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ED1 de Abordagens Clínicas – Psicanálise

Isabel Cristina Bavoso Brenny


O ensaio de Freud denominado Psicologia das Massas e Analise do eu , que foi
publicado em 1921 é um dos mais importantes textos para a compreensão dos
fenômenos psíquicos dos indivíduos inseridos na coletividade. O autor retraz uma
questão que sempre o inquietou: o que mantém coesa uma massa de pessoas?
Este que é um dos chamados “textos sociais” do autor foi construído à luz de estudos
sobre antropologia e psicologia dos povos. A década de 20 foi uma época em que a
Europa estava ainda devastada pela Primeira Grande Guerra Mundial e já caminhava a
passos largos para o desenvolvimento de formas totalitárias de poder nazistas e fascistas
. O texto Psicologia das Massas e Analise do eu é um eco desse período em que a
individualidade era aniquilada pela força das multidões e pela intolerância . Cenário
este que vigora entre nós com impactante assertividade após cem anos de sua
publicação .
Conceitos que Freud já havia trabalhado anteriormente em suas obras , como
Identificação , libido, recalque , eu ideal , ideal do eu , regressão, idealização, fascínio
amoroso, sugestão e hipnose foram trazidos nesse ensaio para tratar a relação da
Psicologia da mente grupal com a Psicologia individual .
O contraste ente a Psicologia Social e a Psicologia Individual são abordadas e
ressoam através de demandas como : O que mantem os indivíduos das massas ligados
em uma unidade? Porque o indivíduo, alinhado a uma multidão com características de
massa psicológica modifica seu comportamento individual ? Quais são os mecanismos
inconscientes que propiciam que pessoal envoltas a uma massa, uma multidão, se
submetam cegamente a um líder, a uma ideologia ?
Para o Pai da Psicanalise, a Psicologia individual, concomitantemente é Psicologia
social , já que via de regra , o Outro entra na vida do sujeito como um auxiliador ,
objeto , modelo de referência ,concorrente ou adversário.
Uma pessoa só se constitui em comparação e em relação ao outro, assim o outro
indivíduo é um elemento constitutivo do eu. Somos agradáveis ou desagradáveis ,
generosos ou egoístas, bons ou ruins em comparação com aquele que não é .
Esses argumentos tautológicos , de forma redundante podem explicar que o outro só
existe enquanto existe para nós sejam nas relações familiares , no amor , na vida
profissional , acadêmica ou em qualquer ligação externa.
A psique do indivíduo em sua estrutura funcional possui um vínculo com a alma da
raça. Há contraposição das causas heterogenias acabam por imergir as causas
homogêneas . Aquilo que é único em cada sujeito é desmoronada frente ao fundamento
inconsciente comum a todos .
Freud ratifica a teoria que Le Bon trouxe em seu livro Psicologia das Massas :

“ ...a massa psicológica é um ser provisório , composto de elementos


heterogêneos que por um instante se soldaram , exatamente como as células de
um organismo formam, com a sua reunião, um ser novo que manifesta
características bem diferentes daquelas possuídas por cada uma das células”.
(LE BOM, 1895, p.13).

Massa, no sentido comum da palavra , seria o agrupamento de indivíduos


independente de idade, ideologia , cultura ou crença. Porém , uma massa psicológica
seria a reunião , a congregação desses sujeitos em um enlaçamento coletivo . Quando o
indivíduo se torna membro de uma massa , os impulsos instituais , a mente inconsciente
é liberta e esse indivíduo adquire a sensação de invencibilidade , resultante de seu
anonimato que o mistura a multidão.

"As principais características do indivíduo que se encontra na massa são as


seguintes: desaparecimento da personalidade consciente, predomínio da
personalidade inconsciente, orientação dos pensamentos e dos sentimentos na
mesma direção por meio da sugestão e do contágio, tendência à execução
imediata das ideias sugeridas. O indivíduo não é mais ele mesmo; tornou-se um
autômato desprovido de vontade."( FREUD. 1921 P.36)

Demandas como : De que modo a psique do indivíduo funciona a partir do


momento que ele é inserido em um grupo com uma liderança ? e como esse líder , que
necessita ser forte para que exerça efeito sobre o ego desse indivíduo? são explicada
como manifestações das sugestões da massa e podem ser comparadas aos fenômenos
de influência hipnótica. Pessoas com esse comportamento tendem a converter ideias em
atos . No comportamento em massa desaparecem as singularidades da pessoa, o
comportamento de um contamina o comportamento do outro através da
sugestionabilidade , é como um contagio. Um comportamento primitivo, pouco polido,
sem os vernizes sociais , aflora.
Na massa coletiva há a ligação de indivíduos entre si e há a ligação do grupo com um
líder . A massa coletiva é , segundo Freud , ordenada pelo inconsciente e é
extraordinariamente influenciável , crédula, ilusória , acrítica e o improvável não existe
para ela. As ideias antagônicas podem coexistir e articulam a evasão da consciência
moral e do sentimento de responsabilidade.
Isso quer dizer que as massas , sob a influência da sugestão , pode levar o sujeito
tanto ao extremismo dos instintos cruéis e destrutivos , quanto a provas devotas de
renúncia , abnegação e moralização. Um grupo pode ir do altruísmo ao egoísmo, da
salvação para aniquilação. Freud (1921 p. 88) afirma que "[…] o indivíduo submete
sua peculiaridade à massa e se deixa sugerir por outros", e acrescenta que "sente a
necessidade de estar com eles e não de se opor a eles, talvez por amor deles".
Freud disserta a respeito das representações em massa que despertam o sentimento
de identificação no sujeito e por isso leva-o a incorporar-se enquanto parte da massa, no
sentido de que este se constitui moralmente especificamente em função do grupo a que
pertence.
Dois exemplos de massa artificiais citadas por Freud são a igreja e o exército , que
são grupos organizados e duradouros que se institucionalizam a partir de medidas
conservadas e que servem de proteção a sua estrutura primária de modo a impedir que
se suscitem mudanças dentro destas, para tanto se nutre uma relação da libido do
indivíduo enquanto parte dessas massas para que o sujeito lute para mantê-las como a si
mesmo.

"A massa é um rebanho obediente, que nunca pode viver sem senhor. Ela tem
tal sede de obedecer que se subordina instintivamente a qualquer um que se
nomeie seu senhor[...] tem tanta sede de obediência que se submete
instintivamente a quem se autodenomina seu mestre" .( FREUD 1921p.37)

Essa massa artificial necessita de uma força externa e de opressão para se manter
agrupada e o desligamento do sujeito a essa massa coletiva é desestimulado. Quanto
maior a libido maior a coesão. Nessa massa artificial eles sentem-se iguais e amados
de forma igualitária pelo líder e isso os mantem coligados.
Desta maneira cria-se uma relação com a massa coletiva semelhante ao
enamoramento, onde o outro é tido como objeto amado e encaminhado nas ações de
modo a manter regular a base de determinada relação. No entanto, as massas podem
dissolver e provocar um vazio no sujeito que se entende como parte , e uma vez que
perde seu objeto libidinal , pode facilmente desenvolver neuroses.
Do individual ao social ,Freud demostra sua maestria em trazer na obra Psicologia
das Massas e Analise do Eu ,o mecanismo que se põe em jogo na formação da
massa ,partindo da noção de libido e suscitando duas coisas que a constituem: a
existência do líder e a ligação de uns indivíduos com outros.

Referencias:

FREUD. S. Psicologia das massas e análise do Eu e outros textos (1920-1923). Trad.


Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
LE BON, G. Psicologia das massas. Niterói: Teodoro, 2013. (Original publicado em
1895).
ROBERT M. Farr. As Raízes da Psicologia Social Moderna Petrópolis, RJ:
Vozes.2013

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