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24/07/22, 09:52 - - Planeta Invertebrados Brasil -

   

INÍCIO ARTIGOS ESPÉCIES GALERIA SOBRE EQUIPE PARCEIROS CONTATO

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degradadas, ou fixadas em coleções.    

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Estruturas de uma típica célula eucariótica, destaque para Mitocôndria e Núcleo celular. Ilustração de CFCF para Anatomy &
Physiology, Connexions Web site. Licença Creative Commons. Arquivo original pode ser visto aqui

DNA
mitocondrial e DNA nuclear

Quando se pensa em
DNA no interior da célula, imediatamente vem à mente o material
genético
encontrado no núcleo celular. Na reprodução sexuada, há fusão do DNA nuclear
(nDNA) do espermatozóide e do óvulo, por exemplo em seres humanos, os 23
cromossomos do pai e os 23 da mãe se combinam, totalizando os 46 cromossomos
das
nossas células. Porém, existe outro local dentro da célula onde existe DNA:
na
mitocôndria. Possui um sistema próprio de replicação, transcrição e
translação.

Com poucas exceções,


as células de espécies eucarióticas possuem mitocôndrias, uma
diminuta organela
envolta por uma membrana própria, que gera boa parte do ATP (fonte
de energia)
da célula. É uma organela muito especial, porque é a única que possui um
material genético próprio. Acredita-se que a mitocôndria seja um vestígio de
uma
bactéria endosimbionte que foi incorporada no citoplasma da célula
hospedeiro em
algum momento do seu passado evolutivo.

Já vimos que há
combinação do nDNA paterno e materno quando há reprodução. Porém,
na grande maioria
dos organismos com reprodução sexuada, o DNA mitocondrial
(mtDNA) é herdado
somente da mãe. O mtDNA do pai é destruído ou não-incorporado no
processo.

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Heranças
de DNA nuclear e DNA mitocondrial. Ilustração original de University of
California, Licença Creative Commons. A página da
Understanding
Evolution pode ser vista aqui

O mtDNA do filho é
idêntico ao mtDNA da mãe. Porém, ao longo de muitas e muitas
gerações, o mtDNA
tem uma relativamente alta e constante taxa de mutação, com uma
velocidade de
evolução acelerada. Implica em variações de sequência de graus variados
que
podem ser detectados e quantificados, a fim de graduar a distância evolutiva
dentre espécies, ou mesmo indivíduos de uma mesma espécie. Estas pequenas
variações
também permitem identificar locais de ramificações de ancestralidade,
e construir
complexas árvores filogenéticas. Já que a taxa de mutação destes
genes é sabida, pode-
se estimar também o momento quando estas bifurcações
ocorreram no passado. Por
este motivo, alguns chamam o mtDNA de “relógio
molecular”.

Em 1987, o mtDNA foi


usada por cientistas da Nature para
traçar uma ancestralidade
materna dos seres humanos até a África, a famosa
“Eva” mitocondrial de 200.000 anos
atrás.

Em cada célula de
mamíferos, há cerca de 1700 mitocôndrias, respondendo por cerca de
1~2% do
total de DNA. Em seres humanos, há 37 genes em cada mitocôndria, e 70.000
genes
nucleares em cada núcleo celular. Embora a quantidade total de genes do nDNA
seja muito maior, e, neste sentido, a identificação de espécies seja mais
precisa usando-
se esta ferramenta, a taxa de mutação de nDNA é mais baixa,
espécies diferentes mas
próximas podem ter muitos loci em comum, e serem indistinguíveis.

Estas diferenças
entre nDNA e mtDNA são bastante interessantes, e trazem vantagens e
desvantagens para análises isoladas dos dois tipos de material genético.
Geralmente são
usadas preferencialmente mtDNA, mais simples, facilitando
bastante a interpretação
dos resultados de árvores genéticas. Em comparação ao
nDNA, o mtDNA pode ser isolado
de amostras de cabelo, de amostras teciduais
degradadas e escassas, já que possui
muitas cópias por célula.

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Caridina logemanni, foto de Chris Lukhaup.

Metodologia
do trabalho dos Drs. Klotz e Rintelen

Em 2014, os Drs. Werner Klotz e Thomas von Rintelen publicaram


na revista Zootaxa o
artigo
intitulado To “bee” or not to be — on some
Ornamental Shrimp from
Guangdong Province, Southern China and Hong Kong SAR,
with Descriptions of Three
New Species. O trabalho é muito rico, com
descrições de novas espécies, seus estágios
larvares, relações filogenéticas, etc.
Além da repercussão no meio científico, o artigo
foi bastante comentado em
meios aquarísticos (fóruns, sites, blogs), pela descrição de
duas novas
espécies: a primeira é o Caridina mariae,
que é o “Tiger Shrimp” criado há
muito tempo em aquários, mas cuja espécie não
havia sido identificada ainda. A
segunda é a Caridina logemanni, que foi interpretada como sendo a espécie de
aquários
“Bee Shrimp” ou “Crystal Shrimp”. Quanto ao C. logemanni, veremos que não é
exatamente isso, a verdade é um
pouco mais complexa.

De fato, os autores
fizeram uma interessante descoberta, uma nova espécie de camarão
que tem o
aspecto idêntico aos “Bee” selvagens tradicionalmente criados em aquários,
batizada de Caridina logemanni. Existem diversas outras espécies com faixas
escuras e
claras largas (“padrão Bee”, como o C. trifasciata, C. maculata,
C. venusta e
Paracaridina zjinica, inclusive com mutações vermelhas), mas a que
mais se parece com
o “Bee” selvagem é o C.
logemanni. Foi coletado somente em três pequenos córregos
montanhosos na
região dos Novos Territórios, Hong Kong. Nenhuma outra espécie de
camarão vivia
junto com eles, mas grandes populações de C.
cantonensis, uma espécie
com ampla distribuição na região, eram encontradas
em riachos próximos.

Apesar de serem
espécies bastante próximas filogeneticamente, o aspecto das duas
difere
bastante: O C. logemanni tem o típico
aspecto de “Bee”, com várias faixas largas
de cor marrom enegrecida na carapaça
e abdômen, enquanto o C. cantonensis
não tem
faixas, somente um corpo homogêneo translúcido com pequenas manchas
escuras (veja
fotos). E certamente trata-se de espécies distintas, com distâncias genéticas grandes o
suficiente para serem caracterizadas como tal.

 
Foram realizadas
também análises genéticas para a identificação das diversas espécies.
Excetuando-se
as Paracaridinas, Tigers e grupos de
controle, foi realizada a análise
molecular de 53 espécimes de Caridina, na sua maioria de exemplares
selvagens
coletados, mas que incluíam também 9 camarões ornamentais  (Dr. Klotz, com. pess.
21/10/2019):
- Dois camarões comprados em lojas chinesas de aquarismo.
- Dois camarões de uma importadora alemã (selvagens "Diamond Bee" coletados em
Hong Kong).

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- Três camarões de aquaristas alemães ("Red Wine Taiwan Bee", "Snow White Ueno Line"
e "Crystal Black").
- Dois camarões "New Bee" de um aquarista alemão.

Foi realizada a
análise de dois genes do mtDNA, o “16S” (que codifica o 16S rRNA,
envolvido na
síntese proteica mitocondrial) e “COI” (que codifica a subunidade I da
enzima
Citocromo Oxidase , envolvido na fosforilação oxidativa).

Dos 9 exemplares ornamentais


de aquário (todos com faixas, “padrão Bee”), os
resultados foram (para 16S):
- 2 camarões comprados
em lojas da China: formam um clado irmão aos identificados
como C. trifasciata, mas com uma distância
grande o suficiente para sugerir se tratar de
uma espécie distinta.
- 2 camarões "New Bee" de um aquarista alemão: foram identificados
morfologicamente e geneticamente como C. venusta.
- Um dos camarões "Diamond Bee" coletados em Hong Kong: foi identificado
morfologicamente como C. logemanni, mas geneticamente se agrupa com os quatro
abaixo, dentro do clado C. cantonensis.
- O outro "Diamond Bee" coletados em Hong Kong, e os três camarões ornamentais de
aquaristas alemães: inseridos geneticamente no clado do C. cantonensis.

A COI não pôde ser


amplificada em vários espécimes, resultando em um conjunto de
dados menor.
Somente foi possível analisar dois exemplares de aquário, um dos que
formam um
clado irmão ao C. trifasciata, e um
dos inseridos no clado do C. cantonensis.
Ou seja, confirmam e reforçam os achados do 16S.
 

Caridina cantonensis, foto de Paul Ng Y.C.

Conclusões
do trabalho - Identidade do Caridina
“Crystal/Bee”?

Parece claro que


alguns camarões ornamentais de aquário pertencem às espécies C.
venusta e C. trifasciata (ou uma espécie muito próxima a esta última). Estas
duas
espécies mostram um fenótipo do tipo “Bee”, mesmo em animais coletados na
natureza. Deve-se concluir que uma parcela dos camarões “Bee” criada em
aquários no
mundo devem ser destas duas espécies, especialmente os selvagens.

A grande dúvida é em
relação aos demais cinco camarões,
todos com um fenótipo
“Bee”. Somente um selvagem foi identificado morfologicamente como C. logemanni, os
demais têm morfologia
indeterminada, mas com um padrão “Bee”. Curiosamente, todos
os seis (inclusive
aquele com morfologia de C. logemanni)
foram identificados
geneticamente como C.
cantonenis, uma espécie sem faixas. Como isto é possível?
Vamos discutir duas possibilidades:

 
1. O
problema dos híbridos

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Para o mtDNA, híbridos


possuem somente a assinatura genética da sua herança materna.
Desta forma, uma
análise isolada do mtDNA não é adequada para a identificação de
espécies, nos
casos onde existe a possibilidade de hibridização, como populações em
zonas de
fronteira entre distribuição de duas espécies próximas, ou criação conjunta em
cativeiro de duas espécies próximas. Nestes casos, dados mitocondriais devem
ser
suplementados com ferramentas moleculares baseadas em genes nucleares, que
têm
herança biparental.

Na realidade, a simples
discordância entre a análise do mtDNA e nDNA (neste último,
seja por análises
cromossômicas ou fenotípicas) é uma boa dica de que pode ter havido
hibridização. A famosa teoria da nossa hibridização com Neandertais é baseada
nisto.
Um trabalho recente (2008) brasileiro estudou híbridos de
Tartaruga-de-pente
(Eretmochelys
imbricata) e Tartaruga-cabeçuda (Caretta
caretta) usando esta
metodologia. Já foi usado em grandes gatos, para
identificar híbridos (entre sub-
espécies) de Leões Africanos (Panthera leo leo) e Asiáticos (Panthera leo persica), assim
como
híbridos entre Tigres de Bengala (Panthera
tigris tigris) e Siberianos (Panthera
tigris altaica).

É um fenômeno chamado
de Introgressão Mitocondrial (Evolução Reticulada), ou seja, a
inserção de
mtDNA de uma espécie em indivíduos de outra espécie, através de
hibridização pregressa,
e o cruzamento deste híbrido com a população da espécie
original. É um fato bastante
raro em crustáceos decápodes, porque nestes, o sexo
feminino é o heterogamético
(WZ), e, segundo a Lei de Haldane, híbridos
heterogaméticos são mais raros,
frágeis e estéreis, limitando a propagação do mtDNA de
linhagem materna.

Mas é uma hipótese para se explicar o


que ocorreu no trabalho dos Drs. Klotz e Rintelen,
sugerido pelos próprios autores: camarões com mtDNA de C. cantonensis e nDNA
(fenótipo) “Bee”
(ou seja, não-C. cantonensis, por
exemplo de C. logemanni). São
prováveis híbridos de C. cantonensis
com outra(s) espécie(s) com faixas, como o C.
logemanni (veja
ilustração abaixo, híbrido da última linha, F4 da direita).

Dois questionamentos
interessantes, o primeiro é o seguinte: se as duas espécies eram
criadas juntas
e se hibridizaram, porque não encontramos também o inverso? Fenótipo
(nDNA) de C. cantonensis e mtDNA de, por exemplo, C. logemanni? A resposta é muito
simples: um fenótipo de C. cantonensis
não é um padrão “Bee”, não é atrativo do ponto
de vista ornamental. Ou seja, se
estes híbridos existiram, provavelmente foram
eliminadas pela simples seleção
do aquarista. Existem outras explicações possíveis, nem
sempre os híbridos têm
sobrevida e fecundidade iguais, a depender de que espécie foi o
pai e qual foi
a mãe. Mas a explicação mais provável é esta.

Caridina venusta, foto de Werner Klotz.

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Um último aspecto importantíssimo, se houve hibridização, o esperado seria que uma


parte dos camarões de aquário se agrupassem no clado C. cantonensis, e uma parte
juntamente com os C. logemanni. Porém, o que se observou foi que todos os camarões
ornamentais de aquário, assim como os dois Diamond Bee selvagens coletados em Hong
Kong (inclusive um deles com morfologia de C. logemanni) se agruparam no clado do C.
cantonensis. Nenhum se agrupou dentro do clado logemanni. Isto é bastante estranho,
improvável, e fala contra esta possibilidade de hibridização.   

Ilustração mostrando hibridização e introgressão mitocondrial. No exemplo, o casal original (F0) foi de Caridina cantonensis, uma
espécie sem faixas, e Caridina logemanni, uma típica espécie com faixas. Os híbridos do sexo feminino transmitem adiante o mtDNA
da ancestral feminina original (C. cantonensis). Note que, após muitas gerações, como os dois híbridos da última linha (F4), o
fenótipo da espécie inserida no cruzamento (C. cantonensis) se dilui, e é difícil de ser detectada. O F4 da direita é o exemplo no
texto de fenótipo de C. logemanni e mtDNA de C. cantonensis. Ilustração de Walther Ishikawa.

 
2. Existe mesmo Caridina logemanni? (e mais três artigos).

No trabalho dos Drs. Klotz e Rintelen, a descrição do Caridina logemanni como espécie
nova não gerava dúvida, além de claramente haver características morfológicas
peculiares, havia distância genética suficiente para distingui-la da espécie-irmã Caridina
cantonensis. A distância-p entre as duas espécies foi de 2,0-3,9% (16S) e 4,5-4,9% (COI),
não muito alta, mas suficiente para caracterizá-la como outra espécie.

Porém, em 2018 foi publicado um outro interessante artigo, do Dr. Lai Him Chow e
colegas da Universidade Chinesa de Hong Kong, intitulado Isolation and
Characterization of Polymorphic Microsatellite Loci for Caridina cantonensis and
Transferability Across Eight Confamilial Species (Atyidae, Decapoda), na revista
Zoological Studies. Seu objetivo era, dentre outros, avaliar a diversidade genética do C.
cantonensis, assim como de espécie próximas de Atyídeos, inclusive o C. logemanni.

Embora não seja destacado no texto do artigo, o trabalho traz uma informação bastante
interessante para a nossa discussão. Foram analisados o mtDNA (COI) de 9 exemplares
de C. cantonensis e 29 de C. logemanni (dos dois riachos descritos no trabalho original
de Klotz e Rintelen, 18 e 11 indivíduos de cada riacho). Adiante, uma reprodução de
parte da árvore filogenética de máxima verossimilhança gerada a partir destes dados.
Mais da metade (17) dos camarões selvagens C. logemanni se agruparam geneticamente
no clado C. cantonensis. Houve um claro predomínio de camarões provenientes de um

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dos riachos, mas alguns (2 e 3) se agruparam no outro clado. Ou seja, agora, com uma
análise genética de um número maior de C. logemanni (no artigo de Klotz e Rintelen
foram 2 camarões, e agora 29), mais da metade deles foram identificados
geneticamente como C. cantonensis! 
    

Uma parte da árvore filogenética da máxima verossimilhança gerada a partir de COI, ilustração de Chow LH, et al. Zoological
Studies, 2018. 57: 19. Licença Creative Commons. Para o artigo original, clique aqui.

Este trabalho também mostrou uma grande diversidade genética do C. cantonensis, fato
este já demonstrado em dois outros trabalhos (Tsang 2017 e Yam 2005). Este fato tem
maior importância quando lembramos que o C. cantonensis é uma espécie de
reprodução especializada (o que limita a dispersão entre diferentes habitats, ou seja,
baixo fluxo genético), e com ampla distribuição geográfica. Os trabalhos mostram uma
grande diferença genética entre populações de diferentes riachos, e pequena
diversidade genética dentro de cada população, mesmo entre riachos separados por
somente alguns quilômetros, ou tributárias de uma mesma bacia. Desta forma, não seria
tão absurdo pensar que o C. logemanni (e os Bees identificados como C. cantonensis)
não passem de uma variante local do C. cantonensis, ou uma sub-espécie.

Este fato é lembrado pelo Dr. Klotz em um e-mail respondendo estes questionamentos,
comentando também sobre outros detalhes que mostram que a conclusão não é assim
tão simples (Dr. Klotz, com. pess. 23/10/2019):
"Parece que o Bee Shrimp é uma 'variante local' do C. cantonensis. Mas todos os
camarões 'selvagens' dentro do agrupamento do Bee Shrimp mostram uma coloração
similar que é claramente diferente do C. cantonensis da China, Hong Kong, e da porção
norte do Vietnã. E a morfologia de todos os Bee Shrimp, independentemente destes
serem selvagens, Crystal Red clássicos, Bee Shrimp modernos ou linhagens Taiwan foram
constantemente diferentes do C. cantonensis."
"Mais tarde, eu pude coletar Bee Shrimp selvagens de dois outros córregos. Estes
camarões eram semelhantes ou ao Diamond Bee Shrimp clássico (córrego 1), ou ao velho
'Color Bee' Shrimp que era vendido aqui na Alemanha nos anos 90. Estes espécimes
também eram idênticos em morfologia aos Bee Shrimp do comércio de aquários, mas
surpreendemente diferentes na análise 16S. Thomas explicou este fato através de
introgressão causada por hibridização nos camarões do comércio, mas eu pessoalmente
não acredito nisso. Por outro lado eu não tenho uma explicação clara para a topologia
na árvore. Mas sabemos de situações semelhantes no gênero Neocaridina e nas espécies
dos lagos centrais, onde muitas espécies são situadas erroneamente em árvores
filogenéticas."    

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Conclusões
(agora sim!) - Identidade do Caridina
“Crystal/Bee”

Muitas espécies
selvagens têm um fenótipo “Crystal/Bee”. A identidade de exemplares
selvagens
pode ser diversas espécies. Destas, a que mais lembra o padrão mais habitual
dos “Bee” selvagens é o recém descrito Caridina
logemanni. Outra possibilidade para os
camarões selvagens comprados em lojas é o Caridina venusta, um fato já sugerido por
alguns autores Chineses, como Wang, Liang e Li em 2008.

Agora, se o camarão
ornamental foi comprado em lojas, e é resultado de uma linhagem
criada em
cativeiro a várias gerações, a sua identidade continua em aberto. São duas as
principais possibilidades:
1. Uma possibilidade é a de que sejam camarões híbridos, com o ancestral
mitocondrial
desta linhagem sendo o  Caridina
cantonensis, mesmo que esta espécie não tenha um
aspecto de “Bee”. Qual (ou
quais) foram as espécies que se misturaram ao C.
cantonensis ainda é desconhecido. Baseado no fenótipo, e proximidade filogenética com
o C. cantonensis, um forte
candidato é, novamente, o C. logemanni. Desta forma, estes
camarões deveriam ser chamados de Caridina sp. ou Caridina x.
2. Outra possibilidade é a de que estes Bee Shrimp (talvez até o recém-descoberto C.
logemanni) sejam morfotipos, variantes locais ou sub-espécies do C. cantonensis. Se for
isso mesmo, estes camarões ornamentais devem continuar a ser chamados de Caridina
cantonensis, como vinham sendo chamados até a publicação do artigo.   

Assim, é um erro renomear todos os


camarões previamente identificados como
Caridina cf. cantonensis por
Caridina logemanni, como vêm fazendo inúmeros
websites, portais e fóruns
de aquarismo. Pode ser que estes camarões sejam
híbridos, possivelmente Caridina
cantonensis x logemanni, ou que C. logemanni não
seja uma espécie distinta do C. cantonensis.

 
Este trabalho nos
alerta também sobre a dificuldade que pode haver na identificação de
espécies
baseada somente em marcadores genéticos. A Taxonomia Genética é vista por
muitos (leigos, e até alguns biólogos) como uma ferramenta definitiva, a “palavra
final”
na identificação de espécies. Vimos que não é bem assim.

Nos dias atuais,


muito se fala de uma “Taxonomia Integrada” combinando informações
de múltiplas
fontes, incluindo comportamento, ecologia, geografia, morfologia e dados
moleculares. Mesmo a análise genética deve ser de multi-marcadores, sempre que
possível.

 
Bibliografia adicional:
Klotz W, von Rintelen
T. 2014. To “bee” or not to be—on some Ornamental Shrimp from Guangdong
Province, Southern China
and Hong Kong SAR, with Descriptions of Three New
Species. Zootaxa. 3889(2):
151–184.
Palumbi SR, Cipriano
F.Species identification using genetic tools: the value of nuclear and
mitochondrial gene sequences in
whale conservation. J Hered. 1998 Sep-Oct; 89(5): 459-64.
Marshall
DC, Hill KB, Cooley JR, Simon C. Hybridization, mitochondrial DNA
phylogeography, and prediction of the early stages
of reproductive
isolation: lessons from New Zealand cicadas (genus Kikihia). Syst Biol. 2011
Jul; 60(4): 482-502.
Shankaranarayanan P,
Singh L. Mitochondrial DNA sequence divergence among big cats and their
hybrids. Current Science
(1998)
75 (9): 919–923.
Roos
C, Zinner D, Kubatko LS, Schwarz C, Yang M, Meyer D, Nash SD, Xing J,
Batzer MA, Brameier M, Leendertz FH, Ziegler T,
Perwitasari-Farajallah D,
Nadler T, Walter L, Osterholz M. Nuclear versus mitochondrial DNA:
evidence for hybridization in
colobine monkeys. BMC Evol Biol. 2011 Mar 24;11:77.
Moore WS. Inferring
Phylogenies from mtDNA Variation: Mitochondrial-Gene Trees Versus
Nuclear-Gene Trees. Evolution, Vol.
49, No. 4 (Aug., 1995), pp. 718-726.
Yang L, Tan Z, Wang D, Xue L, Guan M, Huang T,
Li R (2014) Species identification through mitochondrial rRNA genetic
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Cronin
MA, Palmisciano DA, Vyse ER, Cameron DG. Mitochondrial DNA in Wildlife Forensic
Science: Species Identification of
Tissues. Wildlife Society Bulletin, Vol. 19, No. 1 (Spring, 1991), pp.
94-105.
Mason
PH, Short RV. Neanderthal-human Hybrids. Hypothesis 2011, 9(1): e1.
Vargas SM, Soares L, Santos FR. Alelos exclusivos
indicam introgressão em espécies de tartarugas marinhas. 54º Congresso
Brasileiro de Genética (2008), Salvador, BA, Brasil.
Lecher P, Defaye D, Noel P. 1995. Chromosomes
and nuclear DNA of Crustacea. Invertebrate
Reproduction and Development,
27, 85-114.
Page TJ, Hughes JM. Neither molecular nor morphological data have
all the answers; with an example from Macrobrachium
(Decapoda: Palaemonidae) from Australia. 2011. Zootaxa, Vol. 2874, pp. 65-68.
Klotz L. Das Merkmal „Tigerschaufel“ bei zwei chinesischen Süßwassergarnelenarten
- eine morphometrische Analyse.
Dissertação
(Admissão no Programa de Biologia
e Ciências Ambientais) – Oberstufenrealgymnasium privado St. Charles
Volders.
Volders, Áustria, 2012.
Wang L, Liang X, Li F. Descriptions of four new species of Caridina (Decapoda:
Atyidae) from China. 2008. Zootaxa, 1726, 49–
59.

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24/07/22, 09:52 - - Planeta Invertebrados Brasil -
Chow LH, Ma KY, Hui JHL, Chu KH. Isolation and
Characterization of Polymorphic Microsatellite Loci for Caridina cantonensis
and Transferability Across Eight Confamilial Species (Atyidae, Decapoda). 2018.
Zoological Studies 57: 19.
Tsang LM, Tsoi KH, Chan SKF, Chan TKT, Chu KH. Strong
genetic differentiation among populations of the freshwater shrimp
Caridina
cantonensis in Hong Kong: implications for conservation of freshwater fauna in
urban áreas. 2017. Marine &
freshwater research 68 (1): 187-194.
Yam RSW, Dudgeon D. Genetic differentiation of Caridina
cantonensis (Decapoda:Atyidae) in Hong Kong streams. 2005.
Journal of the North
American Benthological Society, 24(4):845-857.

Agradecimentos especiais ao Dr. Werner Klotz e Dr. Thomas von Rintelen, que
forneceram uma cópia do artigo em discussão para a nossa equipe. Também, Dr. Klotz
gentilmente nos respondeu uma série de questionamentos sobre o artigo, transcritos
aqui com a sua permissão. Agradecemos também à aquarista alemã Ulli Bauer, pelas
ricas discussões que resultaram na atualização do artigo. Somos gratos também ao
fotógrafo Paul Ng Y.C. por permitir usar sua imagem do Caridina cantonensis selvagem.

As ilustrações de Walther Ishikawa, University of California,  Connexions


Web site e aquela extraída de Chow LH, et al. 2018 estão licenciados sob
uma Licença
Creative Commons (veja links para imagens originais). As demais fotos
têm seu
"copyright" pertencendo aos respectivos autores.

Artigo publicado em 31/01/2015, última atualização em 17/11/2019

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