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Metrópolis e a despersonalização

do indivíduo na massa
Bruno Ortega e Gabriel Ramon

Kierkegaard constrói a sua perspectiva de realização a partir de uma


diferenciação do que Hegel havia proposto. Enquanto o alemão fundamentou sua
filosofia em uma realização no espírito absoluto, o caráter definidor e máximo estando
atribuído a Deus; entretanto o filósofo dinamarques enxergou um escopo diferente para
fundamentar a realização do homem na realidade. para Kierkegaard a realização do
homem é desenvolvida a partir do seu individualismo e finalizado na sua relação com o
divino. Não só isso, mas Kierkegaard foi o autor responsável por conceitualizar que a
existência humana só é possível em tensão: tensão entre a sua vida individual e
espiritual, e ao mesmo tempo cidadão em sociedade.
A partir da compreensão da introdução ao conceito do individualismo em
Kierkegaard podemos utilizá-lo para contrapor a formação do que entendemos como
massificação1, e de que forma isto é uma ameaça que o próprio autor busca enfrentar.
Para tal, utilizaremos o filme Metrópolis (1927) como representação da abordagem
discutida.
Logo nos seus primeiros minutos o filme nos apresenta uma grande
problemática de uma sociedade massificada, tornada sem rosto. Enquanto Freder
observa a explosão das máquinas, podemos notar como é um processo trivial o ato de
retirar os feridos e dispor de substitutos imediatos. Este mesmo momento serve de
reflexão quando nosso protagonista torna a questionar sobre aqueles indivíduos, o que
teria acontecido com eles, ao que o “cérebro” por trás da máquina social se mostra
indiferente, sua única preocupação é a continuidade do processo maquinario.
Esse primeiro ponto nos interessa pela sua capacidade de observar e inferir
sobre como a falta do individualismo interfere na forma como as pessoas são tratadas.
Mesmo sendo indivíduos e sujeitos sociais é possível retirar a característica
individualidade2 do homem, fazendo com que ele tenha como única atribuição de sua
existência a sua funcionalidade.

1
O conceito de massificação estará sendo utilizado também para representar a ideia de despersonalização, de
forma a tornar reconhecida a ideia da integralidade dos termos e suas implicações.
2
Ayn Rand apresenta essa mesma discussão no seu livro Cântico (1938), sobre como a perda da identidade é
característica e fundamental para estruturar uma realidade massificada e sem rosto.
2

O segundo momento relevante para uma análise kierkegaardiana é quando


Freder compadece de angústia, demonstrando seu sofrimento quando percebe que por
sua culpa o funcionário foi despedido. Sendo um conceito recorrentemente atribuído a
Kierkegaard, a angústia do personagem confere a personalização necessária para que
lhe seja conferida a imagem do Prometeu desacorrentado3.
Um grande momento do filme que podemos utilizar para fundamentar a
problemática da massificação, é quando o personagem Josaphat enfrenta as
pretensões de massificação. No ato de se prontificar à transgressão, o personagem
sente o impacto do sistema estruturante das massas frente ao indivíduo, reduzido ao
seu poder próprio, enquanto confronta um poder extenso, sem rosto e destrutivo.
Kierkegaard define que a verdade, enquanto expressão da singularidade, só faz
sentido quando é apropriada pelo indivíduo e se torna parte de sua existência. Por
tanto, a partir desta reflexão, podemos expor como o filme apresenta, no momento de
revolução da massa, uma reorientação do sistema massificador, mas que de forma
alguma exemplifica uma des-despersonalização. Isso fica claro quando os
personagens largam seus filhos para trás, ignorando qualquer consequência e
simplesmente seguem a condução de um novo líder. Não se prontificando a se
diferenciar do fluxo, eles apenas aceitam permanecer sem o desenvolvimento da sua
personalidade.
Podemos dizer que a partir dessa consideração os únicos personagens que de
fato representam a realização a que se refere Kierkegaard são: Freder, Maria,
Josaphat e Georgy. Estas quatro personas rompem com a ordem empregada pela
separação e despersonalização do que foi estruturado. Quebrando as engrenagens e
obedecendo apenas às suas vontades, ainda dentro dos princípios éticos, eles estão
exercendo sua individualidade - é possível argumentar que talvez Josaphat não esteja
nada mais que obedecendo às ordens de um novo direcionamento, mas como o
personagem confronta o poder anterior, o qual ele era plenamente ciente da extensão
que esse fato representava, podemos articular que ele também se fez individuo.

3
Utilizamos este conceito para representar, assim como foi Prometeu, o papel que Freder desempenha na
história como o mediador, que trará um rompimento na forma como a realidade massificada do filme se
constitui.

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