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Trechos retirados do livro:

HALL, Calvin S.; LINDZEY, Gardner; CAMPBELL, John B. ​Teorias da Personalidade​. 4ª.
ed. Porto Alegre: Artmed, 2000, reimp 2008.

Erich Fromm nasceu em ​Frankfurt​, Alemanha, em 1900, e estudou ​psicologia e


sociologia nas Universidades de Heidelberg, Frankfurt e Munique. Depois de receber seu
Ph.D. em Heidelberg em 1922, fez ​formação psicanalítica em Munique e no famoso
Instituto Psicanalítico de Berlim.

Chegou aos ​Estados Unidos em 1933​, onde trabalhou como palestrante do ​Instituto
Psicanalítico de Chicago e depois iniciou sua ​prática privada em Nova York​. Ensinou em
várias universidades e institutos nos Estados Unidos e no México.

Em 1976, Fromm mudou-se para a Suíça, onde morreu em 1980.

Seus livros receberam uma considerável atenção não só de especialistas nos campos da
psicologia, sociologia, filosofia e religião,​ mas também do público em geral.

Profundamente ​influenciado pela obra de ​Karl Marx, especialmente por um trabalho inicial,
The Economic and Philosophical Manuscripts​, de 1844.

Em ​Beyond the Chains of Illusion (1962), Fromm ​comparou as idéias de Freud e de Marx​,
observando suas contradições e tentando uma síntese. Fromm ​considerava Marx um
pensador mais profundo do que Freud​, e ​usou a psicanálise principalmente para
preencher as lacunas em Marx​.

Fromm (1959) ​escreveu uma análise altamente crítica​, inclusive polêmica, da


personalidade e da influência de ​Freud e, ao contrário, um ​elogio incondicional a Marx
(1961). Embora Fromm pudesse ser acuradamente chamado de um teórico marxista da
personalidade, ele preferia o rótulo de ​humanista dialético​.

A obra de Fromm foi inspirada por seus ​profundos conhecimentos de história,


sociologia, literatura e filosofia​. Seus livros influenciaram os leitores leigos mais do que
os psicólogos acadêmicos.

O ​tema essencial de toda a obra de Fromm é que a pessoa se sente ​solitária e isolada
porque se ​separou da natureza e das outras pessoas​. Essa ​condição de isolamento
não é encontrada em outras espécies animais; ela é ​distintiva da situação humana​.

A criança, por exemplo, liberta-se dos laços primários com os pais e em resultado
sente-se isolada e desamparada.
O servo conquista a liberdade apenas para se descobrir à deriva em um mundo
predominantemente alienígena​. Como servo, ele pertencia a alguém e sentia-se
relacionado com o mundo e com as outras pessoas, mesmo que não fosse livre.

Em ​Escape from Freedom (1941), Fromm desenvolveu a tese de que, ​conforme os


humanos conquistaram mais liberdade através dos tempos, eles passaram a se sentir
mais sozinhos​. A liberdade se torna então uma condição negativa da qual eles tentam
escapar.
A ​resposta para esse ​dilema ​é considerada por Fromm em uma ​estratégia sadia, onde a
pessoa une-se a outras no espírito do amor e do trabalho compartilhado e, por uma
estratégia não sadia, a pessoa tenta “escapar da liberdade”​.

É possível escapar por três meios.

A primeira fuga é pelo ​autoritarismo​, por uma submissão masoquista a pessoas mais
poderosas ou por uma tentativa sádica de tornar-se a autoridade poderosa.

Uma segunda fuga é pela ​destrutividade, pela tentativa de escapar da impotência,


destruindo os agentes e as instituições sociais que produzem um senso de desamparo e
isolamento. Quanto mais o impulso de crescimento da pessoa for frustrado, mais destrutiva
ela se tornará.
Essa análise corresponde perfeitamente ao crescente predomínio da violência gratuita entre
os membros das classes desfavorecidas na nossa sociedade.

O terceiro modo de escapar é pela ​conformidade de autômato, em que a pessoa renuncia


ao seu estado de ser ela mesma adotando um “pseudo self” com base nas expectativas
alheias.

No caso sadio, o ser humano usa sua liberdade para desenvolver uma sociedade melhor.
Nos casos não-sadios, ele passa a viver uma nova servidão.

Escape from Freedom foi escrito sob a sombra da ditadura nazista e mostra que essa forma
de ​totalitarismo atraía as pessoas porque lhes oferecia uma nova segurança​.

Fromm salientou em livros subseqüentes (1947, 1955, 1964) que ​qualquer forma de
sociedade criada pelo ser humano​, seja o feudalismo, capitalismo, fascismo, socialismo
ou seja o comunismo, ​representa uma tentativa de resolver a contradição básica dos
humanos​.

Essa contradição consiste em a ​pessoa ser tanto uma parte da natureza quanto
separada dela, em ser simultaneamente um animal e um ser humano.

Como animais, temos certas ​necessidades fisiológicas​ que precisam ser satisfeitas.
Como seres humanos, possuímos ​autoconsciência, razão e imaginação​.

Os dois aspectos da pessoa, animal e ser humano, constituem as ​condições básicas da


existência humana​: “A compreensão da psique do homem deve basear-se na análise das
necessidades humanas decorrentes das condições de sua existência” (1955, p. 25).

Cinco necessidades específicas​ têm origem nas condições da existência humana:


A necessidade de ​relacionar-se​, a necessidade de transcendência​, a necessidade de
enraizamento​, a necessidade de ​identidade e a necessidade de uma ​estrutura de
orientação​.

A necessidade de relacionar-se decorre do fato de que os humanos, ao se tornarem


humanos, foram arrancados da união primária do animal com a natureza: “O animal está
equipado pela natureza para lidar com todas aquelas condições que vai encontrar” (1955, p.
23), mas o ser humano, com seu poder de raciocinar e imaginar, perdeu essa
interdependência íntima com a natureza. ​Em lugar daqueles laços instintivos com a
natureza que os animais possuem, os seres humanos precisam criar seus próprios
relacionamentos, dos quais os mais satisfatórios são os baseados no amor
produtivo​. O amor produtivo sempre implica cuidado, responsabilidade, respeito e
entendimento mútuos.

A necessidade de transcendência se refere à necessidade do ser humano de ​erguer-se


acima de sua natureza animal​, de tornar-se uma pessoa criativa em vez de permanecer
uma criatura. Se os impulsos criativos forem frustrados, a pessoa se torna destruidora.
Fromm salientou que o amor e o ódio não são impulsos antitéticos; ambos são respostas à
necessidade da pessoa de transcender sua natureza animal. Os animais não amam e nem
odeiam, mas os humanos sim.

O ser humano quer ter raízes naturais; ele ​quer ser uma parte integral do mundo, sentir
que pertence a​. Quando criança, ele está enraizado na mãe, mas, se esse relacionamento
persiste depois da infância, passa a ser considerado uma fixação perniciosa. As pessoas
encontram as raízes mais satisfatórias e saudáveis em um sentimento de afinidade com
outros homens e mulheres.

Mas também queremos ter um senso de ​identidade pessoal, ser indivíduos únicos​. Se
não conseguimos alcançar essa meta por meio do esforço criativo individual, podemos obter
certa marca de distinção, identificando-nos com outra pessoa ou grupo. O escravo se
identifica com o senhor; o cidadão, com o país; o trabalhador, com a companhia. Nesse
caso, o senso de identidade decorre de pertencer a alguém e não de ser alguém.

Os humanos também precisam ter uma estrutura de referência, uma ​maneira estável e
consistente de perceber e compreender o mundo​. A estrutura de referência
desenvolvida pode ser primariamente racional, primariamente irracional, ou ter elementos
de ambas.
Fromm (1973) introduziu uma ​sexta necessidade básica, a necessidade de excitação e
estimulação​. Ao descrever essa necessidade, ele fez uma distinção entre estímulos
simples e ativadores. Os ​estímulos simples produzem uma resposta automática​, quase
reflexa, e é melhor considerá-los em termos de pulsões; por exemplo, quando estamos com
fome, comemos. Nós freqüentemente ficamos entediados com os estímulos simples. Os
estímulos ativadores impõem a busca de objetivos​.

Essas necessidades são puramente humanas e objetivas, não se derivam da observação


daquilo que os humanos dizem querer. Também não são criadas pela sociedade. Foram
sendo inseridas na natureza humana pela evolução.

Fromm acreditava que ​as manifestações específicas dessas necessidades, as


maneiras reais pelas quais a pessoa realiza potencialidades internas, são
determinadas pelos “arranjos sociais de acordo com os quais ela vive”​ (1955, p. 14).

A personalidade se desenvolve em concordância com as oportunidades que uma


determinada sociedade oferece à pessoa​.

Em uma sociedade capitalista, por exemplo, uma pessoa pode obter um senso de
identidade pessoal, tornando-se rica, ou desenvolver um senso de enraizamento,
tornando-se um empregado responsável e digno de confiança em uma grande companhia.
Em outras palavras, ​o ajustamento de uma pessoa à sociedade normalmente
representa um compromisso entre necessidades internas e exigências externas​. Ela
desenvolve um ​caráter social​ ao responder aos requerimentos da sociedade

Fromm identificou e descreveu ​cinco tipos de caráter social encontrados na sociedade


atual: ​receptivo, explorador, açambarcador, comerciante e produtivo​.

Esses tipos representam as diferentes maneiras como os indivíduos se relacionam com o


mundo e com os outros. Só o último deles foi considerado por ele como sadio e como
expressando o que Marx chamou de “atividade consciente livre”.

Todo indivíduo é uma ​mistura desses cinco tipos de orientação em relação ao mundo,
embora uma ou duas das orientações possam estar mais evidentes do que as outras.

É possível que uma pessoa seja um tipo produtivo-açambarcador ou um tipo


improdutivo-açambarcador. Um tipo produtivo-açambarcador poderia ser uma pessoa que
adquire terras ou dinheiro para ser mais produtiva; um tipo improdutivo-açambarcador seria
uma pessoa que acumula bens apenas pelo prazer de acumular, sem qualquer benefício
para a sociedade.

Um ​sexto par de tipos de caráter seriam o necrófilo, que é atraído pela morte, versus o
biófilo, que é apaixonado pela vida.
Fromm observou que aquilo que poderia ser considerado um paralelo entre essa
formulação e os instintos de vida e morte de Freud na verdade não o é​.

Para Freud, tanto o instinto de vida quanto o de morte são inerentes à biologia do ser
humano, ao passo que para Fromm a vida é a única potencialidade primária. A morte é
meramente secundária e só entra em cena quando as forças de vida são frustradas.

Em seu livro final​, Fromm (1976) acrescentou uma ​distinção entre as orientações de
“ter” e de “ser” em relação à vida​.
Uma orientação de ​ter ​reflete a preocupação ​competitiva da pessoa com possuir e
consumir recursos. Essa orientação é favorecida pelas sociedades tecnológicas.

O modo de ​ser​, ao contrário, focaliza aquilo que a pessoa é, não o que ela tem, e o
compartilhar​, em vez do competir. Essa orientação só vai se desenvolver se a sociedade a
encorajar.

Do ponto de vista do ​funcionamento adequado de uma determinada sociedade​, é


absolutamente essencial que o ​caráter da criança seja moldado para se adaptar às
necessidades da sociedade.

A ​tarefa dos pais e da ​educação é ​faze​r com que a ​criança queira agir como tem de agir
para que um dado sistema econômico, político e social seja mantido.

Ao ​fazer exigências contrárias à sua natureza​, a sociedade ​deforma e frustra os seres


humanos. Ela os aliena de sua “situação humana” e nega-lhes o cumprimento das
condições básicas da existência.

Tanto o ​capitalismo quanto o comunismo​, por exemplo, tentam transformar o indivíduo


em um robô, em um escravo do salário, em uma nulidade, e geralmente ​conseguem levar
a pessoa à insanidade, à conduta anti-social ou a atos autodestrutivos​. Fromm não
hesitou em estigmatizar a sociedade como estando ​doente quando deixa de satisfazer as
necessidades básicas dos seres humanos (1955)

Fromm também salientou que, ​quando uma sociedade muda em algum aspecto
importante​, tal mudança tende a ​produzir deslocamentos no caráter social das
pessoas​.

A antiga estrutura de caráter não se ajusta à nova sociedade, o que ​aumenta o senso de
alienação e desespero das pessoas​. Os ​laços tradicionais são cortados​, e, até que a
pessoa consiga desenvolver novas raízes e relações, ela se sente perdida.

Durante esses períodos transicionais, a pessoa torna-se presa fácil de todos os tipos de
panacéias que oferecem um refúgio contra a solidão

Fromm estava inteiramente convencido da validade das seguintes proposições:


(1) os seres humanos têm uma natureza essencial, inata;
(2) a sociedade é criada pelos humanos para realizar essa natureza essencial;
(3) nenhuma sociedade, de todas que foram criadas até hoje, atende às necessidades
básicas da existência humana;
(4) é possível criar tal sociedade.

Que tipo de sociedade Fromm defendia?

“​(Uma) em que os homens se relacionem amorosamente, com raízes em laços de


fraternidade e solidariedade...; uma sociedade que dê ao homem a possibilidade de
transcender a natureza, criando, ao invés de destruir; em que todos obtenham um
senso de self ao experienciar-se como o sujeito de seus poderes, como contraponto
à conformidade; em que exista um sistema de orientação e devoção, sem que o
homem precise distorcer a
realidade e adorar ídolos​.” (1955, p. 362)

Fromm sugeriu inclusive um nome para essa sociedade perfeita: ​Socialismo Comunitário
Humanista​. Nessa sociedade, todos teriam oportunidades iguais de ​se tornarem
plenamente humanos​.

Não haveria solidão, nenhum sentimento de isolamento, nenhum desespero.

As pessoas encontrariam um novo lar, adequado à “situação humana”.

Tal sociedade atingiria o objetivo de Marx de transformar a alienação de uma pessoa sob
um sistema de propriedade privada em uma oportunidade de auto-realização como um ser
humano social, produtivamente ativo, sob o socialismo. Fromm ampliou o projeto da
sociedade ideal, definindo como a nossa presente sociedade tecnológica pode ser
humanizada (1968).

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