Você está na página 1de 4

Revista Borges, ISSN: 2179-4308 , vol. 02, n.

01, 2012

BAUMAN, Zygmunt. A ética é possível num mundo de consumidores? Rio de Janeiro:


Zahar, 2011. 272 p.

ZANON, Suzana Raquel Bisognin1

O mundo das incertezas continua a ser o terreno fértil da obra de Zygmunt Bauman.
Aclamado pela crítica, o sociólogo e filósofo polonês – nascido em Poznán, na Polônia (1925)
– prolonga um estudo canalizado nos efeitos causados pelo fenômeno da globalização num
mundo, nomeado por ele, como pós-moderno. Autor de livros como O mal-estar da pós-
modernidade (1998), Modernidade líquida (2000) e Amor líquido: sobre a fragilidade dos
laços humanos (2003), o escritor nos traz um novo olhar frente aos fluxos de identidade
renegociáveis através d’A ética é possível num mundo de consumidores?, publicado,
recentemente, em 2011.
Dividido em seis capítulos, este material traz a ética como protagonista que povoa um
universo balouçante, entremeio à carência de referências a aderir, com a qual a sociedade
moderna se depara. No capítulo introdutório, este cenário desponta por meio da discussão
sobre as vespas do Panamá2, em que a maioria do ninho destes “insetos sociais” mudam-se
para outros territórios na busca de trabalho e de sua legitimidade social, mesmo sendo
“adotivas” no circuito social. Os hábitos dos insetos, por sua vez, estariam no alcance de uma
posição de supremacia social e moral se comparados aos do ser humano, não adaptado aos
novos começos, alienados em tráfegos de dimensões ilimitadas. Portanto, comunidades
matizadas e sinalizadas pela diáspora – assim como as vespas do Panamá – são os lares do
homem moderno, frente ao cenário da angústia de não mais saber quem é e a quem seguir
como modelo.
No capítulo primeiro, intitulado Que oportunidades tem a ética no mundo globalizado
de consumidores, Bauman nos traz as concepções de Sigmund Freud acerca do amor e suas
manifestações diante do sujeito que ama a ele mesmo e é capaz de amar aos outros, de forma
a questionar o antagonismo existente, desde os primórdios de nossa civilização, entre este

1
Mestre em Letras (URI – FW), Doutoranda em Ciências da Linguagem (UNISUL) e docente das disciplinas de
Comunicação e expressão e Metodologia do trabalho científico e acadêmico, na Faculdade Borges de Mendonça,
Florianópolis (SC). E-mail: su09zannon@yahoo.com.br.
2
Um grupo de intelectuais da Sociedade Zoológica de Londres foi ao Panamá, equipado com tecnologia de
ponta, a fim de estudar a vida social das vespas locais e trazer novas investigações a respeito do trajetória de
“insetos sociais”, assim caracterizada a categoria de abelhas, cupins, formigas e vespas, pelos zoólogos.
74
Revista Borges, ISSN: 2179-4308 , vol. 02, n. 01, 2012

amor e o círculo de pretensões que movem os seres humanos. Esse fenômeno, no entanto, traz
o amor como um principio ético e fundamental dentro do seio social, assim como um enleado
de interesses individuais que movem o homem em sua esfera de relacionamentos. Deste
modo, o amor-próprio adquire, para o estudioso, proteção e resistência para estarmos vivos,
da mesma forma que serve como um escudo para nossa sobrevivência.
Nos estudos de Kant – e assim surge na obra em questão – o substrato da ética consiste
na operação para a razão. Sob este viés, o professor polonês discorre sobre as diversas
insurgências da doutrina capitalista e a ética como fio condutor do paralelismo existente entre
o valor próprio e aquele que se dá para outrem. Assim, somos éticos no momento em que
conseguimos manter um posicionamento imparcial, neutro, mesmo que essa imparcialidade
nos beneficie bem mais do que ao outro.
Neste caminho, a autoconsciência vem a contribuir para a nossa independência e o
desapego a princípios que não nos dominam mais. Não nos é mais impactante os estrondosos
acontecimentos nos países europeus, pois a humanidade está aprendendo a cuidar de seus
próprios interesses, independente do ranço colonial ainda presente em diversas sociedades
sociedade. Curvar-se à Europa, venerar outros povos, em virtude de seu capital, e alimentar o
sentimento de subalternidade frente a países de primeiro mundo são atitudes decadentes e não
mais racionais no mundo líquido moderno. As comunidades “nativas” estão a se preocupar
com os seus problemas, mesmo que numa atmosfera fragmentada e ludibriado pelo agressivo
sistema capitalista.
A arte do consumo e este transformado em uma arte dominante é outro aspecto
postulado n’A ética é possível num mundo de consumidores?. O ser humano, em instância
regenerativa, estaria, pois, moldando-se ao novo cenário, oriundo das diferentes práticas do
consumo e o impacto que este nos causa. A própria postura em atrair o consumo é uma arte,
entretanto, na contemporaneidade, torna-se difícil reconhecer a verdadeira arte. Este
fenômeno alia-se ao processo de reconstrução de nossa autoconsciência para nos tornarmos
“novos” frente ao novo, e, assim, nos diz Bauman:

Praticar a arte de vida, tornar a vida uma obra de arte, em nosso mundo líquido
moderno, equivale a estar em estado de permanente transformação, redefinindo a si
mesmo de forma perene, tornando-se alguém diferente do que se era até então;
tornar-se outra pessoa” corresponde a deixar de ser o que se foi, a quebrar e a jogar
fora a velha forma, como uma cobra faz com sua pele ou alguns moluscos com suas
carapaças – rejeitando e esperando varrer, para longe, uma a uma, as personae
usadas, desgastadas, apertadas demais e não suficientemente satisfatórias,
configurações em que elas são comparadas com as novas e aprimoradas ofertas e
oportunidades ( p. 140-141).

75
Revista Borges, ISSN: 2179-4308 , vol. 02, n. 01, 2012

As oportunidades, até então proferidas, entram em conflito com as concepções que


temos sobre os valores do ser humano, como agente social. O imediatismo e instantaneidade
das coisas corrompem os princípios que são direcionados aos valores e a ética, por
conseguinte. Vale destacar no material em questão, a seguinte passagem: “Valores são valores
desde que estejam aptos ao consumo instantâneo, imediato. Valores são atributos de
experiências momentâneas” (p.225). Teríamos, a partir desse preâmbulo, a ideia de que a
inconstância dos princípios humanos anda nos mesmos trilhos da nossa necessidade de
consumo e os valores, por sua vez, não encontram-se edificados em nossa consciência e
construção de caráter, ao contrário; é tão frágil quanto nossas asserções.
A leitura deste livro de Zygmunt Bauman nos traz, acima de tudo, reflexões acerca da
construção e da “manutenção” da ética em seu círculo de consumo, este alienado na
necessidade e na compulsória busca de realização de nossas satisfações. Ainda, nos
deparamos com o pensamento de que as aspirações globais devem ser postas em terreno
sólido, mesmo que diante da escolha em desconfiar do forasteiro ou aceitar a solidariedade de
estranhos, frente à sociedade que preza o consumo, num mundo globalizado.
Para decifrarmos a substancialidade da obra de Bauman, como esta em questão,
releituras são necessárias, dada a complexidade do raciocínio do estudioso, bem como a
subjacência de uma linguagem rebuscada e teórica, neste material. Afora isso, leituras de
Kant, Habermas, Freud e Derrida são indispensáveis à compreensão da totalidade de A ética é
possível num mundo de consumidores?, já que o livro é composto de discursos intertextuais
que nos remetem a outras leituras, reforçadas em concepções filosóficas e sociológicas, frutos
de estudos consagrados.
O obra em estudo é indicada a leitores que buscam textos que nos apresentam
pensamentos singulares, robustecido por um senso crítico frente a temáticas contemporâneas
que, não raro, se fazem presentes em nossa trajetória. Sugere-se a busca deste material aos
estudantes e/ou pesquisadores das áreas da filosofia, sociologia, psicologia e administração de
empresas, tendo em vista o raciocínio, predominante na obra, sobre o impacto dos preceitos
éticos e morais diante a sociedade que preza o consumo como uma necessidade básica.
A ética sempre esteve e continuará presente em nossas tomadas de decisão e, para isso,
devemos aprender a “aplicá-la” nas mais distintas situações, mesmo sabendo do risco que se
corre ao querer trazê-la como um princípio, numa era de incertezas, e Bauman nos mostrou
isso. Mesmo vivendo em sociedades tumultuadas pela disputa para ser o melhor e na
conquista do capital, o homem estará à mercê de sua consciência e da dificuldade em se

76
Revista Borges, ISSN: 2179-4308 , vol. 02, n. 01, 2012

autodefinir e encontrar um modelo a se espelhar, interrogando-se sobre o que é certo e errado.


Assim sendo, como o estudioso polonês nos lembrou, através da dialética freudiana: “amemos
nosso próximo como a nós mesmos” e, somente assim, a ética será possível num mundo de
consumidores.

77

Você também pode gostar