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Artigo A Insalubridade Por Agentes Biológicos
Artigo A Insalubridade Por Agentes Biológicos
Carente de uma legislação afinada com os novos tempos, o Brasil ainda convive com a figura
dos adicionais insalubridade e periculosidade. A legislação que prescreve tais adicionais
encontra-se sem atualização há exatos 20 anos. O adicional por riscos biológicos prevê
algumas caracterizações de forma bem restritiva; além disso, sua analise é feita sem qualquer
mensuração.
A prevenção e controle dos agentes biológicos ainda são negligenciadas pela maioria dos
trabalhadores, por desconhecerem os riscos inerentes a tais agentes.
palavras-chaves agentes biológicos, prevenção e controle.
Lacking regulations fitting to recent development, Brazil still adopts the figures of insalubrity
and periculosity additionals. Regulation prescribing these figures hasn't been updated for
exactly 20 years now. Additionals for biological risks are recommended only in very specific
cases; besides case analyses are not based on proper mensuration.
Prevention and control of biological agents are still neglected by most workers, for they
usually ignore the risks inherent to such agents.
Keywords biological agents, prevention and control.
1. Introdução
Seguindo o exemplo de pouquíssimos países, o Brasil está no rol dos que prescrevem em sua
legislação compensação financeira aos riscos provenientes do trabalho sujeito a condições
insalubres, e mesmo por situações de periculosidade.
O fenômeno - conhecido por "monetização do risco" - além de se constituir em ínfima parcela
monetária, que acaba se tornando complemento de renda do trabalhador, induz o empregador
a não empreender quaisquer medidas de proteção, limitando-se somente a remuneração do
adicional.
Pouco se tem falado e muito menos publicado sobre o assunto, que apesar de não ser risco
característico de indústrias, é inerente à atividade hospitalar e correlatas, em que
diuturnamente seus colaboradores estão expostos a toda sorte de agentes biológicos, seres
microscópicos, e que por isso fazem com que o trabalhador seja tão cético com relação à sua
existência e à ameaça que representam.
2. Histórico
Os agentes biológicos constituem-se no mais antigo risco ocupacional de que se tem notícia;
Bernardino Ramazzini (1992:66)i, Pai da Medicina do Trabalho, em sua obra-prima datada
de 1700, já fazia referência às doenças dos coveiros:
"A plebe, nas suas paróquias, põe os seus mortos amontoados em
promiscuidade, dentro de grandes sepulcros; quando os coveiros descem a esses antros
fétidos, cheios de cadáveres semi-pútridos, para depositarem outros mortos que trazem,
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expõem-se a perigosas doenças, como febres malignas, morte repentina, caquexia, hidropsias,
catarros sufocantes e outras doenças mais, muito graves; apresentam face cadavérica e
aspecto amarelado como quem vai trabalhar no Inferno. Pode acreditar-se que a causa mais
ativa e pior desses males pestíferos está na descida ao sepulcro, pois, no seu interior, respira-
se necessariamente uma atmosfera pestilenta, à qual se incorporam os espíritos animais (cuja
natureza deve ser etérea), inabilitando-os para a sua função, isto é, para a manutenção de toda
a máquina vital."
Antes mesmo dos riscos físicos e químicos, o trabalhador já experimentava a exposição a um
sem número de agentes biológicos, que se constituem, grosso modo, em agentes etiológicos
ou infecciosos, tais como bactérias, fungos, vírus, parasitas etc.
3. A legislação em vigor
O Anexo nº14 da Norma Regulamentadora 15 do Ministério do Trabalho, que trata da
insalubridade por agentes biológicos, traz bem tipificadas as situações contempladas pelo
adicional, e que, por isso mesmo, tem suscitado muita controvérsia, não só pela utilização do
critério qualitativo da inspeção no local de trabalho, mas também pelo grau de subjetividade
com que se tem tratado a questão.
Estritamente, sob o ponto de vista técnico, os agentes biológicos não são igualmente
perigosos ao trabalhador, variando o risco proporcionalmente à letalidade apresentada pela
exposição; assim, os agentes biológicos, em determinados casos, jamais poderiam estar
inseridos no contexto da insalubridade, pois ao contrário dos agentes químicos e físicos - que
debilitam contínua e lentamente o organismo do trabalhador - estes oferecem verdadeiro
risco, não só à integridade física como também à vida do trabalhador; se um profissional da
saúde, acidentalmente, for infectado por um vírus HIV, fatalmente irá ao óbito.
Nos anos 70, os agentes biológicos já haviam sido classificados pelo CDC - Center of
Disease Control - com base na virulência do agente, da mesma forma, a OSHA - Ocupational
Safety and Health Administration - também fez tal classificação em 1991; no Brasil, somente
através da Instrução Normativa nº7ii da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança -
CTNBio, é feita uma classificação dos agentes biológicos. Desta forma, preconizamos que os
agentes biológicos com exposição letal deveriam ser classificados como periculosos, como
foram as radiações ionizantes, que estão classificadas como insalubres, mas quando existe o
manuseio ou exposição direta a fontes naturais, a atividade é caracterizada como periculosa.
Outra questão importante a ser citada é quanto à exposição do trabalhador; o anexo nº14
prescreve que o contato deve ser permanente, aliás, dentro do preceito legal da insalubridade.
A rigor, particularmente os trabalhadores rurais que têm como exemplo de atividade o corte
da cana e o desmatamento, sujeitos a riscos de picadas de peçonhentos e mordeduras de
animais, também deveriam ser contemplados com o adicional; no entanto, nossa legislação,
divorciada de modernos conceitos, ainda não faz referências a tais riscos biológicos.
Conforme estatísticas do Hospital Vital Brazil do Instituto Butantã de São Paulo, aliás, o
único serviço especializado no atendimento de acidentes causados por animais peçonhentos
de todo o mundo, os pacientes são, geralmente, das áreas rurais, vítimas de picadas de cobras,
aranhas e escorpiões.
Segundo a Coordenação de Segurança do Trabalho na Agricultura da FUNDACENTRO, os
episódios por picadas de cobras, variando de 1.000 a 1.200 ao ano, são os campeões de
acidentes no campo, sendo, inclusive, superiores aos casos de intoxicação por agrotóxicos.
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Apesar da ênfase que demos aos riscos de picadas e mordeduras de animais no trabalho rural,
não podemos olvidar que não são estes os únicos riscos; aliás, o trabalhador do campo está
sujeito a uma infinidade de outros agentes biológicos oriundos de plantas, animais e do solo.
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vetor é o veículo que transmite o parasita entre dois hospedeiros; o vetor é biológico quando
o parasita se desenvolve ou se multiplica dentro do vetor, e mecânico quando somente serve
de transporte.
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são os utensílios que podem veicular o parasito entre os hospedeiros, por exemplo: roupas,
seringas, espículos etc.
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5. O panorama atual
O vírus da Hepatitis B foi considerado, durante os últimos 50 anos, o maior agente infeccioso ocupacional dos
profissionais da saúde e do laboratório. Este vírus pode ser transmitido no sangue, sêmen, fluido cérebro-
espinhal, saliva e urina. Atualmente, existe um sem número de epidemias infecto-contagiosas; no entanto, a que
mais preocupa a comunidade médico-científica é a AIDS, cujo vírus (HIV) foi isolado em 1983 e possui
letalidade de 100%.
Nos recentes anos foi detectado, em todo o mundo, um grande número de doenças que fogem totalmente ao
controle da saúde pública, como por exemplo:
Dengue: cuja epidemia assola, inclusive, o Brasil;
Ebola: seu vírus mata 90% dos infectados, com rápida evolução entre a contaminação e a morte (7
dias);
Hepatitis C e G: novos tipos de hepatite, identificados, respectivamente, em 1989 e 1996;
Sabiá: vírus que apareceu na cidade de Cotia, em 1994, com sintomas semelhantes ao Ebola;
Gripe Asiática: vírus H5N1, que recentemente (dezembro de 1997) infectou aves e humanos em Hong
Kong.
Na condição de trabalhadores que lidam somente com paciente portadores de moléstias
infecto-contagiosas, o adicional é deferido em grau máximo; entretanto, se o profissional da
saúde atender a todo e qualquer tipo de paciente, o adicional concedido será em grau médio.
Na área da saúde, a exposição aos agentes biológicos se dá de três formas típicas:
percutânea: por meio de perfuração com agulha, incisão de objeto cortante e descontinuidade da pele3;
cutânea: ataque direto sobre a pele;
mucosas: especialmente nos olhos e boca.
No caso dos dentistas que lidam com pacientes portadores do vírus HIV, ainda existe um
agravante, visto que o soro positivo apresenta uma grande quantidade de lesões na boca, em
conseqüência da própria moléstia, pois o incremento de bactérias na cavidade bucal promove
a ampliação das doenças bucais, expondo o odontólogo freqüentemente ao sangue
contaminado.
O ideal seria que os dentistas se preparassem adequadamente para o atendimento de todos os
pacientes como se cada um destes fossem infectados ou potencialmente infectantes, como
forma de prevenção do contágio.
Também estão contemplados pelo adicional os profissionais que atuam em laboratórios e que
podem adquirir doença profissional, principalmente, por exposição a agentes biológicos. A
cada dia surgem novas tecnologias, novos reagentes e novos equipamentos que podem expor
3
esta descontinuidade pode ser devida, por exemplo, a uma dermatite crônica, eczema ou
psoríase.
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atualmente estão sendo importadas luvas de vinil, com características melhores.
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Chagas. Pelo menos duas classes de trabalhadores estão envolvidas com tais riscos: os
veterinários, zoólogos e correlatos, e os trabalhadores de abatedouros.
Caso particular são os trabalhadores de abatedouros (sejam eles de bovinos, suínos e até
mesmo aves), quando estes estiverem em contato com sangue, vísceras e carne de animais,
estando aí incluídos os portadores de moléstias infecto-contagiosas, pois, via de regra,
somente se avaliará a saúde do animal depois de abatido; tais trabalhadores estarão expostos a
risco biológico.
As salas de autópsia também são legalmente consideradas locais insalubres por riscos
biológicos, pois todo cadáver necropsiado é uma fonte virtual de infecção, principalmente
porque o legista, a priori, desconhece o paciente, exceto naqueles casos em que hospital
identifica o paciente por etiqueta, advertindo o risco de infecção.
Nos trabalhos de necropsia são comumente utilizados os seguintes equipamentos de proteção
individual:
vestuário próprio, evitando-se a propagação de agentes para outros ambientes;
capote, utilizado como segunda barreira;
luvas cirúrgicas, utilizadas sobrepostas, que não previnem cortes, mas evitam a difusão de agentes;
máscara, utilizada para evitar o contato com mucosas da boca ou ingestão de possíveis fragmentos;
proteção para os olhos, com óculos tipo soldador, com proteção nas laterais, para se evitar ataque às
mucosas dos olhos;
sapatos, que devem ser impermeáveis e cobrir todo o pé;
os instrumentos devem estar restritos à mesa de necropsia, para se evitar que fiquem circulando pela
sala, ou fora dela.
Os trabalhadores que tenham contato com lixo de uma forma geral 5, seja ele doméstico,
industrial ou hospitalar, estão expostos a toda sorte de agente biológicos, fazendo jus, assim,
ao adicional, tanto os trabalhadores envolvidos na coleta do lixo e varreção (garis) quanto
aqueles que atuam na industrialização do lixo; por exemplo, nas usinas de compostagem,
aterros sanitários e incineradores, os trabalhadores estão expostos, pois mantêm contato
direto com o resíduo sólido ou com o chorume, que possui carga biológica muito maior. O
lixo hospitalar é classificado em duas modalidades: o lixo comum e o lixo séptico,
representado por resíduos e materiais de alas de internação e isolamento, além das salas de
cirurgia; preconizamos que, pelo menos, aquele lixo com suspeita de contaminação deveria
ser descontaminado, por exemplo, usando-se de autoclavagem antes de ser dado o destino
final. Em alguns países o lixo hospitalar é segregado em sacos de cores diferentes conforme
sua natureza, permitindo sua identificação e correto recolhimento.
O lixo de origem séptica deve ser recolhido imediatamente, promovendo sua rápida
incineração; no entanto, a realidade de nossos hospitais é acumular o lixo por vários dias.
"Por conter substâncias de alto teor energético, e por oferecer disponibilidade
simultânea de água, alimento e abrigo, o lixo é preferido por inúmeros organismos vivos, ao
ponto de algumas espécies o utilizarem como nicho ecológico.
Podemos classificar em dois grandes grupos os seres que habitam o lixo: os
macrovetores, como por exemplo ratos, baratas, moscas e mesmo animais de maior porte,
como cães, aves, suínos, eqüinos. O próprio homem, o catador de lixo enquadra-se neste
grupo. No segundo grupo dos microvetores, estão os vermes, bactérias, fungos, actinomicetos
5
o anexo prevê, impropriamente, o pagamento do adicional apenas para os trabalhadores em
contato com o lixo urbano.
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e vírus, sendo estes últimos os de maior importância epidemiológica por serem patogênicos e,
portanto, nocivos ao homem." (Lima, 1991:29)xiii.
O lixo é fonte de várias doenças do homem, como por exemplo, cólera, tifo, pólio,
leptospirose e outras. A leptospirose é doença transmitida entre os animais e para o homem
através da urina do rato por águas de enchente ou pelo contato com o lixo. O número de
mortes por leptospirose tem aumentado nas cidades grandes por falta de cuidado com o lixo,
com a falta de limpeza dos rios, córregos e lagos, e, principalmente, com a falta de cuidados
na limpeza de esgoto doméstico e de esgoto a céu aberto.
8. Conclusão
Enfim, várias atividades laborais submetem os trabalhadores à exposição de agentes
biológicos, que ao contrário dos típicos agentes insalubres - que agem insidiosa e
cumulativamente no organismo humano - agem de forma abrupta, sendo caracteristicamente
letais em alguns casos; além do que, dadas suas peculiaridades, via de regra, o trabalhador
não sabe que está se expondo a um agente biológico, que por ser microscópico, o impede de
se preservar ou evitar a exposição.
A legislação brasileira é pobre na caracterização dos riscos biológicos, instituindo adicional
para uns poucos riscos nominados; não exige qualquer análise quantitativa, mas, tão somente
uma análise qualitativa (inspeção no local de trabalho), deixando de lado atividades típicas
classificadas como de risco biológico, a exemplo dos trabalhadores rurais.
A melhor proteção que podemos oferecer ao trabalhador é a informação e treinamento, pois
de nada valeria uma parafernália de equipamentos de proteção individual, se estes forem
incorretamente empregados; a negligência ainda é forte aliada dos riscos biológicos, que
fazem do trabalhador, especialmente o desqualificado, presa fácil desta ameaça.
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ix
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