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À JUSTIÇA
E DIREITOS
HUMANOS vol.
vol. II
Coordenação
Janaína Soares Noleto Castelo Branco
Carla Maria Barreto Gonçalves
Organização
Breno Silveira Moura Alfeu
Edson Rodrigues da Silva
ACESSO
À JUSTIÇA
E DIREITOS
HUMANOS vol. II
Coordenação
Janaína Noleto Soares Castelo Branco
Carla Maria Barreto Gonçalves
Organização
Breno Silveira Moura Alfeu
Edson Rodrigues da Silva
ACESSO
À JUSTIÇA
E DIREITOS
HUMANOS vol. II
1a Edição
Coordenação
Janaína Soares Noleto Castelo Branco
Carla Maria Barreto Gonçalves
Organização
Breno Silveira Moura Alfeu
Edson Rodrigues da Silva
Editora Mucuripe
Fortaleza
2020
Esta obra está sob os direitos Creative Commons 4.0
https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0/deed.pt_BR
Janaína Soares Noleto Castelo Branco; Carla Maria Barreto Gonçalves (Coord.)
Breno Silveira Moura Alfeu; Edson Rodrigues da Silva (Org.)
Editora Mucuripe
Conselho Editorial
André Parmo Folloni João Ricardo Catarino
Arno Dal Ri Junior Juarez Freitas
Daniela Leutchuk de Cademartori Marcelo Cattoni
Danielle Annoni Marciano Seabra de Godoi
Denise Lucena Cavalcante Marcos Wachowicz
Germana de Oliveira Moraes Maria Vital da Rocha
Gisele Cittadino Martonio Mont’Alverne Barreto Lima
Hugo de Brito Machado Segundo Paulo Caliendo
João Luís Nogueira Matias Roberto Alfonso Viciano Pastor
Coordenação Editorial
Álisson José Maia Melo
376 p. ;
ISBN 978-65-87966-05-2
1. Direito - Brasil. 2.
I. Título. II. Castelo Branco, Janaína Soares Noleto. III. Gonçalves,
Carla Maria Barreto. IV. Alfeu, Breno Silveira Moura. V. Silva, Edson
Rodrigues da.
CDD
341.481
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APRESENTAÇÃO
Aos graduandos que aqui lançaram sua pesquisa científica, parabéns! Para
muitos, foi a primeira experiência de pesquisa e produção de um texto científico. A
ousadia é uma das virtudes que não se ensinam nos bancos da faculdade.
Vocês ousaram doutrinar, elaboraram suas pesquisas com determinação e agora podem
saborear a glória de dizerem-se co-autores de uma obra coletiva de excelente qualidade.
As coordenadoras.
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AGRADECIMENTOS
A Carla Barreto, por ter viabilizado, com seu talento, esforço e dedicação, que
a presente obra se consolidasse. Sua leitura cuidadosa dos artigos e seu espírito de
liderança foram fundamentais na nossa trajetória até aqui.
Vocês três fizeram acontecer, e nós, que fazemos parte desta obra, somos
muito gratos.
Janaína Noleto.
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SUMÁRIO
PARTE I
6
O INFLUXO DO NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO
JUNTO AO ACESSO À JUSTIÇA: A NATUREZA COMO SUJEITO DE 91
DIREITOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Breno Silveira Moura Alfeu
PARTE II
9
DESAFIOS DA PESQUISA EMPÍRICA EM DIREITO JUNTO AO CNJ
E A PERCEPÇÃO DE MAGISTRADOS SOBRE CONHECIMENTO 155
ESPECIALIZADO EM TUTELA COLETIVA
Carla Maria Barreto Gonçalves
(RE)PENSANDO OS NÚCLEOS DE PRÁTICAS JURÍDICAS COMO
10 INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA SOB A ÓTICA
DA RESOLUÇÃO No. 5 DO CNE/CES
185
Capítulo 1
OS MECANISMOS PARA
CONCRETIZAÇÃO DO
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL
DO ACESSO À JUSTIÇA NO
BRASIL: ASSESSORIA JURÍDICA
GRATUITA E JUSTIÇA GRATUITA
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
1 Graduando do curso de Direito da Universidade Federal do Ceará. Pesquisador da linha de Direito Internacional
e Meio Ambiente e Diretor Geral do GEDAI - Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais. Membro
do Corpo Editorial da Revista Dizer. Voluntário do Instituto Verdeluz, ONG socioambiental de Fortaleza e Inte-
grante do Abrace a Cidade, projeto da Faculdade de Direito da UFC. E-mail: marcosfranca1612@gmail.com.
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Mais além, pode-se pontuar que Atenas e Roma possuíam uma forma de
organização mais próxima com o atual modelo de proteção aos vulneráveis, com
nomeação de advogados para defesa. Além disso, a Revolução Francesa, em 1789,
que tinha como lema a “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” também obteve avan-
ços na prestação de assistência jurídica gratuita5.
Com isso, pode-se dizer que o acesso à justiça gratuita foi pautado his-
toricamente em diferentes momentos e com leis esparsas. Além do já pontuado,
importante destacar o marco do Movimento de Acesso à Justiça, na década de
1970, que ultrapassava o formalismo do Direito, utilizando os meios alternativos
para resolver os conflitos6.
2 RIBEIRO, Ludmila. A Emenda Constitucional 45 e a questão do acesso à justiça. Revista Direito GV, v. 4, p.
465-492, 2008.
3 Segundo Simone dos Santos Oliveira a expressão “Awilum” representava o cidadão livre em pleno uso de seus
direitos e a expressão “Adad” representa as forças da natureza. OLIVEIRA, S. S. Defensoria Pública brasileira:
sua história. REVISTA DE DIREITO PÚBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 2, P. 59-75, MAIO/AGO. 2007.
4 BOUZON, E. O código de Hamurabi: introdução. 3. ed. Vozes, Petrópolis, 116p, 1980.
5 OLIVEIRA, op. cit., p. 65-66.
6 SANTOS, Karla Richelly Carvalho. Defensoria Pública sob a ótica constitucional de instituição essencial à
justiça. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36436/defensoria-publica-sob-a-otica-constitucional-
-deinstituicao-essencial-a-justica. Acesso em: 03 nov. de 2018.
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7 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Fede-
ral: Centro Gráfico, 1988. 292 p.
8 BRASIL. Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Organiza a Defensoria Pública da União, do
Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras
providências. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp80.htm. Acesso em: 06 jun. 2020.
9 RIBEIRO, op. cit., p. 466.
10 Ibid., p. 473
11 ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS DEFENSORAS E DEFENSORES PÚBLICOS – ANADEP; ASSOCIA-
ÇÃO PAULISTA DE DEFENSORES PÚBLICOS – APADEP. Defensoria Publica Retrato de Uma Instituição
em Desenvolvimento. Disponível em: https://www.apadep.org.br/wp-content/uploads/2018/11/book-defensoria-
-pu%CC%81blica.pdf. Acesso em: 20 jun. 2020. p. 9.
14
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12 MOURA, et al. Mapa da Defensoria Pública no Brasil. 1ª edição. Brasília – Distrito Federal. 2013.
13 BRASIL. Emenda Constitucional nº 80, de 4 de Junho de 2014. Altera o Capítulo IV - Das Funções Essen-
ciais à Justiça, do Título IV - Da Organização dos Poderes, e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Cons-
titucionais Transitórias da Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consti-
tuicao/Emendas/Emc/emc80.htm. Acesso em: 06 jun. 2020.
14 MOURA, op. cit., p. 32-33.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
pessoas. Assim, o estudo aponta que as defensorias públicas estão presentes em apenas
40% das comarcas brasileiras, o que torno difícil o cumprimento de instalação da
Defensoria em todas as comarcas até o ano de 2022, conforme disposto na Emenda
Constitucional 80/201415.
Além disto, a duração dos processos é também um fator que limita o acesso
à justiça, uma vez que essa demora eleva as despesas das partes. Uma das premis-
sas constitucionais é a razoável duração do Processo, no entanto, a realidade é que
tem-se um excesso de prazo despendido pelo Poder Judiciário no processamento e
julgamento das demandas17. Assim, são comuns os processos que demoram anos
para obterem uma solução vinda do judiciário, o que acaba por aumentar todos os
custos já abordados acima.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Além disso, a Defensoria Pública também possui uma boa divulgação de in-
formações e garantias, levando maior conhecimento à população de seus direitos,
contribuindo, desta forma, além do fator econômico, para ultrapassar as barreiras
socioculturais relacionados a baixa escolaridade e aos empecilhos psicológicos; assim,
a população não possui tanta desconfiança da instituição e a entende como algo mais
próxima da realidade brasileira, em distanciamento do país formal, com linguagem e
códigos excessivamente formais.
22 SÓRIA, T. M. Assistência jurídica integral e justiça gratuita nos conflitos individuais do trabalho. Dis-
sertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p.125
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Cabe salientar alguns problemas básicos dos núcleos como, por exemplo, o
tempo para elaboração das peças que são elaboradas pelos alunos e precisam passar
pelo professor, podendo retornar para o aluno para correções, antes de envio para o
defensor, o que pode demorar dependendo da organização interna do Núcleo. Além
disso, os núcleos são instituídos nas Faculdades de Direito do país, que normalmente
estão instaladas em centros urbanos, assim, a problemática do número de comarcas a
serem beneficiadas pela Defensoria não está resolvida.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
balhos acadêmicos quanto na própria legislação, como, por exemplo, na Lei 1.060 de
1950, levando a conclusão que as expressões são utilizadas sem rigor metodológico25.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse sentido, a justiça gratuita possui o condão de avançar mais ainda nessa
concretização, uma vez que possui atuação além das defensorias, em regiões onde a
estrutura da assistência jurídica gratuita ainda não chegou.
25
26 Ibid., p. 29.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Por fim, entende-se que o grande avança do Acesso à Justiça no pais é a concre-
tização da assistência jurídica gratuita, aqui aliada à justiça gratuita, com a efetivação
do previsto na Emenda Constitucional 80/2014, ou seja, a Defensoria Pública deve
se expandir para todas as unidades jurisdicionais até o ano de 2022.
Os avanças são nítidos, mas são necessários tais aperfeiçoamentos para ob-
termos o Princípio Constitucional do Acesso à Justiça concretizado, com o perfeito
acesso ao Poder Judiciário por parte do país real, tendo a resolução de seus conflitos
em um período razoável de tempo.
REFERÊNCIAS
RIBEIRO, Ludmila. A Emenda Constitucional 45 e a questão do acesso à justiça. Revista Direito
GV, v. 4, p. 465-492, 2008.
SANTOS, Karla Richelly Carvalho. Defensoria Pública sob a ótica constitucional de instituição
essencial à justiça. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36436/defensoria-publica-
sob-a-otica-constitucional-deinstituicao-essencial-a-justica. Acesso em: 03 nov. de 2018.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Se-
nado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p.
MOURA, et al. Mapa da Defensoria Pública no Brasil. 1ª edição. Brasília – Distrito Federal.2013.
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DE SÁ, Eduardo Bruno do Lago. Acesso à Justiça e Juizados Especiais Cíveis. Monografia (Gra-
duação). Universidade de Brasília. Brasília, 2011.
SÓRIA, T. M. Assistência jurídica integral e justiça gratuita nos conflitos individuais do trabalho.
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011,
p.125
OLIVEIRA, André Macedo. A Essência de um Núcleo de Prática Jurídica. Disponível em: https://
jus.com.br/artigos/47/a-essencia-de-um-nucleo-de-pratica-juridica. Acesso em: 09 out. de 2018.
22
Capítulo 2
ACESSO À JUSTIÇA E
JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA
EM SEGUNDA INSTÂNCIA:
PRÁTICAS DE TRIBUNAIS
BRASILEIROS E OS PRINCÍPIOS
DA PRIMAZIA DO MÉRITO E
SEGURANÇA JURÍDICA
CAPÍTULO 2
INTRODUÇÃO
Diversos foram os teóricos que tentaram conceituar o Direito. Para uns, esse
fenômeno seria apenas um conjunto de regras positivadas destinado a regular a vida
em sociedade. Para outros, o Direito é um fenômeno muito mais complexo, trazendo
em seu bojo conceitual carga valorativa para além do que os homens expressam em
atos normativos. Independentemente do ponto de partida para a conceituação do
Direito, inegável é o papel que os órgãos jurisdicionais possuem em sua construção
teórica e prática.
Enquanto conceito abstrato, a justiça sempre esteve, em maior ou menor
grau, atrelada à noção que os cidadãos têm a respeito do Direito. Assim, o ordena-
mento jurídico de diferentes povos e em diferentes épocas sempre trouxe uma relação
entre o fenômeno jurídico e a justiça, entendida como igualdade, retribuição.
Não é diferente no mundo contemporâneo. Diversas constituições co-
locam em sua normatividade o objetivo de alcançar-se a justiça. Assim é, por
exemplo, na própria constituição brasileira de 1988, que dispõe expressamente
como um de seus objetivos a criação de uma sociedade livre, justa e solidária. No
intento de concretizar esse objetivo, a Constituição Federal elevou à categoria de
direito fundamental o acesso à justiça.
O desígnio do artigo que aqui se desenvolve é de analisar, sucinta e
precisamente, como deve ser interpretada a garantia constitucional de inafastabilidade
do Poder Judiciário.
1 Graduando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Formação técnica na área
de segurança e medicina do trabalho. Estagiário no escritório Wagner Barreira Advogados Associados. Monitor da
disciplina de Direito Civil I nos períodos de 2018.1 e 2018.2. Pesquisador do Centro de Estudos em Direito Cons-
titucional da Universidade Federal do Ceará, atuando em 2019 na linha de Constitucionalização das Relações
Privadas. E-mail: tec.edsonrodrigues@gmail.com
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Mauro Cappelletti e Bryan Garth apontam, em sua obra sobre acesso à jus-
tiça, duas finalidades básicas dos sistemas jurídicos: mecanismo pelo qual se pode
reivindicar direitos e mecanismo pelo qual os litígios podem ser resolvidos2.
A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV, consagra
a primeira finalidade apontada por Cappelletti e Garth, ao prever expressamente que
“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. De
fato, conforme José Afonso da Silva, a expressividade daquele inciso institucionaliza o
direito à jurisdição como um direito fundamental assegurado constitucionalmente3.
A literalidade do inciso é categórica em tornar inafastável a atividade jurisdicional,
fruto da história brasileira4.
2 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:
Fabris, 1988, p. 8.
3 SILVA, José Afonso da. Acesso à Justiça e Cidadania. Revista de Direito Administrativo, v. 216, abr./jun,
1999, p. 09-23.
4 SILVA, José Afonso da. Acesso à Justiça e Cidadania. Revista de Direito Administrativo, v. 216, abr./jun,
1999, p. 09-23.
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5
Civil. Revista EMERJ, v.18, n.70, set/out.2015, p. 42-50.
6 Art. 4º do CPC de 2015. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluí-
da a atividade satisfativa.
7 SENADO FEDERAL. Subsecretaria de Edições Técnicas. Disponível em: < http://www2.senado.leg.br/bdsf/
handle/id/496296>, Acesso em: 01 Dez. 2019.
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8 Art. 282. Ao pronunciar a nulidade, o juiz declarará que atos são atingidos e ordenará as providências necessárias a
fim de que sejam repetidos ou retificados. § 1º O ato não será repetido nem sua falta será suprida quando não prejudi-
car a parte. § 2º Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não
a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta.
9 Art. 488. Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem
aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485.
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reexame questões decididas pelo juiz singular, com o fim de invalidar, esclarecer, re-
formar ou integrar a decisão proferida10.
10 DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 13 ed. v.3.
reform. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 87.
11 DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo
nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de com-
petência originária de tribunal. 13 ed. v 3. reform. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 105.
12 VAUGHN, Gustavo Fávero. A Jurisprudência defensiva no STJ à luz dos princípios do acesso à justiça e da
celeridade processual: Revista de Processo, v.254, abril.2016.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Diversos são os exemplos que podem ser citados para a elucidação da jurisprudên-
cia defensiva e de sua relação com o atual Código de Processo Civil. Assim, a súmula 418
do aludido tribunal superior aduz ao entendimento de que o recurso especial interposto
antes do julgamento dos embargos de declaração seria considerado intempestivo, caso o
recorrente não ratificasse as razões recursais depois de prolatada a decisão aclaratória.
Essa exigência beira ao absurdo, por óbvio, já que considera intempestivo o
recurso interposto antes de publicada a decisão dos embargos de declaração. O Novo
Código de Processo Civil, seguindo uma linha de combate à jurisprudência defensiva
e de flexibilização das formalidades desnecessárias, tornou sem efeito a referida súmula.
E isso fez ao prever que o recurso interposto antes do termo inicial de con-
tagem do prazo recursal é considerado tempestivo14 e que não havendo alteração do
acórdão impugnado por meio da decisão que julga os embargos de declaração, não se
pode condicionar a análise do recurso à ratificação das razões recursais15.
A prática corriqueira da jurisprudência defensiva afligiu não apenas o princí-
pio da Primazia do Mérito e do Acesso à Justiça, alcançou também o da Fungibilidade
dos Recursos. É que o STJ considerava inadmissível o recurso especial interposto con-
tra acórdão que tratava de matéria constitucional. Isso era também seguido pelo STF,
que entendia como inadmissível o recurso extraordinário interposto contra acórdão
que trabalhara matéria infraconstitucional.
O NCPC traz disposição diversa desse entendimento dos tribunais superio-
res, determinando que, se o recurso especial interposto for inadequado, na visão do
relator por tratar o acórdão de matéria constitucional, deve ele conceder prazo para
que o recorrente demonstre repercussão geral e, então, encaminhará o recurso ao STF,
o qual analisará o seu cabimento16.
Da mesma forma, uma vez interposto recurso extraordinário contra acórdão
que, na visão do relator trata de matéria infraconstitucional, deve ele remeter o caso
ao STJ, que avaliará o cabimento do recurso em juízo de admissibilidade17.
14 § 4º do art. 218 do CPC de 2015 Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo.
15 § 5º do art. 1.024 do CPC de 2015. O juiz julgará os embargos em 5 (cinco) dias§ 5º Se os embargos de decla-
ração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte
antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de
ratificação.
16 Art. 1.032 do CPC de 2015Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa
sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existên-
cia de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional.
17 Art. 1033 do CPC de 2015. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição
afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-
lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
18 Art. 927 do atual CPC. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle
concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção
de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial
repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior
Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem
vinculados.
19 PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. 2 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPo-
divm, 2016, p. 29.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
20 ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. Precedente judicial no novo Código de
Processo Civil: tensão entre segurança e dinâmica do direito. Curitiba: Juruá, 2015, p. 36.
21 “[...] a incerteza quanto ao resultado da atividade jurisdicional é causa de aumento da litigiosidade. Sabedor o
advogado da ausência de chances do cliente diante da pacificação da matéria, desestimula-o à propositura de ação
judicial. De igual modo, o advogado de cliente réu que pretende resistir a pretensão já pacificamente reconhecida
como legítima, em virtude de estar respaldado em precedentes obrigatório, diante da derrota certa, orientará o re-
conhecimento do pedido ou a busca de uma solução consensual”. (cfe. BRANCO, Janaína Soares Noleto. Advo-
cacia pública e solução consensual dos conflitos. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 183)
33
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
jurídicas dos atos que exercemos na vida civil, sendo esse mínimo de previsibilidade
indispensável para a vida em sociedade.22
CONSIDERAÇÕES FINAIS
22 “A segurança jurídica, ao ser inserida nesse aspecto [valor], estaria relacionada com a ideia de que é bom que
se tenha um ordenamento jurídico seguro, que permita às pessoas um exercício de previsibilidade de seus próprios
atos e omissões”. (cf. PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. 2 ed. rev. ampl. e atual.
Salvador: JusPodivm, 2016, p. 44)
34
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
REFERÊNCIAS
BRANCO, Janaína Soares Noleto. Advocacia pública e solução consensual dos conflitos. Sal-
vador: Editora JusPodivm, 2018, 240p.
BRASIL. Lei 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acessado em 03 de No-
vembro de 2019.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie North-
fleet. Porto Alegre: Fabris, 1988;
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 13. ed.
reform. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. V.3. 720 p.
PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. 2. ed. rev. ampl. e atual. – Sal-
vador: JusPODIVM,2016. p.29;
ROMÃO, Pablo Freire. Precedente judicial no novo Código de Processo Civil: tensão entre
segurança e dinâmica do direito. Curitiba: Juruá, 2015, 240p. pag. 36;
SILVA, José Afonso da. Acesso à Justiça e Cidadania. Revista de Direito Administrativo, v. 216,
p. 09-23, abr./jun. 1999;
VAUGHN, Gustavo Fávero. A Jurisprudência defensiva no STJ à luz dos princípios do acesso à
justiça e da celeridade processual. Revista de Processo, v.254, abril. 2016.
35
Capítulo 3
A ADVOCACIA DATIVA E
SUAS IMPLICAÇÕES PARA
A EFETIVAÇÃO DO ACESSO
A JUSTIÇA POR MEIO DA
DEFENSORIA PÚBLICA
CAPÍTULO 3
INTRODUÇÃO
1 Aluna do 9º semestre de Direito, estagiária do TJCE, Diretora do corpo editorial da Revista Dizer da Faculdade
de Direito da UFC.
2 CAPPELLETTI, Mário; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 1988. p. 17 e 18. (Reimpresso/2002). Tradução e Revisão por Ellen Gracie
Northfleet.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Contudo, tal modelo era ineficiente, uma vez que a assistência judiciária era
muito limitada àquelas causas já judicializadas, encontrando óbice, ainda, na crescen-
te demanda de litígios frente a uma maior proteção dos direitos, na disponibilidade
dos advogados que se prestassem gratuitamente a ceder tempo e esforço, na expe-
riência profissional daqueles que tinham interesse em oferecer seus serviços. Havia o
problema das pequenas causas e o risco de perder que muitos assistidos não poderiam
suportar, e também o esquecimento dos interesses coletivos e difusos. Tudo isso de-
mandou a criação de novos modelos de assistência jurídica.
3 CAPPELLETTI, Mário; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 1988. p. 15. (Reimpresso/2002). Tradução e Revisão por Ellen Gracie Northfleet
4 Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841, que no art. 99 dispõe: “Sendo o réo tão pobre, que
não possa pagar as custas, perceberá o Escrivão a metade dellas do Cofre da Câmara Municipal
da Cabeça do Termo, guardando o seu direito contra o réo quanto à outra metade.” Ou seja, o
pagamento da outra metade dependia de que o réu melhorasse de fortuna, como expressamente
veio a ser previsto no Regulamento nº 120, de 31/01/1842.
5 BRASIL, lei nº150, de 9 de Abril de 1842, publicada em 9 de Abril de 1842 (art. 10).
41
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
causas cíveis e crimes, dando consultas e encarregando a defesa dos seus direitos a
algum membro do Conselho ou do Instituto6”.
Com a proclamação da República, o Governo Provisório baixou o Decreto
de nº 1.030, em dezembro de 1890, o qual tinha como principal objetivo regular
o funcionamento da justiça no Distrito Federal. Em seu art. 175 previa a criação,
na capital, de um serviço de assistência judiciária aos pobres, determinando que
o Ministério da Justiça estaria autorizado a organizar uma comissão de patrocínio
gratuito aos pobres no crime e cível, ouvindo o Instituto da Ordem dos Advogados.
Nada foi feito para concretização da comissão até o ano de 1897, no qual a Presidência
da República criou o serviço oficial de Assistência Judiciária para o Distrito Federal,
por meio do Decreto nº 2.457, sendo este totalmente custeado com recursos públicos.
Com o aumento da demanda processual envolvendo a população mais
vulnerável, de diversas localidades, percebeu-se a dificuldade de efetivação da jurisdição
apenas com uma forma de assistência. O patrocínio gratuito pelo advogado privado,
muitas vezes, era prejudicado por não haver voluntários suficientes, bem como, o
acesso à justiça era limitado em razão da capacidade técnica dos advogados livres para
prestar a assistência. Enquanto isso, a figura do advogado custeado pela administração
pública começava a se estabelecer em alguns Estados.
Cleber Francisco Alves7 ressalva que à época coexistiam as práticas de
patrocínio gratuito pelos próprios advogados e o custeamento pelo Poder Público:
Nos trinta anos que se seguiram à fundação desse primeiro serviço
de assistência judiciária no Rio de Janeiro, a ideia se propagou para
outros Estados brasileiros. Embora persistisse a praxe de os advogados
prestarem patrocínio gratuito aos pobres, como dever moral inerente
à profissão, a experiência do serviço público implantado no então
Distrito Federal mostrava que essa forma de assistência judiciária era
muito mais eficiente e apropriada. Por volta do ano de 1910 “elevou-
se sobremaneira o número de causas patrocinadas pelo serviço do Rio
de Janeiro, com o benefício da assistência judiciária sendo fornecido
até nos foros federais”
42
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e estadual, sendo a nomeação do advogado particular para prestar tal serviço somente
no caso de ausência do serviço público respectivo. Essa lei permitiu que os governos
estaduais instituíssem suas assistências judiciárias, o que ocorreu, em sua maioria, sob
a coordenação das Procuradorias-Gerais dos respectivos estados8:
Em Minas Gerais isto ocorreu com o Decreto-lei 2131/47 e Decreto
2841/47; em São Paulo, com o Decreto-lei 17.330/47; na Cidade
do Rio de Janeiro, antigo Distrito Federal, com a Lei 216/48; no
antigo Estado do Rio de Janeiro, em 1954, com a Lei 2188/54; em
Pernambuco, também em 1954, com a lei 2028/54, dentre outros.
A Lei 2188/54, do antigo Estado do Rio de Janeiro tem especial
importância pois foi pioneira no contexto da legislação brasileira
no sentido de lançar as bases do que futuramente viria a ser a atual
instituição da Defensoria Pública.
8 ALVES, Cleber Francisco. A estruturação dos serviços de Assistência Jurídica nos Estados
Unidos, na França e no Brasil e sua contribuição para garantir a igualdade de todos no Acesso
à Justiça. 2005. 606 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005, p.284/285.
9 HONORARIOS DE ADVOGADO. DEFENSOR DATIVO DE REUS POBRES EM PROCESSOS
CRIMINAIS. INEXISTINDO, JUNTO AO ÓRGÃO JUDICIARIO, SERVIÇO OFICIAL DE ASSISTENCIA
GRATUITA A REUS POBRES, EM PROCESSO CRIME, E CABIVEL O PAGAMENTO, NESSES CASOS,
PELA FAZENDA ESTADUAL, DE VERBA HONORARIA AOS ADVOGADOS NOMEADOS PELO JUIZ,
PARA TAL FIM. FIXAÇÃO QUE, NO CASO, E RELEGADA, POREM, PARA A LIQUIDAÇÃO POR
ARBITRAMENTO. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 153, PARAGRAFO 32, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
E 30 DA LEI N. 4215/63. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARCIALMENTE CONHECIDO. STF, RE nº
103950, Relator Min. OSCAR CORRÊA, Relator p/ Acórdão Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado
em 14/08/1985, DJ 11-10-1985 PP-17477 EMENT VOL-01395-04 PP-00636 RTJ VOL00115-02 PP-00878.
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10 ALVES, Cleber Francisco. A estruturação dos serviços de Assistência Jurídica nos Estados Unidos, na França
e no Brasil e sua contribuição para garantir a igualdade de todos no Acesso à Justiça. 2005. 606 f. Tese (Doutorado)
- Curso de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005, p. 290 a 293.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
atos notariais e outros que conhecemos. Ora, essa inovação tem uma
importância que não pode ser subestimada, porque justamente um
dos fatores que mais contribuem para perpetuar as desigualdades
nesse campo é, repito, a falta de informação. Acredito que haja uma
enorme demanda reprimida de prestação jurisdicional, resultante
da circunstância de que grande parcela, larga faixa da população
do nosso país, pura e simplesmente, não tem qualquer informação
sobre os seus direitos. Haverá também, do lado oposto, a vantagem
consistente em, por meio da assessoria, do aconselhamento,
prevenir certo número de litígios que só acabam por ser levados ao
Judiciário exatamente em razão da pouca informação, em razão do
desconhecimento, em razão da apreciação errônea que as pessoas
fazem das suas próprias situações jurídicas.11”
11 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “O direito à assistência jurídica”. In: Revista de Direito da Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Ano 4, n º 5, 1991. p. 130
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47
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12 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Seccional Ceará. Tabela de Honorários. 2015. Disponível em:
<http://oabce.org.br/servicos/tabela-honorarios/>. Acesso em: 05 nov. 2019.
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13 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Seccional Paraná. Tabela de Honorários Dativos. 2019.
Disponível em: <http://advocaciadativa.oabpr.org.br/tabela-de-honorarios-dativos>. Acesso em: 05 nov. 2019.
14 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Seccional Mato Grosso. Tabela de Honorários 2019. 2019.
Disponível em: <https://www.oabmt.org.br/tabela-honorarios>. Acesso em: 05 nov. 2019.
15 STJ, REsp nº1656322/SC, Terceira Seção, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, julgado em 23/10/2019,
DJe 04/11/2019.
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CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
CAPPELLETTI, Mário; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1988. (Reimpresso/2002). Tradução e Revisão por Ellen Gracie Northfleet.
ALVES, Cleber Francisco. A estruturação dos serviços de Assistência Jurídica nos Estados Unidos,
na França e no Brasil e sua contribuição para garantir a igualdade de todos no Acesso à Justiça.
2005. 606 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.
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ALVES, Cleber Francisco. A estruturação dos serviços de Assistência Jurídica nos Estados Unidos,
na França e no Brasil e sua contribuição para garantir a igualdade de todos no Acesso à Justiça.
2005. 606 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.
STF, RE nº 103950, Relator Min. OSCAR CORRÊA, Relator p/ Acórdão Min. SYDNEY SAN-
CHES, Tribunal Pleno, julgado em 14/08/1985, DJ 11-10-1985 PP-17477 EMENT VOL-
01395-04 PP-00636 RTJ VOL00115-02 PP-00878.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “O direito à assistência jurídica”. In: Revista de Direito da
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Ano 4, n º 5, 1991.
BECUE, Sabrina Maria Fadel. Advocacia dativa: natureza jurídica dos honorários dativos e suas
repercussões jurídicas. Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB-PR, Paraná, v.
9, n. 1, p.1-20, maio 2019.
STJ, REsp nº1656322/SC, Terceira Seção, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, julgado
em 23/10/2019, DJe 04/11/2019;
52
Capítulo 4
A VIOLAÇÃO AO ACESSO À
JUSTIÇA NO BRASIL EM RAZÃO
DA INSUFICIENTE PRESENÇA
DA DEFENSORIA PÚBLICA
AGRAVADA PELA
EMENDA DO TETO
SUMÁRIO: Introdução. 1 Breve Histórico da Previsão da Defensoria Pública no
Ordenamento Jurídico Brasileiro. 1.1. A Emenda Constitucional nº 80/2014. 2.
Reconhecimento do Déficit da Defensoria Pública em Julgados do Supremo Tribunal
Federal. 3. A Emenda do Teto e suas Implicações na Defensoria Pública e no Acesso à Justiça.
Considerações Finais. Referências.
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CAPÍTULO 4
INTRODUÇÃO
1 Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará. Pós-graduada em Direito Processual
Civil pela Faculdade Damásio. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Advogada inscrita na
OAB/CE.
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Justiça. Por não se tratar do objetivo do presente estudo, traçaremos apenas uma
breve análise histórica.
2 Livro III, Título 84, parágrafo 10: “Em sendo o agravante tão pobre que jure não ter bens móveis, nem de rais,
nem por onde pague o aggravo, e dizendo na audiência uma vez o Pater Noster pela alma Del Rey Don Diniz,
ser-lhe-á havido, como se pagasse os novecentos réis, contanto que tire de tudo certidão dentro do tempo, em que
havia de pagar o agravo”.
3 Destaca Simone dos Santos Oliveira que, “Em contraste à iniciativa tomada pelo Estado em 1935, na atuali-
dade, o Estado de São Paulo era, até o ano de 2006, quando entrou em vigor Lei Complementar 18/05, um dos
Estados brasileiros onde a Defensoria Pública ainda não era instituída de acordo com a Constituição Federal e a
Lei Complementar n. 80/94” (cf. OLIVEIRA, Simone dos Santos. Defensoria pública brasileira: sua história. In:
Revista de Direito Público, Londrina, v. 2, n. 2, p. 59-74, maio/ago. 2007, p. 69).
4 Segundo Borge: “Já o Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939)
cuidou do tema entre os arts. 68 e 79, inserindo no capítulo II (DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA) do
Título VII - que tratava das despesas judiciais-, rol de serviços isentos de pagamento em prol daquele que se de-
clarasse sem condições de suportar as custas do processo. (cf. BORGE, Felipe Dezorzi. Defensoria Pública: uma
breve história. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2480, 16 abr. 2010)”
57
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9 -
cia funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição
Federal.
10 “A doutrina admite até mesmo que, em razão do grau de importância, a Defensoria não pode ter suas atribui-
ções restringidas nem mesmo por meio de emenda constitucional, sob pena de indefensável retrocesso no cumpri-
mento do objetivo fundamental de construção de uma sociedade livre, justa e solidária” (cf. ARRUDA, Thomas
Ubirajara Caldas de. Defensoria Pública como instrumento da democracia no novo CPC. Revista Jus Navigandi,
Teresina, ano 21, n. 4613, 17 fev. 2016).
59
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Federal (Funções Essenciais à Justiça) de forma que, atualmente, há uma Seção IV,
especificamente destinada à Defensoria Pública.
Outra alteração promovida pela referida Emenda Constitucional – provavel-
mente a que trouxe mais implicações práticas – foi a inclusão do §4º ao artigo 134,
que previu: “São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivi-
sibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o dis-
posto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal”. A saber, o artigo
93 dispõe sobre as regras de organização da Magistratura (como ingresso na carreira,
promoção, distribuição imediata de processos), e o artigo 96, II atribui iniciativa le-
gislativa privativa aos Tribunais para projetos de lei que tratem sobre a definição de
sua organização, número de membros, cargos e remunerações.
De suma importância, portanto, foi a inclusão do parágrafo quarto ao arti-
go 134 da Constituição Federal, pois, apesar de a Defensoria Pública já possuir au-
tonomia financeira e orçamentária antes de tal alteração – em razão das Emendas
Constitucionais nº 45/0415, em relação às Defensorias Estaduais, e a de nº 74/13,
quanto à Defensoria Pública da União e à do Distrito Federal -, não detinha ainda a
iniciativa de projetos de lei. Antes da inclusão do §4º do artigo 134 da CF/88, todas
as leis acerca da Defensoria Pública eram de prerrogativa do Executivo. Atualmente,
contudo, pertence à própria Instituição a iniciativa de projetos de lei relativos à sua
estruturação, através da mencionada remissão do §4º do art. 134 ao art. 96, II.
Não obstante, o art. 61, § 1º, II, d (que atribui ao Presidente da República a
iniciativa privativa de leis sobre organização do Ministério Público e da Defensoria
Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público
e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios) continua
vigente. A solução adotada para conciliar tal dispositivo com o artigo 134, §4º de-
verá ser a mesma interpretação que prevalece no âmbito do Ministério Público da
União: o projeto de Lei Complementar sobre organização da DPU será de iniciativa
concorrente entre o Presidente da República e o Defensor-Público Geral Federal - o
que deverá ser aplicado aos Estados e ao Distrito Federal em razão do princípio da
simetria16-, enquanto o projeto de lei ordinária sobre cargos e remunerações da De-
15 “Efetivamente, é inegável o reforço que a EC 45 propiciou na consolidação dos direitos humanos e, mais es-
pecificamente, na efetivação judicial desses direitos, circunstância que prestigia a dignidade da pessoa humana –
elevada pela Constituição Federal de 1988 a pilar ético-político-juridico do Estado Brasileiro -, e amplia o grau de
Democracia do nosso Estado” (CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 6ª ed. Salvador:
JusPodivm. 2012, p. 1195).
16 O princípio da simetria, em breves linhas, prediz que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem
reproduzir, em suas respectivas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, os princípios fundamentais e as re-
gras de organização existentes na Constituição Federal, a qual estipula as normas gerais concernentes a seus
elementos básicos.
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17 SILVA, Franklyn Roger Alves; ESTEVES, Diogo. A Defensoria Pública e a sistemática de intimações do arti-
go 269 do novo CPC. 2014.
18 Art. 26. § 1º Considera-se como atividade jurídica o exercício da advocacia, o cumprimento de estágio de
Direito reconhecido por lei e o desempenho de cargo, emprego ou função, de nível superior, de atividades eminen-
temente jurídicas.
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19 SILVA, Franklyn Roger Alves; ESTEVES, Diogo. A Defensoria Pública e a sistemática de intimações do arti-
go 269 do novo CPC. 2014.
20 SILVA, Franklyn Roger Alves; ESTEVES, Diogo. A Defensoria Pública e a sistemática de intimações do arti-
go 269 do novo CPC. 2014.
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21 Art. 68. Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1o e 2o), a execução da
sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.
22 OLIVEIRA, Simone dos Santos. Defensoria pública brasileira: sua história. In: Revista de Direito Público,
Londrina, v. 2, n. 2, p. 59-74, maio/ago., 2007, p. 73.
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23 Como as unidades de Porto Velho/RO, Belém/PA, Niterói/RJ e João Pessoa/PB, que passaram por restrições
de atendimento recentes (cf. MORAIS, Hosana. Para atender 25 mil processos dpu de porto velho atua com apenas
4 defensores públicos .G1 – portal de notícias. Disponível em: <https:// https://g1.globo.com/ro/rondonia/noticia/
para-atender-25-mil-processos-dpu-de-porto-velho-atua-com-apenas-4-defensores-publicos.ghtml>. Acesso em:
10 set. 2019).
24 Mesmo assim, a Defensoria Pública já foi reconhecida como a instituição mais importante para a população
brasileira, segundo pesquisa elaborada em 2017 pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A pesqui-
sa buscou saber como a sociedade vê as instituições, especialmente em relação ao conhecimento, confiança, im-
portância e avaliação. A Defensoria Pública é a instituição mais conhecida das pessoas logo após a Polícia, Prefei-
tura, Partidos Políticos e as Forças Armadas. Além disso, a Defensoria Pública foi considerada a segunda instituição
mais confiável, ficando atrás apenas das Forças Armadas.
25 Art. 14. A Defensoria Pública da União atuará nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, junto às Jus-
tiças Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União.
26 Art. 2º Nas causas cíveis, administrativas, tributárias e previdenciárias que não se enquadram na competência
do Juizado Especial Federal Cível ou não puderem ser objeto de mandado de segurança e nas causas trabalhistas o
requerente da assistência deverá ser orientado a constituir advogado ou, sendo o caso, procurar o auxílio do sindi-
cato a que é filiado.
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32 Salienta-se que citado numerário abrange todo o orçamento destinado ao MPF, MPM, MPT e MPDF (como
este último está contabilizado no orçamento, sem discriminação, será considerado o valor total, ainda que no nú-
mero de membros o quantitativo do MPDF tenha sido desconsiderado).
33 Conforme Lei Orçamentária Anual de 2019 (Lei nº 13.808 de 2019), Volume IV.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
retando com que milhões de brasileiros vivam em cidades que não contam com a
presença de um defensor público.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o passar dos anos, o caminho percorrido pela Defensoria Pública até a
sua efetiva consolidação constitucional foi pontilhado de obstáculos, os quais ainda
não cessaram. Sua expressa previsão na Constituição Federal de 1988, a concessão
de autonomia financeira e orçamentária pelas Emendas Constitucionais nº 45/2004,
69/2012 e 74/2013 e a ampliação de suas funções e princípios institucionais, a ini-
ciativa própria para editar suas leis e a determinação de prazo para a sua efetiva im-
plementação em todos os níveis, promovidos pela Emenda Constitucional nº 80/14,
demonstram as vitórias conquistadas até o momento.
Concebida na Constituição de 1988, a Defensoria Pública tem diante de si
desafios colossais e nesse íngreme caminho, cada passo é uma vitória a ser celebrada
não somente pelas camadas mais humildes da população, diretamente assistidas pela
instituição, mas também por toda a sociedade, que se beneficia com a estabilidade
que somente a justiça social permite vislumbrar34.
Uma recente vitória foi a aprovação no Senado Federal em dois turnos, por
unanimidade, a Proposta de Emenda à Constituição nº 31 de 2017, a qual que pro-
põe alteração nos artigos 103 e 109 da Constituição Federal para dispor sobre a legi-
timidade do Defensor Público-Geral Federal para a ação direta de inconstitucionali-
dade, a ação declaratória de inconstitucionalidade e o incidente de deslocamento de
competência para a Justiça Federal. Aguarda-se, no momento, o seguimento da PEC
para a Câmara dos Deputados.
Contudo, a efetivação do direito ao acesso à justiça resta fortemente violado
em razão das desproporções de número de pessoal e orçamento dedicados às funções
essenciais à justiça (analisadas aqui no âmbito federal), as quais deveriam gozar de
estrutura condizente com a importância que lhes foi conferida, de forma equânime,
pela Constituição Federal de 1988, que previu “sujeitos que, conquanto estranhos à
estrutura do Judiciário, são imprescindíveis para que este Poder se desincumba da sua
missão constitucional”35, todos com a mesma relevância em relação às funções que
34 SILVA, Péricles Batista da. A Defensoria Pública no novo CPC. Revista Jus Navigandi. Disponível em: <ht-
tps://jus.com.br/artigos/28587/a-defensoria-publica-no-novo-cpc>. Acesso em: 21 de junho de 2020.
35 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São
Paulo: Saraiva. 2011, p. 1039.
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70
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REFERÊNCIAS
ARRUDA, Thomas Ubirajara Caldas de. Defensoria Pública como instrumento da democracia no
novo CPC. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 21, n. 4613, 17 fev. 2016. Disponível em: <ht-
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BORGE, Felipe Dezorzi. Defensoria Pública: uma breve história. Revista Jus Navigandi, Teresi-
na, ano 15, n. 2480, 16 abr. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/14699>. Acesso
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neiro_de_2019_-_diario_oficial_da_uniao_-_imprensa_nacional.pdf>. Acesso em: 12 de abril
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CAPPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988.
SILVA, Péricles Batista da. A Defensoria Pública no novo CPC. Revista Jus Navigandi. Dispo-
nível em: <https://jus.com.br/artigos/28587/a-defensoria-publica-no-novo-cpc>. Acesso em: 21
de junho de 2020.
72
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nal. 6ª ed. São Paulo: Saraiva. 2011.
MORAES, Humberto Peña; SILVA, José Fontenelle Teixeira. Assistência judiciária: sua gênese,
sua história e a função protetiva do estado. 2.ed. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1984.
MORAIS, Hosana. Para atender 25 mil processos dpu de porto velho atua com apenas 4 de-
fensores públicos. G1 – portal de notícias. Disponível em: <https:// https://g1.globo.com/ro/
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OLIVEIRA, Simone dos Santos. Defensoria pública brasileira: sua história. In: Revista de Direito
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SILVA, Franklyn Roger Alves; ESTEVES, Diogo. A Defensoria Pública e a sistemática de inti-
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SOUSA, Juliana Farias de. Defensoria Pública no Brasil: uma análise. 2010. Disponível em:
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TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
73
Capítulo 5
AS DIFICULDADES DOS
HIPOSSUFICIENTES NO ACESSO
À JUSTIÇA: UMA REFLEXÃO
A PARTIR DA ATUAÇÃO DA
DEFENSORIA PÚBLICA DO
ESTADO DO CEARÁ
SUMÁRIO: Introdução. 1. O Acesso à Justiça. 1.1. Aspectos legais do acesso à Justiça. 1.2.
Conceituando o Acesso à Justiça além das normas. 2. A Defensoria Pública como instrumento
de acesso à Justiça e direitos. 2.1. O papel da Defensoria e assistência judiciária. 2.2. As
dificuldades dos hipossuficientes em obter efetivo acesso à Justiça. 3. Uma reflexão para pensar
políticas públicas e a Defensoria Pública do amanhã. Considerações Finais. Referências.
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CAPÍTULO 5
INTRODUÇÃO
1. O ACESSO À JUSTIÇA
A tarefa de conceituar o Acesso à Justiça não é uma das mais simples, pois vários
autores atribuem significados diferentes. Buscaremos neste tópico inicial entender o processo
histórico-legal do acesso à justiça no Brasil para, a partir de então, buscarmos conceitualizá-lo.
1 Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Farias Brito. Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade
Federal do Ceará.
2 “Artigo 18 – Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, outros-
sim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridade que violem, em seu
prejuízo, qualquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.” DECLARAÇÃO AMERICANA
DOS DIREITOS E DEVERES DO HOMEM, 1948.
3 “Artigo VIII – Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os
atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.” DECLARAÇÃO
UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948.
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valer seus direitos e buscar remédio contra possíveis violações ao direito legalmente
reconhecido.
A fundamentação usualmente utilizada para expressar o acesso à justiça no
ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se na Constituição Federal de 1988. Tal
fundamentação está inclusa no rol de direitos fundamentais contidos no art. 5º,
conforme cópia abaixo:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
O acesso à justiça pode ainda ser visto nos incisos XXXIV4, LV5, LXXIV6
do referido artigo da Carta Constitucional. Importante destacar que as discussões em
torno da temática do acesso à justiça, como veremos a seguir, tiveram maior ascensão
com o período pré-constituição de 1988, por esse motivo, há forte presença sua na
Carta Magna.
A partir dessa leitura, a noção de acesso à justiça que se retira da Constituição
Federal é a de que todos podem levar suas lides à apreciação do Poder Judiciário.
Nas palavras de Zanini7 é a garantia a todos da resolução dos seus litígios de forma
satisfatória. Diz-se que esta é a acepção institucional8 do acesso à justiça.
4 “XXXIV – são a todos assegurados, independente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públi-
cos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. (CF/88)
5 “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório
e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (CF/88)
6 “LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
(CF/88)
7 ZANINI, Ana Carolina. O acesso à justiça e as formas alternativas de resolução de conflitos à luz do novo código
de processo civil. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca, v. 12, p. 9-26, 2017, p. 17.
8 José Afonso da Silva (1999) crítica que se resuma o acesso à justiça à essa acepção institucional pois seria de enorme
pobreza valorativa.
9 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 1988, p. 8.
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época. Atualmente, não é diferente. Portanto, qualquer análise deve ser baseada nas
dificuldades e no panorama social de hoje.
Para Pedroso14, a expressão “acesso ao direito e à justiça” é mais completa, pois
abrange o “conhecimento e a consciência do(s) direito(s), a facilitação do seu uso, à
representação jurídica e judiciária por profissionais, designadamente advogados, bem
como a resolução judicial e não judicial de conflitos, ou seja, o acesso à pluralidade de
ordenamentos jurídicos e de meios de resolução de litígios existentes na sociedade”.
Esse autor justifica a escolha da expressão que, por razões de comunicação
e compreensão, abrange melhor seu objeto de estudo, por abarcar todas as ações
supracitadas. A partir desta provocação, entendemos cabível a utilização do termo
proposto, em razão de, por vezes, o direito buscado não se encontre necessariamente
em vias judiciais.
Antes de adentrarmos na atual situação e nos mecanismos existentes, ressaltamos,
ainda, a definição de Ribeiro e Machado15 de que o acesso à justiça é considerado um
valor inerente ao Estado Democrático de Direito, pois se configura como um direito
humano fundamental, funcionando como garantia de efetividade às normas e como
política pública para emancipação do homem.
Cappelletti e Garth16 afirmam que a efetividade perfeita do acesso à justiça
pode ser expressa como a completa “igualdade de armas”, reconhecendo que essa
igualdade é utópica. No entanto, é possível avançar na direção desse objetivo utópico.
Os autores levantam o seguinte questionamento: “quantos dos obstáculos ao acesso
à justiça efetivo à justiça podem e devem ser atacados?”, colocando como primeiro
passo identificar esses obstáculos.
Em resumo, o acesso à justiça é muito mais que a possibilidade de se
buscar direitos pela via judicial ou institucional e seu significado, assim como
sua aplicabilidade, flutua de acordo com a organização político-social da época.
A partir do desafio de identificar os obstáculos que ainda persistem no contexto
brasileiro, apesar dos enormes esforços realizados pela Defensoria Pública, é que
se faz este trabalho.
14 PEDROSO, João António Fernandes. Acesso ao direito e à justiça: um direito fundamental em (des)construção.
2011. Dissertação (Doutorado em Sociologia do Estado, do Direito e da Administração) – Universidade de Coimbra,
Coimbra, 2011, p. 5.
15 RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; MACHADO, José Alberto Oliveira de Paula. Acesso à Justiça e a Defensoria Pú-
blica na América Latina: Democratização de direitos como desenvolvimento. Revista Direito e Desenvolvimento, v. 8,
p. 89-106, 2017, p. 90.
16 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 1988.
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17 Importante destacar que a noção de hipossuficiência aqui utilizada diz respeito à noção econômica do indivíduo.
Por hipossuficiente, nos referimos às pessoas em situação de vulnerabilidade econômica.
18 MOREIRA, Thiago de Miranda Queiroz. A constitucionalização da Defensoria Pública: disputas por espaço no
sistema de justiça. OPINIÃO PÚBLICA, v. 23, p. 647-681, 2017, p. 647.
19 OLIVEIRA, Simone dos Santos. Defensoria pública brasileira: sua história. Revista de Direito Público, Londrina,
v. 2, n. 2, p 59-74, 2007, p. 71.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
20 FEITOSA, Angélica. 75,5% dos municípios do Ceará não têm Defensor Público. O Povo. 2019. Disponível em:
<https://www.opovo.com.br/jornal/cidades/2019/07/08/75-5--dos-municipios-do-ceara-nao-tem-defensor-publico.
html?fbclid=IwAR2rNTZYWhTFj04tdU5SCiRTSEoZak6nCj8ViqHCr3Uao1_8fZ6N70FMuzc>. Acesso em: 04 de
novembro de 2019.
21 BRASIL. Defensoria Pública Do Estado Do Ceará. Quatro novos defensores públicos tomaram posse na tarde
desta terça-feira (22). 2019. Disponível em: http://www.defensoria.ce.def.br/noticia/quatro-novos-defensores-publi-
cos-tomaram-posse-na-tarde-desta-terca-feira-22/. Acesso em: 04 de novembro de 2019.
22 "Art. 98. O número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo ser-
viço da Defensoria Pública e à respectiva população. § 1º No prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito
Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput
deste artigo. § 2º Durante o decurso do prazo previsto no § 1º deste artigo, a lotação dos defensores públicos ocorrerá,
prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional."
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Grande parte das produções acadêmicas que analisam o acesso à justiça o faz
sob a perspectiva exclusiva da possibilidade das pessoas em demandarem alguma causa
judicialmente ou mesmo da existência de mecanismos para que as pessoas possam a
vir demandar judicialmente ou extrajudicialmente.
No entanto, é extremamente necessário que possam enxergar também pela ótica
da força motriz desses sistemas: as pessoas em situação de vulnerabilidade financeira
que buscam a justiça e os direitos.
Há diversas dinâmicas por trás das demandas judiciais. O fato de um indivíduo
ter à sua disposição uma instituição pública apta a representá-lo judicialmente em
uma Ação judicial não estabelece necessariamente o efetivo acesso à Justiça. Para
melhor visualização é preciso apresentar alguns exemplos (reais) do que ocorre na
busca ao acesso à justiça.
Primeiramente, a própria busca pelos órgãos estatais ou pelos Núcleos da
Defensoria Pública demandam tempo e dinheiro, dois recursos que os assistidos não
23 SADEK, Maria Tereza Aina. Acesso à justiça: um direito e seus obstáculos. Revista USP, n. 101, p. 55-66, São Paulo,
2014, p. 57.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
24 Isso é informação que pode ser verificada difusamente no Catálogo de Serviços do site da Prefeitura de Fortaleza.
Disponível em: https://catalogodeservicos.fortaleza.ce.gov.br/. Acesso em: 04 de novembro de 2019.
25 CAPETTI, Pedro; GARCIA, Karen. Crise empurrou 4,5 milhões para extrema pobreza, que bateu recorde e atingiu
13,5 milhões de brasileiros. O Globo. 2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/crise-empurrou-
-45-milhoes-para-extrema-pobreza-que-bateu-recorde-atingiu-135-milhoes-de-brasileiros-24063455. Acesso em: 05
de novembro de 2019.
26 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Cidades e Estados. 2019. Disponível em: ht-
tps://www.ibge.gov.br/. Acesso em: 05 de novembro de 2019.
27 Informação retirada do site da Superintendência Estadual de Atendimento Socioeducativo, mantido pelo Governo
do Estado do Ceará, 2019. Disponível em: https://www.seas.ce.gov.br/ Acesso em: novembro de 2019.
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das localidades vizinhas que são submetidos ao internamento acabam tendo que se
deslocar para os municípios em que há centro socioeducativos.
Esse deslocamento de ida é patrocinado pelo Estado, visto que tem interesse que
os adolescentes sejam submetidos ao internamento, no entanto, ao serem liberados,
os adolescentes não recebem qualquer auxílio, ficando sob a responsabilidade da
família o deslocamento de volta. Muitas vezes, a família não tem condições e
acontece de servidores que atuam nas Varas da Infância e da Juventude acabarem
custeando o deslocamento.
Essas são só algumas situações vivenciadas pelos hipossuficientes no contidiano
da Justiça. É importante identificar essas situações como impeditivos ao exercício
pleno do acesso à justiça, assim como abrir portas para investigação de outras situações
como estas, a fim de traçar estratégias de enfrentamento para ampliar e aperfeiçoar
não só a Defensoria Pública, mas o sistema judicial em sua totalidade.
Percebe-se que muitas dessas situações estão para além do poder da Defensoria
Pública em oferecer assistência jurídica gratuita. Ressalta-se que o objetivo de levantar
essa discussão não é, de forma alguma, desmerecer a Defensoria Pública, pelo contrário,
a instituição destaca-se por ser a mais bem avaliada do sistema de justiça28, contudo,
alguns pontos podem ser trabalhados pela própria instituição.
As instituições e mecanismos que compõe a justiça não podem ser consideradas
imutáveis, como bem alertam Cappelletti e Garth29. É completamente aceitável que
se façam observações visando contribuir para a melhoria da Defensoria Pública.
A reflexão acerca do acesso à justiça deve levar em conta três etapas distintas
e interligadas, são elas: o ingresso buscando a obtenção de um direito, os caminhos
após a entrada e a saída. Assim, o acesso à justiça só é efetivo quando a “porta de
entrada” dê indícios da “porta de saída” em um período razoável de tempo. Essa “ca-
minhada” pressupõe que toda análise deve ser realizada incluindo condicionantes de
28 CONDEGE. Pesquisa divulgada pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), realizada pela Fundação Getú-
lio Vargas, no período de agosto/2018 a outubro/2019, mostrou 78% da sociedade aprova a Defensoria Pública. 2019.
Disponível em: http://www.condege.org.br/. Acesso em: 15 dezembro 2019.
29 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 1988, p. 8.
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30 SADEK, Maria Tereza Aina. Acesso à justiça: um direito e seus obstáculos. Revista USP, n. 101, p. 55-66, São Pau-
lo, 2014, p. 57.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
outros, ajudariam nos deslocamentos desses casos que detém proximidade. Tal proposta
deve ser pensada levando em conta aspectos econômicos da Defensoria Pública, assim
como questões logísticas, que só estudos e pesquisas diversos poderão oferecer.
Importante enfatizar que outra proposta para ajudar nos deslocamentos é a
expansão dos Núcleos descentralizados. A exemplo, atualmente, em Fortaleza, no
Ceará, a Defensoria conta com dois Núcleos Descentralizados: Núcleo Descentralizado
do João XXIII e Núcleo Descentralizado do Mucuripe. É interessante a construção de
novos núcleos em outros “extremos” da cidade, o que deve entrar no planejamento da
Defensoria, sendo que esta deve buscar, cada vez mais, por orçamento para assegurar
tal ampliação, tornando a Defensoria Pública mais próxima dos assistidos.
A Defensoria está em constante trabalho para garantir e ampliar o acesso à
justiça. A instituição já possui um projeto chamado “Defensoria em Movimento”,
no qual leva atendimento jurídico e educação em direitos aos bairros, comunidades e
municípios, de forma itinerante. É um excelente exemplo de aproximação ao público
que deve ser estimulado e ampliado para que alcance todos os bairros. Outro projeto
a ser destacado é o Orçamento Participativo, quando a população tem possibilidade
sugerir propostas e temáticas prioritárias à atuação da instituição.
Em novembro de 2019, mais especificamente, a Defensoria Pública Defensoria
Pública do Estado do Ceará criou o Núcleo de Estudo e Pesquisas (NUESP)31,
que tem como objetivo alimentar dados sobre a atuação dos defensores públicos e
auxiliar políticas públicas de inclusão social e diminuição das desigualdades sociais.
O estimulo à pesquisa, dentro e fora da instituição, deve visar maior democratização
do acesso à justiça, e devem ser muito bem vistos e ampliados. A participação de
outras ciências nesses estudos (sociologia, antropologia, estatística, engenharias)
possibilitará dados mais tangíveis e adequados para estudos de novas políticas e
ações adotadas futuramente.
Todos os problemas apresentados e outros que se manifestam no cotidiano
forense tem ligação estreita com a desigualdade social. O combate à pobreza é uma
das maiores – se não for a maior - ferramentas na busca ao acesso à justiça mais amplo
e efetivo. Devemos assumir que a luta pelo acesso à justiça caminha ao lado da luta
contra a extrema pobreza. Este é o grande desafio que gerações terão que enfrentar,
buscando políticas públicas mais eficazes na educação, saúde, segurança, entre outras
esferas da vida social e econômica.
31 BRASIL. Defensoria Pública Do Estado Do Ceará. Defensoria Pública do Estado do Ceará implanta Núcleo de
Estudos e Pesquisas. 2020. Disponível em: http://www.defensoria.ce.def.br/noticia/defensoria-do-ceara-implanta-nu-
cleo-de-estudos-e-pesquisas/. Acesso em: março de 2020.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
32 SILVA, José Afonso da. Acesso à justiça e cidadania. Revista de direito administrativo (RDA), vol. 216, abr/jun
1999. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
33 Conforme palestra proferida por Rudolf Von Ihering em 1872, em que expôs a luta pelo direito, que se tornou
objeto de debates e produções jurídicas dos mais diversos.
34 RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; MACHADO, José Alberto Oliveira de Paula. Acesso à Justiça e a Defensoria Pú-
blica na América Latina: Democratização de direitos como desenvolvimento. Revista Direito e Desenvolvimento, v. 8,
p. 89-106, 2017, p. 90.
35 SADEK, Maria Tereza Aina. Acesso à justiça: porta de entrada para a inclusão social. In LIVIANU, R., coord. Jus-
tiça, cidadania e democracia [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisa Social, 2009, p. 170.
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acesso à justiça se não houver práticas e políticas públicas de inclusão social que
possam oferecer subsídios básicos para que as pessoas possam buscar seus direitos
judicialmente ou extrajudicialmente.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da
República, [2018]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/consti-
tuicaocompilado.htm. Acesso em: 04 nov. 2019.
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Núcleo de Estudos e Pesquisas. 2020. Disponível em: http://www.defensoria.ce.def.br/noticia/de-
fensoria-do-ceara-implanta-nucleo-de-estudos-e-pesquisas/. Acesso em: março de 2020.
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posse na tarde desta terça-feira (22). Fortaleza, 2019. Disponível em: http://www.defensoria.ce.
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Disponível em: <https://www.opovo.com.br/jornal/cidades/2019/07/08/75-5--dos-munici-
pios-do-ceara-nao-tem-defensor-publico.html?fbclid=IwAR2rNTZYWhTFj04tdU5SCiRT-
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de Janeiro, p. 389-402, 1997.
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do novo código de processo civil. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca, v. 12,
p. 9-26, 2017.
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Capítulo 6
O INFLUXO DO NOVO
CONSTITUCIONALISMO
LATINO-AMERICANO JUNTO AO
ACESSO À JUSTIÇA: A NATUREZA
COMO SUJEITO DE DIREITOS E
SUAS CONSEQUÊNCIAS
SUMÁRIO: Introdução. 1. O acesso à justiça em contato com o novo constitucionalismo
latino-americano. 2. a natureza como sujeito de direitos: o bem viver e a legislação atinente
ao novo constitucionalismo latino-americano. 2.1. O Bem Viver. 2.2. As Formas Jurídicas
e Legislativas da Temática. 2.2.1. Equador. 2.2.2 Bolívia. 3. O acesso à justiça e as
consequências da titularização de direitos pela natureza. Considerações finais. Referências
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CAPÍTULO 6
INTRODUÇÃO
Com efeito, a Justiça que somente funciona para resolver parte dos conflitos
de necessária intervenção sua, mas que são inviabilizados de serem levados à aná-
lise dela, não cumpre a sua função de jurisdição, tampouco o faz de forma efetiva
1 Mestrando em Direito (UFC), Pós-graduando em Direito Digital e Compliance (Damásio Educacional), Ba-
charel em Direito (UFC), Advogado (OAB/CE).
2 E aqui se menciona “primariamente” porque não se nega a possibilidade da exigência por meio de entidades
não estatais e particulares agirem no sentido de manter a autoridade e exigir o cumprimento do modelo normativo
objetivo de uma determinada sociedade.
3 Como pacto textual, utilizar-se-á a grafia “acesso à justiça” quando se objetivar fazer menção ao simples fato
de ser possível instar o Poder Judiciário para resolução de conflitos jurídicos. Ao lado disso, será grafado “Acesso
à Justiça” quando se desejar fazer menção expressa ao direito fundamental.
93
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
4 Emprega-se “parcialidade” no sentido de cumprir apenas parte de seu potencial e não de se alinhar a alguma
vertente, ideologia e concepção política.
5 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Ale-
gre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 9-13.
6 idem, p. 11-12.
7 MIRANDA, José Alberto Antunes de Miranda; CADEMARTORI, Sergio Urquhart de. Processos constituin-
tes e novas condições do Estado na América latina: uma identidade comum? Revista Nomos, Fortaleza, v. 36, n.
1, jan./jun., 2016, p. 223-225.
94
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Isso representa um novo marco para o Acesso à Justiça, auxiliando não apenas
o combate às desigualdades sociais, mas também a combater outras ocorrências pre-
judiciais ao ser humano, tais como os danos ambientais. Ou seja, já se consegue ve-
rificar que o novo constitucionalismo latino-americano promove uma reformulação
do Acesso à Justiça, desenvolvendo-o junto à terceira e à quarta dimensão de direitos
fundamentais, inserindo a natureza no rol daqueles que merecem ter esse direito asse-
gurado para buscar sua proteção. Esta é a hipótese básica do presente texto.
8 Excluir-se-á da presente análise o sistema jurídico venezuelano, já que, em leitura preliminar, isso fugiria do
escopo específico da publicação objetivada e conduziria o trabalho para o perfil de um estudo exaustivo sobre todo
o movimento constitucional latino-americano. Isso extrapolaria o recorte temático ora pretendido. Porém, não se
nega ou se olvida a contribuição da Venezuela para esse marco teórico. É que o que se pretende utilizar como
aporte teórico é um referencial constitucional – Equador – e um constitucional e infraconstitucional – Bolívia –
acerca das possibilidades dos direitos da natureza junto ao Acesso à Justiça, mantendo-se uma concisão mínima.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
uma breve síntese e de apresentação de casos concretos. Por fim, a quinta parte será
a conclusão do texto, demonstrando e consolidando as informações apresentadas,
validando a hipótese de que o influxo do constitucionalismo representa em uma re-
formulação do Acesso à Justiça, promovendo inserção da necessidade de prover acesso
à natureza, já que está é sujeito de direitos e deve deter meios de buscar o Judiciário
para efetivar sua proteção.
9 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Ale-
gre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 9-11.
10 idem, p. 11.
11 BORGES, Gustavo Silveira; AL, Mônica Abdel. A efetivação do direito fundamental do acesso à justiça por
meio da mediação virtual de conflitos. Revista Nomos, Fortaleza, v. 39, n. 1, jan./jun., 2019, p. 113.
96
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
tornos não são estanques como uma mera regra jurídica objetiva. Isso afasta o Acesso
à Justiça da noção de ideal estaque e o aproxima de uma noção mais ampla12.
12 XAVIER, Beatriz Rêgo. Um novo conceito de acesso à justiça: propostas para uma melhor efetivação de di-
reitos. Revista Pensar, Fortaleza, v. 7, n. 1, 2002, p. 1-2.
13 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Ale-
gre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 31.
14 BORGES, Gustavo Silveira; AL, Mônica Abdel. A efetivação do direito fundamental do acesso à justiça por
meio da mediação virtual de conflitos. Revista Nomos, Fortaleza, v. 39, n. 1, jan./jun., 2019, p. 114.
15 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op. cit., p. 35-47.
16 BORGES, Gustavo Silveira; AL, Mônica Abdel. Op. cit., p. 114.
97
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
A terceira “onda” tem como base o foco no efetivo e eficiente Acesso à Justiça,
não mais bastando sua satisfação se exaurir na postulação junto ao Judiciário, mas sim de-
vendo albergar a ideia de celeridade e de métodos alternativos de resolução de conflitos18.
Assim, ela tem finalidade diversa das outras “ondas”, já que aquelas tinham
como fito tratar do que antes foi olvidado pela realidade jurídica e judicial. Essa ter-
ceira classificação apresenta como elemento característico a verificação de que alber-
gar o que foi relegado não é suficiente, tampouco efetivo, uma vez que a estrutura do
Judiciário ainda mantém suas deficiências.
17 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Ale-
gre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 51-67.
18 BORGES, Gustavo Silveira; AL, Mônica Abdel. A efetivação do direito fundamental do acesso à justiça por
meio da mediação virtual de conflitos. Revista Nomos, Fortaleza, v. 39, n. 1, jan./jun., 2019, p. 114-115.
19 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Ale-
gre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 67-73.
98
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Desse modo, tem como fim romper com ideais importados, reimaginando-
os e reformulando concepções próprias às identidades dos povos latino-americanos.
Com base nisso, esse novo constitucionalismo minora o ideal colonial, hegemônico
e desenvolvimentista da era moderna e pós-moderna23. E isso faz enquanto mantêm
ideias tradicionais do Estado Democrático de Direito, avançando sobre as necessidades
culturais e étnicas locais24.
20 SANTOS, Boaventura de Sousa. Refundación del Estado em América Latina: perspectivas desde uma
epistemologia del Sur. Lima: Instituto Internacional de Derecho y Sociedad, 2010, p. 71-72.
21 MELO, Milena Petters. Constitucionalismo, pluralismo e transição democrática na América latina. Corte
Interamericana de Direitos Humanos, 2010, p. 5.
22 idem. p. 5.
23 MIRANDA, José Alberto Antunes de Miranda; CADEMARTORI, Sergio Urquhart de. Processos constituin-
tes e novas condições do Estado na América latina: uma identidade comum? Revista Nomos, Fortaleza, v. 36, n.
1, jan./jun., 2016, p. 223-225.
24 MELO, Milena Petters. Op. cit., p.5.
99
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
25 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. O Estado plurinacional e o direito internacional moderno. Curiti-
ba: Juruá, 2012, p. 105-106.
26 MELO, Milena Petters. Constitucionalismo, pluralismo e transição democrática na América latina. Corte
Interamericana de Direitos Humanos, 2010, p. 6.
27 Está incluso nesse rol o “Poder Ciudadano” reconhecido na Venezuela (cf. MELO, Milena Petters. Constitu-
cionalismo, pluralismo e transição democrática na América latina. Corte Interamericana de Direitos Humanos,
2010, p. 6).
28 MELO, Milena. Op. cit., p. 5.
29 ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Tradução de Tadeu
Breda. São Paulo: Autonomia literária, 2016, p. 23; 75.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Portanto, o bem viver institui uma ordem ecocêntrica em que o ser humano
perde seu prestígio, embora não se negue sua singularidade, em prol de uma entidade
superior a ele, da qual ele faz parte e depende. Assim, a natureza deixa de ser objeto
e passa a ser sujeito, que pode, deve e merece ser defendido. Ou seja, é considerado
sujeito de direitos dentro dessa ordem constitucional de matriz ecocêntrica31.
30 ALFEU, Breno Silveira Moura. As ampliações da função multisemântica da dignidade pelo bem viver. In:
MORAES, Germana de Oliveira; FREIRE, Geovana Maria Cartaxo de Arruda; FERRAZ, Danilo Santos. Do di-
reito ambiental aos Direitos da Natureza: teoria e prática. 1 ed. Fortaleza: Mucuripe, 2019, p. 69-70.
31 MORAES, Germana de Oliveira. O constitucionalismo ecocêntrico na América Latina, o bem viver e a nova
visão das águas. Revista da Faculdade de Direito, Fortaleza, v.34, n.1, jan./jun., 2013, p. 129-130.
101
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
todos os afetados pelo fato a ser tratado, não apenas auxiliando-os, mas também
estimulando uma conduta mais ativa.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Sua base ideológica é o bem viver e detém como elemento singular o reco-
nhecimento da natureza como entidade superior à existência humana, da qual esta
depende e se encontra impossível de dissociar. A centralidade da natureza conduz ao
reconhecimento dela como sujeito de direitos, sendo a ela conferidas possibilidades
resultantes dessa posição jurídica.
32 BORGES, Gustavo Silveira; CARVALHO, Marina Moura Lisboa Carneiro de Farias. O novo constituciona-
lismo latino-americano e as inovações sobre os direitos da natureza na constituição equatoriana. Revista da facul-
dade de direito da Universidade Federal de Goiás (UFG). v. 43, 2019, p. 4.
33 MORAES, Germana de Oliveira. O constitucionalismo ecocêntrico na América Latina, o bem viver e a nova
visão das águas. Revista da Faculdade de Direito, Fortaleza, v.34, n.1, jan./jun., 2013, p. 129.
103
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
34 ALFEU, Breno Silveira Moura. As ampliações da função multisemântica da dignidade pelo bem viver. In:
MORAES, Germana de Oliveira; FREIRE, Geovana Maria Cartaxo de Arruda; FERRAZ, Danilo Santos. Do di-
reito ambiental aos Direitos da Natureza: teoria e prática. 1 ed. Fortaleza: Mucuripe, 2019, p. 68.
35 HUANACUNI MAMANI, Fernando. Buen Vivir/Vivir Bien – Filosofía, políticas, estrategias y experien-
cias regionales andinas. Quito: Coordinadora Andina de Organizaciones Indigenas, 2010, p. 11; 25-26.
36 idem, p. 11–12; 26–29.
37 ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Tradução de Tadeu
Breda. São Paulo: Autonomia literária, 2016, p. 83; 90 – 91.
38 MORAES, Germana de Oliveira. O constitucionalismo ecocêntrico na América Latina, o bem viver e a nova
visão das águas. Revista da Faculdade de Direito, Fortaleza, v.34, n.1, jan./jun., 2013, p. 129-130.
39 ALFEU, Breno Silveira Moura. As ampliações da função multisemântica da dignidade pelo bem viver. In:
MORAES, Germana de Oliveira; FREIRE, Geovana Maria Cartaxo de Arruda; FERRAZ, Danilo Santos. Do di-
reito ambiental aos Direitos da Natureza: teoria e prática. 1 ed. Fortaleza: Mucuripe, 2019, p. 68.
40 HOUTART, François. El concepto de sumak kawsai (buen vivir) y su correspondencia con el bien común
de la humanidade. Quito: América Latina em movimiento, 2011.
41 HUANACUNI MAMANI, Fernando. Buen Vivir/Vivir Bien – Filosofía, políticas, estrategias y experien-
cias regionales andinas. Quito: Coordinadora Andina de Organizaciones Indigenas, 2010, p. 49.
42 ACOSTA, Alberto; GUDYNAS, Eduardo. El buen viver mas allá del desarrollo. In Quehacer. Lima: Desco,
2011, p. 78 – 81.
104
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
No entanto, não é uma concepção estática, mas sim uma proposta de rein-
venção da realidade mediante parâmetros de resgate às identidades culturais43. Por
isso, ela influencia e é influenciada por aportes de reflexões filosóficas e intelectuais e
de práticas de cidadania e de espiritualidade, o que lhe permite ressignificar a realida-
de e as entidades e instituições que a constituem44.
Com base nisso, é possível constatar que o bem viver tem alinhamento com a
perspectiva científica de natureza – representada pela Terra - como entidade viva do-
tada de processos biológicos próprios. E isso ressalta sua importância e imprime a ne-
cessidade de a considerar um entidade própria, junto a qual há um imperativo moral
de convivência harmônica, conforme investigado por James Lovelock, Fritjof Capra,
Hans Jonas, Martin Heidegger e Michel Serres46. E, no plano jurídico, tal entendi-
mento consubstancia a consideração de ser a natureza um ente sujeito de direitos.
43 ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Tradução de Tadeu
Breda. São Paulo: Autonomia literária, 2016, p. 73.
44 ALFEU, Breno Silveira Moura. As ampliações da função multisemântica da dignidade pelo bem viver. In:
MORAES, Germana de Oliveira; FREIRE, Geovana Maria Cartaxo de Arruda; FERRAZ, Danilo Santos. Do di-
reito ambiental aos Direitos da Natureza: teoria e prática. 1 ed. Fortaleza: Mucuripe, 2019, p. 69.
45 Idem, p. 68-73.
46 VIANA, Mateus Gomes. A terra como sujeito de direitos. Revista da Faculdade de Direito – UFC. Fortale-
za, v. 34, n. 2, jul./dez., 2013, p. 250–258.
105
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Esclarecido isso, passa-se à análise de como está concretizado esse ideal nos
países que o adotam.
2.2.1. Equador
47 Art. 275 - El régimen de desarrollo es el conjunto organizado, sostenible y dinámico de los sistemaseconómi-
cos, políticos, socio-culturales y ambientales, que garantizan la realización del buen vivir, del sumak kawsay. El
Estado planificará el desarrollo del país para garantizar el ejercicio de los derechos, la consecución de los
objetivos del régimen de desarrollo y los principios consagrados en la Constitución. La planificación pro-
piciará la equidad social y territorial, promoverá la concertación, y será participativa, descentralizada, des-
concentrada y transparente. El buen vivir requerirá que las personas, comunidades, pueblos y nacio-
nalidades gocen efectivamente de sus derechos, y ejerzan responsabilidades en el marco de la interculturalidad,
del respeto a sus diversidades, y de la convivencia armónica con la naturaleza.
106
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
48 Art. 10 - Las personas, comunidades, pueblos, nacionalidades y colectivos son titulares y gozarán de los dere-
chos garantizados en la Constitución y en los instrumentos internacionales. La naturaleza será sujeto de aquellos
derechos que le reconozca la Constitución.
49 Art. 71 - La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se respete
integralmente su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estructura, funciones y
procesos evolutivos. Toda persona, comunidad, pueblo o nacionalidad podrá exigir a la autoridad pública el cum-
plimiento de los derechos de la naturaleza. Para aplicar e interpretar estos derechos se observarán los prin-
cipios establecidos en la Constitución, en lo que proceda. El Estado incentivará a las personas naturales y
jurídicas, y a los colectivos, para que protejan la naturaleza, y promoverá el respeto a todos los elementos que
forman un ecosistema.
50 Art. 72 - La naturaleza tiene derecho a la restauración. Esta restauración será independiente de la obligación
que tienen el Estado y las personas naturales o jurídicas de indemnizar a los individuos y colectivos que dependan
de los sistemas naturales afectados. En los casos de impacto ambiental grave o permanente, incluidos los ocasio-
nados por la explotación de los recursos naturales no renovables, el Estado establecerá los mecanismos más
eficaces para alcanzar la restauración, y adoptará las medidas adecuadas para eliminar o mitigar las
consecuencias ambientales nocivas.
51 Art. 73 - El Estado aplicará medidas de precaución y restricción para las actividades que puedan conducir
a la extinción de especies, la destrucción de ecosistemas o la alteración permanente de los ciclos naturales. Se
prohíbe la introducción de organismos y material orgánico e inorgánico que puedan alterar de manera
definitiva el patrimonio genético nacional.
107
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
2.2.2. Bolívia
Em seu artigo 3º, é reconhecida a mãe terra, um sistema vivo dinâmico for-
mado por todos os sistemas de vida e seres vivos, inter-relacionados, interdependentes
e complementares, que partilham de um destino comum55.
52 Art. 74 - Las personas, comunidades, pueblos y nacionalidades tendrán derecho a beneficiarse de lambiente y
de las riquezas naturales que les permitan el buen vivir. Los servicios ambientales no serán susceptibles de apro-
piación; su producción, prestación, uso y aprovechamiento serán regulados por el Estado.
53 Esses artigos e outros já referidos podem ser verificados com remissões no seguinte endereço: https://www.
oas.org/juridico/pdfs/mesicic4_ecu_const.pdf.
54 Artículo 8. I.El Estado asume y promueve como principios ético-morales de la sociedad plural: ama qhilla,
ama llulla,ama suwa (no seas flojo, no seas mentiroso ni seas ladrón), suma qamaña (vivir bien), ñandereko (vi-
daarmoniosa), teko kavi (vida buena), ivi maraei (tierra sin mal) y qhapaj ñan (camino o vida noble).
55 Artículo 3. (MADRE TIERRA). La Madre Tierra es el sistema viviente dinámico conformado por la comuni-
dad indivisible de todos los sistemas de vida y los seres vivos, interrelacionados, interdependientes y complemen-
tarios, que comparten un destino común.
56 Artículo 5. (CARÁCTER JURÍDICO DE LA MADRE TIERRA). Para efectos de la protección y tutela de sus
derechos, la Madre Tierra adopta el carácter de sujeto colectivo de interés público. La Madre Tierra y todos sus
componentes incluyendo las comunidades humanas son titulares de todos los derechos inherentes reconocidos en
esta Ley. La aplicación de los derechos de la Madre Tierra tomará en cuenta las especificidades y particularidades
de sus diversos componentes. Los derechos establecidos en la presente Ley, no limitan la existencia de otros
derechos de la Madre Tierra.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
cipam dela são titulares dos direitos reconhecidos nessa mesma lei. O seu artigo 6º
estabelece que todos os bolivianos e bolivianas podem exercer os direitos previstos
nessa lei em compatibilidade com os seus direitos individuais e coletivos57.
O artigo 10º cria a defensoria da mãe terra, cuja missão é velar pelo cumpri-
mentos dos direitos já aludidos59. De logo, é possível perceber que a Bolívia institui
um modelo de Acesso à Justiça intermediário, já que se utiliza tanto da iniciativa par-
ticular como de uma entidade pública para a defesa dos direitos da natureza.
57 Artículo 6. (EJERCICIO DE LOS DERECHOS DE LA MADRE TIERRA). Todas las bolivianas y bolivianos,
al formar parte de la comunidad de seres que componen la Madre Tierra, ejercen los derechos establecidos en
la presente Ley, de forma compatible con sus derechos individuales y colectivos. El ejercicio de los derechos
individuales están limitados por el ejercicio de los derechos colectivos en los sistemas de vida de la
Madre Tierra, cualquier conflicto entre derechos debe resolverse de manera que no se afecte irreversiblemente
la funcionalidad de los sistemas de vida.
58 A referida lei pode ser verificada mediante o seguinte endereço eletrônico: http://www.planificacion.gob.bo/
uploads/marco-legal/Ley%20N%C2%B0%20071%20DERECHOS%20DE%20LA%20MADRE%20TIERRA.pdf.
59 Artículo 10. (DEFENSORÍA DE LA MADRE TIERRA). Se crea la Defensoría de la Madre Tierra, cuya mi-
sión es velar por la vigencia, promoción, difusión y cumplimiento de los derechos de la Madre Tierra, estable-
cidos en la presente Ley. Una ley especial establecerá su estructura, funcionamiento y atribuciones.
109
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Com efeito, essa existência de uma lista aberta de indivíduos legítimos para
figurar como polo ativo em representação processual pela natureza não é apenas uma fa-
culdade, mas sim um dever, consoante verificado nas realidades equatoriana e boliviana.
60 Artículo 39. (SUJETOS ACTIVOS O LEGITIMADOS). I. Están obligados a activar las instancias adminis-
trativas y/o jurisdiccionales, con el objeto de exigir la protección y garantía de los derechos de la Madre Tierra,
en el marco del desarrollo integral para Vivir Bien, las siguientes entidades según corresponda: 1. Las autoridades
públicas, de cualquier nivel del Estado Plurinacional de Bolivia, en el marco de sus competencias. 2. El Ministerio
Público. 3. La Defensoría de la Madre Tierra.4. Tribunal Agroambiental. II. Asimismo, podrán hacerlo las personas
individuales o colectivas, directamente afectadas. III. Cualquier persona individual o colectiva, que conozca la
vulneración de los derechos de la Madre Tierra, en el marco del desarrollo integral para Vivir Bien, tiene el deber
de denunciar este hecho ante las autoridades competentes.
110
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
viabilizado meios de acesso ao Judiciário antes não admitidos nos sistemas jurídicos
importados dos modelos europeus.
111
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
61 MELO, Álisson José Maia. A luta pelo reconhecimento dos direitos da natureza na América do sul e as novas
gramáticas para os direitos humanos: uma análise das garantias processuais de defesa dos direitos dos rios. In:
MORAES, Germana de Oliveira; LIMA, Martônio Mont1Alverne Barreto; ARARIPE, Thaynara Andressa Frota.
Direitos de Pachamama e Direitos Humanos. 1 ed. Fortaleza: Mucuripe, 2018, p. 80.
62 A referida ação é prevista no artigo 88 da constituição do Equador, segundo a qual: Art. 88.- La acción de
protección tendrá por objeto el amparo directo y eficaz de los derechos reconocidos en la Constitución, y
podrá interponerse cuando exista una vulneración de derechos constitucionales, por actos u omisiones de
cualquier autoridad pública no judicial; contra políticas públicas cuando supongan la privación del goce o
ejercicio de los derechos constitucionales; y cuando la violación proceda de una persona particular, si la
violación del derecho provoca daño grave, si presta servicios públicos impropios, si actúa por delegación
o concesión, o si la persona afectada se encuentra en estado de subordinación, indefensión o discriminación.
63 HUDDLE, Norie. World’s first successful ‘rights of nature’ lawsuit. Kosmos: the jornal for global citizens
creating the new civilization, Lenox, v. 13, n. 1, p. 15-19, fall/winter, 2013.
64 MORAES, Germana de Oliveira. Harmonia com a natureza e direitos de Pachamama. Fortaleza: Univer-
sidade Federal do Ceará, 2018, p. 90.
65 MELO, Álisson José Maia. A luta pelo reconhecimento dos direitos da natureza na América do sul e as novas
gramáticas para os direitos humanos: uma análise das garantias processuais de defesa dos direitos dos rios. In:
MORAES, Germana de Oliveira; LIMA, Martônio Mont1Alverne Barreto; ARARIPE, Thaynara Andressa Frota.
Direitos de Pachamama e Direitos Humanos. 1 ed. Fortaleza: Mucuripe, 2018, p. 81.
112
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
tra condicionado aos requisitos das normas processuais vigentes, embora advenha da
inclusão de ente não usualmente admitido na realidade jurídica comum.
Por sua vez, o caso do rio Atrato é outro exemplo de Acesso à Justiça com base
em proteção e reconhecimento da natureza como sujeito de direitos. E ele é ainda
mais emblemático porque a legislação do país no qual se localiza esse rio – Colômbia
- não prevê essa posição jurídica para a natureza expressa e diretamente.
Em primeira instância, a ação não foi acolhida, uma vez que foi decidido que
a questão tratava de interesses coletivos e não direitos inerentes ao próprio rio69. O
mesmo entendimento foi havido na segunda instância, em razão do que foi apresen-
tado recurso à Corte Constitucional Colombiana70.
O desfecho dessa ação ocorreu com a decisão dessa Corte sobre o tema em
dezembro de 2016. No seu julgamento, foi reconhecida a postura omissiva do Poder
Público em prover resposta institucional idônea e equivalente à gravidade da situação,
66 JORGE, Francisca Sandrelle Lima. Possibilidade constitucional de reconhecer rios brasileiros como sujeitos
bioculturais de direitos: estudo comparado entre o caso do Rio Atrato (Colômbia) e do Rio Doce (Brasil). In: MO-
RAES, Germana de Oliveira; FREIRE, Geovana Maria Cartaxo de Arruda; FERRAZ, Danilo Santos. Do direito
ambiental aos Direitos da Natureza: teoria e prática. 1 ed. Fortaleza: Mucuripe, 2019, p. 159-160.
67 idem, p. 160.
68 COLOMBIA. Corte Constitucional. Sentencia T-622/16. Bogotá, 10 de novembre 2016.
69 JORGE, Francisca Sandrelle Lima. Op. cit., p. 161.
70 COLOMBIA. Corte Constitucional. Sentencia T-622/16. Bogotá, 10 de novembre 2016.
113
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
71 TERCERO.- DECLARAR la existencia de una grave vulneración de los derechos fundamentales a la vida, a
la salud, al agua, a la seguridad alimentaria, al medio ambiente sano, a la cultura y al territorio de las comunidades
étnicas que habitan la cuenca del río Atrato y sus afluentes, imputable a las entidades del Estado colombiano ac-
cionadas (Presidencia de la República, Ministerio de Interior, Ministerio de Ambiente y Desarrollo Sostenible,
Ministerio de Minas y Energía, Ministerio de Defensa Nacional, Ministerio de Salud y Protección Social, Minis-
terio de Agricultura, Departamento para la Prosperidad Social, Departamento Nacional de Planeación, Agencia
Nacional de Minería, Agencia Nacional de Licencias Ambientales, Instituto Nacional de Salud, Departamentos de
Chocó y Antioquia, Corporación Autónoma Regional para el Desarrollo Sostenible del Chocó -Codechocó-, Cor-
poración para el Desarrollo Sostenible del Urabá -Corpourabá-, Policía Nacional – Unidad contra la Minería Ile-
gal, y los municipios de Acandí, Bojayá, Lloró, Medio Atrato, Riosucio, Quibdó, Río Quito, Unguía, Carmen del
Darién, Bagadó, Carmen de Atrato y Yuto -Chocó-, y Murindó, Vigía del Fuerte y Turbo -Antioquia-), por su
conducta omisiva al no proveer una respuesta institucional idónea, articulada, coordinada y efectiva para enfrentar
los múltiples problemas históricos, socioculturales, ambientales y humanitarios que aquejan a la región y que en
los últimos años se han visto agravados por la realización de actividades intensivas de minería ilegal.
72 como una entidad sujeto de derechos a la
protección, conservación, mantenimiento y restauración a cargo del Estado y las comunidades étnicas, conforme a
lo señalado en la parte motiva de este proveído en los fundamentos 9.27 a 9.32.
En consecuencia, la Corte ordenará al Gobierno nacional que ejerza la tutoría y representación legal de los dere-
chos del río (a través de la institución que el Presidente de la República designe, que bien podría ser el Ministerio
de Ambiente) en conjunto con las comunidades étnicas que habitan en la cuenca del río Atrato en Chocó; de esta
forma, el río Atrato y su cuenca -en adelante- estarán representados por un miembro de las comunidades accionan-
tes y un delegado del Gobierno colombiano, quienes serán los guardianes del río. Con este propósito, el Gobierno,
en cabeza del Presidente de la República, deberá realizar la designación de su representante dentro del mes siguien-
te a la notificación de esta sentencia. En ese mismo período de tiempo las comunidades accionantes deberán esco-
ger a su representante.
Adicionalmente y con el propósito de asegurar la protección, recuperación y debida conservación del río, los re-
presentantes legales del mismo deberán diseñar y conformar, dentro de los tres (3) meses siguientes a la notifica-
ción de esta providencia una comisión de guardianes del río Atrato, integrada por los dos guardianes designados
y un equipo asesor al que deberá invitarse al Instituto Humboldt y WWF Colombia, quienes han desarrollado el
proyecto de protección del río Bita en Vichada[343] y por tanto, cuentan con la experiencia necesaria para orientar
las acciones a tomar. Dicho equipo asesor podrá estar conformado y recibir acompañamiento de todas las entidades
públicas y privadas, universidades (regionales y nacionales), centros académicos y de investigación en recursos
naturales y organizaciones ambientales (nacionales e internacionales), comunitarias y de la sociedad civil que de-
seen vincularse al proyecto de protección del río Atrato y su cuenca.
Sin perjuicio de lo anterior, el panel de expertos que se encargará de verificar el cumplimiento de las órdenes de
la presente providencia (orden décima) también podrá supervisar, acompañar y asesorar las labores de los guardia-
nes del río Atrato.
73 COLOMBIA. Corte Constitucional. Sentencia T-622/16. Bogotá, 10 de novembre 2016.
114
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Assim, com base nos casos judiciais apresentados, observa-se que as conse-
quências do influxo do novo constitucionalismo latino-americano junto ao Acesso à
Justiça ultrapassam a mera previsão abstrata da titularização de direitos pela natureza.
115
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse ideal é comum aos povos ameríndios. Tanto isso é verdade que as cons-
tituições e legislações do Equador e da Bolívia. Ambos os países estabelecem o bem
viver como referencial de organização política, social e econômica, afetando o campo
jurídico. E assim o fazem elevando a natureza à condição de sujeito de direitos e esta-
belecendo um dever geral de proteção e respeito a ela.
116
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
A quarta e última seção teve como foco a apresentação de casos concretos que
demonstram as consequências desse influxo. Eles evidenciam que a previsão normati-
va de natureza como sujeito de direitos não é apenas um norma abstrata e programá-
tica. Ela é, efetivamente, uma norma aplicável e que produz sua eficácia no Direito.
Isso é o que se verifica pelos casos do rio Vilcabamba, no Equador, e do rio Atrato,
na Colômbia, sendo este um caso em que o influxo originou suas revalidação e refor-
mulação por meio de técnica hermenêutica constitucional. E essa efetividade também
converge com a terceira onda de “Acesso à Justiça”.
REFERÊNCIAS
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de Tadeu Breda. São Paulo: Autonomia literária, 2016.
ACOSTA, Alberto; GUDYNAS, Eduardo. El buen viver mas allá del desarrollo. In Quehacer.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
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XAVIER, Beatriz Rêgo. Um novo conceito de acesso à justiça: propostas para uma melhor efe-
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119
Capítulo 7
A DEMOCRATIZAÇÃO
DOS PROCESSOS ESTRUTURAIS:
ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA
CONSTITUCIONAL
SUL-AFRICANA
SUMÁRIO: Introdução. 1. A resposta do judiciário para as omissões políticas: as sentenças
estruturais e a sua utilização no Brasil. 2.1. A chave de acesso para as políticas públicas: as
sentenças estruturais. 2.2. Os processos estruturais no Brasil. 3. A resposta sul-africana para
as omissões políticas: o Compromisso Significativo. 4. Vantagens de uma democratização dos
processos estruturais. Considerações finais. Referências
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CAPÍTULO 7
INTRODUÇÃO
123
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
A dimensão subjetiva, todavia, não era suficiente para explicar todas as fun-
ções inerentes aos direitos fundamentais, razão pela qual se iniciou o estudo da sua
dimensão objetiva. Conforme explica Nascimento (2016, p. 68), a dimensão objetiva
possui um papel fundamental na proteção dos direitos fundamentais: com base nela,
o Estado deve atuar para efetivar direitos fundamentais não apenas quando for de-
mandado, na verdade, o Poder Público está vinculado a esses direitos ainda que não
haja demandas individuais.
124
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Assim, conforme preleciona Fiss (2017, p. 590), quando a instância judicial re-
corre à sentença estrutural, o comum é que o próprio arranjo burocrático, responsável
por formular e executar políticas públicas, encontre-se com graves problemas, razão
pela qual o Judiciário intervém para promover uma reorganização que leve essa estru-
tura fragilizada para dentro dos limites constitucionais. Quando essas sentenças são
utilizadas, dois riscos principais costumam ser levantados: primeiro, a incompetência
125
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
2 Tushnet identifica o experimentalismo como uma variante do modelo fraco de revisão judicial. (TUSHNET,
2008. p. 249)
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
sões políticas, incluindo nesse diálogo instituições públicas e privadas capazes de co-
laborar com a resolução da demanda estrutural.
Tendo em vista os modelos apresentados, resta analisar como eles têm influen-
ciado os litígios estruturais no Brasil e a sua eficiência em promover a efetivação dos
direitos de grupos sociais afetados pelas omissões políticas.
Importante caso levado ao STF, e que contribuiu para fixar a base jurídica para
o desenvolvimento dos processos estruturais, foi a ADPF nº 45, na qual se entendeu
que seria possível determinar medidas, para o Executivo, quando o mínimo existen-
cial dos detentos de determinando estabelecimento prisional estivesse sendo violado.
No referido caso, consolidou-se também o entendimento que o Executivo e o Legis-
lativo não tinham irrestrita liberdade de atuação, cabendo ao Judiciário resguardar o
mínimo existencial ameaçado pelas omissões estatais (BRASIL, 2004).
Ainda que tais casos tenham propiciado uma maior intervenção do Judiciário
na elaboração e execução de políticas públicas, o principal marco para os processos
estruturais foi o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) do sis-
tema prisional, no julgamento da medida cautelar da ADPF nº 347/DF, em 2015. A
partir dessa decisão, multiplicaram-se os trabalhos que versam sobre litígios estrutu-
rais e o ECI. A razão para essa viragem é o ineditismo da decisão: pela primeira vez
o STF expressamente reconhece a utilização de uma sentença estrutural, destinada a
modificar profundamente um conjunto de instituições públicas.
127
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Já nos pedidos final, o PSOL requer, dentre outros pleitos: que o STF reco-
nheça o Estado de Coisas Inconstitucional do sistema prisional; que o Governo Fe-
deral elabore e encaminhe ao STF, no prazo máximo de 3 meses, um Plano Nacional
visando a superação do ECI do sistema penitenciário brasileiro, dentro de um prazo
de 3 anos; que o STF delibere sobre o Plano Nacional, para homologá-lo ou impor
medidas alternativas ou complementares, que reputar necessárias para a superação
do crise (BRASIL, 2015b, p. 70-73).
128
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
129
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
3 Os Tribunais Superiores (High Courts) ocupam a segunda instância judicial da África do Sul, com jurisdição
em uma área delimitada geograficamente. Já o Supremo Tribunal de Apelação (Supreme Court of Appeal) equiva-
le ao Superior Tribunal de Justiça no Brasil. Localizado em Bloemfontein, a SCA é a última instância para discus-
sões acerca de matérias infraconstitucionais, cujas decisões serão vinculantes para todos os tribunais inferiores
(SAMPAIO, 2016, p. 87).
4 The City of Johannesburg and the applicants are required to engage with each other meaningfully and as soon
as it is possible for them to do so, in an effort to resolve the differences and difficulties aired in this application in
the light of the values of the Constitution, the constitutional and statutory duties of the municipality and the rights
and duties of the citizens concerned (ÁFRICA DO SUL, 2008, p. 5).
130
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Segundo, sempre que uma política pública de larga escala, como um plano
de regeneração urbana, puder afetar negativamente algum segmento populacional,
a municipalidade deve realizar o Compromisso logo no início do planejamento, ou
seja, o diálogo com os cidadãos afetados não deve iniciar na instância judicial, mas na
própria etapa de planejamento da política pública. Dessa forma, os grupos afetados
se tornam mais do que passivos recipientes de direitos, para serem participantes ativos
que ajudam a moldar as políticas públicas e as decisões que tem um direto impacto
em suas vidas (MAHOMEDY, 2019, p. 23).
Por fim, a Corte determinou que o governo deve desenvolver e manter um ar-
quivo público sobre cada Compromisso, para que o Judiciário possa posteriormente
analisar não só o resultado das negociações, mas o próprio procedimento utilizado
para promover o diálogo entre as partes. Enfatizou que o sigilo seria contraproducen-
te para assegurar a eficiência do processo, ressaltando que esses registros permitiriam
ao Judiciário avaliar se a municipalidade adotou todas as medidas necessárias para
alcançar um acordo com os grupos afetados. No entendimento da Corte, a falha em
realizar o Compromisso, independentemente de considerações substanciais quanto
a política pública a ser desenvolvida pela municipalidade, pode, por si só, ser razão
suficiente para negar um pedido de despejo (ÁFRICA DO SUL, 2008, p. 14).
131
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Viu-se também que existem razões para defender a democratização dos proces-
sos estruturais, baseadas em valores intrínsecos e extrínsecos. A participação popular
é importante para aprofundar a democracia e, por si só, tem o seu valor: é uma forma
de dar voz a segmentos sociais excluídos de poder político e econômico, e que terão a
oportunidade de influenciar a efetivação dos seus direitos fundamentais.
Por fim, é importante ressaltar que não se pretende defender a participação po-
pular como uma panaceia, capaz de solucionar, milagrosamente, todos os problemas
dessa espécie de litígio. O processo de democratização certamente não é fácil, e preci-
sa ser bem estruturado para que possa apresentar bons resultados. Mas a experiência
sul-africana mostra que é possível promove-lo, obtendo bons resultados tanto para
essa espécie de litígios, quanto para a democracia participativa.
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136
Capítulo 8
ACESSO À JUSTIÇA NOS
TEMPOS DE PANDEMIA: DA
CONTRIBUIÇÃO DO CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA PARA A
EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL NO BRASIL
CAPÍTULO 8
INTRODUÇÃO
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
140
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
magistratura, evitando um controle feito por outros Poderes. Tal realidade se espalha-
ria rapidamente por boa parte da América Latina, notoriamente influenciados pelo
modelo espanhol do Consejo General del Poder Judicial, criando-se os Conselhos de
Magistratura ou de Judicatura. Não tardaria a novidade, assim, a chegar ao Brasil,
especialmente após os amplos debates que se proliferaram na Assembleia Nacional
Constituinte (entre fevereiro de 1987 e outubro de 1988), quando a ideia de um
Conselho para controlar administrativa e financeiramente a Justiça brasileira fora der-
rotada nos sucessivos projetos e pareceres, mas sobrevivera nos porões dos Congressos
da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), nas discussões da Associação dos Ma-
gistrados do Brasil (AMB), nas diversas pesquisas acadêmicas, experimentada como
necessidade por usuários e não usuários do Poder Judiciário. Nos dizeres de Joaquim
Falcão, a polêmica e esperada Reforma flutuava.3
3 FALCÃO, Joaquim. A história da Reforma do Poder Judiciário e de sua estratégia pré-legislativa. In: Dez
Anos de Reforma do Judiciário e o Nascimento do Conselho Nacional de Justiça (Org. Rui Stoco e Janaína
Penalva). Ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2015. p. 178.
4 A Emenda Constitucional de nº 45/2004 alterou dispositivos dos artigos. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102,
103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal de 1988,
acrescentando os artigos 103-A, 103-B, 111-A e 130-A, além de dar outras providências.
5 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. Ed. Saraiva, São Paulo: 2020. p. 1041.
141
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
ção admitir membros que não pertencem ao Judiciário, como no caso dos represen-
tantes do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e dos dois
cidadãos escolhidos pelo Congresso Nacional. Tal controle - reafirma-se - é de índole
administrativa e financeira, haja vista não se admitir ingerência nas atribuições ju-
risdicionais dos juízes e tribunais, conforme definido na jurisprudência e na doutrina.
6 “No plano jurídico, travou-se a última batalha na ADI nº 3.367/DF, na qual o STF considerou que a configu-
ração dada ao CNJ seria compatível com os princípios da separação de Poderes e da forma federativa de Estado
(CF, art. 60, §4º, I e III).” In BARROSO, Luís Roberto. O Novo Direito Constitucional Brasileiro – Contribui-
ções para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. 2ª reimpressão. Editora Fórum: Belo
Horizonte, 2013. p.372.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
prazo legal (sessenta dias antes de vencer os mandatos dos titulares, o CNJ comunica
aos órgãos respectivos a necessidade de indicação de novos integrantes) caberão as
mesmas ao STF. Ainda, criou uma Corregedoria Nacional de Justiça dentro do CNJ,
sob a responsabilidade do Ministro do STJ indicado por esta Corte, tendo ele poderes
para receber denúncias e reclamações, de qualquer interessado, relativas aos magis-
trados e aos serviços judiciários, além de exercer funções executivas do Conselho, de
inspeção e de correição geral, podendo requisitar ou designar magistrados, delegan-
do-lhes atribuições, e requisitar servidores de juízos ou tribunais, inclusive dos demais
entes da Federação. Junto ao CNJ, oficiarão o Procurador-Geral da República (Chefe
do Ministério Público Federal) e o Presidente do Conselho Federal da OAB, havendo
ainda previsão de criação de ouvidorias de justiça pela União. As idades mínima e
máxima, anteriormente exigidas para os integrantes do CNJ, foram suprimidas pela
referida Emenda de nº 61.
143
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Poucos dias após a declaração da Organização Mundial de Saúde (OMS) que caracte-
rizou o surto da COVID-19 (vírus Sars-CoV-2) como uma pandemia10, o Conselho
7 A decisão do Pretório Excelso que permitiu essa possibilidade adveio da Resolução nº 7 do CNJ sobre a ve-
dação expressa ao nepotismo nos juízos e tribunais, onde se declarou a constitucionalidade da mesma por maioria
de votos no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade de nº 12, em 2006.
8 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 15ª ed.
Saraiva: São Paulo, 2019. pp. 1006-1007.
9 KOERNER, Andrei. Judiciário e Moralização da Política: três reflexões sobre as tendências recentes no
Brasil. Pensar: Revista de Ciências Jurídicas. – Vol. 18, n. 3 (set./dez. 2013) – 681-711 – Fortaleza: Universida-
de de Fortaleza, 2013. p. 692.
10 O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em uma entrevista coletiva, no dia 11 de março de
2020, afirmou que a doença proveniente do coronavirus disease se alastrara em níveis alarmantes simultaneamen-
te por todo o mundo, tendo o surto global evoluído para uma pandemia, e que medidas equilibradas de todos os
países deveriam ser tomadas neste momento de crise mundial. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/
geral-51842518>. Acesso: 14 jun. 2020.
144
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
11 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Estabelece, no âmbito do Poder Judiciário, regime de Plantão Ex-
traordinário, para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio
pelo novo Coronavírus – Covid-19, e garantir o acesso à Justiça neste período emergencial. Resolução n° 313, de
19 de março de 2020. DJe/CNJ nº 71/2020, em 19/03/2020, p. 3-5. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/
detalhar/3249>. Acesso: 13 jun. 2020.
12 ALMEIDA, Marcelo Pereira de; PINTO, Adriano Moura da Fonseca. Os impactos da pandemia de COVID
19 no Sistema de Justiça – algumas reflexões e hipóteses. In: Revista Juris Poiesis. pg. 01-15. Rio de Janeiro. Vol.
23 – nº 31, 2020. pp. 03 e 04.
145
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
No que concerne aos plantões extraordinários, estes estão sendo realizados vir-
tualmente através do WEBEX, plataforma emergencial de videoconferência para atos
processuais14, fornecida gratuitamente pela empresa “Cisco Brasil Ltda.” até o fim do
isolamento social determinado pelas autoridades públicas, em virtude de um acordo
de cooperação técnica celebrado entre a empresa e o CNJ.
Essa postura inicial por parte do Conselho foi importante, uma vez que de-
monstrou sua proatividade, apto a trabalhar de forma clara e ágil em prol do acesso à
Justiça, elemento essencial ao exercício da cidadania e alicerce básico do direito fun-
damental à prestação jurisdicional efetiva.15
13 No dia 12 de junho de 2020 foi publicado o Provimento n° 105, que prorroga para o dia 31 de dezembro de
2020 o prazo de vigência de determinados provimentos, a exemplo de serviços notariais e cartorários, sem prejuí-
zo de futura ampliação ou redução a ser feita por ato do Corregedor Nacional de Justiça.
14 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Portaria n° 61, de 31 de março de 2020. Institui a plataforma emer-
gencial de videoconferência para realização de audiências e sessões de julgamento nos órgãos do Poder Judiciário,
no período de isolamento social, decorrente da pandemia Covid-19. DJe/CNJ nº 91/2020, em 01/04/2020, p.2.
Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/files/original 221645202004015e8512cda293a.pdf>. Acesso: 13 jun. 2020.
15 CARVALHO, Luciano Lucio de. Prestação jurisdicional efetiva: um direito fundamental. 2006. 139 f.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro Universitário Eurípedes de Marília, Fundação de Ensino Eurípedes
Soares da Rocha, Marília, 2006. p. 12.
16 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Portaria n° 57, de 20 de março de 2020. Incluir no Observatório
Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercus-
são o caso Coronavírus – Covid-19. DJe/CNJ, nº 75, de 23/03/2020, p. 2-4. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.
br/atos/detalhar/3252>. Acesso em: 13 de junho de 2020.
17 O Observatório Nacional foi instituído pelo Conselho Nacional de Justiça ao lado do Conselho Nacional do Mi-
nistério Público no intuito de aperfeiçoar a atuação das instituições em ocorrências de grande impacto e repercussão.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Saindo da esfera de seu site, o CNJ acabou se enveredando por outros meios de
comunicação. Nessa perspectiva, o programa “CNJ Especial Coronavírus” é exibido
semanalmente na TV Justiça e aborda diferentes temas sobre as ações do Conselho
Nacional de Justiça frente à pandemia da COVID-19.
147
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
No capítulo a seguir, o estudo se destina a fazer uma breve análise dos re-
sultados obtidos pelas medidas supramencionadas, bem como considerar possíveis
reflexos da pandemia na prestação jurisdicional brasileira a médio e longo prazo.
Como visto, o CNJ desempenha um papel central dentro do sistema judiciário bra-
sileiro, já que suas decisões refletem diretamente sobre os atos e políticas públicas
do Poder Judiciário, resvalando na vida de todos os cidadãos, pois apesar da função
típica deste Poder ser a jurisdicional, seus órgãos empregam grande parte do tempo
em questões administrativas e financeiras (função atípica), principalmente quanto
à condução dos processos judiciais, a divisão do trabalho entre seus membros, e a
divisão estrutural e material dos seus recursos, imperando a necessidade de coorde-
nação entre as duas funções sobreditas22.
19 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Estabelece, no âmbito do Poder Judiciário, regime de Plantão Ex-
traordinário, para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio
pelo novo Coronavírus – Covid-19, e garantir o acesso à justiça neste período emergencial. Resolução n° 313, de
19 de março de 2020. DJe/CNJ nº 71/2020, em 19/03/2020, p. 3-5. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/
detalhar/3249>. Acesso: 13 jun. 2020.
20 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça; Conselho Nacional do Ministério Público. Nota Técnica referente à
destinação de recursos do Fundo Penitenciário Nacional em face da decretação de Emergência de Saúde Pública
de Importância Nacional para o novo Coronavírus – Covid-19. Nota Técnica Conjunta n° 1 de 28 de abril de 2020.
DJe/CNJ nº 118/2020, de 29/04/2020, p. 4-8. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3292>. Acesso:
13 jun. 2020.
21 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomenda aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas pre-
ventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e
socioeducativo. Recomendação n° 62, de 17 de março de 2020. DJe/CNJ nº 65/2020, de 17/03/2020, p. 2-6. Dis-
ponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3246>. Acesso: 13 jun. 2020.
22 BOCHENEK, Antonio César; DALAZOANA, Vinícius; RISSETTI, Vinícius Rafael. Good Governance e o
Conselho Nacional de Justiça. In: Revista Direito FV. pp. 535-554. São Paulo, jul-dez 2013. p. 535.
148
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
23 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Produtividade Semanal do Poder Judiciário. Regime de teletrabalho
em razão da COVID-19. Disponível em: <https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=ba-
21c495-77c8-48d4-85ec-ccd2f707b18c&sheet=b45a3a06-9fe1-48dc-97ca-52e929f89e69&lang=pt-BR&opt=
currsel& select=clearall>. Acesso: 14 jun. 2020.
24 BRASIL. Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e
Grande Impacto e Repercussão. Ações Judiciais. Disponível em: <https://observatorionacional.cnj.jus.br/observa-
torionacional/index.php/coronavirus-covid19/acoes-judiciais>. Acesso: 14 jun. 2020.
25 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Diárias e Passagens Aéreas. Disponível em: <https://www.cnj.jus.
br/transparencia-cnj/passagens-aereas/>. Acesso: 14 jun. 2020.
149
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Decerto, não é fácil rever e aceitar novas rotinas. Todavia, mesmo diante das
resistências naturais associadas a visões conservadoras no tocante às novas tecnolo-
gias28, acredita-se que períodos de grandes mudanças - como o que ocorre com a
pandemia do coronavírus - propiciam quebras de paradigmas, na medida em que se
provou a eficiência desses meios disruptivos e sua importância para garantir a susten-
tabilidade nos diversos âmbitos sociais.
150
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
países mais virtualizados do mundo, mas que, na medida do possível, não se pode
tirar dos cidadãos, especialmente daqueles mais humildes e nada afeitos às moderni-
dades virtuais, a prerrogativa de acesso físico às repartições judiciais, mas dentro de
padrões sanitários e de máximo respeito à vida e à saúde pública, como se depreende
da última resolução supracitada. Assim, essa aparente antinomia entre o direito à saú-
de e o direito ao acesso à Justiça, facilmente se resolve com a utilização do princípio da
proporcionalidade, vetor hermenêutico que se conecta com a adequação, necessidade
e razoabilidade das medidas tomadas até aqui pelo Conselho Nacional de Justiça.
CONCLUSÕES
Apesar das críticas que sofre de setores da sociedade que o veem como órgão
correicional e gerencial, ou mero coletor de reclamações, mais preocupado em acele-
rar a prestação jurisdicional a partir de metas e decisões padronizadas, o CNJ cumpre
um papel estratégico na fiscalização e organização do Poder Judiciário brasileiro, ten-
do o grande mérito de ter se tornado um espaço para pensar e efetivar melhorias neste
importante Poder, sendo sua composição plural retrato da necessária democratização
das Instituições no País, especialmente no tocante ao acesso à Justiça por parte da
população, exercendo um papel de verdadeiro legitimador social do Judiciário.
151
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
REFERÊNCIAS
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de COVID 19 no Sistema de Justiça – algumas reflexões e hipóteses. In: Revista Juris Poiesis.
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TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. ed. Saraiva, São Paulo:
2020.
153
PARTE II
Capítulo 9
DESAFIOS DA PESQUISA EMPÍRICA
EM DIREITO JUNTO AO CNJ E
A PERCEPÇÃO DE MAGISTRADOS
SOBRE CONHECIMENTO
ESPECIALIZADO
EM TUTELA COLETIVA
CAPÍTULO 9
INTRODUÇÃO
1 Mestranda em Direito do PPGD-UFC. Editora de Seção da Revista NOMOS (UFC). Especialista em Direito
Processual Civil (UNIDERP-ANHANGUERA). Oficiala de Justiça (TJCE).
2 TEIXEIRA, Matheus. Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/justica/
90-do-judiciario-nao-tem-conhecimento-suficiente-sobre-tutela-coletiva-diz-cnj-16012018
157
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
tema, encerrando-se com um indicativo de que 78,7% que acreditam que o conheci-
mento do quadro de pessoal é precário (TEIXEIRA, 2018).
Vale ressaltar que a matéria ainda foi atualizada em 14/06/2018 para o acréscimo
do tópico “Outro lado”, em que se reproduz uma nota encaminhada pelo CNJ ao portal
JOTA, frisando que a pesquisa se tratava de uma encomenda feita a entidades de renome
da academia brasileira3. Assim, segundo informado na nota enviada pelo CNJ ao portal,
Em seu próprio portal, vale ressaltar, o CNJ atribuiu ênfase a outros resul-
tados apresentados pelo relatório, através dos títulos atribuídos às notícias, eviden-
ciando como o escopo de pesquisa foi abrangente e diversos resultados relevantes
poderiam ser apresentados4.
3 No caso específico coube à SBDP, sob coordenação dos professores Conrado Hubner (Universidade de São Paulo)
e Vanessa Oliveira (Universidade Federal do ABC).
4 Na sua aba “Notícias CNJ”, o órgão veiculou em 19/10/2017 a seguinte chamada para anunciar o lançamento da
pesquisa: “Pesquisa indica uso de ações coletivas para defesa de direitos individuais” Disponível em: https://www.cnj.
jus.br/acoes-coletivas-estrategia-para-defesa-de-direitos-individuais/. E noutra notícia, em 15/01/2018, afirmou-se
na chamada que “Ministério Público é o principal autor de ações coletivas na Justiça”. https://www.cnj.jus.br/ministe-
rio-publico-e-o-principal-autor-de-acoes-coletivas-na-justica/
5 Ressalte-se o equívoco da equipe jornalística, pois segundo a reportagem teriam sido ouvidos “magistrados,
promotores e servidores” na pesquisa, quando o questionário (ou Survey) destinou-se somente a magistrados (MEN-
DES et al, 2018, p. 46). Assim, está expressamente registrado no tópico 4.2, inserido na parte de Metodologia, que a
Survey era de percepção dos juízes. E o tópico apresenta a seguinte introdução: “O segundo eixo da pesquisa buscou
conhecer a percepção dos juízes de primeira instância sobre as ações coletivas. Diante do elevado número de magistra-
dos que integram os tribunais selecionados por este projeto, delimitamos o universo do survey às varas que possuem
competência para julgar ações coletivas” (MENDES et al, 2018, p. 46)
158
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
alvo certo para críticas e debates sobre o funcionamento do Poder Judiciário no sentido
de efetivar um melhor Acesso à Justiça, podendo também ser incorporada às discussões
sobre ensino e a avaliação de juristas no Brasil, ambos temas bastante problematizados.
Assim, esse debate será aprofundado para contemplar outro tema familiar a
alguns investigadores, que é a ausência de rigor na pesquisa científica jurídica, no-
tadamente na modalidade empírica, que foi utilizada para a elaboração do relatório.
Inclusive, destaque-se desde já que a Pesquisa Empírica em Direito (PED) já conta
com notáveis iniciativas para seu fortalecimento e disseminação, como no caso da
REED (Rede de Pesquisa Empírica em Direito)6. Contudo, conforme se verifi-
cará, a PED é modalidade pouco difundida, especialmente em se considerando a
desigualdade acadêmica do país7.
6 A organização foi criada em 2011 como uma “organização sem fins lucrativos de professores(as) e pesquisado-
res(as) que promovem iniciativas de pesquisa e reflexões de natureza metodológica e epistemológica no campo das in-
vestigações jurídicas”. E ainda promove eventos e publica semestralmente a Revista de Estudos Empíricos em Direito.
Disponível em: http://reedpesquisa.org/o-que-e-a-reed/
7 Pela literatura levantada parece haver um fortalecimento e um aperfeiçoamento limitado à REED e seus integran-
tes. Ou seja, apesar do trabalho relevante, a organização e suas iniciativas não parecem suficientemente divulgadas no
país. Cite-se ainda a iniciativa do já extinto “Projeto Pensando o Direito”, que funcionou na Secretaria de Assuntos
Legislativos (SAL) do Ministério da Justiça, entre 2007 e 2017, com 61 volumes de pesquisas publicados e 484 propos-
tas submetidas, dentre outros números. Em pesquisas que analisaram o potencial do Projeto em difundir a pesquisa
empírica, a análise se restringia somente às equipes candidatas ao Projeto, sendo a maioria delas do eixo Sul-Sudeste do
país. Cf. HORTA et al. Dez anos do projeto Pensando o direito. Boletim de Análise Político-Institucional. Institu-
to de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). n.17, 2018; HORTA et al. Avaliando o desenvolvimento da Pesquisa
Empírica em Direito no Brasil: o caso do projeto pensando o direito. Revista de Estudos Empíricos em Direito. vol.
1, n. 2, jul 2014, p. 162-183.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
8 Nesse sentido, sobre o debate da profissionalização do pesquisador científico em Direito, cf. Panorama Atual da
Pesquisa em Direito no Brasil – Debate. Cadernos Direito GV, v.5, n.5, Set. 2008 (P. 27 e ss.); BARROS et al. Re-
vista de Estudos Empíricos em Direito. vol. 5, n. 1, mar 2018, p. 25-48 (P. 43 e ss.).
9 Dentre suas críticas à lógica do parecer, Fragale Filho entende que a escolha de fontes que se faz na elaboração de
um parecer não consiste numa seleção, mas num mapeamento, num recenseamento de ideias em que, ao final, se con-
clui com a adjetivação da “opinião”, de modo que se constrói um argumento de autoridade em que a opinião de A
prevaleceria sobre a opinião de B (FRAGALE, p. 25).
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
No Direito essa metodologia teria surgido nos Estados Unidos nas décadas de
1920 e 1930 dado a fatores como a possibilidade de coletas estatísticas sobre o sistema
judicial, o desenvolvimento das primeiras pesquisas criminológicas e o movimento do
realismo jurídico; enquanto no Brasil, por volta de 1970, o emprego dessas técnicas é
atribuído a pesquisadores pioneiros na modalidade10, muitos deles estudiosos da socio-
logia jurídica. Contudo, verificou-se um gradual aumento no número de trabalhos que
utilizavam tal método “por conta da positivação de direitos pela Constituição de 1988 e
do interesse pela realização de investigações sobre sua efetivação, bem como do estímulo
à discussão e promoção desses modelos de pesquisas” (HORTA et al, 2014, p. 166).
Esse fenômeno é tratado por Fábio de Sá e Silva pela exposição de dois, num
total de cinco, vetores de fortalecimento da PED11, que seriam a “apropriação do
direito por outros atores acadêmicos (e sociais)” e também como um “chamado das
políticas públicas”. Eles consistem, respectivamente, no fato de que “o direito e o sis-
tema de justiça passam a despertar o interesse de diversos outros atores, na academia
10 São indicados nomes como Joaquim Falcão, Cláudio Souto, Roberto Lyra Filho, Roberto Aguiar, João Batita
Herkenhoff, Edmundo Lima Arruda Jr., Luís Warat, José Eduardo Faria, Celso Campilongo, José Geraldo de Sousa Jr.,
Luciano Oliveira e Eliane Junqueira. (HORTA et al, 2014)
11 O autor originalmente detalha esses vetores em seu trabalho publicado em 2016. Contudo, em nova publicação
(2018) ele as sintetiza a fim de desenvolver outras ideias.
162
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Esse mal-estar criado, contudo, foi positivo, porque levou uma parte da
pós-graduação das faculdades de Direito a ser dominada por gente que tinha dupla
formação e, desse modo, tais pesquisadores implementavam metodologias de outras
áreas das ciências sociais, o que até teria gerado uma perda de identidade do Direito,
segundo o autor (VIEIRA, 2008, p. 45).
Quanto aos avanços, aos acadêmicos foi possível descobrir as inigualáveis pos-
sibilidades de coleta e produção de dados que as pesquisas empíricas proporcionavam,
principalmente as que ocorriam em um contexto de apoio institucional – o que se com-
preenderá mais à frente, em que órgãos como o CNJ, o Ipea e o Ministério da Justiça
tiveram papel decisivo – como pelo trabalho em rede que “permitiram formação de
grandes bancos de dados, cujo potencial para a produção de conhecimento inovador era
potencialmente muito maior que a dos estudos de caso localizados que, até então, cons-
tituíam o padrão de excelência dos estudos empíricos em direito” (SILVA, 2018, p. 15).
163
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Por outro lado, ainda há muitos desafios que precisam ser reconhecidos e en-
frentados. E nesse sentido, vale registrar de início o que alertam autores como Lucia-
na Cunha (2011)12 e Epstein e King (2014)13, quanto ao fato de que a simples opção
pela pesquisa empírica em direito não poder ser automaticamente tida como positiva.
Isto é, só porque o pesquisador opta por uma pesquisa voltada para realidade, não se
pode presumir uma qualidade intrínseca a ela.
12 “Tenho visto que, de forma geral, a pesquisa empírica tem sido avaliada como de alta qualidade, essencial, impor-
tante, simplesmente porque é pesquisa empírica. Como se a simples “empiria”, seja lá o que ela signifique, garanta a
qualidade da pesquisa [...] independentemente de se é pesquisa empírica ou doutrinária, se analisarmos com cautela e
com critérios científicos: o que é a pesquisa empírica em direito e qual é a pergunta que queremos fazer para o objeto
que estamos olhando? [...] sou muito cautelosa em assumir que, pelo simples fato de estarmos fazendo pesquisa empí-
rica, ela seja válida e de boa qualidade” (CUNHA, 2011, p. 53).
13 “Enquanto muitos acadêmicos já compreendem a importância dessas diretrizes, percebemos que, para outros, isso
causa arrepios. Eles perguntarão: ‘Não é suficiente que nós direcionemos a pesquisa a problemas reais?’ Por pelo menos
quatro razões, a resposta é não” (EPSTEIN; KING, 2014, p. 72).
164
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
nas lutas disciplinares de que participavam, e para os últimos era mais importante
que as pesquisas respondessem a questões práticas e sinalizassem potencial para serem
implementadas no interior do estado (2018, p. 15).
Além disso, dentro do nítido espectro político em que essas agendas de pes-
quisas para políticas públicas costumam ser necessárias existe a inconstância quanto
à sua manutenção. Tanto que, como um nítido exemplo do recente desinteresse de
fomentar essa ponte entre pesquisadores e burocratas se deu com a extinção do Pro-
jeto Pensando o Direito, da também extinta Secretaria de Assuntos Legislativos (por
força do Decreto no 9.150, de 4 de agosto de 2017), que talvez tenha se revelado
desafiador não por sua operacionalização, mas, como bem apontam Horta et al, por
seu caráter inovador e dinâmico, pouco frequente na administração pública e que se
configura em mais uma lamentável descontinuidade institucional que, infelizmente,
é frequente no histórico de governos brasileiros (2018, p. 25).
1.2. O Acesso à Justiça pelas pesquisas judiciárias do CNJ e uma análise do Relatório
Analítico Propositivo sobre Ações Coletivas de 2018 (RAPAC)
Criado por ocasião da emenda constitucional n.º 45, no ano de 2004, pela
renomada “Reforma do Judiciário”, o Conselho Nacional de Justiça representou des-
de a sua concepção uma considerável revolução na maneira como o Poder Judiciá-
rio poderia funcionar. Inclusive, juntamente com a Reforma na Segurança Pública,
pautava-se uma agenda política de mudanças institucionais profundas, evidenciando
14 Tais órgãos se revelam decisivos para equilibrar as tensões políticas entre pesquisadores e burocratas, porque per-
mitem fixar um quadro relativamente estável de servidores na estrutura desses órgãos (SILVA, 2018, p. 15).
165
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
um alinhamento muito preciso de agentes e contextos para a época vivida, apesar das
resistências naturais a transformações tão intensas15.
15 Segundo Fábio de Sá e Silva, “[o] impulso de reformas está ligado ao relativo fortalecimento do papel do Executi-
vo nas áreas de justiça e segurança pública. Seja por conta da popularidade do ex-presidente Lula, seja por conta da
reputação profissional e da estabilidade no cargo do então ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, o Executivo
passou a dispor de inédito poder de agenda nessas áreas. Esse poder, todavia, nunca foi absoluto. Reformas na justiça e
na segurança pública afetam diversas corporações e grupos de interesse, sendo, por isso, de elevado potencial conflitivo”
(2018, p. 13).
166
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Assim, é possível afirmar que o CNJ, juntamente com os outros órgãos que incor-
poraram iniciativas semelhantes (Ministério da Justiça, Ipea, etc.), contribuiu para uma
verdadeira revolução na aproximação entre os gestores de políticas públicas e acadêmicos.
Permitia-se, dessa maneira, que os acadêmicos se debruçassem sobre problemas reais e
que, uma vez superados, representavam uma grande contribuição para a sociedade.
É então nessa exata série, no segundo edital convocatório, que está enqua-
drado o projeto de pesquisa que resultou no “Relatório Analítico Propositivo – Justiça
Pesquisa – Direitos e Garantias Fundamentais – Ações Coletivas no Brasil: temas, atores
e desafios da tutela coletiva” (RAPAC). Trata-se de mais uma pesquisa empírica desti-
nada a compreender um primas da realidade do Poder Judiciário brasileiro e nortear
medidas de aperfeiçoamento.
Assim, os autores ressaltam como tem sido positivo que o método empírico
tenha ganhado espaço em detrimento do viés teórico, pois “[q]uando se considera
que a função de um processo é solucionar problemas reais, de pessoas reais, esse viés
investigativo é, pelo menos, questionável” (VITORELLI, ZANETTI JR. 2019).
167
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Para alcançar esse objetivo, foi traçado um desenho de pesquisa que se dividiu
em três frentes complementares que podem ser resumidas a seguir:
16 “Centrando seu foco de preocupação especificamente nos interesses difusos, esta segunda onda de reformas forçou
a reflexão sobre noções tradicionais muito básicas do processo civil e sobre o papel dos tribunais. [...] A concepção
tradicional do processo civil não deixava espaço para a proteção dos direitos difusos [...] A visão individualista do devi-
do processo judicial está cedendo lugar, rapidamente, ou melhor, está se fundindo com uma concepção social, coletiva.
Apenas tal transformação pode assegurar a realização dos “direitos públicos” relativos a interesses difusos.” (CAPPELLE-
TTI; GARTH, 1988).
168
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
(i) entender o que dizem as ações coletivas existentes no Brasil, quais são
seus temas e quais são os problemas enfrentados em seus julgamentos;
Não custa reforçar que a providência que deveria ter sido tomada para redu-
zir um escopo de pesquisa muito largo seria o recorte, essencial para o pesquisador
que atenda a chamado institucional como é o caso ora estudado17. Nesse sentido,
17 Fábio de Sá e Silva comenta que “[a]o convocarem acadêmicos para que examinem um objeto ou problema em
profundidade, gestores esperam respostas rápidas e apropriáveis em seus processos cotidianos de tomada de decisão.
Acadêmicos, por outro lado, em geral se preocupam mais com o valor teórico de suas possíveis descobertas. Por isso,
tendem a pleitear prazos mais dilatados e projetos com escopo mais amplo, a fim de que lhes seja possível dialogar com a
literatura acumulada e com outras preocupações correntes em seu campo de estudo” (2016, p. 36). Assim, um recorte
rigoroso, que garanta viabilidade à pesquisa, é providência essencial para uma pesquisa institucionalmente selecionada
por edital público.
169
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
18 Para isso o artigo se estruturou nos seguintes tópicos: i) a revisão da literatura, apontando uma mistura indevida
de considerações teóricas e práticas; ii) sobre o objeto e os problemas de pesquisa, demarcando a temática da atuação
extrajudicial; iii) a pesquisa quantitativa em bancos de dados, debatendo a seleção pouco significativa de casos e apon-
tando hipóteses não justificadas pelas pesquisas empíricas; e finalmente, iv) destacam problemas apresentados na con-
dução da Survey entre os magistrados, tanto quanto ponderando sobre o questionário elaborado, como sobre a análise
das respostas.
170
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Nesse sentido, encerra-se este artigo demonstrando que, mesmo com uma pos-
sível condução não-rigorosa do Survey, o RAPAC ainda apresentou uma conclusão que,
especialmente quando noticiada da maneira chamativa pelo portal JOTA, é relativa-
mente compatível com o contexto estrutural da formação e avaliação jurídica no Brasil.
Entende-se, desse modo, que houve um “acerto acidental” da pesquisa, que significa
que, apesar da inobservância estrita da metodologia que levou a resultados despropor-
cionais, ainda foi identificado um problema real e é merecedor da atenção de futuras
pesquisas e providências para otimizar políticas de gestão judiciária e educacionais.
Para examiná-la no presente tópico, serão verificados dois aspectos tidos aqui
como fundamentais sobre como ela foi conduzida considerando as principais dire-
171
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
trizes para uma pesquisa tipo Survey. Assim, se refletirá sobre: i) a amostragem de
entrevistados e ii) a utilidade e precisão do questionário19.
Como bem aponta Earl Babbie, a amostragem é necessária por razões óbvias
de tempo e custo, afinal, um clínico que examina o sangue de uma pessoa não precisa
retirar todo o sangue dela, para depois selecionar uma amostra probabilística de célu-
las sanguíneas (2005, P. 118).
19 Cumpre mencionar que as análises da Survey, neste estudo dialogam com apenas algumas, mas não todas, avalia-
ções feitas por Vitorelli e Zanetti, principalmente quanto a perguntas sobre o conhecimento em tutela coletiva. Assim
recomenda-se a leitura do artigo, notadamente quanto à discussão do tópico 5.3, que trata do “Enviesamento na análi-
se das respostas da survey”, que trata sobre como o percentual das respostas foi tendenciosa e indevidamente somado.
20 A escolha dos tribunais analisados é relativamente justificada no tópico 4.1, em que se informa, de modo geral,
que eles foram selecionados considerando o porte e a região geográfica desses tribunais, resultando em 14 órgãos. Con-
ferir p. 33 e seguintes do Relatório. Já para o Survey foi limitado o universo de 11 tribunais do país - cinco federais e
seis tribunais de justiça – inicialmente selecionados para análise. Logo, havia um total de 2.529 varas com esse perfil. E
nesse universo houve seleção, embasada em fórmula matemática apresentada, com um intervalo de confiança de 95%.
Conferir p. 46 e seguintes do Relatório.
21 A supressão da escolha metodológica e a fonte de onde se extraiu a referida fórmula inclusive viola a prescrição de
Epstein e King (2014), que relembram que a pesquisa é um empreendimento social e que, por isso, deve ser orientada,
dentre outros deveres, pela documentação seus procedimentos. E, segundo eles, os juristas tendem a violar a regra da
replicação, pois não se atentam para essa necessidade de “documentar seus procedimentos quanto aos dados, nem, como
apressamo-nos a anotar, estabeleceram procedimentos para garantir a necessária atenção ou repositórios (públicos ou
privados) para seus dados” (P. 57).
172
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
22 São modalidades investigativas, inclusive, que têm bastante utilidade, pois tendem a revelar uma hegemonia de
perfis, como foi o caso do Censo Nacional do Poder Judiciário sobre a implantação de cotas para negros no ingresso na
magistratura, que resultou na aprovação da Resolução n. 203/2015 do CNJ. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/
pesquisas-judiciarias/censo-do-poder-judiciario/ . Assim como foi elaborada pesquisa sobre o perfil do professor de
Direito no Brasil, eminentemente branco e masculino. Disponível em: https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/
files/arquivos/relatorio_oed_out_2013quem_e_o_professor_de_direito_no_brasil.pdf
173
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Logo, dentre várias reflexões sobre a elaboração textual dessas assertivas, apre-
senta-se mais uma pertinente observação levantada por Vitorelli e Zanetti, é de que
a construção da assertiva com a expressão “conhecimento especializado em matérias
de direitos coletivos”, confere uma dubiedade, pois é possível que o conhecimento
objeto da questão não correspondesse a conhecimentos jurídicos ou processuais sobre
o universo da tutela coletiva. Ou seja, “[i]sso significa que os juízes podem estar levan-
do em conta para responder ao questionamento a necessidade de conhecimentos em
matéria de saúde e educação pública, de engenharia ambiental biologia, mineralogia,
engenharia, espeleologia etc.” (2019, Item 5.3).
23 O relatório de pesquisa não anexou os questionários confeccionados, o que novamente implica inobservância da
diretriz de o pesquisador documentar seus procedimentos, como afirmam Epstein e Lee (2014, P. 57).
174
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Dessa maneira, vale lembrar que na mensagem do CNJ ao portal JOTA, viu-
-se que o órgão, mesmo desconsiderando a representatividade da amostra consultada,
como analisado no tópico anterior, contraditoriamente ainda reputa válida a afirma-
ção sobre a insuficiência de conhecimento ao atribuir esse conhecimento deficitário
ao ensino ministrado nas faculdades de Direito, já que afirmam que ele “não é ple-
namente adequada em temas relacionados aos direitos coletivos e aos instrumentos
processuais para tutelar tais direitos” (TEIXEIRA, 2018).
175
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Para isso, cumpre primeiro saber que o senso comum, como aponta Marques
Neto, é o “tipo de conhecimento eminentemente prático e assistemático que rege a
maior parte de nossas ações diárias” (2001, p. 38). Assim, surge um novo ponto de
partida para a investigação, que se dará com a problematização dessa realidade verifi-
cada no RAPAC e que, a partir de então, se entendem como representativas do senso
comum entre os juristas.
Dessa forma, lembra-se que “[a] realidade, em si mesma, não apresenta pro-
blema algum. Nós é que a problematizamos e procuramos explicá-la” (MARQUES
NETO, 2001, p. 41). E essa problematização é necessária porque, como lembram
Lima e Baptista, “o Direito não pode ser estudado de forma dissociada do seu campo
social de atuação porque ele é parte integrante desse espaço, constituindo-se no aspec-
to normativo de cada sociedade” (2014, p. 06).
176
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Para ele, o direito processual coletivo como novo ramo do direito processual
brasileiro, pautado por diretrizes constitucionais, sendo a sua natureza jurídica de
um “direito processual-constitucional-social, cujo conjunto de normas e princípios a
ele pertinentes visa disciplinar a ação coletiva, o processo coletivo, a jurisdição cole-
tiva”, etc. (ALMEIDA, 2007, p. 58-59). E, com maior reflexão, é possível relembrar,
invocando o senso comum, como o tema da tutela coletiva está inserida em várias
disciplinas, como é o caso de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito
Ambiental, etc. Afinal, em cada uma delas há pertinência em compreender os institu-
tos da Ação Popular, da Ação Civil Pública, por exemplo.
Para isso, vale registrar que se reconhece que não ser necessariamente pela
codificação que um ramo do Direito obtém sua respectiva autonomia disciplinar.
Toma-se por exemplo os casos do Direito Administrativo e Direito Ambiental, des-
24 À época da fala do autor Nery Jr., no ano de 2009, o CPC vigente, de 1973, era eminentemente preocupado com
a lide individual e vinha sendo, segundo ele, mutilado por diversas reformas. Logo, especialmente em razão de o CPC
da época não dialogar com a tutela coletiva, ele era favorável à codificação do Direito Coletivo. Mas em sua fala, que se
recomenda a leitura, consigna uma série de alertas sobre como essa inovação legislativa não seria garantia de boa aplica-
ção. Nesse sentido, reforça o autor como o CPC/73 foi desfigurado, de modo que ele apontava não ser contra aperfei-
çoamento de leis, mas que se insurgia com “a afoiteza com que as coisas são feitas e pela falta de cientificidade e profis-
sionalismo na condução dessas matérias” (2009, p. 148).
177
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
providas de código único, mas reconhecidas como relevantes ramos autônomos para
fins de compreensão e avaliação. E, no caso da tutela coletiva, entende-se desde já que
sua falta de autonomia não é uma decorrência direta da ausência de um Código25. E
nem se considera problemática a falta de varas especializadas na matéria, que foram
ideias inclusive mencionadas no relatório26.
Contudo, é pertinente uma breve incursão nas principais ideias lançadas nos
debates sobre uma codificação do processo civil, num movimento relativamente ex-
pressivo e que, apesar de estar aparentemente suspenso até o presente momento, ain-
da é possível verificar alguns fatores que demonstram alguns obstáculos para uma
autonomia disciplinar do assunto.
25 Menciona-se “Código de Processo Coletivo” nas pp. 142, 145 e 221 do RAPAC. E, além do que se sabe sobre disci-
plinas como as mencionadas, em que um Código único é dispensável para que haja o ensino especializado sobre seus
universos teóricos, remete-se mais uma vez ao que observa Nery Jr., de que “[o] problema não é normativo, mas de efeti-
vidade do processo. Temos leis muito boas, o que não temos são pessoas capazes de aplicar essas leis boas. São problemas
culturais, sociais e políticos. Existem muitas barreiras ideológicas contra a ação coletiva.” (2009, p. 149). Verifica-se, por-
tanto, que os desafios em aplicar a legislação referente ao processo coletivo se relaciona mais com uma vontade política – e
também com capacidade técnica, como se verá – do que necessariamente à existência de uma boa arquitetura normativa.
26 Menciona-se “Varas especializadas” nas pp. 98, 145, 215 e 217 do RAPAC. Sobre a situação das varas especiali-
zadas, Vitorelli e Zaneti dedicam tópico específico (6.3) e basicamente indicam que não são apontados achados empí-
ricos que validassem a proposta. Ademais, sobre o tema, recomenda-se a pesquisa conduzida pela Associação Brasileira
de Jurimetria (ABJ), que levou à criação de duas varas empresariais no TJSP. Cf. https://abj.org.br/wp-content/
uploads/2018/01/ABJ_varas_empresariais_tjsp.pdf
27 Trata-se de um documento produzido no âmbito do Instituto Íbero-americano de Direito Processual e que tem
por objetivo a “unificação e harmonização de normas entre países que possuem razoáveis semelhanças em termos de
sistemas jurídicos, bem como o fomento de modificações que estejam em sintonia com as necessidades de inovações
segundo o consenso ou a maioria da doutrina destas nações” in MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. O código
modelo de processos coletivos do Instituto Ibero-americano de Direito Processual. Revista da Seção Judiciária
do Rio de Janeiro, p. 19-48, 2007. Logo, como se verifica da definição, não se trata de um instrumento jurídico
vinculante, mas um parâmetro normativo para futuras elaborações.
178
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
28 As primeiras, mais difundidas e praticamente equivalentes à ideia de tutela coletiva, agora eram acompanhadas
por esses novos instrumentos que, segundo doutrina mais recente, não se havia consenso, ainda, sobre sua natureza de
técnica de processo coletivo. Na medida em que Didier Jr., Zaneti Jr. e Aluísio Mendes entendem afirmativamente,
Sofia Temer (Incidente de resolução de demandas repetitivas. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 91-92) entenderia que não.
29 Vale destacar que em dezembro de 2018 entraram em vigor as novas diretrizes curriculares da graduação em Direito,
na Resolução n. 5/2018 do CES/CNE. E dentre as reformulações, como explica, Horácio Rodrigues “os conteúdos e
competências a serem inseridos no eixo de formação profissional devem abranger os diversos ramos dos direitos [...] levan-
do em consideração a evolução do Direito e sua aplicação à realidade brasileira”. Havendo inclusive três novos conteúdos
obrigatórios (Art. 5º), sendo um deles a disciplina de “Formas Consensuais de Solução de Conflitos”, revelando certo
vanguardismo em prol de uma mudança de cultura. Propõe-se, então, que se reflita sobre como uma onda do Acesso à
Justiça pôde ter sido tão valorizada e a tutela coletiva, aparentemente, permanecer em uma relativa secundarização.
179
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Essas, contudo, são afirmações iniciais e que certamente instigam novos apro-
fundamentos, inclusive pela aplicação da metodologia empírica, de modo que sejam
mapeados, por exemplos, quantos cursos de graduação em Direito apresentam disci-
plinas ativas de Direito Processual Coletivo, bem como investigação do número de
cursos de pós-graduação em que o assunto seja estudado – parcial ou exclusivamente
– ou ainda de programas de educação continuada de atualização, que são inclusive
promovidos por escolas institucionais, como escolas da magistratura. E também seria
possível apurar a constância da temática “Tutela coletiva” nos principais processos
avaliativos, como o Exame da Ordem e nos Concursos Públicos, sobre como esse
tema tem sido tratado nos editais.
CONCLUSÃO
180
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
A partir do segundo tópico, foi possível concluir que a Survey realizada des-
cumpriu algumas diretrizes basilares para a referida técnica, tendo sido analisados os
aspectos da amostragem e na baixa relevância da ferramenta para a informação que
pretendia ser obtida. Afinal, extrair a percepção dos magistrados, que como todo o ser
humano estão sujeitos a vieses comprometedores de uma visão objetiva da realidade,
não se revelou a melhor forma de conhecer a capacitação de juízes e servidores sobre
o universo temático da Tutela Coletiva.
Desse modo, percebe-se que muitas são as dinâmicas que permeiam esse
universo temático e que parecem decisivas para que se decida sobre a natureza desse
tema, seja como disciplina universitária das graduações em Direito no país ou
como campo especializado de cursos de pós-graduação, ou seja objeto de avaliações
oficiais, como o Exame da Ordem ou nos concursos públicos de carreiras jurídicas.
E assim surgiria inclusive nova chance de investigar o cenário de ensino e avaliação
da Tutela Coletiva no Brasil, a partir de um mapeamento.
181
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
REFERÊNCIAS
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183
Capítulo 10
(RE)PENSANDO OS NÚCLEOS
DE PRÁTICAS JURÍDICAS COMO
INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO
DO ACESSO À JUSTIÇA SOB
A ÓTICA DA RESOLUÇÃO
No. 5 DO CNE/CES
CAPÍTULO 10
INTRODUÇÃO
1 Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará; MBA em Gestão Empresarial pela
Fundação Getúlio Vargas; Advogada OAB/CE; Secretária Geral da Comissão de Direito e Tecnologia
da Informação da OAB/CE.
187
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
tratamento transversal dos conteúdos, além de uma série de ações para integração
entre teoria e prática.
188
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Tanto é, que o artigo 3º, caput, da Resolução, afirma que o curso de graduação
em direito deve garantir ao estudante uma sólida formação geral e humanística, que
contribua para a sua capacidade de análise e domínio de conceitos, bem como na
sua habilidade de argumentação interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos
e sociais, além de demonstrar autoridade na aplicação das formas consensuais de
composição de conflitos, somada às competências reflexiva e crítica, que promova
o aprendizado, a autonomia e a dinâmica indispensáveis ao exercício do Direito, à
prestação da justiça e ao desenvolvimento da cidadania (BRASIL, 2018).
189
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
2 Esta mesma linha de pensamento verifica-se na obra de Rodrigues (2019), bem como no artigo de
Fincato (2010).
190
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
191
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
192
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
série de fatores que precisavam ser superados para que o sistema judicial fosse acessível
a todos e produzissem resultados individuais e socialmente justos, os quais foram
sistematizados sob a nomenclatura de “ondas” de acesso à justiça, sendo três as ondas
de maior impacto no sistema judicial: a primeira onda, sendo a assistência judiciária
aos pobres; a segunda, a representação dos interesses difusos; e a terceira, seria um
novo enfoque de acesso à justiça (CAPELLETI, GARTH, 1998).
Esta nova perspectiva analítica deriva do fato de que a essência do problema não
está mais limitada ao acesso dos cidadãos à justiça, pois já há mecanismos que asseguram
este acesso, mas que inclui também o acesso dos próprios advogados à justiça. E tal
acesso se daria através da formação acadêmica do estudante de direito, que deveria
moldar o caráter profissional dos estudantes, transmitindo os valores da transformação
social que a lei pode fomentar nos indivíduos (ECONOMIDES, 1999).
193
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Neste ensejo, verifica-se que alguns dos problemas que se apresentam ao efe-
tivo acesso à justiça decorrem de uma deficiência na formação profissional de diversos
operadores jurídicos. O formalismo verificado na educação jurídica tem origem em
partes na formação positivista que não permite aos bacharéis em Direito o desenvolvi-
mento do raciocínio jurídico e do senso crítico necessários para se apropriarem de sua
função na sociedade, pois não se pode ter um efetivo acesso à justiça sem profissionais
devidamente qualificados; não se pode ter profissionais qualificados sem um bom
nível de ensino. (RODRIGUES, 1994).
194
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
que só uma formação acadêmica crítica e voltada para a cultura do consenso podem
proporcionar ao bacharel em direito.
195
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
para preparar o discente para um mercado de trabalho cada vez mais insuflado de
profissionais que não tem competências básicas para a gestão de conflitos.
No quarto ano, deve-se articular a teoria e a prática por meio das clínicas
jurídicas (RODRIGUES, 2019), dentro dos quatro modelos distintos de clínicas:
1) assistência jurídica, com a atuação supervisionada dos alunos em litígios reais;
2) pesquisa, com a prestação de consultoria técnica e elaboração de pareceres; 3)
simulações, representando as partes em um dado conflito por meio de exercícios de
simulação, como nas constelações sistêmicas; 4) estágio prático, por meio do qual
o estudante poderá atuar em órgãos do Poder Judiciário, escritórios de advocacia,
ONGs, dentre outros (MACHADO; ALVES, 2006).
196
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Por fim, a proposta apresentada de (re)pensar um NPJ que não seja mero
coadjuvante na formação dos alunos, mas verdadeiro protagonista no que diz respeito
a ocupar um papel fundamental na construção de competências multidisciplinares
e técnicas do profissional do Direito, é necessária para que se pense esse espaço
como um ambiente propício à implementação da mudança da cultura de ensino
jurídico, fomentando o consenso desde o início da formação do bacharel em direito,
funcionando como um instrumento de efetivação do acesso à justiça.
CONCLUSÃO
197
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
REFERÊNCIAS
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199
Capítulo 11
LITIGANTES HABITUAIS FRENTE
À MASSIFICAÇÃO DE DEMANDAS
E CONGESTIONAMENTO DO
JUDICIÁRIO NO BRASIL
CAPÍTULO 11
INTRODUÇÃO
203
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
2 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Os 100 maiores litigantes. Brasília: CNJ, 2012, p. 4
204
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
3 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2019. Brasília: CNJ, 2019, p. 79.
205
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
4 PIMENTA, José Roberto Freire. A conciliação judicial na Justiça do trabalho após a Emenda constitucional
n 24/99: aspectos de direito comparado e o novo papel do juiz do trabalho. Revista do Tribunal Regional do
Trabalho da 3ª Região. Belo Horizonte, v. 32, n. 62, p. 29-50, jul./dez., 2000, p. 41.
206
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Convém, finalmente, destacar algumas das medidas adotadas pelo Poder Judiciário
a fim de controlar a litigiosidade repetitiva. Primeiramente, enfatiza-se a própria
reestruturação do Judiciário através da criação de juizados especiais e varas especializadas.
Também é importante ressaltar o estímulo à adoção de mecanismos alternativos à resolução
de conflitos, como a mediação e a conciliação. Conforme José Morais6:
Em contrapartida aos processos judiciais que, lentos, mostram-
se custosos, os litígios levados à discussão através do Instituto da
Mediação tendem a ser resolvidos em tempo muito inferior ao que
levariam se fossem debatidos em Corte tradicional, o que acaba por
acarretar uma diminuição do custo indireto, eis que, quanto mais
de alongar a pendência, maiores serão os gastos com a sua resolução.
5 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça: Trad. Ellen Grancie Northfleet. Porto Alegre:
Fabris, 1988, p. 25.
6 MORAIS, José Luis Bolzan; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem: alternativas à
Jurisdição. 3. Ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 129.
7 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 11 ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2019, p. 1.491.
207
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça: Trad. Ellen Grancie Northfleet.
Porto Alegre: Fabris, 1988.
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d=y. Acesso em: 26 de outubro de 2019.
209
Capítulo 12
ASPECTOS GERAIS E
CONTROVERTIDOS DO
PROCEDIMENTO ESPECIAL DE
INTERDIÇÃO: POR SOLUÇÕES
CRIATIVAS EM PROL
DA CELERIDADE E
DO ACESSO À JUSTIÇA
SUMÁRIO: Introdução. 1.1 Principais normas. 1.2 Teoria das Incapacidades. 1.3 Curatela
1.4 Procedimento na Interdição. 2. Inovações trazidas pelo CPC/2015. 2.1 Curatela
Repaginada. 2.2 Artigos do Código Civil revogados pelo CPC/2015 e repristinados pela
Lei nº 13.146/2015. 3. Aspectos controvertidos do Procedimento de Interdição: breves
apontamentos da práxis jurídica. 3.1 A citação do interditando. 3.2 A realização de
audiência una 3.3 É possível a Inspeção Judicial Indireta? 3.4 Da prova emprestada nos
processos previdenciários oriundos de Juízos Federais e o procedimento de revogação da
tutela. Considerações finais. Referências bibliográficas.
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CAPÍTULO 12
INTRODUÇÃO
Como todo sistema normativo, o Código Civil sofre o influxo de outras normas
que lhes alteram o conteúdo, como ocorreu com o advento do Estatuto da Pessoa
com Deficiência, Lei nº 13.146/2015. Tal diploma veio regulamentar a Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, realizada em Nova York, em 2007, que
foi subscrita pelo Brasil e que ingressou em nosso ordenamento jurídico por meio do
Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, que o aprovou e, posteriormente,
com a promulgação do Decreto Presidencial nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, teve
iniciada sua vigência. A referida Convenção foi aprovada na forma do art. 5º, §3º da
Constituição Federal, alcançando, pois o status de Emenda Constitucional.
1 Mestrando em Direito pela UFC. Especialista em Direito Administrativo Empresarial pela UCAM/RJ. Juiz de
Direito no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.
213
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Além disso, as pessoas que, por causa transitória ou definitiva, não puderem
exprimir vontade deixaram de compor o inciso III do art. 3º, e agora constam do art.
4º, III, como relativamente incapazes.
2 FARIAS, Cristiano Chaves de; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Estatuto da Pessoa com Deficiência Comentado.
Salvador. 1ª edição. Editora Juspodivm, 2016.
214
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
1.3. A Curatela
3 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 8ª edição. São Paulo. Editora Método, 2018, p.1601.
4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Direito de Família. Atual. por Tânia da Silva Pereira. Rio de Janeiro. Forense,
2004, v. 5, p. 477 e 479.
215
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Só as pessoas capazes têm a ampla aptidão para praticar os atos da vida civil.
Como os incapazes também podem ser sujeitos de relações jurídicas, a lei supre sua
incapacidade por meio da representação ou da assistência (CC, art. 120). No caso dos
filhos menores, cabe aos pais representá-los até os dezesseis anos e assisti-los após essa
idade (CC, art. 1.690, caput).
Na ausência dos pais, essa função se transfere para o tutor (CC, arts. 1.728
e 1.747, I). Assim, a tutela é atribuída pela justiça a uma pessoa adulta capaz de
responsabilizar-se e administrar bens dessas crianças e adolescentes.
5 Sobre a problemática da vigência da Lei 13.146/2016, que também tratou sobre a curatela, ver TARTUCE, op. cit., p.1623/1624.
6 DIDIER JR, Fredie; CABRAL, Antônio do Passo; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Por uma nova teoria dos Procedimentos Especiais: dos
procedimentos às técnicas. Salvador. Editora Juspodivm. 1ª ed. 2018, p. 22/24.
216
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Além disso, o pronunciamento do Juiz não se destina a formar a coisa julgada entre
as partes, mas a gerar uma eficácia erga omnes, conforme melhor se explicará à frente.
2. INOVAÇÕES DO CPC
7 Dentre outros GRECO, Leonardo. Jurisdição Voluntária Moderna. Ed. Dialética. 1ª Edição. 2003; MARQUES, José Frederico. Ensaio sobre
a Jurisdição Voluntária. Ed. Millennium. 1ª Edição. 2000. O primeiro autor assim conceitua: Em perspectiva puramente descritiva, diz-se que jurisdição
voluntária é uma modalidade de atividade estatal ou judicial em que o órgão que a exerce tutela assistencialmente interesses particulares, concorrendo com o
seu conhecimento ou com a sua vontade para o nascimento, a validade ou a eficácia de um ato da vida privada, para a formação, o desenvolvimento, a
documentação ou a extinção de uma relação jurídica ou para a eficácia de uma situação fática ou jurídica. há atos da vida privada das pessoas, situações
fálicas ou relações jurídicas, que, independentemente da existência de uma lide, somente podem formar-se, modificar-se, documentar-se, extinguir-se ou
produzir efeitos com a intervenção de uma autoridade estatal. quando essa autoridade é um juiz, costuma-se qualificar o procedimento destinado a obter
o necessário pronunciamento judicial como um procedimento de jurisdição voluntária.
8 THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Volume II. São Paulo. 53ª edição. Editora Forense, 2016, p. 523.
9 Ibid., p. 523.
217
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Não foi revogado, contudo, o art. 1.767 do CC/2002, que define as pessoas
que estariam sujeitas à curatela: (I) aquelas que, por enfermidade ou deficiência men-
tal, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil; (II) aqueles que,
por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade; (III) os deficientes
mentais, ébrios habituais e viciados em tóxico; (IV) os excepcionais sem completo
desenvolvimento mental; (V) os pródigos.
Por outro lado, o fato de os dois projetos tramitarem ao mesmo tempo não
evitou que as duas normas contivessem disposições aparentemente conflitantes10. É
o caso dos arts. 1.768, 1.769 e 1.771 do Código Civil, os quais foram revogados pelo
CPC/2015 e tiveram sua redação modificada pela Lei nº 13.146/2015.
218
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Além dessas alterações, o Estatuto declara que a deficiência não afeta a plena
capacidade civil da pessoa, inclusive para exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e
à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas (art. 6º, VI, da Lei no 13.146/2015). Essa disposição tem impactos diretos no
CPC/2015, na medida em que limita a interdição aos atos patrimoniais do interdito,
alterando a sistemática do art. 757, da legislação processual. A extensão da curatela
à pessoa e aos bens do incapaz que se encontrar sob a guarda e a responsabilidade do
curatelado ao tempo da interdição passa a ser exceção e não regra.
219
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade (inc. I);
(b) os ébrios habituais e viciados em tóxico (inc. III) e (c) os pródigos (inc. V).
De acordo com o art. 1.775-A, que foi acrescentado ao Código Civil, o juiz
poderá estabelecer curatela compartilhada a mais de uma pessoa.
Por derradeiro, a nova redação do art. 1.777 do CC tem como objetivo assegurar
ao curatelado a convivência familiar e comunitária, devendo evitar o recolhimento
em estabelecimentos que os afaste desse convívio. A redação anterior dispunha que
os interditandos seriam recolhidos em estabelecimentos adequados, quando não se
adaptarem ao convívio doméstico, o que na prática, ocasionava inúmeros abandonos
com a chancela legal. Ainda que a prática possa conter casos ilustrativos, a alteração legal
serve como vetor para que o Juiz analise e delineie melhor as obrigações da curatela.
2.3. Artigos do Código Civil revogados pelo CPC/2015 e “repristinados” pela Lei no
13.146/2015.
O art. 114 da Lei no 13.146/2015 deu nova redação ao art. 1.768 do Código
Civil, para incluir o interditando entre os legitimados a requerer a própria curatela.
Tendo em vista a revogação desse artigo pelo CPC/2015, restaria a dúvida sobre quais
as disposições estariam vigentes.
Recebeu nova redação o art. 1.769 do CC, também revogado pelo CPC/2015.
Nesse caso, o artigo foi revogado em razão de a norma processual dispor que o
Ministério Público pode promover a interdição somente em caso de doença mental
grave (art. 748 do CPC/2015). A Lei nº 13.146/2015 deu nova redação ao revogado
11 DIDIER JR, Fredie. Editorial 187: Estatuto da Pessoa com Deficiência, Código de Processo Civil de 2015 e Código Civil: uma primeira
reflexão. Disponível em: http://www.frediedidier.com.br. Acesso em: 20 de maio de 2020.
220
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
art. 1.769 do CC apenas para substituir a expressão “em caso de doença mental grave”
por “nos casos de deficiência mental ou intelectual”.
221
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
13 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil - Volume I, 17ª edição, Salvador. Editora Juspodivm, 2015, p. 611.
222
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Perceba-se que o disposto nos parágrafos do art. 245 do CPC funciona como um
“pequeno” procedimento de interdição. Tem-se inclusive possibilidade de designação
da perícia e nomeação de curador. Mas, trata-se de “incidente no curso do processo”,
lateral ao limite objetivo da demanda.
Como a ação de interdição pode ser julgada improcedente, não há razão para
não citar o interditando, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 245 do CPC.
Principalmente, levando-se em conta que pode haver litígio post citationem.
14 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Alienação da coisa litigiosa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 97.
223
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
A doutrina tem entendido que não se trata de uma faculdade, mas de um ato
processual imposto pela lei como momento necessário do procedimento de interdição,
principalmente levando em conta a sistemática do novo Estatuto da Pessoa com
Deficiência (Lei nº 13.146/2015), na qual se prevê gradação da curatela e adoção
de medidas até mais brandas do que a interdição, proporcionais “às necessidades e às
circunstâncias de cada caso” (art. 84, § 3º).
Na visão de Didier Jr., “há, aqui, presunção legal absoluta de interesse jurídico, que
autoriza a assistência, em razão da fragilidade do promovido, tornando-se o interveniente
litisconsorte unitário do interditando, ainda que legitimado extraordinário”16.
16 DIDIER JR, Fredie. Da interdição. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo.
Ed. RT, 2015, p. 1741.
224
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
O §3º do art. 751 traz hipótese de difícil ocorrência pois, em geral, os parentes
lato sensu já são os autores da ação e legitimados à curatela.
O laudo produzido deverá especificar, se for o caso, os atos para os quais haverá
necessidade de curatela (CPC/2015, art. 753, § 2º), pois a incapacidade só poderá ser
decretada em relação aos direitos de natureza patrimonial e negocial, ex vi art. 85 da
Lei nº 13.146/2015.
225
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
justificativa para tal, poderá o Juiz designar nova audiência para sua produção.
Entretanto, não é o que ocorre na maioria dos casos, mantendo-se hígida a proposta
de maior celeridade disposta no modelo de despacho supra.
A entrevista será reduzida a termo (CPC/2015, art. 751, caput, in fine) ou,
como ocorre na maioria das Comarcas do Estado do Ceará, através de gravação
audiovisual.
Em tais casos, o CPC/2015, o §1º do art. 751 traz resposta para essas situações:
“§ 1º: Não podendo o interditando deslocar-se, o juiz o ouvirá no local onde estiver.”
Trata-se da inspeção judicial.
17 DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, Salvador. Editora JusPodium, 2015, Vol. 2, p.300.
226
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Em casos tais, é possível que a entrevista seja substituída por inspeção judicial
indireta realizada por Oficial de Justiça. Este auxiliar do juízo procederá à entrevista
do interditando, em sua residência, e lavrará certidão contendo as respostas relativas
a questionamentos montados de acordo com o caso concreto. Por exemplo, em caso
de deficiência mental grave, o Oficial de Justiça poderá indagar:1) Qual seu nome?;
2) Quantos anos você tem?; 3) Diga-me o nome de parentes próximos; 4) O(A) se-
nhor(a) consegue ir sozinho(a) ao mercado fazer compras? 5) Está impossibilitado de
se locomover há quanto tempo? 6) O(A) senhor(a) recebe aposentadoria ou pensão
do INSS? Se sim, quem vai ao banco receber o benefício para o(a) senhor(a)? 7) O
(A) senhor(a) sabe quem é o presidente do Brasil e quem é o prefeito da cidade? 8) O
(A) autor(a) da ação de interdição ou o curador(a) lhe trata bem? O que ela(e) lhe dá
227
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
para comer? Ela(e) te leva ao médico? 9) Outras perguntas que, dentro do contexto da
ação, o Oficial de Justiça reportar relevante sobre o estado de saúde do interditando.
Conclui-se, portanto, que não há inviabilidade legal para o uso de tal medida
criativa por parte dos Juízes efetivamente impedidos pelos fatores de carestia de recursos.
18 TALAMINI, Eduardo. “A prova emprestada no processo civil ou penal”. Revista de Processo. São Paulo. RT,
1998.
228
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
19 BRASIL, STJ, 2.ª T., RMS 33628/PE, rel. Humberto Martins, Segunda Turma, j. em 02.04.2013, publicado no
DJe de 12.04.2013.
229
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Cite-se como exemplo a ação de revisão da curatela, que tem rito próprio
previsto no CPC/2015. Cessada sua causa (CPC/2015, art. 756), o próprio interdito
poderá requerer seu levantamento. Poderão ainda requerer o levantamento da curatela
o curador e o Ministério Público (§ 1º).
20 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1997, t. V, p.147.
230
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com relação à adequação das alterações sugeridas neste artigo, que objetivam
dar celeridade e promover acesso à justiça a maior número de indivíduos, urge suscitar
prerrogativa judicial própria dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária,
portanto aplicável à Interdição: o juízo de equidade, previsto no parágrafo único do
art. 723 do CPC: O juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo
adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna.
22 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. Salvador. 2ª edição. Editora JusPodivm, 2016, p.1141.
231
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, STJ, 2.ª T., RMS 33628/PE, rel. Humberto Martins, Segunda Turma, j. em 02.04.2013,
publicado no DJe de 12.04.2013
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil - Volume II, 10ª edição. Editora Juspo-
divm, 2015.
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil - Volume I, 17ª edição, Salvador. Editora
Juspodivm, 2015.
DIDIER JR, Fredie. Editorial 187: Estatuto da Pessoa com Deficiência, Código de Processo
Civil de 2015 e Código Civil: uma primeira reflexão. Disponível em: http://www.frediedidier.
com.br. Acesso em: 20 de maio de 2020.
DIDIER JR, Fredie. Da interdição. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Breves comentários
ao novo Código de Processo Civil. São Paulo. Ed. RT, 2015, p. 1741
DIDIER JR, Fredie; CABRAL, Antonio do Passo; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Por uma
nova teoria dos Procedimentos Especiais: dos procedimentos às técnicas. Salvador. Ed. Jus-
podivm, 2018.
FARIAS, Cristiano Chaves de; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Estatuto da
Pessoa com Deficiência Comentado. Salvador. 1ª edição. Editora Juspodivm, 2016.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo.
Salvador. 2ª edição. Editora JusPodivm, 2016.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Alienação da coisa litigiosa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1986
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. Atual. por Tânia da
Silva Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 5, p. 477 e 479.
232
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 8ª edição. São Paulo. Editora Método, 2018.
THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Volume II. São Paulo. 53ª
edição. Editora Forense, 2016.
233
Capítulo 13
HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS
À DEFENSORIA PÚBLICA EM
CAUSAS CONTRA O ESTADO:
A QUESTÃO DA CONFUSÃO
PATRIMONIAL
SUMÁRIO: Introdução. 1. Garantia constitucional do Acesso à Justiça e o papel da
Defensoria Pública. 2. Confusão patrimonial em cobrança de honorários sucumbenciais
contra a União na visão do STJ. 3. Reanálise do tema pelo STF sob o prisma constitucional.
4. Destinação da verba sucumbencial. Considerações finais. Referências.
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CAPÍTULO 13
INTRODUÇÃO
237
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
238
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
3 CAPPELLETTI, Mauro e Garth, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988.
4 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 482.
239
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240
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6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.108.013/RJ. Relatora: Eliana Calmon. STJ
Revista Súmulas 2014. Brasília, 2009.
241
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242
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
mula 421 – que se fundam na tese da confusão, ou seja, de que a Defensoria Pública
é parte do Estado e que com ele se confunde - foram firmados quando a Defensoria
Pública Federal era vinculada à administração direta da União.
Todavia, desde a Emenda Constitucional 74/2013 que incluiu o § 3º ao art.
134 da Constituição Federal, a Defensoria ganhou ampla independência para atua-
ção, inclusive com autonomia de patrimônio e orçamento, passando a ser tratada
como pessoa jurídica distinta da administração direta.
Nesse sentido, o Defensor Público Geral Federal tem a liberdade para ela-
borar proposta orçamentária, desde que dentro dos limites estabelecidos na Lei de
Diretrizes Orçamentárias, podendo administrar os recursos que foram destinados à
Defensoria autonomamente.
Ademais, a Lei Complementar 80/94 delega a função de executar e rece-
ber verbas sucumbenciais decorrentes da atuação da Defensoria Pública – inclusive,
quando devidas por entes públicos, considera esses entes somente como entes fede-
rados distintos - faz uma interpretação restritiva e desarrazoada do dispositivo de lei.
De modo semelhante, posicionou-se o Ministro Teori Albino Zavascki no
Recurso Especial nº 1.199.715 - RJ (2010/0121865-0), divergindo da fundamenta-
ção da referida Súmula:
Todos os precedentes da Súmula estão baseados na tese da confusão,
ou seja, a Defensoria Pública Estadual é parte do Estado e com ele
se confunde, razão pela qual não tem sentido o Estado pagar à De-
fensoria. Opera-se entre eles o fenômeno da confusão O caso concre-
to, todavia, é completamente diferente. A Defensoria não pertence à
Autarquia. Estamos, aqui, a questionar sobre confusão em relação à
Autarquia Previdenciária Estadual. Ora, a Autarquia Previdenciária é
uma pessoa jurídica diferente, tem personalidade própria, patrimô-
nio próprio, receita própria, de modo que não há confusão possível
entre ela e a Defensoria. O Sr. Ministro Relator adotou um outro
fundamento, que não é o da confusão, segundo o qual a Fazenda Pú-
blica está dispensada de custas. Se esse fundamento valesse, não teria
nem sentido a Súmula 421. Ademais, aqui não estamos tratando de
custas, mas de honorários advocatícios. A Fazenda Pública não está
dispensada de honorários advocatícios.9
9 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.108.013/RJ. Relatora: Eliana Calmon. STJ
Revista Súmulas 2014. Brasília, 2009.
243
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
10 Essa técnica processual de superação de um entendimento firmado é chamada de overruling e é definida por
Fredie Didier Jr. como um meio pelo qual um precedente perde sua força vinculante e é substituído por outro (cf.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula S.; OLIVEIRA, Rafael A. Curso de direito processual civil: teoria da pro-
va, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da
tutela. 10ª ed. v. 2. Salvador: JusPODIVM, 2015, p.494).
244
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
11 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação na Medida Cautelar nº 25.236. Relator: Min. Roberto
Barroso, Brasília, 2016.
245
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Ação Rescisória nº 1937/DF. Relator: Min.
Gilmar Mendes, Brasília, 2017.
13 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números. Brasília, DF: CONSELHO NACIONAL
DE JUSTIÇA, 2019.
246
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
14 PACHECO, Lorena. Servidores DPU: Aprovada MP que mantém servidores requisitados. Correio Bra-
siliense, 12 set. 2019. Disponível em: <http://blogs.correiobraziliense.com.br/papodeconcurseiro/servidores-dpu-
-aprovada-mp-que-mantem-servidores-requisitados/>. Acesso em: 4 nov. 2019.
15 DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. Assessoria de Planejamento, Estratégia e Modernização - ASPLAN.
Assistência Jurídica Integral e Gratuita no Brasil: Um Panorama da Atuação da Defensoria Pública Da União,
Brasília, 3ª edição, 2018. Disponível em: <https://www.dpu.def.br/images/stories/arquivos/PDF/Panorama_Atua-
cao_mapa_DPU.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2019.
247
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CONSIDERAÇÕES FINAIS
248
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Estado Social de Direito. E isso é garantido pela Constituição e pelo Pacto de São José
da Costa Rica, através do princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Também foi visto que, apesar de a Súmula 421 do STJ prever a impossibilida-
de de fixação de honorários sucumbenciais à Defensoria Pública quando o polo con-
trário é a União, por decorrência de confusão, observa-se a necessidade de superação
desse entendimento. Isso porque há conquista de autonomia pelas Defensorias, tendo
sido esse um entendimento corroborado pelo STF.
Ademais, o não recolhimento dessas verbas sucumbenciais afeta negativa-
mente o aparelhamento da Defensoria Pública e a capacitação profissional de seus
membros e servidores e tolhe uma potencialidade de robustez financeira do Fundo de
Aperfeiçoamento Profissional da Defensoria Pública da União (FUNADP), contido
no Projeto de Lei Complementar 331. Por isso, sua extinção representa um revés para
esse avanço proporcionado pela referida instituição.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em
5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de edições técnicas, 2008. Dispo-
nível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 25
out 2019.
BRASIL. Lei Federal n.º 1.060, de 5 de fevereiro de 1950. Brasília: Presidência da República,
1950. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l1060.htm>. Acesso em 25
out 2019.
BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/
l10406.htm>. Acesso em: 25 out. 2019.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.108.013/RJ. Relatora: Ministra Elia-
na Calmon, Julgado em 22/06/2009. STJ Revista Súmulas 2014. Disponível em: < https://
ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2014_40_capSumula421.
pdf >. Acesso em: 25 out. 2019.
249
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Ação Rescisória nº 1937/DF. Re-
lator: Ministro Ministro Relator Gilmar Mendes, Julgado em 30/06/2017. Disponível em: <ht-
tps://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2433624>. Acesso em: 29 out. 2019.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Reclamação nº 25.236. Relator: Min.
Roberto Barroso, Decisão monocrática, Brasília, DF, 28/10/2016. Disponível em <http://portal.
stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=310665725&ext=.p> df. Acessado em 31 out. 2019.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
CAPPELLETTI, Mauro e Garth, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Editor, 1988.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula S.; OLIVEIRA, Rafael A. Curso de direito processual civil:
teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e
antecipação dos efeitos da tutela. 10ª ed. v. 2. Salvador: JusPODIVM, 2015.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: obrigações. v. 2. 9.
ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2015.
MENDONÇA, Manoel Ignácio Carvalho de. Doutrina e prática das obrigações. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1956.
250
Capítulo 14
JUIZ DAS GARANTIAS E ACORDO
DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL:
DESAFIOS DECORRENTES DOS
NOVÉIS INSTITUTOS INCLUÍDOS
PELA LEI ANTICRIME
SUMÁRIO: Introdução à Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019. 1. Juiz das garantias.
2. Acordo de não persecução penal. Considerações finais. Referências.
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CAPÍTULO 14
1 Graduando em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Membro Pesquisador do grupo Estudos em Processo
Penal da Universidade Federal do Ceará.
2 BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Brasília,
DF: Presidência da República, 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato
2019-2022/2019/lei/L13964.htm. Acesso em: 10 mar. 2020.
3 “O presidente Jair Bolsonaro disse hoje (16), em sua conta no Twitter, que o governo apresentará o projeto de
lei Anticrime ao Congresso Nacional na terça-feira (19). ‘Na próxima terça-feira apresentaremos projeto de lei
Anticrime ao Congresso. Elaborado pelo ministro Sergio Moro, o mesmo visa endurecer as penas contra assassi-
nos, líderes de gangues e corruptos’, escreveu na rede social.” (CAMPOS, Ana Cristina. Projeto de
Lei Anticrime será apresentado na terça-feira ao Congresso. Agência Brasil, Brasília, DF, 16 fev. 2019.
Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2019-02/bolsonaro-projeto-de-lei-anticrime-sera-
-apresentadodo-na-terca-feira-ao. Acesso em: 10 mar. 2020).
253
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
como a Lei dos Crimes Hediondos4 e a Lei Maria da Penha5. Todavia, no plano
prático, ínfima foi a contribuição real de dispositivos como esses, principalmente no
que se refere ao combate ao crescimento das facções criminosas e dos índices colos-
sais de violência doméstica. É sabido que os cidadãos do Brasil hodierno anseiam
por políticas públicas capazes de amenizar os danos causados pelo crime, o que ficou
abalizado nas bandeiras levantadas e exaltadas por políticos e seus simpatizantes nas
últimas eleições presidenciais.
4 BRASIL. Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso
XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Dis-
ponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8072compilada.htm. Acesso em: 10 mar. 2020.
5 BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;
altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, DF:
Presidência da República, [2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil
_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 10 abr. 2020.
6 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília, DF: Presidência
da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Aces-
so em: 10 mar. 2020.
7 MACHADO, Leonardo Marcondes. Juiz das garantias: a nova gramática da Justiça criminal brasileira. Revista
Consultor Jurídico, São Paulo, 21 jan. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-21/
academia-policia-juiz-garantias-gramatica-justica-criminal. Acesso em: 10 mar. 2020; LAI, Sauvei. Primeiras impres-
sões sobre o acordo de não persecução penal. Migalhas, [s. l.], 10 fev. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.
com.br/depeso/320078/primeiras-impressoes-sobre-o-acordo-de-nao-persecucao-penal. Acesso em: 7 maio 2020.
254
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
A figura do juiz das garantias na forma como prevista pelo texto da Lei
Anticrime será responsável por fazer o controle da legalidade da fase pré-processual e
decidir sobre diversos procedimentos. São exemplos de atribuições (previstas no art.
3º-B do CPP) do juiz das garantias decidir sobre a aplicação de medidas cautelares,
sobre a expedição de habeas corpus e sobre medidas que tendam a invadir os direitos
fundamentais do investigado, como quebras de sigilo bancário e telefônico. Tais
funções já são atribuições clássicas do magistrado no processo penal brasileiro.
Todavia, dentre essas atribuições, também foram incluídas novas funções pioneiras
na sistemática processual penal do País, como a possiblidade do magistrado decidir
de ofício pelo encerramento do inquérito criminal e a necessidade de receber todos os
detalhes da investigação em andamento, mesmo que não provocado, ou seja, deverá
requisitar. Além disso, esse juiz ainda vai ser o responsável pela (não) aceitação da
denúncia (última competência).
É indubitável que as razões invocadas para implementação de tal instituto re-
metem a uma tentativa de evitar ao máximo a contaminação do juiz de instrução e
sentença. A justificativa teórico-científica para tal dispositivo baseia-se na tentativa de
mitigação do “efeito confirmatório”8, uma peculiaridade da mente humana que seria
a tendência que o indivíduo tem para instigação involuntária a buscar fundamentações
condizentes com o elemento subsequente, e não para uma possível revisão e reanálise.
Em casos contextualizados com o tema, o exemplo clássico é o de juízes que decretam
prisões antes do julgamento final (de mérito) e depois se sentem coagidos inconscien-
temente a respaldar e a firmar a credibilidade de suas decisões, tornando quase que
impossível mudarem de opinião sobre o sujeito e decidirem de maneira pró-réu.
No que se refere ao texto legal brasileiro, são diversas as críticas por parte da
doutrina e dos membros do Poder Judiciário para o juiz das garantias. Este instituto
8 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; TAPOROSKY FILHO, Paulo Silas; CANI, Luiz Eduardo; BALTA-
ZAR, Shalom Moreira. Do projeto de reforma do CPP ao projeto de lei “anticrime”: mirando a Constituição. Revista
Consultor Jurídico, São Paulo, 12 abr. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.
br/2019-abr-12/limite-penal-projeto-reforma-cppao-projeto-lei-anticrime. Acesso em: 10 mar. 2020.
255
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
não estava no texto inicial do Ministério da Justiça e foi incluído pelo Congresso e
sancionado pelo presidente da República em momento posterior. Atualmente, o juiz
das garantias está suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na figura do mi-
nistro relator Luiz Fux. A decisão cautelar proferida pelo ministro nas ações diretas
de inconstitucionalidade (ADIs) 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305 será submetida a plená-
rio9. A crítica relacionada à constitucionalidade refere-se à violação do pacto federa-
tivo apontada no Parecer n. 01517/2019/CONJUR-MJSP/CGU/AGU, já que uma
lei federal, em tese, não pode interferir na organização e na autonomia dos tribunais,
urgindo, assim, a necessidade de emenda constitucional para sanar essa problemática.
Tal tese, além dos danos orçamentários, tem sido a principal alegação contra o dispo-
sitivo por parte da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Ainda existem outros entraves que se referem à inexistência da previsão das
regras de dinâmica de magistrados em comarcas com número reduzido de magistra-
dos e de transição de processos já existentes e futuros. Com o propósito de sanar tal
problemática, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) encaminhou o Processo n.
49.0000.2020.000002-6 para a Comissão Especial de Direito Processual Penal do ór-
gão. Para as comarcas que só dispõem de um magistrado foi sugerida a atuação de juiz
das garantias pelo magistrado da comarca vizinha, enquanto o juiz de instrução e jul-
gamento, bem como as autoridades policiais e o membro do Parquet, deverão ser do
local do fato criminoso, conforme o art. 70, caput, do CPP. Embora polêmica e com
jurisprudência contrária, a realização de audiência de custódia via videoconferência10
é sugerida pela OAB, com o escopo de reduzir os gastos de transporte e segurança
dos presos que deverão ser levados a comarcas vizinhas para realização de tal etapa.
No caso de dois magistrados, é sugerido que seja promovida alternância entre ambos,
ou seja, quando o juiz atuar como das garantias, o outro deverá ser o de julgamento.
Se apenas um for atribuído de competência penal, esse deverá atuar como o de jul-
gamento rotineiramente. Em caso de varas maiores, com número elevado de magis-
trados, é recomendado que seja promovida a criação de varas específicas encarregadas
de atuar somente como juiz das garantias, a fim de promover uma especialização dos
magistrados para que possam atuar de maneira mais competente e célere.
Na transição dos processos, a sugestão é a de que, se o andamento ainda esti-
ver na fase pré-processual, o juiz exerça suas funções até o recebimento da denúncia
e depois envie para um juiz de instrução/sentença. Já nos casos em que o juiz atuou
na fase pré-processual, deverá o magistrado fazer a livre distribuição dos processos
9 STF, ADI 6.298 MC, Relator: Min. Luiz Fux, j. 22/01/2020, DJe 03/02/2020, p. 42.
10 STJ, CC 168.522, Relatora: Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, j. 11/12/2019, DJe 17/12/2019, p. 4.
256
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
para que um novo juiz possa dar prosseguimento ao momento posterior a essa fase,
podendo este anular ou ratificar as decisões já tomadas.
No Brasil, é notório que a Constituição Federal de 1988 é norteada pelo princípio
da tripartição dos Poderes. Logo, conforme previsto no texto constitucional, em seu
art. 22, I11, é de competência do legislativo elaborar/alterar as normas legais e suas
respectivas regras e peculiaridades. Sob esse viés é que o ministro da Justiça e Segu-
rança Pública, Sérgio Moro, tem demonstrado suas principais ressalvas ao ato legis-
lativo que formulou a inclusão do juiz das garantias na nova Lei Anticrime12. Não
se conhece ao certo os fatores que levaram a uma possível omissão na hora de prever
aspectos essenciais do juiz das garantias na nova lei, mas certamente a pressa para que
tal dispositivo estivesse incluído no momento da votação (antes do recesso de final de
ano) pode ter contribuído para tal problemática.
Nesse contexto, os arts. 3º-A a 3º-F deixaram de prever uma série de regras
importantes que auxiliariam na organização e na gerência do juiz das garantias, como
o rol de crimes e situações que estariam abrangidas pelo instituto, assim como a pos-
sível atuação de tribunais superiores ou recursais. Foi necessário o ministro do STF,
Dias Toffoli, decidir sobre essas matérias, por meio da decisão proferida nas ADIs
6.298, 6.299 e 6.300. Além de manter a validade da norma e entender que não houve
invasão de competência, o ministro afastou a aplicação das normas aos processos de
competência originária dos tribunais e tribunais do Júri, nos quais as decisões ocor-
rem por órgão coletivo, bem como também afastou dos casos de violência doméstica
(que demandam medidas de prontidão) e processos das justiças eleitorais por causa
das peculiaridades destes.
11 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:
Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
Constituiçao.htm. Acesso em: 10 mar. 2020.
12 MORO, Sérgio. Roda Viva: Sérgio Moro: 20/01/2020. [S. l.: s. n.], 2020. 1 vídeo (85 min). Publicado pelo
canal Roda Viva. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=a6pJr7XdaiY. Acesso em: 10 mar. 2020.
257
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
funcional13 de tal dispositivo pelas casas legislativas para que os devidos procedimen-
tos e princípios constitucionais sejam respeitados.
É evidente que uma investigação arbitrária, por si só, é capaz de causar danos
à reputação, ao bem estar, ao psicológico e à vida dos familiares do investigado, assim
como pode prejudicar o sujeito nas áreas profissionais e interpessoais. Obviamente,
tal hipótese não é comum, mas sim uma exceção à regra, pois são raros os casos de
abusos por parte das autoridades policiais e dos membros do Ministério Público, que
em sua maioria, exercem primorosamente suas respectivas funções. Mas é justamente
por prever a hipótese de casos tão excepcionais e gravosos aos investigados é que urge
a necessidade de tais artigos. O acompanhamento de um juiz para agir nas excep-
cionalidades e nas discrepâncias morais e lógicas da investigação é fundamental. É
perceptível que tais dispositivos estariam permitindo o magistrado a atuar de ofício,
e não mais quando provocado, como nos casos de impetração de habeas corpus. Mas
como já citado anteriormente, a transparência existente entre o inquérito criminal e a
possibilidade de conhecimento de tal matéria por parte do investigado no Brasil está
longe de ser elogiável, o que atesta a necessidade de tais partes do texto legal.
Tomemos como exemplo o considerado mais polêmico ponto do juiz das ga-
rantias, presente no art. 3º-B, IX, do CPP. Sob um viés pragmático, a diferença sem
tal parte da norma seria ínfima, já que é certo que um juiz das garantias, que entende
estar havendo inconsistências, abusos ou desproporcionalidades exacerbadas em in-
quérito, já está intencionado a não aceitar a denúncia. Esse magistrado, claro que em
casos excepcionais, estaria atuando para proteger o investigado dos danos anterior-
mente já citados e poupando esforços da máquina pública em situações de má-fé.
13 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Curso de hermenêutica jurídica. 6. ed. São Paulo: Fonte Editorial,
2018, p. 177.
258
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
14 BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Resolução nº 181, de 7 de agosto de 2017. Dispõe sobre ins-
tauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público. Diário Eletrônico do
CNMP, Brasília, DF, 8 set. 2017. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/atos-e-normas-busca/nor-
ma/5277. Acesso em: 10 mar. 2020.
15 TASSE, Adel El. O acordo de não persecução penal: possibilidade vinculada à observância da Constituição
Federal. Migalhas, [s. l.], 23 jan. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/318960/
o-acordo-de-nao-persecucao-penal-possibilidade-vinculada-a-observancia-da-constituicao-federal. Acesso em:
15 mar. 2020.
16 “[...], os defeitos que a mudança possivelmente trará não justificam a permanência do atual sistema criminal
brasileiro, que obriga à litigiosidade exacerbada em centenas de milhares de situações que poderiam ser rapida-
mente encerradas de forma satisfatória para as partes.” (DOTTI, René Ariel; SCANDELARI, Gustavo Britta.
Acordos de não persecução e de aplicação imediata de pena: o plea bargain brasileiro. Boletim IBCCrim, São
Paulo, ano 27, n. 317, p. 5-7, abr. 2019, p. 5-6).
259
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
São diversas as regiões monótonas do Brasil que ainda não dispõem de serviços
da defensoria pública e cidadãos que inevitavelmente não recebem a devida assessoria
legal. Nesse sentido, devemos considerar as hipóteses de repercussão negativa que
o acordo de não persecução penal pode ocasionar para tais pessoas. Para Mendes e
Martinez, é possível pensar na hipótese de um investigado, com medo do processo
criminal, escolher por confessar um crime que não tenha cometido e, posteriormente,
não tenha meios de pagar uma prevista prestação pecuniária, o que acarretará em um
processo, e a confissão sobre o crime que não cometeu já constará nos autos17. Ainda
há uma divergência doutrinária se a confissão do investigado formalmente não acarre-
ta necessariamente a culpa (que demanda o devido processo legal). Mas o que se sabe
é que, no plano prático, continuará havendo uma tendência natural a ser acreditado
que a confissão de fato é verdadeira.
Outros ordenamentos jurídicos, como o norte-americano e o alemão, já ado-
tam a justiça penal consensual para alguns delitos. Observa-se, portanto, que não se
trata de instituto genuinamente brasileiro, mas sim de importação do que vem sendo
aplicado em outros modelos mundo afora. É de ser ressaltada ainda a crítica a uma
importação de apenas parte de sistemas alienígenas, o que poderia ocasionar uma
deturpação das finalidades do instituto. Para Coutinho, o notório conflito entre as
características do sistema inquisitório brasileiro e do sistema acusatório americano
não deveria permitir a importação pura do sistema de plea bargaining sem as outras
diversas características e peculiaridades típicas do ordenamento americano:
Ter plea bargaining é inevitável se o processo penal brasileiro vier a ser
acusatório. Mas para isso é preciso, antes, importar o sistema todo, com
ônus e bônus. Do jeito que se está tentando impor, os ônus ficarão para
os cidadãos investigados/acusados; e os bônus – tudo indica – ficarão
para o Estado e seus órgãos. Em tempos neoliberais, tudo é contra o
cidadão, quem sabe em nome daquela ética utilitarista precitada, em-
bora se saiba que ela é só discurso fácil para iludir os incautos.18
É mister ressaltar que há uma ligação fundamental entre a figura do juiz das
garantias e o acordo de não persecução penal, posto que será justamente o magistrado
17 MENDES, Soraia da Rosa; MARTINEZ, Ana Maria. Pacote Anticrime: comentários críticos à Lei 13.964/2019.
São Paulo: Atlas, 2020, p. 68
18 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Plea bargaining no projeto anticrime: crônica de um desastre anun-
ciado. Boletim IBCCrim, São Paulo, ano 27, n. 317, p. 2-5, abr. 2019, p. 4, grifo do autor. O autor ainda reitera
a dificuldade de conciliar o modelo importado com os dispositivos e atribuições do sistema de justiça brasileiro, bem
como da Constituição Federal: “Antes de tudo, a Constituição da República não permite que os sujeitos invertam ou
subvertam seus papéis constitucionalmente demarcados. O juiz, no lugar a ele reservado no processo do sistema in-
quisitorial, por certo não fará aquilo que faz ou deve fazer o juiz norte-americano. (cont.)
260
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
responsável pela fase pré-processual que irá decidir acerca da homologação, ou seja,
irá fazer o levantamento das adequações das condições para a consagração de tal acor-
do. Se for homologado o acordo, o juiz deverá encaminhar os autos para o Parquet,
a fim de iniciar a execução perante o juízo de execução criminal. Se for recusado,
também encaminhará para o Ministério Público que deverá avaliar necessidade de
complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia.
O promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Suavei Lai, entende que
o acordo de não persecução penal acarretará duas consequências principais para os
membros do sistema de justiça brasileiro, quais sejam: sobrecarga de atribuições para
os membros do Ministério Público, o qual necessitará de amplo suporte estrutural e
técnico; e mudança de mentalidade, a fim de promover o devido aprimoramento de
uma justiça penal negocial no Brasil. Ele também ressalta que inevitavelmente a jus-
tiça abandonará o processo longo e custoso, fazendo com que haja claro enfoque dos
membros da justiça na concentração dos esforços em crimes mais graves.19
CONSIDERAÇÕES FINAIS
(cont.) O sistema como que o empurra para outro lugar (para dizer que a culpa, em geral, não é dele), o de senhor do
processo. Tanto que, com muita frequência – para não dizer quase sempre –, são indicados e tomados como os chefes
do combate ao crime. E alguns se sentem, de fato, assim. Por óbvio, não haveria nenhum problema nisso... se não
fossem os juízes dos processos. Juris dictio, imparcialidade, e assim por diante, não são coisas compatíveis com quem
tenha lado nas disputas. Pelo menos que se saiba. A grandeza da jurisdição está – sabem todos – no lugar do poder
(Max Weber) de fazer valer a CR e as leis. Fora daí é ela invadida por um moralismo absurdo, inconstitucional e que
corrói a segurança jurídica da sociedade e, com isso, a própria democracia” (COUTINHO, Jacinto Nelson de Mi-
randa. Plea bargaining no projeto anticrime: crônica de um desastre anunciado. Boletim IBCCrim, São Paulo, ano
27, n. 317, p. 2-5, abr. 2019, p. 4).
19 LAI, 2020, p. 1.
261
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
REFERÊNCIAS
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mos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Bra-
sília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/
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BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência do-
méstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe
sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código
de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília,
DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 10 abr. 2020.
CAMPOS, Ana Cristina. Projeto de Lei Anticrime será apresentado na terça-feira ao Con-
gresso. Agência Brasil, Brasília, DF, 16 fev. 2019. Disponível em: https://agenciabrasil.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
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Eduardo; BALTAZAR, Shalom Moreira. Do projeto de reforma do CPP ao projeto de lei “an-
ticrime”: mirando a Constituição. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 12 abr. 2019. Dis-
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263
Capítulo 15
OS MOVIMENTOS SOCIAIS
E A LEI 13.260/16:
DEMOCRACIA, RESISTÊNCIA E
CRIMINALIZAÇÃO
CAPÍTULO 15
INTRODUÇÃO
20 Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em Direito pela Universidade de
Fortaleza. Defensor Público do Estado do Ceará.
21 HUGO, Victor-Marie. Os miseráveis. Tradução de Regina Célia de Oliveira. São Paulo: Editora Martins Cla-
ret, 2014, p. 80.
267
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Na história da justiça penal sempre foi uma constante, em menor ou maior grau,
a preocupação com as ações e pensamentos de determinadas pessoas ou grupos, em ge-
ral dos mais humildes, estrangeiros e não cultores de fé cristã. Os crimes de feitiçaria e
lesa-majestade foram ilustrativos de como a imputação de fatos abstratamente conside-
rados possuíam, na verdade, alvos mais certos do que vagos. A demonização das crenças
populares provocou a instauração dos Tribunais do Santo Ofício, a Inquisição e a morte
de inúmeras pessoas, entre as quais ciganos e nativos de terras dominadas.
No espaço ibérico, como em outros, um receio frequente da Igreja e do Esta-
do consistiu em “definir os não católicos ou os falsos católicos como indivíduos não
só condenados teologicamente mas também politicamente perigosos. O efeito disso
foi criar uma larga base de suspeita, rejeição e por vezes aversão fanática a esses gru-
pos.”1 A “caça às bruxas” foi efetivada por meio de instrumentos processuais, como
“visitações, delações, devassas, torturas, sigilos e atuação de magistrados – que facili-
tavam e encorajavam as denúncias.”2
Religião e religiosidade, na Idade Moderna e em épocas mais remotas, eram
questões de Estado e estavam no âmago da política das monarquias. Neste particular,
Arno Dal Ri Júnior enfatiza que uma ação ou omissão contra a segurança do Estado
1 SCHWARTZ, Stuart B. All can be saved: religious tolerance and salvation in the Iberian Atlantic world. New
Haven: Yale University, 2008, p. 78.
2 MANDROU, Robert. Magistrados e feiticeiros na França do século XVII. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 63.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
ou os interesses do rei era, acima de tudo, “um delito de caráter religioso contra a
autoridade dos monarcas que se encontravam sob as graças e proteção de entidades
divinas.”3 As condutas de pessoas ou grupos contra a organização do poder, como
a promoção de revoltas, eram gravíssimas e, comparáveis ao sacrilégio, puníveis com
a morte. O surgimento e consolidação do “crime de lesa – majestade”4 ocorreu
oficialmente no direito penal romano no império de Augusto, no ano 8 a. C., por
intermédio da Lex Iulia de maiestatis. Nos primórdios de Roma, bem como nos de
qualquer povo primitivo, o direito penal teve uma origem sacra.
O imperador passou a ser concebido como a personificação do próprio povo
romano e iniciou-se o longo itinerário que culminou com a total confusão entre o
corpo do soberano e o corpo do Estado e a perpetuidade da realeza. “A expressão
maiestas nasce na cultura política da Roma Antiga, em que designava o lugar supremo,
a ordem superior que os súditos deveriam tratar com respeito e reverência.”5 O
crime de lesa-majestade foi aquele cometido contra o povo romano ou contra a sua
segurança e o seu autor, o inimigo político, eliminado ou subjugado, no exercício pleno
e impiedoso do direito do vencedor. Com efeito, “os sentimentos que os romanos
esperavam inspirar no inimigo eram temor e terror.”6 A compreensão da categoria
“inimigo” como sendo somente o externo, o estrangeiro invasor ou o resistente à
conquista, mereceu uma nova leitura, mais ampla e complexa.
Além desta concepção clássica, implicitamente também houve o inimigo “in-
terno”, alvo do direito penal ou, termos mais nítidos, de quem estabelece quais fatos
deverão ser considerados delitos. Este é um dos aspectos centrais do problema. “O
advento do Estado penal não é uma fatalidade. [...]. O recurso ao aparato prisional
não é um destino para as sociedades avançadas, é uma questão de escolha política.”7
A categoria de “inimigo” é cara ao direito penal, mesmo quando teoricamente laiciza-
do e cientificamente mais técnico e sofisticado. Conforme o magistério de Umberto
Eco, “para manter o povo sob controle, é necessário inventar constantemente inimi-
3 O Estado e seus inimigos: a repressão política na história do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 31.
4 “Majestade (majesté) – Uma grandeza visível, que justificaria ao mesmo tempo o respeito e a obediência. É o
que levava Alain a dizer que era ‘inimigo de qualquer espécie de Majestade’. E dava esta definição perfeita: ‘A
Majestade é tudo o que, tendo o poder, ainda quer ser respeitado’. É querer reinar também sobre os espíritos. Toda
majestade é ridícula ou tirânica.” (COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário filosófico. 2. ed. Tradução de Eduar-
do Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 359).
5 Ob. cit., p. 65.
6 MATTERN, Susan P. Rome and the enemy: imperial strategy in the principate. California: University of Ca-
lifornia Press, 1999, p. 172.
7 WACQUANT, Loïc. As duas faces do gueto. Tradução de Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo,
2008, p. 104.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
8 Contracapa. In: ____. Construir o inimigo e outros escritos ocasionais. Tradução de Jorge Vaz de Carvalho.
Lisboa: Gradiva, 2011.
9 El derecho penal de la Monarquía absoluta (Siglos XVI - XVII). Madrid: Editorial Tecnos, 1969, p. 45.
10 O conceito do político/Teoria do Partisan. Tradução de Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey Edi-
tora, 2009, p. 30.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Para Sérgio Buarque de Holanda, no Brasil, “a história jamais nos deu o exem-
plo de um movimento social que não contivesse os germes de sua negação.”12 Seja
sob um viés eminentemente crítico ou predominantemente pessimista, a frase retrata
a relação de forças da sociedade brasileira agrária, século XIX, pré-industrial, egressa
de um dos regimes escravocratas mais perversos do mundo, seja pela longevidade,
seja pela austeridade. A preservação da Colônia e do Império ocorreu a partir da
subjugação de vários levantes, como a Conjuração Baiana, a Guerra dos Emboabas, a
Sabinada e a Balaiada.
Todavia, muitos desses conflitos não foram genuinamente populares, como a
Guerra dos Mascates, 1710 e 1711, na qual houve uma disputa entre os senhores de
engenho de Olinda e comerciantes portugueses de Recife. Por outro lado, a Revolta
dos Malês13, 1835, na Bahia, foi produto da revolta de escravos de origem islâmica.
Os acusados foram julgados com base no Código Criminal de 1831. O artigo 113
definia como crime de insurreição a reunião de vinte ou mais escravos para haverem
a liberdade por meio da força.
Diferentemente de outros espaços nos quais o Estado punia com mais rigor os
escravos insurretos e indenizava os seus senhores, no Brasil optou-se por outra alter-
nativa. “Os escravos eram açoitados e logo em seguida devolvidos ao serviço. Só os
líderes recebiam pena de morte ou prisão. Neste caso, a lei não permitia concessões à
economia dos senhores por se tratar de uma questão de segurança e manutenção da
própria ordem escravista.”14 Em relação às rebeliões na Idade Moderna na América
Portuguesa, Luciano Figueiredo ensina que
11 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2. ed. Rio de Janeiro:
Revan, 2007, p. 23-25.
12 Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 180.
13 À época, os africanos foram proibidos de circular à noite pelas ruas da capital e de praticar as suas cerimônias
religiosas.
14 Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês - 1835. São Paulo: Editora brasiliense, 1986, p.
254-255.
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15 Rebeliões no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005, p. 21-22.
16 Caleidoscópio do Antigo Regime. São Paulo: Alameda, 2012, p. 161.
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17 RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 10.
18 Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. 2. ed. Tradução de Peter Naumann. Revisão de Pau-
lo Bonavides. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 87. (cont.)
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
(cont.) Em seguinda, complementa: “Trata-se aqui da discriminação parcial de parcelas consideráveis da popula-
ção, vinculada preponderantemente a determinadas áreas; permite-se a essas parcelas da população a presença fí-
sica no território nacional, embora elas sejam excluídas tendencial e difusamente dos sistemas prestacionais [Leis-
tungssystemen] econômicos, jurídicos, políticos, médicos e dos sistemas de treinamento e educação, o que
significa ‘marginalização’ como subintegração. Esse fenômeno não se restringe a países periféricos; fomentado
pela política ‘desregulamentadora’ de corte neoliberal em meio a um capitalismo triunfalista cada vez mais selva-
gem, ele grassa também nos países mais ricos, nos países do Grupo dos Sete.” (Ob. cit., p. 91-92)
19 A constituinte e a constituição que teremos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1985, p. 25-26 e p. 40.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
20 BRASIL. Lei 13.260, de 16 de março de 2016. Regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Consti-
tuição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o
conceito de organização terrorista; e altera as Leis n º 7.960, de 21 de dezembro de 1989, e 12.850, de 2 de agosto
de 2013. Presidência da República, Brasília, 2016. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 20
maio 2020. O artigo 2º estabelece: “Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos
previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião,
quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimô-
nio, a paz pública ou a incolumidade pública. § 1º São atos de terrorismo: I - usar ou ameaçar usar, transportar,
guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou
outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa; (...); IV - sabotar o funcionamento ou
apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total
ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, esta-
ções ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou
locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações
militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de
atendimento; V - atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa: Pena - reclusão, de doze a trinta anos,
além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência. § 2º O disposto neste artigo não se aplica à condu-
ta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de
classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar,
criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem pre-
juízo da tipificação penal contida em lei – Grifo nosso.”
21 BRASIL. Projeto de lei 5.065, de 26 de abril de 2016. Altera o artigo 2º da Lei nº 13.260/16, dando nova re-
dação ao seu caput e ao seu §1º, inciso V, acrescendo os incisos VI, VII e VIII ao seu §1º, e revogando o seu § 2º.
Câmara dos Deputados, Brasília, 2016. Disponível em: https://www.camara.leg.br. Acesso em: 20 maio 2020.
275
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
proteção contra o terrorismo a instalações e obras de arte, em sua visão, não contem-
pladas na lei em vigor; e iv) destaca a inexistência do ‘terrorismo do bem’, ‘terrorismo
virtuoso’ ou ‘terror includente’ que, em tese, seria praticado por movimentos sociais
com métodos radicalizados de atuação, entre outros argumentos. No próprio sítio da
Câmara dos Deputados, a título de “dados complementares”, consta que a finalidade
do projeto consiste na tipificação de atos de terrorismo por motivação ideológica,
política, social e criminal. Em suma: tornar explícita a possibilidade de criminalização
dos movimentos sociais.
Das etapas previstas, Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacio-
nal (CREDN), Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado
(CSPCCO) e Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), falta ape-
nas a análise do parecer da segunda e o parecer da última para apreciação em plenário.
Na primeira, o parecer de rejeição foi aprovado. Por outro lado, na segunda há parecer
de aprovação com substitutivo, o qual se encontra pendente de exame.
Na CREDN, o parecer do Dep. Rubens Bueno (PPS/PR) pela rejeição da ma-
téria foi aprovado em 7 de dezembro de 2016. Em resumo, ficou assentado naquela
Comissão Permanente: i) que parte da matéria constante do projeto de lei em comen-
to já havia sido ampla e exaustivamente discutida – e rejeitada – apenas dois meses
antes, naquela mesma sessão legislativa, quando da aprovação da Lei 13.260/16, de
forma que sua reapresentação, no mesmo ano, por força constitucional e regimental,
deveria ser feita com apoio da maioria absoluta dos deputados federais; e ii) que as
ideias nesse PL veiculadas já restariam contempladas no texto legal em vigor ou te-
riam o objetivo indireto de criminalizar as ações dos movimentos sociais.
Na análise do projeto que resultou na lei, é relevante registrar que houve inclu-
são por parte do Senado Federal, em forma de substitutivo (PLC 101/15), de previsão
do extremismo político como motivação para a configuração do crime de terrorismo,
sendo definido como o ato “que atentar gravemente contra a estabilidade do Estado
Democrático, com o fim de subverter o funcionamento de suas instituições”. Além
disso, a norma que excluía os movimentos sociais das condutas típicas de terrorismo
havia sido retirada. Ao retornar ao Plenário da Câmara, o parecer do Dep. Arthur
Maia (PPS/BA) em nome da CREDN e demais comissões de mérito foi no sentido de
rejeitar o substitutivo e a manutenção do projeto como votado. Além do vício formal,
prevaleceu o entendimento de que o tema era anacrônico pelo recente debate.
Na CSPCCO, consta na tramitação legislativa que o parecer do Dep. Hugo
Leal (PSD-RJ), de 15 de maio de 2018, foi pela aprovação do projeto 5.065/16 e
dos projetos de lei 9.604/2018 e 9.858/2018, apensados, com substitutivo. O PL
276
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
22 BRASIL. Projeto de lei 9.604/2018, de 21 de fevereiro de 2018. Dispõe sobre o abuso do direito de articulação
de movimentos sociais, destinado a dissimular atuação terrorista, inserindo parágrafo no art. 2º da Lei nº 13.260,
de 16 de março de 2016. Câmara dos Deputados, Brasília, 2018. Disponível em: https://www.camara.leg.br.
Acesso em: 20 maio 2020.
23 BRASIL. Projeto de lei 9.858/2018, de 22 de março de 2018. Altera a Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016,
para dispor sobre a atividade terrorista de movimentos sociais. Câmara dos Deputados, Brasília, 2018. Disponí-
vel em: https://www.camara.leg.br. Acesso em: 20 maio 2020.
277
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
24 BRASIL. Projeto de lei 3.019/2020, de 1º de junho de 2020. Altera a Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016,
para dispor sobre a atividade terrorista de movimentos sociais. Câmara dos Deputados, Brasília, 2020. Disponí-
vel em: https://www.camara.leg.br. Acesso em: 2 jun. 2020.
278
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
tro torcidas de futebol de São Paulo (Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos)
organizaram ato com faixas e brados com a expressão “Somos pela democracia!”. A
manifestação, que teve um princípio pacífico, foi encerrada após confronto com a
Polícia Militar (PM) e apoiadores do presidente Bolsonaro (sem partido; ex-PSL/RJ),
cujas bandeiras exibiam locuções contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal
Federal. Segundo o autor da proposição, a inclusão é urgente em virtude das flagran-
tes manifestações públicas de prática de ódio e incitação à violência, sob o falso viés
da defesa da democracia, praticadas pelas “famigeradas torcidas organizadas de clubes
paulistas, cujo histórico denota claramente poder de organização com potencial para
a efetiva prática de atos violentos em maior escala e altamente lesivos à sociedade”.
CONCLUSÃO
279
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
REFERÊNCIAS
BRASIL. Projeto de lei 5.065, de 26 de abril de 2016. Altera o artigo 2º da Lei nº 13.260/16, dan-
do nova redação ao seu caput e ao seu §1º, inciso V, acrescendo os incisos VI, VII e VIII ao seu
§1º, e revogando o seu § 2º. Câmara dos Deputados, Brasília, 2016. Disponível em: https://
www.camara.leg.br. Acesso em: 20 maio 2020.
BRASIL. Projeto de lei 9.604/2018, de 21 de fevereiro de 2018. Dispõe sobre o abuso do direito
de articulação de movimentos sociais, destinado a dissimular atuação terrorista, inserindo pará-
grafo no art. 2º da Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016. Câmara dos Deputados, Brasília,
2018. Disponível em: https://www.camara.leg.br. Acesso em: 20 maio 2020.
BRASIL. Lei 13.260, de 16 de março de 2016. Regulamenta o disposto no inciso XLIII do art.
5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e
processuais e reformulando o conceito de organização terrorista; e altera as Leis n º 7.960, de 21
de dezembro de 1989, e 12.850, de 2 de agosto de 2013. Presidência da República, Brasília,
2016. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 20 maio 2020.
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nais. Tradução de Jorge Vaz de Carvalho. Lisboa: Gradiva, 2011.
FIGUEIREDO, Luciano. Rebeliões no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005.
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HESPANHA, António Manuel. Caleidoscópio do Antigo Regime. São Paulo: Alameda, 2012.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
280
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
HUGO, Victor-Marie. Os miseráveis. Tradução de Regina Célia de Oliveira. São Paulo: Editora
Martins Claret, 2014.
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Boitempo, 2008.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2. ed.
Rio de Janeiro: Revan, 2007.
281
Capítulo 16
AS ZONAS ESPECIAIS DE
INTERESSE SOCIAL COMO
INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO
DE DIREITOS HUMANOS
EM FORTALEZA
SUMÁRIO: Introdução. 1. A previsão legal das ZEIS no Brasil em Fortaleza. 2. A
potencialidade das ZEIS na promoção do direito à cidade. 3. A implementação das ZEIS
em Fortaleza após o PDP/For. 3.1. Criação do Comitê Técnico Intersetorial e Comunitário
das ZEIS. 3.2. A eleição dos Conselhos Gestores das ZEIS e o início dos PIRFs. 4. As ZEIS
como instrumento de luta pela permanência. Considerações Finais. Referências.
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CAPÍTULO 16
INTRODUÇÃO
25 Aluno do 6º semestre da Faculdade de Direito da UFC. Integrante do NAJUC (Núcleo de Assessoria Jurídica
Comunitária). Estagiário no Fórum Clóvis Beviláqua.
26 A Lei nº 16.113, do município de Recife, dispunha, à época, sobre o Plano de Regularização das ZEIS – PRE-
ZEIS, sendo considerada pioneira na utilização das ZEIS dentro do Brasil.
27 O Plano Diretor Participativo de Fortaleza foi instituído em 2 de Fevereiro de 2009, com a aprovação da Lei
Complementar nº 062.
285
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
1 Lei que regulamenta o Programa “Minha Casa, Minha Vida” e a Regularização Fundiária no território brasileiro.
286
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
287
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
ca da cidade, uma das diretrizes do Estatuto da Cidade. Para isso o PDP/For institui
a criação dos Conselhos Gestores:
Art. 268: Deverão ser constituídos, em todas as ZEIS 1 e 2,
Conselhos Gestores compostos por representantes dos atuais
moradores e do Município, que deverão participar de to-
das as etapas de elaboração, implementação e monitora-
mento dos planos integrados de regularização fundiária.
Parágrafo Único - Decreto Municipal deverá regulamentar a cons-
tituição dos Conselhos Gestores das ZEIS 1 e 2 determinando suas
atribuições, formas de funcionamento, modos de representação
equitativa dos moradores locais e dos órgãos públicos competentes.
(FORTALEZA, 2009).
288
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
2 O comitê das ZEIS foi instituído por meio do Decreto Municipal nº 13.241, de 21 de outubro de 2013, com a
finalidade de “subsidiar o executivo municipal de informações suficientes para tomadas de decisão relativamente
à regulamentação e à implementação destas zonas especiais no âmbito do território municipal”.
289
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
3.2. A eleição dos Conselhos Gestores das ZEIS e o início dos PIRFs
290
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Jardim, Pirambu, Poço da Draga, Moura Brasil e Mucuripe. Após a identificação dessas
zonas prioritárias, então, passou-se a cobrar a real regulamentação destas, a qual não po-
deria se fazer sem a criação dos Conselhos Gestores, em cada uma delas. Importante sa-
lientar, ainda, que do universo de 45 (quarenta e cinco) ZEIS do Tipo 1 e 56 (cinquenta
e seis) do Tipo 2, a escolha de apenas 10 para passar por esse processo já demonstra, de
maneira clara, o fato de a gestão do município não aproveitar da maneira ideal o instru-
mento das ZEIS para efetivar direitos fundamentais das populações de baixa renda, que
compõem grande parte dos assentamentos irregulares.
Dito isso, aponta-se o Decreto Municipal nº 14.211, de maio de 2018, o
qual, enfim, tratou de regulamentar o processo de eleição dos Conselhos Gestores
das ZEIS, bem como dispôs sobre a competência do conselho e a sua composição.
Por parte das comunidades, dos movimentos sociais da luta pelo direito à cidade
e das entidades apoiadoras houve enormes esforços para engajar as populações das
ZEIS a participar do processo, tendo em vista maior representatividade e, prin-
cipalmente, participação das pessoas em um processo essencial para que tenham
a regularização de suas comunidades. Para isso foram feitas oficinas, formações e
reuniões de quarteirões, por parte de assessorias e de movimentos. Ao fim do pro-
cesso, foram empossados, em novembro de 2018, 127 conselheiros (entre titulares
e suplentes), o que representou expressiva vitória daqueles que lutam, há anos, pela
regulamentação das ZEIS. O processo de eleição dos conselhos não só serviu de
exercício da cidadania, como deu indicativo do potencial das ZEIS como forma de
propiciar a gestão democrática da cidade.
Mais uma vez, no entanto, a regulamentação das ZEIS foi dificultada pela
insuficiente vontade política, não raro sendo apontada pela Prefeitura a carência de
recursos para destinar às ZEIS. Apesar disso, a conseguinte elaboração dos PIRFs, a
ser feita após a tomada de posse dos conselheiros, foi iniciada, em meio a inúmeros
entraves burocráticos e a conturbadas mudanças de prazos. Datam ainda de 2018 as
primeiras notícias veiculadas na mídia sobre a elaboração dos PIRFs das dez ZEIS
consideradas prioritárias. A Prefeitura apresentou a proposta de os Planos serem ela-
borados por universidades, iniciando conversas com a Universidade Federal do Ceará
(UFC), a Universidade Estadual do Ceará (UECE), o Instituto Federal do Ceará
(IFCE) e a Universidade de Fortaleza (UNIFOR). UFC e UNIFOR, cada uma, fi-
cariam responsáveis pela elaboração do PIRF de três ZEIS, enquanto IFCE e UECE
dividiriam a elaboração dos restantes.
Atualmente, os PIRFs das dez ZEIS prioritárias encontram-se em processo de
elaboração, de modo que se aguarda a sua futura implementação pelo Poder Público
291
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
para, enfim, dar concretude às previsões legais das zonas especiais enquanto instru-
mento que flexibiliza parâmetros e índices urbanísticos a vista de possibilitar a regu-
larização e a consequente melhoria da qualidade de vida dos habitantes.
Importa salientar, ainda, que a elaboração dos PIRFs é uma etapa primordial
à regulamentação das ZEIS, para que o resultado seja, de fato, consoante ao que as
comunidades desejam, de acordo com seus hábitos culturais e estilos de vida caracte-
rísticos, analisando suas potencialidades e particularidades. A elaboração dos PIRFs
foi comemorada por todas as ZEIS por significar, também, a garantia de, ao fim,
haver um plano, devidamente aprovado e validado, o qual dispõe sobre parâmetros
e normas específicas para a ZEIS em questão, justamente flexibilizando os índices e
passando a contemplar a cidade informal dentro do planejamento e da construção da
cidade formal. Para além disso, no contexto da cidade de Fortaleza, significa dizer que
as comunidades das dez ZEIS prioritárias terão um documento concreto que auxilie
na luta pela efetivação do direito à cidade.
292
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
atingiu três casas e promoveu intervenções em outras cinco, só não foi concluída por
intensas manifestações, à época, não só dos moradores, engajados em torno da luta
pela regulamentação das ZEIS, como de movimentos atuantes dentro da pauta do
direito à cidade.3 Recentemente, inclusive, a Sociedade São Vicente de Paulo, a qual
havia tentado a reintegração de posse, impetrou com recurso à decisão que suspendeu
a reintegração. O agravo de instrumento da Associação foi julgado em 16 de outubro
de 2019, tendo o TJCE negado provimento ao recurso (CEARÁ, 2019).4 Constou,
no embasamento do Tribunal, justamente o fato de a Vila Vicentina ser uma ZEIS,
o que impossibilitava a remoção das casas sem melhor apuramento acerca da regu-
lamentação da área, que necessita da elaboração de plano próprio, no qual constará
diagnóstico fundiário da área.
Importante pontuar, portanto, que a instituição das ZEIS em Fortaleza,
ao longo dos anos, vem servindo como forma não somente de exigir o direcio-
namento de políticas públicas voltadas a essas comunidades, como, também, de
lutar pela permanência das pessoas nos locais que vivem e de resistir aos efeitos
da especulação imobiliária.
CONCLUSÃO
293
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal do Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados, 1988.
BRASIL. Lei Federal nº 10257 (Estatuto da Cidade). Brasília: Câmara dos Deputados, 2001.
FORTALEZA. Relatório das Zonas Especiais de Interesse Social. Fortaleza: Comitê Técnico
Intersetorial e Comunitário das ZEIS, 2015.
294
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
O POVO. VILA na Aldeota é alvo de disputa. Fortaleza, p. 1-4, 20 out. 2016. Disponível em:
https://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/2016/10/vila-na-aldeota-e-alvo-de-disputa.html.
Acesso em: 4 nov. 2019.
PEQUENO, Luis Renato Bezerra; FREITAS, Clarissa Figueiredo Sampaio. Desafios para imple-
mentação das Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza. São Paulo: Enampur, 2011.
PINHO, Ana Virgínia Elias; FREITAS, Clarissa Figueiredo Sampaio. Zonas Especiais de Inte-
resse Social em Fortaleza: caracterização e indicação de vulnerabilidades através do sistema de
informação georreferenciado. IV Simpósio Brasileiro de Ciências Geodésicas e Tecnologia da
Informação. Recife: 2012.
ROLNIK, Raquel. Guia do Estatuto da Cidade. Brasília: Câmara dos Deputados, 2001.
295
Capítulo 17
CASA DA MULHER BRASILEIRA:
O ATENDIMENTO
MULTIDISCIPLINAR COMO
INSTRUMENTO PARA A
CONCRETIZAÇÃO DO ACESSO
À JUSTIÇA POR PARTE DAS
MULHERES VÍTIMAS DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A violência de gênero e suas especificidades. 3. A Casa da
Mulher Brasileira. 4. O atendimento multidisciplinar e intersetorial como concretização do
acesso à justiça. Considerações Finais. Referências.
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CAPÍTULO 17
INTRODUÇÃO
1 Acadêmica de Direito da Universidade Federal do Ceará. Estagiária do Ministério Público do Estado do Ceará.
Pesquisadora na área de Gênero, com enfoque na violência contra a mulher, feminicídio e direitos femininos. Foi
monitora de Direito Penal II (Parte Especial I) na Universidade de Fortaleza. Fez parte da Liga Acadêmica de Es-
tudos sobre a Mulher da Universidade de Fortaleza. E-mail: laiscapistrano@outlook.com.
2 Documento produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segu-
rança Pública (FBSP), onde são construídos e analisados inúmeros indicadores para compreender a violência no
Brasil (cf. CERQUEIRA, D. R. C. et al. Atlas da Violência 2019. 2019. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/
portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/190605_atlas_da_violencia_2019.pdf. Acesso em 27 de outu-
bro de 2019).
299
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
3 A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra Mulher (conhecida como Con-
venção de Belém do Pará), firmada em 9 de junho de 1994, conceitua a violência contra as mulheres e estabelece
deveres aos Estados signatários, com o propósito de criar condições reais de rompimento com o ciclo de violência.
4 A Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006, conforme esclarece sua ementa,“cria mecanismos
para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal,
da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Inte-
ramericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de
Execução Penal; e dá outras providências” (cf. BRASIL. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a mulher. Belém do Pará, em 9 de junho de 1994).
5 O que é demonstrado pela Nota técnica nº 13 do IPEIA.
300
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
6 A mencionada classificação em grupos está preconizada nos incisos do artigo 7º da Lei nº 11.340/2006 (Lei
Maria da Penha).
7 SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo. Ed. Perseu Abramo, 2004, p. 81.
8 A Constituição Federal assegura em seu art. 226, § 8º, “a assistência à família, na pessoa de cada um dos que a in-
tegram, criando mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas relações”.
9 O citado programa foi idealizado pelo Governo Federal para, segundo suas diretrizes, mediante adesão dos Es-
tados, “promover a criação de centros integrados de serviços especializados, humanização do atendimento em
saúde, cooperação técnica com o sistema de justiça e campanhas educativas de prevenção e enfrentamento à vio-
lência de gênero”.
301
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
10 Segundo as diretrizes do Programa Mulher, Viver sem Violência, um dos objetivos da Casa da Mulher Brasi-
leira é a “assistência integral e humanizada às mulheres em situação de violência, facilitando o acesso destas aos serviços
especializados e garantindo condições para o enfrentamento da violência, o empoderamento e a autonomia econômica
das usuárias” (cf. Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres. Programa Mulher, Viver Sem Violência: Diretrizes Gerais E Protocolos De Aten-
dimento. Brasília, 2015).
11 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo:
Acadêmica, 1994.
302
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
pode ser concretizado se forem voltados os olhares profissionais aos aspectos que
extrapolam a punição do agressor.
Assim, a promoção do acesso à justiça das mulheres vítimas de violência domés-
tica perpassa necessariamente pela promoção do atendimento integral das mesmas, o
que envolve, obrigatoriamente, uma análise de todas as suas necessidades, levando a
conclusão de que o êxito implica na observância da pluralidade das demandas, o que
evidencia o caminho da multidisciplinaridade como instrumento de reparação.
Merece destaque que a fragmentação nos serviços de atenção à mulher em
situação de violência, bem como o acesso e a limitada capacidade de tomar resolu-
ções constituem aspectos institucionais que dificultam o processo de libertação das
mulheres da situação de violência doméstica12. Por esse motivo, a articulação setorial
proposta pela Casa da Mulher Brasileira quebra paradigmas e, com seu caráter multi-
disciplinar, se revela como instrumento efetivo de combate à violência e/ou minimi-
zação de seus efeitos.
Segundo preconiza o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as
Mulheres13, é necessário que o Estado brasileiro adote políticas públicas acessíveis a
todas as mulheres, que englobem as diferentes modalidades pelas quais ela se expres-
sa. Essa disposição, indiscutivelmente foi observada pelo projeto em discussão, posto
que, como já mencionado, as unidades reúnem Juizado Especial de Violência contra
a Mulher, Promotoria Especializada, núcleo da Defensoria Pública, uma Delegacia
de Defesa da Mulher, alojamento de passagem, brinquedoteca, apoio psicossocial e
capacitação para a autonomia econômica da vítima.
A aproximação dos núcleos do Juizado Especial, do Ministério Público, da
Defensoria Pública e da Delegacia Especializada, por si só, já contribui para a faci-
litação do acesso à justiça em sentido estrito, posto que aproximam as mencionadas
instituições de seu público. Mas, para além disso, a combinação dessa circunstância
com a presença do alojamento de passagem para àquelas mulheres que precisaram
sair de casa sem recursos financeiros e por isso necessitam de habitação provisória
(para ela e, eventualmente, os filhos que possuírem), bem como do apoio psicológico
tão necessário nessa situação e, ainda, a promoção de capacitação que a proporcione
12 GOMES, Nardilene et al. Enfrentamento da violência doméstica contra a mulher a partir da interdisciplinari-
dade e da intersetorialidade. Revista enfermagem UERJ. v. 17. n.1. jan.-mar. 2008.
13 Utiliza-se aqui, como referência, o documento intitulado “Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra
as Mulheres” elaborado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, no ano de 2011,
onde foram apresentados diretrizes, eixos estruturantes e objetivos em relação ao combate à violência contra as
mulheres no Brasil (cf. BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Pacto
Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher. Brasília, 2011).
303
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo o que foi exposto, conclui-se que a Casa da Mulher Brasileira
constitui, de fato, um importante instrumento para a concretização ao acesso à jus-
tiça das mulheres que utilizam seus serviços, especial e nomeadamente em razão do
atendimento multidisciplinar e intersetorial, que possibilita uma reparação dos danos
causados pelo agressor (ou, quando impossível, proporciona ao menos uma minimi-
zação das consequências), a aproximação das vítimas em relação às instituições que a
fornecerão apoio policial (Delegacia Especializada) e prestação jurisdicional (Juizado
Especial, Ministério Público e Defensoria Pública), para além de atenção integral
(englobando aspectos sociais e psicológicos), às ofendidas e às vítimas indiretas.
Assim, continuidade e ampliação dos serviços nos Estados que já o possuem e
a difusão naqueles que ainda não contam com esses centros (que ainda são maioria)
devem ser estimuladas como medida indispensável ao combate e repressão à violência
doméstica, bem como ao instrumento de acesso à justiça por parte das vítimas.
Merece destaque, por fim, que, apesar das unidades encontrarem excelente
estrutura, alguns dos centros já existentes ainda enfrentam dificuldades técnicas e
operacionais em seu funcionamento, tais como carência de pessoal, pelo que esses
desafios devem ser enfrentados.
304
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
REFERÊNCIAS
BRASIL. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
mulher. Belém do Pará, em 9 de junho de 1994.
BRASIL. Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Secretaria Espe-
cial de Políticas para as Mulheres. Programa Mulher, Viver Sem Violência: Diretrizes Gerais
E Protocolos De Atendimento. Brasília, 2015.
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo:
Acadêmica, 1994.
SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo. Ed. Perseu Abramo, 2004.
305
Capítulo 18
ACESSO À JUSTIÇA:
ACESSO A MEDICAMENTOS,
SUCESSOS E ENTRAVES
CAPÍTULO 18
INTRODUÇÃO
É nesse contexto de tratado social que a Constituição veio em seu sexto artigo15,
um rol de direitos sociais, dentre outros direitos ou perspectivas de direitos, que
consubstancia uma verdadeira declaração do acesso à saúde. Para os fins do presente
trabalho, deve-se compreender saúde como um conceito amplo de “acesso a serviços de
saúde ou a meio de promoção, proteção e recuperação do estado ‘são’ do indivíduo”.
14 Acadêmico em Direito na Universidade Federal do Ceará, 6° Semestre. Porta Voz do Projeto Primeira Chance
e Instituto Voar. Estagiário da Caixa Econômico Federal.
15 BRASIL. Constituição (1988). Constituição.7. ed. rev. e atual. Barueri-SP: Manole, 2019.
16 Idem.
309
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) constatam que, até 2007, cer-
ca de 2 bilhões de pessoas não tinham acesso a medicamentos básicos1. Esses números
são assustadores, porém, não muito difíceis de se associar a uma justificativa no plano
factual, segundo outro levantamento da OMS. Por meio deste, constatou-se que 15%
da população fazia consumo de mais de 90% da produção farmacêutica mundial, não
por coincidência grande parte desses indivíduos está listado dentre os mais abastados do
globo, dado que, - em mais uma constatação da OMS – nos países ricos gasta-se, em
média, 100 vezes mais em medicamentos por pessoa do que nos países pobres2.
310
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
clusão na lista do SUS poderá ser feita em consulta pública e, passado por esse crivo,
findando com a recomendação de sua inclusão ao secretário de Ciência e Tecnologia.
Encerrada essa fase inicial, o Supremo Tribunal Federal (STF) fez ama sim-
ples leitura do texto constitucional. E ela foi a de que o acesso à saúde é garantia
constitucional expressa. Logo, foi sedimentado o entendimento de que a busca por
medicamentos ainda não fornecidos é direito amparado constitucionalmente, sendo
referência à essa constatação os julgamentos de Suspenção de Tutela Antecipada n°
175 e nº178 realizados pelo Plenário do STF. Contudo, em razão da ausência de
critérios expositivos e técnicos ou mesmo base jurisprudencial, o julgado se tornou
objeto de análises morais em maior grau do que de verificações técnicas, algo que traz
onerosidade aos cofres públicos, consoante se verá a seguir.
4 BLOG DO FALCONI. Direito à saúde: a obrigação do Poder Público em fornecer medicamentos. Dispo-
nível em:< https://franciscofalconi.wordpress.com/2012/02/21/direito-a-saude-a-obrigacao-de-o-poder-publico-
-fornecer-de-medicamentos/>. Acesso em: 30 out. 2019.
311
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Quando foi permitido o arbítrio de juízes sobre o tema, percebeu-se uma ava-
lanche de pedidos de medicamentos na esfera judicial, sem igual acompanhamento
de crescimento nos pedidos dentro da esfera administrativa. Ou seja, a população
necessitada não mais protocolava pedidos administrativos de novos medicamentos,
mas sim recorria - de imediato - à esfera jurídica, mais ágil e menos exigente quanto
à verificação de sua necessidade5.
5 CREPALDI, Thiago; MORAES, Cláudia. VIDA OU MORTE Com judicialização da saúde, juízes passam
a ditar políticas públicas do setor. Revista Consultor Jurídico, 15 de agosto de 2018. Disponível em: <https://
www.conjur.com.br/2018-ago-15/judicializacao-saude-juizes-passam-ditar-politicas-publicas-setor>. Acesso em:
4 nov. 2019.
6 SENADO NOTICIAS. Brasil tem 48% da população sem coleta de esgoto, diz Instituto Trata Brasil. Dis-
ponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/09/25/brasil-tem-48-da-populacao-sem-coleta-
-de-esgoto-diz-instituto-trata-brasil>. Acesso em: 29 out. 2019.
7 CHAER, Márcio. Anuário da Justiça São Paulo: Usina de ideias. 2017. ed. São Paulo: Consultor Jurídico,
2017. p. 1-440.
8 CHAER, Márcio. Anuário da Justiça São Paulo: Revolução Invisível. 2018. ed. São Paulo: Consultor Jurídi-
co, 2018. p. 1-476.
9 UOL. Gasto com 10 remédios mais pedidos na Justiça. Disponível em:< https://noticias.uol.com.br/saude/
ultimas-noticias/redacao/2017/04/06/gasto-com-10-remedios-mais-pedidos-na-justica-para-o-sus-chega-a-r-1-bi.
htm>. Acesso em: 30 out. 2019.
312
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Por fim, existe ainda uma terceira crise ao correto trâmite dessa pauta. Três dos
dez medicamentos mais caros fornecidos pela União sequer possuem crivo da AN-
VISA. Isto é, embora administrativamente reprovados ou não estudados conclusiva-
mente, fármacos de grande valor estão aptos a serem fornecidos à população median-
te supervenientes ações e decisões judiciais, mostrando uma total falta de sincronia
entre a esfera judicial e a administrativa.
10 Cf. CANOTILHO. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Editora Almedina, 1997, p.
1051/1052, e BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 4ª ed., Rio de
Janeiro: Renovar, p. 105.
313
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CONSIDERAÇÕES FINAIS
314
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Aliás, como demonstra esse trabalho, é pacífico ser dever do Estado arcar com
esse ônus e desenvolvê-lo da maneira menos custosa e mais eficiente, sendo isso sua
missão política. Nesse contexto, é papel do Judiciário - que não é o único agente de
efetivação do direito à saúde - agir com responsabilidade e ponderação. Atuar com
ativismo, com pressa, sem critérios específicos, concretos e determinados que devem
estar aliados ao equilíbrio fiscal e jurídico, acarretam consequências tão desastrosas
quanto a omissão frente ao cenário de desobediência constitucional.
11 SÃO PAULO. Governo Estadual. Secretaria do Estado da Saúde. SP CRIA OFENSIVA PARA COMBA-
TER A ‘JUDICIALIZAÇÃO’ DA SAÚDE. Disponível em:<< http://www.saude.sp.gov.br/centro-de-referencia-
-e-treinamento-dstaids-sp/homepage/destaques/sp-cria-ofensiva-para-combater-a-judicializacao-da-saude>.
Acesso em: 1 nov. 2019.
315
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Com efeito, em nada contribui para uma melhor solução o Judiciário, mesmo
pelas decisões e recomendações de suas instâncias superiores, se a atuação não estiver
alinhada a um exercício geral de compromisso público e conjunto. É que não é saudável
a nenhuma democracia organizada em um Estado de Direito a presença de várias deci-
sões judiciais que nada mais são do que declarações e expressões de subjetividade acerca
de fatos e da legislação. Por isso, é necessária a presença de um trabalho mais consciente,
inclusive na formação dos operadores do direito, desde a graduação até a investidura
no cargo de magistrado com disciplinas relacionadas à importância da consciência e da
responsabilidade orçamentária. Isso porque, embora infinitas sejam as necessidades de
um povo, sempre serão finitas as possibilidades de seu Estado para atendê-las.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição.7. ed. rev. e atual. Barueri-SP: Manole, 2019.
316
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CHAER, Márcio. Anuário da Justiça São Paulo: Revolução Invisível. 2018. ed. São Paulo: Con-
sultor Jurídico, 2018. p. 1-476.
CHAER, Márcio. Anuário da Justiça São Paulo: Usina de ideias. 2017. ed. São Paulo: Consultor
Jurídico, 2017. p. 1-440.
OLIVEIRA, Mariana; BARBIERI, Luiz Felipe. Supremo impõe restrições para fornecimento
público de remédio sem registro na Anvisa. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/
noticia/2019/05/22/maioria-do-stf-impoe-restricoes-para-fornecimento-de-remedio-sem-regis-
tro-na-anvisa.ghtml>. Acesso em: 31 out. 2019.
SABBATINI, Renato. Por que os remédios são tão caros? Disponível em: <,https://www.sabba-
tini.com/renato/correio/medicina/cp990604.htm>. Acesso em: 25 out. 2019.
SÃO PAULO. Governo Estadual. Secretaria do Estado da Saúde. SP CRIA OFENSIVA PARA
COMBATER A ‘JUDICIALIZAÇÃO’ DA SAÚDE. Disponível em: <http://www.saude.sp.
gov.br/centro-de-referencia-e-treinamento-dstaids-sp/homepage/destaques/sp-cria-ofensiva-pa-
ra-combater-a-judicializacao-da-saude>. Acesso em: 1 nov. 2019.
SENADO NOTICIAS. Brasil tem 48% da população sem coleta de esgoto, diz Instituto Trata
Brasil. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/09/25/brasil-tem-
-48-da-populacao-sem-coleta-de-esgoto-diz-instituto-trata-brasil>. Acesso em: 29 out. 2019.
UOL. Gasto com 10 remédios mais pedidos na Justiça. Disponível em: <https://noticias.uol.
com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2017/04/06/gasto-com-10-remedios-mais-pedidos-na-
-justica-para-o-sus-chega-a-r-1-bi.htm>. Acesso em: 30 out. 2019.
317
Capítulo 19
A PROMULGAÇÃO DA LEI
13.979/2020 NO CONTEXTO DE
COMPRAS E CONTRATAÇÕES
PELO PODER PÚBLICO NA
PANDEMIA DE COVID-19 À LUZ
DOS DIREITOS HUMANOS
SUMÁRIO: Introdução. 1. O Estado de Calamidade Pública e a Dispensa à Licitação na
perspectiva da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988. 2. A Importância
da Promulgação da Lei 13.979/2020, da Medida Provisória Nº 926 e do Decreto 10.282.
3. Problemáticas relacionadas ao mau uso das prerrogativas pelos Gestores Públicos nos
primeiros meses de 2020. Conclusão. Referências.
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CAPÍTULO 19
INTRODUÇÃO
12 Aluna do 8º semestre do curso de Direito da Universidade Federal do Ceará. Membro do Núcleo de Assessoria
Jurídica Comunitária desde o primeiro semestre do ano de 2016.
13 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. (comp.). Painel de Ações Covid-19. 2020. Disponível em:
https://transparencia.stf.jus.br/extensions/app_processo_covid19/index.html. Acesso em: 7 jun. 2020.
14 COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS (org.). Pandemia y Derechos Humanos
en las Américas. 2020. Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/Resolucion-1-20-es.pdf.
321
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
322
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ponto de convergência na ciência dos direitos humanos. Esse bem público é, priori-
tariamente, de responsabilidade dos Estados, e por isso, na formulação dos planos de
medidas adotadas no combate ao vírus, é preciso pensar, um passo adiante, ou seja,
na situação em que findarão as populações mais vulneráveis.
No Brasil, especificamente ao se discutir sobre a desigualdade social, o prin-
cípio da proporcionalidade deve ser considerado para que os recursos econômicos
sejam usados com o escopo de amenizar o dano socioeconômico. No ano anterior a
pandemia, já sob o governo de Jair Bolsonaro, a tendência era contrária à amenização
das desigualdades básicas, eis que foram extintos órgão como o Conselho de Segu-
rança Alimentar, através da Medida Provisória 870/2019, aprofundando ainda
mais o esvaziamento das políticas públicas voltadas ao provimento de insumos
básicos para o cumprimento do respeito à dignidade humana.
Nessa linha, analisaremos ainda a necessidade transparência e o dever de infor-
mação com base no histórico de construção da democracia brasileira, bem como na
construção jurídico doutrinária que permite que o governo tome decisões legislativas
para liberar créditos para os entes ou população em geral e facilitar ações que comi-
nem na distribuição de equipamentos de saúde pelo país.
O estado de calamidade pública foi primeiramente disciplinado pela Cons-
tituição Federal, sendo de competência do Presidente da República. O dispositivo
constitucional transcrito a seguir exigiu regulamentação posterior de modo a estabe-
lecer em que condições específicas pode ser decretado:
Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da
República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de de-
fesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e
determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e
iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de
grandes proporções na natureza.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
1 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 101300. Relator: Ministro Ayres Britto. Brasília, DF, 05 de ou-
tubro de 2010. Diário Oficial da União. Brasília, 18 nov. 2010. p. 27-39.
324
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O artigo 24, a que se refere, é extenso e consta na Lei 8666/93, nomeada Lei
de Licitações, contemplando desde contratações de baixo valor até as necessárias no
caso de emergência, conforme seus incisos III e IV abaixo transcritos:
Art. 24. É dispensável a licitação:
Insta aclarar que mesmo diante das flexibilizações autorizadas pelo legislador,
o agente político não se escusa do cumprimento da gestão responsável sob a alegação
de que procedeu com a decretação do estado de calamidade, ao contrário, é de suma
importância que se proceda ao profundo planejamento e acompanhamento orça-
mentário, visando o equilíbrio fiscal eis que as contas públicas estão em estado de
vulnerabilidade.
Logo, a indicação da emergência financeira é essencial para que se possa cus-
tear despesas que amenizem o prejuízo humano e financeiro, porém pode induzir
a uma parcela despreparada da Administração a entender que os seus atos estariam
acobertados pelo manto normativo, conquanto, na verdade, podem sofrer a rejeição
de contas e consequente responsabilização pessoal do agente político.
2 PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários À Lei das Licitações e Contratações da Administração
Pública. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 102
326
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nos termos do art. 4º- B, que foi incluído pela MP 926, as condições que são presu-
midas no ato da contratação:
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de até R$ 150 mil para serviços de engenharia e de até R$ 80 mil para compras em
geral, conforme o trecho colacionado:
Art. 6º-A Ficam estabelecidos os seguintes limites para a concessão
de suprimento de fundos e por item de despesa, para as aquisições e
contratações a que se refere o caput do art. 4º, quando a movimen-
tação for realizada por meio de Cartão de Pagamento do Governo:
4 GLOBO, G1. Após recorde diário e mais de 5 mil mortes, ministro diz que há ‘agravamento da situação’ da
Covid no Brasil. 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/28/apos-recor-
de-diario-e-mais-de-5-mil-mortes-ministro-diz-que-ha-agravamento-da-situacao-da-covid-no-brasil.ghtml.>
330
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
5 Brasil se une à Coreia do Norte e à Venezuela ao omitir dados da Covid-19. 2020. Disponível em: https://
g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/06/07/brasil-se-une-a-coreia-do-norte-e-a-venezuela-ao-omitir-
-dados-da-covid-19.ghtml. Acesso em: 06 jul. 2020.
6 ATUAL, Rede Brasil. Violações de Bolsonaro em meio à covid-19 são denunciadas na OEA. 2020. Dispo-
nível em: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2020/05/violacoes-bolsonaro-covid-19-oea/.
7 BRASIL. Ministério da Economia. Brasília-DF. Compras governamentais. Disponível em: <https://www.comprasgo-
vernamentais.gov.br/index.php/transparencia/1284-transparencia-dos-dados-de-dispensa-no-combate-ao-covid-19>
8 Idem.
9 BRAZILIENSE, Correio (ed.). Ministério da Saúde contrata empresa de condenado por lavagem de dinheiro.
2020. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/03/19/interna_politica,835186/
ministerio-da-saude-contrata-empresa-condenado-por-lavagem-de-dinheiro.shtml. Acesso em: 28 abr. 2020.
331
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
10 NOTÍCIAS, Uol. Mandetta contrata empresa ligada a sua campanha para combate ao coronavírus. 2020.
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/constanca-rezende/2020/03/19/mandetta-contrata-empresa-li-
gada-a-sua-campanha-para-combate-ao-coronavirus.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 24 abr. 2020.
11 Idem.
12 NEWS, Pleno. Witzel põe sigilo em contratos de R$ 1 bilhão contra Covid-19. 2020. Disponível em: ht-
tps://pleno.news/brasil/cidades/witzel-poe-sigilo-em-contratos-de-r-1-bilhao-contra-covid-19.html.
332
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CONCLUSÃO
333
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fun-
damentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2010. 453 p.
BRASIL. Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020. Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro
de 2020, para dispor sobre procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento
da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.. Diário Oficial da Re-
pública Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 mar 2020. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm> Acesso em 24 abr. 2020.
BRASIL. Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993. Brasília, DF, 21 jun 1993. Disponível em:< http://web-
cbtu.gov.br/ac/pr/delic/8666/lei8666.htm>. Acesso em: Acesso em 24 abr. 2020.
BRASIL. Decreto nº 7.257, de 4 de agosto de 2010. Brasília, DF, 04 ago 2010 . Disponível em:<
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2010/decreto-7257-4-agosto-2010-607732-nor-
maatualizada-pe.html> Acesso em 24 abr. 2020.
BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. República Federativa do Brasil, Bra-
sília, DF, 04 mai 2000. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.
htm> Acesso em 24 abr. 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 101300. Relator: Ministro Ayres Britto. Brasília,
DF, 05 de outubro de 2010. Diário Oficial da União. Brasília, 18 nov. 2010. p. 27-39.
BRASIL, Agência. Contra covid-19, governo gastou R$ 703,6 mi com dispensa de licitação.
2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-04/contra-covid-
-19-governo-gastou-r-7036-mi-com-dispensa-de-licitacao. Acesso em: 23 abr. 2020.
BRAZILIENSE, Correio (ed.). Ministério da Saúde contrata empresa de condenado por la-
vagem de dinheiro. 2020. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/
politica/2020/03/19/interna_politica,835186/ministerio-da-saude-contrata-empresa-condena-
do-por-lavagem-de-dinheiro.shtml. Acesso em: 28 abr. 2020.
334
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
GLOBO, G1. Após recorde diário e mais de 5 mil mortes, ministro diz que há ‘agravamento
da situação’ da Covid no Brasil. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/corona-
virus/noticia/2020/04/28/apos-recorde-diario-e-mais-de-5-mil-mortes-ministro-diz-que-ha-a-
gravamento-da-situacao-da-covid-no-brasil.ghtml. Acesso em: 27 abr. 2020.
GLOBO, G1. Brasil se une à Coreia do Norte e à Venezuela ao omitir dados da Covid-19.
2020. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/06/07/brasil-
-se-une-a-coreia-do-norte-e-a-venezuela-ao-omitir-dados-da-covid-19.ghtml. Acesso em: 06 jul.
2020.
NEWS, Pleno. Witzel põe sigilo em contratos de R$ 1 bilhão contra Covid-19. 2020. Dispo-
nível em: https://pleno.news/brasil/cidades/witzel-poe-sigilo-em-contratos-de-r-1-bilhao-con-
tra-covid-19.html. Acesso em: 24 abr. 2020.
NOTÍCIAS, Uol. Mandetta contrata empresa ligada a sua campanha para combate ao
coronavírus. 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/constanca-rezen-
de/2020/03/19/mandetta-contrata-empresa-ligada-a-sua-campanha-para-combate-ao-corona-
virus.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 24 abr. 2020.
OLIVEIRA, Cida de. Rede Brasil. Violações de Bolsonaro em meio à covid-19 são denun-
ciadas na OEA. 2020. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2020/05/
violacoes-bolsonaro-covid-19-oea/. Acesso em: 07 jun. 2020.
335
Capítulo 20
UMA ANÁLISE DA LEI Nº 12.318/2010
LEI DA ALIENAÇÃO PARENTAL,
NOS CASOS ENVOLVENDO
DENÚNCIAS DE ABUSOS
SEXUAIS POR UM DOS
GENITORES
SUMÁRIO: Introdução. 1. Abusos Sexuais no contexto familiar. 2. A Síndrome de
Alienação Parental. 3. A Lei 12.318/2010 e os obstáculos às denúncias de abuso sexual. 4.
Recomendações do CONANDA e da OEA. Considerações Finais. Referências.
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CAPÍTULO 20
INTRODUÇÃO
A Lei de Alienação Parental, Lei nº12.318/2010, surgiu no ordenamento
jurídico pátrio após a repercussão do caso de Conflito de Competência nº 94.723
- RJ (2008/0060262-5), alçado ao STJ. No caso, a mãe, detentora da guarda dos
filhos, alegou que o ex-marido seria violento e que teria cometido abuso sexual con-
tra sua filha. Em defesa, o pai, por sua vez, acusava a genitora de fazer alienação pa-
rental. O desfecho foi favorável ao genitor, e a alienação parental passou a ser prevista
na legislação dois anos depois do julgado do STJ.
Contudo, passados quase 10 anos da vigência da Lei de Alienação Paren-
tal, percebe-se, atualmente, diversos problemas quanto à utilização do instituto
em ações que visam turbar a guarda, em geral da mãe, por uma espécie de machis-
mo difuso no processo, que visa descaracterizar as denúncias, realizadas por mulhe-
res, de abuso sexual de menores por seu genitor, por meio do instituto da aliena-
ção parental e da tese da falsa memória.
A presente pesquisa vai revelar que tal instituto, em verdade, não tutela o
melhor direito processual e por razões estruturais do judiciário brasileiro, dificulta
a perseguição pelo indivíduo, ora acusado de alienar, da prestação jurisdicional do
Estado em evitar que um genitor, efetivamente abusador, se qualifique juridicamente
como o detentor da guarda.
339
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Ministério Público, o abuso sexual trata-se de uma situação em que uma criança
ou adolescente é invadido em sua sexualidade e usado para gratificação sexual de
um adulto ou de um adolescente mais velho.
Cabe ressaltar que o abusador se manifesta de diferentes formas, sem desca-
racterizar, para tanto, a conduta delituosa, podendo ser por meio de carícias, mani-
pulação dos genitais, mama ou ânus, voyeurismo, exibicionismo ou até o ato sexual
com ou sem penetração.
É sabido pela psicologia que o abuso sexual deturpa as relações socioafetivas
e culturais entre adultos e crianças ou adolescentes ao transformá-las em relações ge-
nitalizadas, erotizadas, comerciais, violentas e criminosas. O pior quadro, dentro do
espectro estarrecedor do abuso sexual, se manifesta quando a conduta abusiva parte
de um familiar, principalmente, do pai ou padrasto.
Tais casos não são tão incomuns, conforme os gráficos a seguir, da base
de dados do Ministério da Saúde, compilados pelo Instituto de Pesquisa Econômi-
ca Aplicada – IPEA:
340
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
341
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Note que, enquanto “somente” 14,0% das pessoas violentadas por des-
conhecidos haviam sofrido estupro anteriormente, a ampla maioria, precisamente
56,5% das vítimas cujos abusadores eram conhecidos, sofreram estupros repetidos,
revelando um quadro de recorrentes abusos por parte de conhecidos.
Neste contexto, não seria absurda, por exemplo, uma denúncia de uma
mãe a relatar situação de abuso por parte de um pai. No entanto, conforme apuração
do Ministério Público de São Paulo, em especial pela atuação da promotora de Jus-
tiça do Ministério Público de São Paulo (MPSP), Valéria Scarance Fernandes, mães
que entram na Justiça para comprovar o abuso sexual contra seus filhos e manter suas
guardas enfrentam, na Vara de Família, denúncias caluniosas de alienação parental, e,
dado o machismo difuso no judiciário e os instrumento falhos de apuração da SAP,
acabam por perder a guarda do filho em face do pai, eventualmente, abusador.
1 ACKERMAN, Marc J. (28 de fevereiro de 2002). Clinician’s Guide to Child Custody Evaluations (em in-
glês). [S.l.]: John Wiley & Sons. ISBN 9780471150916. Consultado em 05 de novembro de 2019.
2 BERNET, William; BAKER, Amy J. L. Parental Alienation, DSM-5, and ICD-11: Response to Critics.
Journal of the American Academy of Psychiatry and the Law Online (em inglês). 41 (1): 98–104. ISSN 1093-6793.
PMID 23503183 Consultado em 05 de novembro de 2019.
3 COULBORN FALLER, Kathleen (2 de maio de 1998). The Parental Alienation Syndrome: What is it and
What Data Support it?. University of Michigan. Consultado em 05 de novembro de 2019
342
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
4 MINISTÉRIO PÚBLICO DA BAHIA, MPBA, MP promove evento para discutir lei da alienação parental
e violência doméstica, Notícia, Redator: Milena Miranda DRT Ba 2510. Data: 22/05/2018 - 15:14. Disponível em:
<https://www.mpba.mp.br/noticia/42484 > Acesso em 05 de novembro de 2019.
343
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
344
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Em junho de 2019 ocorreu uma audiência pública sobre o projeto que re-
voga a Lei da Alienação Parental (LAP - Lei nº12.318, de 2010), na Comissão de
Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado Federal.
Cumpre ressaltar, que existem posições que sustentam pela não revogação
da lei por alegar o tamanho impacto nacional, sugerindo pequenas modificações à
LAP, de modo a evitar que denúncias não comprovadas tenham presunção automáti-
ca da prática de alienação parental.
No entanto, a ausência de fundamentação científica para a Síndrome de Alie-
nação Parental afastaria os laudos periciais da veracidade, tendo em vista, não haver ne-
nhuma comprovação científica da existência da possibilidade de implantar falsa memória.
5 “ Apesar de ter um laudo comprovando o estupro de sua filha de 12 anos, uma avaliação psicológica
atestando a veracidade do relato e até uma gravação com a confissão do ex-marido e padrasto, Daniel-
le, que mora no interior de São Paulo, era acusada de alienação parental e corria o risco de perder a
guarda da caçula, de 3 anos, para o abusador”. Mães relatam dificuldades na Justiça para compro-
var o abuso sexual contra seus filhos. O Globo, Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2019. Disponível
em:<https://oglobo.globo.com/sociedade/maes-relatam-dificuldades-na-justica-para-comprovar-abu-
so-sexual-contra-seus-filhos-23982962> Acesso em: 05 de Novembro de 2019.
6 MP promove evento para discutir lei da alienação parental e violência doméstica. Ministério
Público da Bahia, Salvador, 22 de Maio de 2018. Disponível em: <https://www.mpba.mp.br/noticia/42484
> Acesso em 05 de novembro de 2019.
345
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que passados quase 10 anos da vigência da Lei de Alienação Paren-
tal são diversos os problemas acerca das circunstâncias processuais que a lei impõe, indo
desde a desconsideração do devido processo legal, até a desproporcional intervenção,
sem sustentação científica razoável, na formação do indivíduo e na tutela deste.
A presente pesquisa resumiu o contexto fático em que se encontra tal insti-
tuto, que, em verdade, não resguarda o melhor direito processual e por razões estru-
turais do judiciário brasileiro, dificulta a persecução pelo indivíduo, ora acusado de
alienar, da prestação jurisdicional do Estado em evitar que um genitor, efetivamente
abusador, se qualifique juridicamente como o detentor da guarda do infante.
REFERÊNCIAS
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tions (em inglês). [S.l.]: John Wiley & Sons. ISBN 9780471150916. Consultado em 05 de
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to Critics. Journal of the American Academy of Psychiatry and the Law Online (em inglês). 41 (1):
98–104. ISSN 1093-6793. PMID 23503183 Consultado em 05 de novembro de 2019
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
MINISTÉRIO PÚBLICO DA BAHIA, MPBA, MP promove evento para discutir lei da alie-
nação parental e violência doméstica, Notícia, Redator: Milena Miranda DRT Ba 2510. Data:
22/05/2018 - 15:14. Disponível em: <https://www.mpba.mp.br/noticia/42484 > Acesso em 05
de novembro de 2019.
O GLOBO. Mães relatam dificuldades na Justiça para comprovar o abuso sexual contra seus
filhos. Reportagem. Constança Tatsch. Publicada em 29/09/2019. Disponível em: <https://
oglobo.globo.com/sociedade/maes-relatam-dificuldades-na-justica-para-comprovar-abuso-se-
xual-contra-seus-filhos239829 62> Acesso em 05 de novembro de 2019.
349
Capítulo 21
O ACESSO À JUSTIÇA
E O DIREITO DE
VISITA DOS AVÓS
CAPÍTULO 21
PROLEGÔMENOS
O presente artigo trata da lei nº 12.398/11 e tem como tema “O acesso à justiça
e o direito de visita aos avós”. Esse assunto já vinha sendo trabalhado pela comunida-
de acadêmica, pela doutrina majoritária e, nos casos concretos, pelas jurisprudências
dos tribunais, principalmente devido à ocorrência de inúmeros processos judiciais em
que os avós figuravam como autores da ação. O direito de visita resguarda a convi-
vência familiar e deve ser tratado como um direito fundamental, pois, em havendo
ruptura dos laços matrimoniais, conflitos familiares, ou, ainda, desentendimentos em
geral, os laços de afeto com a família deverão prevalecer.
Em primeiro lugar, é necessário entender que há diferença entre o direito de
visita, originalmente exclusivo dos pais, e o direito de visita dos avós. Este último é
estabelecido com critérios diferentes e deve ter um curto período de tempo, pois é
concedido unicamente no intuito de beneficiar a convivência entre avós e netos. Não
há que se falar em interferência na educação dos netos por parte dos avós, tendo em
vista que eles apenas serão partícipes no processo de desenvolvimento sadio da criança
e do adolescente. Além disso, não necessariamente deve ocorrer o divórcio entre os
genitores para que este direito seja obtido.
Percebe-se, dessa maneira, que o instituto jurídico aqui tratado possui ampla
importância para os avós, que tanto têm recorrido à Justiça Brasileira para ter seus
direitos reconhecidos, cuja gama de processos judiciais culminou com a promulgação
da Lei nº 12.398, de 28 de março de 2011. Ocorre que a retromencionada legislação,
11 Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC). Estagiário no escritório Wagner Barreira Advoga-
dos Associados desde 2018. Monitor da Disciplina de Direito Civil I – Parte Geral nos semestres 2018.1, 2018.2,
2019.1 e 2019.2. Membro-pesquisador do Centro de Estudos em Direito Constitucional (CEDIC) da UFC em
2019. Formado pela Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) em 2011. Passou, como Cadete, pela
Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) no período de 2012 a 2016. Coautor na obra Coletiva “Acesso à
Justiça e Direitos Humanos – Vol. 1”. E-mail: wallacedas@hotmail.com.
12 Advogada. Graduação pelo Centro Universitário Estácio do Ceará (2017). Pós-Graduação latu sensu em Direito
do Trabalho e Previdenciário pela Faculdade Evolutivo (2019). E-mail: juliana_magda2@yahoo.com.br.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
1. PODER FAMILIAR
1.1. Evolução Histórica
O instituto agora conhecido por poder familiar sofreu mudanças significativas
ao longo da história da sociedade brasileira. Antigamente, denominado de pátrio po-
der, nomenclatura derivada do Direito Romano - pater potestas -, este se caracterizava
pela centralização do poder na figura do pai, o chefe de família. Entretanto, devido à
conotação machista que o termo guardava, que se traduzia na ideia de exclusividade
do poder do pai sobre os filhos, houve uma reação de movimentos feministas no sen-
tido de haver uma igualdade de responsabilidade entre pai e mãe no tratamento dos
filhos. Desta forma, adveio o termo poder familiar1.
No Direito Romano, o homem é quem tinha o poder e era a autoridade dele
que prevalecia sobre a prole. Trazendo reflexos dessa tradição romana, o Código Civil
Brasileiro de 1916, aderiu à nomenclatura “pátrio poder”, pois o chefe da família é
quem tinha o domínio sobre a estirpe. Contudo, com a igualdade entre gêneros e os
avanços na sociedade familiar, este termo deixou de fazer sentido, sendo, hoje, conhe-
cido como poder familiar2.
Ainda nesse sentido, importante e necessária a lição de Rolf Madaleno:
A expressão pátrio poder induzia à noção de um poder do pai sobre os
filhos, afigurando-se incoerente com a igualdade dos cônjuges, indo
de encontro à doutrina da proteção integral dos filhos como sujeitos
de direitos, daí evoluindo para a denominação de poder familiar, a
traduzir uma noção de autoridade pessoal e patrimonial dos pais na
condução dos prioritários interesses dos filhos3. (grifos do autor).
Foi com a chegada do Estatuto da Mulher Casada que a mulher passou a exer-
cer também o pátrio poder, mas, ainda assim, em caso de divergência prevalecia a
decisão do pai. Explicitando essa situação, veja-se:
1 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10 ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revistas dos
Tribunais, 2015, p. 460.
2 É válido ressaltar que, ainda assim, alguns doutrinadores não concordam com a atual nomenclatura. Silvio Rodri-
gues critica essa expressão por entender que não se trata de um poder dos pais sob a criança em si, mas de uma obriga-
ção exclusiva dos pais e que, apesar do nome, não se estende à família como um todo. Na mesma direção, Maria Bere-
nice Dias traz a crítica em relação à denominação poder familiar, pois o vocábulo mantém ênfase ao poder. Afirma que,
antes de poder, é um dever, de forma que seria mais adequado falar-se em função familiar ou em dever familiar (cf.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito de família. 28 ed., v. 6, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 355; DIAS, Maria
Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10 ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2015, p. 461).
3 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. rev, atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2013, p. 677.
355
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
1.2. Titularidade
Segundo Maria Berenice Dias5, o poder familiar é um conjunto de direitos
e deveres do qual os pais, mesmo que separados, devem ser titulares, participando
da educação, criação, representação e o mais importante: dando amor e afeto. É im-
portante ressaltar que a autoridade deste poder sobre os filhos cabe aos genitores e,
mesmo havendo a situação de guarda, ainda assim os dois terão esta faculdade sobre
os filhos.
Quando se fala em poder, essa expressão não está ligada somente a direitos,
mas também a deveres que os pais devem se atentar para com os filhos. No artigo
16346 do Código Civil de 2002 há alguns dos deveres que os pais devem ter. Nesse
rol de deveres não estão o afeto, o amor e o carinho, mas sem dúvidas estes são a base
e deverão estar ligados aos demais do rol do referido artigo.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Na conceituação de Sarlet11:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e dis-
tintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito
e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando,
neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degra-
dante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existen-
ciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria exis-
tência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
11 SARLET, Ingo apud DE LIMA, Francisco Arnaldo Rodrigues. O princípio da dignidade da pessoa humana
12 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. rev, atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2013, p. 99.
13 GROENINGA, Giselle Câmara. O direito à integridade psíquica e o livre-desenvolvimento da personalidade.
In: Família e dignidade humana, PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Belo Horizonte: IBDFAM. Anais do V
Congresso Brasileiro de Direito de Família, 2006.
358
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
14 SCURO, Andressa Bonato; OLTRAMARI, Vitor Hugo. O reconhecimento jurídico do direito de visitas entre
avós e netos no contexto da convivência familiar. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 64, maio 2009.
15 MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: as-
pectos teóricos e práticos. 6 ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2013, p. 82-83.
16 PERIPOLLI, Suzane Catarina. O princípio do melhor interesse da criança como fundamento para o reconhe-
cimento da paternidade socioafetiva. 2014. In: Âmbito Jurídico, 01 nov. 2014.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Para conceder o direito de visitas dos avós, o juiz deve sempre ter por base
o princípio do melhor interesse da criança para dar uma decisão razoável ao caso
concreto. Em face dos princípios que informam o Direito de Família, não se pode
recusar aos avós, salvo razões graves baseadas no interesse superior dos menores, o
direito de visita aos netos17. É o que se pode observar na seguinte ementa, em que o
melhor interesse do menor privou os avós de um contato mais frequente em virtude
de atitudes reprováveis:
17 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação. 9. ed. São Paulo: Editora Revistas dos tribunais, 2000, p. 951-957.
18 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. rev, atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2013, p. 93.
360
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Além disso, de acordo com a advogada Anna Luiza Ferreira19, o artigo 229
da CF/88 evidencia o dever ético da reciprocidade que deve existir entre ascenden-
tes e descendentes, deixando claro que os filhos, ainda que maiores, devem cuidar
de seus pais e, quando menores, seus pais devem criá-los e educá-los.
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos
menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os
pais na velhice, carência ou enfermidade.
19 FERREIRA, Anna Luiza. A supremacia do direito de visitação dos avós. 2009. In: Migalhas. 17. Jul. 2009.
20 Ibid.
21 MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: as-
pectos teóricos e práticos. 6 ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2013, p. 64.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
3. CONVIVÊNCIA FAMILIAR
3.1. Conceito
A Constituição Federativa do Brasil prevê em seu artigo 227:
22 MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: as-
pectos teóricos e práticos. 6 ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2013, p. 65.
23 ECA, Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: (...) V - participar da vida familiar e
comunitária, sem discriminação; (...)
24 ECA, Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcional-
mente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu de-
senvolvimento integral.
25 LÔBO, Paulo, 2009 apud DOS SANTOS, Milena Andrade. Direito de Visita dos Avós. Revista Eletrônica
de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, out. 2013. Disponível em: <http://npa.newtonpaiva.br/direi-
to/?p=1460>. Acesso em: 20 jun. 2020.
362
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Como bem citado pelo autor acima, a convivência familiar é de extrema im-
portância, e essa relação afetiva poderá ser de parentes mais próximos ou pessoas que
compõem o grupo familiar, não pressupondo necessariamente uma consanguinidade.
3.2. O direito de visita dos avós como parte integrante da convivência familiar
Garantido na Constituição Federal de 1988, o direito de convivência familiar
evidencia que o direito de visita está preservando a conexão da criança e do adolescen-
te com a parte que não detém a guarda e nem tem convívio direto. O direito de visita
dos avós teve seu reconhecimento na legislação e se entende por uma convivência
saudável e recíproca entre os ascendentes e os netos. Este direito permitiu aos avós a
oportunidade de ajuizar uma ação em caso de conflito.
É que os casos de conflitos familiares podem levar ao impedimento do direito
de visita dos avós. Todavia, tal obstáculo não deve prevalecer, porquanto as crianças
não devem ser afetadas pelas desavenças entre seus pais e familiares. O que deve ser
preservado, antes de qualquer coisa, é o bem-estar da criança mediante a convivência
pacífica. Sobre essa contradição, veja-se:
Em caso de divórcio ou separação, além da já complexa fixação da
guarda e do regime de convivência dos pais com os filhos menores de
18 anos de idade, surge, algumas vezes, a necessidade de regulamen-
tação do regime de visitas dos avós aos netos. Pode parecer estranho
os pais impedirem a visitação dos avós aos netos, já que o que se pode
esperar desta convivência é a maior alegria e o pleno bem-estar para as
crianças, salvo raríssimas exceções26.
26 DA SILVA, Regina Beatriz Tavares. O direito de visita dos avós. In: Associação de Direito de Família e dass Suces-
sões (ADFAS). Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-direito-de-visitas-dos-avos/>.
Acesso em: 27 de junho de 2020.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
É válido ressaltar que, para Maria Berenice Dias28, apesar da lei nº 12.398
de 2011 ter assegurado o direito de visita dos avós, o direito à convivência familiar,
previsto na Constituição Federal de 1988, já regulamentava o direito de visitas com
outros membros da família além dos genitores. Entretanto, aqui é o clássico caso de
que “às vezes o óbvio precisa ser dito”.
A nova redação estendeu o direito de visita aos avós e possui o seguinte enunciado:
27 DA SILVA, Regina Beatriz Tavares. O direito de visita dos avós. In: Associação de Direito de Família e dass Suces-
sões (ADFAS). Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-direito-de-visitas-dos-avos/>.
Acesso em: 27 de junho de 2020.
28 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10 ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revistas dos
Tribunais, 2015, p. 666.
29 DA SILVA, Regina Beatriz Tavares. op. cit.
30 Enunciado 333, da IV Jornada de Direito Civil: “O direito de visita pode ser estendido aos avós e a pessoas com as
quais a criança ou o adolescente mantenha vínculo afetivo, atendendo ao seu melhor interesse.”.
364
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Desta forma, Rolf Madaleno32 nos assegura que a convivência avoenga é fun-
damental na edificação da personalidade dos seus descendentes, pois essa transição
de quem já foi pai ou mãe e agora se tornam avós, acarreta que eles não serão dire-
tamente os responsáveis por sustentar, amparar e legislar a vida dos netos. Isso, por
consequência, os permite desfrutar de uma vasta experiência onde não se tem a preo-
cupação em relação às tarefas que são próprias dos genitores e, com isso, aproveitar os
prazeres e os benefícios que esta convivência traz para ambas as partes.
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33 MATTIA, Fábio Maria de apud BOSCHI, Fabio Bauab. Direito de visitas. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 29.
34 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10 ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revistas dos
Tribunais, 2015, p.663.
35 ECA. Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível,
podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.
36 FERREIRA, Anna Luiza. A supremacia do direito de visitação dos avós. op.cit.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
37 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10 ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revistas dos
Tribunais, 2015, p. 666.
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ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
Pode-se destacar, ainda, a seguinte decisão, para fins didáticos, que indefere
o pedido devido à ausência de regulamentação que servisse de subsídios a uma
decisão favorável:
AGRAVO INTERNO. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS DOS
AVÓS A NETA. DIREITO RECONHECIDO NOS PRETÓRIOS.
AMPLIAÇÃO DEPENDENTE DE ESTUDO SOCIAL E OUTRAS
PROVAS NOS AUTOS. Por construção pretoriana, é reconhecido o
direito de visitas dos avós ao neto, com vista ao fortalecimento das rela-
ções familiares e saudável constituição afeto-emocional da criança. No
entanto, sua regulamentação depende de provas e estudo social com vista
a subsidiar o magistrado para decisão que melhor atenda os interesses
da criança. Ausente, ainda, tais provas, em razão da fase inicial do pro-
cesso, não há como atender, por ora, a ampliação das visitas buscada
pelos recorrentes. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO
(SEGREDO DE JUSTIÇA) (TJRS – 7ª CÂMARA CÍVEL – REL.
DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO – AGRAVO DE
INSTRUMENTO Nº 70023246952 – DJ 14.05/2008).
368
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
38 CALEGARI, Rita apud FERES, Elisa. A importância dos avós para pais e netos. Revista Crescer, 26. jul. 2013.
39 MEAD, Margaret, 2002 apud ALVES, Andréa Moraes, 2007. Os idosos, as redes de relações sociais e as rela-
ções familiares. In: Neri, A.L. (Org.). Idosos no Brasil: vivências, desafios e expectativas na terceira idade. São
Paulo, SP: Editora Fundação Perseu Abramo. p. 133.
369
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
40 BARONI, Arethusa; CABRAL, Flávia Kirilos Beckert; DE CARVALHO, Laura Roncaglio. Direito de visitas
dos avós aos netos. Disponível em: <http://direitofamiliar.com.br/direito-de-visitas-dos-avos-aos-netos/>. Acesso
em: 15 jun. 2020.
41 BITTENCOURT, Edgard de Moura, 1981 apud DE OLIVEIRA, Euclides. Direito de visitas dos avós aos
netos. Revista Brasileira de Direito de Família – Síntese. IBDFAM, ano IV, n. 13, abr-mai-jun-2002, p. 76.
42 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. rev, atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2013, p. 460.
370
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho analisou a importância do direito de visita dos avós em conexão
com o interesse da criança e do adolescente, pois desta forma há uma sintonia para
que a decisão do juiz seja favorável e conceda este direito. Demonstrou, ainda, a im-
portância do Acesso à Justiça para que esse direito fosse paulatinamente reconhecido
e pudesse inspirar o legislador na promulgação de lei específica sobre a matéria.
Os objetivos propostos foram alcançados da seguinte forma: foi apresentado,
na primeira seção, o conceito de poder familiar, perpassando por uma breve evolução
histórica e tratando de sua titularidade. Restou claro que o poder familiar, antigo
pátrio poder, deixou de ser exclusividade do homem sobre a prole e, com a evolução
do pensamento da sociedade, estendeu-se esse poder-dever aos progenitores. A Cons-
tituição Federal de 1988 teve papel essencial no rompimento definitivo da noção de
família patriarcal e baseada numa certa hierarquia.
Na segunda seção, foram levantados alguns princípios do ordenamento pátrio,
tais como os princípios da dignidade humana, da afetividade, da solidariedade e do
melhor interesse. A partir do momento em que tanto a criança como o adolescente
tornaram-se sujeitos de direitos, passaram a ser protegidos pelo Princípio do Melhor
Interesse do Menor, o que orienta o juiz a ser cauteloso quando do proferimento
de sua decisão. Ademais, documentos jurídicos internacionais conexos ao direito da
criança e do adolescente surgiram, também, como marcos fundamentais para reafir-
má-los como sujeitos de direitos.
Na terceira seção, aprofundou-se o conceito de convivência familiar, expresso
nos artigos 226 e 227 da Constituição Federal de 1988, que define a família como
alicerce da sociedade, e ressaltou-se que o direito de visita dos avós se insere neste
âmbito e serve de fundamento para o desenvolvimento sadio do menor.
Por fim, na quarta e última seção, foi explanado o direito de visita dos avós
como um direito fundamental, que deve ser concedido sempre que for benéfico ao
43 LACERDA, Galeno. Direito de Família, casos selecionados. Rio de Janeiro: Forense, 2000. v. 111. p. 18-20.
371
ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS VO L . I I
REFERÊNCIAS
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