-se de dores levando as mãos aos
FONTE: elaboração das autoras joelhos com frequência, como se estivesse massageando-os.
58 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir As Políticas Públicas e as Redes Vivas de Trabalho em Saúde no Contexto do
Sobrepeso e Obesidade 59

Lúcia foi informada de que outras mulheres da mesma área vivenciavam uma realidade Com cuidado para não causar constrangimentos, pois já estava ciente das privações,
semelhante à sua e ficou empolgada com a possibilidade de contribuir com as equipes para Camila perguntou como era a alimentação de todas na casa. Conversaram sobre a situação
que as demais também recebessem apoio. de vulnerabilidade social e pensaram, com o apoio de Mirella, nas possíveis articulações
da rede de serviços socioassistenciais, e verificaram possíveis datas para uma visita ao
Centro de Referência de Assistência Social(CRAS) -a porta de entrada para o acesso
Segundo Ato aos serviços e projetos de Assistência Social. Além do cadastramento no Programa Bolsa
Família (PBF), seriam direcionadas à uma instituição vinculada ao Banco de Alimentos
Lúcia, Ana Maria e Dorinha (sua outra vizinha) esperavam em frente ao mercadinho do município, através do cadastro na Associação de Moradores. Helena, Iara e Lúcia
da rua em que moravam, quando avistaram Denise, terapeuta ocupacional. As três se inscreveriam no Serviço de Intermediação para o Trabalho. Até conseguirem um
vizinhas chegaram pontualmente para o “passeio terapêutico”, pela região proximal da emprego, poderiam aprender a fazer bolsas artesanais no Grupo de Geração de Renda,
casa de Lúcia. Esse foi o nome dado pelos profissionais para a clínica em movimento, fora que era desenvolvido na unidade de Saúde.
do cenário convencional. Uma clínica andante, nômade. Camila contou que há dois anos havia passado a acompanhar as reuniões do Conselho
Naquela tarde, enquanto caminhavam pelos arredores das suas casas, apresentavam Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMSEA) e a partir de alguns
os lugares para a visitante, sempre contando algumas das suas histórias vividas por ali. relatos, conversaram sobre como as escolhas alimentares estavam envolvidas com os
Denise, compreendendo o contexto e a história de vida narrada por Lúcia, iniciou uma sistemas alimentares02. Lúcia então contou que embora ela e os seus pais soubessem
conversa sobre as dificuldades de acesso à educação e falou sobre a Política Nacional de plantar e colher, a falta de acesso à terra havia imposto limitações a alimentação desde a
Saúde Integral da População Negra (PNSIPN). Conversaram sobre a violação de outros sua infância.
direitos (emprego, renda, alimentação, moradia) e seus impactos sobre a qualidade de Iara recordou-se das festas juninas na roça:
vida e saúde, que puderam identificar nas histórias dos seus familiares. - A gente não tinha muito, então cada um trazia um prato. A gente fazia de tudo! Era
Pensaram juntas sobre a sua presença naquele lugar, os seus modos de habitá-lo e canjica, mugunzá, amendoim cozido... Tudo gostoso!
em lugares em que fosse possível construir outros vínculos. Ao aguçar os olhares para Nesse momento Camila teve a ideia de convidá-las para as oficinas culinárias que
o território, problematizando as relações de pertencimento, as quatro mulheres negras estavam planejando fazer na cozinha da escola do bairro.
discutiram sobre gestão do cuidado possível e seguiram em deslocamentos que não se
restringiram ao espaço físico.
02
Para saber mais: Sistemas alimentares
Conhecer o território que pulsa, entender a produção do Lembre-se de conferir o material complementar disponível no ava e do que já construímos sobre
espaço geográfico – como algo não estático - com ênfase nas o tema desde a unidade 2 do Módulo I!
subjetividades, é fundamental para compreender o processo de
produção de saúde e adoecimento e quais os caminhos possíveis
para lidar com os problemas e as necessidades dos sujeitos. Quarto Ato
Andar nos territórios, produzindo dinâmicas conexões e novos
contornos é acessar também a memória (inclusive coletiva) de
muitos dos seus habitantes, trabalhadores... É (re)conhecer as Sara e Arthur pediram a presença de Jamile e Denise para apoiá-los na discussão com
nossas cartografias.
o grupo de práticas corporais. Antes da caminhada, ali mesmo nos bancos da praça, onde
costumavam se encontrar, fizeram a primeira atividade: “Na roda: corpos e diversidade”.
Terceiro Ato A ideia da abordagem havia surgido há algum tempo, mas somente após algumas
sessões de discussão sobre o contexto do sobrepeso/obesidade e as metodologias possíveis,
os profissionais sentiram-se seguros para iniciá-la. Esses espaços de discussão também
Helena estava com Sofia no colo quando abriu a porta para Mirella e Camila. A
contemplaram temas como Interseccionalidade03e Direitos Sociais.
assistente social e a nutricionista estavam ali para uma visita domiciliar. Lúcia e Iara já
as aguardavam.
60 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir As Políticas Públicas e as Redes Vivas de Trabalho em Saúde no Contexto do
Sobrepeso e Obesidade 61

As oficinas culinárias realizadas na cozinha da escola contaram também com a


03
Interseccionalidade participação dos estudantes através das ações do Programa Saúde na Escola (PSE).
ASSIS, D. N. C. DE. Interseccionalidades / Dayane N. Conceição de As oficinas foram intensificadas e passaram a receber o apoio de outras secretarias do
Assis. - Salvador: UFBA, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências; município. Além do Guia alimentar para a População Brasileira, Camila passou a
Superintendência de Educação a Distância, 2019. 57 p
utilizar também o segundo Caderno de Educação Popular em Saúde e passou a defender
https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/554207/2/eBook%20-%20
Interseccionalidades.pdf junto a Lúcia e Associação de moradores que a feira de quitutes se tornasse uma atividade
bimensal para geração de renda junto a feira.

Os primeiros encontros foram os mais difíceis. Era preciso lidar com a divergência E assim, o projeto seguiu: dinâmico, provocante, desafiador. Um processo complexo, por
de perspectivas, preconceitos arraigados, desentendimentos de ambas as partes. Apesar vezes difícil, mas disponível para novos arranjos, para o planejamento conjunto de outros
dos momentos de desânimo, Denise permanecia firme e estimulava os colegas, pois movimentos, outros atos.
entendia que se tratava de um processo de desconstrução transformadora, constitutiva.
Arthur, aproveitando o espaço e a proposta da Academia da Saúde, convidava todos os
integrantes a refletirem a respeito do papel daquele grupo enquanto coletividade e sobre
as práticas corporais como possibilidade de potencializar a vida.
Uma das usuárias sugeriu que fizessem “um café da manhã uma vez por mês” para
que pudessem confraternizar e acolher novos participantes. Lúcia e Dorinha foram
novamente convidadas.

Quinto Ato

O “Festival da Saúde” foi um evento que surgiu de várias parcerias. Além da comunidade
e da unidade de saúde, professores e estagiários da universidade estadual organizaram
diversas ações sobre a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica
(PNAPO), que incluíram uma feira de alimentos in natura com produtores da região
e roda de conversa com o Movimento dos Pequenos Agricultores e o Movimento dos
Trabalhadores sem Terra(MPA/MST) sobre produção agroecológica.
Como parte desse festival, o “Quitutaço” foi uma ideia de Lúcia, quando Camila falou Desenho II- Ensaio das redes para a produção do cuidado: movimentos de ampliação a partir dos atos.

sobre o Banquetaço04, como forma de protesto pela manutenção do Conselho Nacional FONTE: elaboração das autoras

de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), no ano de 2018.Com o “Quitutaço”


a intenção foi criar espaços de partilha, aprendizagem e defesa da “comida de verdade” Essa aposta conjunta, narrada acima, serviu como um exercício-provocação para
por meio de um festival local de quitutes. compreender que o que conecta esses atores são os interesses/desejos que caminham
para algum ponto das redes, produzindo um nó, ou um encontro. Na medida em que
falamos de sujeitos, coisas, territórios, trabalho vivo em ato e, fundamentalmente,
04
Banquetaço mobilizou mais de 40 cidades pelo sobre as relações entre todos estes atores humanos e não humanos (como as políticas
retorno do Consea
públicas), fazemos uma reflexão sobre redes que se (re)configuram a cada novo
Por Bruno C. Dias, com informações do Brasil de Fato, Sasop e MST | 28 de
fevereiro de 2019
movimento.
https://www.abrasco.org.br/site/noticias/movimentos-sociais/ Ao pensar em território convém considerar que as práticas profissionais necessitam
banquetaco-mobilizou-mais-de-40-cidades-pela-alimentacao-saudavel-e- ir além do território geográfico e perfil epidemiológico da população. A noção de
pelo-retorno-do-consea/39816/
62 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir As Políticas Públicas e as Redes Vivas de Trabalho em Saúde no Contexto do
Sobrepeso e Obesidade 63

“território vivo” nos convoca para um olhar mais cuidadoso para o território e suas
potências, nos convida à outras ações. O CUIDAR NA AGENDA DA GESTÃO
Os atos apresentados nesta unidade, também nos contam sobre os territórios
existenciais dos sujeitos. Territórios que implicam em escapes por desterritorialização “É claro que só é possível desencadear todos esses processos e arranjos se houver
(inclusive de si) necessária ao trabalho. Mas atenção! Esses movimentos demandas um reconhecimento por parte da gestão de que a produção do cuidado requer
cuidado para que esta desterritorialização não venha a cair no vazio, transformando-se ser construída, cuidada, ativada e que deve haver pessoas da gestão (várias, em
diferentes papéis) que se ocupem desse trabalho. Aliás, é preciso reconhecer que esse
em algo sem sentido. Para este movimento é necessário mutuamente (re)territorializar,
é um trabalho, um papel fundamental, que necessita ser viabilizado – com pessoas,
são noções que prezam pela diversidade das singularidades, pautadas na valorização
com carga horária, com prioridade.
do sensível, no que diz respeito à experiência na unicidade de cada momento (LIMA;
YASUI, 2014). Quanto mais presente na agenda, maior a possibilidade de mobilizar todas as
Então, vamos compreendendo que a produção do cuidado demanda desses estruturas das secretarias a favor da produção do cuidado: removendo barreiras,
movimentos necessários para construção de novas possibilidades de pensar sobre si, produzindo encontros, apoiando, compartilhando saberes, mobilizando recursos.
as trajetórias no/do cuidar de si e do outro, deslocando-se para o território de outros Incessantemente porque esse movimento de desterritorialização e reterritorialização
não tem fim.
sujeitos e para novos encontros inclusive consigo. É “pensar o corpo como campo de
forças, como arte em vias de fabricação, máquina pulsante e desejante que ultrapassa
A partir da compreensão da multiplicidade de planos e atores constitutivos das
seus próprios contornos porosos: arte da existência.” (BORGES, 2015, p. 112). organizações e da gestão em saúde, é fundamental reconhecer que a “força” de todos
Todos os dispositivos são válidos e influenciam na composição dos modos de agir e esses processos é micropolítica e que para a instauração de uma micropolítica a favor
cuidar. Imaginem quantos atos não descritos nesta unidade estariam por acontecer ou da autonomia é necessário operar nos diversos planos em que gestores, trabalhadores
em movimento, envolvendo a atuação de outros atores, profissionais de saúde ou não. e usuários transitam para produzir-se e encontrar-se em mútua afetação - na vida
Alguns em maior ou menor proporção, com mais ou menos conexões. e no sistema de saúde. Apreender o movimento que surge da tensão, seus fluxos de
intensidades, escapando do plano de organização de territórios, desestabilizando as
representações, canalizando as intensidades, dando-lhes sentido.” (FEUERWERKER,
Vamos refletir 2014, p. 114-115).
Já pensou… o que pode ter feito a diferença no processo de construção dessas novas possibilidades
para Lúcia, sua família e a comunidade?
Os movimentos, aqui apresentados em atos, foram propositalmente pouco detalhados para que
você possa desfrutar da sua imaginação!
Como esses agenciamentos ocorreriam e como esse caso te mobilizaria caso você fizesse parte
desta equipe cuidadora?

A cada nova demanda, novas compreensões e rearranjos da rede serão necessários,


formulando novidades em fluxos e conexões, múltiplas entradas e saídas. Sendo assim,
ao pensar a atuação das políticas públicas nas redes de trabalho em saúde, convém
compreender que há um efeito coletivo na construção de ligações e pactos cotidianos
para o cuidado em saúde que são inúmeras, plurais e pulsantes.
64 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir As Políticas Públicas e as Redes Vivas de Trabalho em Saúde no Contexto do
Sobrepeso e Obesidade 65

O CUIDADO EM ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO NA ATENÇÃO BÁSICA 2. Um panorama das políticas públicas


envolvidas na rede de cuidado às pessoas com
O conceito de cuidado, historicamente, diz respeito às práticas ao cuidado de si, da família e
comunidade, mas, a partir do século XIX, o cuidado passou a ser objeto das práticas dos profissionais sobrepeso e obesidade
de saúde, com ampla utilização de tecnologias (LANGE et al, 2006). Essa profissionalização
do cuidado concorreu também para uma privação dos direitos de informação e ausência de
participação dos usuários dos serviços de saúde nas decisões sobre sua própria saúde.

Contanto, no Brasil, como fruto dos avanços na democratização do direito à saúde, a informação, o
conhecimento e os recursos necessários para o cuidado tem sido reconhecidos como direitos dos Caro cursista, o percurso até aqui permitiu perceber que não há uma fórmula
usuários do SUS. Relembrando a perspectiva de Ayres (2009, p. 42), vista no Módulo 01, importa
pensarmos o cuidado em saúde para além do conjunto de procedimentos, importa pensar o
pronta para a produção do CPSO e que é preciso reconhecer as singularidades de cada
cuidado como interação entre dois ou mais sujeitos objetivando “o alívio de um sofrimento ou território, de cada sujeito e de cada equipe na busca pela gestão do cuidado às pessoas
o alcance de um bem estar, sempre mediada por saberes especificamente voltados para essa com sobrepeso e obesidade. Em cada realidade, gestores e profissionais de saúde devem
finalidade”. considerar a disponibilidade de recursos (humanos, políticos, econômicos, sociais,
culturais e estruturais, dentre outros), de equipamentos sociais, de políticas públicas
Como vimos na narrativa do caso, existem vários modos de cuidar. O cuidado em alimentação e e de atores na construção de uma rede singular. Em cada território, essa rede assume
nutrição (CAN)05, por exemplo, é uma dimensão dos cuidados em saúde. características próprias, ainda que compartilhe de estratégias comuns embasadas nas
políticas públicas vigentes.
Lilian Magalhaes e Ligia Amparo-Santos (2020), sinalizam que a Atenção Básica atualmente se Nesse sentido, nos atos da estória de Lúcia e da sua rede viva de cuidado foi possível
constitui um espaço desafiador da produção do cuidado em alimentação e nutrição, dada a acionar um conjunto de atores e estratégias que possibilitaram subsidiar e qualificar a
coexistência, tanto dos avanços do reconhecimento da saúde e da alimentação como direitos
humanos como de vulnerabilidades e violações, demarcando a dimensão ética do cuidado como
produção do CPSO a Lúcia, a sua família e a outros membros da comunidade.
ato compartilhado e de cidadania. Assim, ao compreendermos a obesidade como um fenômeno complexo, sindêmico e
multidimensional, como já discutido no Módulo 1, reconhecemos também que a gestão
Para saber mais sobre CAN na ABS, acesse o artigo abaixo das autoras. do cuidado deve se dar por meio da articulação de diferentes políticas públicas oriundas
dos mais diversos setores e, portanto, realizada de maneira intersetorial. O conceito de
Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), apresentado na Unidade 1, é um conceito
estratégico, que nos ajuda a pensar caminhos possíveis para produção do cuidado, que
Multiplicidade, heterogeneidade e coordenação:
05 só é possível em ações intersetoriais conjuntas e articuladas.
a produção do cuidado em alimentação e nutrição a
partir das práticas de apoio matricial Quando buscamos dentre as políticas públicas, identificamos que não há no Brasil um
documento intitulado “Política Nacional para o Cuidado às Pessoas com Sobrepeso e
MAGALHÃES, LILIAN MIRANDA ; SANTOS, LÍGIA AMPARO DA SILVA.
Obesidade”. Em termos normativos existem linhas de cuidado específicas apresentadas
Multiplicidade, heterogeneidade e coordenação: a produção do cuidado em Portarias e Manual Instrutivo, além de Caderno de Atenção Básica e Estratégia
em alimentação e nutrição a partir das práticas de apoio matricial. Cad. Intersetorial. No entanto, objetivos, princípios, diretrizes, normas técnicas, planos,
Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 7.2020 programas e projetos de diferentes políticas públicas do campo da saúde e demais
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00127819 setores devem nortear de maneira articulada estratégias voltadas à integralidade do
cuidado no contexto do sobrepeso e obesidade. No quadro abaixo, apresentamos um
rol de políticas públicas e programas que podem compor essa ação conjunta.
66 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir As Políticas Públicas e as Redes Vivas de Trabalho em Saúde no Contexto do
Sobrepeso e Obesidade 67

Quadro E: Políticas nacionais e programas do setor saúde e demais setores para


Política Nacional de Saúde Integral LGBT (2011)
uma ação articulada voltada à integralidade do cuidado no contexto do sobrepeso e
obesidade.
Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (2002)
SETOR SAÚDE
Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência (2002)

POLÍTICAS AMPLAS
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no
Sistema Prisional (2014),
Política Nacional de Atenção Básica (2017)

dentre outras.
Política Nacional de Alimentação e Nutrição (2013)

DEMAIS POLÍTICAS
Política Nacional de Promoção da Saúde (2010)

Política Nacional de Saúde Bucal (2004)


POLÍTICAS VOLTADAS AOS CICLOS DE VIDA
Política Nacional de Saúde Mental (2011)
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (2015)
Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PICS) (2015)
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescente e Jovens (2010)
Política Nacional de Humanização (HumanizaSUS) (2004)
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2004)
Política Nacional de Educação Popular em Saúde (2013),
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (2008)
dentre outras.
Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (2006)
PROGRAMAS

Programa Saúde na Escola (PSE) (2007)


POLÍTICAS VOLTADAS PARA DIFERENTES GRUPOS SOCIAIS

Programa Academia da Saúde (2013)


Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (2017)

Programa Crescer Saudável (2017),


Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras
Hemoglobinopatias (2005)
dentre outros.
68 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir As Políticas Públicas e as Redes Vivas de Trabalho em Saúde no Contexto do
Sobrepeso e Obesidade 69

mas trazer luz à dinamicidade de estratégias e caminhos a serem desenhados a partir


DEMAIS SETORES das proposições já disponíveis.
Apresentamos nas linhas do tempo abaixo um conjunto de documentos e normativas
técnicas para auxiliá-lo(a) a reconhecer as proposições governamentais vigentes
POLÍTICAS AMPLAS
voltadas às pessoas com sobrepeso e obesidade e capazes de contribuir com a produção
do cuidado. É importante salientar que alguns documentos muitas vezes assumem a
Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) (2010) ideia de “controle” do sobrepeso e da obesidade, com abordagem direcionada a perda de
peso e prática de atividade física. No entanto, como você está acompanhando, estamos
Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) (2012) discutindo neste curso o CPSO a partir de uma perspectiva centrada na dinâmica entre
sujeito-família-comunidade e território, co-ordenada por uma rede viva de cuidados,
atuada por diversos atores, que busca reconhecer a obesidade como fenômeno complexo
Política Federal de Saneamento Básico (2007)
e multidimensional.

Política Nacional de Assistência Social (PNAS) (2004)

Plano Nacional de Educação (PNE) (2014)


Linha do tempo 1: Documentos técnicos específicos voltados à temática do sobrepeso
e da obesidade.

PROGRAMAS 2013
2013 - Portaria nº 424 - Redefine as diretrizes
para a organização da prevenção e do tratamento
Programa de Alimentação do Trabalhador (PIFAT/PAT) (1976) do sobrepeso e obesidade como linha de cuidado 2013 - Portaria nº 425 - Estabelece regulamento
prioritária da Rede de Atenção à Saúde das Pesso- técnico, normas e critérios para a Assistência de
as com Doenças Crônicas. Acesse aqui. Alta Complexidade ao Indivíduo com Obesidade.
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) (2009) Acesse aqui.

2014
Programa Bolsa Família (PBF) (2003)
2014 - Caderno de Atenção Básica nº 38. Estraté-
gias para o cuidado da pessoa com doença crônica:
obesidade. Acesse aqui. 2014 - Manual Instrutivo: Organização regional
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) (1996)
da linha de cuidado do sobrepeso e obesidade na
rede de atenção à saúde das pessoas com doenças
crônicas. Acesse aqui.
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) (2003), 2014 - Perspectivas e desafios no cuidado às pes-
soas com obesidade no SUS: resultados do Labo-
ratório de Inovação no manejo da obesidade nas
dentre outros. Redes de Atenção à Saúde. Acesse aqui. 2014 - Estratégia Intersetorial de Prevenção e
Controle da Obesidade: recomendações para esta-
dos e municípios (EIPCO). Acesse aqui.

Assim, o(a) convidamos a olhar para essas políticas públicas a partir de uma perspectiva
ampliada tendo em vista a produção do CPSO, ressignificando seu papel nas redes de
atenção à saúde. Não buscamos aqui esgotar as possibilidades das inúmeras políticas
públicas existentes que se articulam direta ou indiretamente com a produção do CPSO,
70 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir As Políticas Públicas e as Redes Vivas de Trabalho em Saúde no Contexto do
Sobrepeso e Obesidade 71

Linha do tempo 02: Documentos técnicos dos campos da saúde e da segurança A última década é representativa dos esforços governamentais voltados à promoção
alimentar e nutricional. da saúde e da SAN, nos quais o CPSO está implicado. O Plano de Ações Estratégicas
para o Enfrentamento das DCNT´s 2011-2022, publicado pelo Ministério da Saúde
2011 - Plano de ações estratégicas para o enfren-
2011 (MS), tem como objetivo “promover o desenvolvimento e a implementação de políticas
tamento das doenças crônicas não transmissíveis
públicas efetivas, integradas, sustentáveis e baseadas em evidências para a prevenção e
(DCNT) no Brasil 2011-2022. Acesse aqui.
o controle das DCNT´s e seus fatores de risco e fortalecer os serviços de saúde voltados
às doenças crônicas”. Neste, a obesidade é situada como um fator de risco modificável
2012 - Marco de referência de educação alimen- 2012 para as DCNT´s (BRASIL, 2011a, p.09).
tar e nutricional para as políticas públicas. Acesse
aqui. Entre 2013 e 2014 foram publicados documentos que apresentam diretrizes para
2012-2015 - I Plano Nacional de Segurança Ali-
mentar e Nutricional (PLANSAN). Acesse aqui. organização de linhas de cuidado e atenção à saúde para as pessoas com sobrepeso e
obesidade nos diversos níveis do sistema de saúde. Dentre os quais estão as Diretrizes
2013 - Diretrizes para o cuidado das pessoas com
para o cuidado das pessoas com doenças crônicas nas redes de atenção à saúde e nas
doenças crônicas nas redes de atenção à saúde e
2013 linhas de cuidado prioritárias (BRASIL, 2013a), as Portarias nº 424 e nº 425 (BRASIL,
nas linhas de cuidado prioritárias. Acesse aqui. 2013b); BRASIL, 2013c), o Caderno nº 38 Estratégias para o cuidado da pessoa com
doença crônica obesidade (BRASIL, 2014a) e o Manual Instrutivo: Organização
regional da linha de cuidado do sobrepeso e obesidade na rede de atenção à saúde
2014 - Portaria no 483 - Redefine a Rede de Aten- 2014 das pessoas com doenças crônicas (BRASIL, 2014b).
ção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e estabe- 2014 - Guia alimentar para a população brasileira. Em conjunção aos documentos já citados, a temática da Educação Alimentar e
lece diretrizes para a organização das suas linhas Acesse aqui. Nutricional se insere no âmbito das políticas públicas no contexto da promoção da
de cuidado. Acesse aqui.
saúde e da SAN, cabendo seu desenrolar em diferentes espaços e aos diversos setores
vinculados ao processo de produção, distribuição, abastecimento e consumo de
2015 - Pacto Nacional para Alimentação Saudável 2015 alimentos e suas políticas públicas (BRASIL, 2012). Nesse sentido, foi produzido o
(PNAS). Acesse aqui. 2015 - Alimentos Regionais Brasileiros. Acesse
aqui.
Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas,
2015 - Estratégia Nacional para Promoção do Alei- que confere à sociedade brasileira uma bússola na elaboração e implementação de
tamento Materno e Alimentação Complementar
ações (AMPARO-SANTOS, 2013). Junto a este Marco somam-se o Guia alimentar
Saudável no Sistema Único de Saúde: manual de
implementação. Acesse aqui. para a população brasileira e o Guia alimentar para crianças menores de dois anos
(BRASIL, 2014c; BRASIL, 2019) que oferecem subsídios para as ações de promoção
2016 - 2019 - II Plano Nacional de Segurança Ali- 2016 da alimentação adequada e saudável, incluindo o respeito às características de cada
mentar e Nutricional (PLANSAN). Acesse aqui. território.
Numa proposição de ação intersetorial, os I e II Planos Nacionais de Segurança
Alimentar e Nutricional (PLANSAN) para os anos de 2012-2015 e 2016-2019 são
2017 - Guia de Orientação para Adesão ao Pacto 2017 norteadores para articulação entre diferentes setores com vistas à garantia da SAN e do
Nacional para Alimentação Saudável. Acesse aqui. DHAA (BRASIL, 2011b; BRASIL, 2018). Constituem-se também marcos importantes
2017 - Contribuições dos Núcleos de Apoio à Saú-
de da Família para a Atenção Nutricional. Acesse para a ação intersetorial a Estratégia Intersetorial de Prevenção e Controle da
aqui.
Obesidade: recomendações para estados e municípios (EIPCO) de 2014 (BRASIL,
2014d) e o Pacto Nacional para a Alimentação Saudável (PNAS) de 2015 (BRASIL,
2019 - Guia alimentar para crianças menores de
dois anos. Acesse aqui.
2019 2017).
A EIPCO tem como objetivo “prevenir e controlar a obesidade na população brasileira,
por meio de ações intersetoriais, promovendo a alimentação adequada e saudável e a
72 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir As Políticas Públicas e as Redes Vivas de Trabalho em Saúde no Contexto do
Sobrepeso e Obesidade 73

prática de atividade física no ambiente que vivemos” (BRASIL, 2014d, p.13), tendo Portanto, reconhecemos que esse conjunto de documentos técnicos que pautam e/
como eixos de ação: (1) Disponibilidade e acesso a alimentos adequados e saudáveis; ou abarcam a produção do CPSO representam importantes iniciativas para organizar
(2) Educação, comunicação e informação; (3) Promoção de modos de vida saudáveis e ofertar esse cuidado, mas que ainda exige mobilização dentro do campo da saúde
em ambientes específicos / territórios; (4) Vigilância Alimentar e Nutricional e das e da participação social para transpor a inércia política, a invisibilidade e a violação
práticas de atividade física da população; (5) Atenção integral à saúde do indivíduo de direitos das pessoas com sobrepeso e obesidade. Urge esforços, tanto em nível
com sobrepeso/obesidade na rede de saúde e; (6) Regulação e controle da qualidade e micro, a exemplo da organização das redes de atenção à saúde, da oferta e adequação
inocuidade de alimentos. dos serviços, dos equipamentos apropriados e da formação das equipes; quanto em
Já o Pacto Nacional para Alimentação Saudável busca mobilizar os estados, distrito nível macro, no sentido de garantia dos direitos constitucionais a partir de políticas
federal e municípios, para articular políticas, órgãos e entidades, em um esforço coletivo públicas voltadas, por exemplo, para a geração de emprego e renda dignos, educação de
para a promover a alimentação saudável. O pacto visa estimular planos locais e regionais qualidade, garantia do DHAA, promoção de sistemas alimentares agroecológicos e de
que busquem ampliar a oferta, disponibilidade e consumo de alimentos saudáveis, como modos de vida saudáveis.
meio de garantir o DHAA (BRASIL, 2017).
A EIPCO e o PNAS inovam quando conectam as questões de saúde, nutrição,
sobrepeso e obesidade ao sistema alimentar vigente. Ambos também se voltam à
coordenação das ações dos diferentes setores objetivando a prevenção e o controle da
obesidade através da convergência de objetivos e ações para a promoção da alimentação
adequada e saudável (PAAS) (HENRIQUES et al, 2018). Em síntese, são estratégias que
para serem implementadas requerem coordenação intersetorial das ações propostas.
Para isso é necessário que mecanismos de governança sejam instituídos, de modo a
garantir o diálogo entre os diferentes setores envolvidos (PINHEIRO et al, 2019).

Para ampliar seu referencial sobre as ações públicas voltadas à integralidade do


cuidado no contexto do sobrepeso e obesidade acesse:

2020: BURLANDY, L. et al. Modelos de assistên- 2020: RAMOS, D.B.N. et al. Propostas governa-
cia ao indivíduo com obesidade na atenção bási- mentais brasileiras de ações de prevenção e con-
ca em saúde no Estado do Rio de Janeiro, Brasil. trole do sobrepeso e obesidade sob perspectiva
Cad. Saúde Pública 2020. municipal. Cad. Saúde Pública 2020.

https://www.scielo.br/pdf/csp/v36n3/1678- https://www.scielo.br/pdf/csp/v36n6/1678-
4464-csp-36-03-e00093419.pdf 4464-csp-36-06-e00116519.pdf

Ao longo dessa unidade, percebemos que o CPSO perpassa as várias políticas


públicas existentes, tanto pelo fato de entendermos que, nós, sujeitos de direito das
variadas políticas públicas nos encontramos no contexto do sobrepeso e da obesidade,
quanto pelo fato de estabelecermos conexões a partir das especificidades dos grupos
populacionais, como no caso da relação entre saúde da população negra e epidemiologia
da obesidade, questão já discutida no Módulo 01.
74 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir As Políticas Públicas e as Redes Vivas de Trabalho em Saúde no Contexto do
Sobrepeso e Obesidade 75

Síntese da unidade II

Caro cursista, esperamos que as leituras e reflexões propiciadas


mobilizem processos de encontros consigo mesmo, com o outro e
com o território, possibilitando caminhos para constituição de redes
vivas de trabalho em saúde no contexto da obesidade. Nas imersões
no caso de Lúcia pudemos vislumbrar, entre outras coisas, como
os atores que compõem as redes formais e informais de cuidados
são potências para organização e realização de atos e práticas de
cuidado às pessoas, famílias e comunidades
Exploramos, também, possibilidades de acionamento e articulação
com políticas públicas, programas, planos e estratégias existentes,
partindo de reflexões coletivas sobre demandas concretas dos
sujeitos, reconhecendo que o conjunto de ações públicas, setoriais
e intersetoriais também são atores dessa rede de produção de
cuidados.
Sabemos que os desafios estarão presentes a todo momento,
que limitações e inércia políticas fazem parte desse contexto, mas
sabemos também, que as redes se constituem de atores cuja potência
é capaz de transformar a realidade, de criar novos contextos de
saúde e de vida.
E que tal agora mobilizar toda essa rede de atores para o
planejamento de ações para o cuidado às pessoas com sobrepeso e
obesidade em seu território? É o que estamos propondo construir
junto com você na próxima unidade, vamos ver?
77

Planejando intervenções para o cuidado


às pessoas com sobrepeso e obesidade
em diferentes territórios

Thais Regis Aranha Rossi, Flavia Pascoal Ramos, Carla Valois


Ribeiro, Viviane Assis de Araújo e Sandra Maria Chaves dos Santos

Apresentação

Caro(a) cursista,
Seja bem-vindo(a) à última unidade do Curso Qualificação do Cuidado às Pessoas
com Sobrepeso e Obesidade no âmbito da Atenção Básica. Após seu percurso no
Módulo I e nas demais unidades do Módulo II, discutiremos a importância do
planejamento das ações no processo de trabalho para o cuidado na Atenção Básica.
Apresentaremos os princípios básicos do planejamento com base no pensamento
estratégico e sua aplicabilidade, particularmente voltado ao cuidado às pessoas com
sobrepeso e obesidade - CPSO. Assim, você poderá articular os produtos gerados em
unidades anteriores do curso como subsídio à elaboração de um plano de ação que
contemple análise de viabilidade.
O convite aqui é para que vocês possam refletir sobre a realidade em que atuam e
propor mudanças dentro do seu campo de ação com vistas a qualificar o CPSO. Sabemos
que a prática do planejamento é, de certa forma, comum ao cotidiano dos serviços de
saúde. Mas, como vem acontecendo a construção desse processo de planificação na sua
realidade?
Provêm de decisões burocráticas, individuais, ou incorpora relações coletivas e
participativas? Há reconhecimento dos conflitos? Faz-se análise de viabilidade? Esse
planejamento tem como enfoque específico o cuidado às pessoas com sobrepeso e
obesidade? Existe um planejamento participativo com esses sujeitos?
Podem ser muitas, portanto, as questões relativas ao planejamento voltado ao cuidado
de pessoas, e como vocês conhecem e tiveram oportunidade de refletir um pouco mais
desde o módulo 1 dessa formação, o foco nas pessoas com sobrepeso e obesidade traz ao
contexto mais questões. Mas, ao contrário dessa complexidade nos desmotivar, deve ser
um estímulo a mais para avançarmos! Para isso existem ferramentas no planejamento.
Desejamos uma boa unidade e excelente finalização de curso!
78 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Planejando intervenções para o cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade em
diferentes territórios 79

1. Introdução A casa do presidente eleito vive o brilho ruidoso do triunfo. No Palácio de Governo o silêncio da
derrota é interrompido somente pelos trabalhos de embalar a mudança. Em ambos os lugares
ninguém dormiu naquela noite. A casa do presidente eleito está repleta de amigos do poder e
amigos da amizade. Grupos folclóricos, entre cantos e danças, fizeram horas antes um espetáculo
que parecia montado artificialmente. Agora, no entanto, o contágio é geral; uma eclosão de
entusiasmo culminou ao fim em atos espontâneos de alegria e apoio ao novo governo.
Este capítulo destina-se a profissionais do Núcleo Ampliado de Saúde da Família –
NASF-AB e gestores da atenção básica de distintos municípios da Bahia. Não se constitui Massas intermináveis de cidadãos avançam em colunas para tomar posições frente ao Congresso
Nacional. Dirigentes médios caminham orgulhosos e observam os curiosos com dizendo “eu
como um manual ou curso de planejamento, mas busca discutir conceitos introdutórios
não disse”, enquanto executam movimentos desnecessários que simulam a importância de suas
e métodos sobre como planejar ações no âmbito da Atenção Básica - AB voltadas para ordens.
o cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade – CPSO. Um locutor gesticula com o microfone do alto do teto do prédio do correio; com a outra mão se
Para começar, leia o texto a seguir que integra a obra “Adeus, senhor presidente” do protege do sol enquanto descreve as marchas: exagera, adjetiva, se entusiasma, critica, agrega
autor Carlos Matus e após, interaja no fórum! zeros às cifras, aconselha ao novo presidente, intercala avisos comerciais e incursiona em alegoria
poética - “o povo aparece e desaparece no bosque urbano, tal como irrompe no primeiro plano à
época das eleições e se faz invisível durante os governos, porém sempre volta a cobrar sua dúvida
com paciência e esperança, até que cansado de esperar, ‘desperta a cada cem anos’ como disse
CENA UM Neruda e então a terra treme”.
Carlos Matus* Todos os periódicos da manhã dedicam sua primeira página aos atos da transmissão de mando.
Até ontem, a imprensa manteve uma atitude de discreto respeito pelo presidente em término
de mandato, a máxima hostilidade foi omitir sua fotografia e resenhar suas atividades em letra
Aquele dia amanheceu mais cedo. O sol se adiantou aos relógios em meia hora e pareceu competir pequena, confundida com outras notícias menores de páginas internas. Hoje, a mudança é
com o rebuliço dos grupos que percorriam as ruas desde a madrugada. Ainda não se haviam evidente. Uma manchete com enormes letras diz: Adeus a um governo medíocre!. É o título mais
apagado as estrelas quando os funcionários do cerimonial se reuniram e repassaram seguidamente comedido.
cada detalhe da cerimônia.
As dez da manhã começou pontualmente a cerimônia. O presidente eleito, transbordante de
Os primeiros grupos de manifestantes precederam a madrugada e eram muitos quando o sol, ao alegria, não tem insígnia alguma que o distinga, salvo o lugar que ocupa ao lado do presidente do
começo tímido, deslocou as sombras; um estranho vapor quente espalha-se agora pelas ruas. Senado. À direita deste, o presidente, com a faixa presidencial cruzada sobre o peito, está rígido,
Há no ambiente uma certa euforia; uma “chispa” de alegria varre os ares e se propaga como um sério e ausente. Já não tem a aura do poder. Seus olhos apontam para o nada. Sua figura em escuro
incêndio indescritível. O povo tem poucas festas e esta é uma de suas preferidas. É festa, é castigo, parece ainda mais alta e ossuda. Pela rigidez das posições parecem um conjunto de esculturas.
é prêmio e é também esperança. Ali, os sempre esquecidos, se colocam com generosidade, O presidente, com o olhar perdido, brinca com um dos botões de seu traje; necessita ter as mãos
oferecendo mais amores que ódios. A equipe do governo que sai vive precisamente seu castigo ocupadas; seu sorriso tenso apenas dissimula seus sentimentos. Em uma hora entregará a faixa
com horas de tensão e silêncio. presidencial a seu mais encarnado opositor. Assumiu o poder há seis anos com imenso apoio
As bandeiras, hasteadas às cinco horas da manhã, mexem-se agora com uma brisa constante e popular e ele mesmo se havia colocado o objetivo de romper com a rotina dos governos passados,
misturam suas cores com os emblemas partidários. Milhares de cartazes coloridos com a foto do atender às necessidades populares, modernizar o Estado, solucionar ou ao menos atenuar os
presidente eleito estão afixados nos postes alinhados ao longo da avenida principal que comunica grandes problemas nacionais e usar o poder para atender aqueles que têm grandes necessidades
o Congresso Nacional ao Palácio de Governo. porém não podem expressá-las em demandas políticas e econômicas. Esse foi seu compromisso
eleitoral. Os primeiros dias foram de euforia, tudo parecia ir bem. Sentiu-se forte e experiente ao
Os cartazes mostram um homem sorridente, bem conservado e com uma dentadura apropriada
mesmo tempo que desenvolvia uma marcante intolerância com o que considerava “a injustiça das
para a campanha eleitoral. Seu olhar, pelo menos como resultado do esforço do fotógrafo, se
críticas”. Depois, pouco a pouco, essa euforia sobreviveu em graus decrescentes graças ao cerco de
mostra firme, atraente, pleno de estimulante confiança. Seu rosto parece feito para a propaganda
uma cortina impenetrável que o isolava em um mundo irreal. Nada mais gratificante que o “Sim, Sr.
“made in USA”, maduro, cabelo prateado e com uma mecha natural sobre à fronte, sobre as rugas
Presidente”, “vamos bem, Sr. Presidente”, “veja as pesquisas” ....
da experiência.
Quando visitava um hospital, este era pintado e limpo no dia anterior. As motocicletas de sua
Sob um daqueles postes, um bêbado incorrigível faz equilíbrios e recita o famoso poema de Garcia
guarda especial lhe abriam espaço no tráfego; se precisava do telefone sempre encontrava a
Lorca : “La llevé al rio creyendo que era mozuela...”. A relação entre o poema e o presidente eleito é
linha funcionando adequadamente; em períodos de escassez de água, a mesma nunca lhe faltou;
um segredo bem guardado no álcool, porém intriga aos transeuntes que passam portando faixas
tampouco pagava preços mais altos por alimentos já que suas refeições provinham da cozinha
e bandeiras de diversas formas e cores. Alguns gritam para o bêbado, outros lhe lançam objetos,
do palácio. O trajeto entre sua residência oficial e a sede de governo era mantido limpo e a grama
porém ninguém o ignora... Os risos se confundem com os cantos e gritos partidários.
80 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Planejando intervenções para o cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade em
diferentes territórios 81

dos jardins estava sempre bem cortada. Já não vivia os problemas comuns dos cidadãos, só os Lá fora, o sol é intenso e suficiente para iluminar a cena de despedida. O ex-presidente enxuga o
conhecendo através de relatórios. Em compensação, passava por problemas nem sonhados pelos suor do rosto e ordena ao chofer: Vamos!. Aonde presidente?, pergunta o motorista uniformizado.
cidadãos comuns. À minha antiga casa!, diz o ex-presidente com um suspiro. Após, corrige: Não, melhor não. Vamos
dar uma volta pela cidade, quero conhecer de novo meu país!
Cada dia trabalhava até tarde da noite, porém havia sempre mais trabalho e tão poucas pessoas
em quem confiar. Um menino o olha sorridente, tem boca e dentes enormes e com as duas mãos o saúda com uma
reverência burlesca: Adeus, Sr. Presidente!
Gradativamente, e sem dar-se conta. a rotina superou sua vontade criativa, deixou de pensar nos
grandes objetivos e em seu programa de governo. Suas satisfações consistiam agora em pequenas
coisas, como cumprir com seriedade suas tarefas diárias. Perdeu a sensação de conduzir e tomou *** Matus, Carlos. Adiós, señor presidente. Planificación. Antiplanificación Y Gobierno. Caracas/Venezuela: Pomaire/
consciência tardia de que a realidade o conduzia por um caminho e até resultados que ele não Ensaios, 1987 p.13-9 (tradução livre de Sandra Maria Chaves dos Santos). Versão em português (MATUS, 1996a).
havia escolhido. Sim, ele não havia escolhido os resultados que ao final marcaram seu governo.
Todos os dias tinha que lutar contra a corrente, até que ela o aprisionou na comodidade do
poder. Era um trabalho agonizante atender a tantas pressões, tantos assuntos burocráticos, tantas
pequenas pelejas e tantas pelejas por problemas pequenos. Absorvido na armadilha burocrática e
postergando sempre o mais difícil para amanhã, chegou rapidamente a seu último ano de governo
e o país entrou em plena campanha eleitoral.
Após ler o “Cena Um”, vamos ao fórum?
O tempo havia passado. Agora ele não era o crítico do governo anterior, mas sim o alvo das críticas.
A propaganda oposicionista exibia suas promessas não cumpridas, tal como ele havia feito na
campanha passada. Depois veio o gosto amargo de perder as eleições e agora, em pouco mais de - Quais reflexões esse texto nos traz?
uma hora, deixará de ser o chefe do governo. O Sr. Presidente sente-se só. Sua mente percorreu
em minutos todas as situações críticas de sua administração e voltou a escutar os conselhos - Como analisar como vai o governo ou nossas práticas?
desencontrados de seus ministros e colaboradores. Em silêncio pensou que se tivesse uma nova
oportunidade não faria o mesmo. Porém, não fazer o mesmo não é uma alternativa. - Em que medida estão sendo cumpridos os compromissos relativos a objetivos e metas?
Qual foi realmente sua alternativa? Por que pode ganhar as eleições e não soube governar? Por
que foi derrotado pelas tendências da inércia? Era possível outro resultado? Imaginou-se agora - Quais são as principais causas de êxito ou fracasso de uma gestão ou intervenção/ação?
no princípio de seu governo, começando de novo, porém com a experiência de saber o final.
Empregaria seu tempo de outra maneira? Tomaria as mesmas decisões frente aos problemas - O que é preciso corrigir para eliminar as falhas identificadas?
e oportunidades que marcaram seu período presidencial? Valorizaria de forma igual seus
colaboradores? Agora era tarde, porém a descoberta o surpreendeu. Pensou que seria um bom
método prever distintos fatores associados a cada decisão ou omissão sua no dia a dia. Se alguém
lhe tivesse mostrado a situação que viveria hoje, como consequência do que fez e deixou de fazer,
seu cálculo teria sido distinto. Em realidade minhas decisões teriam sido outras? pensou. O que Vamos seguir com as nossas questões para o debate?
há, entretanto, mais forte que me limita ainda hoje que conheço os resultados de meu governo?
Sentia uma impotência angustiante, porém não conseguia identificar com segurança suas falhas.
Por fim, chegou o momento e ele concedeu um abraço diplomático a seu sucessor.
- O que é planejamento?
Seis mãos anônimas interrompem o silêncio de sua saída com um aplauso de cortesia ao sair do
Congresso, enquanto ele sorri com tristeza. - O que você sabe sobre este tema?
Pensa no quão passageira é a euforia ruidosa que acompanha o novo presidente. A lição havia
terminado junto com sua carreira política. Porém, havia terminado uma maneira primitiva de fazer - Quais práticas de planejamento você costuma desenvolver?
política? Saiu por uma porta lateral; ali há pouca gente e todos estão atentos aos que amplificam a
voz do novo presidente. Lá dentro, ante uma iluminação sufocante dos equipamentos de televisão, - Interaja com os(as) colegas e tutor(a) no Fórum!
o presidente lê seu primeiro discurso:
“Assumo o governo do país em condições desastrosas. Vivemos seis novos anos de inexplicável
retrocesso econômico. Podemos exibir a triste marca de completar doze anos sem crescimento
desde que meu partido está na oposição. Prometo...”
82 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Planejando intervenções para o cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade em
diferentes territórios 83

O que é planejamento? Aspectos conceituais introdutórios.


Vamos pensar juntos:
O autor Carlos Matus inicia seu livro “Política, Planejamento e Governo” (1996) com Por que estamos nessa formação para o cuidado às pessoas com sobrepeso e
alguns questionamentos pertinentes para começarmos a pensar neste tema. obesidade? Qual ou quais o(s) problema(s) que mobilizaram a demanda por essa
formação?
Qualquer cidadão de um país pode-se perguntar, com razão, qual
o seu papel na conformação do futuro. Estamos caminhando para Planejamento é um “processo de racionalização das ações humanas” a fim de definir
onde queremos? Fazemos o suficiente para alcançá-lo? O problema “proposições e construir viabilidade” para solucionar problemas e atender necessidades
consiste em saber se somos arrastados pela força da correnteza
do rio dos acontecimentos em direção a um fim desconhecido ou
individuais e coletivas (TEIXEIRA, 2010, p.17). O planejamento é uma prática social
se sabemos onde chegar e estamos conduzindo, ou contribuindo técnica, política, econômica e ideológica. Esse processo possibilita a transformação
para conduzir o movimento nesta direção. Somos arrastados ou de uma situação em outra (PAIM, 2009). Por situação, entendemos um conjunto de
conduzimos? [grifo nosso] (MATUS, 1996b, p.9, grifo nosso) problemas e/ou necessidades tal como são compreendidos a partir da perspectiva dos
atores sociais interessados em intervir, sobre um determinado recorte da realidade
Matus considera o planejamento como um processo social e seu objeto sempre em (MATUS, 1996b).
movimento. Movimento esse imbricado a todos os produtores sociais. Planejamento é O conceito de situação exige considerar o papel dos outros atores e adentrar nas
o cálculo que precede e preside a ação (MATUS, 1996b). Este conceito é basilar para suas explicações sobre os fatos. Se isto não for considerado, a explicação situacional é
compreensão de sua teoria e proposta metodológica. Um cálculo situacional sistemático incompleta (MATUS, 2005).
que “relaciona o presente com o futuro e o conhecimento com a ação” (MATUS, 1996b,
p. 19). Os conceitos de ator social, situação e problema são importantes na
Esta ação, em geral, busca solucionar problemas. Mas o que seria um problema? Este construção do processo de planejamento.
é um termo muito utilizado no cotidiano. Problema é algo considerado fora dos padrões Vamos discuti-los no fórum!
de normalidade para os atores sociais que estão analisando a situação. Esses padrões são
definidos a partir do conhecimento, do interesse e da capacidade de agir do ator sobre O processo de explicação situacional no planejamento é fundamental no processo
uma dada situação (MATUS, 1996b). Esses problemas podem ser problemas do estado de trabalho em saúde e na gestão. Matus (1996b) aborda que “governar ou conduzir
de saúde da população relacionados aos danos e riscos, assim como a problemas do é algo muito complexo, que não pode ser reduzido inteiramente a uma teoria. É uma
sistema de serviços de saúde que podem ser voltados aos elementos que o compõem arte, mas não é pura arte. Para governar requer-se cada vez mais domínio teórico sobre
como a infraestrutura, a gestão, organização, financiamento ou modelo de atenção os sistemas sociais” (MATUS, 1996b, p. 59). O autor discute que o condutor ou equipe
(PAIM; ALMEIDA-FILHO, 2014). A análise situacional também pode ser dirigida às condutora de uma política dirige um processo para alcançar seus objetivos, os quais
necessidades, ou seja, às condições que possibilitam “gozar saúde” ou “um dado modo de escolhe e altera segundo as circunstâncias, o chamado “projeto de governo” (MATUS,
andar a vida” (PAIM; ALMEIDA-FILHO, 2014, p. 29-30). Essas necessidades também 1996b)
podem estar relacionadas à saúde ou aos serviços. Cita-se ainda que a análise de situação Desta forma, o projeto de governo é um sistema propositivo ou conjuntos de propostas
pode tratar de determinantes sociais no processo saúde-doença da população (PAIM; de ações. Nas palavras do autor, refere-se ao “conteúdo propositivo dos projetos de ação
ALMEIDA-FILHO, 2014). Outro conceito importante no processo de planejamento que um ator se propõe a realizar para alcançar seus objetivos” (MATUS, 1996b, p.60).
que está sendo proposto nesta unidade, seguindo o proposto por Matus, é o de ator Entretanto, não são apenas as circunstâncias e interesse do ator que determinam o
social que pode ser pessoa, um grupamento humano ou uma instituição que, de forma conteúdo propositivo e sim sua capacidade de governo. A eficácia do projeto depende
transitória ou permanente, é capaz de agir, produzindo fatos em uma determinada de uma acertada composição combinada de valores, ciências e criatividade (MATUS,
situação ou realidade (MATUS, 1996b). 1996a).
A capacidade de governo é “uma capacidade de condução ou direção e refere-se ao
acervo de técnicas, métodos, destrezas, habilidades e experiências de um ator e sua
equipe de governo, para conduzir o processo social a objetivos declarados, dados
84 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Planejando intervenções para o cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade em
diferentes territórios 85

a governabilidade do sistema e o conteúdo propositivo do projeto de governo... pois cada um deles controla proporções diversas de variáveis do sistema; (ii) a segunda
A capacidade de governo se expressa na capacidade de direção, de gerência, de refere-se que a governabilidade de um sistema depende do conteúdo propositivo do
administração e de controle” (MATUS, 199b, p.61). projeto e (iii) a terceira relativização indica que a governabilidade de um sistema é
Matus (1996b) aborda que através das teorias, técnicas e métodos de planejamento maior se o ator tem alta capacidade de governo.
é possível alterar ou melhorar a capacidade de governo e o domínio dessas técnicas Assim posto, o conceito de “Triangulo de Governo” (MATUS, 1996b) refere-se
constitui-se numa das variáveis mais importantes na determinação da capacidade de a três variáveis que conformam os vértices de um triângulo: o projeto de governo, a
governo de uma equipe. O autor acreditava que “o grande problema do nosso tempo era capacidade de governo e a governabilidade. Na diferenciação entre as três variáveis
a capacidade para governar” (MATUS, 2000) e que através da capacidade de governo era é possível reconhecer sistemas de natureza diferente: o sistema propositivo de ações
possível definir projetos eficazes de governar e aumentar a governabilidade do sistema. (projeto), o sistema social (governabilidade) e o sistema de direção e planejamento
(capacidade de governo). Entretanto, na interação a ação humana permeia e é comum
Vamos refletir... aos três sistemas. E representam propostas de ação, possibilidades de ação e capacidade
para gerar e comandar ações (Figura 1).
A abordagem do triângulo de governo e capacidade de governar refere-se ao
governo de qualquer sistema na direção do alcance dos objetivos pactuados. Por
exemplo, uma sala de aula é espaço a ser governado, um serviço de saúde, a nossa
casa, etc...

Os métodos de governo representam a formalização de uma boa prática, baseada


implícita ou explicitamente em uma teoria eficaz. É dito que para aprimorar a capacidade
para governar existem dois caminhos polares: o primeiro, pelo uso paciente do tempo,
o que geraria após séculos, uma maturidade institucional que prescindiria métodos
formais, pois estes já estariam implícitos e seriam naturais na prática da gestão pública;
o segundo consiste na economia do tempo, e prioriza os métodos formais de governo e
a formação acelerada de quadros de liderança tecnopolítica, a fim de forçar uma prática
que não decorre naturalmente da maturidade institucional (MATUS, 2000). Figura 1: Triângulo de governo Matusiano
Fonte: MATUS, 1996b.
Na visão do autor, para os países da América Latina, a única via possível seria a
segunda, pois quanto menor é a maturidade institucional, mais necessários são os
métodos e as técnicas de direção e planejamento para que desta forma, a prática seja Vamos pensar juntos...
forçada e a maturação dos quadros burocráticos apressada. Destaca-se aqui, de maneira
No seu espaço de trabalho existe um plano para o cuidado às pessoas com sobrepeso
semelhante, a importância do planejamento na gestão da atenção básica e no processo e obesidade?
de trabalho dos profissionais dos trabalhadores que também atuam nos serviços.
Se existe, quais as condições técnicas, materiais e financeiras para realizar o planejado?
O terceiro vértice do triângulo de governo é a governabilidade. A governabilidade E os atores interessados em implementar o plano existente, controlam as variáveis
do sistema é uma relação entre o peso das variáveis que o ator controla e não controla, necessárias para fazer acontecer o proposto?
no processo de governo. O autor afirma que quanto mais variáveis o ator controla, São necessários recursos financeiros para a ação? O ator que está planejamento pode
maior será sua liberdade de ação e maior será, para ele, a governabilidade do sistema. A alocar recursos ou depende de outros?
governabilidade de um sistema expressa o poder que determinado ator tem para realizar
seu projeto. É uma categoria relativa a um determinado ator, às demandas e exigências
que o projeto de governo impõe a ele, e à sua capacidade de governo (MATUS, 1996a).
Como planejar ações voltadas para o cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade
Referente à governabilidade o autor aponta três relativizações: (i) a primeira aborda
na Atenção Básica? Vamos nos deter sobre isso adiante!
que um sistema não oferece a mesma governabilidade a todos os diferentes atores sociais,
86 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Planejando intervenções para o cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade em
diferentes territórios 87

2. Planejamento e gestão para reorganização Neste contexto, as práticas alimentares dos grupos sociais, segundo o Ministério da
Saúde (2017), incluindo todos os sentidos e significados relacionados com os alimentos e
do cuidado na atenção básica a alimentação, são parte da dinamicidade dos lugares e territórios. A situação alimentar e
nutricional proveniente destas práticas possui influência direta na saúde dos indivíduos
e comunidades. É uma relação profunda entre as questões alimentares, para além dos
aspectos biológicos, incluindo aspectos sociais, históricos, culturais e subjetivos.
Nos cenários da AB, as práticas em alimentação e nutrição habitualmente encontradas
são muitas vezes pontuais, desarticuladas, ou direcionadas a grupos específicos.
O planejamento em saúde surge das demandas de enfrentamento nas condições de
vida e saúde da população em distintos locais. Na América Latina, é possível citar o
método CENDES-OPS como primeiro método de programação em saúde. Este era Para refletir
baseado num viés economicista e propunha um diagnóstico em saúde baseado na Nas outras unidades você vem refletindo sobre a organização da AB do seu município
construção de indicadores do nível de saúde (TEIXEIRA, 2010). e como se dá o CPSO. Qual o lugar do planejamento nestas práticas? Faça um exercício
Conforme vocês debateram durante o Módulo II deste curso, a Atenção Básica de responder a essa questão considerando o triângulo de governo.
- AB é um nível do sistema de serviços de saúde que atua com porta de entrada do
usuário no sistema, compartilhando com os demais níveis responsabilidades como:
acesso, qualidade, custos, prevenção, tratamento, reabilitação e trabalho em equipe 2.1 Território como lugar da ação de saúde: o modelo de atenção da Vigilância da
(STARFIELD, 2002). Como foi abordado na Unidade 2 deste E-book, a AB organiza Saúde
e racionaliza o uso adequado dos recursos, tanto básicos quanto especializados,
organizados para a promoção, atenção, gestão e controle social da saúde.
O enfrentamento dos problemas no âmbito do território deve reunir ações e serviços
A tarefa de planejamento e alocação de recursos no contexto da Atenção Básica é que não somente são restritas às unidades de saúde, demandando a articulação de atores
importante, considerando que a disponibilidade de recursos é influenciada pela governamentais e não governamentais que estão situados neste lugar. No território estão
qualidade da informação sobre os problemas passíveis de enfrentamento pelos serviços os equipamentos de saúde, os espaços urbanos de circulação, lazer, segurança pública,
de saúde (STARFIELD, 2002). indivíduos, famílias, comunidades. É no território que ocorrem as relações de produção
Paim (2006) destaca desafios para a gestão da AB como a complexidade do perfil e consumo. Destaca-se como os alimentos são produzidos, armazenados, transportados
epidemiológico, recursos humanos, processos de trabalho, gestão participativa, até a mesa das pessoas.
equidade, financiamento, intersetorialidade, além de problemas como o desprestígio da A proposta de Vigilância da Saúde é compreendida como uma estratégia de reorientação
análise da situação de saúde e segmentação do sistema de saúde. do modelo de atenção à saúde, tendo como premissa o cuidado integral (PAIM, 2008).
Para o Ministério da Saúde (2017), a Atenção Básica é construída por meio do exercício Neste sentido, a Vigilância da Saúde reúne planejamento, gestão e programação
de práticas de cuidado e gestão, democráticas e participativas, através de trabalho em situacional de ações e serviços, além de organização do processo de trabalho. O modelo
equipe, dirigidas a populações de territórios específicos, pelas quais se assume uma de atenção baseado na Vigilância da Saúde compreende um sistema local de saúde como
responsabilidade sanitária, considerando toda a dinâmica existente no território em lugar de formulação de políticas públicas intersetoriais para a reorganização de ações de
que vivem essas populações. Nesse sentido, é atribuição das equipes manter atualizado promoção da saúde, melhorando as condições de vida e saúde das pessoas no território.
o cadastro das famílias e pessoas para proceder com a análise da situação de saúde, O modelo de atenção da Vigilância da Saúde reconhece os problemas, em territórios
dadas as características sociais, econômicas, culturais, demográficas e epidemiológicas bem definidos, a partir de uma abordagem intersetorial. O território, nesta concepção,
do território, a fim de proceder com a identificação das demandas e necessidades de compreende um determinado nível de gestão de saúde (microrregião, município,
saúde prioritárias em seu território, considerando critérios de risco, vulnerabilidade, distrito), correspondendo a um dado nível de organização da atenção em saúde. Na
resiliência e o imperativo ético de que toda demanda, necessidade de saúde ou sofrimento concepção epidemiológica, é no território (áreas e microáreas) que estão concentrados
devem ser acolhidos. os problemas de saúde. Esse modelo de atenção enfatiza as noções básicas de
88 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Planejando intervenções para o cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade em
diferentes territórios 89

problema de saúde; respostas sociais; correspondências entre níveis de determinação


e de intervenção (controle de causas, riscos e danos); práticas sanitárias de promoção,
3. Elaborando um plano de ação voltado
proteção e assistência (PAIM, 2008). ao cuidado às pessoas com sobrepeso e
Teixeira, Paim e Vilasboas (1998) defendem a transição para o novo modelo de
atenção, através da organização da oferta de ações e serviços ou oferta programada, lugar obesidade
central de articulação do enfoque epidemiológico, sendo que a programação e execução
das ações partiria da identificação dos problemas e necessidades da população, em
territórios bem conhecidos e definidos. Assim se daria a articulação de epidemiologia,
planejamento e ciências sociais que se expressou no termo Vigilância da Saúde. Como proceder uma análise de situação de saúde? Olhares para o cuidado às
pessoas com sobrepeso e obesidade.
Para Monken e Barcellos (2005), a territorialização é um pressuposto de organização
das práticas e processos de trabalho que vem sendo recomendada no Sistema Único
de Saúde, como na Estratégia Saúde da Família, bem como pela Vigilância da Saúde. Os termos análise de situação e diagnóstico situacional são muitas vezes discutidos e
Para além da função político-administrativa, o território é o lugar onde se verifica a empregados como sinônimos, entretanto destaca-se que existe uma distinção proposta
interação população-serviços de saúde no nível local, com uma população que vive por Matus. Enquanto o diagnóstico é um termo do campo biomédico que expressa
em dado espaço, com necessidades e problemas de saúde e interage com gestores e um monólogo de um agente que detém o conhecimento, a análise situacional é um
prestadores de serviços de saúde. É um espaço que apresenta extensão geométrica, perfil diálogo a partir das perspectivas de distintos atores sociais (MATUS, 1996b). Na obra
demográfico, epidemiológico, administrativo, tecnológico, político, histórico, cultural e “Teoria do Jogo Social”, publicado em português em 2005, Matus aponta o diálogo com
social, ou seja, um território em construção. a situação na qual o ator coexiste, em cooperação ou conflito, com o outro.
Nessa perspectiva, realizar uma análise situacional em saúde - Asis em um determinado
território voltada ao cuidado à pessoa com sobrepeso e obesidade busca considerar a
realidade dinâmica e os determinantes sociais, a partir das distintas perspectivas dos
atores sociais (MATUS, 1996b).
Produzir uma análise da situação de saúde envolve identificar as necessidades sociais
para definir prioridades para ação. Aqui buscar-se-á focar nas necessidades ou problemas
relacionados ao CPSO. Assim, parte-se da definição do problema ou necessidade (o
quê), quando este ocorre, o local (onde) e principalmente quais grupos de indivíduos
estão sendo afetados (quem). Nessa identificação, são fundamentais as características
da população como variáveis demográficas, socioeconômicas, culturais, políticas e
epidemiológicas (TEIXEIRA et al., 2010).
Vamos olhar para o território ou municípios no qual você atua? Como compreender
quais são os principais problemas ou necessidades que podem trabalhados no CPSO?
Como buscar se distanciar de uma perspectiva isolada ou monológica? Ou ainda que
não seja apenas baseada no senso comum?

Considerando o caso de Lúcia na Unidade II, como compreender quais são


os principais problemas ou necessidade de saúde? No território onde Lúcia e sua
família moram, quais problemas poderiam ser modificados? Como dar início a
este processo?
90 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Planejando intervenções para o cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade em
diferentes territórios 91

Existem distintas técnicas e métodos para produção dos dados que compõem uma
análise situacional. A seguir, apresentaremos uma sequência dividida didaticamente em
passos, baseada no Planejamento Estratégico Situacional – PES (MATUS, 1996b), no
Planejamento e Programação local em Saúde – PPLS (NUNES, 2001), de Teixeira (2001)
e de Teixeira, Vilasboas e Jesus (2010) que representa uma possibilidade de proceder a
análise situacional.
A realização de uma análise situacional deve buscar a caracterização da população
nos casos de problemas relacionados ao estado de saúde relacionados ao sobrepeso
e obesidade, a partir da sistematização de indicadores demográficos, sociais e
epidemiológicos. Aqui destacamos as atividades realizadas no âmbito deste curso, a
exemplo do levantamento de dados Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional –
SISVAN ou as entrevistas realizadas com usuários no território.
Se o problema ou necessidade for relacionado aos serviços de saúde, além de
caracterizar a população do território, é importante também identificar e mapear a
rede de serviços existentes, qual sua população adscrita, quais os problemas de saúde
alvo de atendimento, como se organiza, o perfil dos serviços, como se relacionam entre
si (Figura 1). Destacamos a importância do olhar voltado ao contexto ampliado da
obesidade e de como se manifesta nos territórios.
Os indicadores demográficos perpassam faixa etária, sexo, número de habitantes
daquele território. Já a caracterização das condições de vida inclui condições ambientais
como acesso à água de abastecimento, coleta de lixo e dejetos, esgotamento sanitário,
condições de habitação, acesso à transporte, segurança e lazer. Destacamos aqui a
discussão fundamental sobre a sindemia global realizada no Módulo I.
Outros dados importantes são relativos à distinção dos grupos populacionais
como nível educacional, inserção no mercado de trabalho, tipo de ocupação, renda, Figura 1: Síntese da realização de uma análise situacional
Fonte: Adaptado de TEIXEIRA; VILASBOAS; JESUS, 2010
organização social, religiosa e política; e a caracterização do perfil epidemiológico
como os dados de morbimortalidade (TEIXEIRA; VILASBOAS; JESUS, 2010). Como
Após a identificação, cada problema deve ser caracterizado de modo a responder às
podemos caracterizar a população do território onde o caso de Lúcia se desenvolveu na
seguintes perguntas: O que é? Quem é atingido? Onde ocorre? Quando ocorre?
Unidade 2? Há semelhanças com o território no qual você atua?
Após, é necessário identificar os problemas ou necessidades relativos ao estado de
saúde ou aos serviços a partir do que abordamos anteriormente e da experiência dos Vamos exercitar a formulação dos problemas relacionados ao CPSO no
atores sociais no território, gestores, profissionais, professores e estudantes universitários. território ou município em que você atua? Lembre-se de formular o problema
Pode-se realizar uma oficina para análise de situação ou outra técnica para apresentação explicitando: O que é? Quem é atingido? Onde ocorre? Quando ocorre?
dos dados disponíveis e elaboração de uma lista de problemas. Na identificação do
problema é muito importante sua elaboração de forma a expressar o que, quem está
sendo atingido, quando, onde (TEIXEIRA; VILASBOAS; JESUS, 2010). No passo seguinte, será realizada a priorização dos problemas, a partir de critérios
definidos. Estes critérios podem ser distintos, a depender da técnica escolhida. Sugere-
se a utilização do método de Planejamento e programação local em Saúde – PPLS
(NUNES, 2001; VILASBOAS; TEIXEIRA, 2001). No PPLS existem duas opções para
92 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Planejando intervenções para o cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade em
diferentes territórios 93

realizar a priorização dos problemas do estado de saúde da população, aqui sugerimos a


utilização dos seguintes critérios: tamanho do problema, importância política, cultural
e técnica que é dada ao problema considerado, existência de conhecimento e recursos
materiais e financeiros para enfrentar o problema (VILASBOAS; TEIXEIRA, 2001).
No processo de planejamento aqui apresentado, a explicação situacional, conforme Consequências:
apresentada por Matus, é um processo construído a partir de distintos olhares. Assim, Problema:
recomendamos que você desenvolva esta atividade juntamente com outros atores locais,
membros de sua equipe e gestores e respondam as seguintes questões para realizar Causas:
a priorização do problema: (i) O problema é muito frequente? (ii) É considerado
importante? (iii) Existem conhecimentos e recursos disponíveis para que a equipe da
unidade possa enfrentá-lo?
Se os problemas voltados ao CPSO forem relacionados à unidade de saúde, podem ser
utilizados os seguintes critérios: grau de importância do problema (relevância) prazo Figura 2: Árvore de problemas.
para enfrentar o problema (urgência) e disponibilidade de recursos materiais, humanos, Fonte: VILASBOAS; TEIXEIRA, 2001.
físicos, financeiros e políticos (factibilidade) (VILASBOAS; TEIXEIRA, 2001).
Assim, juntamente com outros atores locais, membros de sua equipe e gestores, Vamos seguir com a elaboração do plano de ação?
respondam às seguintes questões para realizar a priorização do problema: (i) O problema
é considerado importante? (ii) É necessário ação imediata? (iii) Os recursos existem e
Neste curso, apenas os profissionais do NASF-AB darão seguimento nos passos
estão disponíveis?
seguintes, devido à carga horária disponível. Após a priorização do problema e elaboração
Discutam a partir dessas questões orientadoras e cada participante deverá escolher os da árvore de problemas, será elaborada outra árvore, a de objetivos. Os objetivos são
três primeiros problemas que julgue que devem ser enfrentados com prioridade. Um concebidos como a expressão positiva da formulação e explicação do problema. O grupo
membro do grupo que atuará como facilitador registra o número de votos para cada constituído para este processo de planejamento irá construir uma árvore de objetivos,
ordem de classificação (1º, 2º e 3º). Após, o grupo escolhe os três problemas prioritários transformando as causas mais importantes em objetivos específicos e o objetivo geral
a partir do consenso (VILASBOAS; TEIXEIRA, 2001). na expressão positiva do problema (VILASBOAS; TEIXEIRA, 2001). Ao estabelecer
A construção da rede explicativa dos problemas a partir das causas e consequências é o os objetivos geral e específicos, delimite quais as consequências serão eliminadas ou
passo seguinte na análise situacional. Assim, o conhecimento existente sobre o problema evitadas, ao enfrentar as causas que foram positivadas em objetivos específicos.
será revisado, os avanços científicos e conhecimento da equipe partícipe. A sistematização
dos fatores explicativos pode ser feita pelo fluxograma situacional, um método gráfico
de explicação situacional que ajuda a sistematizar o conhecimento já disponível, assim
como traz à luz as relações sistêmicas sobre a explicação do problema (MATUS, 1996b).
O fluxograma situacional organiza informações em níveis de determinação, a partir de
Problema Objetivo geral:
descritores que possibilitarão a caracterização dos problemas e organização seguindo
uma lógica a partir dos fatos, condicionantes históricos e determinantes estruturais que
explicam aquele problema (TEIXEIRA; VILASBOAS; JESUS, 2010).
Causas Objetivos específicos:
Para fins deste curso, sugere-se a utilização da árvore de problemas, uma simplificação
do fluxograma situacional de Matus, a partir do proposto por Vilasboas e Teixeira
(2001).
Figura 3: Árvore de objetivos
Fonte: VILASBOAS; TEIXEIRA, 2001.
94 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Planejando intervenções para o cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade em
diferentes territórios 95

Após a elaboração da árvore de objetivos, é chegado o momento de esboçar o documento. As principais perguntas a serem respondidas são: quais recursos eu tenho
plano de ação ou a programação operativa. Como explicitamos anteriormente, cada ou não? Sei onde/como obtê-los? Há como superar as dificuldades? Quais facilidades se
causa originará um objetivo específico. É importante definir as ações necessárias para apresentam? Esse plano de viabilidade visa aumentar o número de recursos que o ator
o alcance de cada objetivo específico. A partir da definição das ações destinadas ao controla e ter mais êxito sobre as ações planejadas. Por exemplo:
alcance dos objetivos específicos, elabora-se a programação operativa, identificando-
se as atividades necessárias para a execução das ações, com respectivos responsáveis e Ação Recursos Recursos Grau de O que fazer
prazos (VILASBOAS; TEIXEIRA, 2001). necessários Existentes viabilidade para aumentar a
viabilidade

Objetivos Ações Atividades Atores envolvidos Prazos 1. Contratação de Informação / Sim Média Apresentação dos dados
específicos (Responsáveis/ nutricionista para Conhecimento de morbimortalidade
parceiros) atuar na Policlínica municipal correlacionan-
Municipal Articulação política Não do-os, no que cabe, com as
contribuições do trabalho
R$ 3500,00/mês Não do nutricionista.

Estrutura/equi- Não Apresentar necessidade de


pamentos para contratação do nutricio-
atendimento nista ao CMS

Reorganização do uso dos


consultórios/equipamen-
Quadro 1: Modelo para elaboração do plano de ação ou programação operativa.
tos da policlínica para a
Fonte: VILASBOAS; TEIXEIRA, 2001. inserção do nutricionista.

2.Definição das fun- Informação / Sim Alta Oficina/reunião de


Entretanto, antes da definição final da programação operativa, deve-se fazer uma ções do profissional Conhecimento alinhamento da AB, do
análise simplificada de viabilidade que busca elucidar se o problema definido faz parte NASF e Coordenação da
do âmbito de atuação e o ator se encontra no campo dos “responsáveis” pelas ações/ Discussão com Não Policlínica
os profissionais e
atividades? coordenações
Depois de estabelecer objetivos, ações e atividades apresentando-os em um Plano de Adaptação da es- Aquisição de cadei- Não Média Apresentação das limi-
Ação, você vai realizar a análise de viabilidade de execução do que foi planejado para trutura para acolhi- ras, Tensiometros, tações estruturais, difi-
alcance do resultado ideal. Ou ainda, pensar nos modos de construí-la. mento e CPSO macas, ... culdades enfrentadas por
profissionais e usuários
Disponibilização de Não e limitações ocasionadas
orçamento pela estrutura atual.
o Há recursos (de diversas ordens) disponíveis? Caso não, tem como buscá-los?
o Há interesse e motivação dos atores envolvidos? Caso não, existe forma de Realização de proje- Não Apresentação desta prio-
to estrutural ridade à gestão do serviço,
mobilizá-los? Que governabilidade possuem? distrital e municipal.
o O tempo é suficiente? Se não for, como otimizá-lo ou rever os prazos propostos
Busca por articulação e
para as ações? construção desta pauta
o Qual o atual cenário político? com o controle social
local.

Quadro 2: Exemplos de preenchimento da análise de viabilidade.


Em outras palavras, é identificar no Plano de Ação o que realmente pode ser feito no Fonte: Elaboração própria.
contexto atual, é calcular as estratégias considerando as vulnerabilidades detectadas no
96 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Planejando intervenções para o cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade em
diferentes territórios 97

Após elaborado um plano de viabilidade, faz-se necessário rever o plano de ação e, Problema:
provavelmente, inserir mais ações/atividades de modo detalhado, a fim de contribuir, Objetivo geral:
ou mesmo assegurar, sua execução. Então, obtém-se a primeira versão do plano a ser
apresentado e executado no território. E então, animado(a) para implementar? Chegou
Objetivo Ação Indicador Fonte Periocidade da Formas de
a sua vez de preencher a planilha do plano de viabilidade do seu plano de ação: específico verificação coleta divulgação

Ação Recursos Recursos Grau de O que fazer


necessários Existentes viabilidade para aumentar a
viabilidade

Quadro 4: Sugestão de planilha de acompanhamento do plano de ação


Fonte: VILASBOAS; TEIXEIRA, 2001

Para saber mais, sugerimos o livro “Planejamento em Saúde: conceitos,


Quadro 3: Sugestão de critérios para análise de viabilidade métodos e experiências”, organizado pela Profa. Carmen Teixeira. Clique aqui
Fonte: Elaboração própria. para acessar: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/6719/1/Teixeira%2C%20
Carmen.%20Livro%20Planejamento%20em%20saude.pdf
Neste curso, não discutiremos, por limitação da carga horária, os mecanismos de
acompanhamento e avaliação da programação operativa. Entretanto, destacamos
a importância deste processo. Todo planejamento demanda um acompanhamento
contínuo pelas modificações na realidade. Essas mudanças podem ser sociais,
políticas, econômicas ou da implementação dos objetivos acordados entre os atores
sociais em situação. Vilasboas e Teixeira (2001) sugerem a utilização de indicadores
com estabelecimento das fontes de verificação, periodicidade da coleta e formas de
divulgação para medir o grau de cumprimento das ações necessárias para atingir os
objetivos específicos.
Cada indicador deve ter uma estrutura clara e lógica. É importante que o mesmo
grupo que elaborou as ações, formule os indicadores para acompanhamento. Além da
elaboração do indicador, deve-se elaborar o desenho do fluxo desde quem produzirá
a informação, sobre o que tratará, para quem e de que forma esses indicadores são
utilizados para que sirvam efetivamente para uma avaliação situacional (MATUS,
1996c). Destaca-se, ainda, que estes indicadores precisam ser avaliados quanto à sua
representatividade, ou seja, se eles realmente prestam-se para corrigir o desenho das
ações. Outro elemento importante é que o indicador precisa apresentar uma forma
explícita de interpretação (MATUS, 1996c).
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diferentes territórios 99

Síntese da unidade III Palavras finais

Na Unidade 3 do Módulo 2 discutimos a importância do Conforme alude o título, a proposta desse e-book foi apresentar
planejamento das ações no processo de trabalho na Atenção Básica. conceitos, aspectos históricos e reflexões práticas sobre a “gestão
Foram apresentados os princípios básicos do planejamento com do cuidado às pessoas com sobrepeso/obesidade”. Nesse sentido,
base no pensamento estratégico e sua aplicabilidade voltada ao esperamos que as contextualizações sobre aspectos teórico-práticos
cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade. A partir de agora, das políticas de saúde, a análise das redes de cuidado, bem como
vocês poderão articular os produtos gerados em unidades anteriores aproximações com o planejamento estratégico em saúde, tenham se
do curso na análise de situação que possibilitará elaborar um plano constituído em elementos agregadores para tessitura de novas formas
de ação que contemple análise de viabilidade para mudanças das de “pensar e agir” em prol da produção e qualificação do cuidado às
práticas nos territórios. pessoas com sobrepeso e obesidade.
Cientes de que as possibilidades de enfoques sobre um tema
tão abrangente e complexo não se esgotam nas palavras registradas
nesse material, temos a expectativa que o mesmo possa suscitar
novas elaborações transformadoras à medida que seja alcançado pela
diversidade de olhares.
100 Gestão do Cuidado às Pessoas com Obesidade: o Pensar e o Agir Planejando intervenções para o cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade em
diferentes territórios 101

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diferentes territórios 109

Gestão do cuidado às pessoas com


obesidade: o pensar e o agir.
É com satisfação que apresentamos a vocês o e-book intitulado Gestão
do cuidado à pessoas com obesidade: o pensar e o agir, produzido
para o segundo módulo do Curso de Qualificação do Cuidado a
Pessoas com Sobrepeso e Obesidade, que integra o eixo de formação
do Projeto Qualificação do cuidado a pessoas com sobrepeso e
obesidade no âmbito da atenção básica do SUS no estado da Bahia:
integrando pesquisa, extensão e formação, financiado pela Chamada
Pública CNPQ/ MS/SAS/DAB/CGAN No 26/2018 - Enfrentamento e
controle da obesidade no âmbito do SUS.

Escola
de Nutrição

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