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Hermenêutica
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Fenomenologia, Existencialismo e Hermenêutica
1911 A filosofia como ciência rigorosa; ocupa. Um fato é o que acontece aqui e
e Ideias Para uma Fenomenologia Pura agora; um fato é con�ngente, podendo
e Para uma Filosofia Fenomenológica é ser ou não ser.
de 1913. Em 1916 passou a ensinar em
Friburgo, onde permaneceu até 1928, Mas, quando um fato (este som, esta
ano em que foi posto de licença. Como cor etc.) se nos apresenta à consciência,
emérito, não pode prosseguir sua a�vi- juntamente com o fato captamos uma
dade didá�ca porque, sendo judeu, foi essência (o som, a cor etc.). Nas ocasi-
obstaculizado pelo regime nazista. A ões mais díspares, podemos ouvir os
lógica formal e a lógica transcendental sons mais diversos (clarim, violino,
é de 1929. Em 1931 foram publicadas piano etc.), mas neles reconhecemos
suas conferências parisienses, sob o algo de comum, uma essência comum.
�tulo de Meditações cartesianas. Ao No fato sempre se capta uma essência.
morrer deixou grande quan�dade de O individual se anuncia para a consciên-
inéditos (cerca de quarenta e cinco mil cia através do universal. Quando a cons-
páginas estenografadas). Dessa grande ciência capta um fato aqui e agora, ela
massa de manuscritos foram extraídos capta também a essência: esta cor é
vários livros, o mais conhecido e impor- caso par�cular da essência “cor”, este
tante dos quais é A crise das ciências som é caso par�cular da essência
europeias e a fenomenologia transcen- “som”, este ruído é caso par�cular da
dental, publicado em 1950. essência “ruído” etc.
o homem que deve escolher livremen- sendo notável. Por isso, é reconhecido
te, o homem livre de plasmar-se a si que o movimento fenomenológico
mesmo e ao mundo que o circunda”. cons�tui um acontecimento decisivo no
Então Husserl pergunta: “O que tal ciên- âmbito da filosofia contemporânea.
cia tem a dizer sobre a razão e sobre a
não-razão, o que tem ela a dizer sobre Max Ferdinand Scheler foi um filósofo
nós, homens, enquanto sujeitos dessa alemão, conhecido por seu trabalho
liberdade? Obviamente, a mera ciência sobre fenomenologia, é�ca e antropo-
de fatos não tem nada a nos dizer a esse logia filosófica, bem como por sua con-
respeito: ela, precisamente, abstrai de tribuição à filosofia dos valores. Scheler
qualquer sujeito”. O drama da época desenvolveu o método do criador da
moderna é o drama que começou com fenomenologia, Edmund Husserl, e foi
Galileu, ele recortou do mundo-da-vida chamado por José Ortega y Gasset de “o
a dimensão �sico-matemá�ca, que primeiro homem do paraíso filosófico”.
depois passou a ser considerada como Em 1954, Karol Wojtyla, posteriormen-
vida concreta. “Galileu vive na ingenui- te papa João Paulo II, defendeu sua tese
dade da evidência apodí�ca”. sobre Uma avaliação da possibilidade
de construir uma ética cristã baseada
Naturalmente, a filosofia reconhece a no sistema de Max Scheler. Após sua
função da ciência e da técnica, mas a morte em 1928, Mar�n Heidegger afir-
função da filosofia “é a de libertar a his- mou, junto com Ortega y Gasset, que
tória da fe�chização da ciência e da téc- todos os filósofos do século eram deve-
nica”. Vista desse modo, “a fenomeno- dores de Scheler e sua ”força filosófica
logia é filosofia primeira que se liberta mais forte da Alemanha moderna, da
da clausura do mundo, anulando-o, Europa contemporânea e da filosofia
para descobrir na humanidade a liber- contemporânea”. A obra de Scheler
dade de se transcender em direção a aborda grande variedade de conheci-
novos horizontes”. O movimento feno- mentos, como biologia, psicologia,
menológico é uma vasta e ar�culada sociologia, teoria do conhecimento,
corrente de pensamento, da qual se meta�sica e filosofia da religião. Para
destacam, além de Husserl, o pensa- Scheler, não há maior problema filosófi-
mento de Heidegger, as análises de co como a questão da pessoa humana
Sartre e de Merleau-Ponty. Deve-se em sua essência e estrutura cons�tu�-
dizer ainda que a influência dos feno- va, pois nunca houve antes tantas opini-
menólogos sobre a psicologia, a antro- ões acerca do ser humano e de sua
pologia, a psiquiatria, a filosofia moral e origem que fossem tão incertas, impre-
a filosofia da religião foi e con�nua cisas e múl�plas como no tempo atual.
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Fenomenologia, Existencialismo e Hermenêutica
É preciso superar as velhas opiniões e sistema. Por isso, Hartmann pode apro-
empreender um novo caminho, pres- veitar também elementos do pensa-
cindindo de ideias dominantes que mento clássico, aliando pensadores que
totalizam uma visão do humano como a parecem tão dis�ntos como Aristóteles
imago Dei judaico-cristã, o homo e Hegel. Foi um dos poucos pensadores
sapiens grego ou o homo faber posi�- do século XX que se preocupou com
vista e pragma�sta. As perguntas “o que todas as disciplinas filosóficas, desen-
é o homem?” e “qual a sua posição no volvendo não apenas um teoria do
interior do ser?” sempre foram priori- conhecimento e uma ontologia, mas
dade para a consciência filosófica de também uma esté�ca, uma é�ca, uma
Scheler. filosofia do espírito e uma doutrina de
categorias na qual se insere a maior
Nicolai Hartmann foi um filósofo ger- parte de suas inves�gações. Conclui
mano-bál�co. Ele é considerado um dos que em toda teoria do conhecimento
principais representantes do realismo há elementos meta�sicos e em toda
crí�co e um dos mais importantes me- meta�sica há elementos gnosiológicos.
ta�sicos do século XX. Seus primeiros No campo da ontologia, dedicou-se ao
trabalhos orientam-se segundo o exame de diferentes �pos de catego-
neokan�smo da Escola de Marburgo. rias, tanto as que estruturam o mundo
Posteriormente, altera sua posição teó- real quanto as que estruturam o mundo
rica, sob a influência da fenomenologia do espírito. Entre suas obras destacam-
de Edmund Husserl e das filosofias de -se: Metafísica do conhecimento; O pro-
Hegel, Max Scheler e Wilhelm Dilthey, blema do ser espiritual; A filosofia do
embora não se prendesse a qualquer idealismo alemão; Ontologia.
uma delas. Caracteriza-se pelo esforço
constante de repensar problemas filo- Rudolf O�o foi um eminente teólogo
sóficos fundamentais, u�lizando outras luterano alemão, filósofo e erudito em
influências apenas para lançar luz sobre religiões comparadas. Autor de O
a natureza dos problemas tratados e Sagrado, publicado pela primeira vez
sobre suas possíveis soluções. Sua filo- em 1917 como Das Heilige (considera-
sofia é sistemá�ca, no sen�do de que se do um dos mais importantes tratados
propõe a examinar os problemas bási- teológicos em língua alemã do século
cos da filosofia em toda sua extensão, XX) e que é mais conhecido pelo seu
mas não no sen�do de forçar esses pro- conceito do numinoso, o qual exprime
blemas a entrar numa prévia constru- uma profunda experiência emocional
ção meta�sica. Trata-se de uma filosofia que ele argumentou estar no coração
dos problemas e não uma filosofia do das religiões do mundo e que é funda-
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Fenomenologia, Existencialismo e Hermenêutica
com o sucesso, é a atenção para com o Em outros termos, o homem que vive
êxito; ao passo que na existência auten- auten�camente con�nua a viver a vida,
�ca, que assume a morte como possibi- por assim dizer, banal de seu tempo e
lidade que qualifica a existência, o de seu povo, mas a vive com todo
futuro é um viver para a morte que não aquele afastamento próprio de quem,
permite ao homem ser envolvido pelas com a experiência antecipadora da
possibilidades mundanas. E se o passa- morte, teve a revelação do nada dos
do autên�co é o não aceitar passiva- projetos humanos e da existência
mente a tradição, mas confiar nas possi- humana. A tarefa declarada de Ser e
bilidades que a tradição nos oferece e tempo é a de determinar o sen�do do
reviver a possibilidade do homem que Ser. Entretanto, essa interrogação – que
já foi, o presente autên�co é o instante, se desdobrou na analí�ca existencial,
em que o homem repudia o presente ou seja, na análise das estruturas da
inautên�co (onde o homem é absorvi- existência – teve como resultado o de
do sem descanso pelas coisas a fazer) e que o sen�do do ser não pode
decide seu des�no. ser ob�do pela interrogação de um
ente. A análise da existência mostra que
Dessa análise do tempo, entre outras a existência autên�ca é o nada de todo
coisas, derivam algumas consequências projeto e o nada da própria existência. A
importantes no pensamento de Heideg- análise do Ser-aí, isto é, daquele ente
ger: 1) Os significados do tempo usados privilegiado que se propõe a pergunta
no pensamento comum e na ciência (a sobre o sentido do ser, revela o sentido
databilidade e a medida cien�fica do do Ser, e sim o nada da existência.
tempo) cons�tuem tempo inautên�co, já
que remetem à existência lançada entre Essas considerações são explicitadas
as coisas do mundo; 2) A existência por Heidegger em sua Introdução à me-
autên�ca é a existência angus�ada, que tafisica (1953), que se apresenta como
vê a insignificância de todos os projetos e crí�ca radical da meta�sica clássica. De
fins do homem. Essa insignificância torna Aristóteles a Hegel e ao próprio Nietzs-
todos os projetos equivalentes. Pondo o che, a meta�sica clássica fez o que a
homem diante da equivalente nulidade analí�ca existencial mostrou ser impos-
dos fins, a angús�a dá ao indivíduo a sível: procurou o sen�do do Ser inda-
possibilidade de aceitar o próprio tempo e gando os entes. A meta�sica iden�ficou
a ele permanecer fiel, ou seja, assumir o ser com a obje�vidade, isto é, com a
como próprio o des�no da comunidade simples presença dos entes. Desse
humana a qual pertence, em uma espécie modo, ela não é meta�sica, senão
de amor fati. “�sica” absorvida pelas coisas, que
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Fenomenologia, Existencialismo e Hermenêutica
esqueceu o ser e que, aliás, leva ao Ser para ser o guarda de sua verdade”.
esquecimento desse esquecimento. Por isso, é preciso levar a filosofia de
Heidegger diz que Platão foi o primeiro sua deformação “humanista” até o
responsável pela degradação da meta�- “mistério” do Ser, a seu desvelar-se ori-
sica a �sica. Os primeiros filósofos (Ana- ginário. Mas onde ocorre esse desvelar-
ximandro, Parmênides, Heráclito) con- -se do Ser? Diz Heidegger que o ser se
ceberam a verdade como um desvelar- desvela na linguagem, não na lingua-
-se do Ser, como provaria o sen�do e�- gem cien�fica própria dos entes, ou na
mológico de alétheia, onde lantháno linguagem inautên�ca do palavrório, e
(velar) é precedido do alfa priva�vo. sim na linguagem auten�ca da poesia.
Entretanto, Platão rejeitou a verdade Escreve ele na Carta sobre o humanis-
como “não-ocultamento” do Ser e sub- mo: “A linguagem é a casa do ser. E
verteu a relação entre Ser e verdade, nessa morada habita o homem. Os pen-
baseando o Ser na verdade, no sen�do sadores são os guardiões dessa
de que a verdade estaria no pensamen- morada”. Na forma autoral da poesia, a
to que julga e estabelece relações entre palavra �nha caráter “sacral”: língua
os próprios “conteúdos” ou “ideias”, e originária, a poesia deu nomes às coisas
não no ser que se desvela ao pensa- e fundou o Ser. Essa fundação do Ser,
mento. Desse modo, o ser deveria se porém, especificada por Heidegger em
finalizar e rela�vizar para a mente Holderlin e a essência da poesia (1937),
humana, aliás, para a linguagem dela. não é obra do homem e sim dom do Ser.
Na linguagem do poeta, não é o homem
Entretanto, o patrimônio de palavras, que fala, e sim a própria linguagem – e,
de regras lógicas, grama�cais e sintá�- nela, o Ser. Consequentemente, a justa
cas, que é a linguagem, estabelece limi- a�tude do homem em relação ao ser é
tes intransponíveis ao que podemos a do silêncio para ouvi-lo; o abandono
dizer. A linguagem do homem pode ao Ser é o único comportamento corre-
falar dos entes, mas não do ser. Por isso, to. O homem deve, portanto, tornar-se
a revelação do ser não pode ser obra de livre para a verdade, concebida como
um ente, ainda que privilegiado como o desvelamento do Ser. E, assim, liberda-
Ser-aí, mas só pode se dar através da de e verdade se iden�ficam. E, como a
inicia�va do próprio ser. Aí reside a “re- verdade, também a liberdade é dom do
viravolta” do pensamento de Heideg- Ser ao homem, uma inicia�va do Ser.
ger. O homem não pode desvelar o sen-
�do do Ser. Ele deve ser o pastor do Ser São, portanto, os “pensadores essen-
e não o senhor do ente. E sua dignidade ciais” (como Anaximandro, Parmênides,
“consiste em ser chamado pelo próprio Heráclito e Holderlin) as testemunhas
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Fenomenologia, Existencialismo e Hermenêutica
o sen�do da vida é renunciar a própria seu vir para fora. O Ter, acentuando a si
iden�dade profunda, é dissolver-se no mesmo anula o Ser; mas tornando-se
Ter. instrumento, subirá ao plano do Ser.
Somente assim é que poderemos abor-
O Ter e o Ser é a dis�nção é fundamen- dar o Ser sem transformá-lo em Ter, em
tal na ontologia de Marcel. Ter diz res- objeto, em espetáculo, em suma, a rela-
peito a coisas que me são externas e ção Ser-Ter é uma relação de essencial
que de mim não dependem, embora eu tensão dialé�ca na qual o Ser está
seja proprietário e delas me disponho. sempre ligado ao Ter e deve purificá-lo,
Ser é fonte de alheamento: os objetos não deixando-se absorver por ele, mas
que possuímos possuem significados orientando-o para si. O Deus de Marcel
que ameaçam tragar-nos. Os que estão não é objeto suscep�vel de demonstra-
apegados ao Ter estão prestes a sofrer ção obje�va (racionalismo) nem uma
de deficiência ontológica com a perda mera função (subje�vismo), mas o “In-
do Ser. Para quem vive na dimensão do demonstrável Absoluto”. O drama da
Ter todas as coisas são problemas. existência humana é um encontro pes-
Exemplo: Dom Juan vive na zona do Ter: soal entre Deus e o eu e alterna entre o
vê a mulher do ponto de vista da posse sim e o não, entre a fidelidade e a infi-
sem poder saciar-se com nenhuma. O delidade, entre o amor e o ódio e ao
corpo e o Ter-�pico: é a exterioridade homem é dado o poder único de deci-
em comunicação com o “eu” interior. dir, afirmar ou negar. O dilema sempre
Entre a realidade e mim, o corpo é me- persiste como a essência de sua liberda-
diador absoluto. O corpo é a primeira de.
coisa possuída. O Ser tem a primazia na
pesquisa meta�sica em relação ao pen- Albert Camus foi um escritor, filósofo,
samento e ao Ter. Não há e não pode romancista, dramaturgo, jornalista e
haver passagem do pensamento ao ser; ensaísta franco-argelino. Ele também
esta passagem é impensável; o pensa- atuou como jornalista militante envolvi-
mento já está no ser e não pode sair do na Resistência Francesa, situando-se
dele, não pode fazer abstração dele. É próximo das correntes libertárias du-
necessário dizer que o pensamento é rante as batalhas morais no período
interno ao ser, que ele é certa modali- pós-guerra. O seu trabalho pro�cuo
dade do ser. O pensamento está para o inclui peças de teatro, novelas, no�cias,
ser assim como os olhos para a luz. O filmes, poemas e ensaios, onde ele
Ser tem primazia sobre o Ter. O Ter é desenvolveu um humanismo baseado
aquilo que é obje�vável, é a exterioriza- na consciência do absurdo da condição
ção do Ser, ele é o coisificar-se do Ser, o humana e na revolta como uma respos-
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Fenomenologia, Existencialismo e Hermenêutica
ta a esse absurdo. Para Camus, essa tual com seu an�go colega Sartre.
revolta leva à ação e fornece sen�do ao
mundo e à existência. Daqui “nasce Apesar de ser familiarizado com a obra
então a estranha alegria que nos ajuda do filósofo alemão Mar�n Heidegger, a
a viver e a morrer”. Recebeu o Prémio principal influência de Camus foi o dina-
Nobel de Literatura em 1957. A curta marquês Søren Kierkegaard, que usou a
carreira de Camus como jornalista do história bíblica de Abraão e Isaac para
Combat foi ousada. Atuando como expôr seu conceito de “absurdo”. Na
periodista, ele tomou posições incisivas passagem, Abraão aceita sacrificar o
em relação à Guerra de Independência próprio filho como prova de amor a
Argelina e ao Par�do Comunista Fran- Deus sem ques�onar. Mas, antes que o
cês. Ao longo de sua carreira, Camus sacri�cio seja consumado, Deus libera o
envolveu-se em diversas causas sociais, devoto da obrigação e manda os dois
protestando veementemente contra as irem para casa. O que espanta Kierkega-
desigualdades que a�ngiam os muçul- ard não é a obediência cega de Abraão,
manos no Norte de África, defendendo mas o fato de pai e filho retomarem sua
os exilados espanhóis an�fascistas e as ro�na normal depois de um aconteci-
ví�mas do stalinismo. Ele ainda foi um mento tão intenso. No ensaio Temor e
entusiasmado defensor da objeção de Tremor, de 1843, Kierkegaard afirma:
consciência. À margem de outras cor- “Abraão renunciou infinitamente a
rentes filosóficas, Camus foi sobretudo tudo, e então retomou tudo de volta
uma testemunha de seu tempo. Intran- com a força do absurdo”. Ou seja, para
sigente, recusou qualquer filiação ideo- viver uma vida cheia de falhas, é preciso
lógica. Lutou energicamente contra dar um “salto impossível”. Camus
todas as ideologias e abstrações que também acreditava nisso, mas sem a
deturpavam a natureza humana. Dessa parte religiosa. “Aqui também podemos
maneira, ele foi levado a opor-se ao ver relações com a vida na França da
existencialismo e ao marxismo, discor- Ocupação [alemã, durante a Segunda
dando de Jean-Paul Sartre e de seus Guerra]. Concedeu-se tudo, perdeu-se
an�gos amigos. Camus incorporou uma tudo – no entanto, tudo ainda parece
das mais elevadas consciências morais exis�r. O que sumiu foi o sen�do. Como
do século XX. O humanismo de seus viver sem sen�do? A resposta de Camus
escritos foi fundamentado na experiên- e Kierkegaard consis�a em algo similar
cia de alguns dos piores momentos da ao lema do cartaz britânico para elevar
história. A sua crí�ca ao totalitarismo o moral: Keep Calm and Carry On [Man-
sovié�co rendeu-lhe diversas retalia- tenha a calma e siga em frente], escre-
ções e culminou na desavença intelec- veu a filósofa Sarah Bakewell, no livro
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Fenomenologia, Existencialismo e Hermenêutica
mer, no entanto, vai além de Heidegger cultural: linguagem, teorias, mitos, etc.)
e pergunta se esse é o caso, o que isso ao crivo sobre o texto e sobre o contex-
significa especificamente para as huma- to (qualquer informação importante,
nidades? A resposta de Gadamer tem apta a confirmar ou a enfraquecer a
componentes nega�vos e posi�vos. Ne- interpretação proposta), e se esse con-
ga�vamente, Verdade e Método cri�ca trole mostra que há um choque entre
não apenas o metodologismo e o cien�- nossa interpretação e algum trecho do
ficismo subjacentes à hermenêu�ca de texto ou do contexto, então devemos
Dilthey e à fenomenologia de Husserl, propor um esboço posterior de sen�do,
mas também a propensão do século XX outra interpretação a ser subme�da,
para o posi�vismo e/ou o naturalismo. por sua vez, ao crivo do texto e do con-
No entanto, em seu movimento para texto. E se também esta segunda resul-
colocar a ciência “em seu lugar”, por tar inadequada, experimentar-se-á uma
assim dizer, encontra-se uma tenta�va terceira. E assim por diante, teorica-
posi�va de revigorar nossa apreciação mente ao infinito, ainda que nos dete-
da arte, mostrando não apenas como nhamos naquela interpretação que nos
ela fala a verdade, mas também como aparecerá como sa�sfatória.
ela serve como o paradigma da verda-
de. Ele argumenta não apenas que o Quem quiser compreender um texto
conhecimento significa�vo buscado deve estar pronto a deixar que o texto
pelas humanidades é irredu�vel ao das lhe diga alguma coisa (alteridade do
ciências naturais, mas que há uma ver- texto). Tal sensibilidade não pressupõe
dade mais profunda e mais rica que uma neutralidade obje�va nem um
excede o método cien�fico. esquecimento de si mesmo, mas impli-
ca uma precisa tomada de consciência
Com o círculo hermenêu�co (movimen- das próprias pressuposições e dos pró-
to de compreender) enfrentamos um prios preconceitos. Segundo a história
texto com o conjunto de expecta�vas dos efeitos, o produto não é o produtor.
ou pré-conceitos que cons�tuem nossa E o autor de um texto é um elemento
pré-compreensão (nossa mente não é ocasional. Com efeito, depois de vindo
uma tábula rasa). E é em base a esta ao mundo, um texto vive uma vida
pré-compreensão nossa que damos autônoma: produz seus efeitos. Ex.: de
uma primeira interpretação do texto, uma teoria cien�fica se verão consequ-
que não é mais do que conjetura nossa ências, erros, aplicações, desenvolvi-
sobre a mensagem ou conteúdo do mentos, interpretações. É claro que a
texto. O intérprete põe esta sua inter- história dos efeitos de um texto deter-
pretação (com base em sua memória mina sempre mais plenamente seu sig-
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Fenomenologia, Existencialismo e Hermenêutica
nificado. Disso resulta que quem inter- entre o final da Primeira Guerra Mun-
preta um texto a distância temporal do dial e o início da década de 1920, levou-
nascimento do texto tem possibilidades -o a ser de�do em 1944, em Camerino.
maiores de compreender mais plena- Be� ficou preso por cerca de um mês,
mente seu sen�do. por deliberação do Comitê de Liberação
Nacional. Em agosto de 1945, Be� foi
Os preconceitos que formam a pré- absolvido de todas as acusações pelo
-compreensão do interprete são frutos tribunal responsável. Be� foi, entre
de elaborações do passado. Ideias e outras coisas, membro da comissão res-
ideais nos são transmi�dos pela tradi- ponsável pela redação do Código Civil
ção. Sobre a tradição, Gadamer 1) rejei- Italiano de 1942.
ta a a�tude român�ca feita de fé na
autoridade; 2) sustenta que a proposta Em virtude da função específica da her-
iluminista de querer crivar todo e qual- menêu�ca jurídica, Be� sustentava, tal
quer preconceito à luz da razão é uma como fizeram tanto Heck como Maximi-
pretensão justa; 3) afirma, porém, que liano, que a interpretação do direito
dessa pretensão não brota necessaria- deveria agregar a um momento inicial
mente a rejeição indiscriminada de de entendimento, um momento poste-
todo e qualquer preconceito, da autori- rior de correção, que adaptasse o
dade e da tradição; e isso pelo fato de entendimento inicial às necessidades
que preconceitos notáveis e preconcei- sociais contemporâneas do momento
tos tradicionais podem resultar adequa- da aplicação. E esse é o ponto crucial de
dos e produ�vos para o conhecimento: sua teoria, pois a grande deficiência
da verdade não se pergunta a data de metodológica das concepções anterio-
nascimento; 4) por conseguinte, a rejei- res havia sido não explicar adequada-
ção iluminista da tradição torna-se um mente o modo como essa adaptação
preconceito não adequado. deveria ser feita sem que fosse comple-
tamente sujeita ao arbítrio do julgador.
Emilio Be� foi um jurista italiano, A saída metodológica encontrada por
tendo se dedicado especialmente ao Be� foi oferecer aos juristas quatro
Direito Romano, além de filósofo e teó- cânones, quatro regras básicas de inter-
logo. Ele é mais conhecido por suas pretação que, aplicadas de forma com-
contribuições à hermenêu�ca, como binada, deveriam garan�r simultanea-
consequência de seu interesse por mente a segurança jurídica e a correção
interpretação. Como filósofo do Direito, material das decisões.
Be� aproxima-se do interpreta�vismo.
O apoio intelectual de Be� ao fascismo, O primeiro cânone visa basicamente a
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Fenomenologia, Existencialismo e Hermenêutica
encadear um novo discurso no discurso teórico [...]? Eis a razão - conclui Ricoeur
do texto. Isto supõe que o texto seja - pela qual prefiro dizer pessoa em vez
aberto. Ler é apropriar-se do sen�do do de consciência, sujeito, eu”. E a pessoa
texto. De um lado não há reflexão sem é atenazada na dialé�ca entre liberdade
meditação sobre os signos; do outro, e culpa, e se sente só diante de Deus,
não há explicação sem a compreensão como o cavaleiro da fé de que fala
do mundo e de si mesmo. O sen�do do Kierkegaard, cavaleiro que, diante de
trabalho filosófico de Ricoeur deve ser Deus, não dispõe em todo caso a não
visto em uma teoria da pessoa humana; ser de si próprio, em um isolamento
conceito – o de pessoa – reconquistado infinito.
após uma peregrinação fa�gante na flo-
resta das produções simbólicas do Em 1983, nos três volumes de Tempo e
homem, depois das devastações produ- narrativa, o autor destaca as proximida-
zidas na ideia de consciência pelos mes- des entre a temporalidade da historio-
tres da “escola da suspeita”. Eis, a pro- grafia e aquela do discurso literário.
pósito, um pensamento do próprio Pode ser encontrada aí a vontade de
Ricoeur (1983): “Se a pessoa voltar, isso Ricoeur de ligar a reflexão filosófica
se dará porque ela con�nua o melhor sobre a natureza da narra�va com a
candidato para sustentar as batalhas perspec�va linguís�ca e poé�ca. Desde
jurídicas, polí�cas, econômicas e cedo, Ricoeur se interessou sobre a his-
sociais”. Com efeito, no confronto com tória desde uma perspec�va filosófica
a “consciência”, com o “sujeito” ou o sem, no entanto, pra�car uma filosofia
“eu”, a pessoa é um conceito que sobre- da história. Em História e verdade, de
viveu e que hoje voltou a viver com 1955, ele tenta definir a natureza do
força. conceito de verdade em história e dife-
renciar a obje�vidade em história dis-
Ainda Ricoeur: “Consciência? Como se �nguindo-a da obje�vidade nas ciên-
poderia ainda crer na ilusão de transpa- cias exatas. Anos mais tarde, ele se
rência associada a este termo, depois dedicará às questões culturais e históri-
de Freud e da psicanálise? Sujeito? cas de uma perspec�va fenomenológica
Como se poderia alimentar ainda a e hermenêu�ca. Ele fomenta então a
ilusão de uma fundação úl�ma em discussão sobre a memória e a memó-
algum sujeito transcendental, depois da ria cultural em A memória, a história, o
crí�ca das ideologias efetuadas pela esquecimento, de 2000.
Escola de Frankfurt? O eu? Mas quem
não sente com força a impotência do Luigi Pareyson foi um filósofo italiano
pensamento para sair do solipsismo do século XX. Desde muito cedo, Parey-
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Fenomenologia, Existencialismo e Hermenêutica
Indicações de Leituras
Indicações de Leituras
6. O Sagrado, de O�o
7. Ser Finito e Ser Eterno, de Edith Stein
8. A estrutura do comportamento; A fenomenologia da percepção, de Merle-
au-Ponty
9. A náusea; A idade da razão; As moscas; A portas fechadas; O ser e o nada.
Ensaio de uma ontologia fenomenológica; A transcendência do Ego; A imagi-
nação; Ensaio de uma teoria das emoções; O imaginário. Psicologia fenome-
nológica da imaginação; O existencialismo é um humanismo; Crítica da
razão dialética, de Sartre
10. O segundo sexo, de Simone de Beauvoir
11. Ser e tempo; Que é Metafísica?; Da Essência do Fundamento; Hölderlin e
a Essência da Poesia; Da Essência da Verdade; A Carta sobre o Humanismo;
Introdução à Metafísica; O Que é Isto, a Filosofia?; Identidade e Diferença; A
Caminho da Linguagem, de Heidegger
12. A Situação Espiritual do Nosso Tempo; Filosofia; Introdução à Filosofia,
de Jaspers
13. Revolução da Esperança, de Marcel
14. O estrangeiro; O mito de Sísifo; A peste; O Homem Revoltado; A queda,
de Camus
15. Verdade e método, de Gadamer
16. Interpretação da lei e dos atos jurídicos, de Emilio Be�
17. A Memória, a História, o Esquecimento; Tempo e Narrativa; O si-mesmo
como outro; A Simbólica do mal; Teoria da Interpretação: o Discurso e o
Excesso de Significação, de Ricoeur
18. Ontologia da liberdade: O mal e o sofrimento; Os Problemas Da Estética;
Verdade e Interpretação, de Luigi Pareyson
19. Sujeito e a máscara: Nietzsche e o problema da libertação; Crer que se
crê: É possível ser cristão apesar da Igreja?; Da realidade: Finalidades da
Filosofia; Adeus à verdade, de Gianni Va�mo