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MITO-FÁBULA DE CURA cinquenta anos, em minha mais tenra infância.

Mito registrado por Hyginus, escritor Romano Naquela época meu pai travava guerra contra
que viveu entre o séc. I A. C. e o séc. I D. C. seu perverso vizinho a oriente. Este acabou
vencendo e tivemos de fugir. E fugimos, pois,
Quando Cura passava por um rio, avistou um noite e dia, meu pai e eu, até chegarmos a uma
punhado de lama. Ela contemplou-o floresta escura. Nela vagamos e estávamos
pensativamente e começou a moldá-lo na forma quase a morrer de fome e fadiga, quando, por
humana. Enquanto Cura meditava sobre o que fim, topamos com uma choupana. Aí morava
havia criado, Júpter apareceu e Cura pediu a ele uma vovozinha, que amigavelmente nos
que desse vida à criação. Júpter atendeu convidou a descansar, tendo ela própria, porém,
prontamente. Então Cura pensou que deveriam ido se ocupar do fogão, e não muito tempo
dar um nome, agora que viva, à criatura e depois estava à nossa frente a omelete de
Júpter intercedeu para que a criatura carregasse amoras. Mal tinha levado à boca o primeiro
seu nome, pois havia dado vida a ele. Enquanto bocado, senti-me maravilhosamente consolado,
discutiam Terra apareceu e disse que a criatura e uma nova esperança entrou em meu coração.
deveria carregar seu nome, uma vez que ela Naqueles dias eu era muito criança e por muito
havia lhe dado corpo. Para resolver o impasse, tempo não tornei a pensar no benefício daquela
os três aceitaram Saturno como juiz, que então comida deliciosa. Quando mais tarde mandei
decidiu: Júpter, como você lhe deu vida, pegará procura-la por todo o reino, não se achou nem a
sua alma após a morte; Como terra lhe deu um velha nem qualquer outra pessoa que soubesse
corpo, o receberá de volta após a vida. Como preparar a omelete de amoras. Se cumprires
Cura foi o primeiro a dar-lhe forma, a criatura agora este meu último desejo, farei de ti meu
ficará sobe seu cuidado enquanto viver. Quanto genro e herdeiro de meu reino. Mas, se não me
ao nome, vamos chama-lo de Homo, pois é contentares, então deverás morrer. – Então o
feito de húmus [terra fértil]. (HYGINUS, cozinheiro disse: - Majestade, podeis chamar
1976/1535 Fábula 220). logo o carrasco. Pois, na verdade, conheço o
segredo da omelete de amoras e todos os
HYGINUS. 1976. [1535]. Fabularum Liber. ingredientes, desde o trivial agrião até o nobre
[Tradução livre: Pedro Vitor B. Milanesi] New tomilho. Sem dúvida, conheço o verso que se
York: Garland. deve recitar ao bater os ovos e sei que o batedor
–x–x–x– feito de madeira de buxo deve ser sempre
girado para a direita de modo que não nos tire,
OMELETE DE AMORAS por fim, a recompensa de todo o esforço.
Escrito por Walter Benjamin, importante Contudo, ó rei, terei de morrer. Pois, apesar
filósofo alemão, em 1928. disso, minha omelete não vos agradará ao
paladar. Pois como haveria eu de temperá-la
Esta velha história, conto-a àqueles que com tudo aquilo que, naquela época, nela
agora gostariam de experimentar figos ou desfrutaste: o perigo da batalha e a vigilância
Falerno, o borcht1 ou uma comida camponesa do perseguido, o calor do foto e a doçura do
de Capri. Era uma vez um rei que chamava de descanso, o presente exótico e o futuro obscuro.
seu todo poder e todos os tesouros da Terra, – Assim falou o cozinheiro. O rei, porém, calou
mas, apesar disso, não se sentia feliz e se um momento e não muito tempo depois deve
tornava mais melancólico de ano a ano. Então, tê-lo destituído de seu serviço, rico e carregado
um dia, mandou chamar seu cozinheiro de presentes. (BENJAMIN, 1987 p. 219).
particular e lhe disse: - Por muito tempo tens
trabalhado para mim com fidelidade e me tens BENJAMIN, W. Rua de mão única – obras
servido à mesa os pratos mais esplêndidos, e escolhidas, vol. 2. Editora Brasiliense, 1987.
tenho por ti afeição. Deves me fazer uma
omelete de amoras tal qual saboreei há
1
Um tipo de sopa de beterrabas de origem ucraniana.

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