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ENTENDENDO AS OBRAS DE ZYGMUNT BAUMAN:

MODERNIDADE LÍQUIDA

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. 258 pg.

Este despretensioso texto capta somente essência superficial da obra Modernidade Líquida, de
Zygmunt Bauman, citando, muitas vezes, a própria obra para moldar o fichamento.
No livro Modernidade Líquida (2000), de Zygmunt Bauman, o autor transcende a ideia proposta
pela citação “no capitalismo, tudo o que é sólido desmancha no ar” e afirma que as relações atuais são
líquidas, pois a qualaquer momento elas acabam; elas são alimentadas pelo mesmo motor que nós
mesmos (“eu mereço o melhor”), por isso, assim que há ruptura desse pensamento, a relação, qualquer
que ela seja, acaba-se.
O prefácio do livro justifica a escolha do termo ‘líquido’ para explicar a pós-modernidade. Para o
autor, pode-se associar tal termo à leveza, a qual, por sua vez, denota mobilidade e inconstância e ele
utiliza a citação ‘Travel light’ como forma de representar a ideia: quanto mais leve viajamos, mais rápido e mais facilmente nos locomovemos.

O que é modernidade?

 Conceito que surge em torno de 1500, podendo ser explicado como a crença da transformação por meio da ciência e da racionalidade;
atinge sua maturidade no século XIX, uma vez que é a partir desse período, que o mercantilismo se expande;
 Começa, portanto, quando o espaço e o tempo são separados da prática e vida entre si;
 A modernidade é sólida, mas “desagua” na crença de um estado racional, capaz de resolver os problemas. É um Estado organizado, com
capitalismo organizado e controlado pelo próprio Estado. O Estado é cada vez menor.

Modernidade

 Troca de um mundo que o sistema de valor não funcionava mais em nome de um sistema de conhecimento que produzia segurança no
mundo.
 Racionalidade ganha corpo social (Max Weber)
 A modernidade foi produzindo a consciência pós-moderna

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Pós-moderno Moderno

– Não acredita em nada;- Não enxerga – Acreditava na razão;- Acreditava que o


nada além do vazio. mundo caminhava para alguma coisa.

Consciência pós-moderna

 Despertar maldito de um sonho colorido


 Momento de esperança

Diagnóstico pós-moderno

 Tudo é muito rápido, hodiernamente, e, portanto, o problema é que os seres humanos não evoluem com a mesma velocidade que suas
ações;
 A partir do momento que se entende isso, o ser humano torna-se consciente da pós-modernidade;
 Os valores não são mais o que pareciam ser, porque acreditamos entender o mecanismo de produção de valores.

Não se sabe se a pós-modernidade é uma era per se ou se é uma transição da era moderna para uma outra futura. Quando se está na era,
não é possível entender a magnitude dela própria. Porém, duas coisas são e serão, para Zygmunt Bauman, irreversíveis;

 Interdependência mundial (conexões/redes): “é a primeira vez que o mundo é apenas um país, em que um impacta diretamente ou
indiretamente no outro”;
 Meio ambiente: dilema do ser humano acerca dos limites da suportabilidade do planeta.

1. Emancipação

Sentir-se livre das limitações, livre para agir conforme os desejos, significa atingir o equilíbrio entre os desejos, a imaginação e a
capacidade de agir: sentimo-nos livres na medida em que a imaginação não vai mais longe que nossos desejos e que nem uma nem os outros
ultrapassam nossa capacidade de agir.

Dilema entre Liberdade e Dependência

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O autor demonstra a ideia de que há dois tipos de liberdade: 1. subjetiva e 2. objetiva.
A primeira pode ser traduzida como uma forma de poder agir razoavelmente, com possíveis chances de sucesso. A última demonstra-se
pela manipulação direta das intenções.
Para atingir a liberdade, portanto, faz-se necessário submeter-se à sociedade e a suas normas. Dessa forma, as normas capacitam tanto
quanto incapacitam, sendo que a ausência de norma reflete puramente a incapacitação do indivíduo, instalando-se a consciência da dúvida.

As causalidades e a sorte cambiantes da crítica

Zygmunt Bauman analisa e aponta a incompletude de dois teóricos: Catoriadis e Giddens. Segundo Cornelius Castoriadis, a sociedade
atual em que vivemos deixou de se questionar. Para Anthony Giddens, o indíviduo, hoje, está engajado na ‘política-vida’ e é um ‘ser reflexivo’.
Bauman diz que atualmente estamos mais ‘predispostos à crítica’, mas a crítica que recebemos é ‘desdentada’, uma vez que se mostra incapaz de
afetar a agenda estabelecida.
Ser moderno significa estar sempre à frente de si mesmo, num Estado de constante transgressão (nos termos de Nietzsche, não podemos
ser Mensch sem ser, ou pelo menos lutar para ser, Übermensch); também significa ter uma identidade que só pode existir como projeto não
realizado.

Duas características fazem a nossa modernidade ser nova e diferente:

 Colapso gradual e o rápido declínio da antiga ilusão moderna;


 Desregulamentação e privatização das tarefas e deveres modernizantes

O indivíduo em combate com o cidadão

Para o autor, o indivíduo não mais nasce em sua identidade, mas ele a molda ao longo do tempo ede acordo com as escolhas que a vida
lhe proporciona. A individualização, diferente da era moderna, é a conquista da autonomia de jure, independente da autonomia de facto.
Diferentemente do que se pensa, a individualização é uma fatalidade, uma vez que escapar das regras sociais pré-estabelecidas é algo
fora de cogitação, que, por vezes, alija o indivíduo. É, ainda, uma fatalidade porque corroi e desintegra a cidadania.
Bauman lembra Tocqueville e diz que liberdade faz as pessoas tornarem-se indiferentes: “O indivíduo é o pior inimigo do cidadão. O
cidadão é uma pessoa que tende a buscar seu próprio bem-estar através do bem-estar da cidade – enquanto o indivíduotende a ser morno, cético

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ou prudente em relação à causa comum.” E a pergunta que paira é: Qual é o sentido dos “interesses comuns” senão permitir que cada indivíduo
satisfaça seus próprios interesses?
O exemplo citado por Bauman para iniciar essa parte do texto é o poder de controle do “Grande Irmão”, que tudo vê, tudo ouve e tudo
sabe, personagem simbólico da obra “1984” de George Orwell. Outro exemplo dado pelo autor desse domínio e uniformidade foi o capitalismo
pesado exercido pelo fordismo. Tal modelo de industrialização conseguiu impor funções definidas em todo seu processo limitando potenciais e
habilidades individuais e, em consequência, capacidades de desenvolvimento. Apesar de significar repetição, regularidade e monotonia, esse
modelo de ordem, gerou uma engenharia social. A visão negativa de Bauman sobre o capitalismo traz a tema no consumo, porém um tipo leve e
fluido, onde as autoridades não ordenam, mas sim como conselheiros que tentam seduzir e tornam-se agradáveis às pessoas que escolhem, seus
modelos, com o uso da imagem para passar credibilidade aos produtos e serviços que estão à disposição para o consumo. Valores acabam sendo
estratégias para venda, a beleza do corpo e da alma, o comportamento tido como modelo e o consumo torna-se uma forma de firmar sua
identidade, mas o consumo do mesmo objeto que todo mundo compra.

O compromisso da teoria crítica na sociedade dos indivíduos

Para a teoria crítica (emancipação humana): “O indivíduo de jure não pode se tornar indivíduo de facto sem antes tornar-se cidadão. A sociedade
é hoje antes de tudo a condição de que os indivíduos precisam muito, e que lhes faz falta – em sua luta vã e frustrante para transforar seu status
de jure em genuína autonomia e capacidade de auto-afirmação.”

A crítica da política-vida

“Há uma nova agenda pública de emancipação ainda à espera de ser ocupada pela teoria crítica. Essa nova agenda pública, ainda à
espera de sua política pública crítica, está emergindo junto com a versão <liquefeita> da condição humana moderna – e em particular na esteira
da individualização das tarefas da vida que derivam dessa condição”
Diferentemente dos preceitos da Revolução Francesa, hoje, a verdadeira libertação requer mais – e não menos – da esfera pública e do
poder público, pois é o público que precisa se defender do privado, não para reduzir, mas para viabilizar a liberdade individual.

2. Individualidade

Neste capítulo, o autor transcende a ideia proposta pela citação “no capitalismo, tudo o que é sólido desmancha no ar” e distingue o
capitalismo pesado do leve, afirmando que as relações atuais são líquidas/leves, pois a qualquer momento elas acabam; elas são alimentadas pelo

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mesmo motor que nós mesmos (“eu mereço o melhor”), por isso, assim que há ruptura desse pensamento, a relação, qualquer que ela seja, acaba-
se.
Ademais, Bauman diz que o capitalismo leve é obcecado por valores, que correspondem a volatilidade das oportunidades oferecidas aos
indivíduos. Nada que acontece atualmente é predeterminado, tudo muda e todas as experiências são formadas ao longo da jornada da vida. Não
existe apenas uma característica possível para determinado trabalhador, ele muda e adquire mais experiências de acordo com o que ele deseja e
espera para seu futuro.
Em relação aos consumidores, ele diz que os mesmos são por vezes infelizes não devido à escassez, como era a realidade de seus
antepassados, mas pelo fato de haver muitas opções e escolhas.
Em relação ao papel do Estado no cenário atual, pode-se dizer que a política que conhecemos está desaparecendo. “Os problemas
privados não se tornam questões públicas pelo fato de serem ventilados em público; mesmo sob o olhar público não deixam de ser privados, e o
que parece resultar de sua transferência para a cena pública é a expulsão de todos os outros problemas ‘não privados’ da agenda pública. O que é
cada vez mais percebido como ‘questões públicas’ são os problemas privados de figuras públicas.” Dessa forma,
“o modo como as pessoas individuais definem individualmente seus problemas individuais e os enfrentam com habilidade e recursos
individuais é a única questão pública remanescente e o único objeto de interesse público.”

Livre para comprar

Bauman neste subcapítulo traça detalhes sobre a identidade dos indivíduos. Para ele, a busca de identidade é “a busca incessante de deter
ou tornar mais lento o fluxo, de solidificar o fluido, de dar forma ao disforme.” As pessoas vivem em uma constante ilusão de que suas vidas têm
que ser uma obra de arte, por isso, há sempre a comparação com a vida dos outros e a busca incessante para alcançar aquilo que não se tem.
E as pessoas pobres? Para Zygmunt Bauman, elas não têm para onde olhar, uma vez que por todo o lado há uma sociedade consumista
lhes dizendo para onde ir, o que comprar e o que vestir. Por outro lado, o sentimento e o espaçamento que eles têm perante a sociedade é muito
mais sentido e muito mais profundo. É o desejo irresistível de ser detentor de muitas escolhas: “quanto mais escolha parecem ter os ricos, tanto
mais a vida sem escolha parece insuportável para todos.”

3. Tempo/Espaço

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A praça La Défense, de Paris, é exemplo que o autor dá para a questão do
Tempo/Espaço. A praça é bonita, mas lhe falta muita hospitalidade, note-se a ausência de
áreas arborizadas e de bancos para se sentar. Os grandes edifícios que estão em seu entorno
parecem não fazer parte da praça, pois demonstram ser inacessíveis. A praça é apenas um
mero ponto de ligação para as pessoas que trabalham na área e utilizam-se do metrô. Pode-
seperceber que somente nos horários de entrada e de saída do metrô que a praça se enche de
pessoas, com apenas um propósito: pegar o trem mais rápido possível. Assim, nota-se que a
praça tem um propósito no tempo e no espaço, mesmo sendo algo vazio e superficial.
Além do exemplo da praça La Défense, em Paris, o autor diz também que outros
lugares padecem do mesmo propósito, como no caso de lugares destinados a grandes
massas, especialmente, os turísticos, concertos, exposições, áreas de esporte, shopping
centers etc. Existem, também, os lugares êmicos, lugares fágicos, não-lugares
(estacionamentos) e espaços vazios.
A metáfora utilizada pelo autor é a de que modernidade sólida modernidade pesada seriam como o hardware fixo e limitado. Já a
modernidade liquida seria o software, em constante mudança e evoluções. A criação de um espaço virtual seria a possibilidade de ir qualquer
lugar sem a limitação do espaço convencional, rígido. O poder, assim, se liquefaz, ocupa mais espaço e livre para movimentar-se em qualquer
espaço e tempo.

Modernidade como história do tempo

Conceitos como longe, tarde, perto, cedo significavam coisas totalmente diferentes no passado do que significam hoje, pois atualmente tempo e
espaço é mutável e dinâmico e não predeterminado e estagnado. “A modernidade é, talvez mais que qualquer outra coisa, a história do tempo: a
modernidade é o tempo em que o tempo tem uma história.”

Da modernidade pesada à modernidade leve

Em breves palavras, a modernidade pesada foi a busca por conquistas territoriais, dos ‘espaços vazios’. A modernidade leve pode ser
representado pela eficácia do tempo como meio de alcançar valor e que tende a aproximar-se do infinito.
Para o estudo da cooperação internacional, sobretudo a cooperação sul-sul, pode-se dizer que essa lógica de modernidade pesada sofreu
algumas alterações, e seu cerne não permanece o mesmo, sendo substituído pela modernidade leve. Percebe-se, hodiernamente, que nações como

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Brasil e China ajudam as e cooperam com nações africanas e asiáticas, não porque lá há um vazio, mas porque nessas regiões há um grande
déficit comparativo de escolhas, mas grandes oportunidades ainda podem ser desenvolvidas. Esse olhar ingênuo de igual e não de superior é
argumento a ser estudado e pensado com mais profundidade para as próximas décadas. Desenvolver oportunidades como iguais é uma forma de
diminuir as assimetrias globais e diminuir os problemas difusos no mundo.

4. Trabalho

A palavra-chave deste capítulo é progresso. No mundo moderno, “o trabalho era um esforço coletivo de que cada membro da espécie
humana tinha que participar. Era condição natural.” O mundo pós-moderno, entretanto, as coisas são diferentes, pois o trabalho é visto como algo
transitório e inconstante: o trabalho possui, agora, uma significação estética.
O autor comenta sobre o “findado” marxismo e o “esperançoso” liberalismo econômico para o progresso da humanidade. É por meio
desse liberalismo que para se obter o bem-estar social ações, não somente governamentais, são elaboradas. A descentralização da sociedade atual
é bem nítida. O bem-estar, seja coletivo ou, sobretudo, individual, não é proporcionado apenas pelo Estado; o engajamento de corporações e da
sociedade civil imprimem outra dinâmica (Unsicherheit) e refletem a capacidade de poder mudar problemas coletivos com atitudes individuais.

5. Comunidade

– Dilema entre Segurança e Liberdade


“A comunidade tem a imagem de uma ilha de tranquilidade caseira e agradável num mar de turbulência e hostilidade.”
Ainda não se encontrou a fórmula perfeita para viver no mundo atual, cujo equilíbrio em que a segurança e a liberdade seja atingido.
Atualmente, por exemplo, você tem de abrir mão de liberdade ou de segurança para obter o outro: você ganha algo, mas também perde algo.
Segurança sem liberdade é escravidão e liberdade sem segurança é caos.
Duas conclusões podem ser avaliadas:

1. nunca haverá solução para o dilema entre segurança e liberdade


2. os indivíduos nunca desistirão de tentar achar a solução equalizadora desse dilema.

Qual a diferença entre comunidade e rede?

 “A comunidade precede você. Você nasce em uma comunidade.”

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 “A rede é feita e mantida viva por duas atividades diferentes: o conectar e o desconectar.”

A comunidade é a forma que o indivíduo encontra para se apoiar e interagir com pares que também tenham interesses semelhantes e
possam interagir. Surge aí o espírito coletivo, uma individualidade compartilhada na forma do “nós”, da divisão de responsabilidade e na
potencial força de uma ação coletiva. As ações, responsabilidades e consequências são divididas. Se por um lado a individualidade e insegurança
da transitoriedade, fluidez e momentaneidade, o engajamento numa comunidade onde é possível dividir responsabilidades faz com que o
indivíduo a entenda como uma ilha tranquila rodeada por um “mar revolto e traiçoeiro”.

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