A atividade pecuária bovina vem se expandindo na Amazônia brasileira e tem como base o uso de pastagens. Segundo Dias-Filho e Lopes (2020), nos últimos 400 anos, diversos fatores contribuíram para a expansão da pecuária de corte na região amazônica, a qual, durante esse período, tem atravessado um processo evolucionário que pode ser representado por quatro fases de eficiência e produtividade (Figura 1).
Figura 1. Evolução da pecuária bovina na Amazônia brasileira (Dias-Filho e Lopes,
2020).
A primeira fase (Fase 1) da pecuária na Amazônia durou cerca de três séculos,
de meados dos anos 1600 até meados dos anos 1960, e a Ilha de Marajó foi o principal centro pecuário. Ao longo desse período, praticamente toda a produção de carne dessa região era dependente de bovinos crioulos (gado “nacional”, “comum”, “curraleiro” ou “pé-duro”), criados, predominantemente, em pastagens naturais, as quais apresentavam baixa produtividade e baixo valor nutritivo. Como consequência os sistemas de criação eram de baixa eficiência, e, em alguns locais, as pastagens estavam sujeitas às cheias periódicas do Rio Amazonas e seus afluentes, episódio que, anualmente, inviabilizava o seu uso, por alguns meses, causando a morte de milhares de animais. A deficiência na produção refletia na oferta da carne, cuja dificuldade de abastecimento acarretava preços proibitivos para grande maioria da população, haja vista que o abastecimento era feito por via aérea, com a utilização dos “aviões carniceiros”. A abertura da Rodovia Belém-Brasília (BR-10) e de outras estradas contribuiu para expansão das áreas de pastagens plantadas, expansão do rebanho e a entrada do gado zebu. Em 1966 o governo federal lançou a chamada Operação Amazônia, estabelecendo dentre outros benefícios, uma política de concessão de incentivos fiscais, estimulando o investimento privado para integrar essa região ao processo econômico produtivo nacional. Houve uma migração massiva de grandes investidores para a região e grande parte deles optou pela pecuária de corte extensiva. Essa atividade requeria menor necessidade de infraestrutura, aporte de tecnologia, recursos financeiros e mão de obra para a implantação e condução, além de permitir a mais rápida ocupação de área e potencial de retorno do capital investido, quando comparada a outras atividades produtivas. A segunda fase (Fase 2) da pecuária regional foi fundamentada na ampliação das áreas de pastagens plantadas, na facilidade de escoamento da produção e no gradativo incremento do grau de sangue zebuíno, no rebanho regional (Figura 1), impulsionando o melhoramento genético. Entretanto, o manejo extensivo, a carência de tecnologias de manejo de pastagens e de opções de capins mais adaptados à região amazônica resultavam na queda de produtividade dessas pastagens plantadas, à medida que envelheciam. O principal indicador dessa queda de produtividade, ou degradação, era a proliferação de plantas daninhas, em pastagens outrora produtivas, decorrente, principalmente, do mau manejo, de ataques de cigarrinha em pastagens de Brachiaria spp e da relativa baixa adaptação à pecuária regional da maioria dos capins disponíveis na época. Nesse cenário, em decorrência da incapacidade em manter alta produtividade por área, ao longo do tempo, as pastagens improdutivas (degradadas) eram abandonadas e novas pastagens eram formadas nas áreas de floresta. Esse modelo extensivo de produção, que persistiu durante os anos 1970 e parte dos anos 1980, contribuiu para a expansão das áreas de pastagens degradadas e do desmatamento na Amazônia, servindo grandemente para estereotipar a pecuária regional como uma atividade improdutiva e prejudicial ao meio ambiente. Esse quadro motivou as primeiras ações de pesquisa para reverter essa situação, com a participação da Sudam, Embrapa, entre outros. A partir de 1976 a Embrapa Amazônia Oriental coordenou um projeto de abrangência regional, o Projeto de Recuperação, Melhoramento e Manejo de Pastagens da Amazônia Legal (Propasto Amazônia Legal). Os objetivos foram estudar as causas da baixa produtividade das pastagens nas diversas regiões pastoris amazônicas para estabelecer estratégias para reverter o processo de degradação e aumentar a produtividade, por meio da geração de conhecimento, proporcionando o desenvolvimento e a difusão de tecnologias para o manejo adequado e recuperação de pastagens na região. O lançamento de diversos capins adaptados para a formação de pastagens na Amazônia, também contribuiu bastante para o aumento de produtividade das pastagens regionais. Nessa conjuntura de sucessivo aumento de produtividade e maior disponibilidade e uso de tecnologia, vivida pela pecuária amazônica, a partir de meados dos anos 1980, inaugurou-se uma nova etapa na pecuária regional, a Fase 3. Na terceira fase da pecuária amazônica (Fase 3), iniciada a partir de meados dos anos 1980 (Figura 1), foi priorizado o aumento de produtividade, ou seja, a busca de uma pecuária mais tecnificada e melhor planejada. Ocorreu intensa desaceleração na ampliação das áreas de pastagens plantadas nessa região, apesar do forte crescimento do rebanho bovino. Tal desaceleração sugere aumento substancial na produtividade dessas pastagens, além da recuperação das pastagens degradadas. A maior disponibilidade de tecnologia, e a sua adoção, foram decisivas, entretanto, existiram outros motivadores para essa mudança de rumo na condução da pecuária. Dentre esses motivadores, foi importante o aumento das pressões políticas e ambientais contra o desmatamento, e a crescente valorização do preço e a relativa diminuição na disponibilidade de terra na Amazônia. É preciso intensificar o uso racional da terra para produzir mais, em menores áreas, porém, com harmonia aos princípios agronômicos, econômicos, ambientais, sociais e de bem-estar animal. Sendo assim, o amadorismo, que ainda persiste na condução da pecuária na Amazônia, terá que ceder espaço para uma conduta mais profissional. As pastagens precisam ser tratadas como uma cultura agrícola, com o uso de insumos para melhorar ou manter a fertilidade do solo, com a escolha de espécies adaptadas e produtivas e com o cumprimento dos princípios básicos de manejo do pastejo. É preciso estimular a capacidade gerencial do produtor para manter as pastagens produtivas, desde a sua formação, por meio do chamado manejo preventivo. Esse é um dos maiores desafios para os pecuaristas, principalmente nos locais onde o acesso à assistência técnica, a insumos e à mecanização, ferramentas essenciais para a intensificação racional, é normalmente mais difícil e oneroso. Compondo esse cenário, apresentam-se como limitantes para o desenvolvimento da pecuária na região as atuais legislação ambiental, que impede o uso, para fins agropecuários, de 50% a 80% do total da área, em propriedades rurais, situadas em área de floresta, na Amazônia Legal, e legislação trabalhista, que impõem certas exigências de aplicação prática mais difícil em locais com carências de infraestrutura e de mão de obra qualificada, como é o caso de grande parte da região amazônica. A plena profissionalização da pecuária bovina na Amazônia inauguraria uma nova fase de desenvolvimento dessa atividade na região, a Fase 4 (Figura 1). Essa nova fase se adequaria às restrições impostas pelas legislações ambiental e trabalhista ao pleno desenvolvimento da pecuária amazônica e estaria alinhada às metas brasileiras no Acordo de Paris. Mais especificamente, nas metas para zerar o desmatamento ilegal na Amazônia, intensificar a atividade pecuária, recuperar pastagens, reduzir emissões de gases-estufa e recompor a vegetação florestal, aumentando, ao mesmo tempo, a capacidade de produção de carne (e leite) em pastagens na região amazônica. Assim como ocorreu na transição da Fase 2 para a Fase 3 (Figura 1), a contínua adoção de tecnologia será fundamental para que a pecuária regional ingresse definitivamente nessa nova fase de desenvolvimento (Fase 4). O amadorismo no manejo das pastagens amazônicas deverá definitivamente curvar-se ao profissionalismo, próprio de uma pecuária empresarial, independentemente do tamanho do empreendimento pecuário.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
DIAS-FILHO, M.B.; LOPES, M.J.S. Histórico e desafios na pecuária bovina na