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Além da
precisão muito superior, a análise pode ser feita a partir de amostras
pequenas, mais
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degradadas, ou fixadas em coleções.
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Estruturas de uma típica célula eucariótica, destaque para Mitocôndria e Núcleo celular. Ilustração de CFCF para Anatomy &
Physiology, Connexions Web site. Licença Creative Commons. Arquivo original pode ser visto aqui
DNA
mitocondrial e DNA nuclear
Quando se pensa em
DNA no interior da célula, imediatamente vem à mente o material
genético
encontrado no núcleo celular. Na reprodução sexuada, há fusão do DNA nuclear
(nDNA) do espermatozóide e do óvulo, por exemplo em seres humanos, os 23
cromossomos do pai e os 23 da mãe se combinam, totalizando os 46 cromossomos
das
nossas células. Porém, existe outro local dentro da célula onde existe DNA:
na
mitocôndria. Possui um sistema próprio de replicação, transcrição e
translação.
Já vimos que há
combinação do nDNA paterno e materno quando há reprodução. Porém,
na grande maioria
dos organismos com reprodução sexuada, o DNA mitocondrial
(mtDNA) é herdado
somente da mãe. O mtDNA do pai é destruído ou não-incorporado no
processo.
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Heranças
de DNA nuclear e DNA mitocondrial. Ilustração original de University of
California, Licença Creative Commons. A página da
Understanding
Evolution pode ser vista aqui
O mtDNA do filho é
idêntico ao mtDNA da mãe. Porém, ao longo de muitas e muitas
gerações, o mtDNA
tem uma relativamente alta e constante taxa de mutação, com uma
velocidade de
evolução acelerada. Implica em variações de sequência de graus variados
que
podem ser detectados e quantificados, a fim de graduar a distância evolutiva
dentre espécies, ou mesmo indivíduos de uma mesma espécie. Estas pequenas
variações
também permitem identificar locais de ramificações de ancestralidade,
e construir
complexas árvores filogenéticas. Já que a taxa de mutação destes
genes é sabida, pode-
se estimar também o momento quando estas bifurcações
ocorreram no passado. Por
este motivo, alguns chamam o mtDNA de “relógio
molecular”.
Em cada célula de
mamíferos, há cerca de 1700 mitocôndrias, respondendo por cerca de
1~2% do
total de DNA. Em seres humanos, há 37 genes em cada mitocôndria, e 70.000
genes
nucleares em cada núcleo celular. Embora a quantidade total de genes do nDNA
seja muito maior, e, neste sentido, a identificação de espécies seja mais
precisa usando-
se esta ferramenta, a taxa de mutação de nDNA é mais baixa,
espécies diferentes mas
próximas podem ter muitos loci em comum, e serem indistinguíveis.
Estas diferenças
entre nDNA e mtDNA são bastante interessantes, e trazem vantagens e
desvantagens para análises isoladas dos dois tipos de material genético.
Geralmente são
usadas preferencialmente mtDNA, mais simples, facilitando
bastante a interpretação
dos resultados de árvores genéticas. Em comparação ao
nDNA, o mtDNA pode ser isolado
de amostras de cabelo, de amostras teciduais
degradadas e escassas, já que possui
muitas cópias por célula.
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Metodologia
do trabalho dos Drs. Klotz e Rintelen
De fato, os autores
fizeram uma interessante descoberta, uma nova espécie de camarão
que tem o
aspecto idêntico aos “Bee” selvagens tradicionalmente criados em aquários,
batizada de Caridina logemanni. Existem diversas outras espécies com faixas
escuras e
claras largas (“padrão Bee”, como o C. trifasciata, C. maculata,
C. venusta e
Paracaridina zjinica, inclusive com mutações vermelhas), mas a que
mais se parece com
o “Bee” selvagem é o C.
logemanni. Foi coletado somente em três pequenos córregos
montanhosos na
região dos Novos Territórios, Hong Kong. Nenhuma outra espécie de
camarão vivia
junto com eles, mas grandes populações de C.
cantonensis, uma espécie
com ampla distribuição na região, eram encontradas
em riachos próximos.
Apesar de serem
espécies bastante próximas filogeneticamente, o aspecto das duas
difere
bastante: O C. logemanni tem o típico
aspecto de “Bee”, com várias faixas largas
de cor marrom enegrecida na carapaça
e abdômen, enquanto o C. cantonensis
não tem
faixas, somente um corpo homogêneo translúcido com pequenas manchas
escuras (veja
fotos). E certamente trata-se de espécies distintas, com distâncias genéticas grandes o
suficiente para serem caracterizadas como tal.
Foram realizadas
também análises genéticas para a identificação das diversas espécies.
Excetuando-se
as Paracaridinas, Tigers e grupos de
controle, foi realizada a análise
molecular de 53 espécimes de Caridina, na sua maioria de exemplares
selvagens
coletados, mas que incluíam também 9 camarões ornamentais (Dr. Klotz, com. pess.
21/10/2019):
- Dois camarões comprados em lojas chinesas de aquarismo.
- Dois camarões de uma importadora alemã (selvagens "Diamond Bee" coletados em
Hong Kong).
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- Três camarões de aquaristas alemães ("Red Wine Taiwan Bee", "Snow White Ueno Line"
e "Crystal Black").
- Dois camarões "New Bee" de um aquarista alemão.
Foi realizada a
análise de dois genes do mtDNA, o “16S” (que codifica o 16S rRNA,
envolvido na
síntese proteica mitocondrial) e “COI” (que codifica a subunidade I da
enzima
Citocromo Oxidase , envolvido na fosforilação oxidativa).
Conclusões
do trabalho - Identidade do Caridina
“Crystal/Bee”?
A grande dúvida é em
relação aos demais cinco camarões,
todos com um fenótipo
“Bee”. Somente um selvagem foi identificado morfologicamente como C. logemanni, os
demais têm morfologia
indeterminada, mas com um padrão “Bee”. Curiosamente, todos
os seis (inclusive
aquele com morfologia de C. logemanni)
foram identificados
geneticamente como C.
cantonenis, uma espécie sem faixas. Como isto é possível?
Vamos discutir duas possibilidades:
1. O
problema dos híbridos
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Na realidade, a simples
discordância entre a análise do mtDNA e nDNA (neste último,
seja por análises
cromossômicas ou fenotípicas) é uma boa dica de que pode ter havido
hibridização. A famosa teoria da nossa hibridização com Neandertais é baseada
nisto.
Um trabalho recente (2008) brasileiro estudou híbridos de
Tartaruga-de-pente
(Eretmochelys
imbricata) e Tartaruga-cabeçuda (Caretta
caretta) usando esta
metodologia. Já foi usado em grandes gatos, para
identificar híbridos (entre sub-
espécies) de Leões Africanos (Panthera leo leo) e Asiáticos (Panthera leo persica), assim
como
híbridos entre Tigres de Bengala (Panthera
tigris tigris) e Siberianos (Panthera
tigris altaica).
É um fenômeno chamado
de Introgressão Mitocondrial (Evolução Reticulada), ou seja, a
inserção de
mtDNA de uma espécie em indivíduos de outra espécie, através de
hibridização pregressa,
e o cruzamento deste híbrido com a população da espécie
original. É um fato bastante
raro em crustáceos decápodes, porque nestes, o sexo
feminino é o heterogamético
(WZ), e, segundo a Lei de Haldane, híbridos
heterogaméticos são mais raros,
frágeis e estéreis, limitando a propagação do mtDNA de
linhagem materna.
Dois questionamentos
interessantes, o primeiro é o seguinte: se as duas espécies eram
criadas juntas
e se hibridizaram, porque não encontramos também o inverso? Fenótipo
(nDNA) de C. cantonensis e mtDNA de, por exemplo, C. logemanni? A resposta é muito
simples: um fenótipo de C. cantonensis
não é um padrão “Bee”, não é atrativo do ponto
de vista ornamental. Ou seja, se
estes híbridos existiram, provavelmente foram
eliminadas pela simples seleção
do aquarista. Existem outras explicações possíveis, nem
sempre os híbridos têm
sobrevida e fecundidade iguais, a depender de que espécie foi o
pai e qual foi
a mãe. Mas a explicação mais provável é esta.
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Ilustração mostrando hibridização e introgressão mitocondrial. No exemplo, o casal original (F0) foi de Caridina cantonensis, uma
espécie sem faixas, e Caridina logemanni, uma típica espécie com faixas. Os híbridos do sexo feminino transmitem adiante o mtDNA
da ancestral feminina original (C. cantonensis). Note que, após muitas gerações, como os dois híbridos da última linha (F4), o
fenótipo da espécie inserida no cruzamento (C. cantonensis) se dilui, e é difícil de ser detectada. O F4 da direita é o exemplo no
texto de fenótipo de C. logemanni e mtDNA de C. cantonensis. Ilustração de Walther Ishikawa.
2. Existe mesmo Caridina logemanni? (e mais três artigos).
No trabalho dos Drs. Klotz e Rintelen, a descrição do Caridina logemanni como espécie
nova não gerava dúvida, além de claramente haver características morfológicas
peculiares, havia distância genética suficiente para distingui-la da espécie-irmã Caridina
cantonensis. A distância-p entre as duas espécies foi de 2,0-3,9% (16S) e 4,5-4,9% (COI),
não muito alta, mas suficiente para caracterizá-la como outra espécie.
Porém, em 2018 foi publicado um outro interessante artigo, do Dr. Lai Him Chow e
colegas da Universidade Chinesa de Hong Kong, intitulado Isolation and
Characterization of Polymorphic Microsatellite Loci for Caridina cantonensis and
Transferability Across Eight Confamilial Species (Atyidae, Decapoda), na revista
Zoological Studies. Seu objetivo era, dentre outros, avaliar a diversidade genética do C.
cantonensis, assim como de espécie próximas de Atyídeos, inclusive o C. logemanni.
Embora não seja destacado no texto do artigo, o trabalho traz uma informação bastante
interessante para a nossa discussão. Foram analisados o mtDNA (COI) de 9 exemplares
de C. cantonensis e 29 de C. logemanni (dos dois riachos descritos no trabalho original
de Klotz e Rintelen, 18 e 11 indivíduos de cada riacho). Adiante, uma reprodução de
parte da árvore filogenética de máxima verossimilhança gerada a partir destes dados.
Mais da metade (17) dos camarões selvagens C. logemanni se agruparam geneticamente
no clado C. cantonensis. Houve um claro predomínio de camarões provenientes de um
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dos riachos, mas alguns (2 e 3) se agruparam no outro clado. Ou seja, agora, com uma
análise genética de um número maior de C. logemanni (no artigo de Klotz e Rintelen
foram 2 camarões, e agora 29), mais da metade deles foram identificados
geneticamente como C. cantonensis!
Uma parte da árvore filogenética da máxima verossimilhança gerada a partir de COI, ilustração de Chow LH, et al. Zoological
Studies, 2018. 57: 19. Licença Creative Commons. Para o artigo original, clique aqui.
Este trabalho também mostrou uma grande diversidade genética do C. cantonensis, fato
este já demonstrado em dois outros trabalhos (Tsang 2017 e Yam 2005). Este fato tem
maior importância quando lembramos que o C. cantonensis é uma espécie de
reprodução especializada (o que limita a dispersão entre diferentes habitats, ou seja,
baixo fluxo genético), e com ampla distribuição geográfica. Os trabalhos mostram uma
grande diferença genética entre populações de diferentes riachos, e pequena
diversidade genética dentro de cada população, mesmo entre riachos separados por
somente alguns quilômetros, ou tributárias de uma mesma bacia. Desta forma, não seria
tão absurdo pensar que o C. logemanni (e os Bees identificados como C. cantonensis)
não passem de uma variante local do C. cantonensis, ou uma sub-espécie.
Este fato é lembrado pelo Dr. Klotz em um e-mail respondendo estes questionamentos,
comentando também sobre outros detalhes que mostram que a conclusão não é assim
tão simples (Dr. Klotz, com. pess. 23/10/2019):
"Parece que o Bee Shrimp é uma 'variante local' do C. cantonensis. Mas todos os
camarões 'selvagens' dentro do agrupamento do Bee Shrimp mostram uma coloração
similar que é claramente diferente do C. cantonensis da China, Hong Kong, e da porção
norte do Vietnã. E a morfologia de todos os Bee Shrimp, independentemente destes
serem selvagens, Crystal Red clássicos, Bee Shrimp modernos ou linhagens Taiwan foram
constantemente diferentes do C. cantonensis."
"Mais tarde, eu pude coletar Bee Shrimp selvagens de dois outros córregos. Estes
camarões eram semelhantes ou ao Diamond Bee Shrimp clássico (córrego 1), ou ao velho
'Color Bee' Shrimp que era vendido aqui na Alemanha nos anos 90. Estes espécimes
também eram idênticos em morfologia aos Bee Shrimp do comércio de aquários, mas
surpreendemente diferentes na análise 16S. Thomas explicou este fato através de
introgressão causada por hibridização nos camarões do comércio, mas eu pessoalmente
não acredito nisso. Por outro lado eu não tenho uma explicação clara para a topologia
na árvore. Mas sabemos de situações semelhantes no gênero Neocaridina e nas espécies
dos lagos centrais, onde muitas espécies são situadas erroneamente em árvores
filogenéticas."
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Conclusões
(agora sim!) - Identidade do Caridina
“Crystal/Bee”
Muitas espécies
selvagens têm um fenótipo “Crystal/Bee”. A identidade de exemplares
selvagens
pode ser diversas espécies. Destas, a que mais lembra o padrão mais habitual
dos “Bee” selvagens é o recém descrito Caridina
logemanni. Outra possibilidade para os
camarões selvagens comprados em lojas é o Caridina venusta, um fato já sugerido por
alguns autores Chineses, como Wang, Liang e Li em 2008.
Agora, se o camarão
ornamental foi comprado em lojas, e é resultado de uma linhagem
criada em
cativeiro a várias gerações, a sua identidade continua em aberto. São duas as
principais possibilidades:
1. Uma possibilidade é a de que sejam camarões híbridos, com o ancestral
mitocondrial
desta linhagem sendo o Caridina
cantonensis, mesmo que esta espécie não tenha um
aspecto de “Bee”. Qual (ou
quais) foram as espécies que se misturaram ao C.
cantonensis ainda é desconhecido. Baseado no fenótipo, e proximidade filogenética com
o C. cantonensis, um forte
candidato é, novamente, o C. logemanni. Desta forma, estes
camarões deveriam ser chamados de Caridina sp. ou Caridina x.
2. Outra possibilidade é a de que estes Bee Shrimp (talvez até o recém-descoberto C.
logemanni) sejam morfotipos, variantes locais ou sub-espécies do C. cantonensis. Se for
isso mesmo, estes camarões ornamentais devem continuar a ser chamados de Caridina
cantonensis, como vinham sendo chamados até a publicação do artigo.
Este trabalho nos
alerta também sobre a dificuldade que pode haver na identificação de
espécies
baseada somente em marcadores genéticos. A Taxonomia Genética é vista por
muitos (leigos, e até alguns biólogos) como uma ferramenta definitiva, a “palavra
final”
na identificação de espécies. Vimos que não é bem assim.
Bibliografia adicional:
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Batzer MA, Brameier M, Leendertz FH, Ziegler T,
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(Decapoda: Palaemonidae) from Australia. 2011. Zootaxa, Vol. 2874, pp. 65-68.
Klotz L. Das Merkmal „Tigerschaufel“ bei zwei chinesischen Süßwassergarnelenarten
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(Admissão no Programa de Biologia
e Ciências Ambientais) – Oberstufenrealgymnasium privado St. Charles
Volders.
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Journal of the North
American Benthological Society, 24(4):845-857.
Agradecimentos especiais ao Dr. Werner Klotz e Dr. Thomas von Rintelen, que
forneceram uma cópia do artigo em discussão para a nossa equipe. Também, Dr. Klotz
gentilmente nos respondeu uma série de questionamentos sobre o artigo, transcritos
aqui com a sua permissão. Agradecemos também à aquarista alemã Ulli Bauer, pelas
ricas discussões que resultaram na atualização do artigo. Somos gratos também ao
fotógrafo Paul Ng Y.C. por permitir usar sua imagem do Caridina cantonensis selvagem.
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