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Capítulo VI – Teatro fantoches

Isaías, depois de passar mais de três horas no xadrez resolve ir novamente atrás do delegado.
Este que se encontrava mais brando, e aberto a simpatia. Tratando-o por “menino” e as vezes
“meu filho”.

— Delegado Raposo! Queira vir aqui por favor. Senhor, eu sou apenas um estudante, não
estou envolvido no furto que aconteceu no Campo de Sant'Ana.

— Você, menino, precisa deixar esse gênio. Olhe que a vida não se leva assim... Você sabe o
que eu lhe podia fazer? Lavrar um processo por desrespeito à autoridade... Não faça nunca
mais isso, meu filho; hoje foi comigo, que enfim... mas amanhã — quem sabe?

Inicialmente, Isaías manteve o mesmo humor agressivo que o levou preso, respondendo-lhe
secamente às perguntas que fazia sobre seus precedentes. Mas, diante da situação, rendendo-
se a brandura do delegado, desculpou-se, satisfazendo-as com respeito, acatando-as com toda
a doçura de que é capaz naturalmente, doce e sensível ao bom tratamento.

— Você não tem relações aqui, no Rio, menino?

— Nenhuma.

— Mas ninguém? Ninguém?

— O meu conhecimento mais íntimo é o do doutor Ivã Gregoróvitch Rostóloff, conhece?

—Oh! como não? Um jornalista, do O Globo, não é?

— Esse mesmo.

— Por que não me disse logo? Quando se está em presença da polícia, a nossa obrigação é
dizer toda a nossa vida, procurar atestados de nossa conduta, dizer os amigos, a profissão, o
que se faz, o que se não faz...

— Não sabia que era um homem importante, por isso...

— Pois não! Um jornalista é sempre um homem importante, respeitado, e nós, da polícia,


temo-lo sempre em grande conta... Vá-se embora, e procure mudar-se daquele hotel quanto
antes... Aquilo é muito conhecido... Os furtos se repetem e os ladrões nunca aparecem...
Mude-se quanto antes, é o meu conselho. Vá!

Quando ia saindo e, antes de transpor a porta, o delegado veio ao seu encontro e recomendou
em voz baixa:

— Não diga nada ao doutor Rostóloff — sabe? Ele pode publicar e ambos nós temos o que
perder...

Assim, Isaías se dirigiu ao hotel, debaixo de chuva, firmemente decidido a abandoná-lo o


quanto antes. Acreditava que o hoteleiro havia insinuado ao delegado que ele era o autor do
furto ocorrido horas atrás. Queria insulta-lo, dar-lhe pancadas; mas sabia que voltaria a
delegacia se fizesse isso. Entraria naturalmente e nada diria a respeito, esperaria que ele
falasse. Estavam todos jantando quando chegou.

— Boa noite.
— Como foi lá, rapaz?

— Apenas conversei com o delegado Raposo e lhe expliquei a situação, disse que era
estudante e estava procurando oportunidades.

— Ah..

dando leves explicações sobre o ocorrido, nenhum deles se animou à mais leve insinuação,
subiu para o quarto aparentando a maior calma. Mesmo que não conseguisse dormir.

Isaías pensou em voltar para casa. As coisas estavam cada vez mais difíceis, as portas
completamente fechadas, por mãos mais fortes que as dos homens. Se sentia covarde, o
caráter fraco que não conseguia abrir as portas.

— Não seria tolice, pusilanimidade escondida fazer repousar a minha felicidade na presteza
com que um qualquer deputado atendesse um pedido de emprego? Era possível tê-los sempre
à mão para os dar ao primeiro que aparecesse? As condições de minha felicidade não deviam
repousar senão em mim mesmo

Mas não era só isso que ele sentia. O que o desanimava eram as malhas de desdém, de
escárnio, de condenação em que se sentia preso. Abandonou a volta covarde para a casa
materna e decidiu lutar, apressando-se em chegar — aonde? — não sabia bem; para chegar
fosse como fosse. Trabalharia — em quê? em tudo. E, enquanto considerava a delicadeza de
suas mãos e a fragilidade de seus músculos, adormeci placidamente, satisfeito consigo e com a
coragem e firme na resolução de procurar no dia seguinte qualquer ocupação, por mais
humilde que ela fosse.

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